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Maria Paixão Direito da UE II – 2015/16

Parte I – O sistema jurisdicional da UE


Capítulo I – A jurisdição da UE
1. A estrutura atual do Tribunal de Justiça da UE
O TJUE é um órgão “constitucional” da União Europeia, tendo estatuto de instituição (art. 13º/1 TUE). Este é uma das
principais instituições da arquitetura institucional da UE, assumindo o papel de garantir a correta e interpretação e
aplicação do direito da União. Nos termos do art. 13º/2 TUE, o TJUE está sujeito aos princípios da limitação de
atribuições e competências e da cooperação legal.
O Tribunal de Justiça é um órgão originário da União, tendo sido previsto logo no Tratado de Roma. Este acolhimento,
pelo Tratado de Roma, de um órgão jurisdicional da UE teve como fundamento os seguintes aspetos:
 O número de Estados-membros era reduzido;
 A extensão do direito comunitário era (mais) limitada;
 O acesso à justiça comunitária, por privados, era limitado;
Ora, não havendo experiência histórica similar, o sucesso da atividade deste tribunal era incerto.
Atualmente, a inserção de um tribunal da orgânica comunitária justifica-se ainda porque (art. 19º/1 TUE):
 Os tribunais nacionais também aplicam o direito comunitário, devendo garantir-se a sua observância;
 O juiz nacional também é juiz comunitário de direito comum sempre que estejam em causa matérias que
envolvam direito da União, pelo que se tem de assegurar que o direito comunitário não deixa de ser aplicado.
! Vigora atualmente no seio da UE um dever geral de interpretação e aplicação e aplicação do direito nacional em
conformidade com o direito da União Europeia, o qual se manifesta, designadamente, nos princípios do primado e da
uniformidade de interpretação e aplicação do direitos da UE pelos Estados-membros. O primado do direito europeu
implica a recusa de aplicação do direito nacional incompatível com o direito da União.
Com a evolução verificada, tanto no sentido do aumento do número de Estados-membros e das matérias reguladas
pelo direito da UE, como no que respeita o sucesso demonstrado pelo TJUE, houve a necessidade de inserir na orgânica
da União mais órgãos jurisdicionais. Daí que, atualmente, e desde o Ato Único Europeu, o Tribunal de Justiça da União
Europeia tenha uma estrutura bicéfala: Tribunal de Justiça (em sentido estrito)
Tribunal Geral [anteriormente designado de Tribunal de Primeiro Instância]
A criação do Tribunal Geral teve como objetivos fundamentais:
 Libertar o Tribunal de Justiça de ações menos relevantes, de modo a que este pudesse continuar a aplicar e
interpretar o direito da UE de forma adequada;
 Assumir as ações relacionadas com o funcionalismo público comunitário
Cedo, porém, começou a ficar sobrecarregado com as ações desta natureza
O Tratado de Nice veio admitir a criação de tribunais especializados no âmbito do Tribunal Geral, surgindo, deste
modo, o Tribunal da Função Pública – o órgão jurisdicional da UE que tem como competência exclusiva a resolução de
litígios relativos a emprego público. Com o Tratado de Lisboa, a criação de outros tribunais especializados está sujeita
ao procedimento legislativo ordinário. Portanto, atualmente, ao lado do Tribunal da Função Pública identificam-se
outros tribunais especializados.
2. Funções do Tribunal de Justiça
2.1 A jurisdição da UE
O Tribunal de Justiça reveste diversas facetas, a saber:
 Jurisdição internacional: é no TJUE que decorrem e são decididas as ações de incumprimento dos Estados-
membros por violação do direito da UE;
 Jurisdição constitucional: incumbe ao TJUE interpretar e pronunciar-se sobre a validade das normas
comunitárias, com base no direito originário (Tratados);
 Jurisdição administrativa: cabe ao TJUE concluir sobre a (in)validade dos atos de aplicação do direito da UE, por
vícios próprios;
 Jurisdição cível: é no âmbito do TJUE que são decididas as ações de responsabilidade da UE;
 Jurisdição laboral: as questões laborais que envolvam funcionários e agentes da União são resolvidas pelo TJUE.
No que respeita a metodologia que orienta o Tribunal de Justiça, assume especial importância o princípio da
interpretação e aplicação conforme do direito da UE. O TJUE tem assumido um relevantíssimo papel jurídico-
normativo sendo claras as suas funções de criação de direito da UE e de propulsão da integração europeia. Esta
instituição nunca se limitou a ser mera “boca da lei”.

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2.2 O papel do Tribunal de Justiça
O papel assumido pelo TJUE foi sofrendo mutações ao longo do decurso do tempo. Identificam-se, neste contexto,
vários estádios da sua relevância:
1. Do consenso à maioria qualificada: nesta primeira fase pretendeu-se fazer funcionar o sistema, encontrando
os princípios essenciais de direito da UE e protegendo os direitos dos indivíduos;
2. Da maioria qualificada à CE: posteriormente, assistiu-se à consolidação daqueles princípios e à redução do
papel do TJ, visando a proteção do balanço institucional;
3. De Maastricht em diante: assumem especial relevo os princípios da atribuição e da subsidiariedade.
São apontadas algumas críticas à atuação e funcionamento do TJUE, entre as quais se salientam:
× Acusações de ativismo judicial (critica-se a circunstância de o TJUE ter vindo a assumir um papel político que
foi muito além das competências jurisdicionais que lhe foram reconhecidas);
× A necessidade de mecanismos de controlo que supervisionem a atuação do TJUE;
× A falta de transparência do processo de decisão do TJUE, tornando imperscrutáveis as suas reais intenções;
× A falta de uma perspetiva global das questões por parte da jurisprudência do TJUE, uma vez que lhe está
inerente uma vocação casuística.
2.3 Jurisdição do Tribunal de Justiça
A maioria das competências do TJUE têm natureza contenciosa/jurisdicional e são definidas nos Tratados, de acordo
com o princípio da atribuição. O que não significa que os litígios em que a UE seja parte fiquem subtraídos à
competência dos tribunais nacionais (art. 274º TFUE).
! Neste ponto é crucial referir que não existe qualquer tipo de vínculo federal entre o TJUE e os tribunais nacionais, o
que se traduz na existência de um mecanismo de recurso das decisões jurisdicionais nacionais para o TJUE. Por outras
palavras, não é possível que o TJUE aprecia questões que, respeitando a litígios privados que integram a jurisdição de
determinado Estado-membro, extravasam a sua competência. No entanto, não seria razoável, à luz das exigências de
aplicação efetiva do direito da UE e do seu primado em relação ao direito interno, que, sendo violado o direito da
União por uma decisão jurisdicional, não se reconhecesse qualquer meio de reação. Esta problemática denota a tensão
entre os dois valores que se afirmam: a independência dos poder judicial nacional e o respeito pelo efeito da força de
caso de caso julgado, por um lado, e o efeito útil do direito da UE, por outro. Entende-se que o princípio da autoridade
do caso julgado não se opõe ao reconhecimento do princípio da responsabilidade do Estado, nomeadamente por
violação do direito da União na decisão plasmada numa sentença jurisdicional. Além desta possibilidade, pergunta-se
se será possível uma revisão de sentença ou a revogação de um ato administrativo no seguimento de ação por
incumprimento: será o TJUE uma instância internacional de recurso?
Quanto à caraterização da jurisdição do TJUE, prevista nos Tratados, identificam-se os seguintes traços:
 Permanente: não é estabelecida ad hoc (para casos específicos determinados), sendo este um órgão com
caráter de permanência;
 Obrigatória/compulsória: o reconhecido da jurisdição do TJUE é automático e resulta dos Tratados;
 Exclusiva: as partes não podem recorrer aos tribunais nacionais ou a qualquer meio judicial ou arbitral de
resolução de litígios quando a questão em causa constitua jurisdição do TJUE; poderá, ainda assim, haver
extensão da competência do TJUE por via de compromissos arbitrais (art. 273º CC);
[Admitem-se outros sistemas de resolução de litígios desde que estes (1) não procedam a uma interpretação vinculativa
de direito da União, (2) não se pronunciem sobre a validade de normas comunitárias e (3) não decidam sobre a repartição
de competências entre a UE e os Estados-membros]
 Definitiva: as decisões do TJUE formam caso julgado quando não admitirem mais recursos; além disso, as
decisões do TJUE constituem título definitivo nos termos estatais, mas apenas perante entidades privadas (arts.
280º e 299º TFUE). Os efeitos das sentença do TJUE dependem do tipo de ação em causa:
o Ação de anulação: a sentença tem efeitos anulatórios;
o Ações por incumprimento, omissão e responsabilidade: a sentença é declarativa;
o Ação de responsabilidade ou de imposição de sanções: a sentença revesta a natureza condenatória.
 Tendencialmente completa: o art. 19º TUE abrange quase todas as questões consultivas e contenciosas no
âmbito da UE. Quanto a este aspeto, convém ressalvar as seguintes notas:
o Ao nível da PESC a jurisdição do TJUE está especialmente limitada, só sendo permitido o controlo
jurisdicional nos casos previstos nos arts. 40º TUE e 275º TFUE;

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o A jurisdição do TFUE inclui a competência para o controlo da utilização do mecanismo previsto no art.
7º TUE (excepto no que respeita a aplicação de medidas sancionatórias – art. 269º TFUE);
o No âmbito da matéria de Espaço de Liberdade, Segurança e Justiça, verificam-se também algumas
exceções àquela jurisdição tendencialmente completa, nomeadamente as previstas nos arts. 276º
TFUE e 35º/5 TUE.
Mas, as competências do Tribunal de Justiça não são exclusivamente de natureza jurisdicional. Assim sendo, podem
identificar-se, entre as competências não contenciosas do TJUE, as seguintes:
 Poderes de iniciativa legislativa ou de emissão de pareceres, no âmbito do processo de criação de tribunais
especializados (art. 257º TFUE);
 Competência consultiva (emissão de parecer conforme) no âmbito do procedimento de conclusão de Tratados
Internacionais (art. 218º/11 TFUE);
 Faculdade de apreciação de questões para si remetidas pelos tribunais nacionais, de modo a assegurar a
uniforme interpretação e aplicação do direito da UE – mecanismo de reenvio prejudicial.
3. Regras de organização do Tribunal de Justiça da União
3.1 Jurisdição do Tribunal de Justiça em sentido estrito
Como referido, o TJUE em sentido amplo é constituído pelo Tribunal de Justiça em sentido estrito e pelo Tribunal
Geral. O Tribunal de Justiça em sentido estrito tem jurisdição relativamente às seguintes matérias:
 Declarar que um Estado-membro não cumpriu uma sua obrigação à luz do direito da UE – art. 260º TFUE;
 Sanções estabelecidas em Regulamentos – art. 261º TFUE;
 Apreciação da invalidade das medidas comunitárias e da inação comunitária – 263º TFUE;
 Indemnização dos danos causados pelos órgãos da UE – art. 268º TFUE;
 Declarar a inaplicabilidade de um ato da União – art. 264º TFUE;
 Recursos das decisões do Tribunal Geral em matéria de direito – art. 256º/1 in fine TFUE;
 Possibilidade de recurso, a título excecional, das decisões dos tribunais especializados – art. 256º/1 in fine TFUE
3.2 Composição do Tribunal de Justiça
A designação dos membros do TJUE é efetuada ao abrigo do disposto no art. 253º TFUE, sendo nomeados de comum
acordo, pelo período de 6 anos, pelos Governos dos Estados-membros, após consulta a um comité que dá parecer
sobre a adequação dos candidatos ao exercício de funções de juiz ou de advogado-geral (art. 255º TFUE).
Especificamente no que respeita o TJUE em sentido estrito, a sua composição compreende:
 Um Juiz por cada Estado-membro;
 Oito Advogados Gerais;
 Secretariado;
 Relatores assistentes (se designados para coadjuvar o juiz relator).
3.2.1 A figura do Advogado Geral
! O Advogado Geral é uma figura sui generis do direito da UE, ao qual incumbe a função de apresentar conclusões
fundamentadas, propondo ao Tribunal a decisão num determinado sentido (art. 252º TFUE). No entanto, o TJUE não
se encontra vinculado a tais conclusões, devendo tomá-las em consideração na sua decisão mas não estando impelido
a decidir no mesmo sentido (ainda que, na prática, sejam frequentes as decisões concordantes com as conclusões dos
Advogados Gerais). Em regra, as decisões emanadas pelo TJUE explicitam fundamentadamente o acolhimento ou
refutação dos argumentos do Advogado Geral. Ainda que esta seja a sua função primordial, o Advogado Geral pode ir
além da questão especificamente colocada à apreciação do Juiz, incluindo considerações sobre outras matérias e
dando algumas indicações suplementares aos tribunais nacionais.
Uma importante especificidade conexionada com esta figura é o facto de os acórdãos do TJUE serem sempre
acompanhados pelas conclusões do Advogado Geral, obviando-se, deste modo, aos inconvenientes da proibição, no
âmbito do direito da UE, do “voto do vencido”.
As conclusões dos Advogados Gerais são um mecanismo de promoção da consolidação de mudanças no direito da UE,
já que se apresentam mais sensíveis às especificidades dos Estados-membros.
Neste contexto, podem ser enunciadas algumas razões justificativas da consagração desta figura do direito da UE:
 Não são admitidas opiniões de vencido no direito da UE e as conclusões dos Advogados Gerais permitem obter
um panorama mais amplo quanto aos argumentos relativos à questão;
[A não admissão das opiniões/votos de vencido no seio do direito da UE tem como objetivos: (1) evitar colocar em risco a
unidade e força do direito da UE; (2) salvaguardar a independência dos juízes]

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 De acordo com o princípio do segredo (art. 2º Estatuto TJUE) não é divulgado o número de juízes que votaram
a favor e contra uma determinada decisão, permitindo as conclusões do Advogado Geral apresentar os
argumentos possivelmente mobilizados por cada uma das posições (favoráveis ou desfavoráveis à decisão);
 Os julgamentos apenas mostram o consenso final, não sendo discutidas todas as questões relevantes, pelo que
o acórdão não é tão sólido, do ponto de vista argumentativo, nem inovador como deveria;
 O Advogado Geral introduz alguma polaridade e consistência argumentativa que compete ao TJUE.
3.2.2 Câmaras do Tribunal de Justiça da UE
O Tribunal de Justiça é composto por câmaras de 5 e de 3 juízes. A Grande Secção é composta por 15 juízes e presidida
pelo Presidente do Tribunal de Justiça, sendo que o TJUE reunirá como Grande Secção sempre que um Estado-membro
ou uma Instituição da União que seja parte na instância o solicite (art. 16º ETJUE). O Tribunal reunirá como pleno nos
termos impostos nos Estatutos, nomeadamente nas situações previstas do art. 16º in fine ETJUE. Estando em causa
uma questão que não assume especial complexidade, pode ser dispensada a emissão de parecer por parte dos
Advogados Gerais.
3.3 Jurisdição do Tribunal Geral
O Tribunal Geral tem jurisdição nas seguintes matérias:
 Escrutínio da legalidade de atos adotados pelas Instituições e pelo BCE – art. 256º/3 TFUE;
 Ações relativas à inação das Instituições ou do BCE – art. 256º/1 TFUE;
 Ações contra Agências ou outros órgãos da UE, expressamente previstas nos respetivos atos constitutivos como
jurisdição do Tribunal Geral;
 Recursos de decisões em matéria de direito dos tribunais especializados – art. 256º/2 TFUE;
3.4 Composição do Tribunal Geral
O Tribunal Geral é composto por 28 Juízes mas sem Advogados Gerais. Contudo, um dos juízes pode ser indicado pela
desempenhar as funções de Advogado Geral num caso (arts. 48º e 49º ETJUE). As Câmaras do Tribunal Geral são
compostas por 3 e 5 juízes (art. 50º ETJUE), sendo possível a constituição de uma formação completa de Grande Secção
ou com juiz singular.
3.5 O Tribunal da Função Pública
O Tribunal da Função Pública tem como função específica a cura dos litígios respeitantes às relações entre a União e
os seus agentes (art. 270º TFUE e art. 1º Anexo I ao ETJUE). Este órgão é composto por 7 juízes (art. 2º Anexo I ao
ETJUE), designados pelo Conselho. O Conselho, ao nomear os juízes, deve garantir a composição ponderada do
Tribunal, tendo em consideração a base geográfica e a representação dos vários sistemas jurídicos nacionais (art. 3º
Anexo I ao ETJUE). Normalmente, o Tribunal da Função Pública decide em câmaras de 3 juízes, embora possa
igualmente funcionar em formação plena, câmaras de 5 juízes ou com juiz singular (art. 4º/1 Anexo I ao ETJUE).
4. Regras de processo do Tribunal de Justiça da União Europeia
4.1 Regras processuais
Os diversos órgãos jurisdicionais a que fizemos referência – o Tribunal de Justiça em sentido estrito; o Tribunal Geral;
o Tribunal da Função Pública; os Tribunais especializados – regem-se por uma matriz processual comum, ainda que
com algumas especificidades.
Atentemos em alguns instrumentos típicos do direito da UE:
(1) Reenvio prejudicial – art. 267º TFUE: tem lugar mediante a seguinte sequência de ações:
1. O órgão jurisdicional nacional submete ao TJUE questões relativas à interpretação ou validade de uma disposição
de direito comunitário;
2. O pedido é notificado às partes no processo principal, aos Estados-membros e às Instituições da UE;
3. O pedido é publicado no jornal oficial da União;
4. As partes, os Estados-membros e as Instituições dispõem de 2 meses para apresentar as suas observações
escritas ao TJUE;
5. O TJUE decide a questão preliminar.
(2) Ações Diretas – art. 263º TFUE: decorre pela ocorrência sucessiva das seguintes etapas:
1. Petição (descrição das partes, indicação dos principais argumentos, etc.);
2. Registo do pedido e publicação do mesmo no jornal oficial da UE;
3. Designação do juiz que deve agir como Relator, pelo Presidente do Tribunal;
4. Notificação da petição do réu;
5. Apresentação de defesa, no prazo de 1 mês;

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6. Eventual réplica e tréplica;
7. Apresentação do relatório preliminar pelo juiz relator na reunião geral do Tribunal;
8. Decisão do Tribunal, depois de ouvido o Advogado Geral, relativamente a qual a ação a tomar em face das
recomendações do juiz relator;
9. Inquérito: o Tribunal decide quais as medidas adequadas para estabelecer os factos que devem ser objeto de
prova (por ex.: presença pessoal das partes, pedido de produção de documentos, testemunho oral, etc.);
10. Parte oral (audiência);
11. Emissão do parecer pelo Advogado Geral, oralmente;
12. Declaração do encerramento da parte oral do procedimento pelo Presidente;
13. Deliberação dos juízes com base num projeto de acórdão elaborado pelo juiz-relator – decisão tomada por
maioria, sem possibilidade de votos de vencido;
14. Leitura pública do julgamento em Tribunal (passa, a partir deste momento, a ser vinculativo);
15. Disponibilização online do julgamento (site: CURIA), conjuntamente com o parecer do Advogado Geral.
[As regras processuais explanadas encontram acolhimentos nos arts. 19º e ss. do ETJUE]
4.2 Regime linguístico
Nas ações e recursos, a língua utilizada na petição (que pode ser qualquer uma das 24 línguas oficiais da UE) passa a
ser a língua do processo. Já nos reenvios prejudiciais, a língua do processo passa a ser a língua do órgão jurisdicional
nacional que submete a questão ao Tribunal de Justiça. Os debates na fase oral são objeto de interpretação
simultânea, consoante as necessidades, em diferentes línguas oficiais da UE. Quanto à deliberação propriamente dita,
os juízes deliberam numa língua comum, que, por norma, é o francês. A decisão alcançada é traduzida noutras línguas
da UE e publicada.
Capítulo II – Competências não contenciosas do TJUE
1. Competência consultiva
1.1 Pareceres do Tribunal de Justiça
Como referido acima [vide supra: Cap. I, 2.3], integra a competência do TJUE a emissão de pareceres relativos à
conclusão de acordos internacionais outorgados pela União (art. 218º/11 TFUE). Tais pareceres podem ser requeridos
por qualquer Estado-membro, pela Comissão, pelo Conselho ou pelo Parlamento Europeu. Este é um mecanismo de
natureza preventiva (em caso de parecer negativo do TJUE, o acordo não pode entrar em vigor), conseguindo-se, deste
modo, antecipar uma eventual pronúncia posterior do TJUE no sentido da inadmissibilidade do acordo. De facto, sendo
o acordo firmado, o TJUE não poderá mais exercer as suas competências consultivas. No entanto, uma vez que tal
acordo fará parte do direito secundário da UE, o TJUE poderá assumir, a posteriori, as suas competências judiciais.
Os pareceres do TJUE são de dois tipos:
 Pareceres relativos à compatibilidade de um concreto projeto de acordo com o direito da União -> há um projeto
de acordo já negociado;
 Pareceres relativos à competência da UE para adotar esse acordo -> basta a existência de um intenção de
celebrar determinado acordo e o respetivo enquadramento geral.
Quanto aos efeitos do parecer emitido, dependerão do sentido da pronúncia do TJUE:
Sentido negativo Sentido positivo
O acordo não poderá entrar em vigor O acordo pode ou não ser concluído
Em caso de parecer negativo, a única possibilidade da entrada em vigor do acordo passa por respeitar as indicações
do TJUE quanto à sua modificação ou, no casos em que o objeto do acordo for além das competências da União, por
rever, em primeiro lugar, os Tratados.
1.2 Procedimento
No que respeita o procedimento que conduz à emissão dos pareceres do TJUE, identificam-se as seguintes fases:
1. Pedido do parecer (pelos Estados membros, Comissão, Conselho, ou Parlamento Europeu);
2. Nomeação de um juiz relator;
3. Designação de um Advogado Geral; NOTA: Uma vez que o parecer tem efeitos
4. Audição do Advogado Geral; vinculativos, o acordo só pode ser
5. Apresentação de uma proposta de parecer pelo juiz relator; concluído após a sua emissão
6. Adoção do parecer pelo TJUE.
2. Competência de cooperação
2.1 O reenvio prejudicial

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! O reenvio prejudicial é uma forma de controlo judicial indireto (ou de colaboração na administração da justiça), pelo
qual o TJUE interpreta ou aprecia a validade de normas comunitárias. O TJUE não decide o caso concreto (o litigio
submetido ao juízo do tribunal nacional), respondendo apenas às questões de interpretação de validade de normas
comunitárias que lhe são colocadas pelos tribunais nacionais. As decisões adotadas pelo TJUE são relevantes na
medida em que vinculam o tribunal de reenvio: os procedimentos judiciais nacionais suspendem-se enquanto o
processo de reenvio prejudicial se encontra pendente. A decisão proferida pelo TJUE tem natureza interlocutória ou
incidental, uma vez que não consubstancia uma solução do litígio em causa, incidindo tão só sobre a validade e
interpretação da norma de direito comunitário que haja suscitado polémica. Assim sendo, com base na decisão do
TJUE, os tribunais nacionais deverão ainda analisar os factos relevantes e concretizar o direito aplicável.
Como se compreende, este é um procedimento baseado na cooperação entre os tribunais nacionais e o TJUE, num
contexto em que a aplicação do direito da UE vincula os primeiros e é relevante para a decisão de um caso concreto.
Como objetivos do procedimento de reenvio prejudicial podemos indicar:
 Melhorar a administração da justiça – o TJUE esforça-se por dar uma resposta útil para a solução do litígio
principal, mas caberá sempre ao órgão jurisdicional nacional tirar as consequências concretas dessa resposta;
 Promover a interpretação e aplicação consistente do direito da UE;
 Assegurar a uniformidade do direito da UE em todos os Estados-membros;
 Constituir uma ampliação da garantia de acesso de indivíduos ao TJUE;
 Permitir, de certa forma, o desenvolvimento do direito da União.
Desde o Tratado de Nice é possível que o Tribunal Geral tenha competências para apreciar questões prejudiciais em
específicas áreas definidas no seu Estatuto (art. 256º/3 TFUE). Porém, esta possibilidade não foi ainda prevista e
regulada no respetivo Estatuto, permanecendo o TJUE em sentido estrito como única autoridade competente em
matéria de reenvio prejudicial (art. 267º TFUE). Mesmo que o Tribunal Geral venha a ter competência nesta matéria,
o Tribunal de Justiça sempre terá a última palavra quando esteja em causa um sério risco para a unidade e consistência
do direito da União (art. 256º/3 in fine TFUE).
O órgão jurisdicional nacional deve comunicar a decisão que tenha proferido ao TJUE.
2.2 Classificação das questões prejudiciais
Quanto ao seu âmbito, as questões prejudiciais podem classificar-se como:
 Questões de interpretação do direito da União: determinação do sentido e alcance de uma disposição
normativa, incluindo a fixação do seu caráter vinculativo, ou não, e do seu efeito direto, ou não.
 Questões de apreciação da validade dos atos das Instituições Comunitárias: apreciação da validade do direito
derivado da UE (como é evidente, o direito originário não pode ser fiscalizado) -> as causas de invalidade que
poderão ser invocadas são as previstas no art. 263º TFUE como fundamento do recurso direto de anulação.
O tribunal nacional conclui pela validade da O tribunal nacional concluir pela invalidade da
norma comunitária norma comunitária

O reenvio para o TJUE é facultativo O reenvio para o TJUE é obrigatório (independente da


decisão provir ou não de um tribunal de último recurso)
Nos termos do critério da necessidade, as questões prejudiciais podem assumir-se como:
 Facultativas: qualquer órgão jurisdicional poderá suscitar a pronúncia do TJUE, quando a considerar necessária
ao julgamento da causa (art. 267º/2 TFUE);
 Obrigatórias: o reenvio prejudicial tem, necessariamente, de ser efetuado quando se suscite uma questão
relativa a interpretação ou apreciação da validade do direito da UE perante um tribunal nacional que decida
em última instância (portanto, cuja decisão é insuscetível de recurso).
! Sublinhe-se que a norma que o TJUE venha a considerar inválida continua eficaz, ainda que seja desaplicada no caso.
Isto porque só as Instituições que a adotaram têm competência para rever ou anular; o TJUE também poderá assumir
tais competências mas somente no âmbito de uma ação específica para o efeito.
2.3 Legitimidade processual ativa
Neste ponto coloca-se a questão de saber quem pode referir questões ao TJUE. Desde logo, de acordo com o temos
vindo a dizer, poderão reenviar determinada questão para o TJUE os órgãos jurisdicionais nacionais. No âmbito dos
processos jurisdicionais nacionais, as partes poderão solicitar que certas questões sejam colocadas ao TJUE, mas o
pedido de reenvio será sempre formulado pelo tribunal, competindo-lhe determinar o conteúdo das questões
prejudiciais. Assim sendo, os tribunais nacionais são os únicos juízes sobre se uma decisão preliminar é necessária ou

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relevante. No entanto, entendo o tribunal reenviar a questão ao TJUE, tanto as partes como outros Estados-membros
e as Instituições da UE poderão ter alguma intervenção no processo perante o TJUE.
Questão relevante neste ponto é saber o que se entende, à luz do direito da UE, como órgãos jurisdicionais. De facto,
esta é uma noção autónoma, que deve ser entendida para estes efeitos à luz do direito comunitário. Identificam-se,
então, 6 critérios para qualificação de um ente como órgão jurisdicional:
 Origem e competência – para resolver litígios – definidos na lei;
 Caráter permanente;
 Atuação no âmbito de um procedimento contraditório – “due process of law”;
 Jurisdição obrigatória;
 Aplicação de regras de direito (e não, em princípio, regras de equidade);
 Independência ou exercício da função de modo independente.
Uma questão que tem vindo a ser debatida neste contexto é a de saber se os tribunais arbitrais podem ou não ser
qualificados como órgãos jurisdicionais. Como se compreende, tal classificação, ao abrigo dos critérios referidos,
dependeria fundamentalmente da relevância da caraterística da obrigatoriedade de recurso à jurisdição exercida. Por
um lado entende-se que, devido à limitada intervenção dos tribunais estatais quando à recurso à via arbitral, seria
preferível qualificar os tribunais arbitrais como órgãos jurisdicionais. Por outro lado, contra esta solução argumenta-
se a possibilidade de serem criados tribunais arbitrais apenas para abrir via de acesso ao TJUE.
2.4 O reenvio prejudicial por parte dos Tribunais Constitucionais
A sujeição dos Tribunais Constitucionais ao procedimento de reenvio prejudicial é possível, mas apenas em casos
limitados: quando em causa esteja uma possível contradição entre o direito da UE e o direito constitucional nacional.
Como é evidente, nos casos de contradição entre direito comunitário e direito constitucional do Estado-membros, o
Tribunal Constitucional respetivo assume-se como última instância de recurso nacional, pelo que se sujeito a recurso
obrigatório.
2.5 Cessação da obrigação de reenviar
Os tribunais nacionais podem declinar a obrigação de reenviar nos seguintes casos:
a) A questão não é necessária nem pertinente para o julgamento do litígio principal: cabe ao juiz nacional
apreciar a relevância da questão, e a necessidade de uma decisão prejudicial para a prolação da decisão final
(só têm de ser reenviadas ao TJUE as questões de relevância crítica para o processo principal).
b) A correta aplicação do direito da UE é tão óbvia que não deixa espaço para dúvida razoável: uma dúvida
interpretativa razoável deve ser determinada de acordo com (1) as específicas caraterísticas do direito da UE,
(2) as dificuldades de interpretação em concreto e (3) o risco de criar diferenças jurisdicionais.
c) O TJUE já se pronunciou de forma firme sobre a questão a reenviar, ou já existia jurisprudência consolidada
sobre a mesma.
d) A questão é substancialmente análoga a outras já submetidas e analisadas pelo TJUE, ainda que a disputa
concreta não seja estritamente idêntica.
O TJUE, por sua vez, pode denegar o conhecimento de um reenvio prejudicial apenas quando
1. O TJUE considerar que a questão é inteiramente irrelevante no processo principal pendente;
2. A questão for meramente hipotética ou geral;
3. Faltarem referências suficientes ao caso concreto.
Quando uma questão submetida a título prejudicial for (1) idêntica a uma questão sobre a qual o TJUE já se
pronunciou, (2) quando a resposta a essa questão possa ser claramente deduzida da jurisprudência ou (3) quando a
questão são suscite nenhuma dúvida razoável, o TJUE pode, a qualquer momento, mediante proposta do juiz relator
e ouvido o advogado geral, decidir pronunciar-se por meio de despacho fundamentado.
2.6 A sentença do TJUE
A resposta do TJUE não é apenas uma opinião, mas sim um julgamento que tem um efeito retroativo (excepto se o
Tribunal decidir em sentido diverso, por respeito ao princípio da boa fé).
2.6.1 Sentença de interpretação
! A sentença do TJUE faz caso julgado no processo, ficando o tribunal nacional vinculado pela interpretação do TJUE –
efeito restrito ao caso. No entanto, caso o juiz nacional se considere insuficientemente esclarecido, poderá proceder
a novo reenvio. Do mesmo modo, caberá ao tribunal nacional decidir se a interpretação dada pelo TJUE se aplica ao
caso concreto. Em princípio, o tribunal nacional, ao decidir o caso, deve interpretar as provisões de acordo com as
indicações dada pelo TJUE, desaplicando a norma se considerada inválida ou não a podendo desaplicar com

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Maria Paixão Direito da UE II – 2015/16
fundamento em invalidade no caso de esta ser considerada válida. A decisão do TJUE vincula todos os outros tribunais
nacionais perante os quais o mesmo litígio é suscitado.
2.6.2 Sentença de invalidade
As sentenças de invalidade proferidas pelo TJUE têm lugar quando não seja possível a interpretação do ato de direito
derivado em conformidade com o direito da UE. Nos casos em que esta situação tem lugar, a doutrina tem avançado
que a decisão se impõe erga omnes, ainda que a questão prejudicial possa ser colocada se subsistirem dúvidas quanto
à invalidade. Isto sem prejuízo de o ato permanecer na ordem jurídica da União, pois a sentença de invalidade do TJUE
não determina a destruição do ato.
De facto, não há uma eficácia erga omnes propriamente dita da sentença de invalidade (pois o ato subsiste). Porém,
a declaração de invalidade irá vincular os tribunais nacionais – tanto o tribunal responsável pelo reenvio como
quaisquer outros que devam reconhecer a invalidade do ato de direito comunitário pelos mesmos fundamento – que
a deverão desaplicar. Esta solução é um evidente corolário do princípio da interpretação e aplicação uniforme do
direito da UE. Do mesmo modo, a sentença vincula ainda os órgãos da UE, gerando-se na sua esfera um dever de
eliminação ou alteração do ato em causa.
2.7 Incumprimento dos Estados-membros
A violação dos Estados-membros das obrigações que lhes incumbem no âmbito do direito da UE pode ser objeto de
uma ação por incumprimento. Sendo o reenvio prejudicial, por vezes, obrigatório, a sua omissão poderá culminar
nessa mesma ação. Além dessa eventualidade, poderá gerar-se a responsabilidade do Estado-membro por
incumprimento do direito da UE, desde que preenchidos os requisitos para que esta tenha lugar.
2.8 O processo de reenvio
A decisão de reenvio é da responsabilidade do órgão jurisdicional (e nunca, como referido, das partes no processo,
ainda que estas o possam requerer) e determinando a suspensão da instância em decurso. O pedido incidental deverá
conter um quadro fáctico e normativo completo e detalhado do litígio do processo principal, integrando, para isso,
entre outros aspetos: (1) o texto das questões submetidas ao TJUE a título prejudicial; (2) exposição sumária do objeto
do litígio; (3) a exposição das razões que levaram o órgão jurisdicional nacional de reenvio a interrogar-se sobre a
interpretação ou validade de certas disposições; (4) solicitação, sendo caso disso, de tramitação acelerada ou urgente.
O reenvio deverá ser notificado às partes no processo. Estas, ainda que não tenham legitimidade processual ativa para
desencadear o processo de reenvio, poderão interpor recurso da decisão sobre o reenvio para o tribunal nacional
superior, bem como para produzir alegações orais na audiência de julgamento.
O Estatuto do TJUE introduziu uma tramitação acelerada e uma tramitação urgente, reconhecendo que o reenvio
prejudicial, obrigando à suspensão da instância, contribui para o significativo prolongamento do processo. Estas duas
figuras são distintas, dispondo de caraterísticas próprias:
 Tramitação acelerada: aceleração (redução dos prazos) do processo principal conducente à decisão definitiva.
A aceleração consegue-se através do encurtamento do prazo para a apresentação de alegações ou
observações e da dispensa de conclusões do Advogado Geral (art. 23º-A/2 ETJUE). Nos termos do art. 267º/4
TFUE, esta tramitação terá lugar sempre que o caso envolva pessoas detidas.
 Tramitação urgente: modalidade de tramitação processual especial, destinada a casos relativos à matéria da
liberdade, segurança e justiça, que se carateriza pela sua aceleração excecional, mediante dispensa da fase
escrita e redução das partes com direito a apresentar alegações (art. 23º-A/3 ETJUE).
Ainda que o pedido por uma destas modalidades de tramitação deva ser submetido pelos tribunais nacionais, a decisão
relativa à sua aplicação é exclusiva do TFUE, tendo em consideração a avaliação urgente que faça do caso.
Capítulo III - Competência contenciosa do TJUE
1. Ação por incumprimento
A ação por incumprimento traduz-se na possibilidade conferida ao TJUE de declarar a infração do direito da União por
um Estado-membro. Este é um importante mecanismo de garantia da primazia do direito da UE e do interesse geral
da União sobre os ordenamentos jurídicos, os interesses e as especificidades dos Estados-membros. A regulação deste
instrumento contencioso encontra-se nos arts. 258º a 260º TFUE.
Apenas o Tribunal de Justiça em sentido estrito tem competências para declarar o incumprimento de Estados-
membros, não sendo atribuídas quaisquer competências ao Tribunal Geral devido à sensibilidade da matéria em causa.
1.1 Processo
A ação de incumprimento pode ser iniciada pela Comissão (art. 258º TFUE) ou por um Estado-membro (art. 259º TFUE).
O processo da ação por incumprimento compreende, obrigatoriamente, uma fase administrativa e uma fase judicial.

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Sendo o ordenamento jurídico da União baseado no princípio da cooperação leal (art. 4º/3 TUE), entende-se que a
intervenção do TJUE deverá assumir-se como solução de última ratio. Daí a consagração de uma fase administrativa
(pré-contenciosa), na qual se privilegiam as soluções negociais e consensuais.
a) Fase pré-contenciosa/administrativa: o objetivo deste período inicial é dar aos Estados-membros uma
oportunidade de remediarem o incumprimento antes da ação ser iniciada perante o TJUE. A Comissão assume, neste
contexto, a posição institucional de “guardiã dos Tratados”. Esta fase decorre em dois momentos essenciais:
× Carta de notificação para cumprir: a Comissão notifica o Estados-membros de que considera haver indícios de
incumprimento, identificando a alegada violação do direito da União em causa e conferindo aos Estados em
causa um prazo para apresentarem as suas observações ou fazerem cessar a situação de incumprimento.
A Comissão define o prazo para a resposta dos Estados-membros, resposta essa que é obrigatória
× Emissão do parecer fundamentado: se após os trâmites iniciais a Comissão considerar que os comentários dos
Estados-membros são insuficientes, deverá emitir um parecer fundamentado no qual constate o
incumprimento e identificar as medidas que permitem pôr-lhe termo.
A Comissão prescreve o prazo para o cumprimento do seu parecer
Após esta tramitação, a Comissão avaliará a resposta dos Estados-membros e a eventual permanência da situação de
incumprimento, decidindo não iniciar a fase contenciosa
intentar uma ação por incumprimento junto do TJUE – fase contenciosa
Refira-se que o procedimento pré-contencioso sofrerá determinadas especificidades consoante haja sido iniciado pela
Comissão ou por outro Estado-membro (que não o Estado incumpridor):
 Iniciativa da Comissão – art. 258º TFUE:
o O procedimento desenrola-se entre a Comissão e o Estado-membro;
o Não é estabelecido qualquer prazo para a emissão do parecer fundamentado;
o A Comissão pode iniciar a ação junto do TJUE, discricionariamente, se o parecer não for respeitado.
 Iniciativa de outro Estado-membro – art. 259º TFUE:
o O procedimento desenvolve-se entre a Comissão e o Estado-membro;
o A Comissão dispõe de 3 meses para emitir o parecer fundamentado;
o A ausência de parecer fundamentado (por incumprimento do prazo de 3 meses) não impede o início
de um procedimento contencioso pelo Estado-membro queixoso.
b) Fase contenciosa: o avanço para esta fase deve assentar numa ponderação séria por parte da Comissão, à
qual incumbe o ónus de provar a infração do direito da União, não podendo essa prova fundar-se em presunções.
Neste contexto, o TJUE não considerará uma causa de incumprimento que não haja sido formulada no parecer
fundamentado – está circunscrito ao objeto do litígio definido na fase administrativa. Como é evidente, ao Estado são
conferidos os direitos de defesa, de acordo com o princípio do contraditório.
Após avaliação dos materiais apresentados, o TJUE poderá declarar que o Estado-membro violou o direito da UE (art.
260º/1 TFUE). No entanto, o TJUE não poderá anular um ato nacional ou forçar o Estado a agir, pois o julgamento de
uma ação por incumprimento tem apenas natureza declarativa. Isto não obsta a que o Estado-membros tenha o dever
de compatibilizar a sua ação com a decisão do TJUE. Não existe qualquer prazo para que tal compatibilização tenha
lugar, mas entende-se que deverá ter lugar o mais rapidamente possível, ao abrigo do princípio da cooperação sincera
(art. 260º/1 TFUE).
1.2 Execução da sentença
No caso de o Estado-membro não compatibilizar a sua ação com a decisão do TJUE, passará a infringir duplamente o
direito da União (pois está agora também em incumprimento de uma decisão judicial).
Se o TJUE considerar que o Estado-membro não cumpriu a sua decisão pode, numa segunda ação, impor uma quantia
fixa ou uma sanção pecuniária compulsória, adequada ao caso (art. 260º/2 TFUE). O nº 2 do art. 260º TFUE encurta a
fase pré-contenciosa da segunda ação por incumprimento, dispensando o parecer fundamentado da Comissão. De
facto, a Comissão, verificando o incumprimento da sentença do TJUE pelo Estado-membro, dá possibilidade ao Estado
de apresentar as suas observações, podendo posteriormente propor diretamente a ação por incumprimento junto do
TJUE. Se o TJUE declarar verificado que o Estado-membro em causa não deu cumprimento ao seu acórdão, pode, no
âmbito da segunda ação, condená-lo ao pagamento de uma quantia fixa ou progressiva correspondente a uma sanção
pecuniária (art. 260º/2 TFUE).
1.3 Regime especial

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O Tratado de Lisboa instituiu um regime especial da primeira ação por incumprimento, simultaneamente declarativa
e condenatória, para os casos de incumprimento formal da obrigação de comunicação de medidas de transposição de
uma diretiva (art. 260º/3 TFUE). Este tipo específico de ação por incumprimento é criticável pela positiva e negativa:
 O TJUE fica limitado a condenar o Estado infrator no limite do montante indicado pela Comissão;
× Não se compreende não ter sido estendido idêntico mecanismo às situações de incumprimento da sentença
do TJUE em sede da primeira ação por incumprimento, nas quais se continua a ter de recorrer a duas ações.
1.4 Sanções
De modo a assegurar que a sanção é transparente e consistente, a Comissão adotou um Comunicação [SEC (2005) 1658]
na qual estabeleceu três critérios a ponderar no estabelecimento de uma sanção: (1) seriedade do incumprimento;
(2) duração do incumprimento; (3) necessidade de assegurar que a sanção previne/evita novas infrações. Com base
nas sugestões da Comissão (que não são vinculativas), o TJUE deve apreciar as circunstâncias do caso, procurando
estipular uma sanção financeira adequada. Os critérios enunciados, não vinculando o TJUE, são um ponto de partida
útil, cujo objetivo é afastar a mobilização de quaisquer considerações de natureza política.
2. Ação/recurso de anulação
A UE é uma comunidade de direito. Como tal está subordinada ao princípio da juridicidade. Ora, consequentemente,
qualquer pessoa poderá solicitar ao TJUE a anulação de uma medida adotada por uma Instituição europeia, órgão ou
organismo da União Europeia – art. 263º TFUE. Como se compreende, não são abrangidos por esta ação os atos
praticados por entidades nacionais, ainda que em execução ou implementação ou preparação do direito da UE.
! As medidas/atos sujeitos à apreciação do TJUE nesta ação são apenas os que revistam caráter vinculativo – atos
decisórios, obrigatórios e com efeitos externos. Portanto, estão aqui em causa somente medidas que produzem
efeitos jurídicos vinculativos que afetem os interesses do recorrente, alterando de forma caraterizada a situação
jurídica deste. Refira-se que, nestes termos, o critério formal do “nomen iuris” não tem relevância para definir os
efeitos de um ato comunitário, devendo essa definição assentar sempre em critérios materiais/substanciais.
Assim sendo, excluem-se do âmbito da ação de anulação:
 Atos informativos: atos que assumem natureza puramente expositiva, não modificando a situação jurídica do
sujeito a que se dirige;
 Atos preparatórios: atos que, inserindo-se no âmbito de um processo que decorre em várias fases, não fixam
definitivamente a posição da instituição no termo do processo;
 Atos confirmativos: atos de notificação que se limitam a confirmar uma decisão anterior;
 Atos de execução: declarações sem efeitos constitutivos, que se limitam a executar uma decisão anterior;
 Atos políticos: não são controláveis os atos respeitantes à política externa e de segurança comum.
2.1 Prazo de interposição da ação
O prazo para dar início à ação de anulação é muito limitado: 2 meses (ao que acresce uma dilação em razão da distância
de 10 dias). A contagem do prazo terá início no momento da verificação de uma das seguintes situações – art. 263º:
 Publicação da medida: no caso de publicação, à luz do art. 297º TFUE, o prazo referido começa a ser contado
no termo do 14º dia subsequente ao da publicação;
 Notificação da medida ao recorrente: nos casos não sujeitos a publicação;
 Dia em que o recorrente tenha tomado conhecimento do ato – aplicação subsidiária.
Estes requisitos quanto à contagem do prazo visam assegurar a cognoscibilidade da media, uma vez que o seu
conhecimento exato e inequívoco é condição da produção dos efeitos jurídicos desfavoráveis da mesma.
Neste contexto, é preponderante ter em consideração o regime de publicação ou notificação dos atos da UE fixado no
art. 297º TFUE:
 Publicação: (1) atos legislativos adotados de acordo com o procedimento ordinário ou especial; (2)
regulamentos e diretivas dirigidos a todos os Estados-membros; (3) decisões que não especifiquem os
destinatários.
 Notificação: atos que especifiquem os destinatários.
[Poderá ter lugar o exercício do direito de impugnação dos atos depois do decurso do prazo de 2 meses, mediante prova de caso
fortuito ou de caso de força maior; bem como a dilação dos prazos em função das distâncias – art. 45º ETJUE]
2.2 Legitimidade processual
Importa saber quem e em que termos tem legitimidade para iniciar uma ação perante o TJUE (“locus standi”).
! O requisito consagrado no ordenamento jurídico da União remete, em princípio, para a existência de interesse em
agir: a anulação do ato deve ter consequências jurídicas efetivas na esfera do recorrente.

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2.2.1 Legitimidade privilegiada
Aquele princípio sofre um desvio mediante a consagração da figura dos recorrentes privilegiados – art. 263ºTFUE. São
recorrentes privilegiados: (1) os Estados-membros; (2) o Conselho; (3) a Comissão; (4) o Parlamento Europeu. Este
estatuto determina que estas entidades não estão sujeitas à obrigação de demonstrar interesse na anulação do ato
impugnado. Do mesmo modo, como defensores da “legalidade objetiva”, os requerentes privilegiados não estão
vinculados por anteriores tomadas de posição que tenham manifestado no processo de adoção da medida. Refira-se
que o conceito de “Estado-membros”, para este efeito, abrange unicamente as autoridades governamentais dos
Estados, e não qualquer outra entidade pública dotada de prerrogativas de direito público. Ao lado dos recorrentes
privilegiados podem identificar-se os chamados recorrentes institucionais não privilegiados ou semi-priveligiados: (a)
o Tribunal de Contas; (b) o Banco Central Europeu; (c) o Comité das Regiões. Estas entidades dispõem de um privilégio
parcial: têm legitimidade processual ativa para a defesa das suas prerrogativas institucionais (art. 263º TFUE). O
Tratado de Lisboa veio ainda criar um novo tipo de recursos: os Estados-membros, por indicação obrigatória dos
parlamentos nacionais ou uma câmara destes, e o Comité das Regiões podem intentar recursos de anulação contra
atos que considerem contrários ao princípio da subsidiariedade.
2.2.2 Legitimidade restrita
Como recorrentes não privilegiados ou ordinários podemos indicar: os cidadãos europeus e estrangeiros, as pessoas
coletivas de direito privado e direito público não estaduais, Estados terceiros e as organizações internacionais. Como
referido, estes recorrentes só poderão iniciar a ação de anulação demonstrando interesse em agir. Nestes termos, os
particulares (em sentido amplo) poderão impugnar atos de direito da UE desde que se verifique uma das seguintes
situações – art. 263º TFUE:
1. A impugnação dizer respeito a um ato de que são destinatários;
2. A impugnação dizer respeito a atos que lhes digam direta e individualmente respeito;
3. A impugnação dizer respeito a atos regulamentares que lhes digam diretamente respeito e não necessitem de
medidas de execução.
2.3 Ações interpostas por particulares
a) Atos de que os particulares são destinatários: em primeiro lugar, os particulares poderão interpor ações
de anulação contra atos individuais e concretos, destituídos de alcance normativo, que lhes sejam especificamente
dirigidos. Incluem-se aqui as chamadas “decisões disfarçadas” – regulamentos e diretivas que, verdadeiramente, se
assumem como decisões, dizendo direta e individualmente respeito aos particulares.
b) Atos que digam direta e individualmente respeito aos particulares: os particulares podem ainda impugnar
atos que, não os identificando expressamente como destinatários, lhes dizem respeito direta e individualmente. A
jurisprudência do TJUE tem considerado individualmente cada uma das dimensões deste binómio:
 Interesse direto: verifica-se o prejuízo (afetação) da esfera jurídica pessoal ou patrimonial do requerente,
ficando este privado de um direito ou instituído numa obrigação; ou quando os atos de execução praticados
pelas autoridades nacionais sejam praticados com discricionariedade zero, pelo que os particulares são
diretamente afetados pela norma comunitária, ainda que haja um “intermediário” na sua aplicação.
 Interesse individual: o requerente deve diferenciar-se, devido a caraterísticas próprias, dos demais – para que
o recorrente possa pretender impugnar o ato comunitário de alcance geral é necessário que seja atingida a sua
posição jurídica em razão de um situação de facto que o individualiza em relação a qualquer outra pessoa, de
uma maneira análoga à identificação de um destinatário concreto (“fórmula de Plaumann”).
[Estes dois pressupostos, interesse direto e individual, deverão verificar-se cumulativamente, para que haja legitimidade]
Esta possibilidade de reação contra atos de direito comunitário estende-se, por exemplo, àqueles casos em que uma
medida geral afeta um ou um conjunto de interessados que, antes da adoção da medida em causa, tinham uma
posição já bem definida, assim como aos regulamentos que “escondem” um ato individual.
c) Atos regulamentares: devido às limitações impostas ao acesso ao TJUE de que eram objeto os particulares,
a jurisprudência do Tribunal de Primeira Instância (atual Tribunal Geral) procurou desenvolver uma interpretação
ampla dos conceitos de interesse “direto” e “individual”. Com o Tratado de Lisboa, a legitimidade dos recorrentes não
privilegiados ou ordinários foi tendencialmente alargada. Passou, portanto, a admitir-se a impugnação de atos
regulamentares (1) que digam diretamente respeito ao recorrente e que (2) não necessitem de medidas de execução.
Importa, então avaliar a natureza do ato objeto deste recurso, e a posição da pessoa que o invoca.
 Atos regulamentares: atos de aplicação geral adotados de acordo com um procedimento distinto do legislativo.
[Refira-se que a diferença entre atos legislativos e não legislativos, no âmbito do ordenamento jurídico da União,

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não diz respeito à substância do ato, mas sim ao procedimento seguido para a sua adoção. Os atos legislativos
são aqueles cujo procedimento de adoção foi o procedimento legislativo ordinário ou especial (os quais, exigindo
a intervenção do Parlamento Europeu, têm uma mas ampla base democrática). Serão atos não legislativos:
o Atos executados no âmbito de uma competência própria;
o Atos praticados na sequência do chamado “procedimento de consulta obrigatória”;
o Atos adotados pela Comissão (e pelo Conselho) em execução de atos legislativos.]
 Atos que digam diretamente respeito ao recorrente: exige-se o “interesse individual” do recorrentes;
 Atos que não necessitem de medidas de execução (incluindo medidas automáticas) – excepto medidas de
execução puramente acessórias.
Na prática, esta novidade introduzida pelo Tratado de Lisboa tem-se revelado uma via muito limitada de acesso ao
TJUE. Com efeito, esta norma promete mais do que dá. Deste modo, não parece ter sido substancialmente alterado o
estatuto limitado de recurso ao TJUE, cuja crítica por parte do Advogado Geral Jacobs, entre outros, antes da
celebração Tratado de Lisboa, culminou na inserção deste novo mecanismo. Jacobs veio defender que a legitimidade
processual ativa deveria basear-se no princípio da proteção jurisdicional efetiva. De facto, verifica-se que os
particulares violam intencionalmente determinadas normas com o intuito de, desse modo, poderem suscitar a sua
invalidade nos tribunais nacionais. Acontece que, com o acolhimento deste mecanismo não parece ter-se alterado
substancialmente o estatuto limitado de recurso do TJUE, desde logo porque só veio permitir a impugnação de atos
não legislativos (e mesmo quanto a estes, só os que não carecem de medidas de execução). Daí que novas críticas
doutrinais e jurisprudenciais tenham surgido entretanto. Destaca-se, a este respeito, as apontadas pelo Advogado
Geral Wathelet, que veio defender a interpretação do conceito “ato regulamentar” em sentido amplo, incluindo
naquele conceito todas as medidas de alcance geral, sejam ou não atos legislativos.
2.4 Fundamentos para a anulação
Os fundamentos da anulação dos atos de direito da União inspiram-se na tradição francesa – art. 263º:
 Incompetência: poderá ser (a) parcial – o ato é adotado por um órgão mas deveria ter sido adotado por mais
do que um; (b) total – o órgão que adotou o ato não pode agir (sozinho nem em conjunto com outro órgão) ou
necessita de uma delegação para agir. Noutro prisma, temos ainda a incompetência (1) interna – o órgão atuou
fora das suas competências; (2) externa (=usurpação de poderes) – a ação foi adotada fora do âmbito de
atribuições da UE.
 Violação de formalidades essenciais: apontam-se, neste âmbito:
o Falta de indicação da base legal; o Ausência de parecer obrigatório;
o Ausência de audiência prévia; o Ausência de fundamentação.
 Violação dos Tratados ou de qualquer norma jurídica relativa à sua aplicação: inclui o direito originário, o
direito derivado e os princípios de direito da União.
 Desvio de poder: casos em que a Instituição ou órgão da União é movida(o), na sua ação, por finalidades
distintas das estabelecidas por lei ou o seu objetivo é furtar-se ao cumprimento de uma regra ou procedimento
! O TJUE tem admitido e aplicado outros fundamentos não previstos expressamente nos Tratados (como o erro
manifesto de apreciação ou o erro de direito), desde que não se refiram ao direito nacional ou a outras ordens jurídicas
internacionais. Conclui-se, deste modo, pela natureza não taxativa dos fundamentos elencados.
A arguição dos fundamentos deve ser logo feita com a petição inicial, em respeito pelo princípio da proibição de
introdução de novos fundamentos. É admitida, porém, a ampliação ou novos fundamentos que tenham origem em
elementos de facto ou de direito revelados ao longo do processo.
2.5 Sentença ou decisão do TJUE
Decisão do TJUE
O ato não é considerado ilegal O ato é ilegal -> nulidade
A nulidade (art. 264º TFUE) que afeta o ato pode ser total – quando afeta a globalidade do diploma – ou parcial – caso
implique apenas a invalidação de algumas das suas normas, destacáveis do restante ato. Serão aproveitados os atos
preparatórios cuja utilidade não tenha sido posta em causa (que poderão ser reaproveitados para a adoção de novo
ato do mesmo género). Em princípio, a decisão de anulação implica a total improdução de efeitos jurídicos dos
preceitos anulados, pelo que a nulidade tem, em regra, efeitos erga omnes (força obrigatória geral) e efeitos ex tunc
(retroativos). Consequentemente, a decisão do TJUE tem efeito de caso julgado.
Esta é uma ação com efeitos constitutivos e não apenas declarativos (ao invés da ação por incumprimento), o que
pode implicar a repristinação dos atos revogados em função do ato declarado nulo. Refira-se ainda que o TJUE pode

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indicar, quando considerar necessário, os efeitos do ato declarado nulo que devem subsistir, nomeadamente
imputando à nulidade efeitos meramente prospetivos – art. 264º TFUE.
No caso de uma decisão negativa de ilegalidade, em que se negue o provimento à ação de anulação, o acórdão do
TJUE tem efeitos preclusivos erga omnes, na medida em que impede que seja acionado este meio processual com na
base na alegação dos mesmos vícios que o tribunal considerou não se verificarem.
2.6 Execução do acórdão
As Instituições devem, num período de tempo razoável, pôr termos à ilegalidade, pela adoção das medidas necessárias
(art. 266º TFUE) – o que será relevante quando a reposição da legalidade não se baste com a eliminação do ato viciado,
mas implique a prática de um ato válido em substituição.
! No entanto, não há qualquer condenação à prática de atos determinados, nem poderes de injunção ou de
substituição, salvo situações de plena jurisdição, as quais são limitadas. Do mesmo modo, não prevê qualquer sanção
pecuniária aplicável para promover o cumprimento da medida, ao contrário do que sucede na ação por
incumprimento. Em todo o caso, prevê-se expressamente a responsabilidade extracontratual da UE por danos
causados pela prática do ato anulado.
3. Ação/recurso por omissão (para cumprimento)
! A ação por omissão tem como finalidade controlar a ausência de pronúncia das Instituições, órgãos e organismos da
União, quando um comportamento ativo lhes seja exigível. Esta ação encontra-se regulada no art. 265º TFUE e é, em
boa medida, simétrica à ação de anulação, o que traduz a ideia de que a violação dos Tratados pode operar por ação
mas também por omissão. Porém, há diferenças entre as duas ações no que se refere aos seus requisitos processuais:
 A ação por omissão é sempre precedida de uma fase não contenciosa; Estas caraterísticas aproximam
[Esta fase constitui um pressuposto processual necessário para o momento judicial ] a ação por omissão da ação por
 A ação por omissão tem natureza meramente declarativa. incumprimento
A ação de controlo das omissões permite exigir a prática de atos insuscetíveis de impugnação contenciosa, o que tem
especial relevo nos casos em que a atuação de uma Instituição da UE fica dependente das outras.
3.1 Procedimento
A ação por omissão decorre em três fases principais:
1. Convite à ação: traduz-se na notificação ou solicitação para agir dirigida pelo interessado à entidade
competente para a prática do ato;
2. Resposta da Instituição (prazo de 2 meses a contar da data do convite – art. 265º): nem sempre terá lugar;
3. Fase contenciosa: o procedimento no TJUE pode iniciar-se no prazo de 2 meses a contar da resposta ou, na
sua falta, a contar do termo do prazo prescrito para aquela resposta (2 meses).
A fase pré-contenciosa constituída pelo primeiro (e segundo) momento referido cumpre três funções de relevo
fundamental, em termos teóricos e práticos:
 Função de aviso: notifica e clarifica a Instituição ou órgão da existência de uma omissão ilegal;
 Função de filtro: previne a sobrecarga do TJUE com processos desnecessários (pois pode ter lugar a ação da
Instituição, após a receção do convite à ação);
 Função de identificação: determina o responsável pela omissão e delimita o objeto do eventual processo.
a) Convite à ação: consiste numa solicitação que o interessado dirige ao órgão a que a omissão é imputada para
que adote o ato devido. Nos termos do que foi dito, o interessado deve, em primeiro lugar, solicitar o cumprimento
de dever de decidir. Este é caraterizado como uma verdadeira obrigação de adoção de um ato ou de alteração ou
revogação de um ato existente, independentemente de ser vinculativo ou não (e não apenas como uma faculdade ou
habilitação para agir). O convite para contratar deverá ser escrito e identificar a obrigação de agir (e respetivo
fundamento), bem como o ato pretendido. Além disso, o pedido deve ainda mencionar a intenção de recorrer à ação
por incumprimento no caso de a omissão persistir. Embora não exista qualquer prazo para o envio do convite, é
possível a sua rejeição com base em demora excessiva (por razões de segurança jurídica). O convite à ação assume
relevo particular uma vez que o momento da sua receção será o momento relevante para o início da contagem dos
prazos, fixando-se, indiretamente, por este meio um prazo “final” para que a entidade cumpra o seu dever de decidir.
A este aspeto acresce que será este o documento que definirá o objeto da disputa.
b) Resposta da Instituição, órgão ou organismo: poderá consistir numa das seguintes hipóteses:
1. A entidade adota o ato que foi solicitado o propósito da ação por omissão cessa;
2. A entidade não responde dentro do prazo para a resposta (2 meses) ou responde de forma inconclusiva,
remissiva ou dilatória é possível iniciar-se o processo judicial junto do TJUE;

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3. A entidade adota um ato “incorreto” deverá mobilizar-se a ação de anulação.
4. A entidade responde dizendo que abriu um processo de averiguações na sequência da solicitação do
interessado cessa a situação de omissão;
5. A entidade responde que não se encontra a infringir direito da UE: há uma recusa explicita e fundamentada à
prática do ato, por se considerar que o ato não tem de ser praticado ou que já o foi – tomada de posição
A doutrina divide-se quando ao seguimento a dar a esta situação
Ação por omissão Ação de anulação
O dever de ação ainda não foi cumprido Existe uma tomada de posição (um ato)
[A jurisprudência do TJUE orienta-se no sentido de considerar que qualquer ato, mesmo que de conteúdo negativo, dá
lugar à ação de anulação, excepto em caso de atos não vinculativos ou puramente preparatórios.]
c) Processo judicial: o recurso perante o TJUE pode ser apresentado, como referido, dentro de 2 meses após
o termo do prazo para a resposta (ao qual podem acrescer 10 dias por razões de distância), salvo na hipótese do
recorrente provar caso furtuito ou força maior.
Quanto ao objeto do controlo do TJUE em caso de ação por omissão, o art. 266º TFUE fala apenas em abstenção
declarada contrária aos Tratados. No entanto, numa interpretação extensiva, devem ainda integrar-se aqui as diversas
formas de violação do direito derivado (por ex.: não cumprimento de uma obrigação estabelecida num Regulamento),
desde que não sejam relativas a questões formais.
3.2 Legitimidade processual passiva
A ação por omissão deve ser instaurada contra: (1) o Conselho; (2) o Conselho Europeu; (3) a Comissão; (4) o
Parlamento Europeu; e (5) o Banco Central Europeu, bem como contra outros órgãos e organismos da Administração
comunitária que tiverem competência para a adoção do ato omisso. Poderá, inclusivamente, ter lugar a demanda de
duas entidades (litisconsórcio passivo). Todas as instituições referidas têm competência para adotar atos vinculativos.
No entanto, uma ação por omissão não tem necessariamente de se referir à omissão de atos vinculativos, podendo
reportar-se à prática de atos preliminares ou de atos finais não vinculativos ou de execução. À semelhança do que
referimos quanto à ação de anulação [vide supra: Parte I, Cap. III, 2.2] também aqui se podem identificar:
 Recorrentes privilegiados: Estados-membros e Instituições da UE, os quais têm a função de defesa da
legalidade objetiva, podendo, por isso, recorrer de quaisquer abstenções de pronúncia legalmente devida
(portanto, omissões de atos vinculativos ou não vinculativos) - exige-se tão-só que os atos omitidos sejam
suficientemente concretos e individualizados para serem objeto de execução (art. 266º TFUE);
 Recorrentes não privilegiados ou ordinários: os particulares podem apenas recorrer dos atos vinculativos e
dotados de eficácia externa, que lhes deveriam ter sido dirigidos (aplica-se aqui o teste do interesse “direto e
individual” aplicável no caso da ação de anulação).
3.3 Sentença ou decisão do TJUE
A sentença do TJUE no controlo das omissões tem um caráter meramente declarativo: não se está perante uma
sentença condenatória (o TJUE não condena o órgão a adotar uma posição, nem determina o conteúdo de uma
eventual posição a adotar), nem perante uma sentença substitutiva (não se substitui ao órgão na prática do ato).
Também não são previstas sanções pecuniárias compulsórias nem a possibilidade de o TJUE impor a produção dos
efeitos jurídicos que haveriam de ser produzidos pelo ato omisso (caso em teríamos uma sentença constitutiva). Deste
modo, o TJUE limita-se a afirmar que a entidade não praticou o ato que deveria ter praticado.
Ainda assim, a Instituição, órgão ou organismo da União deverá tomar as medidas necessárias à execução do acórdão,
num prazo razoável (art. 266º TFUE). Sublinhe-se que a execução do acórdão não tem que conduzir necessariamente
à prática do ato pretendido pelo autor, sendo irrelevante que o mesmo não fique satisfeito com a atuação do órgão.
Noutro prisma, o dever de execução do acórdão não prejudica a obrigação de reparação que possa decorrer da
responsabilidade extracontratual da União (art. 340º TFUE).
4. A exceção de ilegalidade
A exceção de ilegalidade traduz a possibilidade de qualquer parte de um litígio que ponha em causa um ato de alcance
geral recorrer à ação de anulação mesmo depois de decorrido o prazo para tal (art. 277º TFUE). Este é um meio
processual fundado em princípios gerais de due process. Está na sua base a ideia de que qualquer pessoa deve poder
defender-se de um ato normativo que sirva de base a uma decisão que lhe seja dirigida. No fundo, cria-se aqui a
possibilidade de os particulares arguirem a invalidade de uma norma de direito da UE por via exceção.
Como funções ou finalidades deste expediente, indicam-se:

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Maria Paixão Direito da UE II – 2015/16
 Evitar situações de denegação de justiça e conferir aos particulares um acesso mais amplo aos tribunais
comunitários – visa compensar o acesso limitado à ação de anulação;
 Defesa da legalidade “constitucional e ordinária” da UE – pretende evitar-se a aplicação de uma norma ferida
de invalidade.
4.1 Caraterísticas da exceção de ilegalidade
Como expediente distinto dos demais meios contenciosos, é relevante atentar nas caraterísticas específicas da
exceção de ilegalidade:
 Via de recurso acessória, que permite um controlo incidental da legalidade comunitária;
 A sua viabilidade deriva automaticamente da inadmissibilidade do recurso principal (a ação de anulação);
 Depende de outras vias processuais: só pode ser usado perante o TJUE, o TG e os tribunais especializados em
processos principais que nestes decorram.
4.2 Relação com outros meios processuais
A exceção de ilegalidade tem uma função paralela ao reenvio prejudicial se validade nos tribunais nacionais, com a
diferença de ter lugar no âmbito de processos jurisdicionais a decorrer em tribunais comunitários.
O TJUE tem vindo a aplicar, nos casos em que está em causa uma ação interposta por requerentes não privilegiados,
o princípio da não duplicação das vias processuais. Segundo este princípio, se as partes podiam ter reagido mediante
uma ação de anulação, não se abre a via de exceção. Portanto, o destinatário de uma decisão que não a atacou no
prazo previsto no art. 263º TFUE não poderá invocar a exceção de ilegalidade. Isto porque este meio processual não
pretende ser uma ação alternativa e paralela às demais, mas sim um meio excecional, que visa colmatar as falhas do
sistema (ou seja, visa proporcionar um meio de defesa aos requerentes que não obtiveram um outro meio de atacar
o ato que lhes poderá ser aplicado). Isto sem prejuízo de o princípio enunciado revestir uma certa flexibilidade, não se
vedando o recurso à exceção de ilegalidade em todos os casos.
Como é lógico, a exceção de ilegalidade tem uma relação especial com o recurso de anulação. As insuficiências em
especial do recurso de anulação quanto ao prazo do recurso (2 meses) e quanto aos recorrentes não privilegiados
(requisitos de legitimidade processual) convocam a existência de um “prolongamento” daquela ação, o qual se traduz,
exatamente, na exceção de ilegalidade. Esta ideia assume especial relevo no que respeita a reação contenciosa relativa
a decisões encapotadas em regulamentos – a difícil deteção de tais disposições exige que o ordenamento jurídico
comunitário admita uma via secundária de que se possam socorrer os interessados.
Com o Tratado de Lisboa, passou a referir-se expressamente que a exceção de ilegalidade pode ser suscitada em
qualquer litígio, pelo que a sua relevância surge também no âmbito de outros processos:
 Ação por omissão: a entidade contra quem é dirigida esta ação pode pretender defender-se arguindo que não
pratica o ato porque, para tal, teria de aplicar um regulamento inválido;
 Ação por incumprimento: em determinados casos a efetiva declaração de ilegalidade de um ato normativo
geral pode ser relevante para a defesa do Estado;
[Embora, em princípio, os Estados não possam invocar a invalidade de uma decisão comunitária (de que são destinatários)
numa ação por incumprimento contra si dirigida por incumprimento daquela decisão ]
 Ação de indemnização: a ilegalidade de um ato de alcance geral pode auxiliar a fundamentar a pretensão do
interessado que invoca um prejuízo resultante de uma ação ilícita da UE.
4.3 Objeto da exceção de ilegalidade
A exceção de ilegalidade pode ser invocada quando esteja em causa um ato de alcance geral. Esta já não é, como foi
outrora, uma via de reação restrita aos regulamentos. Permite-se agora a sua utilização contra quaisquer atos típicos
ou atípico com efeitos análogos aos dos regulamentos. Como resulta do que foi dito atrás, excluem-se as normas que
digam individual e diretamente respeito a uma pessoa ou pessoas determinadas e as que afetem os particulares
diretamente sem necessitar de medidas de execução. Isto porque, em tais casos, entende-se que os interessados
tiveram a oportunidade de reagir contra tais atos mediante a ação de anulação (pois os atos em causa são-lhes
dirigidos direta e individualmente). Consequentemente, não há aqui uma desproteção que deva ser acautelada. Ainda
assim, não serão excluídas as decisões, pois está-lhes associada uma generalidade e indeterminação temporal que as
pode equiparar a atos de conteúdo geral. Também as diretivas que assume uma “forma regulatória” poderão ser
objeto de uma exceção de ilegalidade, desde que se verifique uma relação entre o ato atacado (decisão individual de
aplicação/execução) e o ato normativo ilegal (diretiva).
4.4 Legitimidade processual ativa

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Quanto à legitimidade para iniciar a exceção de ilegalidade, é de referir, desde logo, a formulação inclusiva do art.
277º TFUE, o qual se refere a “qualquer parte” de um litígio. De um modo geral, detêm legitimidade ativa:
 Qualquer particular que seja destinatário de uma decisão comunitária fundada num ato de alcance geral ilegal
ou a quem essa decisão diga direta e individualmente respeito;
[Excluindo-se, como referido, os particulares que tinham legitimidade ativa para recorrer diretamente (mediante ação
de anulação) e não o fizeram dentro do prazo estipulado]
 Estados-membros, na defesa da legalidade objetiva;
 Instituições, órgãos e organismos da UE.
4.5 Fundamentos de ilegalidade
Os fundamentos que podem basear a declaração da ilegalidade em sede de exceção de ilegalidade são os mesmos que
poderão ser invocados em sede de ação de anulação (tendo em conta que o elenco do art. 263º CC não é taxativo).
4.6 Regime processual
A exceção de ilegalidade requer a arguição expressa ou inequívoca pelos demandantes ou demandados da ilegalidade
do ato contra o qual se instaura o recurso fundada na ilegalidade de um ato de alcance geral. A tramitação base seguida
no âmbito deste recurso é a do recurso ou ação de que se trata a título principal.
! Sublinhe-se que, apesar de ser um meio processual individualizado, a exceção de ilegalidade não é uma via processual
autónoma mas um incidente processual: é enxertada num outro processo que decorrente perante o TJUE.
4.7 Sentença ou decisão do TJUE
A sentença do TJUE que ateste a ilegalidade do ato impugnado declara a inaplicabilidade do ato ao caso concreto.
Assim sendo, a decisão do TJUE tem apenas efeitos inter partes, não anulando o ato ferido de invalidade com eficácia
geral. No entanto, o ato atacado a título principal no âmbito de uma ação de anulação será nulo com efeitos erga
omnes. É de referir que o ordenamento comunitário reconhece um mecanismo corretor da ausência de generalização
dos efeitos da sentença relativamente ao ato normativo impugnado: o princípio da lealdade institucional. Nos termos
deste princípio as Instituições comunitárias têm a obrigação de revogar o ato declarado inválido.
5. Ação de responsabilidade
No que respeita os tipos de responsabilidade que poderão estar em causa, individualizam-se os seguintes:
 Responsabilidade internacional da União.
 Responsabilidade contratual (art. 340º TFUE): pelo incumprimento ou cumprimento defeituoso de um negócio
jurídico celebrado pela UE. Esta responsabilidade é efetiva pelos tribunais (nacionais) competentes ou, quando
exista cláusula compromissória, pelo TJUE (arts. 272º a 274º TFUE), e segundo a lei aplicável ao contrato
concretamente em causa.
 Responsabilidade extracontratual (arts. 268º e 340º TFUE): reparação de danos resultantes da atividade ilegal
dos órgãos e agentes da UE.
5.1 Legitimidade das partes
Têm legitimidade processual ativa para intentar uma de responsabilidade:
a) Os Estados-membros;
b) Outros Estados ou organizações internacionais;
c) Pessoas singulares ou coletivas.
Quanto à legitimidade processual passiva, a ação de responsabilidade pode ser dirigida contra:
1. A União Europeia (pelos atos das suas Instituições, órgãos ou agentes) – a representação da União é
assegurada pela Instituição a quem o facto gerador de responsabilidade é imputado;
2. Os Estados-membros (em relação a atos de execução do direito da União que impliquem o exercício de
poderes discricionários) – nestes casos, o TJUE declara-se incompetente.
5.2 Especificidade processual quanto ao BCE
O art. 340º TFUE comporta um parágrafo autónomo relativo ao BCE. Tal solução justifica-se uma vez que o BCE
responde ele próprio financeiramente (e não, portanto, a UE) pelos danos que sejam causados por si ou pelos seus
agentes no exercício das suas funções. Com efeito, o BCE é um ente jurídico dotado de personalidade jurídica e órgãos
próprios de decisão, exercendo as suas funções e gerindo as suas finanças com independência. Consequentemente, a
indemnização de danos ser-lhe-á diretamente imputável, justificando-se a sua posição processual específica.
5.3 Caraterísticas processuais

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A responsabilidade dos Estados-membros prescreve 5 anos após a data da efetivação do prejuízo (art. 46º ETJUE).
Sublinhe-se que não tem aqui relevância a data de emissão do ato ou facto que originou a responsabilidade, mas sim
a data da efetivação do prejuízo.
! A ação de responsabilização da União é autónoma, pelo que mesmo que haja limitações de acesso a outras vias
processuais, tais limitações não se comunicam a esta ação. Noutro prisma, esta é uma ação com caráter subsidiário,
estando em causa medidas individuais nacionais de aplicação de atos ilegais da União: a ilegalidade deve ser feita
valer, em primeira linha, perante os tribunais nacionais, mediante reenvio prejudicial para o TJUE.
5.4 Condições de procedência da ação
São pressupostos da responsabilidade civil extracontratual da União (arts. 340º TFUE e 21º ETJUE):
1. Estar em causa um ato que expresse direta e exclusivamente a vontade da União (portanto, um ato praticados
por uma autoridade comunitária no exercício das suas funções) e seja produtor de efeitos jurídicos;
2. Estar em causa um ato/facto ilícito (= violação suficientemente grave e caraterizada, aferida tendo em conta
o âmbito discricionário e complexo dos poderes que se exercitam), não se exigindo que o ato tenha já sido
eliminado da ordem jurídica por via de ação de anulação;
3. Existência de prejuízos e danos reais, atuais ou previsíveis;
4. Nexo de causalidade adequada (o dano deve ser uma consequência provável da conduta ilegal).
Verificados os requisitos referidos, a União incorre na obrigação de repor status quo ante: colocar o lesado na posição
em que estaria se não fosse a conduta ilícita da UE. Caso não seja possível essa reposição, terá lugar uma compensação
por equivalente. No seio do direito da UE está excluída a responsabilidade pelo risco e limitada a responsabilidade por
factos lícitos.
6. Medidas provisórias
Podem ser efetivadas as seguintes medidas provisórias:
 Suspensão da execução do ato impugnado (quando as circunstâncias do caso o exigirem) – art. 278º TFUE;
 Outras medidas conservatórias (cujo objetivo é manter o status quo ante, mediante a suspensão de efeitos de
um ato) ou antecipatórias (procurando evitar danos futuros eventuais).
Tais medidas pode ser concedidas pelo TJUE (pelo Presidente do Tribunal ou pela secção competente para a questão
principal) ou pelos tribunais nacionais (em casos que envolvam a aplicação do direito da UE), desde que adotadas em
situações similares àquelas em que o TJUE adota medidas cautelares no mesmo domínio.
As medidas provisórias referidas caraterizam-se pela (1) provisoriedade dos seus efeitos, pelo (2) seu caráter acessório
(relativamente à ação principal) e pela (3) recorribilidade (ainda que o recurso esteja limitado a questões de direito).
Como requisitos para que tais medidas sejam concedidas, exige-se:
a) Urgência: objetivo de evitar um prejuízo sério e irreparável (o que aponta para a proporcionalidade da
medida);
b) Probabilidade séria de existência do direito a favor do recorrente: deverá ter lugar um juízo sumário acerca da
probabilidade de procedência do pedido.

Parte II – O direito material da União Europeia


Capítulo I – As liberdades fundamentais
1. Integração económica, social e política
Os Estados são as únicas entidades que dispõem de um território economicamente integrado, no qual a liberdade de
circulação e a igualdade (ou concorrência) no acesso ao mercado é a regra-base. No entanto, a integração económica
entre vários Estados é vista como desejável, nomeadamente devido às seguintes vantagens:
 Economias de escala: a produção torna-se mais eficiente, já que tanto o número de bens produzidos como a
dimensão do mercado em que são comercializados esses bens são maiores;
 Desenvolvimento de projetos apenas possíveis a uma escala mais ampla (por ex.: em matéria de I&D);
 Melhor qualidade das políticas sociais e económicas (devido ao abandono das políticas protecionistas);
 Aceleração do desenvolvimento e melhor resposta a crises globais ;
 Concorrência efetiva através da aplicação de regras de concorrência ao nível internacional.
A integração entre vários Estados dá-se progressivamente segundo diversos estádios:
1. Zona de preferência tarifária: assegura níveis tarifários preferenciais para o grupo de países integrados;
2. Área de comércio livre: eliminação das tradicionais restrições às relações comerciais entre os Estados – EFTA
o Livre circulação da maioria dos bens originários dos Estados;

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o Aplicabilidade de tarifas nacionais e diferenciadas ao comércio externo.
3. União aduaneira: liberdade de circulação de todos os produtos, originários ou importados, na medida em que
existe uma tarifa externa comum [os países-membros terão de abdicar de alguma liberdade quanto à fixação das suas
políticas (nomeadamente, a política comercial) e reconhecer algumas limitações na condução da sua política externa ];
4. Mercado comum: à união aduaneira acresce a liberdade de circulação de outros fatores de produção, como o
capital e o trabalho, além de impor ainda a eliminação de barreiras não tarifárias e da harmonização de
políticas entre os Estados;
5. União económica: acresce ao mercado comum a coordenação das políticas económicas e sociais entre os
Estados-membros, sendo possível, inclusivamente, que alguns setores económicos seja geridos por
autoridades conjuntas;
6. União económica e monetária: além da união económica, há uma política monetária única, com o objetivo de
evitar que a área abrangida seja afetada por oscilações cambiárias.
Atualmente, a União Europeia assume-se como um espaço económico quase totalmente integrado. De facto, desde a
sua forma embrionária (CEE), a UE assumiu-se como um projeto ambicioso com objetivos amplos. Se, por um lado, se
pretendia a união económica e monetária plena, por outro, a Comunidade nunca pretendeu ser apenas um espaço de
integração económica, visando também o progresso social dos povos europeus. Desta dupla finalidade resulta que o
princípio da igualdade de remuneração seja parte dos fundamentos da UE (Acórdão Defrenne).
A integração europeia tem revelado um forte impulso nas últimas décadas, sobretudo desde a celebração do Tratado
de Maastricht. O aprofundamento da integração tem-se verificado especialmente nos domínios sociais e políticos,
uma vez que, a nível económico e monetário, a UE encontra-se já num estádio de quase plenitude integrativa. A
integração social e política tem conferido particular releva a temas como os direitos humanos e os princípios
fundamentais, culminando no reconhecimento da cidadania europeia. A cidadania europeia é um estatuto
fundamental dos cidadãos da União, assumindo um papel fundamental na estruturação político-jurídica da União.
2. As liberdades comunitárias fundamentais
A UE tem vindo a suportar a sua estrutura no reconhecimento progressivo de várias liberdades, as quais se assumem,
desde o início, como fundamentais ao estabelecimento do mercado comum. Tais liberdades estão diretamente ligadas
ao princípio da não discriminação em razão da nacionalidade (art. 18º TUE) ao principio do reconhecimento mútuo.
Como referido, a concretização da liberdades comunitárias tem sido feita paulatinamente no pleno europeu. Como é
evidente, estas liberdades só valem no espaço interno da UE.
No que respeita a liberdade de circulação de pessoas, a UE reconhece o denominado “espaço de liberdade, segurança
e justiça”, que se carateriza por duas notas: (1) ausência de controlos de pessoas nas fronteiras internas e (2) política
comum em matéria de asilo, imigração e de controlo das fronteiras externas. Quanto à livre circulação de mercadorias,
além da natural liberdade de circulação interna, os Estados-membros da UE seguem uma Pauta Aduaneira Comum e
o Código Aduaneiro da União, aplicáveis nas relações com países terceiros. Quanto a este ponto, é crucial fixar a
definição de algumas conceitos:
 Controlos aduaneiros: atos específicos executados pelas autoridades aduaneiras a fim de garantirem o
cumprimento da legislação aduaneira e de outra legislação que regule a entrada e saída, o trânsito, a
circulação, o armazenamento e a utilização para fins especiais de mercadorias que circulem entre o território
aduaneiro da UE e países ou territórios que não façam parte desse território, bem como a presença e a
circulação no território aduaneiro da UE de mercadorias extracomunitárias e de mercadorias sujeitas a regime
de destino especial;
 Direitos anti-dumping: visam proteger a economia europeia da prática de venda de mercadorias nos mercados
internacionais a preços inferiores aos praticados a nível interno;
 Direito de compensação: visam compensar a atribuição de apoios estaduais por parte de países terceiros às
suas empresas (que desvirtuam o comércio internacional);
 Fiscalização aduaneira: a ação empreendida a nível geral pelas autoridades aduaneiras destinada a assegurar
o cumprimento da legislação aduaneira e, se for caso disso, das restantes disposições aplicáveis às
mercadorias sujeitas a essa ação.
! Embora a legislação aduaneira se encontre plenamente harmonizada, a sua execução situa-se no âmbito do direito
nacional dos Estados-membros.
2.1 Liberdade de circulação de mercadorias

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A União Europeia abrange uma união aduaneira que abrange a totalidade do comércio de mercadorias e implica (a) a
proibição de direitos aduaneiros de importação e de exportação, e de quaisquer encargos de efeito equivalente, entre
os Estados-membros, bem como a (b) adoção de um a pauta aduaneira comum nas suas relações com países terceiros
– art. 28º TFUE. Entres as proibições fixadas nesta matéria, relevam:
 Direitos aduaneiros de importação e exportação e encargos de efeito equivalente (art. 30º TFUE);
 Direitos aduaneiros de natureza fiscal (art. 30º TFUE);
 Restrições quantitativas à importação e exportação e encargos de efeito equivalente (arts. 34º e 35º TFUE).
Neste contexto, o conceito de “mercadorias” assume-se como uma noção ampla e autónoma: todos os produtos que
podem ser avaliados em dinheiro e que são passíveis de transações comerciais (art. 5º Código Aduaneiro). Consideram-
se mercadorias da UE, as seguintes categorias de mercadorias:
1. Mercadorias inteiramente obtidas no território aduaneiro da UE, sem incorporação de mercadorias importadas
de países ou territórios que não façam parte do território aduaneiro da União;
2. Mercadorias introduzidas, em livre prática, no território aduaneiro da União a partir de países ou territórios
que não façam parte desse território;
3. Mercadorias obtidas ou produzidas no território aduaneiro da União, quer exclusivamente a partir de
mercadorias referidas na alínea anterior, quer através de mercadorias integradas nas 2 alíneas acima referidas.
Quanto às proibições implicadas pela liberdade de circulação de mercadorias, há que distinguir:
 Direitos aduaneiros: tributos cobrados no momento da importação ou exportação de uma mercadoria, sem a
imposição de um tributo idêntico a uma mercadoria de um Estado-membro;
 Encargos de efeito equivalente a direitos aduaneiros: medidas unilaterais impostas a uma mercadoria
importada ou exportada que aumentam o seu preço relativamente a idêntico produto comercializado no
Estado, independentemente da sua denominação e técnica de aplicação;
 Restrições quantitativas ou contingentes: interdições totais ou parciais das importações ou exportações de
determinado tipo de bens (art. 37º TFUE);
 Medidas equivalentes a restrições quantitativas: todas as restantes normas comerciais que tenham por efeito
entravar, direta ou indiretamente, atual ou potencialmente, o comércio intracomunitário [fórmula Dassonville].
Para que uma medida integre esta categoria, exige-se:
o Tratar-se de um ato/comportamento de uma autoridade pública (ou de um ato de privados que seja
imputável a um autoridade pública), independentemente da sua configuração (integram-se aqui
quaisquer práticas protecionistas e discriminatórias com grau razoável de constância);
[Incluem-se aqui as situações em que se verificam deveres de abstenção do Estado ou deveres de proteção
do Estado]
o Verificarem-se efeitos restritivos, derivados do ato/comportamento em causa, equivalentes aos efeitos
das restrições quantitativas -> tornam as importações impossíveis, mais difíceis ou onerosas do que o
escoamento da produção nacional sem que isso se justifique por razões de interesse público.
Os encargos pecuniários não serão considerados medidas de efeito equivalente a direitos aduaneiro quando
preenchidos os seguintes requisitos:
a) Sobre as mercadorias nacionais incidirem encargos idênticos (se existirem, como é lógico, mercadorias
nacionais equivalentes);
b) Tratar-se de um serviço efetivamente prestado ao importador ou exportador no montante proporcional (por
ex.: estar em causa um controlo de quantidade);
c) Previsão dos encargos numa convenção internacional ou num ato comunitário.
! Sublinhe-se que o mercado interno não é concretizado apenas pela garantia da livre circulação de mercadorias, mas
por outras políticas como a política da concorrência e a da fiscalidade. Quanto a esta última, apesar de se tratar de
uma matéria de competências essencialmente nacional, os Tratados proíbem certos tipos de tributação direta ou
indireta sobre produtos: aqueles que favoreçam certos tipos de bens nacionais ou de determinados Estados-membros
relativamente a outros produtos similares ou que visem proteger indiretamente outras produções. Poderão estar aqui
em causa, entre outros, diferentes taxas e incidências, diferentes meios de pagamento, diferentes benefícios fiscais,
etc. Será, no entanto, possível introduzir diferenças fiscais sobre certos produtos quando tais diferenças assentem em
critérios objetivos (por ex.: impacto ambiental, materiais utilizados, etc.), desde que tenham fundamento material (e
não subjetivo) e não discriminem os produtos importados relativamente aos nacionais.

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Maria Paixão Direito da UE II – 2015/16
Um outro corolário da liberdade de circulação é o princípio do mútuo reconhecimento: uma mercadoria produzida ou
legalmente introduzida no mercado de um Estado-membro pode, em regra, ser introduzida no mercado dos outros
Estados-membros. Fala-se aqui em livre prática. As limitações a este princípio pode provir da UE (ex.: em matéria de
segurança alimentar) ou dos próprios Estados, neste caso desde que as limitações sejam notificadas à UE e os Estados
provem que as restrições impostas são justificadas. A justificação das restrições referidas pressupõe:
a) Prossecução de fins legítimos à luz dos Tratados (vide: art. 36º TFUE);
b) Proporcionalidade entre a restrição e os objetivos a atingir;
c) Inexistência de uma base discriminatória (ainda que nem sempre este critério deva prevalecer).
2.2 Liberdade de circulação de trabalhadores
A liberdade de circulação de trabalhadores integra a liberdade de acesso à profissão e a liberdade de exercício da
profissão, bem como a liberdade de cessação do vício contratual, sem discriminação em razão da nacionalidade (art.
45º TFUE). Neste liberdade integram-se os seguintes direitos:
 Responder a ofertas de emprego efetivamente feitas;
 Deslocar-se livremente, para o efeito, no território dos Estados-membros;
 Residir num dos Estados-membros a fim de nele exercer uma atividade laboral, em conformidade com as
disposições legislativas, regulamentares e administrativas que regem o emprego dos trabalhadores nacionais;
 Permanecer no território de um dos Estados-membros depois de nele ter exercido uma atividade laboral.
Também no que respeita o conceito de “trabalhadores” o direito da União adota uma noção específica: pessoa que
realiza, durante um certo tempo, uma prestação com valor económico determinado em favor de uma pessoa, sob
direção desta, recebendo como contrapartida uma remuneração. Distingue-se a este respeito o exercício de atividades
assalariadas e não assalariadas (meros serviços). Uma mesma função pode ser assegurada nestes dois moldes,
dependendo a qualificação do vínculo jurídicos com a entidade empregadora ou adquirente dos serviços. Inicialmente,
a liberdade de circulação de trabalhadores era apenas reconhecida àqueles que desenvolviam atividades assalariadas.
No entanto, atualmente esta é uma liberdade mais ampla. Atentemos nas fases de ampliação desta liberdade:
1. Inicialmente a extensão desta liberdade era fixada, de forma limitada, pelo TJUE ou pela legislação;
2. Ainda numa fase inicial foram também adotadas provisões específicas quanto à liberdade de circulação de
estudantes (considerada um pré-requisito à liberdade de circulação de trabalhadores);
3. Posteriormente, deu-se a afirmação do reconhecimento mútuo de habilitações académicas e profissionais:
o O reconhecimento, no Estado de acolhimento, das qualificações obtidas no Estado de origem é, em
princípio, automático, apenas podendo ser previstas condições adicionais que tenham um fundamento
material objetivo (em matérias como a segurança pública, a saúde pública ou a proteção do consumidor)
e que respeitem o princípio da proporcionalidade e da igualdade;
o Verificando-se o princípio da proporcionalidade e o princípio da igualdade, poderão ser previstas
medidas de compensação (ex.: provas de aptidão, estágios, etc.) – não há absoluta harmonização.
4. Numa fase subsequente, o alargamento operou-se no domínio da segurança social (art. 48º TFUE);
5. O Tratado de Schengen e a sua integração no acervo da União proporcionaram um impulso na promoção da
livre circulação, não só de trabalhadores;
6. O maior contributo respeitante ao alargamento da liberdade sobre que nos debruçamos foi a instituição da
cidadania da União, a qual proporcionou a passagem de uma liberdade meramente económica (liberdade de
circulação de trabalhadores) para uma liberdade pessoal (liberdade de circulação de pessoas).
Com o reconhecimento da cidadania da União, o ordenamento jurídico da UE veio acolher um novo direito: o direito
de circulação, permanência e residência. Acerca deste direito discutiu-se o seu caráter inovador, entendendo alguns
setores que não estaria em causa um direito distinto daqueles já consagrados no acervo comunitário.
À semelhança do referido quanto à liberdade de circulação de mercadorias, também a liberdade de circulação de
trabalhadores pode conhecer restrições. Aplicar-se-á aqui também o princípio Dassonville [vide supra: Parte II, Cap. I,
2.2], segundo o qual são interditas todas as medidas capazes de impedir, direta ou indiretamente, atual ou
potencialmente, a circulação de trabalhadores na comunidade. As restrições colocada à liberdade de circulação de
trabalhadores terão de se fundar em razões de ordem pública, segurança pública e saúde pública. Dentro destes
domínios, as restrições que se venham a efetivar deverão reunir os seguintes pressupostos:
a) Visar prosseguir um objetivo compatível com os Tratados;
b) Justificar-se com base em razões de interesses público (portanto, dentro das matérias referidas acima –
cláusula geral fixada no art. 45º/3 TFUE);

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c) Serem apropriadas e necessárias à consecução do objetivo invocado; Princípio da
d) Não irem além do necessário para prosseguir o objetivo visado. proporcionalidade
Estando aqui em causa um direito fundamental diretamente aplicável, quaisquer restrições devem ser interpretadas
restritivamente. Neste contexto, algumas restrições ligadas a vantagens sociais ou ao apoio a filhos de trabalhadores
têm sido recusadas. Entende-se, por exemplo, que a atribuição de vantagens sociais (= todos os benefícios ligados ao
contrato de trabalho que são geralmente reconhecidos aos trabalhadores nacionais) não pode ser condicionada pela
obrigação de residência no Estado-membros que as concede. Esta é uma questão com particular acuidade no caso dos
trabalhadores transfronteiriços (trabalham num país e habitam em outro). Pretende-se obviar à consagração de
diferenciações que, aparentemente se baseando noutros critérios que não o da nacionalidade, têm como efeito
prático um resultado discriminatório em função da nacionalidade. Ainda neste contexto, assumem também particular
relevância as restrições em matéria fiscal, designadamente no que diz respeito à tributação direta do rendimento e à
eliminação da dupla tributação entre Estados-membros. A legislação nacional quanto a este domínio deverá ser
interpretada à luz do direito da UE e do princípio da não discriminação em razão de nacionalidade, ainda que a UE não
tenha competências sobre matéria fiscal.
2.3 Liberdade de prestação de serviços
A livre prestação de serviços é uma liberdade de caráter temporário: o prestador de serviços pode, para execução da
prestação, exercer, a título temporário, a sua atividade no Estado-membros onde a prestação é realizada, nas mesmas
condições que esse Estado-membro impõe aos seus próprios nacionais. Deriva do que foi dito acima, ser esta uma
liberdade de natureza subsidiária ou residual: integram-se aqui as (1) prestações de natureza industrial, comercial,
artesanal ou relativas a profissões liberais realizadas (2) mediante remuneração e de forma pontual (portanto, não se
verifica a criação de um estabelecimento estável) que (3) não sejam reguladas pelas disposições relativas à livre
circulação de mercadorias, capitais ou pessoas – art. 57º TFUE.
! Portanto, é nota essencial nesta matéria a consideração de que a liberdade de prestação de serviços não se reporta
a um setor específico da economia (o setor terciário), mas sim ao desenvolvimentos de quaisquer atividades
económicas em termos não assalariados (sem dependência de outrem) nem estáveis, integrando atividades do setor
primário, secundário e terciário.
Refira-se ainda que esta é uma liberdade dual direito de prestar serviços
direito de aceder a serviços prestados noutro Estado-membro
Importa ainda apontar o caráter direto desta liberdade, podendo ser invocada perante entidades públicas e privadas.
Como é evidente, também no âmbito desta responsabilidade assume particular relevo o princípio o mútuo
reconhecimento de qualificações profissionais.
Quanto às restrições à liberdade de prestação de serviços, podemos falar em regras que limitam o acesso do prestador
de serviços ao mercado e de regras que, embora não restringindo o acesso ao mercado, discriminam, formal ou
materialmente, o prestador de serviços de outros Estados-membros. Ora, por remissão do art. 62º TFUE, aplica-se
aqui a disposição relativa às restrições do direito de estabelecimento (art. 52º/1 TFUE). Nestes termos, são
pressupostos da restrição da liberdade de prestação de serviços:
a) Fundamento em razões de ordem pública, segurança pública e saúde pública;
b) Respeito pelo princípio da proporcionalidade.
Neste âmbito assume elevada preponderância a Diretiva 2006/123/CE, cujos vetores fundamentais são:
 Harmonização e simplificação dos procedimentos administrativos nacionais;
 Informação sobre as regras aplicáveis à prestação de serviços;
 Reconhecimento automático de certificados ou outros documentos de outro Estado-membro;
 Clareza dos procedimentos autorizativos, os quais devem ser não dissuasivos, necessários, proporcionais e
não discriminatórios;
 Possibilidade de derrogação das regras gerais limitada aos casos de ordem pública, segurança pública, saúde
pública e proteção do ambiente;
 Possibilidade de adoção de requisitos específicos em profissões reguladas de modo a preservar a sua
imparcialidade, independência e integridade.
Determinados setores são excluídos ou recebem um tratamento especial relativamente ao exposta acima, entre eles:
 Setor dos transportes;
 Setor bancário;
 Setor dos seguros;

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 Serviços de interesse geral financiados pelo Estado;
Ainda que os destinatários de tais serviços possam pagar taxas, as mesmas são consideradas contribuições para
o sistema público, e não uma remuneração.
 Atividades ocasionalmente ligadas ao exercício de autoridade pública (ex.: consultadoria no domínio militar).
Acresce ainda a possibilidade de aplicação de disposições legislativas, regulamentares e administrativa nacionais que
prevejam um regime especial para os estrangeiros, desde que tais disposições sejam (1) justificadas por razões de
ordem pública, segurança pública e saúde pública e (2) proporcionais à obtenção da finalidade invocada.
2.4 Liberdade de estabelecimento
O direito/liberdade de estabelecimento constitui outra das traves mestras da edificação do mercado interno,
assumindo uma estreita relação com a liberdade de circulação de pessoas e capitais. Pretende-se o acolhimento, no
ordenamento da União, de um fator de mobilidade social e económica, que proteja a liberdade de escolha da
localização da atividade e a liberdade de estratégia empresarial com base em critérios estritamente económicos. No
fundo, a liberdade de estabelecimento é um corolário da livre e leal concorrência entre empresas e profissionais
liberais. Se, como referido, a liberdade de circulação de trabalhadores envolvia todos os que prestassem atividade
laboral sob direção de outrem (“trabalhadores assalariados”), a liberdade de estabelecimento pretende garantir o
exercício de uma atividade económica autónoma (portanto, não assalariada e por conta própria) com caraterísticas
de permanência ou estabilidade, em condições de igualdade e não discriminação. Portanto, por outro lado, esta
liberdade afasta-se da liberdade de prestação de serviços pela nota da permanência.
Liberdade de estabelecimento
Liberdade de circulação de trabalhadores Liberdade de prestação de serviços
Pressupõe o exercício da atividade sob direção de outrem em Pressupõe o caráter temporário da prestação de serviços
troca de remuneração (não há criação de estabelecimento estável)
Portanto, a noção de “estabelecimento” para estes efeitos integra as seguintes notas:
 Assunção autónoma de risco económico e conformação autónoma da prestação da atividade;
 Estabilidade no espaço e no tempo da organização económica em causa.
Esta liberdade aplica-se a entidades privadas, singulares e coletivas (art. 54º TFUE), e públicas, no âmbito dos serviços
e direito das sociedades, que pretendam estabelecer-se num outro Estado-membro. Consequentemente, os ditames
deste direito vinculam as autoridades públicas europeias e nacionais, bem como entidades privadas que possam
adotar práticas contrárias à liberdade de estabelecimento.
! No contexto desta liberdade, importa referir o princípio do tratamento nacional (art. 55º TFUE): os Estados-membros
concederão aos nacionais dos outros Estados-membros o mesmo tratamento que conferem aos seus próprios
nacionais. Isto sem prejuízo de, de acordo com o princípio do Estado de origem, os Estados-membros deverem
reconhecer os atos praticados noutros Estados-membros que permitam o exercício de determinada atividade (ex.:
licenças). Portanto, quanto a este aspeto não se justifica que os nacionais de outros Estados-membros tenham de
receber tratamento igual ao dos nacionais do Estado em que pretendem desenvolver a sua atividade, pois isso
implicaria a submissão a dois blocos de normas diferentes (o que prejudicaria a liberdade de estabelecimento em si).
Podem identificar-se as seguintes exceções/limitações à liberdade de estabelecimento:
 Exercício de atividades de autoridade pública (art. 51º TFUE);
 Restrições motivadas em razões de interesse público (art. 53º TFUE).
Como é evidente, também quando às restrições impostas à liberdade de estabelecimento deverão ser ponderados o
princípio da excecionalidade das restrições, o princípio da proporcionalidade e o princípio da igualdade.
2.5 Liberdade de circulação de capitais
Inicialmente, a política respeitante à liberdade de circulação de capitais não tinha o mesmo estatuto de outras
liberdades: a abolição à restrição de capitais deveria apenas ser assegurada na extensão necessária para garantir o
funcionamento adequado do mercado comum. Contudo, com a introdução da União Económica e Monetária pelo
Tratado de Maastricht, a liberdade de circulação de capitais passou a ter um estatuto similar às outras liberdades.
A liberdade de circulação de capitais proíbe limitações às trocas de capitais e pagamentos entre Estados-membros e
entre estes e países terceiros, bem como a aplicação de disposições discriminatórias. Pretende-se, deste modo,
estruturar um mercado de capitais à escala europeia. Incluem-se no âmbito de proteção desta liberdade:
 Investimentos diretos (estrangeiros);
 Compras ou investimentos imobiliários;
 Investimentos nos mercados de capitais;

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 Concessão de empréstimos e créditos (etc.)
Uma vez que esta liberdade tem implicações em matérias como a bolsa, a banca e os seguros, implica a assunção de
medidas de harmonização (inclusivamente em matéria fiscal).
A possibilidade de adoção de medidas restritivas ou derrogatórias nesta matéria é regulada pelos arts. 64º, 65º e 66º
TFUE, nos quais se exige a verificação dos seguintes pressupostos:
a) Prossecução de objetivos legítimos:
 Promoção da coerência fiscal dos sistemas nacionais;
 Evitar o branqueamento de capitais;
 Evitar o financiamento do terrorismo...
b) As ameaças aos objetivos acima referidos admitem a adoção de medidas restritivas se suficientemente graves,
caraterizadas e determinadas.
[O simples receio de fraude ou evasão fiscal não pode, por si só, justificar uma medida fiscal que configura
uma violação frontal da liberdade de circulação de capitais]
Como é evidente, as cláusulas que permitem restrições nesta matéria devem ser restritivamente interpretadas, não
sendo admissível a sua utilização abusiva para promover interesses económicos incompatíveis com os Tratados.
Os titulares desta liberdade são os nacionais, residentes e sediados na UE. Noutro prisma, os Estados deverão garantir
a liberdade de circulação de capitais quer na sua veste de entidade dotada de poderes de autoridade pública, quer
enquanto estado accionista. E, neste âmbito, é ainda de reforçar a dupla dimensão que compõe esta liberdade:
Liberdade de circulação de capitais
Movimentos intracomunitários (entre vários Estados- Movimentos internacionais (entre Estados-membros e
membros da União) países terceiros/externos à UE)
Refira-se que é possível a verificação de um potencial conflito ou cumulação entre a liberdade de circulação de capitais
e a outras liberdades fundamentais da UE.
O art. 64º/3 TFUE vem introduzir uma importante possibilidade de limitação/restrição da liberdade de circulação de
capitais: a possibilidade de retrocesso no direito da União em relação à liberalização dos movimentos de capitais com
destino a países terceiros ou deles provenientes, podendo as medidas ser adotadas pelo Conselho ou por um dos
Estados-membros (art. 65º/4 TFUE).
Quanto aos direitos conferidos aos Estados-membros em matéria de liberdade de circulação de capitais, há que referir
(art. 65º/1 TFUE):
 Aplicação de disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes
que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao local de residência ou ao lugar de investimento
do seu capital;
 Adoção de medidas indispensáveis para impedir infrações às leis ou regulamentos nacionais, nomeadamente
em matéria fiscal e de supervisão prudencial das instituições financeiras;
 Previsão de processos de declaração dos movimentos de capitais para efeitos de informação estatística ou
administrativa;
 Adoção de medidas justificadas por razões de ordem pública ou segurança pública.
Aplicando-se o disposto acima, quanto aos pressupostos da admissibilidade das restrições.
2.6 Regras gerais quanto à restrição das liberdades de circulação
Deriva do que foi dito limitarem-se as restrições às liberdades de circulação aos casos em que está em causa a
prossecução de objetivos legítimos. Sendo estas liberdades assumidas como fundamentais e inerentes à cidadania da
União, todas as restrições que lhe seja dirigidas deverão ser excecionais. Os mais relevantes interesses dos Estados
nesta matéria são, designadamente:
 Ordem pública este é um conceito comunitário, mas cujo preenchimento é deixado, as mais das vezes,
aos Estados, desde que dentro dos limites dos Tratados.
Por norma, entende-se estar em causa uma ameaça à ordem pública quando se verifique a violação de
princípios jurídicos fundamentais cuja preservação é um imperativo estadual.
 Segurança pública proteção do Estado contra ameaças e inimigos (em regra, condutas políticas).
 Saúde pública conceito mais concreto e determinável que os anteriores
As únicas doenças que podem justificar medidas restritivas serão aquelas com potencial epidémico e outras
doenças infecciosas ou parasitárias contagiosas.
Às restrições que possam ser aplicadas impõem-se determinados limites substantivos:

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 As condenações penais não podem ter efeitos automáticos: devem ser devidamente ponderadas as
circunstâncias do caso de modo a aferir se a pessoa constitui um perigo;
 As restrições têm de se justificar com base na conduta pessoal do visado;
Deve constituir uma ameaça real, atual e suficientemente grave, que afete um interesse fundamental da sociedade
 As restrições não podem ser justificadas com base em fins económicos e protecionistas;
 Questões puramente administrativas (por ex.: caducidade do documento de identidade ou passaporte) não
podem dar origem qua tale a restrições;
 Exige-se sempre o respeito pelos direitos fundamentais e princípio da não discriminação;
 A medida adotada deve fundar-se no princípio da proporcionalidade.
2.6 Garantias procedimentais/processuais
São garantias dos cidadãos da UE:
 Acesso aos documentos do país de origem;  Fundamentação da decisão;
 Prazos para a tomada de decisão;  Notificação da decisão;
 Direito a ser ouvido;  Direito de recurso administrativo e judicial;
 Atribuição, em princípio, de efeito suspensivo ao recurso;  Limites à detenção e deportação.
Capítulo II – A política comunitária da concorrência
1. Caraterização geral
A política da concorrência constava já do Tratado de Roma, sendo esta política um alicerce fundamental para a
consecução do mercado interno/comum. Com efeito, a política da concorrência assume o papel de garantir o
funcionamento livre e aberto do mercado, procurando evitar uma concorrência falseada que, direta ou indiretamente,
se assuma como um obstáculo à prossecução daquele objetivo:
 Procura evitar que se contorne a exigência de supressão de barreiras e de entraves entre os Estados-membros,
tornando mais onerosa a entrada no mercado de outros agentes económicos;
 Visa tornar mais eficiente a atuação de mercado, mediante a garantia da presença no mercado de um número
suficiente de empresas independentes, o que irá permitir uma melhor alocação de recursos e a maximização
do bem estar dos consumidores (devido ao estímulo provocado na concorrência).
2. Competência no domínio da política da concorrência
A questão que se coloca no âmbito desta temática é, desde logo, a de saber se estamos em face de uma competência
partilhada entre a UE e os Estados-membros ou uma competência exclusiva da União. Isto partindo do pressuposto
que esta é uma matéria de importância fulcral para o direito da UE, pelo que não deverá ficar (pelo menos,
integralmente) na disponibilidade da legislação nacional. Originariamente esta era uma competência qualificada de
forma integral como concorrente. Todavia, a extensão da regulamentação da UE foi de tal ordem que reduziu
substancialmente o exercício de competências pelos Estados-membros (devido à aplicação do princípio da
preempção). Atualmente, é competência exclusiva da União o “estabelecimento das regras da concorrência
necessárias ao funcionamento do mercado interno” – art. 3º/1/b) TFUE. Isto sem prejuízo de o mercado interno
propriamente dito ser matéria concorrente – art. 4º/2/a) TFUE.
No plano comunitário, a política da concorrência assume um relevo transversal relativamente às demais políticas de
cariz económico (ex.: arts. 120º e 173º TFUE), no sentido da efetivação do princípio do mercado aberto e da livre
concorrência.
3. O direito da concorrência
As normas que integram o direito comunitário da concorrência podem ser qualificadas segundo o seu destinatário:
 Normas dirigidas aos operadores económicos:
o Regras sobre coligações – art. 101º TFUE;
o Regras sobre abuso de posição dominante – art. 102º TFUE;
o Regras sobre o controlo de concentrações – “Regulamento sobre o controlo prévio de concertações”;
 Normas que disciplinam a atuação dos Estados:
o Regras sobre os auxílios concedidos pelos poderes públicos em geral – arts. 107º e ss. TFUE;
o Regras sobre os auxílios a empresas encarregadas de serviços de interesse económico geral – art. 106º;
4. Articulação entre a política comunitária e as políticas nacionais da concorrência
Sendo esta uma matéria que é, pelo menos em parte, de competência concorrente entre a UE e os Estados-membros,
poderá colocar-se a questão de saber como articular as normas provenientes dos ordenamentos nacionais com as
normas comunitárias.

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No que respeita à articulação entre a política comunitário e as políticas nacionais relativas à concorrência, uma de
duas teorias explicativas distintas poderia ser acolhida:
Teoria da barreira dupla Teoria da barreira única
Aplicação cumulativa dos dois ordenamentos jurídicos Aplicação do direito comunitário sempre que os respetivos
pressupostos de intervenção estiverem verificados
Quanto a esta problemática, convém sublinhar algumas notas:
 As disposições previstas no art. 101º TFUE gozam de efeito direto, pelo que as autoridades e tribunais
nacionais devem assegurar o seu efeito útil;
 A aplicação cumulativa dos dois direitos será possível, desde que com ressalva da primazia e do efeito útil do
direito comunitário;
 O direito nacional deverá ser desaplicado sempre viole o direito comunitário, inclusivamente quanto à matéria
da concorrência.
Atualmente rege nesta matéria o Regulamento nº 1/2003, o qual veio substituir o Regulamento 17/62, afastando-se
substancialmente da orientação seguida inicialmente:
Regulamento nº 17/62 Regulamento nº 1/2003
 Posição centralizadora/comunitarizante do controlo da  Posição descentralizadora sobre a aplicação das regras da
política da concorrência concorrência
 Os acordos suscetíveis de restringir e afetar o comércio  Cria um sistema de controlo a posteriori ou de exceção
entre os Estados-membros, para beneficiarem de uma legal quanto aos acordos de empresas, devendo as
isenção deviam ser notificados à Comissão (a qual empresas assegurar de boa fé que os acordos firmados
dispunha de competência exclusiva para autorizar não afetam a livre concorrência (consegue-se, deste
acordos restritivos da concorrência) modo, mais simplificação e melhor fiscalização)
 O TJUE intervinha em sede de recurso das decisões da  As autoridades europeias da concorrência e os tribunais
Comissão nacionais têm responsabilidade acrescida quanto ao
controlo do respeito pelas regras da concorrência,
devendo intervir concertadamente
 Não se excluía a intervenção de autoridades nacionais,  Assenta na colaboração entre a “Rede de Autoridades da
mas apenas sob condições restritivas Concorrência” e a Comissão
4.1 Articulação de legislações
Naquele regulamento nº 1/2003, atualmente em vigor, são fixadas algumas regras específicas quanto à articulação
das competências comunitárias e nacionais em matéria de concorrência:
 As autoridades nacionais devem aplicar o direito nacional, bem como os preceitos constantes nos arts. 101º e
102º TFUE, sempre que estejam em causa infrações que relevem no âmbito desses artigos;
 A legislação nacional não pode ser mais severa que a legislação comunitária – ainda que se admita que os
Estados-membros possam aprovar legislação nacional mais restritiva que proíba atos unilaterais de empresas
ou que aplique as disposições nacionais que tenham essencialmente um objetivo diferente daqueles artigos.
4.2 Articulação de procedimentos administrativos
No que respeita os procedimentos administrativos, o Regulamento nº 1/2003 prescreve que:
 Sempre que agirem em aplicação dos artigos do Tratado, as autoridades dos Estados-membros responsáveis
em matéria de concorrência devem comunicá-lo por escrito à Comissão antes ou imediatamente depois de
rerem dado início à primeira medida de investigação formal;
 As autoridades da concorrência dos Estados-membros não devem iniciar um procedimento quando a
Comissão já tenha o iniciado – princípio da preempção;
A Comissão consultará a autoridade nacional antes de iniciar o procedimento, o que pode significar a assunção
de competências por parte da Comissão mesmo que a autoridade nacional já tenha iniciado o processo
 Quando uma autoridade da concorrência de um Estado-membros ou a Comissão receberem uma queixa
relativa a um acordo, decisão de associação ou prática concertada que está a ser ou já foi tratado por outra
autoridade da concorrência, poderão suspender o procedimento ou rejeitar a denúncia.
Quanto à intervenção da Comissão ou das autoridades nacionais, deverá ponderar-se o critério da “autoridade mais
bem posicionada para agir”. A Comissão veio já a estabelecer, numa sua Comunicação, que se encontra
particularmente bem posicionada para agir:
1. No caso do acordo afetar mais de 3 Estados-membros;
2. Nas situações em que (1) o processo tem uma conexão com outras disposições comunitárias, (2) o processo
levante novas questões relevantes para a política da concorrência comunitária ou (3) em que a política da
concorrência comunitária só pode ser eficazmente garantida pela Comissão.

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4.3 Articulação entre pronúncias administrativas e judiciais
Na matéria agora em apreço, o Regulamento que vem a ser analisado determina:
 Nos processos relativos à aplicação dos arts. 101º e 102º TFUE os tribunais dos Estados-membros podem
solicitar à Comissão que lhes sejam enviadas informações na posse desta e que lhes dê parecer sobre questões
relativas à aplicação de regras comunitárias;
 Os Estados-membros devem transmitir à Comissão cópia de todas as sentenças escritas pronunciadas por
tribunais nacionais em matéria de aplicação dos preceitos do Tratado;
 A Comissão pode, por sua iniciativa, apresentar observações escritas aos tribunais dos Estados-membros nos
casos em que tal seja exigido por forma a assegurar a aplicação coerente dos arts. 101º e 102º TFUE;
 Quando se pronunciarem sobre acordos, decisões ou práticas ao abrigo dos arts. 101º ou 102º TFUE que
tenham já sido objeto de decisão da Comissão, os tribunais nacionais não podem tomar decisões que sejam
contrárias à decisão aprovada pela Comissão e devem evitar decisões que entrem em conflito com uma
decisão prevista pela Comissão em processos que esta tenha iniciado.
4.4 Processos respeitantes ao direito da concorrência
Nos termos do Regulamento que nos ocupa, os Estados-membros devem designar a autoridade ou autoridades em
matéria de concorrência, responsáveis pelo cumprimento das regras comunitárias da concorrência. A natureza dessas
entidades será definida pelo direito nacional – entre nós, a AC é uma autoridade administrativa independente.
A apreciação dos processos relativos à matéria da concorrência pode operar de três formas:
a) Apreciação pela Comissão;
b) Apreciação por uma só Autoridade Nacional da Concorrência, considerada mais bem posicionada para agir
o O acordo sob análise tem um grande impacto direto, real ou previsível, na concorrência do território
de atuação dessa Autoridade, ou aí tenha origem ou aplicação;
o A Autoridade em causa pode mais eficazmente por termos à infração;
o A Autoridade em causa tem mais facilidade em reunir os elementos que comprovem a existência de
uma infração.
c) Apreciação por várias Autoridades Nacionais da Concorrência, atuando em paralelo.
A pluralidade de autoridades decisoras poderá provocar alguns problemas, nomeadamente no que respeita o efeito
extraterritorial das decisões – a vinculatividade das decisões limitar-se-á ao Estado em que a decisão foi proferida – e
ao princípio ne bis in idem (segundo o qual não deve ser aplicada mais do que uma sanção ao mesmo caso). Para evitar
estes problemas, o Regulamente prescreve as seguintes soluções:
 O início de um procedimento deve ser comunicado à Comissão, podendo também ser comunicado a outra
Autoridade Nacional;
 Troca de informações e utilização de informação recolhida por outras Autoridades como meio de prova,
incluindo informações confidenciais;
 Possibilidade de suspensão ou arquivamento do processo quando uma outra Autoridade Nacional esteja a
instruir sobre o mesmo caso.
Quanto aos poderes que competem às entidades a que nos temos vindo a referir:
Autoridades Nacionais da Concorrência Comissão
Competência para aplicar, em processos individuais, os Na sequência de (1) denúncia ou de (2) inquérito
arts. 101º e 102º TFUE [Lei nº 92/2012 – Lei da Concorrência oficioso, e verificando-se uma infração, a Comissão pode
em Portugal], quando seja suscitada uma questão relativa obrigar, mediante decisão, a que seja posto termo à
a esta matéria (1) oficiosamente ou (2) por denúncia infração
Medidas que podem ser adotadas: Condutas que podem ser assumidas:
 Exigir que seja posto termo à infração;  Imposição da adoção de certos comportamentos;
 Ordenar medidas provisórias;  Adoção de medidas de caráter estrutural;
 Aceitar compromissos;  Adoção de medidas provisórias;
 Desaplicar as normas da concorrência num certo  Obrigar à adoção de soluções de compromisso;
caso específico;  Imposição de sanções
 Aplicar coimas, sanções pecuniárias compulsórias  Declarar inaplicáveis os arts. 101º e 102º TFUE;
outras sanções prescritas pelo direito nacional.  Emitir cartas de orientação.
No âmbito do “Processo Foto-Frost” entendeu-se não terem as Autoridades Nacionais competência para
admitir a vigência de um determinado acordo proibido pelas regras comunitárias por concluírem não existir um

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comportamento abusivo (poderão apenas concluir que não se justifica a sua intervenção); do mesmo modo, as regras
nacionais também não poderão proibir um acordo admitido pelas regras comunitárias.
Ainda que assim senda, a legislação nacional poderá fixar regras próprias sempre que:
 A conduta anti-concorrencial não tenha dignidade suficiente para afetar o comércio entre os Estados-
membros, relevando apenas internamente;
 A conduta anti-concorrencial traduz uma infração a regras nacionais aplicáveis aos agentes económicos que
não colocam em causa os princípios do direito da UE.
Às empresas que constituem alvo de procedimentos no domínio da matéria da concorrência são impostos deveres de
conduta, cujo desrespeito é sancionado mediante aplicação de coimas, sanções pecuniárias compulsórias, ou outras
medidas adequadas.
No âmbito dos procedimentos que nos ocupam, a Comissão tem margem de apreciação quanto à gravidade do
comportamento infrator, ao caráter ostensivo da violação, da repercussão na estrutura concorrencial do mercado,
etc.; bem como caberá também à Comissão a avaliação de eventuais fatores atenuantes.
4.5 A responsabilidade civil
A ausência de regras nacionais que disciplinem de forma adequada as ações de indemnização coloca as vítimas de
uma infração e os infratores ao direito da concorrência da UE numa situação de desigualdade/vantagem. Deste modo,
está em curso a regulação dos mecanismos de aplicação privada do direito da concorrência.
5. A coligação de empresas
5.1 Pressupostos da coligação anti-concorrencial entre empresas
Os pressupostos da coligação (ou colusão) anto-concorrencial de empresas constam do art. 101º TFUE:
a) Acordo entre empresas, decisão de associação de empresas ou uma prática concertada; Do nº 1 daquele artigo
b) Afetação do comércio entre Estados-membros; consta uma lista
c) Objetivo ou efeito de impedir, restringir ou falsear a concorrência no mercado comum. exemplificativa
5.2 Os pressupostos do acordo entre empresas
! Interessa, neste ponto, fixar a noção de “empresa” para o direito da UE: qualquer entidade que exerça uma atividade
económica, independentemente do seu estatuto jurídico e do seu modo de financiamento.
Incluem-se aqui, portanto:
 Entidades públicas que atuem de forma estável na esfera comercial;
 Entidades singulares ou coletivas, mesmo que não dotadas de personalidade jurídica;
 Organismos sem fins lucrativos mas que funcionem de acordo com o princípio da capitalização.
Ao invés, estão excluídas:
× Entidades com fins sociais;
× Entidades que exerçam prerrogativas de poder público.
Nestes termos, pergunta-se se, nas relações de grupo, estamos em face de uma só empresa ou de empresas distintas.
Aplica-se neste contexto o critério da autonomia económica: as regras do art. 101º TFUE são aplicáveis se cada
entidade envolvida no acordo puder, por si só, definir, a sua linha conduta e/ou assumir riscos próprios (portanto, se
não estiver sujeita a instruções da sociedade-mãe). Verificando-se uma unidade económica entre várias entidades,
poderá ser de aplicar o art. 102º TFUE, relativo ao abuso de posição dominante, desde que a relação entre a empresa-
mãe e as filiais afete a posição concorrencial de terceiros.
Como referido, exige-se a coordenação ou concertação do comportamento entre duas ou mais empresas. Ora, não se
exige que o acordo mencionada seja um acordo formal, podendo ser tão-só um acordo oral, ainda que não esteja
prevista qualquer sanção para esse acordo e ele não seja juridicamente vinculativo (ou seja, poderá estar em causa
um mero “gentleman’s agreement”). Exige-se apenas que o acordo firmado entre as várias empresas exprima a
vontade dos contraentes em determinar um comportamento do mercado num determinado sentido e obter um
desiderato económico comum. No fundo, as decisões de associação de empresas são atos de vontade coletiva,
emanadas de um agrupamento profissional que prescrevem ou recomendam a adoção de determinados
comportamentos às empresas associadas. Aliás, não é sequer necessário fazer prova da existência de um acordo
propriamente dito, bastando um concurso de vontades traduzido numa qualquer prática concertada –
comportamentos paralelos que influenciam o mercado. Nos termos do nº 2 do art. 101º TFUE, estes acordos serão
plenamente nulos, mesmo em relação aos efeitos já produzidos. Isto sem prejuízo de, no caso do contrato ser divisível,
ser possível que a nulidade afete apenas as cláusulas proibidas. Apesar de tudo o que vem a ser dito, a prova do

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“prática concertada” que se exige para que se fale em coligação de empresas é ainda assim complicada: a Comissão
terá de provar, pela via negativa, que o comportamento das empresas não tem uma justificação económica plausível.
Alguns dos indícios mais frequentemente utilizados para fazer prova do acordo entre empresas são:
 O paralelismo de comportamentos: poderá traduzir uma evidência forte de uma prática concertada quando
conduzir a condições de concorrência que não correspondem às normais condições de mercado;
 As falhas estruturais de mercado; Elementos relevantes para a identificação de uma
 A reduzida elasticidade do mercado; infração da concorrência mediante fixação de preços.
 A troca de informações entre empresas.
Como é evidente, a noção de prática concertada implica, para além da concertação entre as empresas, um
comportamento no mercado que seja consequência dessa concertação, ou seja, a verificação de um nexo de
causalidade entre os dois elementos – o acordo e o comportamento no mercado.
5.2.1 O estatuto de clemência
O estatuto de clemência foi introduzido no direito da União com o objetivo de facilitar a prova da existência de acordos
de coligação de empresas, uma vez que, como demonstrado, esta é uma prova difícil de fazer. No âmbito desta figura
as normas comunitárias estabelecem as condições em que uma empresa que denuncie à Autoridade Nacional (ou
Comissão) um acordo em que tenha participado pode obter dispensa total da coima, ou uma redução até aos 50% da
coima normalmente aplicável.
5.3 O pressuposto da afetação do comércio
Como exposto acima, além da coligação/acordo entre empresas, exige-se ainda que essa coligação/acordo seja
suscetível de afetar o comércio entre os Estados-membros de forma sensível. Como se compreende, só nestes casos
nos encontramos no âmbito do direito da União: nos demais casos aplica-se exclusivamente o direito nacional da
concorrência. Ora, são elementos deste requisito:
 Suscetibilidade de afetação: grau de probabilidade suficiente de influência direta ou indireta, efetiva ou
potencial, na estrutura do mercado;
 Caráter sensível da afetação: excluem-se os acordos que, devido à sua pouca expressividade económica, não
têm possibilidade de afetar, de forma relevante, o comércio intracomunitário.
 Incidência sobre o comércio entre os Estados-membros: impacto necessariamente transfronteiriço;
! Estamos em face de uma noção ampla de afetação do comércio, a qual se centra nos efeitos anti-concorrenciais do
acordo: o âmago da noção que nos ocupa reside na possibilidade do acordo entre as empresas exercer influência
direta ou indireta, atual ou potencial, sobre as trocas entre os Estados-membros, assumindo-se como obstáculo à
consolidação do mercado interno. Consequentemente, não releva o tipo de transação em causa ou a natureza das
empresas envolvidas, nem mesmo o facto de as práticas restritivas se estenderem apenas ao território de um Estado-
membro ou se referirem ao comércio externo da União (pois exige-se apenas que se verifiquem implicações no seio
da União). A Comissão, numa sua Comunicação, veio já esclarecer que o critério da afetação do comércio é um critério
autónomo de direito comunitário, que deverá ser avaliado casuisticamente. Deverá verificar-se um impacto sensível
nas atividades económicas transfronteiriças, que envolva no mínimo dois Estados-membros. Evidentemente, quanto
mais forte a posição de mercado das empresas em causa, maior é a probabilidade de um acordo ou prática suscetível
de afetar o comércio, o afetar de forma sensível. Uma vez que se impõe uma avaliação casuística, deverão ser
ponderados elementos como (1) a natureza do acordo ou prática, (2) a posição de mercado das empresas envolvidas,
(3) o contexto jurídico e factual, etc. A avaliação efetuada deverá sempre assentar em critérios objetivos, não sendo
necessária uma intenção subjetiva das empresas em causa. No entanto, se provar que as empresas tinha efetivamente
a intenção de afetar o comércio, tal elemento deverá ser chamado à colação no momento da fixação das medidas a
adotar.
Também o conceito de “comércio” não envolve apenas, para este efeito, as tradicionais trocas transfronteiriças de
bens e serviços: no âmbito da matéria que nos ocupa, o conceito de comércio traduz toda a atividade económica
transfronteiriça.
5.4 O pressuposto da restrição da concorrência
Quanto a este terceiro pressuposto – a restrição da concorrência – há que distinguir:
 Conceção tradicional da Comissão: a restrição da concorrência teria lugar sempre que ocorresse uma limitação
da liberdade económica das partes, pelo menos desde que afetasse terceiros;

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Maria Paixão Direito da UE II – 2015/16
 Conceção atualmente seguida pelo TJUE: a restrição da concorrência dependerá, sempre, de uma análise dos
efeitos do acordo na estrutura concorrencial do mercado, não devendo o acordo ser considerado
isoladamente do seu contexto económico e jurídico.
[Isto sem prejuízo de os acordos que são só por si ilegais serem considerados automaticamente como
restritivos da concorrência]
O TJUE não acolheu, porém, os parâmetros de razoabilidade e de “rule of reason” da jurisprudência norte-americana,
segundo os quais deverá sempre atender-se aos efeitos pró e anti concorrenciais de um determinado acordo.
No entanto, este panorama tem sofrido alterações, no contexto da abertura das economias a nível mundial e da
racionalização dos gastos públicos no plano interno. Desde os anos 90 que se assiste a uma tendência para a
consideração dos efeitos económicos da política da concorrência: o próprio Regulamento nº 139/2004 refere
expressamente a necessária tomada em consideração dos ganhos de eficiência conseguidos por via de autorização de
operações de concertação.
5.4.1 Exemplos de restrição da concorrência
1. Fixação de preços entre concorrente ao mesmo nível de produção ou distribuição – relação horizontal
A fixação de preços é a forma mais simples de eliminação ou atenuação da concorrência intermarcas, na
medida em que este deixa de poder ser o critério usado pelos consumidores na decisão entre os produtos.
2. Fixação de preços a nível vertical:
a) Acordo pelo qual uma empresa acorda o estabelecimento do preço final no nível pretendido pelo
produtor/fornecedor, ou a não cobrar menos do que um valor fixado pelo produtor;
b) Acordo pelo qual uma empresa acorda a não disponibilização de bens a um preço superior do definido
pelo produtor/fornecedor.
3. Fixação, de forma direta ou indireta, de outras condições de transação;
4. Limitação ou controlo da produção, distribuição, desenvolvimento técnico ou dos investimentos (por ex.:
acordos relativas à fixação de quotas de produção);
5. Repartição dos mercados ou das fontes de abastecimento;
6. Subordinação da celebração de contratos à aceitação de obrigações suplementares que, pela sua natureza ou
segundo os usos comerciais, não tenham ligação com o objeto desses contratos (está em causa a imposição
de contratos acoplados, como por exemplo contratos de seguro);
7. Aplicação, relativamente a parceiros comerciais, condições desiguais no caso de prestações equivalentes,
colocando-os, por esse facto, em desvantagem na concorrência:
a) Discriminação nos preços ou condições de pagamento entre destinatários das prestações;
b) Descontos em razão de quantidade, fidelidade, etc., descontos seletivos (a quem pretender recorrer a
outro operador), ou descontos a quem adquira dois ou mais produtos diferentes;
c) Discriminação no preço em função de critérios territoriais.
5.5 As dispensas admitidas pelo nº 3 do art. 101º do TFUE
5.5.1 Pressupostos de aplicação das dispensas
Para que as dispensas da proibição dos acordos de empresas se efetivem exige-se a verificação cumulativa dos
requisitos seguintes:
 O acordo deve contribuir para melhorar a produção ou distribuição dos produtos ou serviços, ou para
promover o progresso técnico ou económico;
 O acordo deve reservar aos utilizadores uma parte equitativa do lucro dele resultante
Repercussão equitativa dos benefícios nos preços ou condições de venda
 O acordo apenas poderá impor restrições que se mostrem indispensáveis;
 As partes não poderão ter possibilidade de eliminar a concorrência relativamente a uma parte substancial dos
produtos em questão.
Como se compreende, a ponderação do art. 101º/3 TFUE pressupõe dois juízos:
O acordo irá contribuir para melhorar a produção, a As restrições impostas pelo acordo (que serão apenas
distribuição ou para incentivar o processo técnico as indispensáveis) podem ser limitadas ao mínimo
ou económico? face à concorrência de outras empresas?
A rigidez do processo de dispensa acima explanado implicou a mobilização de várias aberturas do sistema, de modo a
temperar a omnipresença da Comissão, entre as quais:

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 A noção de acordos de importância menor: a Comissão considera que os acordos entre empresas que afetem
os Estados-membros não restringem sensivelmente a concorrência quando:
o A quota de mercado agregada das partes não ultrapassar os 10% em qualquer dos mercados relevantes
afetados pelo acordo – quando concluído entre empresas que sejam concorrentes efetivos ou potenciais;
o A quota de mercada de cada uma das partes não ultrapassar os 15% em qualquer dos mercados
relevantes – quando concluído entre empresas que não são concorrentes;
[Nos casos em que seja difícil determinar se se trata de um acordo entre concorrentes ou não concorrentes,
aplica-se o limiar dos 10%]
 A seletividade da ação da Comissão, com base na sua apreciação do interesse comunitário – há que considerar
a distinção entre:
o Acordos horizontais: entre partes concorrentes;
o Acordos verticais: entre partes situadas em diferentes estádios do processo de produção ou distribuição.
 A emissão de diretrizes interpretativas das normas comunitárias dirigidas às instâncias nacionais.
Quanto aos acordos horizontais, a Comissão tem entendido que os acordos de Investigação & Desenvolvimento serão,
em princípio, compatíveis com a legislação em matéria de concorrência (pois a atividade de investigação pode ser
demasiado dispendiosa para uma só empresa).
No âmbito dos acordos verticais, há que distinguir:
 Acordos verticais puros: celebrados entre empresas não concorrentes que operam em estádios diversos do
processo produtivo;
 Acordos verticais impuros: celebrados entre empresas que, embora possam concorrer entre si, estabelecem
relações em que tipicamente operam em fases diferentes ou assumem uma posição contratual distinta.
O Regulamento nº 330/2010 estabelece uma presunção de legalidade dos acordos verticais, desde que a quota de
mercado detida não ultrapasse os 30%. Isto sem prejuízos de certos acordos serem sempre proibidos (ex.: indicação
de preços fixos ou mínimos). Este regime aplica-se a certas categorias de acordos verticais cujos efeitos pró-
concorrenciais produzidos compensam os efeitos anti-concorrenciais. Caso os efeitos pró-concorrenciais não se
produzam, o acordo deixará de gozar deste benefício. Neste caso, o acordo será avaliado individualmente, de modo a
determinar se produz efeitos positivos que justifiquem a aplicação da isenção e se não tem efeitos anti-concorrenciais
desproporcionais.
6. O abuso de posição dominante
6.1 A coligação de empresas e o abuso de posição dominante
A coligação de empresas e o abuso de posição dominante são institutos com âmbitos de aplicação distintos, pelo que
poderão ser aplicados simultaneamente a uma mesma situação. Além de que, como referido [vide supra: Parte II, Cap.
II, 5.2], as disposições sobre o abuso de posição dominante podem ser aplicadas quando houver uma coligação entre
empresas inseridas num grupo, quando entre essas empresas não existir autonomia económica.
NOTA: no abuso de posição dominante não se prevêm cláusulas de dispensa ou isenção – é uma interdição
incondicional, dotada de efeito direto.
6.2 Pressupostos do abuso de posição dominante
1. Assunção de uma posição dominante no mercado comum ou em parte substancial dele (mercado relevante)
poderá estar em causa uma posição dominante individual ou coletiva (quando estão envolvidas várias
empresas, que constituem uma “unidade económica”, não havendo autonomia entre si.
2. Exploração abusiva dessa posição dominante;
3. Suscetibilidade de afetar o comércio entre os Estados-membros: também aqui está em causa uma afetação,
efetiva ou potencial, direta ou indireta, da estrutura concorrencial da União.
6.3 O mercado relevante
O mercado relevante para a determinação de estar ou não em causa um abuso de posição dominante deverá ser
fixado casuisticamente, tendo em consideração:
 A sua abrangência territorial: mercado geográfico é aquele onde o serviço e o produto é comercializado
segundo condições homogéneas de concorrência;
 O seu âmbito material: mercado do produto ou serviços abrange todos os produtos e serviços que, na ótica
do utilizador, satisfazem as mesmas necessidades constantes e são substituíveis ou permutáveis entre si:
o Grau de elasticidade cruzada da procura (a variação da procura de um bem (X) em função da oscilação
do preço de outro bem (Y));

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Maria Paixão Direito da UE II – 2015/16
o Relação especial entre o produto e a sua clientela: as oscilações do preço do bem podem não ter
impacto substancial na sua procura;
o Caraterísticas físicas do produto;
o Caraterísticas legais do mercado: especificidade do mercado onde operam empresas encarregadas de
serviços de interesse económico geral.
6.4 O requisito da posição dominante
As empresas que poderão assumir a posição dominante exigida serão, em princípio, empresas comunitárias; poderão
ainda estar em causa empresas sediadas fora do espaço comunitário, desde que o seu comportamento tenha efeito
no território dos Estados-membros.
O conceito de “posição dominante” resulta do Memorando da Comissão de 1965 como o poder económico de exercer
sobre o funcionamento do mercado uma influência notável e em princípio previsível para a empresa. O TJUE definiu
este conceito como a posição de poder económico detida por uma empresa que lhe permite afastar a manutenção de
uma concorrência efetiva no mercado em causa e lhe possibilidade comportar-se, em medida apreciável, de modo
independente em relação aos seus concorrentes, aos seus clientes e aos consumidores.
A existência de tal posição pode ser determinada através de certos indicadores, nomeadamente:
 Detenção de quotas de mercado importantes;
 Exercício de uma influência predominante no mercado;
 Fraco poder económico dos concorrentes;
 Ausência de concorrência potencial;
 Grau de diferenciação dos produtos;
 Controlo de acesso aos recursos, a todas as fases do processo produtivo e à tecnologia;
 Performances das empresas (ex.: nível de lucros obtidos num determinado período de tempo)
6.5 O requisito da exploração da posição dominante
Não é a posição dominante que é censurada pelo direito da União, até porque essa posição pode ser benéfica ou
necessária para o desenvolvimento económico ou tecnológico. A censura recai verdadeiramente sobre o abuso dessa
posição. Sobre o conceito de abuso, digladiam-se duas posições:
a) Posição subjetiva: existirá abuso de posição de dominante quando a empresa aufere vantagens que não
resultariam de uma situação de concorrência efetiva, com prejuízo para fornecedores e consumidores;
b) Posição objetiva: o abuso de posição dominante poderá resultar, em concreto, do mero exercício de uma
posição dominante, já que as empresas nessa posição têm uma responsabilidade particular na manutenção
das condições de mercado, não se exigindo prova de quaisquer elementos de intencionalidade.
O Tratado não define este conceito, limitando-se a indicar um elenco exemplificativo. O TFUE afirmou ser a noção de
exploração abusiva de uma posição dominante a que corresponde à posição objetiva: trata-se do recurso a meios
diferentes daqueles que regem uma competição normal de produtos ou serviços com base nas prestações dos
operadores económicos, que tem como efeito reduzir a concorrência num mercado em que, devido à presença da
empresa em questão, o grau de concorrência já está enfraquecido.
Capítulo III – A política comunitária do ambiente
1. Introdução
A política comunitária do ambiente assume atualmente uma centralidade crescente. Tal centralidade advém-lhe não
só da constatação de um impressionante fenómeno de hiper-proliferação do direito ambiental na União Europeia,
mas também da influência crescente das considerações ambientais noutras política da União.
As normas de direito ambiental europeu estabelecem cada vez mais restrições às liberdades fundamentais,
conformando em maior medida a prossecução das restantes políticas europeias, pois é-lhes atualmente imposto que
considerem o ambiente não apenas como limite, mas também como fim acessório. O direito do ambiente infiltra-se e
torna-se omnipresente no direito da União.
2. A transversalidade da política ambiental no direito da União Europeia
Diversas decisões das Instituições da UE têm vindo a demonstrar a centralidade da política ambiental da UE,
designadamente no contexto das liberdades comunitárias, como a liberdade de circulação de mercadorias, de
prestação de serviços ou a liberdade de estabelecimento. Têm vindo a ser admitidas restrições a estas liberdades por
razões ambientais. Quanto estão em causa objetivos de proteção e salvaguarda do ambiente, as restrições impostas
às liberdades fundamentais são frequentemente consideradas como necessárias e adequadas. No entanto, não só
neste domínio se desvela a importância da política ambiental. Com efeito, os seus efeitos fazem-se sentir também no

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âmbito de outras políticas da União, como a Política Agrícola Comum, a Política de Transportes, a Política de Coesão
(o Fundo de Coesão apoia investimentos no ambiente), a Política da Pesca, a Política Industrial e a Política Energética.
3. A história da política de ambiente da União Europeia
Nos finais da década de 50 do séc. XX, aquando da criação das Comunidades Europeias, não lhes foram atribuídas
competências em matéria ambiental. Porém, isso não obstou a que, na década seguinte, a CEE começasse a adotar
algumas diretivas sobre proteção do ambiente, com vista à realização do mercado comum, e outras visando mesmo
diretamente a proteção do ambiente.
Como base legal destas últimas diretivas foi utilizado o mecanismo de integração de lacunas constante do art. 352º
TFUE, remetendo-se para o preambulo do Tratado (pois a UE só pode atuar dentro das competências que lhe são
atribuídas pelos Tratados).
Sendo tão ténue o fundamento da competência europeia, não faltou quem, ao nível dos Estados-membros,
questionasse judicialmente a validade das diretivas adotadas em matéria de ambiente. Esta era, porém, a
oportunidade de que o TJUE estava à espera para consagrar definitivamente o alargamento das competências
europeias à temática ambiental. Considerou, portanto, ser a proteção do ambiente uma condição sine qua non da
“melhoria das condições de vida”, a qual é um objetivo prioritário expresso da CEE.
4. O direito ambiental primário
Desde o Ato Único Europeu (Luxemburgo, 1986) que a política do ambiente figura entre as competências partilhadas
entre a Comunidade e os Estados-membros. O Tratado de Maastricht veio, posteriormente, acrescentar o princípio da
precaução e o objetivo de promover, no plano internacional, medidas destinadas a enfrentar os problemas regionais
ou mundiais do ambiente. Atualmente, a política ambiental da União está prevista no Título XX do TFUE, sendo a
constitucionalização da política europeia do ambiente uma realidade dificilmente reversível.
4.1 Os objetivos da política ambiental da União
Os objetivos da política ambiental constam do art. 191º/1 TFUE:
 Preservação, proteção e melhoria da qualidade do ambiente;
 Proteção da saúde das pessoas;
 Utilização prudente e racional dos recursos naturais;
 Promoção, no plano internacional, de medidas destinadas a enfrentar problemas regionais e mundiais do
ambiente, e designadamente a combater as alterações climáticas.
O elenco exposto demonstra, por um lado, que as preocupações ambientais da União não são meramente internas,
mas também internacionais, e, por outro lado, que tais preocupações não são apenas antropocentristas.
4.2 Os pressupostos da política ambiental da União
Nos termos do nº 3 do art. 191º TFUE, são pressupostos de atuação da União em matéria ambiental:
 Os dados científicos e técnicos disponíveis;
 As condições do ambiente nas diversas regiões da UE;
 As vantagens e os encargos que podem resultar da atuação ou da ausência de atuação;
 O desenvolvimento económico e social da União no seu conjunto e o desenvolvimento equilibrado das regiões.
O primeiro pressuposto foi fruto da posição britânica, que defendia que só seria possível exigir uma ação preventiva
de proteção do ambiente quando a causa da poluição estivesse cientificamente comprovada. Contudo, este
pressuposto não impede que a UE adote medidas de proteção ambiental mesmo na ausência de dados científicos ou
perante dados científicos contraditórios. Ele apenas impede que se ignorem os dados científicos e técnicos disponíveis,
inspirando uma atualização permanente do direito derivado europeu do ambiente, para o adaptar ao progresso
técnico e obrigando à introdução de cláusulas de progresso na legislação ambiental europeia. Quanto à diversidade
regional, é relevante neste domínio apenas a diversidade ambiental e a diversidade económico-social. No entanto, a
diversidade europeia em geral releva enquanto moderador do nível de proteção (art. 191º/2 TFUE) e como
fundamento das medidas nacionais de proteção ambiental reforçada (art. 193º TFUE). Por fim, como fundamento de
cláusulas de salvaguarda e de apoios financeiros, funciona apenas a diversidade económica (art. 192º/5 TFUE). O
último pressuposto da política ambiental da União é a ponderação de custos e benefícios, sendo que a análise exigida
será tão-só uma análise não quantificada – os encargos são custos económicos de investimento atuais e as vantagens
são as melhorias de qualidade ambiental e de qualidade de vida futuras (portanto, difíceis de contabilizar).
4.3 O procedimento legislativo ambiental

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Nas matérias ambientais, o procedimento-regra é o procedimento legislativo ordinário (art. 192º/1 TFUE).
Excecionalmente, em matérias mais atinentes à soberania dos Estados-membros, este procedimento pode ser
afastado, passando a aplicar-se o processo legislativo especial (art. 192º/2 TFUE).
O direito de veto existe no domínio da (1) fiscalidade ambiental, do (2) ordenamento do território, da (3) afetação dos
solos e da (4) gestão quantitativa (medidas destinadas a assegurar a existência e disponibilidade da água) dos recursos
hídricos. No entanto, o regime europeu de avaliação estratégica obriga os Estados-membros a submeter todos os
planos e programas que considerem suscetíveis de ter efeitos significativos no ambiente a uma avaliação ambiental,
destinada a ponderar todas as alterativas razoáveis para evitar, reduzir ou compensar os efeitos ambientais adversos.
4.4 Princípios jurídicos de direito ambiental
Os princípios são a pedra de toque do direito do ambiente, garantindo a coerência e articulação dos ordenamentos
jurídicos, na integração de lacunas legais, na correção de antinomias normativas, como auxiliares de interpretação
jurídica, orientando a atuação administrativa ou criando imposições legiferantes, permitindo a este ramo do direito
acompanhar a realidade vertiginosa. Os princípios fundamentais da política ambiental europeia são 4 (art. 191º/2):
1. Princípio da precaução 2. Princípio da ação preventiva
3. Princípio da correção na fonte 4. Princípio do poluidor-pagador
Entende-se ainda que as referências ao dever de prosseguir um nível elevado de proteção podem também ser
consideradas como referências a um princípio jurídico. Também o princípio do desenvolvimento sustentável, um
princípio geral da União, tem importantes repercussões neste domínio. A estes princípios acresce ainda o princípio da
integração da política ambiental nas demais políticas comunitárias (art. 11º TFUE).
4.4.1 Princípio do desenvolvimento sustentável
O princípio do desenvolvimento sustentável é um princípio e objetivo transversal das políticas da União Europeia (art.
3º/3 TUE). Este é um dos princípios mais densos e complexos da atualidade, exigindo uma abordagem multifacetada
e uma compreensão holística.
a) Escala planetária e intergeracional: A sustentabilidade do desenvolvimento pode ser analisada numa
perspetiva diacrónica (relações intergeracionais) ou numa perspetiva sincrónica (tempo atual). Sincronicamente, ou
seja, considerando apenas o tempo atual, o princípio do desenvolvimento sustentável traduz a ideia de justiça em
sentido especial: justiça na relação entre as diferentes regiões, indivíduos e povos – arts. 3º/3 TUE e 11º TFUE.
Diacronicamente, isto é, considerando a aplicação do princípio ao longo do tempo, está em causa uma ideia de justiça
intergeracional: a responsabilidade das gerações atuais perante as gerações futuras.
b) Caminho para a sustentabilidade: Numa perspetiva procedimental, os princípios da participação e da
abertura (arts. 10º e 11º TUE) densificam o “como” do princípio do desenvolvimento sustentável: a validade das
decisões atuais, com repercussões futuras, depende do grau de efetiva participação cívica e da tomada em
consideração dos interesses dos cidadãos atuais e dos interesses das gerações vindouras. Na sua vertente material, o
princípio da sustentabilidade comporta 3 vertentes: ambiental, social e económica. A vertente ambiental
consubstancia-se no dever de gerir, de forma sustentável, a utilização dos recursos naturais e da capacidade de
suporte dos ecossistemas. A vertente social reconduz-se às ideias de democracia ambiental e de justiça ambiental. Por
fim, a vertente económica consiste na promoção de atividades económicas duradouras, porque baseadas em recursos
renováveis, respeitando a sua renovação.
4.4.2 Princípio da integração
O princípio da integração impõe a consideração da proteção ambiental em atividades que não são expressamente
ligadas à proteção de componentes ambientais.
! O princípio da integração do ambiente nas restantes políticas resulta do reconhecimento de que não há atividades
humanas que se possam afirmar totalmente inócuas em termos ambientais. Qualquer atividade humana é suscetível
de produzir impactes ambientais positivos ou negativos. Deste modo, o ambiente deve ser um elemento de
ponderação a ter em consideração, tanto em decisões imediatamente relacionadas com o ambiente, como em
decisões sobre matérias mais ou menos remotamente relacionadas com o ambiente. É por isso que se fala da política
do ambiente como uma política transversal.
a) A transversalidade do ambiente: Uma das mais importantes consequências do dever de integração das
considerações ambientais é tornar obrigatória a aplicação de todos os restantes princípios às outras políticas europeias
(art. 11º TFUE). Daí a transversalidade da política ambiental: ela tem implicações em todas as demais atuações da UE.
b) A consideração do ambiente: A ideia de integração do ambiente nas outras políticas significa que tanto as
medidas legislativas como administrativas adotadas no âmbito de outras matérias devem ter em consideração os

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Maria Paixão Direito da UE II – 2015/16
efeitos ambientais. Ora, “ter em consideração” é ponderar adequadamente os aspetos ambientais quando
confrontados com outros aspetos extra-ambientais, maxime económicos e sociais. Esta ponderação deve assentar em
determinados critérios consagrados no ordenamento jurídico da União:
 Prioridade dos valores fundamentais  Internalização dos custos da proteção ambiental
Princípio do nível elevado de proteção Princípio do poluidor-pagador
 Preferência pela prevenção em face da reparação  Atuação segura e prudencial
Princípio da atuação preventiva Princípio da precaução
4.4.3 Princípio do nível elevado de proteção ecológica
a) Ponto de comparação: Estabelecer um nível elevado de proteção ambiental é permitir que a legislação dos
Estados possa ir ainda mais longe, na proteção ambiental, do que a da União Europeia (art. 193º TFUE). Atualmente é
defensável uma compreensão ainda mais abrangente do princípio do nível elevado: depois de ser adotado um certo
nível de proteção, há que mantê-lo, não se admitindo o retrocesso – proibição do retrocesso ambiental.
b) Proteção dinâmica: A Carta dos Direitos Fundamentais da UE exige, além de um nível elevado de proteção,
uma melhoria da qualidade do ambiente – não basta, portanto, uma proteção omissiva, sendo exigida uma atuação
comunitária pró-ativa no sentido da melhoria do estado do ambiente. Sendo esta uma atuação mais progressista,
portanto, mais difícil de executar, não se aplicará a proibição do retrocesso.
4.4.4 Princípio da prevenção
O princípio da prevenção é uma regra de mero bom senso: em vez de contabilizar os danos e procurar repará-los,
deverá procurar-se, em primeira linha, evitar a ocorrência de danos antes de eles terem acontecido.
a) Ratio da prevenção: O fundamento deste princípio é, em primeira linha, irreversibilidade dos danos
ambientais. De facto, a reconstituição natural (reposição da situação anterior ao dano) nem sempre é possível; e
mesmo quando é possível, é por vezes de tal modo onerosa que o esforço envolvido não pode ser exigido aos
poluidores. Não sendo possível a restauração do status quo ante, resta a alternativa de ser o Estado a adotar medidas
de compensação ambiental, ainda que isso implique um elevado esforço ambiental. Porém, esta solução faz impender
sobre os contribuintes o esforço que deveria caber aos poluidores. Além de que está já provado ser muito mais
dispendioso, economicamente, remediar do que prevenir.
b) Medidas preventivas: Na aplicação do princípio da prevenção é indispensável a ponderação de formas
alternativas de realizar projetos, configurar planos ou conceber programas, de modo a optar pelo projeto, plano ou
programa que seja suscetível de produzir menores impactes ambientais. A consideração de alternativas é, as mais das
vezes, uma das formas mais eficazes de evitar ou reduzir os impactes ambientais das atividades humanas. Daí que
alguns instrumentos preventivos comecem a ser utilizados nas ordens jurídicos, como é o caso das licenças ambientais
ou das avaliações de impacte ambiental.
4.4.5 Princípio da precaução
O princípio da precaução, à semelhança do princípio da prevenção, destina-se a evitar a ocorrência futura de danos
ambientais, mas, diferentemente daquele, tem a sua máxima aplicação em casos de incerteza. Fala-se a este propósito
de uma espécie de princípio in dubio pro ambiente: na dúvida sobre a perigosidade de uma certa atividade para o
ambiente, decide-se a favor do ambiente e contra o potencial poluidor.
O campo de aplicação privilegiado deste princípio é o das atividades que envolvam riscos ecológicos, impondo ao
potencial poluidor o ónus da prova de que um acidente ecológico não vai ocorrer e de que adotou as medidas de
precaução necessárias. As dúvidas sobre a perigosidade de uma determinada atividade podem existir quando:
 Ainda que não se verifiquem quaisquer danos decorrentes dessa atividade, receia-se que, apesar da falta de
provas científicas, tais danos possam vir a ocorrer;
 Já se tendo verificado danos provocados por determinada atividade, não há ainda conhecimento científico
acerca da causa que está na sua origem;
 Havendo danos provocados ao ambiente, não há ainda provas científicas sobre o nexo de causalidade entre
uma determinada causa hipotética e os danos em causa.
As medidas a adotar nos casos expostos devem ser adotadas mediante a consideração da proporcionalidade entre a
gravidade das medidas e a probabilidade do risco e da natureza, magnitude, reversibilidade e extensão geográfica e
populacional dos eventuais danos.
Como é evidente, só nos casos em que exista um indício mínimo de que certa atividade pode ser suscetível de, pelo
menos a médio ou longo prazo, causa danos ambientais, serão tomadas medidas precaucionais.
4.4.6 Princípio do poluidor-pagador

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O princípio do poluidor-pagador é um princípio de prevenção, precaução e redistribuição dos custos das medidas
públicas de prevenção da poluição. Este é um princípio que atua a título precaucional e preventivo – antes e
independentemente de quaisquer danos ao ambiente terem ocorrido.
a) Montante do pagamento: Se o princípio em apreço não é um princípio da responsabilidade, nem atua a
posterior, o montante dos pagamentos a impor aos poluidores deve ser proporcional aos custos de precaução e
prevenção (e não, proporcional aos danos causados). Se o valor a suportar pelos poluidores for bem calculado, atingir-
se-á uma situação ambiental e socialmente ótima: a redução da poluição a um nível considerado aceitável e a criação
simultânea de um fundo destinado ao combate à poluição residual ou acidental, ao auxílio a eventuais vítimas da
poluição e ao financiamento das despesas públicas. Os pagamentos decorrentes deste princípio são um incentivo aos
poluidores, que passam a escolher entre poluir e pagar ao Estado.
b) Cumprimento alternativo: Se aos poluidores não forem dadas alternativas a não ser deixar de poluir ou ter
de suportar um custo económico a favor do Estado, então os poluidores terão de escolher a opção mais vantajosa:
tomar as medidas necessárias para evitar a poluição ou continuar a poluir, suportando os custos que isso acarreta.
Evita-se, deste modo, que sejam os contribuintes a suportar os custos do combate à poluição, ao mesmo tempo que
se consegue reduzir parte dessa poluição. Só assim se consegue um equilíbrio orçamental justo.
5. Direito ambiental secundário
Em correspondência com os princípios acabados de enunciar, foram criados novos instrumentos jurídicos. Os
instrumentos criados têm em comum o facto de visarem, todos eles, prevenir os impactes ambientais provenientes
de atividades humanas de natureza diversa.
5.1 Programas de ação em matéria ambiental
Os objetivos gerais da política ambiental da UE (art. 191º/1 TFUE) são consagrados em planos de ação, que
estabelecem as grandes linhas de orientação da política europeia. Até ao momento já estiveram em vigor 6 programas
de ação distintos. O Sétimo Programa de Ação, atualmente em vigor, estabelece objetivos prioritários até 2020, mas
tem 2050 como horizonte de longo prazo, sob o lema “viver bem dentro dos limites do nosso planeta”. Os objetivos
atuais, fixados nesse programa, são os seguintes:
 Proteger, conservar e reforçar o capital natural da União;
 Tornar a União uma economia hipocarbónica, eficiente na utilização dos recursos, verde e competitiva;
 Proteger os cidadãos da UE contra pressões de caráter ambiental e riscos para a saúde e bem-estar;
 Maximizar os benefícios da legislação da UE relativa ao ambiente, melhorando a sua aplicação;
 Melhorar a base de conhecimentos e de dados da política de ambiente da UE;
 Assegurar investimentos para a política relativa ao ambiente e ao clima e abordar as externalidades;
 Melhorar a integração e coerência das políticas no domínio do ambiente;
 Aumentar a sustentabilidade das cidades da União;
 Melhorar a eficácia da UE na resposta aos desafios internacionais em matéria de ambiente e clima.
5.2 Avaliação de impacte ambiental de projetos
O procedimento de avaliação de impacte ambiental tem como objetivos sucessivos: evitar » prevenir » reduzir »
compensar os potenciais efeitos negativos significativos no ambiente causados por certas atividades produtivas.
5.2.1 Âmbito de aplicação
O meio para alcançar aqueles objetivos é a avaliação prospetiva dos impactes ambientais de certos projetos
considerados suscetíveis de gerar impactes significativos. Os Estados-membros têm alguma liberdade na forma como
definem os projetos que, em concreto, estarão sujeitos a avaliação. Em qualquer caso, o legislador europeu definiu os
limiares e os critérios relativos às caraterísticas dos projetos, à sua localização ou aos seus impactes, de modo a
reforçar a segurança jurídica e a garantir a harmonização. Mas, a União foi ainda mais longe e aplicou, ela própria, os
critérios para impor, em relação a alguns projetos, a realização de avaliação de impacte ambiental. Trata-se de projetos
considerados, em abstrato, como suscetíveis de gerar impactes ambientais significativos.

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