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Tutorias Direito da União Europeia Miguel Sousa Guedes

2ª Tutoria- Fontes e Principio do Primado

Direito Primário

Definição: conjunto de regras e princípios que, vertidos nos Tratados institutivos e outros
instrumentos jurídicos de valor jurídico-formal equivalente (ex: Carta dos Direitos
Fundamentais da EU, nos termos do ARTº 6º TUE, protocolos e anexos, ARTº 51º TUE),
formam, no seu conjunto, o estatuto jurídico fundamental da União Europeia.

Do ponto de vista do critério da hierarquia, a ordem jurídica eurocomunitária é uma estrutura


escalonada, no topo da qual, com força subordinante e autoridade legitimadora, se
encontra o Direito Primário.

TRATADOS OU CONSTITUIÇÃO?

Esta é uma questão clássica e recorrente na discussão académica em torno da natureza


jurídica dos Tratados institutivos.

A chamada Constituição Europeia tinha por designação oficial TRATADO QUE ESTABELECE
UMA CONSTITUIÇÃO PARA A EUROPA.

® Existe uma precompreensão favorável à ideia de constituição, por parte dos autores
que, em termos de análise atual ou prospetiva, associam a União Europeia a um
modelo federal.

Trata-se de uma classificação mais dependente de uma certa convicção ideológica ou


doutrinária do que o resultado de uma análise jurídica, baseada na solidez dos
conceitos de constituição e de tratado.
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§ No plano jurídico-formal: é um tratado internacional que tem os Estados Membros


como partes contratantes- ARTº 54º TUE, e cuja revisão depende da vontade das
partes contratante- fundamento pactício, ARTº 48º TUE.

§ No plano substantivo: os Tratados têm uma função análoga à da Constituição na sua


aceção material e que ficou cunhada no ARTº 16º da Declaração dos Direitos do
Homem e do Cidadão de 1789.

Um texto, como o dos Tratados e da CDFUE, que garanta a separação de poderes e proteja
direitos fundamentais, é uma constituição em sentido material.

É também uma constituição em sentido funcional: colocada no topo da pirâmide normativa,


constitui parâmetro e referência de validade/conformidade do direito adotado em sua
aplicação.
® Validade- quando se trata do direito secundário, por via de mecanismos como o do
recurso de anulação- ARTº 263º TFUE.
® Conformidade- quando está em causa o direito interno dos EM, cuja avaliação é feita
pelo TJ, no quadro da ação por incumprimento dos ARTº 258º-260º TFUE, ou pelos
tribunais nacionais no âmbito do sistema interno de vias de direito.

ÂMBITO DE APLICAÇÃO DOS TRATADOS:

1. ÂMBITO TERRITORIAL:
a. ARTº 52º TUE
b. ARTº 355º TFUE
c. ARTº 349º TFUE, com particular relevância para as regiões autónomas da
Madeira e dos Açores, regiões ultraperiféricas que beneficiam de um estatuto de
aplicação adaptada do Direito e da União em função das suas especificidades de
ordem geográfica e económica.

2. ÂMBITO TEMPORAL
a. Vigência ilimitada- ARTº 53º e ARTº 356º TFUE

3. ÂMBITO MATERIAL
a. A expressão “âmbito de aplicação dos Tratados” apresenta-se como critério de
delimitação da sua relevância conformadora- ARTº 18º/1 TFUE, sobre o princípio
da não discriminação em razão da nacionalidade.
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b. O âmbito de matérias abrangidas pelos Tratados resulta do que neles está


definido- princípio da competência por atribuição, ARTº 5º/1 e 2 TUE-, incluindo
a possibilidade de alargar a competência material da EU, por via do ARTº 352º
TFUE.
c. Ao longo de anos, o processo de construção europeia sacrificou o pressuposto
originário de integração coesa e uniforme, igual para todos os Estados-Membros,
para dar lugar, em nome do aprofundamento e da continuação do projeto
europeu, a uma integração diferenciada, de geometria variável, em domínios
materiais como a poltiica monetária, a livre circulação de pessoas, as
cooperações reforçadas- artigo 20º TUE + 326º a 334º TFUE; e até a tutela dos
direitos fundamentais-

4. ÂMBITO SUBJETIVO
a. Os tratados reconhecem aos cidadãos nacionais dos Estados-membros o
estatuto diferenciado de “cidadãos da União” - ARTº 18º a 25º TFUE; ARTº 39º a
46º CDFUE

5. EFICÁCIA DOS TRATADOS


a. A distinção clássica que opõe tratado-lei- que regula de modo preciso direitos e
deveres das partes contratantes- e tratado-quadro- que define um
enquadramento geral a desenvolver por atos de aplicação- não parece que se
adeque ao conteúdo dos atuais tratados:

TUE- enuncia princípios gerais e objetivos, mas também alberga decisões


precisas, por exemplo, sobre a PESC

TFUE- na generalidade dos artigos, define com razoável grau de clareza o


regime jurídico aplicável, o que o torna suscetível de aplicação direta (self-
executing) e de invocação pelos particulares (eficácia direta), coexistindo em
domínios dependentes de aprovação de atos do direito derivado (ARTº 103º
TFUE) e de enunciação de princípios gerais (ARTº 2º TFUE, ARTº 7º TFUE).
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DIREITO SECUNDÁRIO

Definição: conjunto de atos jurídicos, normativos e não normativos, adotados pelas


instituições, órgãos e organismos da União Europeia.

Nos Tratados coexistem duas nomenclaturas de atos:

1. ATOS TIPIFICADOS PELO ARTº 288º TFUE: regulamento, diretiva, decisão,


recomendação e parecer.
2. ATOS TÍPICOS DE NATUREZA FUNCIONAL- Tratado de Lisboa : Atos legislativos
(ARTº 289º TFUE), atos delegados (ARTº 290º TFUE) e atos de execução (ARTº
291º TFUE

Alguns dos atos típicos, como são as recomendações e os pareceres na aceção do ARTº 288º
TFUE, e a generalidade dos atoas atípicos, constituem uma manifestação de soft law.

Podemos assumir que, no quadro do Direito da EU, soft law designará regras de conduta
que, não sendo juridicamente vinculativas, não são juridicamente irrelevantes.

ATOS TÍPICOS DO ARTº 288º TFUE


REGULAMENTO
® Ato normativo de alcance geral e abstrato
o Estabelecem regras, impõem obrigações ou conferem direitos que a todos os
que se incluam ou possam vir no futuro a incluir-se na categoria de
destinatários que o regulamento define em abstrato e segundo critérios
objetivos, afetando todas as pessoas de direito da EU.
® Obrigatório em todos os seus elementos:
o Permite às instituições da União Europeia impor autonomamente a
observância da totalidade das disposições desse ato aos Estados-Membro,
seus órgãos e autoridades, e a todos os particulares sujeitos à jurisdição da UE
® Diretamente aplicável em todos os EM, desde o momento da sua entrada em vigor
® Instrumento de criação de direito uniforme que vigora direta e simultaneamente nas
ordens jurídicas nacionais sem necessidade de qualquer ato interno de transformação
ou de receção.
® O regulamento costuma ser catalogado como equivalente às leis do direito interno. O
mais rigoroso é considerá-lo um instrumento da função normativa, já que, mesmo
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antes do Tratado de Lisboa, o regulamento veiculava tanto o exercício da função


normativa primária (função legislativa), como o exercício da função normativa
secundária (função normativa de execução).
® Depois do Tratado de Lisboa, o regulamento, dependendo do procedimento, pode ser
um ato legislativo, um ato delegado ou um ato de execução.
® Há o caso Variola que é muito conhecido a propósito desta questão do regulamento:
importante a propósito das especificadades do sistema dualista da Constituição
europeia, o TJ foi perentório no sentido de considerar medidas internas de receção ou
de incorporação como incompatíveis com o atributo da aplicabilidade direta.
® Fonte de direitos e de deveres para todos os sujeitos de direito, o regulamento
costuma ser catalogado como equivalente às leis de direito interno.
® O mais rigoroso é tratar o regulamento como instrumento da função normativa, já
que, mesmo antes do Tratado de lisboa, o regulamento veiculava tanto no exercício
da função primária como na função normativa secundária- função normativa de
execução.
® Aplicabilidade direta- entra em vigor em todos e para todos os Estados, produzindo
imediatamente efeitos sem estar sujeito a medidas de receção – mas não são
autossuficientes e podem necessitar de atos de execução pelos Estados (portarias e
despachos).
® Efeito direto:

DIRETIVA

® Instrumento de harmonização das legislações nacionais


® Apresenta os EM como destinatários diretos e formais, porque os vincula em relação
aos resultados a alcançar (obrigação de resultado), concedendo-lhes autonomia
quanto à forma e aos meios para realizar os objetivos inscritos no programa
harmonizador da diretiva.
® Não apresenta aplicabilidade direta- os EM estão sempre obrigados a proceder à sua
transposição para o direito interno, nos termos definidos pelas Constituições
nacionais, em conformidade com o sistema interno de fontes.
® A autonomia na escolha do procedimento e meios de transposição( lei ou ato de
função administrativa; pelo goce não pode pôr em causa a obrigação de uma
transposição completa, eficaz e dentro do prazo previsto na diretiva.
® A jurisprudência tem-se pronunciado no sentido de considerar que a transposição só
se tem por alcançada com o recurso a atos com o mesmo valor jurídico das normas
internas que serão sujeitas a alteração ou adaptação- ACORDÃO DE 26/10/1995, C-
151/84, COMISSÃO c. LUXEMBURGO, Nº18.
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® CASO PORTUGUÊS: A CRP exige para a transposição de atos jurídicos da EU, nos
termos do ARTº 112/8, a forma de lei, decreto-lei ou decreto legislativo regional.

O requisito de ato legislativo foi uma opção do Legislador constituinte. Por exemplo,
a Professora Maria Luísa Duarte considera que, por uma questão de equivalência
formal e de adequação funcional, bastaria a forma de ato normativo da função
administrativa para a transposição de diretivas de execução para a ordem jurídica
portuguesa. Assim, considera uma opção constitucional que envolve excesso de
forma e que leva à banalização desnecessária do ato legislativo.

DECISÃO: Corresponde ao ato administrativo, no nosso direito nacional. É individual e


concreta, pelo que apenas obriga os destinatários que ela própria designar,
individualizando-os.

® Obrigatória em todos os seus elementos


® Pode ou não designar destinatários.
® Caso designe destinatários- só é vinculativa para estes e funciona como um ato
equivalente ao ato administrativo no direito interno.
® Aplicáveis em domínios como os do auxílio do Estado, com decisões da Comissão
dirigidas aos Estados-Membros e do Direito da Concorrência, com decisões da
Comissão que podem impor multas e adstrições às empresas por violação das regras
da leal concorrência.
® O Tratado de Lisboa introduziu uma pequena alteração textual, abrindo a porta a
decisões que, não designando destinatários, são decisões de alcance geral e abstrato.
® No âmbito da PESC, a decisão é o instrumento típico de deliberação e fica assim
coberta pela aceção de ato genérico que é obrigatório para todos sem designar
destinatários- ARTº 31º/1 TUE

RECOMENDAÇÕES E PARECERES

® Atos não vinculativos


® RECOMENDAÇÕES- adotadas por iniciativa da instituição, órgão ou organismo que as
formula
® PARECERES- são emitidos a pedido, por via de regra integrados num procedimento
decisório como formalidade essencial- ARTº 242º TFUE, ARTº 218º/6 b) TFUE, ARTº
168º/5 TFUE.
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Não sendo vinculativo, o parecer, quando previsto como exigência procedimental, é


necessário. A sua omissão é geradora de ilegalidade do ato adotado, passível de impugnação
por violação de formalidade essencial- ARTº 263 parag 2 TFUE, ARTº 267º b) TFUE, ARTº 277º
TFUE.

® Ambos não são vinculativos, pelo que, em princípio, não constituem fonte autónoma
de direitos e deveres. Porém, não são juridicamente irrelevantes.

A sua potência jurídica pode atingir expressão considerável, nomeadamente como


diretrizes de interpretação das normas vigentes e como compromisso de
autovinculação por parte do órgão responsável pela adoção da recomendação ou
parecer.

ASPETOS FUNDAMENTAIS DO REGIME JURÍDICO COMUM DOS ATOS EUROCOMUNITÁRIOS

1. Presunção de legalidade: o ato jurídico eurocomunitário produz os seus


efeitos jurídicos, ficando a inibição ou exclusão de tais efeitos jurídicos
dependentes da declaração de nulidade- ARTº 294º TFUE ou de invalidade-
ARTº 267º b) TFUE e ARTº 277º TFUE
2. Dever de fundamentação- ARTº 296º- A fundamentação requer-se mais ou
menos desenvolvida dependendo da natureza do ato e do âmbito de margem
de livre apreciação que assiste ao órgão decisor. Este requisito visa, em
especial, dar a conhecer aos destinatários do ato as razões que estiveram na
base da sua adoção pelo decisor da União, o que se torna essencial como
pressuposto do exercício do direito de impugnação judicial da legalidade do
ato em causa.
3. Publicação/notificação- os atos legislativos e não legislativos são publicados
no Jornal Oficial da União Europeia e entram em vigor na data por eles fixada
ou, na ausência desta, decorrido o prazo de vacatio legis, no 20º dia seguinte
ao da sua publicação

DIREITO INTERNACIONAL DE FONTE CONVENCIONAL

1. ACORDOS INTERNACIONAIS CELEBRADOS PELA EU

Podem ser sobre:


® Matérias que relevam da sua competência exclusiva ou partilhada- ARTº 2º/1 e 2 TFUE
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® Situações em que os Tratados o prevejam, bem como nos casos em que o acordo seja
considerado necessário para alcançar objetivos estabelecidos pelos Tratados-
princípio da implicação de poderes
® Vise regular uma matéria que está prevista num ato juridicamente vinculativo da
União- princípio do paralelismo da competência- ARTº 216º/1 TFUE

Os acordos internacionais de natureza eurocomunitária (sobre matéria de competência da


União e celebrados autonomamente pela União como parte contratante nos termos do
ARTº 218º TFUE, integram o bloco de normatividade do sistema jurídico da EU, com um duplo
efeito de vinculação:
® São obrigatórios para as instituições da EU
® São obrigatórios para os EM- ARTº216º/2 TFUE

O TJUE é competente para interpretar e aplicar um acordo internacional, incluindo a


verificação da sua compatibilidade com o texto dos Tratados e eventual declaração de
ilegalidade.

O TJ ressalva a aplicação do acordo pela via da limitação temporal dos efeitos da declaração
de ilegalidade, para garantir a proteção dos direitos e interesses das outras partes
contratantes, à luz da CVDT-II, em especial, o ARTº 46º.

1. ACORDOS INTERNACIONAIS CELEBRADOS PELOS EM

Enquanto membros da União, os EM mantém a sua condição de sujeitos de Direito


Internacional, gozando do direito de celebrar tratados.

O poder de vinculação internacional está limitado pelo âmbito de matérias cuja regulação foi
atribuída à EU e em relação às quais não podem, em princípio, convencionar.

Tratados celebrados pelos EM com países terceiros ou OI’s ANTES da criação das
Comunidades Europeias (para os EM originários) ou da adesão do EM (ex: Portugal):

ARTº 351º TFUE, em nome do princípio pacta sunt servanta e do princípio da boa-fé: a adesão
da EU não prejudica a vigência desses acordos, salvo se verificar alguma incompatibilidade
com os tratados + ATENÇÃO-PRINCÍPIO DA COOPERAÇÃO LEAL
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OUTRAS FONTES
1. JURISPRUDÊNCIA DO TJ

® É, em larga medida, responsável pela autonomia e especificidade da ordem jurídica


da EU.
® Foi determinante no desenho de características fundamentais como o principio do
primado, a projeção do efeito direto, a conceção de uma Comunidade de Direito
associada a um sistema de limitação jurídica de poder exercido pelo decisor da União
e pelos decisores dos Estados-Membros, designadamente por via dos direitos
fundamentais.
® Entre as décadas de 60 a 90 do século passado, o TJ produziu uma jurisprudência
muito criativa, aproveitando o contexto favorável a esse exercício favorável de
ativismo judicial.

NÃO EXISTE UMA RELAÇÃO HIERÁRQUICA QUE VINCULE OS JUÍZES NACIONAIS AO TJ.
® O TJ não é um tribunal superior no sentido orgânico de uma tal qualificação. Nem
seria justificado que o fosse não sendo a uma federação.
® Não obstante, a jurisprudência proferida é vinculativa para todos os tribunais
nacionais e para os demais órgãos, da função legislativa e administrativa, da estrutura
eurocomunitária ou estadual.

Um acórdão proferido ao abrigo do chamado reenvio judicial, na sequência de questões


levantadas pelo juiz nacional que no processo interno se confronta com dúvidas de
interpretação ou de validade sobre a norma eurocomunitária aplicável, produz um efeito
de precedente atípico.

O Acórdão vai ser vinculativo para o juiz que colocou a questão e para todos os juízes, de
todos os Estados membros que, no futuro, tenham de lidar com questões materialmente
idênticas.

1. PRINCÍPIOS GERAIS DE DIREITO

Encontramos nos Tratados menções expressas aos princípios gerais de direito.


A relevância conformadora dos princípios gerais de Direito na oj eurocomunitária constitui
um dos principais legados da construção jurisprudencial,.
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® No ARTIGO 6º, nº3 TUE, ao determinar que fazem parte do direito da União os direitos
fundamentais tal como os garante o CEDG e tal como esultam das tradições
constitucionais comuns aos Estados-Membros enquanto princípios gerais
® A CDFUE RETOMA a ideia de normas garantidoras de direitos fundamentais sob a
forma de princípios.

1. COSTUME
Não é comum encontrar referência ao costume como fonte de Direito da União,
contrariamente ao que acontece com o DI. Por um lado, porque o Direito da União Europeia
se desenvolve por via da aprovação de atos jurídicos e há uma tendência para a exaustividade.
Por outro lado, existe controlo jurisdicional da legalidade.

PRIMADO DA EU

O primado é a “exigência existencial” do Direito Comunitário, como refere Pescatore.

A norma eurocomunitária não existiria enquanto compromisso de direito uniforme, porque a


sua aplicação interna poderia ser afastada ou mitigada por vontade do decisor estadual.

CASO COSTA v. ENEL- ofereceu uma fundamentação clara e coerente do princípio do


primado.
O TJ, confrontado com o dever de o tribunal italiano aplicar a norma interna existente sobre
a matéria, foi categórico sobre os alicerces teóricos da exigência do primado.
De modo muito sintético, o TJ pronunciou-se no sentido de considerar que, ao ser instituída
uma Comunidade de duração ilimitada, dotada de poderes reais resultantes de uma limitação
de competências ou de uma transferência de atribuição dos Estados para a Comunidade,
estes limitaram, voluntariamente, os seus direitos soberanos, ainda que em domínios
restritos, e criaram, portanto, um corpo de normas aplicável aos seus nacionais e a si
próprios. Para além disto, conclui que as obrigações assumidas no Tratado que institui a
Comunidade não seriam absolutas, mas apenas eventuais, se pudessem ser postas em causa
por posteriores atos legislativos dos signatários.

Ou seja:
® Não é por ser hierarquicamente superior, mas é porque é materialmente competentes
para regular o litigio concreto.
® Foram os próprios Estados que aceitaram a limitação de competências em domínios
definidos nos Tratados.
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o Portanto, não se trata de uma hétero-limitação. Foi uma autolimitação, por via
convencional.

!!!- Consequência operativa do princípio do primado- Afastamento ou desaplicação da


norma interna contrário.

A norma interna deve ser desaplicada, de acordo com o PRINCÍPIO DA COOPERAÇÃO LEAL-
ARTº 4º/3 TUE—Os órgãos nacionais competentes estão obrigados a promover a sua
REVOGAÇÃO ou ALTERAÇÃO de modo a eliminar a incompatibilidade detetada com o
direito comunitário

O princípio do primado não se repercute diretamente na validade ou invalidade da norma


interna contrária.
Esta norma não pode, contudo, ser aplicada. Impõe-se a sua remoção, sob pena de o EM ser
demandado por acusação de incumprimento, perante o TJ- ARTº 258º TFUE.

Outro importante acórdão: Caso Simmenthal- O problema colocou-se em relação aos


sistemas de fiscalização da inconstitucionalidade que, como o sistema italiano no caso
Simmenthal, condicionam a desaplicação da norma interna à declaração prévia de
inconstitucionalidade, que só o tribunal Constitucional poderá apreciar.

Caso Simmental- “o juiz nacional responsável, no âmbito das suas competências, pela
aplicação das disposições de direito comunitário, tem a obrigação de assegurar o pleno
efeito de tais normas, decidindo, por autoridade própria, se necessário for, da não aplicação
de qualquer norma de direito interno que as contraria, ainda que tal norma seja posterior,
sem que tenha de solicitar ou esperar prévia eliminação da referida norma por via
legislativa ou por qualquer outro processo constitucional”.

CASO MECANARTE, com origem no tribunal português- formulou a questão específica sobre
se o desvalor da norma interna contrária ao direito derivado se traduzia ou não numa
inconstitucionalidade, porque, se sim, seria necessário recurso obrigatório para o TC. O TJ
veio reiterar a doutrina Simmenthal- o juiz da causa tem o poder de decisão e o dever de
garantir a plena eficácia da norma eurocomunitária interno, neste caso norma constitucional,
ser depois objeto de recurso.

Esta tendência e convicção do Tribunal de Justiça na defesa do primado também se encontra


mesmo em casos em que no litígio concreto é invocada uma norma de natureza
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constitucional, mesmo que uma tal interpretação tenha no caso concreto um impacto
deveras negativo sobre o nível de proteção dos direitos fundamentais, como seja o caso de
garantias de direito penal na Constituição Espanhola CASO MELLONI

® É jurisprudência assente que, por força do primado do direito da União, qie é uma
característica essencial da ordem da União(...) a invocação por um Estado-Membro de
disposições de direito nacional, ainda que de natureza constitucional, não pode
afetar o efeito da União no território desse Estado.

PORÉM, O PRINCÍPIO DO PRIMADO NÃO É ABSOLUTO, NEM INCONDICIONAL

® ARTº4º/2 TUE- RESPEITO PELA IDENTIDADE NACIONAL DOS EM


® ARTº 6º/3 TUE- TRADIÇÕES CONSTITUCIONAIS COMUNS AOS EM COMO FONTE DE
PRINCÍPIOS GERAIS EM MATÉRIA DE RPOTEÇÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS.
® ARTº 53º CDFUE- constituições dos EM como parte integrante do bloco de
fundamentalidade da União.

Por exemplo, diretiva comunitária no domínio do espaço de liberdade, segurança e justiça,


viesse a impor aos Estados-Membros a criação de tribunais especiais para julgamento do
crimes de terrorismo. Estariamos perante uma tentativa flagrante de harmonização de
legislações nacionais que violaria o princípio do juiz natural.

Temos uma dupla relativização do PRIMADO, que resulta:

1. Respeito pela identidade constitucional dos Estados


2. Alargamento do “bloco de fundamentalidade” da União aos princípios fundamentais
de regime jurídico-constitucional em matéria de tutela de direitos
3. Princípio da competência de atribuição é um limite inerente ao primado- a norma
eurocomunitária prevalece na medida em que traduza exercício de uma competência
atribuída pelos Tratados.
a. Ainda assim, o limite poderá ser pouco efetivo se o TJ enveredar por uma
interpretação marcadamente criativa e extensiva dos Tratados como base de
habilitação do decisor da União.
b. Para para o Tribunal Constitucional alemão, a aplicação interna do direito da
União deve ser sujeito a um teste de controlo Tera viras: a vocação
prevalecente da norma euro comunitária sobre na Internet paralisada no caso
se conclui que o uso da União violou os limites de competências definidos
pelos tratados. A questão crucial é aqui de saber qual o tribunal competente
para decidir sobre o teste ultra viras.

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