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13 – CONTENCIOSO COMUNITÁRIO I

10 – DIREITO PROCESSUAL DA EU (OU CONTENCIOSO COMUNITÁRIO)

Fontes normativas

- Art.º 19.º, TUE

- Arts. 251.º a 281.º, TFUE

- Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia

- Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça

10.1 – INTRODUÇÃO AO SISTEMA JUDICIAL DA UE

O princípio da efectividade do Direito da UE não seria respeitado se a UE dispusesse


apenas dos poderes legislativo e executivo. É necessário também o poder
jurisdicional, mediante o qual o Direito da UE recebe protecção

Em particular, vimos que este poder tem aperfeiçoado a ordem jurídica europeia,
suprimindo as lacunas dos Tratados e criando princípios importantes (ex: princípio
do primado, princípio do efeito directo)

Como já vimos, o sistema judicial da UE desdobra-se em:

- Tribunal de Justiça

- Tribunal Geral

- Tribunais Especializados (actualmente, não há nenhum)

- Tribunais Nacionais (quando aplicam o DUE)

Explica Fausto de Quadros (pp. 376-378) que o TJUE é um verdadeiro órgão


jurisdicional, que funciona de diferentes maneiras:

1) Como tribunal constitucional

Fiscalizando a conformidade do Direito Derivado da UE e dos comportamentos dos


EMs com os Tratados, entendidos estes como a Constituição da UE em sentido
material

2) Como tribunal administrativo

Impondo à UE o dever de respeitar a legalidade, o que faz sobretudo através de


dois meios contenciosos (o recurso de anulação e a acção por omissão)

3) Como tribunal internacional


Resolvendo litígios entre Estados-Membros, como se pode ver nos artigos 273.º e
259.º, TFUE

4) Como tribunal cível

Julgando da responsabilidade civil extracontratual da UE por acções ou omissões


ilícitas imputáveis aos seus órgãos ou agentes

5) Como tribunal político

Podendo, inter alia, demitir os membros da Comissão Europeia (245.º, § 2, TFUE)


ou o Provedor de Justiça (228.º, n.º 2, par. 2, TFUE)

6) Como tribunal uniformizador

Interpretando de forma homogénea os tratados e demais actos normativos da UE,


auxiliando as jurisdições nacionais, o que ocorre sobretudo através do reenvio
prejudicial (267.º, TFUE)

Contudo, reparem: a sua ingerência nos EMs é muito limitada uma vez que:

- Não é de forma alguma um tribunal de recurso das decisões dos tribunais


nacionais

- Não pode anular os actos dos EMs, sejam eles legislativos, regulamentares, etc

Em suma: Não podemos reconduzir o TJUE nem aos tribunais nacionais, nem a um
tribunal federal (ex: o US Supreme Court), nem aos tribunais internacionais
(Tribunal Europeu dos Direitos do Homem; Tribunal Internacional de Justiça;
Tribunal Penal Internacional, etc.). Estamos diante de algo único e novo

10.1 – ORGANIZAÇÃO DO SISTEMA JUDICIAL DA UE (REMINDER)

Composição do TJ (art.º 19.º, n.º 2, TUE)

- Juízes (um por cada EM): Decidem e administram a justiça em nome do TJ

- Advogados-gerais: A sua função é descrita no 252.º, n.º 2, TFUE

Cuidado: não são advogados no sentido português do termo, nem procuradores.


Devem apresentar conclusões fundamentadas sobre as causas submetidas ao TJ,
não representando os interesses de ninguém (nem os da UE). Devem agir com total

Imparcialidade.

Na realidade, a sua função é extremamente importante - Estudos revelam que as


decisões do TJUE seguem muitas vezes as soluções apresentadas pelos advogados-
gerais
Tribunal Geral - Foi criado em 1988, com o AUE, e inicialmente chamava-se
Tribunal de Primeira Instância, na realidade, a sua relação com o TJ é mais
complexa

Em geral:

- Por vezes, actua como um tribunal de primeira instância (256.º, n.º 1, TFUE)

- Outras, é uma instância de recurso, como, por exemplo:

 Das decisões dos tribunais especializados


 Das decisões de outros órgãos (ex: decisões do Instituto da Propriedade
Intelectual da União Europeia)

Tribunais especializados - Podem ser criados pelo PE e pelo Conselho para matérias
específicas (257.º, n.º 1, TFUE), só houve um, o Tribunal da Função Pública,
extinto em 2016

10.2 – AS COMPETENCIAS DO TJ

Divisão chave

Jurisdição contenciosa - Recursos directos (a acção é proposta directamente junto


do TJUE)

1) Acção por incumprimento

2) Recurso de anulação

3) Excepção de ilegalidade

4) Recurso por omissão

5) Acção de indemnização

Jurisdição não contenciosa (ou consultiva) - Recurso indirecto (a acção é proposta


diante do juiz nacional e só sucessivamente levada diante do TJUE)

1) Reenvio prejudicial

10.2.1 - JURISDIÇÃO CONTENCIOSA

A UE dispõe de vários meios processuais para resolver conflitos, que podem ocorrer
entre (cf. Gorjão-Henriques, p. 417):

- As instituições e os órgãos da UE

- Os EMs
- Os EMs e a UE

- Os particulares e a UE

a) A acção por incumprimento

Quando um EM viola as obrigações decorrentes do Direito da UE, pode ser


sancionado a nível interno, em processos instaurados pelos particulares. Contudo,
também existe um meio contencioso europeu: a acção por incumprimento,
regulada nos arts. 258.º a 260.º, TFUE

Trata-se de um meio particularmente importante, de facto, se os EMs violassem


livremente o Direito da UE, a própria existência desta organização ficaria em risco.

A obrigação de os EMs respeitarem as normas europeias advém explicitamente do


princípio de cooperação leal (art.º 4.º, n.º 3, TUE).

Vejamos os sujeitos activos e passivos, e o objecto destes meios processuais (ou


seja, who’s suing whom for what?)

Demandantes (legitimidade processual activa):

- A Comissão (258.º, TFUE) - Faz sentido que seja esta instituição, dado o seu
papel de guardiã dos Tratados e do DUE em geral (art.º 17.º, n.º 1, TUE)

- Um Estado-Membro (259.º, TFUE)

Cuidado:

Os artigos 258.º e 259.º TFUE, mostram claramente que a acção por


incumprimento não pode ser exercida pelos particulares. Estes dispõem de meios
processuais a nível nacional (ex: invocar o efeito directo ou intentar uma acção de
responsabilidade extracontratual contra o Estado)

Contudo - Os particulares podem sempre apresentar uma queixa à Comissão,


descrevendo a alegada infracção imputável ao EM

Vejam esta página do sítio da Comissão:

https://ec.europa.eu/info/about-europeancommission/contact/problems-
andcomplaints/how-make-complaint-eulevel/submit-complaint_pt

Mas cuidado - A Comissão não fica obrigada a agir, mantendo a possibilidade de


decidir discricionariamente, tendo em conta os interesses em jogo.

Em relação aos EMs - Tratando-se de uma situação delicada, muito raramente os


EMs chegam a recorrer directamente a este meio contra outro EM, preferindo
simplesmente informar a Comissão. Outras vezes a Comissão antecipa-se ou
substitui-se a eles. Gorjão-Henriques escreve que só ocorreu 5 vezes, tendo-se
chegado a um acórdão apenas em três delas (p. 466)

Demandados (legitimidade processual passiva)

- Um Estado-Membro (entendido em sentido amplo)

Objecto do processo - Averiguar se houve incumprimento imputável ao EM das


obrigações decorrentes do Direito da UE

Cuidado:

A fórmula “obrigações que lhe incumbem por força dos Tratados” (art.º 258.º e
259.º, TFUE) deve ser interpretada extensivamente, compreende todo o Direito da
UE

Mas o que se entende por incumprimento?

Semelhantemente ao que ocorre noutros ramos do Direito (Direito Civil, Direito


Penal, etc.), pode ser incumprimento por acção ou por omissão.

Mota de Campos fornece alguns exemplos (pp. 451-452)

- Incumprimento por acção (modalidades)

 Que violem as regras e os princípios do DUE


 Adopção na ordem interna de um acto jurídico
 Adopção de um comportamento por parte do Estado (acções materiais,
actuação administrativa, práticas internas)

- Incumprimento por omissão (modalidades)

 Recusa em adoptar na ordem interna medidas jurídicas impostas pelo DUE


 Recusa em adoptar na ordem interna acções materiais impostas pelo DUE
 Não impedir práticas lesivas do mercado interno imputáveis a particulares
 Não acatamento de decisões do TJUE

Exemplo da terceira modalidade: Comissão c. França, de 1997 (Processo C-


265/95)

“ ... há que concluir que... o Governo francês se absteve, de maneira manifesta e


persistente, de tomar medidas suficientes e apropriadas para fazer cessar os actos
de vandalismo que põem em causa, no seu território, a livre circulação de certos
produtos agrícolas originários de outros Estados-Membros e para impedir a
renovação de tais actos.”

“Por consequência, deve declarar-se que, ao não tomar todas as medidas


necessárias e proporcionadas a fim de que acções de particulares não entravem a
livre circulação de frutas e produtos hortícolas, a República Francesa não cumpriu
as obrigações que decorrem do artigo 30° do Tratado, em conjugação com o artigo
5° do mesmo Tratado, e das organizações comuns de mercado dos produtos
agrícolas.”

Tramitação processual básica, duas fases:

- Fase administrativa (ou pré contenciosa)

- Fase judicial

Uma vez que muito raramente os EMs são demandantes neste processo,
analisaremos apenas a tramitação em que a Comissão é demandante.

Fase administrativa (ou pré contenciosa)

A acção por incumprimento é muito grave e pode causar ressentimento no EM


atingido, por este motivo, antes de desencadear o processo judicial propriamente
dito, existe uma fase em que a Comissão averigua a existência da infracção e tenta
resolver a situação amigavelmente.

O que acontece nesta fase pré-contenciosa? (258.º, n.º 1, TFUE)

À margem dos tratados, afirmou-se esta prática:

A Comissão envia ao EM por carta uma notificação por incumprimento, através da


qual delimita a questão e pede explicações acerca do alegado incumprimento,
fixando um prazo.

A seguir:

- O EM apresenta as suas observações

- A Comissão aprecia as razões contidas nas observações do EM e, se não se


chagar a acordo, emite um parecer fundamentado sobre o assunto, cuja função é
convidar o EM a eliminar a situação de incumprimento, se o EM não proceder em
conformidade com o parecer no prazo fixado por este... (258.º, § 2, TFUE)... a
Comissão pode (é uma faculdade, não uma obrigação!) recorrer ao TJ.

Repara: Sendo um assunto particularmente sério, só recorrerá se a conduta


ofender seriamente os direitos de terceiros ou o DUE

Fase Judicial:

- É sempre diante do TJ, nunca diante do TG

- Como podemos saber, se o 258.º fala simplesmente em “Tribunal de Justiça da


União Europeia”?
A resposta está na definição da competência do Tribunal Geral no art.º 256.º,
TFUE.

O Regulamento de Processo do TJ mostra que a tramitação do processo diante do


TJ segue um modelo bastante tradicional:

- Fase escrita: troca dos articulados entre as partes (petição inicial; contestação;
eventual réplica e tréplica)

- Diligências de instrução (para produção de provas)

- Fase oral: julgamento

- Conclusões do Advogado-Geral

- Acórdão do Tribunal

O que o TJ faz?

Limita-se a averiguar o incumprimento, condenando ou absolvendo o EM (260.º,


n.º 1), no entanto, uma vez que o TJ não é um tribunal federal, a sentença tem
efeitos meramente declarativos, não podendo anular actos nacionais ou obrigar o
EM a adoptar determinados comportamentos

Se o EM for condenado - Este EM deverá tomar “as medidas necessárias à execução


do acórdão do Tribunal” (260.º, n.º 1, par. 1, in fine, TFUE)

E se o EM decidir ignorar a sentença do TJ? - Começa um segundo processo por


incumprimento (art.º 260.º, n.º 2, TFUE)

Como afirmado pelo próprio TJ, desta vez se trata de um “processo especial de
execução dos acórdãos do Tribunal de Justiça, ou seja, um processo executivo”, de
carácter simplificado em relação ao processo principal (v. GORJÃO-HENRIQUES,
cit., p. 473)

O que se faz neste segundo processo? (art.º 260.º, n.º 2, § 2)

- A Comissão é o demandante

- O EM pode apresentar as suas observações

- Após isso, a Comissão pede ao TJ que condene o EM ao pagamento de:

- uma quantia fixa

- uma sanção pecuniária compulsória (isto é, de tipo progressivo)

E se o EM se recusar a pagar?
Não há mais nada a fazer. A UE não é um Estado Federal: logo, não pode, por
exemplo, penhorar bens dos EMs para executar a sentença, contudo, é altamente
improvável que algum dia se chegue a uma situação tão extremada.

Curiosidade - Portugal já foi condenado mais do que uma vez através do processo
por incumprimento, por exemplo, em 2009 foi condenado por violação de uma
Directiva relativa ao tratamento de águas residuais urbanas («Directiva
91/271/CEE»). Não tendo cumprido todas as medidas necessárias à execução do
acórdão de 2009, em 2014 Portugal foi condenado a pagar uma quantia fixa de 3
milhos de euros e uma sanção pecuniária compulsória de 10000€ por dia (v.
GORJÃO-HENRIQUES, p. 478 e ss.)

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