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Sebenta Teórica de DUE II da Comissão de Curso de quarto ano da FDUP – Sílvia Moreira e Mariana Cruz

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Sebenta Teórica de DUE II da Comissão de Curso de quarto ano da FDUP – Sílvia Moreira e Mariana Cruz

09/02/2023

A salvaguarda judicial do Direito da União Europeia


Quando falamos de tribunais da União Europeia, lembramo-nos primeiro do Tribunal de Justiça
da União Europeia (TJUE) que, de acordo com o art. 13º do Tratado da União Europeia (TUE),
é uma das instituições, com sede no Luxemburgo. O Parlamento, o Conselho e a Comissão
Europeia têm instalações também no Luxemburgo, para além da sede em Bruxelas, bem como
os vários tribunais. As sedes das instituições são decididas por unanimidade.

O art. 13º do TUE refere o TJUE como uma instituição – no quadro do funcionamento da União,
corresponde a um órgão que tem um relevo decisivo na condução do exercício das
competências da União, distinguindo-se de órgãos que têm um papel secundário ou de controlo,
apoio, consulta ou de desempenho de funções específicas – ex.: comitê das regiões, comité
económico e social, que tem função consultiva).

Temos depois também outros órgãos instrumentais que assessoram as instituições – no art.
240º do TUE temos o COREPER, que reúne representantes a nível diplomático dos Estados e que
prepara as decisões do Conselho de Ministros. Temos ainda um conjunto de organismos dotados
de personalidade jurídica que têm funções específicas: No TUE encontramos o Banco Europeu
de Investimento (que dá apoio financeiro através de empréstimos para projetos públicos e
privados do interesse da UE e que, pela sua credibilidade, consegue financiar-se nos mercados
em condições altamente favoráveis, pelo seu ranking). Por fim, é de referir um conjunto imenso
de agências, com missões específicas e competências diversas, mas que na sua generalidade
têm autonomia jurídica.

Entre este núcleo central de instituições encontramos o TJUE, que é composto por duas
jurisdições:

1. Tribunal de Justiça – falamos de um tribunal de justiça strictu sensu, os processos no


tribunal de justiça começam com a letra “C-“. Começou a funcionar em 1952, ainda no
período da CECA.
2. Tribunal Geral – foi criado em 1988 porque o TJ tinha um volume processual muito
elevado com processos muito demorados, entendendo-se por isso que seria importante
criar um segundo tribunal para repartir as competências, surgindo na altura o Tribunal
de Primeira Instância (TPI), renomeado depois para Tribunal Geral (TG). Este é um
tribunal de primeira instância em alguns processos, onde o TJ é o tribunal de recurso
(nem todos os processos são processos contenciosos passiveis de recurso – a ação por
incumprimento contra os Estados corre só perante o TJ, por exemplo, e nunca é da
competência do TG).
Em alguns processos, a instância de entrada é o TG, e depois da sua decisão em acórdão
pode haver recurso em matéria de Direito (e não em matéria de facto) para o TJ e,
eventualmente, reforma da decisão, se se entender que a interpretação do TG não foi a
correta.
Além do volume processual, outra razão substantiva que promoveu a criação do TG está
relacionada com o princípio fundamental relacionado com o Estado de Direito e a
tutela jurisdicional (art. 20º CRP, art. 19º TUE, art. 47º CDF). Há o entendimento
consolidado de que o direito a uma tutela jurisdicional consiste no direito a ver a sua
causa apreciada por um tribunal independente, mas também o direito a ter uma

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segunda apreciação em relação a uma decisão de um tribunal, o direito a ver a sua causa
reapreciada numa segunda instância – é esse duplo grau de jurisdição que se considera
fundamental como um direito dos particulares que não estava assegurado quando era
só o TJ a avaliar a instância.

Delimitação e Âmbito do Direito da União Europeia


Pensando na tutela judicial do DUE, ela é mais lata do que a que está nas competências do TJUE.
Podemos falar de um sistema de justiça transnacional regional (porque diz respeito
estritamente à União Europeia e não é internacional), que abrange não só o direito da UE mas
também, por exemplo, Direito Internacional, desde que seja aplicável à situação. É um sistema
de justiça, para a efetivação do DUE, à escala da União. Ele é formado:

1. Pelo Tribunal de Justiça da UE com as suas duas jurisdições;


2. Por todo o conjunto de tribunais nacionais, na sua maioria.

Este conjunto formará um sistema que tem de ser considerado como completo e, de algum
modo, coerente, no sentido de que tem de haver uma articulação entre as competências do TJ
e as competências dos tribunais nacionais, feita com base no princípio das competências de
atribuição.

O tribunal de justiça da UE, quer enquanto instituição, quer enquanto as suas duas jurisdições,
está delimitado no âmbito das competências pelo princípio da atribuição, tal como a própria
UE – está previsto no art. 19º §1 TUE que lhe compete garantir a salvaguarda do direito da
União, garantir a interpretação e a aplicação do DUE, mas apenas nas competências que lhe
estão atribuídas, portanto, naquelas matérias e nas condições que o tratado prevê.

Em todas as outras situações em que o DUE seja convocado para regular um litígio, a
competência será em princípio dos tribunais nacionais, exceto se for da competência de um
outro tribunal (por exemplo, se for da competência de um tribunal de Estado terceiro).

Ex.: com a saída do Reino Unido da UE, o TJ continua a ter competências face ao Reino Unido,
por causa das regras do seu tratado de saída, em algumas matérias – pode haver situações
no espaço do Reino Unido ou envolvendo seus nacionais que ainda continuem a estar
abrangidos pela competência do Tribunal, transitoriamente.

O DUE também poderá ser objeto de aplicação por tribunais de estados terceiros,
internacionais, e isso terá a ver com as regras de conflitos e as regras de determinação do foro
competente.

O primeiro parágrafo do art. 19º do TUE faz referência ao TJUE e o segundo parágrafo diz que
os Estados-Membros estabelecem as vias de recurso necessárias para assegurar uma tutela
jurisdicional efetiva nos domínios abrangidos pelo direito da União – isto é a decorrência lógica
do princípio da atribuição, ou seja, em princípio, em todas as situações em que não tenha sido
atribuída pelos tratados competência ao TJUE, cabe aos Estados-Membros ter no âmbito do seu
sistema jurídico as vias, as competências processuais necessárias para garantir a efetivação do
DUE. Isso significa que os tribunais comuns de DUE são os tribunais nacionais, em tudo o que
não estiver especialmente atribuído ao tribunal de justiça.

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Tal não significa, no entanto, que os Estados estejam obrigados a criar vias de recurso especiais
– significa que os Estados estão obrigados a assegurar, através das suas vias normais previstas
no Direito interno, que também o DUE integra essas competências, não têm de criar tipos de
processos ou tribunais especiais para esse efeito (apesar de o poderem fazer). Isto pode,
contudo, reconduzir a situações em que o princípio da tutela efetiva não é totalmente efetiva
assim – há situações em que pode um particular não encontrar uma via de recurso nem junto
do TJ, por não haver atribuição, nem junto do tribunal nacional, porque o sistema nacional não
prevê vias de recurso que possam tutelar aquela situação. Encontrar-nos-emos perante uma
situação em que a tutela jurisdicional efetiva não é, na verdade efetiva.

Qual é a resposta que tem sido dada? Se isso acontecer, temos uma situação de eventual
incumprimento do Estado, mas continua a ser competência do Estado, o TJ não admite que isso
seja fundamento para alargar a sua competência sem base no tratado.

Ex.: Caso UPA


Houve jurisprudência divergente entre o TJ e o TG em que esta questão surgiu diretamente.
O TG adotou uma posição que depois o TJ reverteu em recurso, alargando a legitimidade
processual dos particulares para permitir a tutela jurisdicional efetiva, não exigindo que
houvesse uma afetação direta e individual. O TJ, pelo contrário, reverteu essa decisão e
reafirmou as condições do recurso de anulação, dizendo que não pode um particular
impugnar um ato que não lhe seja dirigido ou que não lhe diga diretamente respeito.

A jurisprudência do TJUE tem modelado as atribuições dadas pelo Tratado, referidas em geral
no art. 19º. Em grande medida, as competências do Tribunal não se determinam apenas pelo
seu elenco de competências materiais, mas também pelos condicionalismos processuais, os
condicionalismos relacionados com os pressupostos processuais. Para que alguém possa aceder
a um tribunal, é necessário que disponha de personalidade jurídica, capacidade jurídica e
capacidade judiciária (determinados pelo direito nacional), e isto também se verifica para o DUE
e para o acesso ao TJ. Há ainda o pressuposto da legitimidade processual e do interesse em agir
– em relação a estes dois, cabe ao DUE determiná-los.

É na jurisprudência que vamos ver alguns ajustes.

Ex.: Jurisprudência “Os Verdes/PE”, 1986.


Tem a ver com a distribuição de recursos financeiros entre os partidos no quadro das eleições
para o Parlamento Europeu de 1979, em que o partido francês “Os Verdes” entendeu que foi
prejudicado e que a distribuição não foi conforme.
Levanta-se desde logo uma questão em torno da personalidade do partido, mas aí o tribunal
remete para o estatuto nacional. Do ponto de vista da competência do tribunal, coloca-se a
questão de que o Tratado, naquele que hoje é o art. 263º, ao contrário do que sucede agora,
não previa que os atos do Parlamento Europeu pudessem ser impugnados, só dizia que, em
recurso de anulação, podiam ser impugnados os atos da Comissão e do Conselho, o que não
era estranho, porque naquela altura o parlamento europeu não tinha competências
legislativas, desde logo (as suas únicas competências eram essencialmente organizatórias).
A questão que se levanta é saber se esta entidade, que é externa ao Parlamento Europeu, não
o prevendo o tratado, tinha legitimidade para estar em juízo e se o parlamento europeu tinha
também legitimidade para estar em juízo – estava em causa a legitimidade passiva do
Parlamento Europeu.

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O Parlamento Europeu, embora reconheça que o tratado não prevê a sua legitimidade, não
se opõe verdadeiramente e admite que, apesar de não estar prevista, o PE devia ter
legitimidade processual junto do TJ.
É aqui neste acórdão que o TJ diz que a CEE é uma comunidade de Direito – os Tratados são
uma Carta Constitucional e, numa comunidade de Direito com uma Carta Constitucional, não
é admissível que qualquer ato jurídico que tenha efeitos jurídicos vinculativos externos (junto
de entidades externas) não seja passível de controlo judicial. Portanto, admitiu a legitimidade
processual passiva do Parlamento Europeu, e depois passou à decisão.
Releva o modo como o tribunal acaba por modelar, através da jurisprudência, aquilo que é
o alcance das competências próprias e, por essa via, o do próprio sistema de tutela do
Direito.
Ex.: Caso UPA
Neste caso, o TJ veio fazer uma interpretação literal do art. 263º, não admitindo que um
particular pudesse impugnar um ato do qual não fosse destinatário ou lhe dissesse direta e
individualmente respeito, como se ele fosse destinatário. Esta expressão serve para atos que
não são dirigidos àquela pessoa, mas que a afetam como se fossem – diz diretamente respeito
porque aquele ato é aplicável de per si, sem necessidade de qualquer ato de execução e diz
individualmente respeito porque a sua modelação, o seu regime jurídico, está modelado pelas
características individuais daquela entidade, e de nenhuma outra.
Estas características reunidas permitiriam que se impugnasse um ato do qual não se é
destinatário, mas não se reunindo estas características não. Estas características nunca se
reúnem, por exemplo, em diretivas, porque se dirigem a Estados.
Aqui, o tribunal fez exatamente o contrário do que tinha feito no caso anterior, limitando-se
estritamente à letra da lei. Também no Caso Jego René o tribunal de primeira instância, à
época, não tinha feito isto. Na primeira instância tinha sido admitido que atos que afetem
diretamente, mesmo que não digam individualmente respeito (porque se podem referir a
uma categoria genérica de pessoas), mas que os afetem diretamente deveriam poder ser
impugnados. O tribunal de 1ª instância faz uma interpretação extensiva, porventura corretiva,
mas em recurso TJ reverteu essa decisão e no caso UPA reafirmou a interpretação literal.
Ex.: Caso Rosneft – sanções à Rússia por causa da Ucrânia, 2014
Estava em causa a aplicação de sanções e o facto de os seus destinatários deverem poder
impugnar essas decisões.

O grande problema tem a ver com uma limitação, que encontramos no Tratado de Lisboa: os
atos adotados no âmbito da PESC não estão sujeitos à jurisdição do TJ e, nessa medida, não
podem ser objeto de contencioso de anulação. Há, contudo, uma exceção prevista pelo
Tratado, que diz respeito a atos que afetem diretamente particulares (indivíduos ou empresas).
O art. 275º admite que atos adotados no âmbito da PESC, quando dirigidos a particulares ou
que os afetem diretamente, podem ser objeto de impugnação. Em geral, não podem – por
exemplo, um Estado não pode interpor um recurso de anulação de um ato da PESC.

Uma das questões que se suscitava era o facto de, se o tratado admite o recurso de anulação,
não diz nada sobre a possibilidade de um tribunal nacional fazer reenvio sobre a interpretação
de determinado ato da PESC, e a doutrina divide-se desde o início sobre esta questão.

Em concreto, isto pode ser especialmente sensível se falarmos de reenvio para apreciação da
validade, porque se o tribunal não tem competência em sede de anulação, isto será um
obstáculo a que possa pronunciar-se sobre a validade em sede de reenvio.

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O que o tribunal veio a admitir daquela jurisprudência foi que, efetivamente, como não está
proibido, o reenvio sobre atos da PESC é possível e, dessa forma, faz uma interpretação do
tratado que é lata, porque o princípio da atribuição de competências funciona ao contrário – o
que não está previsto não é possível.

Observamos uma oscilação da jurisprudência: tanto em tido momentos em que faz uma
interpretação extensiva ou até corretiva do Tratado, alargando as competências do Tribunal,
como tem tido uma interpretação eventualmente declarativa ou até restritiva, não
reconhecendo uma competência mais ampla – não há um regime fixo.

Proteção do sistema jurisdicional


Há uma proteção do sistema jurisdicional. Falamos até agora de uma perspetiva de solidificação
do sistema do TJUE e da sua articulação com a rede dos tribunais nacionais e agora vamos ver
uma posição do TJUE que procura que este quadro de articulação não seja perturbado por
fatores de diversa natureza.

Parecer 2/13, ao abrigo o art. 211º n.8


É um parecer feito ao TJ sobre a compatibilidade do projeto de acordo de adesão da UE à
CEDH, em que o Tribunal se pronuncia negativamente, dizendo que aquele projeto de acordo
não é compatível com o Tratado.
O objetivo deste parecer é assegurar que a União Europeia não se vincula a obrigações
internacionais contrárias aos tratados, porque isso é algo negativo. Se a UE está vinculada a
compromissos internacionais, o princípio da boa-fé e o princípio pacta sunt servanda obrigam
a UE, à luz do Direito Internacional, a respeitar esses compromissos, mas se eles, por outro
lado, são contrários ao Tratado, isto será inadmissível por parte do sistema jurídico da União
Europeia.
Se o parecer do Tribunal for negativo, a UE não pode celebrar esse acordo, exceto se houver
uma de duas situações:
• Ou os tratados foram modificados para eliminar a fonte da incompatibilidade;
• Ou foi modificado o acordo internacional para eliminar as disposições incompatíveis.
Em relação à CEDH, o art. 6º n.2 do TUE diz que a União europeia adere a esta Convenção –
isto é um imperativo, a UE está obrigada a aderir à CEDH, percebendo-se a ideia de que o
Tratado impõe, cria uma obrigação de comportamento para as instituições e para os próprios
estados, que ficam vinculados a agir, a procurar os meios ao seu alcance que permitam que a
União se possa vincular à Convenção, mas também não dualquer garantia de que ela se
vincule, porque a Convenção está celebrada com mais 20 Estados para além dos Estados da
UE e é necessário que haja um acordo entre todos.
Depois da aprovação do Tratado de Lisboa, que introduziu essa disposição, iniciaram-se
negociações entre todos os Estados parte da Convenção para se chegar a acordo, o que
obrigou a alterar a CEDH (que só previa que Estados pudessem ser parte). Todos admitiram
que a adesão da UE tinha de ser feita com condições específicas porque, como não é um
Estado, era necessário adaptar o regime da convenção à natureza do sistema jurídico da UE,
procurando salvaguardar a autonomia do seu sistema jurídico.
É este projeto de acordo que é submetido a parecer de TJ, que vem dizer que não é
compatível, porque põe em causa o sistema de tutela judicial do DUE. Põe em causa, desde
logo, o facto de o TJ ter, de modo autónomo, a última palavra sobre a interpretação do Direito
da União, o que deixaria de suceder se o TEDH pudesse vir a pronunciar-se sobre a
interpretação do Tratado à luz da Convenção, e afetaria também este sistema que envolve os

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tribunais nacionais, porque os tribunais nacionais, que agora perante questões de aplicação
do DUE têm ao seu dispor o mecanismo do reenvio para o Tribunal, depois ficariam
articulados também nesta matéria com o TEDH e, por essa via, esta articulação estritamente
bilateral era posta em causa pelo tribunal.
O art. 344º do TFUE prevê que os Estados-Membros se comprometem a não recorrer a
quaisquer outros meios de resolução de litígios sobre os Tratados que não aqueles que os
tratados preveem, e o Tribunal utilizou também esta disposição para dizer que o recurso que
resultaria daquele acordo para o TEDH punha em causa esta exclusividade prevista pelo art.
344º.

Daqui resulta que este sistema, que envolve as competências do TJ e dos tribunais nacionais, é
um sistema fechado, autossustentado, que não admite que haja uma abertura à participação
de outros tribunais ou entidades. O Tribunal entende que qualquer coisa que ponha em causa
estes mecanismos estabelecidos nessa rede, qualquer coisa que os perturbe, põe em causa o
sistema judicial e a autonomia do DUE.

A doutrina, face a este parecer, acusou o TJ de ser contrário a um Estado de Direito, ao não
admitir essa adesão – iria criar um sistema jurídico que seria autopoiético, que não admitiria
escrutínios externos. Qualquer tribunal nacional de qualquer um dos Estados-Membros do
Conselho da Europa pode ter as suas decisões escrutinadas pelo TEDH, para obter a condenação
do Estado por não ter assegurado o respeito pela CEDH e eventualmente o ressarcimento de
danos, contudo, o TJ, dada a especial natureza do sistema jurídico da UE não admitiu que isto
seria possível naqueles termos.

Esta é a matéria que está na base do nosso estudo – vamos estudar o sistema judicial da União
Europeia, centrando-nos essencialmente no TJ, sem nunca deixar de ter presente esta
articulação com a rede de tribunais nacionais, e o modo como eles se articulam o TJ e aplicam o
DUE.

Para o fazer, vamos abordar o tema do contencioso da União Europeia, tendo em conta esta
realidade multifacetada, uma instituição com duas jurisdições, múltiplos tribunais nacionais (e
quando falamos em tribunais nacionais falamos em sistemas judiciais nacionais, porque
englobamos toda a estrutura orgânica judicial nacional).

Iremos abordar o contencioso da UE de acordo com um critério orgânico, estudando os órgãos


judiciais da UE, o seu funcionamento, as suas competências e o direito processual da UE,
estudando os tribunais que integram a instituição TJUE.

Poderíamos também abordar um critério funcional, que, para além do anterior, traz os tribunais
nacionais para este âmbito do contencioso, porque se eles são os tribunais comuns do DUE,
então há também, em tudo o que diz respeito ao seu funcionamento, relevância nesse quadro.
O TUE não diz que os tribunais nacionais são os tribunais comuns, mas faz referência aos
tribunais nacionais de forma implícita no §2 do artigo 19.º, mas depois a referência que lhes
faz é apenas feita expressamente no art. 267.º, a propósito do reenvio prejudicial. Quem veio
esclarecer que os tribunais nacionais são os tribunais comuns foi o advogado geral das
conclusões no processo “Treta Pak” e depois TJ retomou essa função em alguns acórdãos.

O artigo 274.º do TFUE dizem que os tribunais nacionais não veem as suas competências
prejudicadas pelo facto de haver competências atribuídas ao TJ, com condições, isto é, isto não

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pode significar duplicação de julgamentos, significa sim que a mesma situação pode ser objeto
de dois enquadramentos jurídicos diferentes, pelo que pode ser submetida também a uma
apreciação a nível nacional, independentemente de ter sido apreciada a nível europeu.

Ex.: Edith Cresson, comissária europeia francesa, depois de deixar as funções na comissão, foi
objeto de julgamento no TJ por desrespeitar o estatuto de comissária, sendo que, depois, a
nível nacional, ela também foi objeto, por factos idênticos, de outro julgamento, mas o
enquadramento não era o mesmo.

Parecer 1/09, de 2011


Está relacionado com a criação de um Tribunal Europeu de Patentes, que o TJ negou, porque
iria interferir com as competências dos tribunais nacionais, enquanto tribunais comuns de
Direito da UE.
Acórdão ASJP (Associação Sindical dos Juízes Portugueses)
Surge num caso de reenvio suscitado por um tribunal português e é fundamental para que se
compreenda este sistema jurídico como um sistema unitário, completo, que não admite de
modo algum que possa ser pelos Estados individual ou coletivamente posto em causa. Ele
serve de base a jurisprudência posterior, sobretudo dirigida à Polónia e à reforma judiciária
polaca.
Quando foi feito o memorando com a Troika em 2011, uma das medidas que daí resultou foi
o corte no vencimento dos funcionários públicos superior a 1500€ e, nessa sequência, entra
no nosso Supremo Tribunal Administrativo uma ação contra o Estado português alegando que
esta medida em relação aos magistrados do Tribunal de Contas punha m causa o sistema
jurídico da União Europeia e a autonomia do DUE, porque os juízes nacionais são os juízes da
União Europeia e os juízes num Estado de Direito, como a UE é, têm um estatuto que é
essencial para assegurar a boa aplicação do Direito, e esse estatuto tem de garantir a
respetiva independência.
Quando se fala de garantir a respetiva independência dos juízes, não se fala apenas em não
poderem receber instruções e decidirem de acordo com uma lei e de acordo com a sua
consciência, é necessário também que eles tenham condições de exercício das suas funções
que assegurem independência, nomeadamente condições financeiras condignas que, no seu
entender, estavam em causa com a redução de vencimentos.
Aquela medida, ao afetar o seu estatuto financeiro, estava a pôr em causa também dignidade
da função, autonomia e independência no seu exercício. O Tribunal, em processos anteriores,
já tinha feito referência ao facto de que a independência dos juízes também passava pelas
condições de exercício da função, pela sua dignidade, e admitiu que uma dimensão financeira
é importante, logo uma desvalorização financeira significativa da função judicial seria
negativa, colocando o juiz mais suscetível, por exemplo, a influências. Sendo eles os juízes da
União, vinha esta invocação que isto era atentatório do DUE.
O TJ diz que, de facto, esta dimensão financeira é também uma dimensão de independência
dos juízes, no entanto, quando aprecia em concreto a medida, vai olhar para ela e conclui que
a medida não se destinou especificamente aos juízes, sendo transversal toda a administração
pública, para além disso era temporária, relativamente limitada, e por isso, por essas razões,
não estavam em causa em concreto a independência.
Toda esta lógica vai ser utilizada a partir de 2018 para toda apreciação feita na reforma
judiciária que tem lugar na Polónia desde 2015, sempre na perspetiva de que os juízes
nacionais, porque são também os principais aplicadores do DUE, o exercício das suas funções
está coberto pelo DUE.

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Neste ponto de vista, vamos estudar aquelas que são as vias processuais próprias de tutela do
DUE junto do TJUE, porque a nível nacional não há vias processuais específicas.

Quanto ao critério material, quando se fala de contencioso, falamos essencialmente naqueles


que são os domínios materiais de competência nas diferentes categorias de diferendos:

1. Temos diferendos de natureza contenciosa e não contenciosa;


2. Temos a ação de responsabilidade – contencioso de tipo civil ou administrativo,
dependendo da responsabilidade que está em causa;
3. Contencioso respeitante ao recurso de anulação – é um contencioso de tipo
constitucional ou administrativo
4. Ação por incumprimento – contencioso de tipo internacional, que tem como réus os
Estados-Membros;
5. O reenvio não é um contencioso, mas sim um mecanismo processual de natureza
prejudiciária, de cooperação entre instâncias judiciais, respeitantes estritamente à
interpretação do DUE (não se resolvem litígios, quem os resolve são os tribunais
nacionais que aplicam o DUE).

O Tratado também prevê a possibilidade de existirem tribunais especializados. Já existiu um,


que era o Tribunal da Função Pública, que tinha como competência apenas o contencioso em
relação aos funcionários da união, de tipo laboral. Este foi extinto em 2016, entendeu o TJ e o
Conselho que não se justificava de todo tribunais especializados e aquele em particular, por
várias razões, mas porque das suas decisões havia recurso para o TG e eram excecionais os casos
em que não havia recurso, portanto o TG estava sempre assoberbado com este tipo de
contencioso. Por outro lado, havia uma afetação de juízes não racional, porque era toda uma
estrutura criada para um tipo de contencioso limitado.

Estamos perante uma instituição multilingue – todas as línguas oficiais são línguas oficiais do
TJUE, artigos 36.º e 40.º RPTJ. Os acórdãos são prolatados na língua do processo, mas todas as
línguas podem ser línguas de processo. O reenvio, que vem do tribunal nacional, tem sempre
como língua do processo a língua do tribunal nacional. Apesar disto, a língua de trabalho do TJ
é o francês.

16/02/2023

Os processos do TJ citam-se da forma seguinte: Ac. de (data), nome (tradicionalmente tinha a


ver com nomes das partes, mas podem estar sujeitos por vezes a anonimização, pelo que se usa
as iniciais ou algo relacionado com o objeto do processo), Proc. C-xxx/yy (Tribunal de Justiça –
Cour) ou T-xxx/yy (Tribunal Geral – Tribunal).

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Também se pode ver a classificação ECLI: UE (European Case Law Identifier), designação
europeia para todos os Tribunais. Toda a jurisprudência na UE passou a ter este registo, que
permite aceder a todos os processos, acórdãos e outras peças processuais.

O Tribunal de Justiça – composição


O Tribunal de Justiça é formado por um juiz por cada Estado-Membro, tendo neste momento
27 juízes (art. 19º n.2, §1 TUE). Estes têm função judicial e cabe-lhes apreciar e decidir os litígios
e as questões prejudiciais que chegam ao tribunal e são depois distribuídas entre as secções e o
tribunal pleno, com independência e de acordo com o Direito (que não é só DUE).

No TJ Temos uma figura específica, o Advogado-Geral, referido ao longo dos tratados (artigo
19.º, n.º 2, § 1 TUE; artigo 252.º, § 1 TFUE). É inspirado numa entidade francesa que participa
nas suas instâncias jurisdicionais que o Comissário do Governo. Tem uma função idêntica a este
Comissário e aproxima-se de uma figura que se conhece de alguns sistemas judiciais na América
do Sul, o Amicus Curiae, uma personalidade que está num Tribunal para apoiar a decisão, de
acordo com o Direito.

Este Amicus Curiae habitualmente é uma personalidade externa (habitualmente um jurista de


reconhecido mérito) que, em casos mais complexos e relevantes do ponto de vista social do
interesse do Direito, pode estar presente junto do Tribunal e participar no quadro de um
processo para apresentar uma análise extensa, aprofundada, das várias questões jurídicas e
que, de alguma forma, serve para os juízes utilizarem na sua apreciação – é nesta figura que se
inspira o AG.

O Advogado-Geral tem uma função semelhante, apesar de ser um membro do Tribunal


(contrariamente ao Amicus Curiae) – cabe-lhe apresentar sobre os processos a que for chamado
a intervir uma opinião fundamentada, imparcial, sobre as questões de facto e de Direito que
estejam presentes naquele litígio e propor uma solução ao tribunal. Habitualmente, o AG faz
uma análise muito exaustiva, contextualizada e aprofundada do que o Tribunal, porque o
Tribunal tem de se ater ao princípio do pedido: toda a sua análise das questões de facto e de
Direito é sempre condicionada e orientada para o que lhe é pedido, não se perdendo com
considerações de outra natureza – o TJ, faz isto de modo ainda mais rigoroso, não faz análises
de direito comparado, mas sim uma análise sempre bastante limitada e muito normativa.

Por sua vez, o AG, porque não está condicionado pela decisão, faz uma análise com maior
liberdade. É bastante mais frequente (apesar de variar consoante o AG) fazer uma análise
doutrinal, comparada e muitas vezes mais ousada (defende posições de iure condendo), e isso
é muito importante porque permite perceber que as questões ali colocadas podem, porventura,
ter implicações diversas – é importante para construir um Direito para o Futuro. O AG
obviamente aprecia o Direito vigente mas pronuncia-se frequentemente sobre ele, apontando
as suas limitações e sugerindo outras soluções ou desenvolvimentos, e isso pode por vezes vir a
ter impacto.

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Qual é a Função do AG? Segundo o art. 252º do TFUE, apresentar publicamente, com toda a
imparcialidade e independência, conclusões fundamentadas sobre as causas que, nos termos
do ETJUE, requeiram a sua intervenção (artigo 20.º, § 4 e 5; artigo 23.º-A, § 2 ETJUE).

Quando é que é chamado a intervir? Essa é uma decisão do próprio Tribunal. Nem em todas as
causas o AG tem de intervir, cabe ao Tribunal determinar quais as causas em que ele é chamado
a intervir. Habitualmente, a sua intervenção tem lugar no TJ, tirando os casos em que já tenha
havido uma consolidação da jurisprudência – uma questão tratada, cuja solução não seja de
todo complexa.

O AG é membro do Tribunal, portanto há matérias em que participa tal como os juízes,


nomeadamente em regras participativas como eleição do presidente do Tribunal, organização
de secções, etc. Não participam, no entanto, da decisão judicial. Neste momento, há 11
Advogados-Gerais – não há um AG por cada Estado-Membro, mas ainda assim se reflete a
presença dos Estados. Até à saída do Reino Unido, 6 AG eram indicados pelos Estados maiores
e os restantes 5 resultavam de uma indicação rotativa dos Estados menores.

Com a saída do Reino Unido, isto foi alterado: há agora 5 AG que permanentemente são
indicados pelos Estados maiores, e os restantes 6 são indicados rotativamente pelos restantes
Estados.

Entre os AG, o Tribunal nomeia o primeiro AG, anualmente, que tem uma função supra-pares.
A sua importância é distribuir entre os AG os processos em que eles vão apresentar conclusões.

Além dos Juízes e dos AG, o tribunal tem um secretário (art. 10º a 12º Estatuto; art. 18º a 21º
RPTJ) – é a cabeça da secretaria do Tribunal. Tem alguma importância, porque cabe-lhe dirigir
os serviços efetivamente e acaba por ter funções como a manutenção do registo e as
notificações processuais. É um papel autónomo, ele gere com autonomia estes trâmites.

O TJ e TG têm competências distintas, mas se um articulado der entrada no Tribunal errado, isto
não leva a que haja ineptidão, à partida, o que sucede é que aquele articulado é reencaminhado
para outro tribunal pelo secretário – o ato é aproveitado.

É ainda de referir a figura do Relator-adjunto (art. 13.º Estatuto; art. 17.º RPTJ) – ao juiz relator
cabe preparar a proposta de acórdão que depois será objeto de deliberação entre si e os outros
juízes parte da secção. Qualquer juiz pode ser relator e quem determina quem é o relator é
quem preside à secção ou o presidente do Tribunal. Neste ponto de vista, podemos colocar
questões quanto à independência e isenção do Tribunal, mas confia-se aqui na isenção dos
magistrados e do presidente. O relator-adjunto tem um papel de apoio em relação ao relator
principal.

O mandato dos magistrados é de 6 anos, sendo que há substituição parcial a cada 3 anos (art.
253.º TFUE; art. 9.º Estatuto), e pode ser renovado, através de nomeação como foi a primeira.
O mandato pode cessar por renúncia, morte ou incumprimento das condições/deveres,
podendo ainda ter a ver com a idoneidade. Essa substituição pelo desrespeito das condições ou
deveres de magistrado terá de ser objeto de decisão unânime pelo Tribunal (art. 5º a 8º do
Estatuto).

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Sebenta Teórica de DUE II da Comissão de Curso de quarto ano da FDUP – Sílvia Moreira e Mariana Cruz

Art. 4º, art. 18.º; art. 17.º, n.º 5 Estatuto (§ a nacionalidade – art. 18.º, n.º 4 Estatuto) – Há um
regime de incompatibilidades para assegurar a imparcialidade, por suspeições e impedimentos,
seja porque tenham tido em momento anterior uma relação com o objeto ou com as partes num
processo, que deverá ser suscitado pelo próprio, que se deverá declarar impedido de participar
no âmbito daquele processo, como pode haver também uma suspeição suscitada pelas partes
ou outro membro do Tribunal. A condição é precisamente não haver nenhuma ligação ao litígio
ou às partes nele envolvidas.

Os seus privilégios e imunidades encontram-se no art. 3º do Estatuto.

O Presidente e o Vice-Presidente são eleitos pelos próprios juízes e o seu mandato é de 3 anos
(artigo 9.º-A Estatuto; art. 8.º RPTJ). As suas atribuições encontram-se nos artigos 9.º e 10.º
RPTJ. As suas funções de competência jurisdicional que tem o presidente estão contempladas
no art. 39º do Estatuto e são de diversa natureza: possibilidade de suspensão da instância por
algum fundamento, mas também a aplicação de medidas provisórias – uma decisão de caráter
jurisdicional com importância relativamente elevada, não sendo uma função meramente
organizacional ou funcional, mas sim uma função jurisdicional própria de um magistrado no
exercício da função jurisdicional, cabe nas funções do Presidente, tal como dispõe o Estatuto.
As competências do Presidente podem exercidas, sempre que por ele assim determinado, pelos
presidentes das secções.

Esta nomeação do Presidente é fundamental, e levantam-se algumas questões relativas à sua


competência jurisdicional – quando falamos de aplicação de medidas provisórias, referimo-nos
à suspensão da execução de atos, de medidas de injunção e, obviamente, há aqui um exercício
contido a alguém cuja imparcialidade não está em causa, mas, ao abrigo do princípio do juiz
natural, ele não estaria aqui a ser respeitado, não permite a forma de funcionamento que
assegura uma atribuição aleatória destas decisões.

Quais os requisitos para se ser Magistrado e Advogado-Geral? Encontram-se nos artigos 19º
TUE e 253º TFUE. Quer o juiz quer o AG indicados pelos Estados não têm de ser da nacionalidade
do Estado que os indicou, não há condição de nacionalidade, mas efetivamente tem de ser uma
personalidade que seja um jurista de reconhecido mérito que esteja habilitado a conseguir
desempenhar a nível nacional funções jurisdicionais ao mais elevado nível, ou seja, que esteja
habilitado a poder ser juiz nos Tribunais superiores desse Estado. Não tem de ser magistrado de
carreira, pode ser um outro jurista com uma atividade de qualquer natureza, mas tem de, a nível
nacional, ter as habilitações necessárias para ser Magistrado num Tribunal superior.

Como são nomeados? Art. 253º a 255º TFUE. Durante muito tempo, a nomeação era feita, a
partir das indicações dos Governos nacionais, por uma decisão dos representantes dos Estados
reunidos no Conselho. Não é uma fonte direta de DUE, mas cria efeitos jurídicos no quadro da
União, desde logo, este efeito tem a ver com a composição do Tribunal, mas sobretudo tem a
ver com a forma da decisão, porque não obedece às formas de deliberação previstas pelo
Tratado para o Conselho. Uma decisão do Conselho obedece às formas de deliberação da
maioria simples, maioria qualificada e unanimidade, de acordo com o art. 238º. Aqui, contudo,
esta decisão é consensual, não é votada.

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Sebenta Teórica de DUE II da Comissão de Curso de quarto ano da FDUP – Sílvia Moreira e Mariana Cruz

No entanto, agora este sistema não é assim estritamente. A decisão cabe na mesma aos
representantes dos Governos reunidos Conselho, de modo consensual, mas essa decisão é
tomada a partir da indicação dos Governos nacionais, havendo uma espécie de triagem
intermédia feita por um comité – Comité 255, previsto no artigo 255.º do TFUE. Este comité é
formado por antigos membros do Tribunal que vão apreciar os curriculum das personalidades
indicadas e podem mesmo fazer entrevistas para aferir da sua idoneidade (relativamente ao
respeito pelas condições de independência, isenção e imparcialidade) e mérito, tendo em conta
experiência profissional, habilitações académicas.

Este parecer tem sempre de ter lugar – quando existe indicação por parte dos Governos
nacionais, ela vai com curriculum da personalidade e que é remetido aos membros do Comité,
que o vão apreciar e dar um parecer. Este parecer é levado aos membros do Conselho que irão
decidir (este parecer não é vinculativo, portanto os representantes dos Governos podem
afastar-se do parecer e até nomear alguém que foi objeto de um parecer negativo). Este parecer
é solicitado na primeira nomeação ou na renovação do mandato. Até hoje nunca houve nenhum
parecer negativo quanto a renovações. Este comité é formado por 7 membros.

Formações do Tribunal de Justiça – art. 16º do Estatuto


O tribunal está previsto no Estatuto e funciona habitualmente em secções, que têm
habitualmente entre 3 a 5 juízes. O TJ não funciona em juiz singular, só o TG pode funcionar em
juiz singular. Os processos habitualmente são atribuídos a uma das secções, e essa atribuição é
uma competência do Presidente do Tribunal. Há depois uma certa especialização das secções,
tendo em conta a matéria.

O Tribunal pode reunir:

• Em Grande Secção (art. 16º §3 e art. 17º §3 do Estatuto), formada por 15 juízes e que
tem sempre na sua formação o Presidente e o Vice-presidente e 3 presidentes de
secções, que fazem parte necessariamente da grande secção. Os restantes membros
integram a grande secção de acordo com uma decisão quando os processos são
remetidos para ela.
Assim: Grande Secção = Presidente + Vice-Presidente + 3 Presidentes das Secções de 5
Juízes + 10 juízes
Quando é que a grande secção é chamada para acompanhar um determinado processo?
É chamada a intervir sempre que um Estado-Membro ou Instituição da União que seja
parte na instância o solicite. Em princípio, não tem competências específicas, mas pode
ser chamada para qualquer tipo de processo nestas condições. Tem um quórum de 11
juízes e tem de estar sempre presente número ímpar de juízes.

• Temos ainda o Tribunal Pleno (art. 16.º, n.º 4 e 5 do Estatuto), que só funciona com
base numa solicitação (em aplicação do n.2 do art. 228°, art. 245°, art. 247° ou do n.6
do art. 286° do TFUE) ou quando o próprio Tribunal decida nesse sentido,
nomeadamente quando as causas tenham uma importância excecional, depois de
ouvido o AG.
São da competência do Tribunal Pleno o levantamento da imunidade de um membro
do Tribunal, a destituição do Provedor, de um Comissário ou de um membro do
Tribunal de Contas (art. 3º do Estatuto) – são estes os fundamentos que têm lugar
sempre no Tribunal Pleno. O seu quórum é de 17 juízes, art. 17º, §4 do Estatuto.

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Sebenta Teórica de DUE II da Comissão de Curso de quarto ano da FDUP – Sílvia Moreira e Mariana Cruz

O Presidente preside ao Tribunal Pleno e à Grande Secção. As secções são presididas por um juiz
da secção, que seja eleito por mandato de 3 anos na secção de 5 juízes, ou de 1 ano, na secção
de 3 juízes. As deliberações são confidenciais – art. 35º do Estatuto.

Tribunal Geral – composição.


O TG foi criado em 1988 e começou a funcionar em 1989. Tinha a designação de tribunal de
primeira instância (até 2016) e foi criado com tribunal de entrada para determinado tipo de
contencioso, nomeadamente e principalmente o contencioso que resulta de um recurso
interposto por particulares. Para além disto, teve como causa, nomeadamente, o acumular de
processos no TJ, que estava a criar entraves processuais e uma pendência demorada de
processos. Uma das competências do Tribunal de Justiça é ser a instância de apelo, de recurso
de apelação das decisões do Tribunal Geral em matéria de Direito (e não em matéria de facto).

O TG rege-se por atos comuns, desde logo pelos Tratados, nomeadamente no art. 19º do TUE,
que constitui a previsão fundamental nesta matéria, no art. 13º do TUE e nos artigos 251º e
seguintes do TFUE, onde encontramos as competências e os vários tipos de vias processuais –
estes atos são relevantes quer para o TJ, quer para o TG. Temos outro ato relevante, que é direito
primário, o Estatuto do Tribunal de Justiça, que contém regras que valem para o TJ e outras que
valem também para o TG (protocolo III anexo aos Tratados).

Depois temos atos distintos de cada um deles, cada um dos tribunais tem o seu próprio
regulamento do processo, que são regulamentos orgânicos relacionados com o funcionamento
de cada um dos tribunais, e são muito semelhantes – há uma coincidência tendencial entre as
disposições dos dois regulamentos do processo, mas depois há especificidades. O Regulamento
do Tribunal Geral (RTG) é mais atual, adequado, já o Regulamento do Tribunal de Justiça (RTJ)
padece do facto de ser um tribunal instituído há mais tempo e por isso há um conjunto de
elementos que se encontram apenas no RTG e não no RTJ.

A composição também é distinta, e há uma diferença desde logo fundamental: no TG não há


AG, só tem nos seus membros os juízes, sendo, contudo, verdade que pode um juiz, num
determinado processo, ser chamado a desempenhar uma função idêntica à que desempenha o
AG (isto já não acontece há algum tempo). O TG aprecia questões com grande relevância, quer
jurídica, quer penal (ex: questões sobre concorrência, que tem um impacto imenso na realidade
do mercado interno – falamos de decisões dirigidas a particulares, a empresas, e a competência
é do TG; também quando falamos de propriedade intelectual, de patentes, é também uma
competência do TG, já em sede de recurso).

Em relação às condições exigidas, os deveres, privilégios e imunidades, são exatamente os


mesmos que têm os magistrados do TJ. A nomeação obedece também ao mesmo
procedimento, acontecendo a mesma triagem do Comité 255. A apreciação baseia-se nos
mesmos critérios, mas tem de ser adaptada conforme as competências desse tribunal –
devemos recordar que o TG tem algumas competências que são, do ponto de vista técnico,
muito especializadas, há quem defenda até que se deva criar tribunais especializados,
possibilidade que o Tratado prevê mas que não tem sido seguida pelo TJUE. No TG tem se feita

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Sebenta Teórica de DUE II da Comissão de Curso de quarto ano da FDUP – Sílvia Moreira e Mariana Cruz

uma especialização das secções, para que sejam sempre os mesmos magistrados, aproveitando
a sua experiência, a tratar questões com caráter muito especializado.

Quanto às formações, são em grande medida coincidentes com o TJ. A grande diferença entre
os dois é possibilidade do TG decidir em juiz singular (o processo ser atribuído a um juiz singular,
que pode decidir individualmente) e aí decisão não é por acórdão, mas por despacho.

As secções são de 3 ou 5 juízes. Temos também aqui o Plenário e uma Grande Secção.

As secções, por sua vez, têm formações internas. Quando falamos em secções de 3 ou 5 juízes,
a secção como tal não tem 3 ou 5 juízes, tendo antes, por exemplo, 7 ou 8 juízes, e depois tem
formações internas que cruzam os juízes e é nesse quadro que se vai fazer essa especialização
de acordo com as matérias.

As competências do TG estão previstas no art. 256º do TFUE e 51º do Estatuto e 50-Aº do


Protocolo relativo ao Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia.

Que competências é que o Tratado prevê como competências do TG? Art. 256º n.1 do TFUE;
art. 51º do Estatuto.

1. Sempre que se tratar de um recurso de anulação ou de recurso por omissão interposto


por um particular a competência é do TG. O mesmo vale para as ações de
responsabilidade extracontratual ou contratual (aqui fala-se sempre da
responsabilidade da união ou de uma instituição da EU) e pode ser interposta por
particular ou por um Estado.
Falamos sempre de processos em que uma das partes é um particular e a outra é uma
instância da UE, seja como instituição, organismo, agência, etc.

2. O TG também é competente para alguns recursos interpostos pelos Estados,


nomeadamente em matérias de auxílios de Estados, por exemplo. Mas, em geral, os
recursos interpostos pelos Estados são da competência do TJ. Só os que estão
determinados pelo próprio art. 256º é que são da competência do TG e que são, por um
lado, recursos contra decisões da Comissão em matéria de auxílios de Estado ou, por
exemplo, recursos em matéria de dumping relacionados com comércio externo.

3. O artigo 256.º prevê no §3 que o TG pode ter competências especificas a determinar


pelo Estatuto em matéria de reenvio e, por isso, admite-se ali que através do Estatuto
se pode prever que o TG poderá ser competente para algumas questões prejudiciais
colocadas pelos tribunais nacionais. Até hoje, o Estatuto não prevê nenhuma dessas
matérias.
Por força disto, essa possibilidade prevista pelo Tratado nunca foi concretizada, não
estando regulamentada e, por isso, em matéria de reenvio continua a ser
exclusivamente competente o TJ, não porque essa competência lhe seja reservada pelo
Tratado, mas porque a sua regulamentação no Estatuto nunca foi concretizada até hoje.
O TJ tem vindo a propor ao Conselho que seja feita uma alteração do Estatuto para
integrar matérias de reenvio que passarão a ser de competência do TG, nomeadamente
questões bastante sedimentadas, procurando libertar o TJ da necessidade de ter de
responder a questões nas quais a controvérsia é praticamente nula, podendo, deste
modo, o TJ reservar-se para novas questões com maior controvérsia.

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Sebenta Teórica de DUE II da Comissão de Curso de quarto ano da FDUP – Sílvia Moreira e Mariana Cruz

A professora não concorda com isto, em grande medida devido ao longo tempo que
demoram os reenvios e pela possibilidade de haver interpretações diferenciadas – isto
é grave do ponto de vista da certeza e da unidade, podendo pôr em xeque a
credibilidade do próprio TJ. A revisão do Estatuto implica sempre a unanimidade dos
Estados-Membros e ratificação interna por parte dos parlamentos iniciais.

Reenvio prejudicial – art. 267º TFUE


O art. 19º n.3 b) do TUE refere que o TJUE decide a título prejudicial, a pedido dos órgãos
jurisdicionais nacionais, sobre a interpretação de Direito da União ou sobre a validade dos atos
adotados pelas instituições, e vemos depois essa previsão desenvolvida no art. 267º do TFUE –
distinguem-se nos parágrafos seguintes a distinção entre as situações em que o reenvio será
facultativo ou obrigatório; no último paragrafo encontramos a tramitação acelerada/urgente,
introduzida recentemente em relação a questões que têm a ver essencialmente com o espaço
de liberdade, segurança e justiça e com a cooperação judiciária civil ou comercial ou penal – Se
uma questão desta natureza for suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional
nacional relativamente a uma pessoa que se encontre detida, o Tribunal pronunciar-se-á com a
maior brevidade possível, e essa “brevidade possível” terá lugar através da tramitação urgente,
que é uma forma de tramitação especial, mais célere, porque pode suprimir uma fase processual
e elementos do processo, nomeadamente articulados.

1. Este é um processo sem partes.

Este não é um processo de partes, não é um processo contencioso e, como tal, não tem um
pedido de um sujeito contra outro. Nesse sentido não se faz com uma petição inicial e não há
contestação – faz-se sim através de um requerimento do tribunal nacional para o TJ, colocando
questões para que o Tribunal se pronuncie – o reenvio prejudicial é efetivamente prejudicial.

A competência prejudicial tem a ver com a necessidade, no âmbito do processo, de deliberar


sobre uma determinada questão jurídica que é relevante para a decisão no primeiro processo,
mas que efetivamente não é a questão contenciosa no processo, mas sim uma questão prévia
que terá de ser objeto de esclarecimento ou de decisão, e que muitas das vezes pode ser da
competência de um outro tribunal. Isto leva a que, num processo, tenha de haver reenvio para
outro tribunal, para que depois o tribunal competente possa decidir sobre o fundo da questão,
o objeto do litígio. É prejudicial porque prejudica a apreciação da situação pelo tribunal da
causa (que é o Tribunal Nacional), que não deve decidir sem que antes haja uma pronuncia de
um outro tribunal, que aqui é o TJ.

2. É um processo limitado a questões de Direito

Com isto, não se quer dizer que não haja questões de facto, mas as questões de facto para o
processo prejudicial são questões de Direito, porque este processo destina-se a obter uma
pronúncia sobre a interpretação ou sobre a validade do Direito. Assim, o seu objeto são apenas
questões de Direito, sendo que há questões de facto que, elas próprias, podem ser questões de
Direito. Quais são essas questões de facto? Têm a ver, desde logo, com a eventual

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Sebenta Teórica de DUE II da Comissão de Curso de quarto ano da FDUP – Sílvia Moreira e Mariana Cruz

compatibilidade do Direito da UE com o Direito nacional, ou com a aplicação que é feita a nível
nacional.

Portanto, não são objeto deste processo os factos da controvérsia nacional, apesar da
importância do seu conhecimento – o objeto do processo será a interpretação do DUE e depois
a relação com a aplicação que é feita a nível nacional e a articulação com o Direito nacional.

3. É um mecanismo de diálogo entre os juízes, de acordo com a doutrina

Isto significa que o reenvio não é um recurso, não é uma intervenção que tenha lugar na
sequencia de uma decisão do Tribunal Nacional, é um excerto que tem lugar no processo
principal do Tribunal Nacional. É um mecanismo de diálogo porque o TJ não se vai substituir ao
TN nas suas competências, vai sim, a partir da informação transmitida pelo Tribunal Nacional,
apoiá-lo, esclarecendo as questões por ele colocadas.

4. É um mecanismo de diálogo “hierarquizado”

Ou seja, o juiz nacional fica vinculado pela pronúncia do TJ. A decisão de reenvio através de
acórdão do TJ não é um parecer ou uma consulta, ela é vinculativa para o Tribunal Nacional. O
Tribunal Nacional, no exercício da sua competência de aplicação do Direito da UE tem de o
aplicar respeitando a orientação presente na decisão do TJ. É um diálogo estruturado, não é
uma mera opinião do TJ.

Ex.: Imaginemos uma situação em que o juiz nacional tinha dúvidas sobre a validade de um
regulamento e coloca a questão ao TJ, que vem declarar que o regulamento é válido. O juiz
nacional, mesmo que não concorde e continue a achar que o regulamento é inválido, não pode
deixar de o aplicar, isto é, não pode afastar aquela pronúncia do TJ. Se o fizer, está a haver um
incumprimento da parte do Estado através deste comportamento.

Estes juízes são essencialmente os juízes dos Estados-Membros. É um mecanismo de diálogo


para assegurar uniformidade e certeza jurídica da interpretação do DUE entre os juízes dos
Estados-Membros e o TJ. Contudo, não são apenas estes, há alguma extensão, porque também
os Tribunais do Espaço Económico Europeu podem colocar questões prejudiciais ao TJ (falamos
de Tribunais da Noruega, da Islândia e do Liechtenstein), bem como os Tribunais do BENELUX e
o Tribunal Unificado de Patentes. Estão excluídos os Tribunais Internacionais e os Tribunais dos
Estados terceiros.

5. Esta é sempre uma decisão do Tribunal Nacional

Há reenvios obrigatórios, mas não há uma entidade que tenha uma competência para assegurar
que essa obrigatoriedade ocorre, é sempre uma decisão do juiz. Se o juiz nacional que estaria
obrigado a fazer o reenvio não o faz, este comportamento constitui uma violação do Tratado
imputável ao Estado, que pode sofrer consequências de dois tipos:

1. Pode haver responsabilidade do Estado por comportamento imputável a um seu órgão


judicial;
2. Pode haver uma ação por incumprimento contra o Estado junto do TJ, acionada pela
Comissão Europeia.

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Sebenta Teórica de DUE II da Comissão de Curso de quarto ano da FDUP – Sílvia Moreira e Mariana Cruz

De qualquer modo, é sempre uma decisão própria do magistrado, e estas consequências não
têm lugar no processo – se o juiz que estava obrigado a fazer o reenvio não o faz, o processo erá
o seu termo, haverá decisão, a decisão transitará em julgado e não vai acontecer nada naquela
decisão, ela vai consolidar-se. Ora, depois, podem verificar-se as referidas consequências.
Alguém que tenha sofrido um dano pode exigir a responsabilidade do Estado, o ressarcimento
desse dano, ou, se isto for algo que se possa considerar um incumprimento sistemático (como
já aconteceu com a França, que foi acionada pela Comissão Europeia).

6. No reenvio há uma divisão de competências

A divisão de competências traduz-se numa competência do TJ para interpretar e pronunciar-se


sobre a validade do DUE, para indicar o sentido/alcance ou para determinar se um ato padece
de um vício suscetível de pôr em causa a sua validade, mas não cabe ao TJ fazer a aplicação do
direito neste tipo de processo, isso cabe ao Tribunal Nacional a partir do qual foi colocada a
questão do reenvio. Asssim:

• A aplicação é do tribunal nacional, do Tribunal a quo (de onde parte a questão do


reenvio);
• A interpretação/pronúncia sobre a validade é da competência do TJ

Isto significa que o TJ não se deve pronunciar sobre a aplicação, e habitualmente não o faz –
normalmente interpreta, por exemplo, um conceito, e depois diz que cabe ao Tribunal Nacional
saber e determinar se, naquela situação, aquele conceito com aquele sentido deverá ser
aplicado. Dá uma interpretação em abstrato, que depois caberá ao Tribunal Nacional
Concretizar.

No entanto, é verdade que, muitas vezes, há alguma fluidez, em que o TJ se pronuncia sobre o
Direito interno de modo indireto ou sobre essa aplicação, com formulações hipotéticas – não
dizendo diretamente como deve ser resolvida a questão, mas sendo a situação configurada do
modo como está a ser configurada no Tribunal Nacional, daí resultará uma determinada
consequência jurídica. Ao Tribunal Nacional caberá validar aquela relação.

7. O TJ tem ainda função supletiva

O TJ no reenvio interpreta ou pronuncia-se sobre a validade. Quando se pronuncia sobre a


validade, vai porventura declarar que um ato, um regulamento ou uma diretiva da UE padece
de um vício (de forma, substantivo…) que afeta a respetiva validade. Esta declaração não se
traduz numa anulação do ato, não o vai expurgar – é uma pronúncia no caso concreto que só
vale exatamente naquele caso concreto. Isto significa que se o Tribunal se pronunciar por esse
fundamento de invalidade, o Tribunal Nacional não deverá aplicar aquele regulamento ou
aquela diretiva naquele caso, mas aquele ato continua a vigorar no ordenamento jurídico até
que seja anulado. Ele, em princípio, não estará em condições de ser anulado em abstrato, daí
que em geral a solução seja através da revogação do ato pelos seus autores.

Efetivamente, a anulação dos atos da UE (que é um contencioso de


legalidade/constitucionalidade) é um contencioso muito restritivo, a vários tipos, desde logo, é
muito restritivo para os particulares, porque eles não podem recorrer de atos gerais e abstratos,
só podem recorrer dos atos que lhes dizem respeito. Portanto, há todo um conjunto de atos

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Sebenta Teórica de DUE II da Comissão de Curso de quarto ano da FDUP – Sílvia Moreira e Mariana Cruz

jurídicos, vinculativos, que produzem efeitos junto de terceiros, de particulares em geral, que
não podem ser objeto de um processo de anulação por esses particulares (só a Comissão ou os
Estados podem recorrer à sua anulação) – há aqui este limite.

O reenvio é efetivamente sucedâneo, porque num litígio a nível nacional, em que aquele ato de
que o particular não pôde requerer a anulação seja relevante para a solução do litígio, o
particular pode alegar junto do Tribunal Nacional que o ato não é válido ou que padece de um
vício que afeta a sua validade e, por esta via, o Tribunal coloca a questão ao TJ, que vai fazer
essa avaliação e controlo. É certo que daqui não vai resultar a anulação do ato, mas vai resultar
a sua anulação para o particular, se o Tribunal lhe der razão.

É isso que se quer dizer quando se refere essa função supletiva em relação ao recurso de
anulação, ao contencioso de legalidade e que, efetivamente, é muito relevante, por causa destas
limitações, porque em grande medida é o que resta ao particular na maioria das vezes (vincular
o Direito, esperar que haja uma decisão de sancionamento para impugnar a decisão de
sancionamento invocando a invalidade do ato que está na sua base).

Há parte da doutrina que defende que deveria ser criado uma espécie de recurso de amparo –
quando estivessem em causa direitos fundamentais, poder haver sempre um recurso de
anulação com base no amparo da tutela de Direitos Fundamentais, independentemente da
natureza do ato.

Assim, a função supletiva permite ter uma via complementar ao recurso de anulação, que é
sobretudo importante para os particulares, porque efetivamente eles têm uma legitimidade mt
restrita para aceder à tutela do TJ e, por esta via, têm uma outra hipótese.

Questão Prejudicial
A questão prejudicial tem de dizer sempre respeito ao DUE, mas é algo que será definido pelo
Tribunal Nacional, que tem uma soberania sobre isso. Portanto, cabe ao juiz nacional formular
a questão com inteira liberdade. Isto não significa, no entanto, que o TJ não possa ter um papel
modelador e, nomeadamente, o TJ já reformulou questões de modo a torná-las efetivamente
úteis, quando entendeu que o juiz nacional não as tinha formulado devidamente, não tinha sido
suficientemente claro. Em princípio, ele vai ater-se e acompanhar o pedido nacional. Por vezes,
a questão prejudicial inclui também questões com natureza subsidiária, o tribunal faz uma
primeira questão e depois faz uma segunda, cuja resposta depende da resposta dada à primeira.

A questão tem de ser pertinente, relevante para solução do litígio que está perante o juiz
nacional. Isto quer dizer que não podem os Tribunais Nacionais colocar questões meramente
hipotéticas, abstratas, tem de haver uma relação com o objeto do litígio. O TJ não vai contrariar
o juiz nacional, a não ser que se aperceba que a questão não é efetivamente pertinente – há
uma presunção de pertinência pelo simples facto de ser apresentada, mas última palavra cabe
ao TJ, que pode, através da informação que chega a si no processo, perceber que a questão não
tem relação com litígio, ou até que não existe litígio (ex.: Caso Foglia Novello, em que o Tribunal
concluiu que não havia litígio entre as partes e que elas tinham simulado um litígio entre si, para
colocarem questões junto do Tribunal Nacional e obterem uma resposta do TJ).

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Sebenta Teórica de DUE II da Comissão de Curso de quarto ano da FDUP – Sílvia Moreira e Mariana Cruz

O reenvio também não tem por objeto a interpretação do direito nacional, embora o TJ
também tenha muitas vezes de a fazer. O TJ, quando se pronuncia sobre a interpretação do
direito nacional, pronuncia-se sempre sobre 2 formas:

1. Assumindo a interpretação do Tribunal Nacional, respondendo de acordo com ela;


Ex.: imaginemos que a questão colocada é saber se a interpretação do DUE é
incompatível com uma norma nacional – aqui é importante saber o sentido da norma
nacional.
2. Ou o TJ dá ele próprio uma interpretação hipotética e aí caberá ao juiz nacional
estabelecer se aquela interpretação é aquela que faz sentido ou tem lugar.

O TJ nunca se pronuncia diretamente sobre validade do direito nacional, mas sempre por uma
via hipotética ou formulada pelo próprio Tribunal Nacional.

A questão tem de ter informação suficiente para que o Tribunal se possa pronunciar. Se não for
suficiente, se o TJ precisar de informação suplementar para se poder pronunciar, então solicita
ao Tribunal nacional mais informações, mas se o Tribunal nacional não lha der e o TJ entender
que não ter condições para responder à questão, aí não se pronunciará.

Pode haver questões complementares, em situações mais complexas, inovadoras. Aí, o juiz
nacional coloca determinadas questões, o TJ responde, juiz nacional vai receber essa resposta e
utilizá-la e a resposta pode suscitar novas questões, caso em que o juiz nacional se pode dirigir
uma segunda vez ao TJ, colocando questões complementares.

Ex.: Caso Gauweiler


Diz respeito à União Económica e Monetária e à decisão do Banco Central Europeu
relativamente a compras no mercado secundário de dívida. É o primeiro caso em que Tribunal
Constitucional Alemão fez ele próprio um reenvio e questiona o TJ sobre aquilo que o
Supremo Tribunal Administrativo considerava atos do Banco Central Europeu contrários ao
Tratado, em matéria da União Económica e Monetária.

Devemos ainda falar da questão de usurpação do tribunal de recurso. Esta faculdade de o


Tribunal nacional colocar questões não pode ser posta em causa por outro tribunal nacional,
ainda que em sede de recurso. Não significa isto que a questão prejudicial não possa ser
prejudicada por um recurso do qual resulte, desde logo, a anulação do despacho do juiz que
decidiu fazer reenvio. Mas, se isto é legítimo, o seu fundamento não pode ser a falta de
pertinência da questão, não pode ser uma reapreciação da decisão do juiz, porque esta é uma
faculdade dada pelo Tratado a todos os juízes e que não pode ser posta em xeque pelo direito
nacional ou por decisões de tribunais superiores.

O fundamento da invalidade pode ser outro, o que nunca pode ser é o tribunal superior
entender que essa questão não se justifica, não é legítimo. Não pode haver controlo por parte
do tribunal superior sobre a pertinência da questão prejudicial, esse controlo, além do próprio
tribunal na sua autodeterminação, só cabe ao TJ. Se um tribunal o fizer, está a fazê-lo em
violação do Tratado, está a usurpar uma função que é sua.

23/02/2023

Em princípio, cabe ao Tribunal Nacional que faz o reenvio o exclusivo da definição das questões
e da determinação da sua pertinência, da sua utilidade para o processo. Isso significa que haverá
uma presunção de pertinência a partir do momento em que as questões são colocadas, que

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Sebenta Teórica de DUE II da Comissão de Curso de quarto ano da FDUP – Sílvia Moreira e Mariana Cruz

pode, no entanto, ser afastada pelo próprio Tribunal de Justiça, se este puder concluir, a partir
da informação que recolhe com o próprio reenvio pelo TN, que a questão não é pertinente, seja
porque o litígio é fictício, seja porque as questões colocadas não são úteis para o caso que está
a correr no TN, ou seja ainda porque as questões são simplesmente hipotéticas (estando a
decorrer um caso que é real, são colocadas questões de direito hipotéticas e não relacionadas
com o caso em apreço).

Se o Tribunal de Justiça concluir que está perante alguma destas situações, nomeadamente nas
questões que poderão não estar devidamente formuladas, o próprio tribunal pode reformulá-
las – perante as questões nacionais, o Tribunal, apercebendo-se de que o modo como elas estão
formuladas ou de que os pontos mencionados não são adequados, ele pode reformular a
questão de modo a que ela possa ser útil para o juiz nacional.

O que efetivamente não pode acontecer? Se é verdade que a decisão de efetuar o reenvio pode
ser objeto de recurso a nível interno, e isso pode vir a impossibilitar que processos de reenvio
possam correr junto do Tribunal de Justiça, dando lugar a cessação do processo junto do TJ, a
verdade é que o fundamento desse recurso não pode incidir sobre a pertinência da questão
(apesar de poder ter a ver com outros aspetos, relacionados com o próprio processo a nível
nacional). Essa avaliação cabe tão só, em primeiro lugar, ao juiz que faz o reenvio e, em segundo
lugar, ao Tribunal de Justiça, não podendo vir um outro Tribunal ou outro juiz nacional avocar
essa competência, substituindo-se quer ao juiz que fez este reenvio quer ao TJ.

É possível que haja sucessivas questões prejudiciais colocadas no mesmo processo (apesar de
não ser frequente) – depois de colocar determinadas questões, o juiz nacional volta a colocar
questões complementares porque entende, por exemplo, que a reposta não foi suficientemente
esclarecedora, ou eventualmente surgiram novos elementos no decurso do processo nacional
que vieram levantar novas dúvidas, e isso é possível. Não há uma limitação quanto às questões
colocadas pelo juiz nacional e, em última instância, caberá ao TJ decidir se as questões são
fundamentadas ou não, não ficando obrigado a respondê-las se não as considerar pertinentes.

Os dois tipos de reenvio:


O art. 267º do TFUE refere que as questões prejudicais podem ser colocadas em relação à
interpretação dos tratados e atos adotados pelas instituições e outros órgãos e organismos da
União e podem dizer respeito à validade. Assim, fundamentalmente, o processo de reenvio tem
2 objetos, sendo que as normas sobre as quais pode incidir um ou outro são distintas:

1. Interpretação

Há uma diferença fundamental no âmbito normativo, que é muito mais vasto na interpretação
– as questões respeitantes à interpretação, à determinação do sentido do enunciado normativo
podem incidir sobre qualquer tipo de ato jurídico, podendo incidir sobre:

• Direito primário – tratados institutivos, protocolos, anexos, tratados de revisão, atos


de adesão e ainda sobre um tipo de fonte não escrita, que também se qualifica como
direito primário, que são os princípios gerais de direito, sejam aqueles que têm origem
nos Estados-Membros (por exemplo, princípios gerais de direito resultantes das
tradições constitucionais comuns aos Estados-Membros – art. 6º TUE) sejam princípios
gerais de direito formulados pelo próprio TJ (efeito direto, primado, etc. – princípios

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Sebenta Teórica de DUE II da Comissão de Curso de quarto ano da FDUP – Sílvia Moreira e Mariana Cruz

elaborados pelo próprio Tribunal). Todas essas fontes podem ser objeto de reenvio para
determinar sentido e o alcance dessa mesma norma.

• Direito Secundário/Derivado Unilateral – surge explicitamente no art. 267º do TFUE,


quando se refere aos “atos adotados pelas instituições, órgãos ou organismos da
União”; falamos de todos os atos, incluindo aqueles que não estão tipificados no
Tratado. Incluem-se aqui os atos das Instituições, órgãos e organismos da EU,
tipificados e não tipificados, sem efeitos jurídicos obrigatórios e os atos da PESC.
Aqueles que estão tipificados são os previstos no art. 288.º do TFUE: regulamentos,
diretivas, decisões, recomendações e pareceres, e ainda as estratégias. Mas aqui
também estão abrangidos outros atos não tipificados como as resoluções do Conselho,
declarações internas institucionais, que se reconduzem à categoria de soft law, deles
não decorrendo regimes jurídicos vinculativos, mas podendo produzir efeitos jurídicos
nomeadamente interpretativos (ser um elemento que concorre para interpretação de
outros atos).
A grande controvérsia era saber se seria possível fazer reenvios para a interpretação de
disposições adotadas no âmbito da PESC – imaginemos decisão do Conselho no âmbito
da PESC, em que o Conselho adota uma determinada posição face a uma realidade
externa ou uma situação internacional, ou em que determina uma ação a desenvolver
no quadro externo em relação a situações de conflito. Atendendo a que os atos
adotados pelas instituições no âmbito da PESC não podem ser objeto de controlo de
legalidade pelo TJ (artigo 40.º do TUE exclui essa competência do TJ e o art. 275º do
TFUE faz referência à competência do TJ no âmbito da PESC apenas em relação aos atos
dirigidos ou que produzam efeitos diretos sobre a esfera jurídica dos particulares,
admitindo que esses particulares podem recorrer de atos adotados no âmbito da PESC
que os afetam diretamente, limitando a jurisdição do TJ no âmbito do controlo de
legalidade a esta situação), havia a controvérsia sobre se poderia um Tribunal Nacional
colocar questões relativamente à interpretação de atos da PESC.
Surgiram várias posições contraditórias, havia quem dissesse que sim outros que não,
nomeadamente fazendo uma interpretação menos restritiva daquela limitação prevista
no TUE relativamente à Jurisdição do TJ.
O TJ veio esclarecer em sentido positivo no caso P. C-72/15, dizendo que podem os
Tribunais Nacionais efetuar reenvio para a interpretação de atos da PESC e, se é
verdade que os atos da PESC não podem ser objeto de controlo de legalidade (exceto
nas condições do art. 275º), todos os atos da PESC podem ser sujeitos a uma
apreciação da sua respetiva interpretação pelo TJ.

• Direito Secundário/Derivado Convencional – refere-se aos acordos internacionais


celebrados pela UE com Estados terceiros ou Organizações Internacionais. Em relação
a estes, efetivamente também eles podem ser objeto de reenvio para interpretação,
mas com limitação.
O reenvio apenas pode incidir sobre aquilo que, no âmbito dos acordos internacionais,
diz respeito à própria competência da UE. Aqui temos de distinguir os acordos – no
âmbito da competência internacional da União Europeia, no âmbito das suas respetivas
competências exclusivas, se ela tem uma competência exclusiva na esfera interna,
então terá, correspondentemente, uma competência exclusiva na esfera externa.
Assim, neste quadro, obviamente que não há aqui qualquer outro sujeito no âmbito

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Sebenta Teórica de DUE II da Comissão de Curso de quarto ano da FDUP – Sílvia Moreira e Mariana Cruz

europeu para alem da própria UE, não há dúvidas sobre o alcance genérico da
competência do TJ.
No entanto, temos outro tipo de acordos, acordos mistos, o que significa que incidem
sobre matérias nas quais a União não tem competência exclusiva, podendo ser acordos
sobre competências partilhadas (e nesse caso são acordos que ficam fora do âmbito
determinado no art 3º nº2 do TFUE, que determina que, verificadas as condições
previstas, mesmo em matérias que sejam de competência partilhada (nos domínios do
art. 4º), só a UE tem competência externa exclusiva – princípio da preempção).
A jurisprudência do Tribunal, até ao Tratado de Lisboa, foi resolvendo esta questão,
porque poderíamos admitir que, num acordo internacional que abrange matéria que é
competência partilhada, de acordo com o art. 4º, mas na qual a UE já adotou legislação,
ainda que os Estados mantenham competências porque a União não legislou
globalmente, podíamos admitir que tivessem que intervir simultaneamente a União
Europeia e os Estados, nomeadamente porque os Estados continuariam a manter
legitimidade no âmbito que não estava amplamente objeto da União Europeia.
O que jurisprudência do Tribunal veio a fazer ao longo do tempo e o art. 3º n.2 faz é
estabelecer um conjunto de condições em que isto não é assim: apesar de a UE não ter
coberto um determinado setor globalmente e, por isso, os Estados ainda manterem
competências, só a União poderá adotar ou entrar em acordos internacionais naquela
matéria, de modo a precaver riscos futuros (o próprio ato interno de legislação da
União prevê isso mesmo) ou porque isso é necessário para assegurar coerência e
impedir que, no futuro, a União Europeia fique de alguma forma impedida de adotar
legislação.
Estas razões justificam que, mesmo em matérias que são competência partilhada em
que a UE não esgotou totalmente o exercício da competência num determinado
domínio e os EM ainda mantêm a competência nesse domínio, num quadro externo,
nas relações com terceiros, só a União será competente, portanto os Estados não
poderão exercer essa competência – aqui temos uma situação de competência
exclusiva da UE apenas em matéria externa.
Se não existisse o art. 3º n.2, poderíamos estar em situações de um acordos mistos –
em situações de competências partilhadas em que não se verifiquem esses requisitos
do art. 3º n.2 ou em situações em que um acordo internacional abrange
simultaneamente competência que são da União e competências próprias dos Estados-
Membros, que não foram atribuídas à UE, então esse acordo internacional que tem
esse âmbito alargado tem necessariamente de ser celebrado simultaneamente pela
União Europeia e pelos Estados-Membros.
Nessa situação (que não é assim tão frequente, porque, por causa do art. 3º n.2 a UE
acaba por ter, em grande medida, uma elevada competência exclusiva na esfera
externa, bem para além das competências exclusivas na esfera interna), se for o caso
de se tratar de um acordo que não cai no âmbito do art. 3º n.2 ou de um acordo que
envolva simultaneamente matérias que são da competência própria dos Estados, então
aí teremos necessariamente um acordo misto – isto significa que, do lado externo,
estará um Estado ou Organização Internacional e, do lado europeu, teremos a União e
os Estados-Membros. O acordo só será validamente celebrado se todos participarem,
se todos forem parte.
Neste caso, a interpretação a que pode ser chamado o TJ em sede de reenvio só incidirá
sobre a parte que diz respeito às competências da União Europeia, não ao restante –
portanto, não àquilo que diz respeito à parte terceira, ao(s) parceiro(s) externo(s), nem

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Sebenta Teórica de DUE II da Comissão de Curso de quarto ano da FDUP – Sílvia Moreira e Mariana Cruz

àquilo que diz respeito à competências próprias dos Estados-Membros, porque se não
isso seria interpretar direito interno dos Estados.
Por vezes, para que não se levantem controvérsias e dificuldades, o Conselho decide
que o acordo será misto, mesmo que pudesse incidir sobre matérias que seriam da
União, há uma decisão política de que também os Estados participarão.

Devemos ter sempre presente que a competência do Tribunal se limita àquilo que diz respeito
ás competências da União Europeia, não àquilo que é próprio da competência dos Estados. Da
mesma forma, o TJ não interpreta o acordo com eficácia extraterritorial, isto é, não
interpretando os compromissos assumidos pelo parceiro externo.

O TJ pode ser chamado a interpretar os seus próprios acórdãos, a sua jurisprudência – é possível
que um tribunal, entendendo que há uma jurisprudência anterior do TJ que é relevante e que
considera ambígua, queira ver esclarecida a sua dúvida.

2. Validade do DUE

No reenvio de validade, o que o juiz nacional questiona ao TJ é se determinada norma de DUE


padece de um vicio que afeta a respetiva validade. A validade pode incidir sobre todo um ato
jurídico ou apenas sobre uma disposição em particular, se o vicio se limitar a essa mesma
disposição. Aqui só podem ser objeto desta dúvida sobre a validade os atos de direito
secundário, porque direito primário está imune a questões de validade, dada a sua natureza de
tipo constitucional. Pode haver questões que se suscitem à luz do direito nacional, por exemplo,
mas essas não são dúvidas sobre a validade dos tratados, mas são sim sobre compatibilidade,
não pondo em causa a validade do tratado. Na medida em que o tratado tenha sido objeto de
acordo, assinatura, ratificação, não pode ser posta em causa a sua validade por uma questão
nacional. As questões só podem incidir sobre atos de instituições, órgãos ou organismos da UE
(caso das agências), incluindo a decisão de rever um tratado.

Os tratados estão isentos de qualquer apreciação de validade, mas há uma situação em especial
que tem a ver com o facto de a revisão ordinária dos tratados se fazer ela própria através de um
tratado, que obedece às mesmas regras. O Tratado de Lisboa vem prever uma outra forma de
revisão simplificada, no art. 42º, que tem lugar através de aprovação do Conselho Europeu e
que não pode incidir sobre todas as matérias, mas apenas sobre a parte III do TFUE –
essencialmente sobre as políticas comuns, desde o mercado interno, passando pelas restantes
políticas como a concorrência, mas não pode incidir sobre PESC, cidadania da União, disposições
fundamentais, etc.

Nas restantes matérias pode haver uma revisão simplificada, que passa por um acordo por
unanimidade no Conselho Europeu, não tendo lugar uma negociação diplomática. É uma forma
de revisão interna, por ser mais simples, mas ainda assim está sujeita a um procedimento de
aprovação ou ratificação interna dos Estados, de acordo com os requisitos constitucionais –
não basta a aprovação pelo Conselho Europeu, é necessário que seja aprovada, por exemplo,
pelo Parlamento nacional, não é totalmente interna, tem esta segunda dimensão, que pode ser
variável consoante a própria Constituição.

A sua Constituição pode determinar que esta revisão seja sujeita a um processo simplificado de
aprovação. Na nossa Constituição, os acordos bastam-se com a aprovação pelo Governo ou pela

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AR, não estão sujeitos a ratificação pelo Presidente da República; se for um tratado solene, já
está sujeito a ratificação pelo PR – isto é uma questão exclusivamente interna.

Esta decisão de revisão simplificada está sujeita a uma apreciação por parte do TJ e, portanto,
pode também ser sujeita a um reenvio para a apreciação, pronúncia, sobre respetiva validade,
porque pode efetivamente ser inválida, pode não ter respeitado as regras previstas no art. 48º
e, nesse sentido, pode ser objeto também do reenvio para apreciação da validade – foi o que
aconteceu no caso Pringle.

Ex.: Caso Pringle


O sr. Pringle, irlandês, entendeu que houve uma revisão feita a um Tratado que alargava de
forma indevida as competências do Banco Central Europeu e veio a destilar essa mesma
revisão junto do Tribunal Irlandês, que fez reenvio para o TJ – o TJ admitiu esse reenvio, fez a
análise e pronunciou-se pela validade do Tratado.

O que é que se exclui? Exclui-se a admissibilidade da questão sobre a validade quando o


particular podia ter impugnado o ato junto do TJ. Foi já dito que o reenvio tem uma função
supletiva, é um mecanismo que também serve, de alguma forma, para complementar as
restrições colocadas no acesso ao Tribunal de Justiça aos particulares, permitindo, de alguma
forma, uma defesa dos particulares em situações em que eles não poderiam impugnar um ato
junto do TJ por não preencherem os requisitos previstos no art. 263º do TFUE.

Invertendo esta lógica, o Tribunal entendeu que, se um particular preenchia as condições e


podia ter impugnado um determinado ato relativo a uma decisão que lhe era dirigida junto do
TJ, então essa questão sobre validade da decisão, que ele podia ter impugnado, de acordo com
o art. 263º, mas que não impugnou, não pode ser suscitada novamente junto do Tribunal
Nacional pelo particular. Isto tem a ver com a lógica de complementaridade, porque seria uma
espécie de tentativa para contornar as condições previstas para o recurso de anulação.

Se a questão da validade disser respeito a um ato dirigido a um particular, não é legítimo que,
num litígio nacional, essa mesma questão seja colocada, porque ela já podia ter sido objeto de
impugnação junto do TJ.

Outra questão que foi duvidosa: quando falamos de validade do ato, o art. 263º do TFUE
determina que os recursos de anulação só podem ter por objeto atos que produzam efeitos
jurídicos vinculativos externos quando falamos de particulares. A questão que se coloca é que,
dado que o art. 267º não diz o que diz o art. 263º (que faz esta referência aos atos que produzam
efeitos vinculativos), então, visto que o art. 267º não restringe, será de admitir que se coloquem
questões sobre a validade de atos que não são atos com efeitos jurídicos vinculativos. Qual a
importância disto, visto que não trazem efeitos jurídicos obrigatórios?

Pode ser relevante porque, apesar de não ter efeitos jurídicos obrigatórios, não são destituídos
de relevo jurídico, desde logo, podem ter um caráter interlocutório e, portanto, pode ter
interesse perceber e ter um esclarecimento sobre a respetiva regularidade, ainda que esses atos
sejam preparatórios de outros, esses sim os atos jurídicos vinculativos.

Por outro lado, não deixam de se levantar questões jurídicas que são importantes de serem
esclarecidas pois, mesmo que não tenham efeitos jurídicos vinculativos, podem ser atos
relevantes para a interpretação de outros atos e, por essa razão, pode ser importante
determinar se eles efetivamente são regulares, conformes ao Direito, porque se não o forem,
não poderão ser utilizados nomeadamente como parâmetros de interpretação, por exemplo.

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Sebenta Teórica de DUE II da Comissão de Curso de quarto ano da FDUP – Sílvia Moreira e Mariana Cruz

Ex.: quando falamos numa resolução, é um ato que não é vinculativo, mas que apresenta uma
determinada tomada de posição ou orientação e, se esse ato padecer de um vício, não tiver
sido objeto de uma deliberação conforme, isso será importante, porque obviamente não
poderá ser analisado como um elemento de interpretação para uma apreciação de um outro
ato, de uma determinada posição que se lhe tenha seguido.

A validade pode versar ainda sobre atos de Direito secundário convencional.

Quando falamos de atos de Direito secundário convencional, atos internacionais celebrados


pela UE com sujeitos terceiros, devemos ter alguma cautela, porque é verdade que o TJ se pode
pronunciar sobre a respetiva compatibilidade com o DUE, mas esses atos enquanto tal (o acordo
internacional) não podem ser invalidados pelo Tribunal de Justiça – ele pronuncia-se sobre
compatibilidade desse ato com o Direito da União, nomeadamente com os Tratados ou com os
Princípios Gerais de Direito, mas não se pode pronunciar sobre a validade das suas disposições,
no sentido de que elas sejam nulas. Daí resultará que o ato não poderá ser aplicado no espaço
da UE, mas isso não o torna inválido, porque a sua validade resulta e tem de ser estruturada à
luz do Direito Internacional. Aí haverá risco de responsabilidade da União, por incumprir o
acordo internacional, de onde decorrerão prejuízos para Estados terceiros ou particulares.

Nos atos convencionais, para além do acordo, temos um outro ato – o acordo tem de ser, antes
da respetiva celebração, objeto de decisão interna da competência do Conselho.

No âmbito da competência internacional, a Comissão Europeia propõe ao Conselho iniciar


negociações com determinado parceiro internacional, o Conselho delibera sobre ela e aceita a
proposta e mandata a Comissão para iniciar as negociações internacionais. Cabe à Comissão
fazer a negociação do acordo internacional, de acordo com as diretrizes do Conselho; a CE
negoceia o acordo, chega ao acordo final e esse acordo tem de ser objeto de decisão de
aprovação pelo Conselho, é ao Conselho que cabe a decisão de aprovação, que depois vai ser
seguida pela assinatura do acordo internacional pelo Presidente do Conselho.

Esta decisão de aprovação do Conselho é um ato unilateral e pode padecer de vícios,


nomeadamente formais, então pode ser objeto de impugnação, porque é um ato unilateral do
Conselho, não se confundindo inteiramente com o acordo internacional. Quando falamos do
direito secundário nos casos da decisão, ela não é convencional, e pode por si só ser objeto de
impugnação – aqui aplica-se o regime normal de direito unilateral.

Contudo, quando falamos de direito convencional, falamos de um acordo na sua substância,


sobre o qual o TJ se pode pronunciar relativamente à respetiva compatibilidade com o tratado
e entender que não é compatível – daqui vai resultar a sua não aplicação no espaço da União,
há uma ineficácia, mas isso não significa a sua invalidade, porque do ponto de vista internacional
a União continua vinculada a ele até que consiga, em sede de recurso, uma renegociação,
modificação do acordo para o tornar compatível ou a desvinculação do acordo (e isso não pode
ser feito unilateralmente nem resulta da decisão do TJ). Aqui, o risco é a responsabilidade
internacional da União Europeia, se a UE não pode aplicar um acordo internacional ao qual está
vinculada no espaço europeu, obviamente será de deduzir que isso se vai traduzir num
incumprimento desse acordo, do qual resultarão previsivelmente prejuízos para o Estado
Terceiro ou Organização Internacional, ou até para particulares (e neste caso o seu respetivo
Estado pode assumir essa defesa, responsabilizando a UE).

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Artigo 267º – “Órgão Jurisdicional”


O reenvio é um mecanismo de diálogo entre os tribunais nacionais e o Tribunal de Justiça – o
art. 267º não fala em Tribunal, mas sim em órgão jurisdicional. Quando falamos desse conceito,
falamos de um conceito da UE e que não tem de haver coincidência com esse mesmo sentido e
alcance do conceito no Direito interno dos estados. Tem sentido próprio, que é aquele que cabe
ao Tribunal, em primeira instância, interpretar, e que o deverá ser num sentido que esteja
sistematicamente determinado, à luz do Tratado e do sistema jurídico da União Europeia.

Para o TJ, “órgão jurisdicional” será qualquer entidade, órgão, a quem cabe dizer o Direito, a
resolução de litígios de acordo com o Direito, e distingue-se do conceito reconhecido no nosso
sistema jurídico de Tribunal. São órgãos jurisdicionais, além dos Tribunais, por exemplo os
Tribunais Arbitrais ou os quadros de arbitragem. Este conceito não é necessariamente aquele
que encontramos reconhecido pelo TJ.

De facto, este conceito reconduz-se aos conceitos de órgão judicial ou tribunal, ainda que haja
algumas nuances. Este conceito tem sido objeto de reiteração, ainda que em alguma situações
o TJ tenha tido alguma flexibilidade.

Os critérios utilizados pelo Tribunal, na jurisprudência Vaassens-Göbbels, correspondem àquele


que é conceito de Tribunal que conhecemos. É um órgão dotado de autoritas para dizer o
Direito, mas isso advém, desde logo, das seguintes características:

1. Tem de ser um órgão com origem legal, tem de ser criado por lei anterior ao litígio e
ao exercício das respetivas competências;

2. Tem de ser permanente e ter jurisdição obrigatória – não pode ser um órgão ad hoc,
criado para uma determinada situação temporária e tem de ter jurisdição obrigatória,
no sentido em que não podem as partes num litígio eximir-se à sua jurisdição;

3. O processo tem de respeitar o contraditório – não pode ser um órgão com uma
natureza inquisitorial, mas tem de ser um órgão no qual a apreciação da causa feita seja
com a participação das partes em situação de tendencial igualdade, no sentido de
poderem apresentar argumentos, provas, etc.

4. Tem de ser independente e imparcial – apesar de normalmente a distinção entre


independência e imparcialidade ser comum, o TJ reconduz os dois conceitos ao
conceito de independência, dividindo-o entre:

a. Independência externa – a independência verdadeiramente do órgão) e

b. Independência interna – que corresponde à imparcialidade e tem a ver com os


interesses em conflito em concreto.

A independência advém de um estatuto dos juízes no qual estes decidem de


acordo com a lei, sem estarem sujeitos a qualquer condicionamento externo,
incluindo hierárquico, e a imparcialidade diz respeito a uma situação de isenção,
de não ligação com os interesses ou com as partes em conflito.

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5. Terá de ser um órgão que decida de acordo com direto estrito, de acordo com as
normas e não de acordo com equidade (julgar segundo o “direito estrito”).

Tendencialmente, quando órgão é um Tribunal, corresponderá a estes requisitos. Contudo, o TJ


já entendeu que mesmo um órgão jurisdicional neste sentido, um Tribunal que preencha todos
estes requisitos pode, numa determinada situação, não estar habilitado a colocar questões
prejudicais, nomeadamente porque os tribunais não exercem só funções de natureza judicial,
mas exercem também funções por vezes de natureza administrativa, dependendo dos
ordenamentos jurídicos. Se o tribunal estiver a exercer funções que se qualifiquem como
sendo de título administrativo, não estando a decidir sobre um litígio entre partes à luz do
Direito, então nesse caso não poderá colocar questões prejudiciais.

Ex.: homologação de estatutos de sociedades – P. C-111/94, n. 11.

Por outro lado, estas questões também se colocaram quanto a ordens profissionais,
nomeadamente porque estas por vezes têm também competências de tipo jurisdicional – têm
órgãos a quem cabe aplicar o Direito e com competência de tipo contencioso. O TJ tem excluído,
em princípio, as ordens profissionais, mas tem admitido situações em que um órgão de uma
ordem profissional possa desempenhar uma função de tipo jurisdicional, em que a competência
exercida se reconduz aos critérios referidos e, verificando-se esses critérios, o importante não
será o estatuto do órgão, mas sim efetivamente a natureza da sua competência e os termos em
que as exerce.

O mesmo se poderá dizer quanto a órgãos da Administração Pública com funções de tipo
jurisdicional – acontece, por exemplo, com a Autoridade Tributária, que tem funções de
natureza contenciosa. Isto vale igualmente quanto a entidades reguladoras. O TJ não tem uma
jurisprudência que seja absolutamente clara quanto a estas situações ambíguas.
Fundamentalmente, e desde que seja um estatuto determinado por lei, cumpridos os requisitos
apontados, o Tribunal não considera determinante que se trate ou não de uma entidade com
um estatuto formal de natureza administrativa.

Relativamente aos quadros de arbitragem, em princípio e à luz destes critérios, os árbitros não
são órgãos jurisdicionais, desde logo porque a arbitragem é sempre facultativa, e a competência
dos árbitros do Tribunal Arbitral é determinada pelas próprias partes, que lhe atribuem a
competência no litígio ou de modo ad hoc (pó-litígio) ou no próprio contrato, não
correspondendo em princípio aos requisitos necessários. Quanto a julgar segundo acordo
estrito, isso dependerá do próprio acordo de arbitragem. À partida excluiremos a arbitragem
deste conceito de órgão jurisdicional, mas o TJ já admitiu que há determinado regimes de
arbitragem que se poderão incluir no conceito de órgão jurisdicional, e fez isso em particular no
caso português, nomeadamente no âmbito das competências de arbitragem no Direito
Administrativo – nestes casos, ele poderá fazer reenvio para o TJ. Admite-se que quadros de
resolução de litígios em arbitragem possam incluir-se no conceito de órgão jurisdicional, o que
significa que aquela composição arbitral pode fazer reenvios prejudiciais para o TJ – tem de ser
criado por lei e, em certa medida, a sua jurisdição tem de ser obrigatória, na medida em que o
particular pode fazer essa escolha e a outra parte, se ela for feita, não a pode recusar.

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Reenvio Facultativo e Reenvio Obrigatório


No art. 267º § 2 e 3 faz-se a distinção entre reenvio facultativo e reenvio obrigatório:

“Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada perante qualquer órgão jurisdicional
de um dos Estados-Membros, esse órgão pode, se considerar que uma decisão sobre essa
questão é necessária ao julgamento da causa, pedir ao Tribunal que sobre ela se pronuncie.

Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada em processo pendente perante um
órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam suscetíveis de recurso judicial previsto
no direito interno, esse órgão é obrigado a submeter a questão ao Tribunal.”

Nesta matéria, importa fazer alguns esclarecimentos:

Quando no terceiro parágrafo se diz “recurso”, refere-se ao recurso ordinário, e não os recursos
extraordinários como o recurso de revisão de sentença – desde que haja ou não recurso
ordinário, falamos de recurso para reforma da decisão.

A outra questão, ainda no terceiro parágrafo, tem a ver com o que significa esta não existência
de recurso: aqui podemos ter duas orientações:

• Podemos utilizar critério orgânico


• Ou um critério material

Há efetivamente órgãos jurisdicionais, Tribunais de Estados de cujas decisões não haverá


recurso porque essas instâncias situam-se no topo da organização judiciaria, estamos a falar de
Tribunais superiores. Se utilizarmos um critério orgânico, veremos que só em relação a estes
tribunais se verifica esta condição. A questão é que há inúmeros processos em que mesmo
decisões de Tribunais que não sejam de última instância não são passíveis de recurso ordinário,
seja pelo valor da causa, seja porque as próprias leis processuais determinam que certas
questões não ultrapassam a segunda instância.

Se utilizássemos apenas um critério orgânico, estes tribunais não estariam obrigados a fazer
reenvio, porque organicamente não pertenciam à pirâmide judiciária. Contudo, se utilizarmos
um critério material, aí essa apreciação far-se-á no caso concreto, e podemos concluir que
mesmo num processo que não tenha alçada para recorrer para um tribunal de segunda
instância, já se verifica situação de não ser passível de recurso, e por isso esse reenvio para esse
tribunal vai ser obrigatório.

Há argumento a favor do critério orgânico – admitir o critério material seria admitir que o TJ
pudesse ser inundado de questões prejudicais com menor importância, menos significativa.

Por outro lado, habitualmente estes limites são limites que têm na sua base o valor pecuniário
da causa, e isso seria, de alguma forma, condicionar a importância do Direito a aspetos
meramente pecuniários ou financeiros, o que não será legítimo – há inclusive acórdãos muito
relevantes no quadro do Direito da UE cujo valor para efeitos da alçada do processo era
insignificante.

Ex.: Um dos casos mais conhecidos é o caso Costa ENEL, que surge como um caso de não
pagamento de uma fatura da luz e o valor, de um ponto de vista atualizado, era quase de 1€,
era insignificante, e o caso é fundamental para o Direito da União e para a afirmação do seu

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valor – segue um critério material e não um critério orgânico, porque a importância das
questões não pode depender do valor da causa para efeitos de recurso.

O entendimento do Tribunal de Justiça aponta para o critério material e a questão será


apreciada essencialmente à luz do processo concreto. O reenvio será facultativo quando
naquele litigio as partes ainda tenham a possibilidade de recorrer da decisão que venha ser
adotada pelo tribunal ou não tenham a possibilidade de recorrer.

Em alguns ordenamentos jurídicos e situações, a admissibilidade de recurso está sujeita a


aceitação da parte do Tribunal Superior, que irá admitir ou não o litígio – nessa situação, em
abstrato, o ordenamento prevê a possibilidade de recurso, mas sujeita essa admissibilidade à
verificação de um conjunto de circunstâncias e condições que terão de ser verificadas, seja pelo
Tribunal a quo, seja pelo Tribunal de recurso.

Nessas condições, o TJ veio a admitir que tal poderá ser relevante mas, de alguma forma, veio a
considerar que, se em abstrato se admite o recurso, então, em principio, o tribunal a quo não
estará obrigado a fazer o reenvio, mesmo que haja condições para isso. Sempre que Tribunal de
Justiça entende que o Tribunal a quem cabe fazer essa apreciação deverá ter em conta, nessas
condições, a questão respeitante ao reenvio e ao Direito da UE e, portanto, se há dúvidas sobre
a interpretação do DUE, então isso deverá ser considerado para admitir o recurso, porque
dessa forma irá garantir-se que ainda há possibilidade de reenvio, porque se isso não for tido
em conta já será de pensar que o Tribunal a quo será obrigado a fazer o reenvio – é isso que
resulta desta orientação do TJ.

A própria decisão de reenvio pode ser objeto de recurso, ela própria, e isso afetará o processo
de reenvio se a decisão objeto de recurso vier a ser anulada, que não poderá continuar.
Recebendo o TJ a informação que a decisão de efetuar reenvio foi objeto de recurso e anulada,
há uma extinção oficiosa do próprio processo de reenvio, mas, ainda assim, o que o Tribunal de
Justiça veio dizer foi que tal é legitimo, mas não se pode admitir que esse recurso diga respeito
à pertinência da questão, pode ter outros fundamentos, mas a pertinência da questão não, pois
esta caberá em primeira linha ao juiz nacional que faz o reenvio e em segunda linha ao TJ, num
ponto de vista de controlo.

A jurisprudência “corretiva” do TJ:

O que vimos acontecer é uma jurisprudência corretiva do TJ, em parte condicionada pelas
reticências dos tribunais nacionais.

Esta jurisprudência que consagrou a teoria do ato aclarado e a teoria do ato claro tem relevo
em relação ao reenvio que seria obrigatório, isto é, em relação a questões colocadas em
processos em que não haveria recuso e por isso o reenvio seria obrigatório.

Caso Da Costa
No caso “Da Costa”, nos anos 60, a questão que se suscitou tinha a ver com o facto de já ter
havido jurisprudência do Tribunal sobre as questões a colocar, a dúvida que se colocava já
tinha sido objeto de apreciação por parte do Tribunal.

30
Sebenta Teórica de DUE II da Comissão de Curso de quarto ano da FDUP – Sílvia Moreira e Mariana Cruz

O TJ entendeu que, se já tiver havido uma apreciação pelo Tribunal na interpretação daquelas
disposições, obviamente que, mesmo que não haja recurso daquela decisão, não faz sentido
obrigar o Tribunal a fazer reenvio, porque ele tem essa jurisprudência anterior para se
orientar na sua decisão, e pode utilizá-la sem fazer reenvio. Ele poderá fazê-lo na mesma,
pode querer esclarecimentos suplementares, ou até entender que ainda há algo mais que
queira ver esclarecido, mas não é obrigado a fazer o reenvio, ao contrário do que resultaria
da aplicação do art. 267º. A teoria do ato aclarado veio excluir a obrigação que seria, em
abstrato, aqui imposta pelo Tratado.

Caso Cilfit – P. 238/81; C-561/19


A Teoria do Ato Claro vem na sequência de uma resistência dos Tribunais superiores
franceses em fazer reenvios, recorrendo a esta Teoria do Ato Claro, entendendo que, apesar
de serem as instâncias superiores e das suas decisões não haver recurso ordinário, não
estariam obrigados a fazer reenvio, alegando que o Direito Comunitário que era relevante
no caso era claro e, portanto, não necessitavam da contribuição do TJ para esclarecer esse
mesmo Direito. A norma era clara, logo não tinham de fazer reenvio.
O TJ veio dizer no Caso Cilfit, de 1981, que efetivamente se podem verificar uma situação em
que as normas de Direito Comunitário aplicáveis sejam claras no seu sentido e alcance e,
sendo assim, o Tribunal, mesmo num processo do qual já não haverá possibilidade de recurso,
não precisará de fazer reenvio – é uma jurisprudência corretiva do Tratado, porque o Tratado
não faz esta distinção.
O TJ também veio também esclarecer o que será um ato claro para este efeito: veio dizer que
haverá situações em que um ato será claro, mas para tal é necessário ter em conta que o DUE
tem natureza especifica e essa natureza específica tem a ver com o facto de ser um
ordenamento que é multinacional e, sendo multinacional, em que todas as normas jurídicas
têm fé em línguas diversas, é necessário que o juiz esteja certo de que a norma tem
efetivamente um sentido claro em todas as línguas, e isso obrigará o juiz a ter em conta essa
diversidade linguística, pois se numa determinada formação linguística, o conceito em causa
pode ter um sentido unívoco, noutra poderá já não ter, e há que admitir que em todas as
línguas aquela disposição faz fé, tendo em conta essa diversidade. Só fazendo esse trabalho
comparativo é que se poderá concluir que não há dúvidas, porque se a formulação tiver
sentidos diversos em diversas línguas, então já não será com toda a certeza clara – condiciona
o alcance da Teoria do Ato Claro.
Veio ainda dizer que só será claro se for unívoco, isto é, se o conceito em causa não poder ter
validamente sentidos diferentes, porque se tiver sentidos diferentes (mesmo que tenha a ver
apenas com a diversidade linguística), já não será claro. O que efetivamente o Tribunal veio
fazer na jurisprudência for dar ao ato claro o sentido de evidente, só será claro se
efetivamente aquele enunciado linguístico só puder ter um único sentido válido, porque se
houver alguma pluralidade de sentidos ou ambiguidade, o juiz não pode utilizar a Teoria do
Ato Claro, estando obrigado a fazer o reenvio se da sua decisão não houver recurso.

O Tribunal de Justiça veio ainda produzir outra jurisprudência corretiva, no caso Foto-Frost –
aqui a questão não está dependente da obrigatoriedade de acordo com o Tratado, mas sim
exatamente o contrário.

As Teorias do Ato Claro e do Ato Aclarado vêm limitar a obrigatoriedade do reenvio, admitindo
que reenvios que seriam obrigatórios já não o são, seja porque já foi esclarecido em
jurisprudência anterior o sentido da norma, ou porque o sentido da norma é evidente. Na

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Sebenta Teórica de DUE II da Comissão de Curso de quarto ano da FDUP – Sílvia Moreira e Mariana Cruz

jurisprudência Foto-Frost, o tribunal veio fazer exatamente o contrário: em situações em que o


reenvio era facultativo, converteu-o em obrigatório.

Isto aconteceu nas situações em que o juiz, perante uma norma comunitária, se incline para o
entendimento de que ela não é valida, pelo que isto só vale para reenvio de validade, para
normas de direito secundário. Se ao juiz, num caso em que seja relevante uma norma de um
regulamento ou de uma diretiva, lhe parecer, interpretando essa disposição ou olhando para o
procedimento de decisão, que há um vicio que afeta validade da norma, se este juiz fosse de um
Tribunal de cujas decisões há recurso, ele em princípio não estaria obrigado a fazer reenvio, mas
o Tribunal de Justiça não admitiu isso e entendeu que, seja qual for o tribunal em que a questão
se coloque, se se levantar uma questão sobre a validade de uma norma de DUE e se o juiz se
inclinar para a pertinência dessa questão, entendendo que efetivamente há fundamento para
considerar que ela não é valida, ele não poderá deixar de a aplicar sem antes fazer o reenvio,
mesmo que das suas decisões ainda haja recurso.

Se o TJ se pronunciar pela invalidade, o juiz nacional não está obrigado a aplicar aquela norma.
Se, por outro lado, o TJ não encontrar fundamento de invalidade, o juiz nacional terá de aplicar
essa norma, porque o acórdão de reenvio é obrigatório para o tribunal. Isto é também uma
interpretação corretiva, aplicando-se mesmo que haja ainda a possibilidade de recurso.

Jurisprudência Zuckerfabrik
Nesta jurisprudência, o TJ admitiu que o que o Tribunal Nacional pode fazer é aplicar, em sede
provisória, a suspensão da aplicação do ato. Se considera que há um fundamento de
invalidade, é certo que não pode decidir sem fazer o reenvio, mas pode fazê-lo e, entretanto,
suspender a aplicação do ato comunitário que ele suspeita que padece de uma invalidade
ou pode também realizar a suspensão do ato nacional que aplica o ato comunitário –
falamos, por exemplo, de regulamentos que são depois objeto de execução por um ato
normativo ou por um ato individual nacional.
O TJ admitiu que os tribunais nacionais possam, em sede de medidas provisórias, não aplicar
provisoriamente, não efetivar provisoriamente o DUE até que o TJ se pronuncie sobre a
validade da norma comunitária. Se o TJ se pronunciar no sentido da validade, a medida
provisória tem de cessar, a decisão confirma a aplicação do Direito da União. Se o TJ se
pronunciar pela invalidade, então o Tribunal nacional, em decisão definitiva, vai desaplicar o
UE, tornando definitiva também a medida provisória de suspensão.

01/03/2023

Revisões:

Relativamente a quando deve ou não o reenvio ser obrigatório, o Tribunal de Justiça apresentou
uma orientação no sentido de ser o critério material que deve ser respeitado, do litígio concreto
– assim, o reenvio será obrigatório, independentemente da posição hierárquica da questão
orgânica pelo tribunal nacional, sempre que na decisão em concreto não haja recurso ordinário.
Pode um tribunal de primeira instância ser obrigado a fazer o reenvio se não houver recurso de
apelação e, à luz desta perspetiva, o reenvio será obrigatório.

Depois, numa outra perspetiva, temos já não uma simples interpretação do art. 267º, mas sim
jurisprudência corretiva do TJ relativamente à previsão do art. 267º.

32
Sebenta Teórica de DUE II da Comissão de Curso de quarto ano da FDUP – Sílvia Moreira e Mariana Cruz

A Teoria do Ato Aclarado não é jurisprudência corretiva, podemos considerar que faz uma
interpretação até declarativa, quanto muito extensiva, e coloca-se na situação em que estamos
perante um processo no qual não há recurso ordinário e que, de acordo com a letra do art. 267º,
seria obrigatório o reenvio. Nestes casos, o TJ admitiu muito cedo que, se aquela questão já
tiver sido antes objeto de interpretação pelo TJ, o tribunal nacional não é obrigado a fazer o
reenvio, mesmo que não haja recurso – é uma interpretação lógica, não se justifica impor ao
tribunal nacional que coloque questões já esclarecidas anteriormente, desde que considere que
esse esclarecimento é suficiente.

Isto dispensa o reenvio obrigatório, mas não limita essa faculdade de o fazer, seja porque
entende que a apreciação feita anteriormente não é a adequada, seja pela necessidade de haver
um esclarecimento complementar. Se o TJ considerar que não há mais nada a esclarecer, limita-
se a remeter por despacho para o acórdão anterior, de forma simplificada.

Por sua vez, a Teoria do Ato Claro já consubstancia jurisprudência corretiva. Os tribunais
entendiam que, apesar de não haver recurso das suas decisões, tinham todas as condições para
interpretar de forma correta, porque a disposição em causa era clara.

O TJ admitiu que isto era correto, mas em acrescento deu a interpretação sobre o que era um
ato claro, procurando condicionar a jurisprudência dos tribunais nacionais – veio dizer que este
é um conceito indeterminado que tem de ser preenchido à luz do sistema jurídico da UE e das
suas especificidades, que passam pelo facto de ele ser um sistema multinacional, em que todos
os atos jurídicos vinculativos (nomeadamente de alcance geral) fazem fé em todas as línguas
oficiais. Isso significa que é necessário assegurar que o conceito enunciado que é objeto de
interpretação é efetivamente claro à luz deste quadro plurilinguístico, porque pode aparentar
ser claro numa determinada língua, mas haver uma complexidade maior que só se consegue
compreender quando se faz uma análise comparada com outras línguas, e só será claro se tiver
um único sentido – isto será excecional.

Podemos admitir que esta exigência é cada vez mais difícil de cumprir pelos juízes nacionais,
mas na perspetiva do tribunal isso é um fator que reduz o alcance da Teoria do Ato Claro e,
assim, obriga a uma maior cautela da parte dos juízes para assegurar a uniformidade do Direito
da UE. O que esta perspetiva veio traduzir é que o ato é claro quando a interpretação é evidente,
não é passível de uma outra interpretação.

A jurisprudência Foto-Frost (1987) é também claramente corretiva, e trata exatamente do


contrário – falamos aqui de situações em que o reenvio, à luz da letra do art. 267º, não seria
obrigatório, mas que o Tribunal de Justiça, no confronto com aquele que deve ser o espírito da
norma, entende que ele obriga a que haja o reenvio em determinadas circunstâncias.

São as situações que digam respeito ao reenvio sobre a validade e em que o juiz nacional se
inclina na sua apreciação para a invalidade da norma, para uma desconformidade da norma
com os requisitos de validade à luz do Direito da União. Se for um regulamento, pode padecer
de qualquer um dos vícios referidos no art. 263º do TFUE (pode ser um vício de forma, um desvio
de poder, pode ser uma violação do direito superior) – se o juiz nacional, olhando para o ato e
interpretando a disposição, tem um entendimento preliminar de que há de facto ali razões
fundamentadas para considerar que há uma invalidade, se se tratasse de um tribunal de cuja

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Sebenta Teórica de DUE II da Comissão de Curso de quarto ano da FDUP – Sílvia Moreira e Mariana Cruz

decisão ainda houvesse recurso ordinário, ele não seria em princípio obrigado a fazer o reenvio,
em princípio não aplicaria a norma e depois, havendo recurso, quando chegasse a um tribunal
do qual já não houvesse recurso, a questão teria de ser colocada obrigatoriamente ao TJ.

Contudo, o TJ entende que não pode ser assim, por razões relacionadas essencialmente com a
certeza jurídica e também com a unidade na aplicação do Direito, desde logo porque isto
deixaria, de certa forma, alguma incerteza a pairar, dado que temos um sistema descentralizado
com centenas de tribunais a poderem ser chamados a aplicar esta disposição, e o risco seria que
aquilo que era uma orientação num tribunal num determinado Estado podia não ser
acompanhada num outro Estado – teríamos uma situação em que os destinatários da norma
ficariam em dúvida sobre se deveriam ou não respeitar, sabendo que havia um tribunal num
determinado lugar que tinha recusado a aplicação daquela norma. Isto criaria uma situação de
incerteza que seria iníqua nos seus resultados, porque levaria à aplicação diferenciada do
Direito.

Por outro lado, o Tribunal utiliza também uma argumentação formal, relacionada com as
competências atribuídas ao TJ. De acordo com as atribuições do TJ, resultantes do art. 19º do
TUE e 263º do TFUE, o controlo da legalidade/constitucionalidade do DUE é uma competência
que o Tratado prevê para o TJUE, que se traduz depois no recurso de anulação ou de omissão,
porque cabe-lhe a ele julgar, através dessa via contenciosa, os recursos interpostos por Estados,
Instituições ou pelos particulares, cujo pedido é a anulação de um ato com base na violação do
Direito que seria aplicável.

O TJ entende que, tendo esta atribuição sido colocada para si no Tratado, isso implicará que não
pode haver outros tribunais a fazer esse controlo de validade, mesmo que seja apenas com um
alcance concreto. A declaração de invalidade por parte do TJ com fundamento no art. 263º tem
um alcance geral, dela resultará a expurgação daquele ato do ordenamento jurídico; no caso de
uma declaração idêntica por um tribunal nacional, ela nunca poderia ter esse alcance, podendo
apenas ter efeitos no caso concreto.

Contudo, o TJ entende que tal não é admissível – não tendo o Tratado previsto essa competência
expressamente para os tribunais nacionais, mas sim para o TJ, entendo que não pode o art. 267º
ser a base para o controlo da legalidade de modo autónomo, obrigando então os tribunais
nacionais, mesmo em relação a tribunais de cuja decisão haja recurso, independentemente do
critério (orgânico ou material) que se utilize, quando tiverem a intenção de considerar que a
disposição do DUE é inválida, só o poderem fazer depois de terem feito o reenvio para o TJ e
obviamente o Tribunal de Justiça ter sustentado essa interpretação, dando acolhimento a algum
fundamento de invalidade, se isso não acontecer, o tribunal nacional não o poderá fazer.

Na Jurisprudência Zuckerfabrik, o TJ reconheceu que os tribunais nacionais poderiam, em


determinadas condições, quando entendem que há razões válidas para concluir que uma
disposição de um regulamento, diretiva, etc., é inválida, poderão aplicar medidas provisorias
para procurar salvaguardar o Direito, na condição de que tenham feito o reenvio. Se entendem
que há suspeita séria sobre a validade, são obrigados a fazer reenvio, mas para acautelar a
situação jurídica que está presente no processo, eles poderão, enquanto o TJ analisa as questões
de reenvio, provisoriamente decretar medidas que de algum modo acautelem a situação
presente, que impeçam que haja consolidação de uma situação de facto ou jurídica, que depois
poderia até tornar inútil a pronuncia do Tribunal de Justiça. A medida provisória mais adequada

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Sebenta Teórica de DUE II da Comissão de Curso de quarto ano da FDUP – Sílvia Moreira e Mariana Cruz

será a suspensão da aplicação do ato comunitário cuja validade está em questão e sobre o qual
foi feito o reenvio.
As condições para esta suspensão são as seguintes:
1. Esta suspensão tem de ter lugar na sequência do reenvio;

2. Fumus boni iuris – tem de haver uma situação de previsível cobertura jurídica
relativamente a essa validade, uma previsibilidade de que o Direito de algum modo
aponta nesse sentido da invalidade do ato

3. Tem de haver um prejuízo sério e dificilmente revertível no caso de não ser suspensão
a validade do ato – para este efeito, prejuízo sério não é um prejuízo pecuniário, tem de
ser um prejuízo que diga respeito à consolidação de uma situação jurídica que, mesmo
depois da declaração de invalidade, não poderia ser revertida.
Se se tratar apenas de prejuízo monetário, em principio isso não é considerado prejuízo
que possa ser fundamento para esta suspensão, porque o prejuízo monetário poderá
ser ressarcido. No entanto, pode o Tribunal admitir que esse prejuízo, embora seja
pecuniário, é já elemento suficiente, se acarretar uma situação que afete
definitivamente a entidade em causa (imaginemos que leva à falência da empresa –
poderia ser revertido com ressarcimento em momento posterior, mas o facto de a
empresa ter de suportar o encargo naquele momento pode causar uma situação
definitiva de insolvência, e aqui o tribunal deve ponderar esta situação, porque o
prejuízo já não é meramente pecuniário).

4. Têm de se ponderar os interesses da comunidade – aqui, interesse público é interesse


da União Europeia, da comunidade, em relação à aplicação daquele ato jurídico. Tem
de ser sempre o valor em causa para o particular e o interesse público da comunidade
(da UE) na aplicação daquele ato.

Estes são os interesses que têm de ser ponderados pelo juiz quando decide provisoriamente a
suspensão da aplicação de um ato comunitário sobre o qual se levantam sérias dúvidas de
validade. Ele poderá ser objeto dessa suspensão até que o TJ se pronuncie sobre a questão. A
suspensão do ato é sempre no caso concreto e é decidida pelo juiz nacional.

Toda esta situação poderá ter uma outra apreciação noutro plano, mas já não será, em principio,
pelo recurso contencioso do art. 263º, porque este tem um prazo de dois meses após a
publicação ou notificação – quando falamos de questões que se colocam nos tribunais nacionais,
a realidade fáctica implica que já se tenham ultrapassado os dois meses. Contudo, a questão
pode vir a ser suscitada também no TJ de modo direto através da exceção, um processo especial
num outro quadro.

O desrespeito da obrigação de reenvio traduz-se num incumprimento do Estado. Durante


muito tempo, suscitaram-se algumas dúvidas: o acórdão de reenvio ou o despacho é obrigatório
para o juiz nacional (art. 267º), mas levantaram-se questões em torno das consequências
possíveis, principalmente a partir do momento em que o TJ reconheceu a partir do Acórdão
Francovich que os Estados são responsáveis pelos prejuízos decorrentes do incumprimento do
Direito da União Europeia. Toda a jurisprudência, a partir do caso Francovich, surgiu

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Sebenta Teórica de DUE II da Comissão de Curso de quarto ano da FDUP – Sílvia Moreira e Mariana Cruz

habitualmente no quadro do incumprimento resultante de uma ação do poder executivo ou


legislativo, nomeadamente da não implementação de uma diretiva. Se se tratar de uma decisão
de tribunal violadora do DUE, nomeadamente porque faz uma errada aplicação, não tendo feito
o reenvio a que estava obrigado o juiz a fazer, poderá o Estado ser responsabilizado?
Levantaram-se questões por causa da independência dos tribunais. A específica natureza dos
tribunais, nomeadamente no caso da separação de poderes, levava a que se suscitassem
algumas questões sobre o facto de o Estado ser ou não responsável.

O facto é que o TJ veio esclarecer a sua orientação no acórdão 416/17, que dizia respeito à
França – o Conselho de Estado francês neste caso não faz reenvio, utilizando a justificação do
ato claro, mas a Comissão Europeia vem entender que esta utilização é errada, porque faz uma
aplicação do Direito contrária à própria jurisprudência anterior do TJ na matéria. O Conselho de
Estado francês não entendia a posição da Comissão, o que seria mais uma razão para fazer o
reenvio, porque não havia clareza nenhuma no ato – assim, estava obrigado, de acordo com o
art. 267º, a fazer o reenvio e fazendo-o, poderia ter de afastar a sua interpretação. Não o faz,
fazendo antes uma interpretação diversa, errónea à luz da jurisprudência do TJ, aplica o DUE de
modo errado.

Pela primeira vez, a Comissão europeia entende uma ação por incumprimento contra a França
com base na errada aplicação do DUE e em desrespeito da obrigação de reenvio do tribunal
francês – é a primeira vez que a comissão tomou esta iniciativa, e o TJ vem a declarar que o
comportamento e decisões dos tribunais que constituam uma violação do DUE, constituem um
incumprimento do Estado, e daí podem decorrer duas consequências:

1. Declaração de incumprimento, ao abrigo do art. 258º – obriga o Estado a alterar a


situação interna, e esse é que é o grande problema, porque como os tribunais são
independentes, como é que o Estado legislador, executivo, pode impor a um Tribunal
que faça um reenvio?
2. Responsabilidade do estado a nível interno, acionada pelos lesados junto de um
tribunal nacional, que tenham sofrido prejuízo resultante dessa errada aplicação.

O Estado pode impor a um Tribunal Nacional que faça um reenvio, por vias indiretas, porque se
um Estado não pode diretamente obrigar um juiz a fazer o reenvio, pode depois censurá-lo, na
medida em que esse juiz está a fazer uma aplicação errada do Direito, então o Estado pode ter
aí um fundamento para acionar a responsabilidade dos juízes que não fazem o reenvio que aqui
também envolve o Direito da UE.

Quanto à responsabilidade do Estado, é no Caso Kobler (2003), em relação à Áustria, que o


Tribunal de Justiça declarou expressamente que o Estado é responsável pelos prejuízos
decorrentes da errada aplicação do DUE por um tribunal – O Supremo Tribunal Federal
austríaco recusa-se a fazer o reenvio, na mesma lógica de que o ato é claro, fazendo uma
aplicação errada do DUE, e a parte lesada nesse processo acionou o Estado com fundamento na
decisão do Tribunal Superior. A questão foi colocada ao TJ (é um acórdão de reenvio), que
declarou que sim, o Estado era responsável por essa errada aplicação do DUE.

Recurso da decisão de Reenvio

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Sebenta Teórica de DUE II da Comissão de Curso de quarto ano da FDUP – Sílvia Moreira e Mariana Cruz

O recurso da decisão de reenvio é possível e condiciona o processo de reenvio – falamos de um


tribunal nacional de cujas decisões há recurso e, por isso, não é um reenvio obrigatório. Se tiver
havido um recurso da decisão de reenvio e, por força desse recurso, a decisão de reenvio tiver
sido anulada, o tribunal nacional deverá comunicar isso ao Tribunal de Justiça e o processo de
reenvio extinguir-se-á no TJ, e isso é possível nestas condições, desde que não ponha em causa
a faculdade de reenvio.

O tribunal superior não tem legitimidade para se pronunciar sobre a pertinência da questão para
a solução do caso, porque essa apreciação cabe em primeiro lugar ao tribunal nacional que faz
o reenvio e há uma presunção de pertinência que só pode ser afastada pelo TJ e que não pode
ser afastada em sede de recurso interno.

Se houver um recurso da decisão de reenvio, o que ocorre no processo a nível interno? Por causa
desse recurso em relação à decisão de reenvio, ele deverá ser suspenso, e desse recurso não
pode resultar a obrigação do tribunal que fez o reenvio de retomar o processo principal para
avançar em direção à decisão final, porque dessa forma estaria a pôr em causa a própria
pronuncia do TJ.

Quando há um recurso sobre a decisão de reenvio, o processo de reenvio não para, este recurso
não pode ter um efeito suspensivo sobre o reenvio, o reenvio vai continuar até que o tribunal
superior decida. Caso o tribunal superior decida no sentido de que a decisão de reenvio não é
válida, então aí sim terá incidência sobe o processo de reenvio, que se deverá extinguir, mas
não pode ter esse efeito imediato. Por outro lado, ainda que a decisão do tribunal superior em
matéria desse recurso seja no sentido de que aquela decisão sobre o reenvio é inválida, isso não
pode impedir nem limitar de modo algum a faculdade de o tribunal inferior fazer novo reenvio
– essa decisão pode incidir sobre aquele despacho de reenvio, mas não pode ter um alcance
para além daquele mesmo despacho, não pode impedir o tribunal inferior de, depois da decisão
de recurso, fazer novamente o reenvio. Se isso acontecer, temos uma situação em que estaria a
ser posta a faculdade que todos os juízes têm de fazer o reenvio, como acontece no processo
C-564/19.

Se a legislação processual interna nessa matéria tiver esse alcance, decidindo sobre um
despacho que fez o reenvio e impedindo o juiz de novamente fazer o reenvio daquele processo,
então essa legislação é contrária ao art. 267º e, de acordo com o primado do Direito da União
Europeia, não deverá ser aplicada, devendo o juiz nacional desconsiderá-la. Temos ainda
situações complexas e difíceis, como por exemplo legislação nacional que prevê que se o juiz
fizer novamente este reenvio, terá um processo disciplinar – esse é o quadro de alguns dos
Estados-Membros, em que esta via é utilizada para condicionar os juízes.

Neste momento, as maiores dificuldades são, de facto, neste quadro, o modo como se procura
condicionar os juízes nacionais a não fazer o reenvio.

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Sebenta Teórica de DUE II da Comissão de Curso de quarto ano da FDUP – Sílvia Moreira e Mariana Cruz

02/03/2023

Ação por Incumprimento


A ação por incumprimento integra uma categoria de contencioso que não tem paralelo no
quadro interno dos Estados, mas é o paralelo daquilo que são as ações declarativas que
reconhecemos no ordenamento jurídico internacional, relativamente aos Estados.

O incumprimento do Direito Internacional, apesar de dispor de meios muito limitados e


precários, não é completamente destituído de meios judiciais, porque há vários tribunais
internacionais (a maior parte deles com competências materiais limitadas) cuja competência é
precisamente julgar o comportamento dos Estados à luz do Direito Internacional e, portanto,
apreciar se um Estado violou regras de Direito Internacional que lhe são aplicáveis e obrigatórias
– temos o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, cuja competência principal é precisamente
julgar medidas, atos e omissões dos Estados que sejam contrárias à CEDH; o outro exemplo é o
Tribunal Internacional de Justiça (com uma competência mais geral), que tem competência para,
a pedido de um Estado, a nível contencioso contra outro Estado; temos depois outros tribunais,
por exemplo o Tribunal do Direito do Mar e outros tribunais semelhantes ao TEDH noutras
geografias.

Esta ação por incumprimento tem a ver com o respeito das obrigações resultantes do Direito
da União Europeia. Os Estados-Membros podem ser objeto de uma ação por incumprimento.
No art. 19º, faz-se referência a esta competência em particular, mas esta via contenciosa cabe
na alínea c), “demais casos previstos nos tratados”, e destes demais casos só vamos estudar o
regime comum, previsto nos artigos 258º a 260º do TFUE.

Este é o regime comum, em que um Estado pode ser réu numa ação junto do Tribunal de
Justiça, e que pode ser intentada de acordo com o art. 258º, pela Comissão Europeia, ou por
outro Estado-Membro, nos termos do art. 259º.

Além deste regime comum, há regimes especiais:

• Art. 114º n.9 – atos adotados pelos Estados alegadamente violadores de normas de
harmonização do mercado interno; os Estados podem em determinadas circunstâncias
adotar medidas que consideram fundamentais para salvaguardar determinados
interesses gerais (de proteção da saúde, por exemplo), e que são restritivas do mercado
interno (porque, por exemplo, impedem a comercialização de produtos fabricados
noutros Estados-Membros). Prevê-se todo um regime de reação a essas medidas e o n.9
prevê um regime especial para o acionamento do Tribunal numa ação contra o Estado
no TJ.
• Art. 126º n.10 – afasta a ação por incumprimento; este artigo regula o regime aplicável
aos Estados por défices excessivos, no quadro dos critérios macroeconómicos de
estabilidade (este regime foi suspenso no quadro da pandemia e assim continuará até
2024). O n.10 determina que não se aplica o regime da ação por incumprimento, há
um regime próprio, que aliás até pode levar à aplicação de uma sanção pecuniária, o
desrespeito dos défices excessivos não fica sujeito à ação por incumprimento prevista
no art. 258º e 259º, mas sim ao regime especial que este artigo prevê.
• Art. 348º – diz respeito a medidas que o tratado admite, respeitantes à segurança
interna, nacional, relacionadas com restrições à circulação de determinado tipo de
produtos ou serviços, que têm a ver com a defesa do Estado. Nos artigos 346º e 347º
encontramos um conjunto de regras específicas para estes setores e um regime de

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Sebenta Teórica de DUE II da Comissão de Curso de quarto ano da FDUP – Sílvia Moreira e Mariana Cruz

controlo especial, que tem lugar no Conselho, entre pares, dada a especial sensibilidade
destas matérias. Se um Estado considera que outro Estado utiliza abusivamente estas
cláusulas (que lhe permitem, por exemplo, restringir a circulação de um tipo de veículos
blindados), então esse Estado não vai recorrer à ação por incumprimento, mas vai
utilizar o mecanismo específico de controlo, que passa sobretudo por um diálogo do
Conselho.

Tratam-se de situações de alegado incumprimento mas que têm uma resposta distinta, que
afasta o Tribunal de Justiça.

Só vamos estudar o regime comum.

Objeto e fundamento
Diz o art. 258º diz, no 1º parágrafo:

“Se a Comissão considerar que um Estado-Membro não cumpriu qualquer das obrigações que
lhe incumbem por força dos Tratados, formulará um parecer fundamentado sobre o assunto,
após ter dado a esse Estado oportunidade de apresentar as suas observações.”

O artigo faz referência aos Tratados, mas como acontece na generalidade destas situações, esta
expressão não se refere só aos Tratados, mas significa sim Direito da União Europeia que seja
aplicável – o objeto da ação por incumprimento é qualquer alegada violação do Direito da União
Europeia imputável a um Estado-Membro.

Um Estado-Membro é qualquer órgão estadual e, portanto, pode dizer respeito a um


comportamento do poder executivo, que vai do Governo, passando por toda a administração
pública dependente dele, pode ser do poder legislativo, do poder judicial e pode ser também de
entidades autónomas juridicamente, sejam institutos públicos, seja a administração local, seja
a administração regional, desde que se trate de uma entidade do Estado. Podemos até ter
entidades de natureza formal privada, desde que se possam encaixar no conceito de Estado. Aí
o que é importante, mais do que o estatuto formal, é o conjunto de prerrogativas de que elas
dispõe e que sejam, na expressão do Direito da União, poderes de natureza exorbitante –
significa que, apesar do estatuto daquela entidade ser privado, o tipo de relações que ela
estabelece com outros privados é exorbitante, ultrapassa aquilo que decorre de relações
privadas em que as partes são iguais e negoceiam o quadro das respetivas relações jurídicas. É
ter o poder de, por exemplo, fixar unilateralmente condições contratuais, que é algo que se
reconhece habitualmente ao Estado, mas sabemos que há entidades privadas que têm poderes
para o fazer. Isto são poderes exorbitantes.

Este é um contencioso de natureza objetiva – é uma ação de tipo declarativo, condenatório, e


visa censurar o Estado, declarando o seu desrespeito pelo Direito da União. O tribunal terá de
concluir que determinado ato (pode ser positivo ou negativo, pode ser uma ação ou uma
abstenção) é violador do DUE:

1. Tem de existir uma ação, um ato positivo ou negativo;


2. Tem de ser ilícita, contrária ao DUE;
3. Tem de ser imputável ao Estado

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Sebenta Teórica de DUE II da Comissão de Curso de quarto ano da FDUP – Sílvia Moreira e Mariana Cruz

Contudo, não há aqui um pressuposto de natureza subjetiva do ponto de vista da censura ao


Estado. Isto é, não é necessário que se conclua que aquela violação é culposa, e por isso se diz
que é de natureza objetiva, basta que se verifique essa contravenção em relação ao DUE,
mesmo que possa haver causas justificativas, que até podem ser lícitas (por exemplo à luz do
Direto interno) ou porventura corresponderem a razões de força maior.

Não há causas de exclusão de ilicitude, não há qualquer justificação possível, a não ser que o
próprio DUE o permita – por exemplo, quando falamos de restrições ao comércio entre os
Estados-Membros, o art. 36º do TFUE prevê que há justificações que legitimam restrições, por
exemplo para salvaguardar a saúde das pessoas, plantas e animais, a saúde pública, etc. Aí, é o
próprio DUE que admite derrogações justificadas.

Nesses casos, o que é que acontece? Imaginemos que um Estado é acionado – ele pode
defender-se, dizendo que adotaram uma medida tendo em conta a necessidade de salvaguardar
esses objetivos, e aí isso é aceite, mas não quaisquer outras razões.

O art. 258º só refere a parte final da ação por incumprimento – essas referências apontam para
duas fases na ação por incumprimento:

1. Fase pré-contenciosa
a. Notificação para cumprir;
b. Parecer fundamentado
2. Fase contenciosa – a ação junto do tribunal (“a comissão pode intentar a ação por
incumprimento junto do tribunal”)

1. Fase pré-contenciosa

A fase pré-contenciosa tem dois momentos. Um primeiro momento no qual a comissão deu ao
Estado a oportunidade para apresentar observações, que se designa por notificação para
cumprir, e que é o ato que dá início à fase pré-contenciosa.

Aqui, a comissão vai apresentar ao Estado a matéria de facto e a matéria jurídica que entende
que está em causa naquela ação do Estado – imaginemos no caso da não-transposição de uma
diretiva, se o Estado não transpôs a diretiva, a Comissão Europeia vai dizer que decorreu o prazo
de transposição e o Estado não a notificou, esta é a matéria de facto. Depois, vai dar o
enquadramento jurídico, esta falta de notificação constitui uma violação do Direito da União,
desde logo do seu art. 288º TFUE e art. 4º n.3 TUE.

Nesta notificação, a Comissão determina um prazo razoável para que o Estado venha apresentar
observações, que é variável, mas frequentemente é de dois meses. Nesse prazo, o Estado
apresentará as suas observações, podendo contrariar a Comissão ou até não responder de todo.

A Comissão recebe essas observações e depois, se entender que as suas dúvidas e que as
alegações que tinha feito na notificação não foram respondidas deviamente, poderá formular
um parecer fundamentado. Este é o ato principal em todo este processo até ao TJ e assenta na
notificação para cumprir, e tendencialmente é-lhe correspondente, podendo até concretizá-la
mais, nomeadamente definir melhor os factos imputados ao Estado e também o Direito que
alegadamente por ele é violado.

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Sebenta Teórica de DUE II da Comissão de Curso de quarto ano da FDUP – Sílvia Moreira e Mariana Cruz

Este parecer fundamentado é fundamental porque é determinante para recortar a ação. O


objeto da Comissão Europeia, quando intenta a ação, não pode ir além do parecer
fundamentado, a comissão não pode trazer novos factos – pode trazer alguma inovação dos
factos, factos complementares, mas não alargar a matéria de facto, que está delimitada no
parecer fundamentado. Quanto às alegações jurídicas, do mesmo modo, também será o parecer
fundamentado que irá delimitar esses fundamentos.

Este parecer fundamentado, ainda assim, vai dar ao Estado a oportunidade de se conformar
com o Direito. Não serve para o Estado apresentar observações, mas recorta a situação, imputa
a violação de determinadas normas e dá ao Estado um prazo para que este se conforme com a
situação, transmitindo à Comissão o que fez para se conformar (revogando ou adotando
legislação, por exemplo). Cabe à Comissão Europeia determinar livremente o prazo que dá ao
Estado para corrigir a situação, sendo o prazo mais frequente de dois meses.

2. Fase Contenciosa

Se o Estado nada fizer ou tomar medidas insuficientes, então a Comissão pode intentar a ação
por incumprimento, através de uma petição, dando entrada no Tribunal de Justiça (e não no
TG).

Este é o recorte que resulta do art. 258º, mas há mais antes disto. Antes da fase pré-contenciosa,
temos uma espécie de fase “pré-pré-contenciosa”, uma fase informal, administrativa, em que
há troca de informações entre a Comissão e o Estado.

Esta fase pré-pré-contenciosa tem lugar porque a Comissão terá informação de que há uma
violação, e essa deteção pode resultar da falta de comunicação que um Estado estava obrigado
a fazer, quando falamos da transposição de diretivas, mas se falamos de outro tipo de violações,
muitas vezes a informação da Comissão resulta de fontes diversas, os seus serviços
quotidianamente acompanham aquilo que se passa nos Estados e podem detetar a partir daí
situações contrárias ao DUE. A Comissão também recebe denúncias, qualquer pessoa pode,
junto da Comissão, apresentar uma denúncia através de um formulário, informando que num
determinado Estado se verifica uma situação da responsabilidade desse Estado que é contrária
ao DUE.

É a partir dessa informação que os serviços da Comissão vão fazer uma averiguação e tendo esta
informação (que pode vir por canais oficiais ou oficiosos), eles até 2007 dirigiam-se aos serviços
do Estado, questionando sobre essa situação em causa, e os serviços do Estado vão
respondendo, criando-se um diálogo.

Esta fase tinha como objetivo a Comissão Europeia apurar melhor a informação, porque, nas
respostas do Estado, a Comissão ia reunindo informação complementar que depois permitia
perceber melhor se haveria ou não violação e que violação existiria. Contudo, o principal
objetivo era resolver a situação sem que se chegasse a uma via contenciosa. Esperava-se que
nesta fase pré-pré-contenciosa a situação se resolvesse e não se chegasse à situação de
notificação para cumprir.

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Sebenta Teórica de DUE II da Comissão de Curso de quarto ano da FDUP – Sílvia Moreira e Mariana Cruz

Entretanto, foi introduzida alguma formalização de modo a permitir agilizar esta fase. Começou
com um projeto-piloto, a que aderiram alguns Estados, que consiste numa plataforma que não
serve só para as Ações por Incumprimento, mas também para todo um outro conjunto de
articulação, nomeadamente para particulares se queixarem a respeito do próprio
funcionamento da União Europeia (O SOLVIT é uma outra rede para apresentação de denuncias,
queixas, que funciona não só articulando a Comissão Europeia mas também as próprias
administrações dos Estados, fazendo chegar a estas denúncias, queixas que se espera que
possam ser resolvidas logo).

Por estas vias tem-se conseguido solucionar alguns problemas, uns mais importantes, outros
menos e o modo de fazer chegar as informações é atualmente muito mais ágil. Não há obrigação
absoluta de utilizar o formulário previsto na plataforma, pode fazer-se chegar a informação à
Comissão Europeia através de outra via. Aqui não há denuncias anónimas.

Há aqui uma fase de diálogo ao longo do tempo que pode culminar ou não numa notificação
para cumprir que dá início à fase pré-contenciosa, e passamos então a ter um processo formal,
no qual a Comissão tem uma absoluta discricionariedade. Portanto, a Comissão notifica o
Estado, que responde ou não; o que vai acontecer a seguir está inteiramente na disposição da
comissão. Em princípio haverá um parecer fundamentado, mas não tem de haver, a Comissão
tem um poder de discrição acerca disso. Há um parecer fundamentado e é dado um prazo ao
Estado para se conformar com o Direito – se o Estado não o faz, a Comissão pode intentar a ação
por incumprimento, mas não tem a obrigação de o fazer, o poder é discricionário absoluto, ou
seja, é insindicável.

Ex.: vamos imaginar que alguém faz uma denúncia e a Comissão trata a denuncia, concluindo
que há uma violação imputável ao Estado, mas verificou-se uma tragédia e a Comissão entende
que deverá ter isso em consideração, não avançando com a ação por incumprimento. Se a
Comissão entender que não é oportuno, conveniente, por qualquer razão, avançar com a ação
por incumprimento, não tem de o fazer, não está obrigada a fazê-lo, e quem fez a denúncia
nada pode fazer. Esta inação da CE não é uma omissão juridicamente relevante, não pode o
particular que fez a denúncia acionar depois a Comissão através de um recurso por omissão,
pretendendo que ela seja condenada por não ter avançado com a ação por incumprimento. A
Comissão tem um puro juízo de oportunidade, não tendo de fundamentar a sua decisão.

Ainda quanto à notificação, ela depois condiciona o parecer. O parecer pode reforçar a
notificação, mas não se pode alargar a questões que a notificação não continha. Se é imputada
ao Estado a não implementação de uma diretiva, não pode depois a Comissão no parecer dizer
que também não implementou uma outra diretiva, tendo de cingir-se àquela diretiva que foi
integrada na notificação para cumprir. Mas imaginemos que a Comissão deteta outras violações
a partir do diálogo que ainda se estabelece depois da notificação para cumprir. Nesses casos, a
Comissão pode apresentar uma notificação complementar, onde alarga o âmbito da primeira,
e isso já permite depois que o parecer fundamentado que se segue tenha um âmbito mais lato
do que tinha a primeira notificação.

Isto é relevante porque, no final, dará lugar a um único processo. Sem a notificação
complementar, o parecer fundamentado ficaria limitado pela primeira e a ação teria de ser
limitada.

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Sebenta Teórica de DUE II da Comissão de Curso de quarto ano da FDUP – Sílvia Moreira e Mariana Cruz

O parecer fundamentado identifica os factos, os fundamentos da violação e delimita o objeto


do litígio. Pode ir além da notificação para cumprir, acrescentando um novo fundamento de
incumprimento e novos factos, desde que relacionados com os indicados na notificação para
cumprir, factos que sejam acessórios, dependentes dos anteriores.

Deve ser claro e preciso e deve conter um pedido formal para que o Direito que a Comissão
entende que está a ser infringido deva ser acatado, convidando o Estado a adotar as medidas
necessárias, em regra no prazo de dois meses.

Pode haver um parecer fundamentado complementar. Em que situações? Vamos imaginar que
o Estado adotou algumas medidas naquele prazo de dois meses, mas não as adotou todas e a
Comissão considera que continua a haver uma insuficiência – aqui pode haver um novo parecer
fundamentado que adapte a situação, que reconhece que houve avanços, mas que eles não são
ainda suficientes.

A Comissão, no parecer fundamentado, intima o Estado a adotar medidas, dentro do devido


prazo, mas ela não está obrigada a indicar essas medidas que Estado está obrigado a adotar,
tem apenas de indicar ao Estado que tem de modificar a situação, que tem de tornar a situação
de facto e de direito conforme com o Direito da União Europeia. Se forem outras medidas que
não as da revogação de legislação, será mais complexo para a Comissão fazer essa indicação, e
o Estado tem autonomia nessa matéria.

O parecer fundamentado é fundamental, pelo facto de delimitar o objeto da ação por


incumprimento. A matéria de facto pode incluir situações de natureza jurídica, como ter
legislação em vigor contraria ao DUE – os factos provam-se, o Direito é objeto de apreciação. O
parecer fundamentado delimita o objeto da ação, delimita a matéria de facto, mas também
condiciona decisivamente os fundamentos da ação, as questões de Direito imputadas ao
Estado.

A ação tem de ser basear nos mesmos fundamentos que o parecer fundamentado se baseou.

Ex.: Imagine-se que há uma violação do artigo 36.º do TFUE – não pode a Comissão depois
pretender que Estado seja condenado por violação do artigo 101.º se não o referiu também no
parecer fundamentado. Não pode vir invocar novos fundamentos, exceto no que diz respeito a
argumentos novos (relacionados com as condições a que se reconduz essa violação). Este
procedimento pré-contencioso é uma garantia essencial não apenas para a proteção dos
direitos do Estado-Membro em causa, mas igualmente para assegurar que o eventual processo
contencioso terá por objeto um litígio claramente definido.

A existência do incumprimento deve ser apreciada em função do Estado-Membro tal como se


apresentava no prazo fixado pelo parecer fundamentado da Comissão, não sendo as alterações
posteriormente ocorridas tomadas em consideração pelo TJ. Aqui, o que conta para apreciação
da ação por incumprimento não é o momento da ação, mas sim o final do prazo do parecer
fundamentado e, por isso, o parecer fundamentado é a pedra angular em relação à ação por
incumprimento. Os fundamentos têm de ser os mesmos, mas pode haver algum
aperfeiçoamento da Comissão. No entanto, esta exigência não pode ir ao ponto de impor, em
todos os casos, a coincidência perfeita entre o enunciado das alegações no dispositivo do
parecer fundamentado e os pedidos formulados na petição, desde que o objeto do litígio, tal
como definido no parecer fundamentado, não tenha sido ampliado ou alterado. A Comissão
pode precisar as suas alegações iniciais na petição, desde que não altere o objeto do litígio.

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Sebenta Teórica de DUE II da Comissão de Curso de quarto ano da FDUP – Sílvia Moreira e Mariana Cruz

08/03/2023

Fases processuais:

1. Fase pré-pré-contenciosa – informal, não segue regras, a Comissão pode agir ex officio
ou a partir de uma queixa
2. Fase pré-contenciosa/administrativa – notificação para cumprir seguida de parecer
fundamentado
3. Fase contenciosa – art. 260º n.1, ação declarativa condenatória, declara o
incumprimento

Neste quadro, os Estados têm os seus direitos, incluído um direito de defesa, no entanto, estão
sujeitos ao princípio da cooperação leal, têm o dever, ao longo das fases contenciosas (pré-
contenciosa e pré-pré contenciosa) de transmitir com lealdade à Comissão Europeia as
informações que lhe são solicitadas e que são relevantes para o processo, até porque, em
grande medida, muita da informação relevante não pode ser acedida pela Comissão sem a
colaboração dos Estados, porque não dispõe de meios nem pode recorrer a outras autoridades
para exigir que essa informação seja prestada. A Comissão não pode, por si, por exemplo fazer
buscas nas instalações dos Estados, não pode aceder a registos do Estado que não sejam
públicos se que este os disponibilize, não podem usar expedientes dilatórios, não podem reter
informação.

Se o fizerem, ao longo da fase pré-contenciosa, estão a violar as suas obrigações e o princípio


da cooperação leal. Isto pode ser relevante no processo porque, se o Estado que se vem
defender dizendo que a Comissão não foi capaz de fazer prova suficiente (porque não trouxe
para o processo, por exemplo, os elementos documentais), isso será considerado pelo Tribunal,
porque se esses elementos estavam na disposição do Estado e este não os disponibiliza à
Comissão no tempo devido, não será de exigir que a Comissão os tivesse e os apresentasse ao
Tribunal. A CE está obrigada a fazer prova dos factos que alega, não se admitem presunções ou
ficções, mas o Tribunal pode, em sede de prova, considerar o modo como o Estado colaborou
na sua recolha que a Comissão estava obrigada a fazer.

O Estado não se pode defender relativamente a elementos que ele tinha a obrigação de
disponibilizar e não disponibilizou, ao longo desta fase pré-contenciosa, que serve também para
procurar apurar todos os elementos necessários para a devida apreciação da situação.

O procedimento pré-contencioso tem 3 objetivos: permitir ao Estado-Membro pôr termo à


eventual infração, colocá-lo em situação de exercer os seus direitos de defesa e delimitar o
objeto do litígio, tendo em vista uma eventual ação no Tribunal de Justiça.

A notificação para cumprir delimita o objeto, mas não fecha os factos relevantes para esse
objeto, admitindo-se que, no parecer fundamentado, a Comissão possa apresentar novos
factos, desde que relacionados com o mesmo objeto. Tem de haver sempre uma relação com
factos previamente definidos, esta fase pré-contenciosa não serve para criar um outro objeto
para além do que estava já na notificação para cumprir.

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Sebenta Teórica de DUE II da Comissão de Curso de quarto ano da FDUP – Sílvia Moreira e Mariana Cruz

O prazo habitual para cumprir é habitualmente de dois meses, mas pode não ser (ex.: caso do
banco do Grupo Champalimaud, em que o prazo foi de dois dias porque a situação era clara). Há
casos em que se pode alargar ou prorrogar este prazo. Aqui há ainda alguma informalidade,
porque estas regras não têm nenhuma previsão legal, correspondem apenas à prática mais
comum, e a sua determinação cabe à Comissão. O Tribunal, em última instância na ação, pode
fiscalizar isso, nomeadamente ao abrigo do direito do Estado a defender-se – o Tribunal vai
apreciar se efetivamente aquele prazo seria suficiente à luz das capacidades do Estado, da
complexidade da questão, etc. Va avaliar se aquele prazo foi suficiente para que o Estado se
defendesse. Por definição, os Estados têm ao seu dispor todos os mecanismos e instrumentos
possíveis para poder responderem responder rapidamente, mas pode haver situações-limite em
que isso não é possível.

Pode haver uma notificação para cumprir complementar e, nesse caso, pode haver parecer
fundamentado complementar, mas não necessariamente, dependendo do momento em que
surge a notificação complementar:

• Se há notificação para cumprir e na sequência dela a Comissão vem detetar elementos


que permitem alargar o âmbito do incumprimento, então irá adotar uma notificação
complementar, que vai alargar esse âmbito.
Ex.: na primeira notificação, a Comissão incumbe ao Estado a alegada violação de uma
norma de uma diretiva, mas depois, na troca de informação vem a concluir que também
haverá violação de uma outra disposição, então adotará uma notificação complementar
para incluir essa segunda norma.
Se ainda não tiver decorrido o prazo para o parecer fundamentado e a Comissão ainda
não tiver feito o parecer fundamentado, no parecer fundamentado a Comissão reúne
as duas notificações, aqui não há um parecer fundamentado complementar, logo, no
primeiro parecer fundamentado, como já adotou as duas notificações e o Estado já teve
prazo para responder às duas, um único parecer fundamentado reúne ambas.

• Contudo, pode acontecer que tenha havido uma notificação para cumprir, um parecer
fundamentado e, ainda assim, a Comissão encontre depois outras questões e venha a
apresentar a segunda notificação para cumprir. Se já tiver sido adotado um parecer
fundamentado, a sequência da segunda notificação é o segundo parecer
fundamentado.

Pode haver duas notificações para cumprir que culminem num só parecer fundamentado ou que
deem lugar a um segundo parecer fundamentado, se a segunda notificação para cumprir já tiver
lugar depois do primeiro parecer fundamentado. O que não pode acontecer é haver um segundo
parecer fundamentado sem ter havido uma segunda notificação.

Se temos um parecer fundamentado complementar, significa que tivemos necessariamente


uma segunda notificação para cumprir, porque só desse modo é possível ao Estado defender-
se devidamente, basta ler o art. 258º – não pode haver um segundo parecer fundamentado sem
ter sido dada ao Estado a oportunidade de apresentar observações, que só pode ser uma
notificação para cumprir complementar.

Pode haver mais do que uma notificação para cumprir num processo pré-contencioso que dê
lugar a um só parecer fundamentado, pode haver várias notificações para cumprir que
necessariamente obriguem a mais do que um parecer fundamentado, se a segunda notificação

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Sebenta Teórica de DUE II da Comissão de Curso de quarto ano da FDUP – Sílvia Moreira e Mariana Cruz

para cumprir não estava integrada no primeiro (e em princípio não estaria se, do ponto de vista
temporal, ela não é anterior).

Esta fase pré-contenciosa é bastante flexível, não tendo um procedimento rigoroso. No final, o
parecer fundamentado (e que pode ser múltiplo) irá delimitar o objeto do litígio. O novo
parecer fundamentado incluirá não só novos elementos de facto, como também novos
fundamentos, porque o parecer fundamentado delimita o objeto da ação, quer relativamente
aos factos, quer relativamente aos fundamentos. A Comissão não pode apresentar fundamentos
para ação que não estivessem no parecer fundamentado.

Por isso, se a Comissão deteta, num qualquer momento, que há outros fundamentos, ainda que
substancialmente se trate do mesmo domínio, então ela necessariamente tem de apresentar
um parecer fundamentado complementar para incluir esses fundamentos, sob pena de não o
poder fazer na ação – se o fizesse, aquele fundamento iria decair.

No parecer fundamentado, a Comissão deve intimar o Estado-Membro a adotar medidas,


podendo indicá-las, mas não tendo de o fazer (tal como não tem de indicar na petição) – o
princípio da cooperação leal não obriga a Comissão a apoiar o Estado relativamente às medidas
que ele terá de adotar, mas pode fazê-lo.

Por exemplo, se se trata de adotar legislação, não cabe à Comissão dizer ao Estado que medidas
deve adotar internamente para implementar uma diretiva e o Estado não se pode defender
dizendo que a Comissão não deu indicações do que deveria fazer. O Estado deve ter essa
capacidade para saber que atos terá de adotar para se conformar com o Direito da União.

Quanto à fase contenciosa, temos uma ação de tipo declarativo condenatório que declara o
incumprimento e, se declara incumprimento, condena o Estado a corrigir a situação de
incumprimento. O Tribunal não indica ao Estado que medidas deve adotar e claramente não se
substitui ao Estado – não se trata ação em que Tribunal pudesse, ele próprio, substituir-se ao
Estado e executar o próprio Direito e medidas.

No que toca ao prazo para intentar a ação, ele não está previsto. A Comissão não tem obrigação
de intentar a ação, mesmo que conclua no parecer fundamentado que há violação. Se tiver dado
um prazo ao Estado para corrigir situação e ele não o faz ou fá-lo indevidamente, essa é uma
outra situação em que pode haver um parecer fundamentado complementar. Imaginemos uma
situação em que a Comissão dá dois meses ao Estado para corrigir a situação e, nesse prazo, o
Estado corrige algumas coisas, comunicando à Comissão, mas esta entende que ainda não é
suficiente – aí também pode haver um segundo parecer fundamentado, que vai corrigir o
anterior.

Ora, se o Estado nada faz ou toma medidas insuficientes, nesse caso a Comissão não tem
obrigação de intentar a ação, é um puro juízo de oportunidade. Se aquela situação foi
despoletada por uma denúncia, isso não permite ao denunciante procurar responsabilizar a
Comissão ou interpor recurso de omissão (baseado numa obrigação que a Comissão tivesse de
adotar o ato). A CE dispõe de inteira liberdade em relação a esta ação.

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Sebenta Teórica de DUE II da Comissão de Curso de quarto ano da FDUP – Sílvia Moreira e Mariana Cruz

A Comissão pode intentar a ação no prazo que entender. O Tribunal declarou que a Comissão
não tem um prazo definido, mas será de admitir que haja uma apreciação sobre se a demora
da Comissão põe em causa os direitos de defesa do Estado. O Tribunal admitiu poder considerar
que houve uma demora excessiva caso esta implique que o Estado não disponha já da
possibilidade de se defender devidamente por causa desse longo período. Dificilmente isto será
considerado, porque falamos de situações de incumprimento do Estado que tem elementos
factuais, mas que se reconduzem sempre a um desrespeito do Direito, pelo que não há perda
de realidades fácticas que sejam relevantes, como poderia ocorrer noutras situações. Em que
medida é que um Estado fica de algum modo diminuído nos seus direitos de defesa por ter
decorrido muito tempo? Quando estamos a falar de elementos que estão num domínio próprio
do Estado, que não são elementos de facto e que não possam simplesmente desaparecer.

O que pode suceder, sim, é haver consolidação de situações jurídicas, que depois o Estado tem
dificuldade em reverter – imaginemos que o incumprimento por atribuição de benefícios ou
apoios contrários ao Direito da UE, o Estado depois não os consegue reverter, porque,
entretanto, a possibilidade de acionar os beneficiários prescreveu, ou porque pode haver aqui
uma situação de usucapião. Em qualquer uma destas situações, percebemos que o Estado pode
estar incapacitado no momento da ação, sendo condenado a cumprir o acórdão, porque já não
o pode fazer, mas isso não atenta os seus direitos de defesa, porque o Estado sabia desde o
parecer fundamentado que devia ter implementado essas medidas e, se não o fez, isso deve-se
à sua própria displicência.

O parecer fundamento vai delimitar em absoluto o objeto da ação e na petição ou em qualquer


articulado ulterior, a Comissão não pode alargar o objeto que dele resulta. O objeto é
determinado pelos fatos imputados ao Estado e pelos fundamentos da violação imputados ao
Estado pela verificação desses factos. Se a petição inicial alargar o objeto terá de haver
apreciação sobre a sua admissibilidade, nomeadamente o Tribunal irá verificar se a Comissão
efetivamente alargou o objeto e se o tiver alargado, poderá ser objeto de correção ou não, e
nesse caso será simplesmente considerada inadmissível – isso é de conhecimento oficioso, não
precisa de ser alegado pelo Estado.

O que é que constitui um alargamento do objeto?

A invocação de um novo fundamento jurídico – falamos de disposições do Direito da União


que são invocadas como tendo sido violadas. Podemos estar a falar de disposições de Tratados,
de Direito derivado, de princípios de DUE, para além da matéria de facto, que tem de estar
delimitada no parecer fundamentado (que podem ser situações de facto ou de tipo jurídico).

A norma nacional que implementa erradamente disposições de DUE integra o objeto no âmbito
dos factos, é uma situação jurídica que constitui um facto para este efeito, porque será objeto
de prova. Não é questão controvertida, a questão controvertida é o facto de a lei ser reguladora
de Direito da União; a lei em si, o seu conteúdo, o facto de estar ou não em vigor, são questões
de facto sujeitas a prova.

Podemos estar também a falar de uma medida operacional ou material do Estado, e esta é
também matéria de facto.

Quais são as questões de Direito? Correspondem a saber em que medida aqueles factos, sejam
situações materiais ou jurídicas, são contrários ao Direito da União, aos fundamentos

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Sebenta Teórica de DUE II da Comissão de Curso de quarto ano da FDUP – Sílvia Moreira e Mariana Cruz

invocados, que terão de ser sempre uma norma jurídica que integra a ordem jurídica da união,
seja norma de Direito Internacional ou uma norma primária ou secundária da União, que seja
relevante, aplicável e que alegadamente não terá sido respeitada.

O que é que a Comissão não pode trazer de novo? Tem de se limitar ao que está no parecer
fundamentado, às questões de factos e aos fundamentos, não podendo trazer novos.

Não pode trazer novos comportamentos inadimplentes, mas tal não ocorre quando a Comissão
ilustra com exemplos esses comportamentos inadimplentes. O comportamento inadimplente
pode ser invocado pela Comissão como um não cumprimento pelo Estado de determinados
requisitos, por exemplo através dos registos, nos casos de ultrapassagem dos limites de emissão
de poluentes atmosféricos. Os registos das emissões de poluentes são os elementos de facto
quanto à violação do Direito da União Europeia, e neste caso a Comissão tem de apresentar
elementos que comprovem que estes registos foram ultrapassados – imaginemos que apresenta
determinados registos de 3 anos diferentes e depois vem já na ação apresentar outros registos
mais recentes, que são exemplos ilustrativos que confirmam os mesmos factos. Aqui não há um
alargamento do objeto, um exemplo ilustrativo não se traduz no alargamento dos factos que
foram delimitados no parecer fundamentado.

A Comissão está obrigada a indicar períodos de incumprimento, isto é, o momento a partir do


qual entende que se verifica o incumprimento (se for em relação à implementação de uma
diretiva, será o fim do prazo de transposição) e até ao limite – para efeitos da ação de
incumprimento, o limite é o prazo dado no parecer fundamentado, sendo o momento
determinante o fim deste prazo para corrigir a situação. Isto é relevante porque o Estado pode
corrigir situação posteriormente.

Imaginemos uma situação em que a Comissão dava um prazo de 2 meses, que terminou a 20 de
dezembro de 2021, a Comissão teria de ter em conta para o incumprimento este prazo quando
apresenta ação. Chegando ao fim do prazo, verificavam-se os factos e a situação de
incumprimento mantinha-se – este é o momento relevante, porque o Estado pode vir defender-
se dizendo que em abril de 2022 corrigiu a situação e, por isso, a ação tinha-se tornado inútil.
Contudo, o que é relevante para a ação por incumprimento é o final do prazo dado no parecer
fundamentado.

Mesmo que o Estado entretanto tenha corrigido a situação e o incumprimento eventualmente


já não se mantenha, isso é irrelevante, a ação será julgada em relação à situação que ocorria no
momento do final do prazo dado no parecer fundamentado, os factos posteriores são
irrelevantes. O Estado é condenado na mesma porque, no momento do final do prazo dado para
corrigir a situação, mantinha-se o incumprimento.

Que consequências pode ter? Em primeiro lugar, desde logo a revelação de que o Estado não
cumpriu suas obrigações, e daí podem advir consequências que tenham a ver com danos
sofridos por alguém por força dessa violação, irregularidade – imaginemos que há um particular
que beneficiaria do cumprimento do Direito da União e por causa do Estado não o pôde fazer,
com esta declaração, tem possibilidade de intentar uma ação de responsabilidade contra o
Estado.

A Comissão pode desistir – mais uma vez, a Comissão tem uma larga margem de apreciação
desta matéria. Pode a Comissão entender que, tendo a situação sido regularizada e que não há
consequências, pode desistir simplesmente da ação, total ou parcialmente. Imagine-se que há

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uma correção parcial da situação, a CE pode desistir parcialmente da ação. Isto está na descrição
da Comissão.

A CE não pode alargar os fundamentos, mas pode pormenorizar os fundamentos que já tinha
invocado anteriormente. Vamos imaginar que um dos fundamentos é que há uma violação da
não discriminação em razão da nacionalidade. A Comissão Europeia pode vir a pormenorizar
esse fundamento, nomeadamente trazendo um conjunto de argumentos suplementares que
comprovam essa discriminação, não pode é trazer um novo fundamento. Pode dizer que há
discriminação, mas não pode depois da petição, depois do Parecer Fundamentado, introduzir
um novo fundamento como a restrição ao comércio. Pode, contudo, precisar com outros
argumentos que não tinha apresentado anteriormente o alcance da discriminação que tinha
lugar, desde que se mantenha nesse âmbito. Estes elementos ou são elementos de facto
conexos que clarificam os factos, ilustram os factos ou são argumentos jurídicos que reforçam
os fundamentos já presentes.

Não se admitem presunções ou ficções. Aqui fala-se de presunções ou ficções legais, mas há
presunção judicial, pois o juiz pode tirar ilações que sejam razoáveis de um facto para concluir a
verificação de outro.

Ex.: se se comprova que num determinado dia choveu, pode razoavelmente presumir-se que o
piso numa estrada estava molhado e isso pode ser relevante no quadro de um acidente – isto é
uma presunção judicial, razoável, que qualquer julgador fará. Se houvesse uma presunção de
incumprimento resultante de qualquer facto determinado, se ela fosse absoluta, o Estado não
poderia afastá-la e não teria de ser aprovada pela comissão. Se a presunção fosse relativa, ela
beneficiava a Comissão, que não tinha o ónus de fazer prova daquele facto, ainda que pudesse
ser afastada mediante contraprova.

É verdade que a Comissão terá de fazer prova de todos os factos que invoca, mas, no entanto,
também é verdade que se pode encontrar numa situação muito condicionada em relação a
determinados factos, porque está dependente, na recolha de prova, da colaboração dos
Estados-Membros.

Se há elementos que devam ser provados pela Comissão, mas em relação aos quais ela esteja
dependente da colaboração dos Estados, o Tribunal pode apreciar essa situação e, do ponto de
vista da exigência da prova, ter conta essa ausência da colaboração do Estado que não forneceu
à Comissão esses mesmos elementos, como está obrigado a fazer à luz do princípio da
cooperação leal.

Eventualmente, o Tribunal faz uma leitura razoável relativamente a isto no caso C-398/14:
“quando a Comissão tenha fornecido elementos suficientes que revelem que as disposições
nacionais que transpõem uma diretiva não são corretamente aplicadas, na prática, no território
do Estado-Membro demandado, incumbe a este contestar de modo substancial e
pormenorizado os elementos assim apresentados e as consequências que daí decorrem”.

Isto significa que não se pode exigir que a Comissão apresente um conjunto de elementos que
seja, em absoluto, exaustivo, porque poderemos estar a falar de uma prova diabólica,

49
Sebenta Teórica de DUE II da Comissão de Curso de quarto ano da FDUP – Sílvia Moreira e Mariana Cruz

demasiado exigível. Imaginemos que a Comissão apresenta elementos que comprovam que
houve comportamentos inadimplentes, mas porventura limitados, e o Estado invoca que a
Comissão deveria invocar que não houve comportamentos cumpridores – isto é uma prova
negativa, muito dificilmente possível para a CE e o Tribunal pondera aqui razoavelmente o que
será de exigir.

Não é eliminar em absoluto qualquer possibilidade, dúvida possível, mas simplesmente exige
da parte da Comissão que sustente suficientemente os factos imputados ao Estado e não
necessariamente que comprove em absoluto a plenitude dos comportamentos do Estado que
sejam relevantes.

Art 258º n.2 do TFUE – Ação Sancionatória Compulsória


A ação, de acordo com o art. 258º, é declarativa condenatória.

De acordo com o art. 260º n.1, “se o Tribunal de Justiça da União Europeia declarar verificado
que um Estado-Membro não cumpriu qualquer das obrigações que lhe incumbem por força dos
Tratados, esse Estado deve tomar as medidas necessárias à execução do acórdão do Tribunal”.
O TJ também não dá indicações ao Estado daquilo que ele deve fazer para cumprir o acórdão,
limita-se a declarar que, de acordo com os factos provados, se verifica um incumprimento.

E se o Estado nada fizer quanto a isso?

Passamos para a possibilidade que constitui uma segunda ação por incumprimento – art. 258º
n.2 e 260º TFUE. Se o Estado não adotou legislação ou medidas tendentes a corrigir a situação
e a conformar-se com o acórdão, então a Comissão pode intentar uma segunda ação, nos termos
do art. 260 n.2. Esta ação é simplificada e já tem uma natureza sancionatória, podendo ter
também natureza compulsória.

Tem um procedimento pré-contencioso simplificado – não é idêntico ao da primeira ação. A


Comissão dirige ao Estado um aviso prévio para que ele apresente observações, mas não é uma
notificação para cumprir – é simplesmente um ofício no qual vem declarar que o Estado não
comprovou que tivesse respeitado o acórdão e dá-lhe a oportunidade de apresentar
observações. Caso a Comissão não fique satisfeita com a resposta, então poderá intentar esta
segunda ação.

O objeto desta segunda ação é o incumprimento do acórdão, da decisão na primeira ação para
incumprimento. Nesta segunda ação, a Comissão requer a condenação do Estado, mais uma
vez, e, portanto, ela não deixa de ter dimensão condenatória (e a condenação é pelo facto de,
ao não ter feito nada para se conformar com o acórdão, o Estado está a violar o Direito da União
Europeia), mas pode ter essa dimensão sancionatória e compulsória. Este regime não estava
previsto originalmente, antes só estava prevista a possibilidade de uma segunda ação
condenatória – o que sucedeu algumas vezes foi o facto de os Estados serem sucessivamente
condenados sem que daí resultasse qualquer consequência, então introduziu-se esta natureza
sancionatória.

Este sancionamento pode ser através de uma sanção pecuniária fixa, determinada pela
gravidade dotada à violação do Estado e pela extensão do incumprimento, que é determinada
a partir do primeiro acórdão. A determinação da sanção pecuniária fixa, de acordo com o art.
260º n.2, faz-se a partir da data do acórdão, portanto a extensão temporal que é importante

50
Sebenta Teórica de DUE II da Comissão de Curso de quarto ano da FDUP – Sílvia Moreira e Mariana Cruz

para a determinação dessa quantia é a partir desse momento. Para a determinação da gravidade
da situação, o tribunal considerou admitir-se um juízo de proporcionalidade e que pudesse ser
tida em conta a situação interna do Estado, nomeadamente circunstâncias especiais do ponto
de vista financeiro. Ainda assim, falamos de circunstâncias que têm de ser necessariamente
objetivas, de alguma forma “alheias” ao funcionamento do Estado propriamente. Isto é,
circunstâncias de natureza política não são consideradas relevantes.

Quando falamos de sancionamento, podemos então ter:

• Uma sanção pecuniária fixa, que assenta na gravidade da violação e na sua extensão
temporal;
• Pode ser também uma sanção compulsória, que visa instar o Estado a corrigir a situação
e a colocar-se em situação de cumprimento. A sanção compulsória é calculada
diariamente: é um montante que o Tribunal fixa diariamente e que será pago por cada
dia que incumprimento se mantenha. Esta sanção compulsória só é calculada a partir
da data da prolação do segundo acórdão e só faz sentido se a situação de
incumprimento se mantiver.
Imaginemos que, entretanto, nesta segunda ação o Estado corrigiu situação e vem dizer
na fase final que já adotou essa legislação. O Estado poderá ser condenado na sanção
pecuniária fixa porque existiu uma situação de incumprimento com a gravidade
determinada ao longo do tempo até àquela correção, mas já não poderá ser condenado
na sanção compulsória porque já não se verifica o incumprimento. Se o Tribunal concluir
que efetivamente o Estado já corrigiu a situação, condená-lo-á na sanção pecuniária
fixa, mas não na sanção pecuniária compulsória. Se ele corrigiu até à data do acórdão,
então começa a contabilizar o montante diário até que ele informe a comissão de que
efetivamente corrigiu.

No âmbito desta ação do art. 260º n.2, o Tribunal tem plena jurisdição, não estando
condicionado pelo pedido da Comissão nesta matéria. Portanto, ele aprecia com toda liberdade
a gravidade a situação e cabe-lhe determinar o período temporal no qual considera ter havido
essa violação (isto não é igual ao que sucede no art. 260º n.3, em que o Tribunal está limitado
pelo pedido da Comissão).

09/03/2023

No art. 260º n.2 encontramos o regime comum para o incumprimento de um acórdão que
condenou um Estado por incumprimento, mas, ainda assim, grande parte dos incumprimentos
diz respeito simplesmente à não comunicação da transposição de diretivas – os Estados,
decorrido o prazo de transposição de uma diretiva, têm obrigação de comunicar à Comissão as
medidas de transposição da diretiva, enviando para a CE a legislação interna que, no seu
entendimento, foi adotada ou até que já vigorava e que corresponde aos objetivos da diretiva,
porque os Estados não são obrigados a adotar legislação nova, podem entender que o regime
que a diretiva pretende que seja instituído já vigora no seu ordenamento jurídico. Há que
recordar, de acordo com o art. 288º, que a diretiva estabelece uma obrigação de resultado, mas
dá liberdade de meios e de forma – se o Estado entender que a sua legislação já é adequada
para alcançar o resultado, nem estará obrigado a adotar legislação interna, mas isto é

51
Sebenta Teórica de DUE II da Comissão de Curso de quarto ano da FDUP – Sílvia Moreira e Mariana Cruz

excecional. Os Estados têm a obrigação de comunicar à Comissão a legislação interna que


efetuou a implementação, findo os prazos.

Sucede que é frequente que os Estados se atrasem e, por isso, entendeu-se que, como muitas
vezes o incumprimento diz respeito apenas a esse atraso, é possível fazer um escrutínio
acelerado – o que prevê o art. 260º n.3 é o regime especial da ação por incumprimento, quando
ela tenha por objeto apenas a ausência de comunicação de medidas de transposição da
diretiva.

Este regime, de alguma forma, faz uma junção entre a primeira e a segunda ação por
incumprimento. Relativamente ao procedimento, quando o incumprimento imputado ao Estado
é a ausência de implementação de uma diretiva porque o Estado não comunicou essas medidas,
ele é muito semelhante, tem uma fase pré-pré-contenciosa e pré-contenciosa idênticas, que
permitirão ao Estado, durante aquele tempo, fazer a transposição (e é isso que se espera que
aconteça, para que depois não seja necessária a ação).

Caso tal não aconteça efetivamente, a Comissão pode logo na primeira ação por incumprimento
(que aqui vai ser única) requerer ao Tribunal a condenação do Estado ao pagamento de uma
quantia pecuniária fixa e/ou compulsória. Ao contrário das outras situações de incumprimento
(onde se inclui, por exemplo, a errata transposição), nesta situação em que o incumprimento se
traduz na ausência de transposição, na não adoção de legislação para a transposição, então aqui
logo numa única ação, ela é simultaneamente declarativa condenatória, mas é também uma
ação sancionatória e/ou compulsória. A Comissão pode logo requerer que o Estado,
comprovando-se em juízo que não implementou a diretiva, seja condenado pelo Tribunal numa
sanção fixa e/ou compulsória, somente se se mantiver o incumprimento.

Enquanto que no n.2 o Tribunal dispõe de plena jurisdição relativamente à sanção, tem pleno
poder para determinar o montante da sanção, no caso do art. 260º n.3 não, está condicionado
pelo pedido da Comissão – não pode o Tribunal condenar o Estado para além daquele que foi o
pedido da Comissão. A data que conta para determinar o espaço temporal de incumprimento e
a sanção pecuniária compulsória é a data da transposição da diretiva (é uma diferença
relativamente ao regime comum). Os critérios são idênticos: a sanção irá ser determinada de
acordo com a gravidade e o período temporal durante o qual se estendeu o incumprimento.

As sanções são recursos próprios da UE, sendo o meio para depois ela ser paga. Os Estados e a
União têm uma conta corrente, com débitos e créditos recíprocos, onde são registados os
valores que os Estados têm de compromisso para com a União Europeia, do ponto de vista das
contribuições (como é o caso de parte do IVA, impostos aduaneiros, contribuições diretas que
dependem do produto nacional do Estado, etc.) e, em contrapartida, os Estados também têm
recursos que lhes são devidos pela UE, nomeadamente fundos que são por eles distribuídos. Os
recursos que respeitam às sanções entram nestes registos.

Regimes Especiais

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Sebenta Teórica de DUE II da Comissão de Curso de quarto ano da FDUP – Sílvia Moreira e Mariana Cruz

1. Especialidade relativa com o autor da ação por incumprimento – art. 259º

O art. 259º prevê que um Estado-Membro pode intentar uma ação contra outro Estado-
Membro, sendo que o fundamento é igual – nenhum Estado-Membro tem necessariamente de
sofrer uma lesão nos seus direitos ou nos direitos dos seus nacionais para acionar outro Estado,
isso não é um pressuposto.

Não tem de haver aqui do ponto de vista do Estado um interesse processual, ele pode fazê-lo
simplesmente no interesse do Direito – contudo, na prática isto não acontece, os Estados não
acionam outros Estado a não ser que tenham um especial interesse. São poucos os casos, mas
têm vindo a ser cada vez mais, há mais casos de ações intentadas por um Estado contra outro
Estado nos últimos dez anos do que em todos os anos anteriores, e isto tem a ver com a
existência de um número muito maior de Estados, com orientações políticas e ações mais
diversas. Está a haver também, recentemente, uma certa tendência mais nacionalista, que leva
a que os Estados adotem medidas tendencialmente mais protecionistas dos seus interesses.

Por outro lado, a Comissão Europeia, dado o maior volume de questões, também terá de ser
mais seletiva em relação aos incumprimentos dos Estados, dando mais importância às situações
que entende serem mais relevantes para o interesse comum. Temos visto situações em que a
Comissão, tendo oportunidade de se pronunciar sobre uma situação, não deu andamento à ação
ou não entendeu que ela era contrária ao DUE e, por isso, temos um Estado a avançar.

Em relação ao regime previsto no art. 259º, a fase contenciosa tem características idênticas. É
claro que as partes são diferentes e, por isso, os intervenientes processuais também terão
algumas diferenças, mas as maiores diferenças encontram-se na fase pré-contenciosa.

Quando um Estado entende que outro Estado não respeita o DUE, ele deverá dirigir-se à
Comissão para que ela aprecie a questão e possa pronunciar-se sobre ela, no prazo de três
meses depois de ter analisado a questão e notificado o Estado visado. Não é uma notificação
para cumprir, porque a queixa vem de outro Estado, mas é um ofício ao Estado para ele
apresentar observações relativamente à queixa apresentada pelo outro Estado. A queixa pode
ser puramente informal e muito sucinta, mas depois o Estado queixoso e o Estado visado terão
ambos a oportunidade de apresentar observações (escritas e orais).

Tal como na fase pré-contenciosa do art. 258º, o objetivo fundamental desta fase pré-
contenciosa é que se alcance uma solução, que aquela situação deixe de ser controvertida, que
o Estado ou esclareça a situação e consiga convencer que não há efetivamente um
incumprimento ou reconheça que ele existe e corrija a situação – se isso acontecer, não faz
sentido que a ação prossiga.

O que também poderá acontecer é a Comissão, perante esta queixa e após esta troca de
observações, ela mesma assumir aquela ação, e aí passamos a guiar-nos pelo art. 258º. A
comissão apresentará um parecer fundamentado, no qual pode concluir que efetivamente há
violação do DUE ou não – a partir daí, pode a Comissão assumir essa tarefa e avançar ela própria
com a ação por incumprimento, mas pode não o fazer, e se não o fizer no prazo de 3 meses,
então o Estado queixoso pode avançar para a fase contenciosa, pode intentar a ação por
incumprimento junto do Tribunal.

2. Art. 114º n.9 – ausência de fase pré-contenciosa

53
Sebenta Teórica de DUE II da Comissão de Curso de quarto ano da FDUP – Sílvia Moreira e Mariana Cruz

No caso do art. 114º (adoção de medidas internas em contravenção a legislação de


harmonização no mercado interno), a especialidade prevista no seu n.9 traduz-se na ausência
de fase pré-contenciosa, porque há todo um diálogo desenvolvido nos termos do 114º entre a
Comissão e o Estado que substitui a fase pré-contenciosa, porque os Estados são obrigados a
notificar a CE quando adotam medidas internas que afetam o mercado interno e, portanto, na
sequência dessa notificação há todo um diálogo que se desenvolve entre a Comissão e o Estado
para a apreciação dessas medidas e é aí que se dispensa a fase pré-contenciosa, podendo
avançar-se logo para a fase contenciosa.

3. Art. 126º n.10 – exclusão do controlo dos défices excessivos dos EM através da ação por
incumprimento

É um regime que não está sujeito a apreciação do Tribunal, tudo o que diga respeito ao controlo
de défices excessivos, ele é de natureza jurídico-política, feita no Conselho em articulação com
a Comissão, conjugado com propostas da CE.

4. Art. 348º – ausência de fase pré-contenciosa e de publicidade da audiência no TJ

Está relacionado com medidas nacionais que são legítimas da parte dos Estados para proteção
da segurança nacional e, aqui, também o regime é idêntico. Há um regime de controlo
politicamente feito em conjunto entre os pares no próprio Conselho e, depois, há a possibilidade
de recurso ao TJ, mas sem fase pré-contenciosa, porque já houve esse trabalho de diálogo e
troca de informações e observações no quadro do Conselho.

A única especialidade, já na fase contenciosa, é a ausência de publicidade nestas audiências – as


audiências do TJ em princípio são públicas, mas pode o TJ determinar que, pela especial
sensibilidade dos interesses em causa, que a audiência não seja pública (isto pode ser feito em
qualquer ação). Aqui, quando se prevê a ausência de publicidade, isto acontece sempre, não por
decisão do Tribunal, mas porque neste regime as audiências são sempre à porta fechada, porque
falamos de questões respeitantes à segurança nacional dos Estados. Normalmente, isto
acontece por razões que tenham a ver com a proteção de segredos comerciais, que podem exigir
qua haja reserva em relação à publicidade, ou então quando digam respeito a interesses
fundamentais do Estado, e aí podem pretender fora deste quadro que a audiência seja
reservada.

16/03/2023

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Sebenta Teórica de DUE II da Comissão de Curso de quarto ano da FDUP – Sílvia Moreira e Mariana Cruz

Contencioso de Validade
• Recurso de anulação
• Recurso por omissão – replica o próprio processo de anulação com adaptações, tendo
em conta que o que está em causa é a ausência de um ato jurídico
• Exceção de ilegalidade – tem um regime diferente, que tem lugar quando o ato jurídico
já não é passível de anulação, porque já decorreu esse prazo. Ainda assim, pode ser
invocada como exceção num outro processo, por exemplo de responsabilidade
contratual, ou noutro quadro, como numa ação de incumprimento

1. Recurso de Anulação
A primeira disposição fundamental nesta matéria é o art. 47º da CDF, ainda que este
contencioso não seja uma via processual exclusivamente vocacionada para assegurar esse
direito de acesso a uma tutela jurisdicional efetiva, a um tribunal e a um processo judicial
equitativo, porque este contencioso não está apenas à disposição dos particulares. A Carta dos
Direitos Fundamentais prevê um conjunto de direitos e princípios que se destinam
maioritariamente à esfera dos particulares, mas o contencioso de anulação tem um âmbito de
aplicação mais vasto.

Para além do art. 19º (que prevê as competências do TJ), é relevante o art. 263º do TFUE, onde
estão estabelecidos os elementos fundamentais do recurso de anulação – onde são indicados
os seus fundamentos e onde está estabelecido o quadro determinante relativo à legitimidade
processual dos sujeitos de Direito.

Este contencioso regulado no art. 263º é simultaneamente de controlo de legalidade e controlo


de “constitucionalidade”, porque o controlo da validade dos atos de natureza normativa
(regulamentos, diretivas…) faz-se por confronto com o Tratado, com princípios fundamentais,
que constituem a Carta Constitucional do Ordenamento Jurídico da UE e, por isso, têm também
esta natureza. Pode ser um simples controlo de legalidade quando falamos simplesmente de
atos de Direito secundário – um regulamentos de execução tem de respeitar o quadro normativo
do regulamento de base de base, e isto é um controlo de legalidade. Se o regulamento de
execução não respeita as condições do regulamento de base, há uma ilegalidade. Se estivermos
a falar de um desrespeito do Tratado ou da CDF, temos uma questão que é similar à questão de
apreciação da constitucionalidade.

Há um regime especial previsto para os atos da PESC, referido no art. 275º §2 do TFUE. Os atos
da PESC estão isentos do controlo da validade, exceto nas condições previstas no art. 275º §2.
De acordo com este regime, quando esses atos afetem diretamente particulares, estes poderão
utilizar a via processual do art. 263º, se houver efetivamente um dos fundamentos ai previstos
para requererem e obterem do Tribunal (se o recurso tiver acolhimento) a anulação desse
mesmo ato, total ou parcialmente.

Relativamente ao tribunal competente no recurso de anulação, devemos remeter do art. 256º


do TFUE para o art. 51º do ETJUE – devemos utilizar as duas disposições.

Em regra, a competência é do Tribunal Geral em matéria de contencioso de validade e, portanto,


é irrelevante que seja uma violação do tratado ou de um ato de direito derivado, a competência

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Sebenta Teórica de DUE II da Comissão de Curso de quarto ano da FDUP – Sílvia Moreira e Mariana Cruz

dos dois tribunais não está definida com base nas fontes de Direito em causa. Contudo, há
exceções que, por sua vez, têm exceções que levam a que se aplique o regime geral. As exceções
são limitadas, há partes que saem da própria exceção e caem no regime geral.

A exceção em geral é determinada pelas partes no litígio.

• Não é da competência do Tribunal Geral quando o recurso seja interposto por um


Estado-Membro contra o Parlamento Europeu, contra o Parlamento Europeu e
Conselho ou apenas contra o Conselho.

Os recursos realizam-se contra o Réu, que é sempre o autor do ato que é objeto de
recurso, seja ele o Parlamento, o Conselho, ou o Parlamento e o Conselho (quando se
trate de atos legislativos, que são aprovados pelos dois). Se o recurso é de um
regulamento que é um ato legislativo então podemos deduzir que autores são o
Parlamento e o Conselho, logo a competência não é do Tribunal Geral, mas sim do
Tribunal de Justiça.

Os atos da competência do Conselho e do Parlamento Europeu são apenas os atos


legislativos adotados de acordo com o processo legislativo ordinário, em que ambos
são autores e ambos aprovaram o ato. Os atos adotados de acordo com o processo
legislativo especial são sempre só de uma das instituições com a colaboração da outra,
mas em que a outra não é autora – este ato legislativo não é objeto de aprovação pelas
duas instituições, ou é só pelo Parlamento com parecer do Conselho ou só pelo Conselho
com parecer do Parlamento. No caso do ato que é objeto de recurso ser ato adotado
pelo Parlamento, pelo Parlamento e Conselho ou apenas pelo Conselho, a competência
não é do Tribunal Geral, mas sim do Tribunal de Justiça – artigo 256º.

Esta exceção genérica ela própria é limitada:

o Atos do Conselho que sejam decisões em matéria de auxílios de Estado são da


competência do Tribunal Geral – art. 256º. Estes são os atos adotados pelo
Conselho com base no art. 108º nº2 do TFUE. Este ato pode ser objeto de
recurso, não junto do Tribunal de Justiça, mas sim junto do Tribunal Geral.

o A segunda situação em que se exclui a competência do Tribunal de Justiça é


relativa a atos de competência do Conselho quando se trate de atos que
estabeleçam medida de proteção de comércio, de acordo com o art. 207º do
TFUE, vulgarmente conhecidas como medidas antidumping, quando ação é
proposta por um Estado (apesar de geralmente também poderem ser propostas
por particulares). Estas medidas antidumping são aquelas em que o Conselho
aplica um Direito especial à entrada na fronteira da União Europeia para
compensar aquilo que é considerado um preço abaixo do custo de produção de
um produto vindo do exterior e é uma das medidas do regime aduaneiro da UE,
de modo a evitar a concorrência desleal. Assim, é da competência do Tribunal
Geral.

o Atos de execução adotados com base no art. 291 n. º2. Como vimos, podemos
ter um contencioso de legalidade em que o regulamento de execução não
respeite o regulamento de base ou quando o regulamento delegado não
respeita também o regulamento de base – neste caso, ainda que seja um

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Sebenta Teórica de DUE II da Comissão de Curso de quarto ano da FDUP – Sílvia Moreira e Mariana Cruz

Estado-Membro o autor do recurso, esse recurso corre no Tribunal Geral e não


no Tribunal de Justiça.

o Os recursos interpostos por um Estado-Membro contra a Comissão nos termos


do art. 331º – se os recursos de um Estado, em regra, forem contra atos da
Comissão, em princípio são da competência do Tribunal Geral. Significa isto que
os atos da Comissão objeto de recurso por parte de um Estado-Membro serão
sempre da competência do Tribunal Geral e não do Tribunal de Justiça, com
exceção do recurso interposto com base no art. 331º do TFUE que dizem
respeito à cooperação reforçada. Se um Estado quer ser parte de uma
cooperação reforçada, tem de o requerer à Comissão e esta pode entender que
ele não tem condições de participar nessa cooperação reforçada, recusando a
sua participação. Esta decisão da Comissão é adotada nos termos do art. 331.º
e pode ser objeto de recurso de anulação por parte do Estado-Membro em
causa (é deste domínio em particular de que falamos aqui).

• Também são sempre da competência do Tribunal de Justiça os recursos interpostos por


uma instituição contra outra instituição no âmbito do contencioso da validade (a ação
por incumprimento também é uma competência exclusiva do TJ, bem como o reenvio).
Se o recurso for interposto por uma instituição contra o Parlamento, Parlamento e
Conselho, contra a Comissão ou contra o Baco Central Europeu (ou seja, Comissão
contra o Parlamento, por exemplo), esse recurso também é da competência do Tribunal
de Justiça e não do Tribunal Geral.
(nota: para estes efeitos, instituições são as referidas no art. 13º do TUE)

Na prática, aqui isto não tem grande efeito, porque os Tribunais comunicam oficiosamente si –
se o secretário do TG receber um recurso que não está dirigido ao Tribunal correto, ele próprio
remete oficiosamente para o devido Tribunal, não é isso que dá lugar a qualquer consequência
processual. É o próprio regulamento que prevê este dever de remessa.

Prazo de Impugnação
O prazo de impugnação é de 2 meses nos termos do art. 263º. Este prazo é de ordem pública e
é um prazo perentório (art. 62.º RPTG), não podendo ser modificado. Há prazos, que são de tipo
processual, que o próprio Tribunal pode modificar, pode prorrogar o prazo se considerar que há
razões válidas que o justifique, mas isso não é possível aqui. Há situações em que se admite que
possa haver uma justificação para um atraso em relação a este prazo:

• Erro desculpável – em relação a particulares, terá a ver com o próprio comportamento


das instituições, “quando a instituição em causa adotou um comportamento suscetível
de, por si só ou de forma decisiva, provocar uma confusão admissível no espírito de uma
pessoa de boa-fé que faça prova da diligência exigida de um operador normalmente
atento”. Nessa situação em que haja sucessivas modificações de uma notificação, que
possa levar a uma confusão justificada por parte do destinatário de um ato. Isto só pode
valer para atos dirigidos às pessoas (e não para atos publicados com alcance geral),

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Sebenta Teórica de DUE II da Comissão de Curso de quarto ano da FDUP – Sílvia Moreira e Mariana Cruz

remete para aquilo que é o ato e o momento em que efetivamente entra na esfera do
próprio visado.

• Situações de caso fortuito – são situações que estão alheias e que são determinantes
da própria parte.
Ex.: Imaginem-se que sistema é hackeado e deixa de funcionar – seria um caso fortuito,
alheio à capacidade da parte.
• Casos de força maior, como previsto no próprio Regulamento do processo. Em qualquer
uma destas duas últimas situações o tribunal é muito rigoroso.
Ex.: uma situação catastrófica como um terramoto, à semelhança do que aconteceu na
Turquia (quando a situação extrema tenha tido uma influência no processo).

A partir de quando se conta o prazo de 2 meses?

• Para que sejam obrigatoriamente publicados, o prazo de 2 meses conta-se a partir da


data da publicação. Aqui abrangem-se:
→ todos os atos legislativos são objeto de publicação obrigatória, quer adotados
de acordo com o processo legislativo ordinário, quer de acordo com o processo
legislativo especial (art. 297º, nº1 §3). Portanto, o prazo de dois meses conta-
se a partir da data de publicação.

→ Outros atos de publicação obrigatória são os regulamentos, porque são gerais,


não têm destinatários conhecidos e a única maneira de serem conhecidos e
objeto de recurso de anulação é através da sua publicação.

→ As diretivas, quando sejam dirigidas a todos os Estados-Membros, também são


objeto de publicação obrigatória. As que não são dirigidas a todos os Estados-
Membros são notificados aos Estados a que se dirigem.

→ As decisões sem destinatários (art. 297º n.2 TFUE). As decisões são atos
híbridos, tanto podendo ter destinatário como não os ter – as decisões da PESC,
exceto aquelas que aplicam medidas a entidades particulares, não têm
destinatários.

• Os atos que não são obrigatoriamente publicados, são notificados e, nesse caso, o prazo
de 2 meses conta-se a partir do momento da notificação ao recorrente.
Ex: diretivas e decisões com destinatário (artigo 297.º, n.2, §3 TFUE), atos sujeitos a
notificação.
Se nestes casos a notificação não ocorrer, eles não produzem efeitos para os
destinatários enquanto esta não ocorrer.

• Notificação aquando do conhecimento do ato – dá-se em situações em que autor não


é o destinatário. Há situações em que uma determinada entidade pode ter interesse na
anulação de um ato e ter legitimidade para o anular, mas o ato não ter destinatário.
Pode ser um ato destinado a outrem e que a esse outrem é notificado, mas pode haver
interesse de um terceiro em anular esse ato, pode ver interesses seus afetados.
Nestes casos, o prazo conta-se a partir do conhecimento. O conhecimento pode ser a
publicação, porque o ato, embora não seja obrigatoriamente publicado, pode sê-lo
facultativamente. Quem invoca esse momento de conhecimento tem de o provar.

58
Sebenta Teórica de DUE II da Comissão de Curso de quarto ano da FDUP – Sílvia Moreira e Mariana Cruz

Aquele prazo de 2 meses não é o único prazo. Temos ainda aplicação de um prazo de 14 dias
(aplicável apenas para os atos publicados) de acordo com artigo 45.º do ETJUE, artigo 50.º RPTJ
e art. 59.º do RPTG, ao qual acrescem mais 10 dias de dilação de distância, este já aplicável a
todos os atos (artigo 51º do RPTJ e art. 60.º do RPTG). Estes últimos prazos atualmente já não
fazem sentido, porque é tudo tratado por meios eletrónicos (estavam relacionados com o envio
por correio e, por isso, havia um conjunto de prazos suplementares para acautelar a distância
relativamente ao Tribunal).

A contagem é feita por esta ordem: 2 meses + 14 dias + 10 dias. Se o prazo termina num dia não
útil, passa para o primeiro dia útil seguinte, mas não nestas contagens intercalares, aqui a soma
é contínua. São relevantes para este efeito os artigos 49º RPTJ e 58º RPTG.

Atos Impugnáveis
Relativamente impugnabilidade dos atos, nem todos os atos são impugnáveis – o próprio artigo
263º esclarece isto.

São impugnáveis todos os atos jurídicos emanados das instituições e de outros órgãos e
organismos da União produtores de efeitos jurídicos vinculativos em relação a terceiros (art.
263º §1 TFUE). Este é o critério e isto é relevante porque o ato pode ter a designação de
declaração, comunicação, o que importa é o conteúdo do ato – à partida, olhando para aquele
ato, para aquela declaração, podemos presumir que ele não produzirá efeitos jurídicos
vinculativos, mas temos de ver o conteúdo do ato para concluir se será ou não suscetível de
impugnação.

De acordo com o que é a forma do ato e de acordo com os efeitos que tipicamente cada
categoria de ato produz, vamos ver os atos que cabem naquela categoria de atos que produzem
efeitos vinculativos para terceiros, caso efetivamente correspondam à sua natureza formal:

• Atos legislativos – a natureza dos atos legislativos da União Europeia é uma natureza
formal. São atos legislativos, independentemente da categoria de ato, aqueles que
forem adotados de acordo com o processo legislativo.
Ex: regulamentos, decisão, diretiva. Qualquer deste tipo de atos pode ser um ato
legislativo

• Atos da Comissão, do Conselho, e do Banco Central Europeu que não sejam


recomendação ou pareceres. Em relação às recomendações e pareceres, em princípio,
caso correspondam efetivamente à sua natureza formal, não produzem efeitos jurídicos
vinculativos, nos termos do art. 288º. Contudo, pode acontecer que tenha sido o ato
adotado sob essa forma, mas depois se conclua que o seu conteúdo, na verdade, é mais
que uma recomendação, produzindo efeitos jurídicos vinculativos.
Inclui-se aqui um ato que tem natureza específica, a decisão do Conselho de aprovação
de acordo internacional. No entanto, os acordos internacionais não podem ser em si
objeto de anulação pelo TJUE, pois o acordo internacional é uma fonte de direito
pactícia, cujos requisitos de validade dependem do próprio Direito Internacional e por
isso é que existe um controlo preventivo. A vigência do acordo internacional na ordem
jurídica da União Europeia está dependente de uma decisão do Conselho, portanto, o
ato que formalmente é impugnado é a decisão do Conselho, ainda que (e porque os

59
Sebenta Teórica de DUE II da Comissão de Curso de quarto ano da FDUP – Sílvia Moreira e Mariana Cruz

dois atos são indissociáveis) os fundamentos possam estar presentes no próprio acordo
internacional. Há controlo preventivo porque uma coisa a decisão padecer de um vício,
e aí a decisão é objeto de anulação, mas quando falamos do acordo internacional, o
Tribunal pode declarar que ele não é conforme ao Direito, mas isso não vai produzir a
expurgação daquele acordo e não vai ter como efeito a desvinculação da União. A
consequência é sim a não produção de efeitos do acordo na ordem internacional, no
Ordenamento Jurídico da União, e isso é grave porque a União estaria em
incumprimento perante terceiros.
• Atos do Parlamento Europeu, do Conselho Europeu e de órgãos e organismos da União
Europeia com efeitos jurídicos para com terceiros – devemos avaliá-los
casuisticamente para determinar se têm ou não efeitos para com terceiros, olhando
para o ato e para o seu conteúdo, porque, à partida, um ato do Parlamento Europeu
que não é um ato legislativo não produzirá efeitos para com terceiros, exceto no que é
a relação com o destinatário do ato.

• Ato nacional de demissão (e suspensão) do governador do Banco Central Nacional


(artigo 14º n.2 §2 dos Estatutos SEBC/ protocolo 4) – estamos a falar de uma
competência do TJ (e é a única situação excecional) sobre um ato de um órgão de um
Estado. Esta decisão não pode ser escrutinada internamente, é uma competência do
Tribunal de Justiça. (C-202/18 e C-238/18)

• Atos híbridos na parte que é fonte de DUE – temos situações de atos híbridos quando
há decisões do Conselho e, simultaneamente, também do conjunto dos representantes
dos Governos. Neste ato, a parte que é anulada diz respeito à que é decisão do
Conselho, que é competência da União. A parte que é decisão dos representantes dos
Governos dos Estados não pode ser objeto de anulação, porque estas decisões não
estão sujeitas à competência do TJUE. O Tribunal veio ainda esclarecer que atos do
Eurogrupo não podem ser objeto de impugnação, porque não é um órgão da União, mas
sim uma formação do Conselho que reúne os representantes dos Governos que fazem
parte do Euro. Contudo, as decisões do Eurogrupo são sempre decisões intercalares ou
decisões de Conselho – se o Eurogrupo adota determinada posição, ou está a agir
enquanto Conselho, ou então aquela decisão é um ato intercalar de um ato futuro que
a há de ser um ato do Conselho.

• Atos que sejam atos definitivos – isto vale sobretudo quando falamos de atos
individuais (não de atos legislativos) de caráter administrativo, isto porque podemos ter
atos que são confirmativos ou de mera confirmação, e até atos que são intercalares no
quadro de um determinado procedimento administrativo, mas isto também vale para o
procedimento legislativo (também não pode ser objeto de impugnação atos no decurso
do procedimento legislativo).

Fundamentos para o recurso de anulação


Há uma presunção de validade dos atos jurídicos, presume-se que um ato jurídico em vigor é
valido e a sua vigência permanece até que seja declarada a respetiva invalidade. Não há
qualquer tipo de anulação que não tenha de ser objeto de um recurso, que só acontece depois
de declarada no termo desse mesmo processo.

60
Sebenta Teórica de DUE II da Comissão de Curso de quarto ano da FDUP – Sílvia Moreira e Mariana Cruz

Os fundamentos que podem ser utilizados neste recurso estão invocados no art. 263º:

a. Incompetência;
b. Violação de formalidades essenciais;
c. Violação dos Tratados ou de qualquer norma jurídica relativa à sua aplicação;
d. Desvio de poder.
a. Incompetência

Há dois tipos de incompetência:

• Incompetência externa/vertical – incompetência da União Europeia. Um ato pode ser


inválido porque é um ato cuja matéria não se encontra entre as atribuições da União,
porque a UE tem competências de atribuição e obedece ao princípio da especialidade
e, portanto, se for um ato adotado em relação a um domínio ou a uma matéria que não
seja da sua competência, que não se encontre no âmbito dos Tratado, que não tenha
uma base jurídica no quadro dos Tratados, seja ela expressa ou implícita, determinada
a partir dos objetivos (com recurso ao art. 352º como base formal), então temos
incompetência da União Europeia. É um ato que não está entre as atribuições da União,
um ato ultra vires.

• Incompetência interna/horizontal – refere-se à incompetência da instituição autora do


ato ou do órgão ou organismo autor do ato. É uma matéria da competência da UE, a
atribuição existe substantivamente e a União pode adotar medidas naquela matéria,
mas quem adotou o ato alegadamente não o podia fazer.
Ex.: o Conselho adotou um ato sozinho, mas aquela matéria devia ser enquadrada numa
base jurídica que seria para um ato do Conselho juntamente com o Parlamento Europeu
– neste caso temos uma competência horizontal, da instituição em causa, que não podia
adotar só o ato, mas teria de ter o concurso do Parlamento como autor.
Outro exemplo é a Comissão adotar um ato que cabe nas competências do Conselho.
Aqui está em causa o princípio do equilíbrio institucional. Cada instituição, órgão e
organismo tem as competências determinadas pelo Tratado e mais nenhuma para além
dessas e, portanto, tem de respeitar esses limites de competências e aquilo que são as
competências dos outros órgãos. Contudo, por vezes há algumas dificuldades, porque
as competências de cada órgão podem ser diferenciadas de acordo com o
enquadramento da matéria – se um determinado regime for adotado nos termos do
mercado interno e considerado que recai no art. 26º do TFUE ou no art. 114º, isso vai
levar a que as instituições competentes sejam umas, mas se se qualificar aquela matéria
como respeitante a política energética ou ao ambiente, remete para outro domínio, e
aí o exercício pode não estar nas mesmas instituições, mas noutras.
Por isso, muitas vezes, este contencioso da competência não é estritamente só da
competência propriamente, tem também a ver com a base jurídica escolhida. Pode
inclusive ser uma matéria que não seja da competência da União Europeia no quadro
do TFUE, mas que seja da competência do EURATOM, por exemplo (e aqui é só uma
competência do Conselho).
Os atos delegados são competência sempre da Comissão, no quadro do TFUE (se for no
quadro da PESC, a competência dos atos de execução é do Conselho), e o desrespeito
do ato delegado pelo regime do ato de base é também uma questão de violação de
competências.

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Sebenta Teórica de DUE II da Comissão de Curso de quarto ano da FDUP – Sílvia Moreira e Mariana Cruz

b. Violação de formalidades essenciais

Têm de ser formalidades essenciais relativamente ao ato jurídico e não simples irregularidades,
que não se reflitam verdadeiramente na validade do ato. Se estivermos a falar, por exemplo, do
respeito pelas prerrogativas de um órgão chamado a dar um parecer, é uma formalidade
essencial, cujo desrespeito se reflete na nulidade, mas pode ser uma simples irregularidade
relativamente a aspetos menores que não se reflita necessariamente numa nulidade.

c. Violação dos tratados ou de qualquer norma jurídica relativa à sua aplicação

Aqui estamos a falar do chamado bloco de normatividade. Cabe tudo nesse conceito de violação
do Tratado, seja a violação de normas do Tratado, seja a violação do Direito Internacional, os
erros de interpretação, os erros sobre pressupostos de factos na base da decisão jurídica.

Quando falamos num erro relativo aos pressupostos de facto, há que ter alguma cautela,
porque o recurso de anulação é um contencioso objetivo e assente na legalidade e não na
oportunidade – isto tem a ver também com o respeito pelas próprias competências dos órgãos
e, no que tem a ver com essa avaliação das escolhas do regime jurídico em causa, das opções de
natureza político-económica, social, etc., o Tribunal tem de ser necessariamente contido,
porque não pode substituir a sua apreciação à apreciação do órgão competente. Referimo-nos
a matérias que tenham a ver com o que de algum modo diz respeito à solução económica ou
político-económica ou político-social, exceto quando haja um manifesto erro, um erro grosseiro
na apreciação dos factos que estão pressupostos.

Vamos imaginar que a legislação invoca determinados dados estatísticos que justificam uma
opção política para determinada solução normativa – o Tribunal não deverá substituir-se na
escolha politica, mas poderá apreciar se os fundamentos, aqueles dados estatísticos, são ou não
verosímeis, reais, essa apreciação pode ser feita, mas não pode apreciar a escolha, porque isso
seria o Tribunal substituir o seu juízo ao juízo do legislador nacional – isso corresponderia a uma
violação do princípio da separação de poderes, porque não cabe aos Tribunais governar. O
Tribuna não pode apreciar juízos de oportunidade ou de escolhas de natureza política, vai
limitar-se a verificar se as regras processuais foram respeitadas e se a avaliação respeitou aquilo
que é o due course, aquilo que deveria ser avaliado, se a fundamentação é adequada e suficiente
e em relação à exatidão dos factos que estão na base dessa decisão, limitando-se ao erro de
Direito ou então manifesto erro na apreciação desses factos.

d. Desvio de poder

Falamos na prática de um ato que é adotado formalmente de acordo com as regras e


aparentemente para a prossecução dos objetivos que os Tratados preveem, mas vem se a
concluir, com base em indícios objetivos, que teve uma finalidade exclusiva ou determinante
diferente. O desvio de poder é um desvio de fim, o ato é adotado não para a concretização de
objetivos previstos, mas com uma finalidade distinta (que pode até ser licita, mas que não
encontra cobertura no Tratado). Tem sempre de haver indícios objetivos de que o ato não se
destinou a cumprir as finalidades previstas no Tratado, não pode haver uma simples presunção
em relação a esse aspeto.

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Sebenta Teórica de DUE II da Comissão de Curso de quarto ano da FDUP – Sílvia Moreira e Mariana Cruz

22/03/2023

Legitimidade ativa – quem pode recorrer e requerer a anulação de um ato?


Na legitimidade passiva, as entidades contra as quais o recurso é interposto (réus) serão sempre
instituições ou órgãos que serão os autores do ato: Conselho, Conselho e Parlamento Europeu,
órgão de agência que tomou a decisão, etc.

Quanto à legitimidade ativa, ela levanta mais problemas: no art. 263º encontramos 3 categorias
de entidades que podem recorrer:

1. Recorrentes privilegiados – art. 263º §2

Estes são exatamente os que estão elencados – Estados-Membros, Conselho, Comissão e


Parlamento, e este é um elenco taxativo. O facto de serem recorrentes privilegiados significa
que não têm de ser destinatários do ato, podem interpor recursos de anulação de qualquer tipo
de ato, desde que estes sejam impugnáveis. Têm de ser atos jurídicos que produzam efeitos
jurídicos vinculativos para terceiros, sejam os destinatários os próprios recorrentes, sejam atos
com efeitos jurídicos gerais.

Ou seja, têm de ser atos impugnáveis, mas estes recorrentes não têm de ser nem destinatários
do ato nem têm de demonstrar qualquer interesse em agir – a sua legitimidade é no interesse
do Direito. Mesmo que se sejam destinados a outros ou que sejam de alcance geral, esses atos
podem ser objeto de recurso por qualquer Estado-Membro, por exemplo.

2. Recorrentes semi-privilegiados – art. 263º §3

Esta é uma categoria introduzida pelo tratado de Maastricht e onde estão incluídos o Tribunal
de Contas, o Banco Central Europeu e o Comité das Regiões, tendo em conta prerrogativas de
que dispõem nomeadamente no quadro da subsidiariedade.

Estes podem recorrer de atos quando haja um interesse em agir na sua parte. Não são
necessariamente atos que lhes são destinados, podem ser atos com um alcance geral,
destinados a outrem, mas em que as suas prerrogativas possam ter sido alegadamente afetadas,
porque haveria um direito de participação no procedimento ou porque de alguma forma se cria
uma situação jurídica com esse ato que afeta as suas competências ou os seus poderes.

Estas instituições têm de provar que foram afetados por algum elemento do procedimento ou
por alguma disposição do ato que efetivamente está a pôr em causa as suas competências – ex.:
imaginemos que num procedimento eles deveriam ter sido consultados e não foram. Contudo,
há aqui habitualmente uma complexidade maior, a intervenção de órgãos como, por exemplo,
o Comité das Regiões, está dependente do procedimento, da base jurídica, e é por aí que muitas
das vezes a afetação tem lugar. Se, na proposta, for escolhida uma base jurídica em que não se
prevê a consulta do Comité das Regiões, mas ele entende que o ato deveria ter sido adotado
com apoio numa outra base jurídica na qual se previa a consulta do Comité das Regiões, temos
uma situação na qual está configurada esta afetação das suas prerrogativas. A escolha da base
jurídica correta ou incorreta vai afetar as prerrogativas do Comité da Regiões na sua
possibilidade de poder/dever ser consultado nesse procedimento.

O objeto do litígio é a escolha da base jurídica em causa, qual o domínio/norma do tratado no


qual o ato é adotado, mas o que está em causa não tem a ver necessariamente com questões

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Sebenta Teórica de DUE II da Comissão de Curso de quarto ano da FDUP – Sílvia Moreira e Mariana Cruz

de natureza substantiva, mas também com a consequência que essa escolha tem para a
possibilidade de intervenção a título consecutivo, por exemplo, do Comité das Regiões. Aqui
sim, não é um esquecimento, mas uma opção, que pode estar ou não justificada.

3. Recorrentes ordinários – art. 263º §4

Só podem impugnar:

• Os atos de que são destinatários


• Ou atos que os afetem direta e individualmente
• Ou atos regulamentares que os afetem diretamente (não os afetam necessariamente
individualmente, podendo afetar outros sujeitos, mas a afetação em relação àquele
sujeito é direta, o que significa que não há necessidade de um ato jurídico
complementar para produzir efeitos na esfera jurídica daquela entidade ou esse ato
jurídico complementar é de simples execução vinculada, em que não há margem de
definição da afetação).

Estes recorrentes são recorrentes que não podem desde logo recorrer de atos dirigidos a outros
nem de atos de alcance geral.

São recorrentes ordinários as pessoas singulares ou coletivas – cabem aqui indivíduos, pessoas
coletivas (seja natureza comercial, civil, fundacional), mas cabem também entidades
intraestatais, como autarquias, regiões, estados federados de Estados-Membros. Todas essas
entidades são recorrentes ordinários.

Para alem destes, incluem-se aqui aqueles que são sujeitos de Direito Internacional:
Organizações Internacionais, Estados terceiros, qualquer entidade no plano internacional que
tenha depois determinadas condições, como a personalidade e capacidade judiciária. Nesta
categoria cabem aqui tanto sujeitos de direito público como de direito privado, bem como todas
as entidades que não sejam Estados-Membros ou instituições da União.

Estas entidades devem dispor de capacidade jurídica e/ou judiciária interna ou internacional e
tem de demonstrar sempre interesse em agir. Além da personalidade, capacidade e
legitimidade, tem de haver interesse em agir, tem de haver uma afetação do ato que é objeto
de recurso da sua própria esfera jurídica que seja atual, que se verifique na data da interposição
do recurso. O recurso de anulação deverá produzir consequência jurídicas, a anulação do ato,
que beneficiem o seu autor, apurado ao momento da interposição do recurso do ato – “atos
que produzam efeitos jurídicos obrigatórios suscetíveis de afetar os seus interesses, alterando
de forma caracterizada a sua situação jurídica”.

Esta fórmula teve alguma evolução, mas ainda assim continua a ser muito restritiva. A fórmula
original não continha a parte de simples afetação direta de atos regulamentares, mas este
preceito está precisado no Tribunal de Justiça desde a década de 60, e o TJ não tem evoluído em
relação a isso – isto é algo muito criticável pela doutrina, por Advogados Gerais e pelo próprio
Tribunal Geral, que teve a ousadia de ir mais além e ter uma interpretação mais flexível neste
âmbito, não exigindo a afetação individual e bastando-se com afetação direta, mas que o TJ
imediatamente coartou em sede de recurso. É na sequência desta jurisprudência controversa
que vem a ser alterado este regime, de modo a introduzir-se a última forma relativa aos atos
regulamentares que afetem diretamente e não tem de afetar individualmente.

Qual é a justificação apresentada pelo Tribunal de Justiça?

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Sebenta Teórica de DUE II da Comissão de Curso de quarto ano da FDUP – Sílvia Moreira e Mariana Cruz

Desde logo, o princípio da legalidade, isto é, o Tribunal de Justiça faz uma interpretação literal
(e nela se mantém) do que está previsto no art. 263º do TFUE, mas sabemos que, noutras
ocasiões, o TJ teve interpretações bem mais flexíveis, admitindo que a fórmula do 263º podia
ser objeto de interpretação extensiva quando não até corretiva, mas neste ponto mantém-se
rigoroso.

Uma outra justificação que também é dada encontra-se no artigo 19º do TUE, porque este tem
uma cláusula na qual prevê as competências do TJ que, apesar de ter uma cláusula aberta,
remete para os Tratados, e tem uma parte na qual diz que cabe aos Estados-Membros assegurar
vias de recursos necessárias para garantir o cumprimento do Tratado, a efetivação do Direito da
União Europeia. É com base nesta fórmula, que o TJ diz que, se há situações em que um
particular não encontra tutela jurídica no quadro do TUE ou do TFUE, caberá aos Estados criar
internamente essas vias de recurso, o particular poderá utilizar as vias de recurso nacionais.

A questão é que o próprio TJ admite que os Estados não estão obrigados a criar vias de recurso
especiais e terá de ser sempre através de um enquadramento nas vias de recurso comuns que
os Estados-Membros dispõem no quadro do seu ordenamento jurídico. Não há uma obrigação
para o Estado de criar uma via de recurso quando, eventualmente, o tribunal nacional recuse
conhecer uma determinada situação, continua a haver situações em que não há meio processual
ao dispor de um particular para tutelar a sua esfera jurídica, porque se trata de uma questão
que diz respeito à alegada invalidade de um ato da União que não cabe nos requisitos que
referimos e, por isso, não pode ser objeto de recurso de anulação junto do TJ, mas que também
não pode ser objeto de recurso junto dos tribunais nacionais, porque estes não têm
competências para anular atos da UE.

Portanto, esta possibilidade está sempre dependente de um qualquer ato nacional ou de uma
situação jurídica complementar que possa ser objeto de tutela jurisdicional por parte dos
tribunais nacionais, e isso pode exigir, por exemplo, que um particular viole um direito para ser
objeto de uma decisão de uma autoridade nacional a sancionar essa violação, de modo a que
ele depois recorra dela junto do Tribunal nacional e aí vai invocar enquanto exceção a ilegalidade
do ato da União Europeia que está na base da decisão da sua norma, numa via de defesa
excecional e não diretamente com vista à anulação do ato.

Os recorrentes ordinários podem impugnar 3 categorias de atos:

• Atos de que são destinatários


• Atos normativos ou dirigidos a outras pessoas que lhes digam direta e individualmente
respeito:
o “Diretamente” – um ato diz diretamente respeito em que situações? A
obrigação direta existe quando o ato em causa na situação jurídica do
particular não deixar qualquer margem de apreciação na respetiva aplicação
(desnecessidade de ato de execução ou ato de execução vinculado), ou porque
ela é desnecessária, ou porque o ato de execução é vinculado, isto é, é um ato
no qual a entidade aplicadora não tem poder de decisão efetiva. Pode ser um
simples ato operacional, material, ou pode ser um ato jurídico mas no qual não
há uma liberdade ou qualquer capacidade de configuração da medida a aplicar
ao particular, mas simplesmente de aplicar aquilo que o próprio ato já prevê.
São atos que são de natureza exaustiva, o regime jurídico, quer do ponto de

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Sebenta Teórica de DUE II da Comissão de Curso de quarto ano da FDUP – Sílvia Moreira e Mariana Cruz

vista da definição das regras, quer depois da sua aplicação e execução, está
plenamente estabelecido no ato em causa.

o “Individualmente” – a jurisprudência Plaumann é a jurisprudência mais recente


em que esta questão foi colocada para determinar a afetação individual, e isso
conduz a um regime jurídico que foi configurado tendo em conta as
características particulares, especificas, exclusivas daquele sujeito e, portanto,
de alguma forma, determinando também o regime que veio a ser estabelecido.
Isso permitirá que essa entidade que não é destinatária do ato ou porque ele é
dirigido a outrem ou porque é um ato que tem uma configuração geral (é um
Regulamento que estabelece o regime geral para determinada realidade), ainda
assim afeta aquele particular de modo que efetivamente o distingue de outros
e se determinou com base nas suas próprias características. Está dependente
da sua própria idiossincrasia.

• Atos de natureza regulamentar que digam diretamente respeito aos recorrentes


ordinários e não necessitem de medidas de execução – o Tratado de Lisboa traz aqui
alargamento de legitimidade, porque não se exige afetação individual e basta a afetação
direta. Podemos estar perante um regime jurídico que não está configurado pelas
características específicas, próprias, individuais daquela entidade, mas que
efetivamente tem uma configuração geral, normativa.
Ainda assim, exige-se que haja uma afetação direta, isto é, trata-se de um regime que
não exige atos de execução que sejam mais do que vinculados, além de atos de tipo
operacional.
Caso Inuit – o caso tem a ver com a proibição de comercialização de pele de foca e foi
objeto de recurso de anulação por parte de organizações de defesa da cultura e das
atividades tradicionais dos esquimós. Quando o Tribunal de Justiça foi chamado a
interpretar isto, ele introduziu uma outra restrição: a expressão do tratado é “atos
regulamentares que lhes digam diretamente respeito”. Poderíamos pensar que estes
atos regulamentares seriam regulamentos, portanto que esta expressão remetia para a
forma do ato, que são os atos de alcance geral. Contudo, o TJ veio a fazer uma
interpretação diferente, tendencialmente mais restrita, porque grande parte dos atos
de natureza legislativa, sejam ordinários ou adotados segundo o processo legislativo
especial, na maioria dos casos são adotados sob forma de regulamento (porque não há
a figura da lei).
A questão é que o Tribunal de Justiça diz que temos de ler “ato regulamentar” não no
sentido da categoria de atos do art. 288º, isto não significa “regulamentos”, mas sim
atos de natureza regulamentar, isto é, atos não legislativos. Isto restringe desde logo
esta categoria de atos e significa que, se estivermos perante um ato adotado de acordo
com o processo legislativo (seja ordinário ou especial), o particular não pode basear-se
neste fundamento para procurar impugnar o ato. Terá que comprovar que além de o
ato o afetar diretamente, também o afeta individualmente, o que é especialmente difícil
num ato de natureza legislativa.
Que tipos de atos pode o particular impugnar com base nestes fundamentos? Aqueles
que são já atos de segundo grau, como regulamento de execução ou regulamentos
delegados, os atos que não constituem atos legislativos. Isto é especialmente gravoso
quando sabemos que a natureza de ato legislativo na União Europeia tem um caráter
meramente formal, não tendo a ver com o conteúdo do ato, mas simplesmente com o

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Sebenta Teórica de DUE II da Comissão de Curso de quarto ano da FDUP – Sílvia Moreira e Mariana Cruz

processo de adoção. Não são atos legislativos aqueles que estabeleçam as bases de um
determinado regime, de uma matéria, mas antes os adotados de acordo com o processo
legislativo, de acordo com as bases jurídicas dos tratados.
Portanto, esta natureza nada nos diz sobre o conteúdo do regime jurídico, se ele é
efetivamente mais genérico, lato, ou mais concreto, limitado. Neste caso em que
estejamos perante um ato ou regulamento adotado de acordo com o processo
legislativo (que corresponde à maioria dos atos), um particular só poderá impugnar
esse ato se esses os afetarem direta e individualmente, não se bastando com a
afetação direta. Para a afetação direta, terá de ser um ato regulamentar (pode até ser
uma decisão, uma diretiva), um ato de segundo grau, adotado com base noutro ato que
constitui a base jurídica dele. O Tribunal de Justiça esclarece esta interpretação no caso
Inuit e diz que esta afetação direta dos atos regulamentares significa que o ato é auto-
exequível, portanto que exige apenas atos materiais ou operacionais de execução ou
atos que, ainda que sejam jurídicos, são atos vinculados, é a simples decisão da
autoridade de fazer aplicar aquele ato naquela situação concreta, com um conteúdo
jurídico próprio.

Limites de controlo jurisdicional


Quanto aos limites de controlo jurisdicional, o Tribunal é muito contido, mas a professora não
considera isso criticável. Quando o TJ aprecia os fundamentos, e particularmente aquilo que diz
respeito a escolhas de política económica e social, ele não se substitui ao autor do ato, ainda
que possa considerar que poderia haver alternativas diferentes, mas não lhe cabe a ele fazer
essa escolha. Limitar-se-á a fazer uma apreciação, quando se trate de elementos que indiciem
um desvio de poder, de um erro na apreciação do Direito, uma errada escolha da base jurídica,
uma errada interpretação dos conceitos jurídicos ou um erro manifesto dos pressupostos de
facto (daquilo que são os elementos da realidade utilizados pelo legislador para fundamentar
uma opção, mas que, de modo manifesto e não conforme a essa opção, indiciam uma
necessidade oposta) – tendo em conta, desde logo, o princípio da separação de poderes, não
cabe aos tribunais fazer política.

Mesmo no quadro da União Europeia, o Tribunal acaba já por estar bastante condicionado
porque o TUE e o TFUE já são Tratados bastante programáticos, orientando as políticas de uma
forma que não fazem a maioria das constituições (que são bastante mais limitadas). O Tratado
tem opções de política sobretudo económica perfeitamente orientadas, no sentido de
liberdades de comércio e circulação e, portanto, já há aqui um grande condicionamento do
legislador, há uma vinculação muito elevada do legislador – por exemplo, a Política Agrícola
Comum foi definida no Tratado num determinado momento histórico e, porventura, hoje não
será mais adequada e, por isso, há quem entenda que tratado deva ser revisto para expurgar
estas orientações políticas, deixando-as às maiorias do Conselho e do Parlamento.

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Sebenta Teórica de DUE II da Comissão de Curso de quarto ano da FDUP – Sílvia Moreira e Mariana Cruz

Relativamente à decisão do recurso de anulação, ela faz-se por acórdão, mas pode ser por
despacho nas situações previstas no art. 181º do RPTJ, se se concluir que, logo no momento
preliminar do processo, o recurso é manifestamente inadmissível ou manifestamente
improcedente e aí pode decidir-se por decisão mais sumária.

Efeitos – art. 264º: caso julgado


O recurso de anulação resulta em caso julgado, se estivermos a falar de decisão do Tribunal de
Justiça. Já a decisão do Tribunal Geral terá efeitos de caso julgado depois de decorrido o prazo
do recurso para o Tribunal de Justiça e este não tenha tido lugar. Se for uma decisão do Tribunal
de Justiça, não há recurso e haverá caso julgado; se for uma decisão do Tribunal Geral e não
houver recurso para o TJ dentro do prazo, só findo esse prazo é que há caso julgado.

Isto significa que não é admissível novo recurso entre as mesmas partes, com o mesmo objeto
e o mesmo fundamento. O ato anulado é expurgado da ordem jurídica, deixando de vigorar e
produzir quaisquer efeitos jurídicos. Portanto, tem efeitos erga omnes e ex tunc, reportando-
se a momento em que o ato iniciou a sua vigência.

Contudo, pode haver subsistência de efeitos, uma limitação destes efeitos do art. 264º. Pode
haver uma continuação, no sentido de que vale apenas para futuro (ex nunc – não produz efeitos
em momento anterior à prolação do acórdão), ou então podem apenas subsistir efeitos parciais,
e caberá ao Tribunal decidir quais os efeitos que se devem manter.

Fá-lo-á tendo em conta os critérios de:

• Segurança jurídica – nomeadamente a preservação de situações jurídicas consolidadas,


de diretos adquiridos;
• Evitar situações em que haja um vazio jurídico – situações em que não seja de admitir
que deixemos de ter como regras jurídicas vigorar e a aplicar-se. Os efeitos subsistem
até que as instituições adotem um novo ato e só aí é que esta anulação produz efeitos);
• Continuidade do serviço público – quando estejamos perante situações com grande
impacto do ponto de vista económico e financeiro.

O Tribunal também pode determinar medidas de eliminação de efeitos de execução, nos


termos do art. 266º. Podem as instituições não só deixarem de aplicar aquele ato, mas pode
haver outras necessidades relativamente a operações anteriores de efetivação que devam ser
eliminadas, e aí quem tem esse poder são os órgãos competentes, porque a simples cessação
da vigência daquele ato não é suficiente para eliminar essas situações anteriores.

No âmbito da PESC, no Tratado de Lisboa introduziu-se de modo limitado a competência do


Tribunal de Justiça para controlar a validade de atos adotados nesse âmbito. Estamos a falar
essencialmente das competências do Conselho Europeu e do Alto Representante, que são as
entidades no quadro da Política Externa e de Segurança Comum que tem poder decisório, e
nesse quadro, o Tratado de Lisboa admitiu que o Tribunal de Justiça poderá controlar a
legalidade dos atos do Conselho – art. 275º §2. A regra geral na PESC é a de que o TJ não tem
competência no âmbito de atos adotados com base na PESC, cuja base jurídica seja uma
disposição do TUE, mas prevê-se que haja atos adotados pelo Conselho que podem ser objeto
de recurso de anulação.

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Sebenta Teórica de DUE II da Comissão de Curso de quarto ano da FDUP – Sílvia Moreira e Mariana Cruz

Quais são eles? Atos do Conselho que adotem medidas restritivas dirigidas a particulares, que
habitualmente vêm associadas a um quadro de sanções aplicadas pela União Europeia a
entidades internacionais que a UE entenda que estão a agir contra o Direito Internacional ou
que estejam a pôr em causa princípios fundamentais do Direito Internacional.

Esta alteração vem na lógica dos recursos interpostos por personalidades relativamente a
decisões no quadro do combate ao terrorismo e no qual, curiosamente, a União Europeia
estava a cumprir decisões do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Após 2001, o CSNU
adotou um conjunto de decisões sancionatórias que impunham aos Estados que adotassem
medidas restritivas relativamente a um conjunto de personalidades que este considerava que
contribuíam de modo ativo ou através do apoio para o terrorismo a nível internacional. Foi
criado um Comité que vai avaliando em permanência que personalidades, empresas, etc., que
diretamente estão relacionadas com atividades terroristas ou apoiam (financeiramente ou de
outras formas) o terrorismo. Esse Comité vai produzindo e prolificando uma listagem de
personalidades e o Conselho de Segurança vai adotar decisões nas quais determina se aquelas
entidades devem ou não ser objeto de medidas restritivas (como o congelamento de fundos,
de bens, restrições de circulação).
É na sequência disto que, no quadro europeu, tendo em conta que há um conjunto de
matérias que são competência da União Europeia e não dos Estados (nomeadamente
respeitantes à circulação de pessoas dentro do espaço da União), coube à União adotar um
conjunto de decisões no âmbito da PESC e já no TFUE que instituíam essas medidas restritivas.
No caso das decisões no âmbito da PESC, não se previa competência para o TJ poder julgar da
validade destes atos e o que sucede foi que tivemos algumas entidades coletivas e indivíduos
que estavam incluídas naquela lista das Nações Unidas, foram incluídas em atos da União
Europeia e, posteriormente, foram objeto dessas medidas restritivas – essas entidades
recorreram ao TJUE e, num primeiro momento, o Tribunal Geral veio dizer que estes atos no
âmbito de PESC não podem ser objeto de controlo. Mais, mesmo aqueles que tinham sido
objeto de decisão no quadro da Comunidade Europeia não podiam ser objeto de controlo
naquele caso por parte daquelas entidades, porque elas não tinham legitimidade processual,
dado que não eram afetadas direta e individualmente.
Há jurisprudência que vem evoluir nesse sentido, para qual contribui muito o Professor
Poiares Maduro, que disse que na União Europeia não podia haver atos que afetem
particulares, restringindo a sua esfera jurídica e as suas liberdades, que não sejam sujeitos a
um controlo jurisdicional, nomeadamente para assegurar que eles tiveram garantidos
direitos de defesa em particular, porque estamos a falar de união de direto.
Estamos a falar de decisões no âmbito da PESC que afetavam particulares, sendo que, no
âmbito da PESC não se previam que essas personalidades ou entidades pudessem participar
no procedimento para contrariar aquela decisão, de alguma forma – não se previa uma
audiência previa, como seria devido no quadro da adoção de medidas restritivas a entidades.
Portanto, elas não podiam apresentar fundamentos, argumentos, factos que contrariassem
aquilo que era o entendimento e orientação que deveria ser seguida. A Comissão Europeia
tenta argumentar que está apenas a aplicar medidas do Conselho de Segurança e a cumprir
apenas o Direito Internacional, dado que as decisões do Conselho de Segurança são
obrigatórias.
O Dr. Poiares Maduro disse que, no quadro da Nações Unidas, e porque esta não são uma
união de Direito, aquelas decisões não previam que as entidades visadas se pudessem
defender e pudessem porventura apresentar provas que aquela alegação de que apoiavam o
terrorismo não era verdadeira. Como nas Nações Unidas isso não estava previsto, este
defendia que não poderíamos na União Europeia aplicar cegamente essas decisões sem dar
oportunidade a essas entidades visada de alguma forma contrariar e defender-se.

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Sebenta Teórica de DUE II da Comissão de Curso de quarto ano da FDUP – Sílvia Moreira e Mariana Cruz

É nesse quadro que o TJ vem admitir que, não estando assegurado no quadro internacional
um regime que salvaguarde os direitos de defesa de entidades particulares, no quadro da UE
não podíamos ter situações em que esses particulares não têm qualquer tutela, não têm
quadro prévio administrativo, porque a União limitava-se a aplicar as medidas do Conselho
de Segurança, e depois não têm acesso a um Tribunal para poderem contrariar essas mesmas
alegações. O Tribunal de Justiça, no entanto, admitindo esta situação, veio defrontar-se com
aquele limite de que não há meios processuais a que possa recorrer o particular, porque não
é um ato que lhe seja dirigido particularmente, ou que o afete direta e individualmente.

Com aquela terceira possibilidade introduzida pelo Tratado de Lisboa e com esta possibilidade
do art. 275º em relação aos atos da PESC, veio admitir-se que particulares que sejam objeto de
medidas restritivas, no quadro do TFUE (atos que lhes sejam dirigidos, atos que os afetem direta
e individualmente ou atos que os afetem direta e individualmente e não necessitem de medidas
de execução), possam impugnar esse atos e no quadro da PESC podem impugnar também,
precisamente por remissão ao art. 263º por parte do art. 275º.

O que o art. 275º diz é que o Tribunal de Justiça é competente para apreciar a legalidade dos
atos da PESC que constituam medidas restritivas que afetem qualquer uma das entidades que
têm legitimidade no quadro do art. 263º §4. Isto significa que particulares que tenham
legitimidade nos termos do art. 263º §4 também têm legitimidade para impugnar nas mesmas
condições atos da PESC que sejam adotados pelo Conselho, impondo medidas restritivas a esses
particulares.

O recurso tem exatamente as mesmas condições: os fundamentos são os mesmos, ocorrendo


com as devidas adaptações – falamos de qualquer um daqueles fundamentos no âmbito da
PESC, na medida em que um ato possa violar qualquer das disposições que são aplicáveis no
âmbito da PESC, sejam princípios gerais, sejam disposições das primeiras partes do TUE.

Quando falamos no quadro da PESC, falamos essencialmente de erro manifesto na apreciação


dos factos, ou erro de Direito, ou da violação de princípios fundamentais, nomeadamente dos
princípios que dizem respeito à audição das partes – quando é aplicada uma medida restritiva,
deverá a entidade visada poder, no procedimento da adoção dessa medida, pronunciar-se sobre
a intenção e aquilo que é factualidade fundamentos do ator desse ato no quadro da adoção
dessa medida.

Regime especial do art. 8º do Protocolo n.2 sobre o princípio da subsidiariedade e


proporcionalidade
Aqui prevê-se que os Parlamentos nacionais ou qualquer uma das câmaras dos Parlamentos
nacionais podem impugnar um ato legislativo com fundamentos na violação do princípio de
subsidiariedade. Para atos legislativos, a legitimidade do recuso é dos Parlamentos nacionais,
ainda que se faça através da representação dos Governos nacionais – a parte em juízo é
efetivamente o Parlamento nacional, ainda que seja representada pelo Governo nacional.

Nesta mesma disposição prevê-se também a legitimidade do Comité da Regiões nas mesmas
condições. Para além das condições previstas no art. 263º (em que o Comité das Regiões já é
um recorrente semi-privilegiado), pode também impugnar atos legislativos com fundamento
no princípio da subsidiariedade, no quadro dos quais ele devia ter sido ou foi consultado – é um
fundamento específico para além do do art. 263º. Não é um fundamento para a defesa das suas

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Sebenta Teórica de DUE II da Comissão de Curso de quarto ano da FDUP – Sílvia Moreira e Mariana Cruz

prerrogativas, competências, mas para a defesa do princípio da subsidiariedade. Significa isto


que o entendimento é de que aquele ato não devia ter sido adotado pela União Europeia,
porque é isso que está em causa quando falamos da violação do princípio da subsidiariedade –
este princípio é violado quando a União adota um ato em desrespeito pelo artigo 5.º do TUE,
um ato que não devia ter adotado, mas que deviam ter sido os Estados-Membros a adotar no
quadro das competências partilhadas.

2. Recurso por omissão – art. 265º TFUE


O recurso por omissão é uma espécie de espelho, em grande medida, do recurso de anulação,
porque os fundamentos substantivos para o pedido são os mesmos, mas o pedido aqui é inverso.

“Se, em violação dos Tratados, o Parlamento Europeu, o Conselho Europeu, o Conselho, a


Comissão ou o Banco Central Europeu se abstiverem de pronunciar-se, os Estados-Membros e as
outras instituições da União podem recorrer ao Tribunal de Justiça da União Europeia para que
declare verificada essa violação. O presente artigo é aplicável, nas mesmas condições, aos
órgãos e organismos da União que se abstenham de se pronunciar.

Este recurso só é admissível se a instituição, o órgão ou o organismo em causa tiver sido


previamente convidado a agir. Se, decorrido um prazo de dois meses a contar da data do convite,
a instituição, o órgão ou o organismo não tiver tomado posição, o recurso pode ser introduzido
dentro de novo prazo de dois meses.

Qualquer pessoa singular ou coletiva pode recorrer ao Tribunal, nos termos dos parágrafos
anteriores, para acusar uma das instituições, órgãos ou organismos da União de não lhe ter
dirigido um ato que não seja recomendação ou parecer.”

Temos aqui, por um lado, esta indicação de quais são as instituições que estão obrigadas a agir
e que, caso não adotem um ato que é devido, podem ser objeto de recurso por omissão, podem
ser réus. Por outro lado, temos a indicação de quem pode agir do ponto de vista ativo, aqueles
que podem interpor recurso por omissão – vemos que são as instituições da União, mas podem
ser também os Estados-Membros e ainda, nos termos do último parágrafo, pessoas singulares
ou coletivas, que correspondem à mesmas que se preveem no art. 263º, este caso, para exigirem
a prática de um ato que lhes devia ser dirigido.

Qual é o fundamento?

Tem de haver uma omissão da obrigação de adotar um ato que legalmente era devido. Por
isso, não vale para aquelas situações respeitantes à ação por incumprimento, em que a
Comissão decide não avançar para a fase contenciosa ou não faz um parecer fundamentado em
relação a um Estado.

Está sempre em causa uma ação positiva, será sempre para adotar um ato e não para revogar
ato que se considere ilegal, não é o sucedâneo do recurso de anulação – não tem por objeto a

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Sebenta Teórica de DUE II da Comissão de Curso de quarto ano da FDUP – Sílvia Moreira e Mariana Cruz

anulação de um ato vigente que podia ter sido objeto de recurso de anulação. Não tendo aquele
sujeito interposto recurso para anulação, o objeto não se pode basear num requerimento à
entidade autora que ela própria revogue esse ato.

Quando se fala em haver novos factos substanciais, isso já tem a ver com o recurso de anulação
em que é adotado um outro ato – aí sim, pode haver uma modificação do pedido, tendo em
conta esse incidente, essa alteração das circunstâncias. Num recurso de anulação em que se
requer a anulação de um ato da Comissão e ela vem depois modificar esse ato, pode haver uma
alteração do pedido que se traduza num pedido relativamente a um ato que se quer que seja
revogado, mais uma vez, mas no quadro dessa alteração, mas não num quadro autónomo.

Tal como na ação por incumprimento, este recurso tem duas fases: uma fase administrativa e
uma fase contenciosa, devendo haver coincidência entre ambas. Aquilo que é pedido na fase
administrativa tem de se manter na fase contenciosa.

Fase administrativa
A fase administrativa começa com um convite para agir – art. 265º §2. Há aqui alguma
semelhança com a ação por incumprimento, em que também a Comissão adota uma notificação
para cumprir, que não é propriamente um convite ao Estado para agir, mas substancialmente
tem natureza próxima.

Este convite para agir terá de ser oficial (não é informal), que deve ser preciso, claro, indicando
à entidade convidada (Parlamento Europeu, Conselho Europeu, Conselho, Comissão ou o Banco
Central Europeu) qual é o ato que é requerido, o ato que se entende que devia ter sido adotado,
o seu fundamento jurídico e esta indicação de que a não adoção daquele ato se traduz numa
omissão de um ato devido, contrária ao DUE.

É isto que depois vai delimitar o próprio objeto do litígio – aquilo que depois pode vir ser pedido
na petição é exatamente o mesmo, tem de ser o mesmo ato com mesmo fundamento. Se assim
não for, a consequência é a exceção de inadmissibilidade.

O convite deverá ser respondido no prazo de 2 meses. A partir de que momento deverá dirigir-
se a uma destas instituições o convite? Deverá ser a partir do momento em que ato era devido,
a partir do momento em que a instituição deveria ter adotado esse ato, mas não há prazo
definido, o art. 265º não prevê nenhum prazo. Contudo, para que haja obrigação de agir, tem
de haver um momento anterior em que esse ato devia ter tido lugar. Isso tem de estar definido
de alguma forma, ou porque o Tratado o prevê ou porque há um ato anterior que determina o
prazo no qual aquela instituição estava obrigada a adotar uma determinada decisão.

Isto é relevante porque, embora não haja um prazo para convidar instituição agir, o Tribunal já
admitiu que o convite pode ser tardio, pode ser feito em momento posterior, quando já
decorreu um prazo muito elevado e já será abusivo vir fazer esse pedido. Isto será sempre
casuístico, não há nenhum critério em abstrato para se considerar que o convite dirigido à
instituição para produzir ou adotar um ato devido já é extemporâneo, já vem num momento
demasiado tardio. Contudo, obviamente, haverá sempre um momento a partir do qual o ato
seria devido, e será este prazo excessivo contado a partir desse prazo, na medida em que isso
seja também exigível ao autor do convite, nomeadamente porque ele tem conhecimento de

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Sebenta Teórica de DUE II da Comissão de Curso de quarto ano da FDUP – Sílvia Moreira e Mariana Cruz

factos e desse momento em que a prática do ato era devida. Se ele teve conhecimento dos
factos que obrigam a instituição a adotar um ato, então não há um prazo determinado para ele
dirigir o convite, mas admite-se que haverá prazo razoável e adequado que, se for excedido,
poderá ser considerado excessivo e abusivo e, depois, não dará lugar a acolhimento necessário
por parte da instituição.

De acordo com o art. 265º §2, a instituição em causa deverá reagir no prazo de 2 meses. Caso
adote o ato requerido, não há lugar ao recurso por omissão. Se adota outra medida ou se se
recusa expressamente a adotar um ato, então aqui não há lugar a recurso por omissão, mas
pode haver um recurso de anulação do ato adotado que não é o ato requerido e também, no
caso da recusa, da decisão de recusar de adotar o ato. Deixa de ser possível o recurso por
omissão porque, na realidade, já não há uma omissão, a instituição agiu, mas não o fez de acordo
com o pedido efetuado, mas esta ação pode ser fundamento de recurso de anulação, seja por
adoção de um ato distinto, seja da decisão de recusa de adotar o ato. Esta recusa é dirigida ao
particular, que poderá, com esse fundamento, interpor o recurso de anulação. Aqui têm de ser
cumpridos os requisitos do art. 263º.

Se não houver uma reação, se a entidade em causa se mantiver numa situação de abstenção,
então será possível o recurso por omissão. A ausência de reação consiste na ausência ou da
recusa, ou de um ato definitivo ainda que diverso, ou do ato requerido. A adoção de atos que
não constituem atos definitivos, que não constitui um daqueles atos que são impugnáveis e que
produzem efeitos vinculativos na esfera de terceiros, então nesse caso continua a existir uma
omissão (se for realizado um estudo ou uma análise, isto não elimina a situação de omissão,
porque o ato devido continua a ser devido).

O requerente pode interpor recurso por omissão e tem 2 meses para o fazer. O recurso de
anulação deve ser feito nos termos do art. 263º no prazo de 2 meses, a que podem acrescer a
dilação da distância e outros prazos, como o de 14 dias.

Fase contenciosa
Quem tem legitimidade ativa?

• Os Estados-Membros e todas as instituições (aqui há uma diferença relativamente ao


banco Central Europeu, ele não é semi-privilegiado, ele tem uma legitimidade idêntica
à dos privilegiados – aqui o BCE não tem de justificar o interesse, mas é necessário que
se trate de um ato que possa ser também ele um ato jurídico, que produza efeitos
jurídicos vinculativos, ainda que possa ter alcance geral e não se dirigir ao BCE ou afetar
as suas prerrogativas)
• Os particulares – têm uma legitimidade idêntica à do art. 263º. Poderão exigir e depois
recorrer através do recurso por omissão em reação à ausência da prática de um ato que
lhes diga direta e individualmente respeito. Temos situação controversa quanto aos atos
que os afetariam diretamente, ainda que não lhes dissessem individualmente respeito.

O autor do ato tem de ser a mesma entidade que dirigiu o convite para agir, não pode haver
uma substituição em relação a essa personalidade.

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Sebenta Teórica de DUE II da Comissão de Curso de quarto ano da FDUP – Sílvia Moreira e Mariana Cruz

A existência de obrigação de agir é uma questão de mérito – não é uma questão processual,
relativa à admissibilidade do recurso. É de referir a obrigação da Comissão de adotar um ato
delegado e a omissão de um dever de pronúncia através de um ato dirigido ao recorrente, nos
casos de um particular, desde que não seja um parecer ou uma recomendação, porque estes
não são atos impugnáveis, e não podem ser também atos que possam ser exigidos e depois a
partir dos quais possa haver recurso por omissão. Isto dá-se na sequência de uma denúncia de
uma concentração de empresas não notificada ou em matéria de auxílios de Estado, por
exemplo.

Há algumas especificidades mais complexas, já foi admitido que podia ser exigido um ato
interlocutório obrigatório no procedimento conducente à adoção de um ato definitivo e
vinculativo. Neste sentido, pode um particular exigir que uma daquelas instituições adote o ato
interlocutório necessário, no quadro de um procedimento, para a adoção de um ato definitivo
posterior, que seria esse ato definitivo depois coberto pela categoria de atos impugnáveis.

A adoção do ato põe termo à omissão, pelo que se o ato for adotado, a ação torna-se
inadmissível e perde o objeto, portanto o recurso extinguir-se-á. Se a adoção do ato tiver lugar
antes ainda da interposição do recurso junto do Tribunal, o recurso será inadmissível. Isto é se
ato for adotado depois do prazo dado pelo convite, mas antes da interposição de recurso, aí a
ação será inadmissível, temos uma exceção; se a adoção do ato tiver lugar no curso do processo
num momento posterior, quando o recurso já foi admitido (estamos no curso da pendência
processual), o recurso perderá seu objeto e extinguir-se-á também, se a instituição que é ré no
caso tiver adotado um ato, entretanto – o processo vai extinguir-se também por decisão do
Tribunal.

De acordo com o art. 266º, se o Tribunal declarar que, efetivamente, o ato era devido e a
instituição estava obrigada a adotá-lo, o acórdão condena essa instituição à sua adoção e ela
tem a obrigação de adotar esse ato. Se não o fizer, temos uma omissão e a possibilidade de essa
instituição vir a ser objeto de novo recurso de anulação.

Efetivamente, não pode o Tribunal substituir-se à instituição e ele próprio adotar esse ato,
produzindo o ato devido e superando essa situação jurídica, ou seja, produzindo os efeitos
jurídicos que o ato produziria no caso – tem de haver sempre um ato da instituição a seguir, é
uma situação semelhante àquela que acontece com os Estados, o Tribunal condena o Estado na
adoção do ato, mas não se substitui a ele, cabe sempre ao réu a adoção do ato que é devido
(que corresponde ao ato que foi requerido desde a fase inicial).

Essa situação de omissão pode causar prejuízos e por isso temos, paralelamente, uma tutela
compensatória, nomeadamente através da ação de responsabilidade (no caso,
extracontratual).

O Tribunal, nos termos do art. 266º, pode adotar medidas injuntivas, como por exemplo dar um
prazo para adotar o ato. Contudo, a consequência última de o próprio Tribunal se substituir à
instituição ou sancionar pecuniariamente já não acontece. Imaginemos uma situação com a
Comissão em que este comportamento acontecesse – há outras vias, por exemplo, como a
Comissão não estaria a cumprir as suas obrigações, o Parlamento Europeu teria aí possibilidade
de aprovar uma moção de censura, que faria cair a Comissão. No entanto, as instituições devem
respeitar o Tribunal, porque é isso que dá força às suas próprias competências.

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Sebenta Teórica de DUE II da Comissão de Curso de quarto ano da FDUP – Sílvia Moreira e Mariana Cruz

23/03/2023

2. Exceção de ilegalidade – art. 277º TFUE


A exceção de legalidade não é propriamente uma modalidade processual, mas sim um incidente
processual, relevante no âmbito do controlo da legalidade.

Está prevista no art. 277.º do TFUE e possibilita que, num processo que tem como objeto
principal algo diferente (poderá ser um recurso de anulação, uma ação de responsabilidade,
uma pronuncia de uma ação por incumprimento, etc.), seja levantado pela parte um incidente
de ilegalidade, uma defesa por via de exceção, alegando a ilegalidade de um ato jurídico da
União Europeia, que não é o ato que é objeto de recurso de anulação, no caso de um recurso
de anulação (este seria o ato de base daquele ato jurídico que é objeto do recurso de anulação
e que depois transmite a sua irregularidade, o seu vício, para o ato de execução ou ato delegado)
ou, se estivermos falar no quadro da responsabilidade, aí poderá ser o ato que está em causa
no âmbito da ação de responsabilidade. Numa impugnação de um ato, suscita-se a questão
incidental da ilegalidade de outro que constitui a sua base jurídica.

Esta via, este expediente pode ocorrer quer junto do Tribunal de Justiça, quer a nível nacional,
junto de um Tribunal nacional – não vamos falar de termos e condições do quadro nacional,
pois isso dependerá do próprio quadro nacional, os Tribunais nacionais também são
competentes para poderem pronunciar-se no respeito pelas suas respetivas competências.

Que limites têm os Tribunais nacionais quando, no quadro do processo no Tribunal nacional, é
invocada a exceção de ilegalidade? Os Tribunais nacionais não podem declarar a invalidade sem
colocarem a questão ao Tribunal de Justiça (foi o que retiramos da jurisprudência Foto-Frost
no caso do reenvio). Imaginemos no quadro de um litígio contratual entre duas partes, que pode
ter na sua base uma violação do contrato com apoio no Código Civil ou Comercial e depois haver
ali também relevância de uma disposição do Direito da União, que pode ser invocada a título
excecional, e também invocada a respetiva ilegalidade.

Aqui, é importante ter presente que os Tribunais nacionais não se podem pronunciar sobre a
validade, no sentido de considerarem que aquela disposição é inválida, sem fazerem reenvio
prejudicial, mesmo que seja um Tribunal de cuja decisão caiba recurso. O que podem fazer é
adotar medidas provisórias. Se efetivamente se inclinarem para a invalidade e, enquanto o
reenvio decorre, podem aplicar medidas provisórias para acautelar situação no período em que
o TJ aprecia o reenvio.

Quem pode suscitar esta exceção?

Esta exceção pode ser invocada por qualquer uma das partes no processo que tenha interesse
nisso, para a tutela da sua posição e interesse jurídico. – Isto inclui os privilegiados que podiam
ter impugnado através do recurso de anulação?

Há um princípio que determina que uma parte não pode invocar uma exceção de ilegalidade
relativa a um ato do qual podia ter recorrido. Se a parte podia ter recorrido no prazo de 2
meses, através do recurso de anulação, e não fez, não poderá em princípio invocar a exceção
de ilegalidade num outro processo, quando tinha aquela via direta para o fazer – isto vale para
os particulares e, por isso, a exceção de ilegalidade tendencialmente vale para atos normativos,
que são aqueles de que eles não podem recorrer.

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Sebenta Teórica de DUE II da Comissão de Curso de quarto ano da FDUP – Sílvia Moreira e Mariana Cruz

Dos atos que lhe são dirigidos, a empresa que é objeto de uma decisão diretamente pode
recorrer dessa decisão e está precludida a possibilidade de usar esta exceção de ilegalidade
noutra ação posteriormente, quando a podia ter usado naquela situação – esta é um dos casos
em que não vale a exceção de ilegalidade. A parte destinatária do ato em causa não pode
invocar a sua ilegalidade quando deixou correr o prazo para recurso de anulação e não o
interpôs. O mesmo vale para os Estados – o Estado objeto de decisão do Conselho ou da
Comissão também não pode invocar a exceção de ilegalidade se não recorreu desse mesmo ato
que lhe era dirigido.

A questão coloca-se em especial para os recorrentes privilegiados, em termos mais genéricos,


pois este podem recorrer de todos os atos – que sentido faz permitir que eles sejam displicentes
e deixem correr o prazo e depois, quando lhes parecer oportuno, invocar a exceção de
ilegalidade?

Em princípio, isto não deveria ser permitido, contudo, o Tribunal não tem tido jurisprudência
uniforme, e será de defender que, se a parte que pretende invocar essa exceção tinha a
faculdade de recorrer do ato e não o fez, então a exceção de ilegalidade não deve ser admitida.
No entanto, o Tribunal já admitiu, em situações particularmente graves, exceções de ilegalidade
invocadas pelos recorrentes privilegiados, quando o vício é de tal forma grave que corresponde
à inexistência do ato – isto pode acontecer quando há falta de competências da União Europeia.
Esta tipologia de vícios não está perfeitamente definida no Direito da União, as categorias que
conhecemos do direito interno não têm um desenvolvimento ou uma definição no DUE, não há
uma orientação consensual nessa matéria.

Se a regra fosse a mesma para os particulares e para os recorrentes privilegiados, isso significaria
que estes últimos nunca poderiam invocar a exceção de ilegalidade, porque eles podem recorrer
de qualquer ato, restariam apenas os recorrentes semi-privilegiados, ou institucionalmente
interessados, que só podem recorrer de certos atos e prerrogativas, e os recorrentes ordinários.
Contudo, o Tribunal já admitiu exceções de ilegalidade invocadas por recorrentes privilegiados,
portanto não há jurisprudência uniforme nesta matéria.

A exceção de ilegalidade funciona sobretudo como uma válvula de escape para as limitações
que têm os recorrentes ordinários, que não podem interpor recurso de anulação de um
conjunto significativo de atos jurídicos, dadas as condições restritivas que se prevê o acesso ao
TJ, no quadro do recurso de anulação ou do recurso por omissão.

Os fundamentos são idênticos aos do art. 263º. No recurso de anulação a exceção de ilegalidade
está associada a uma relação entre o ato que é objeto de recurso de anulação (uma decisão,
um regulamento de execução, um regulamento delegado) e o ato base – para se invocar esta
exceção de ilegalidade do regulamento base, é preciso que haja efetivamente uma relação entre
um e outro, que o regulamento objeto do recurso de anulação seja um regulamento de execução
do regulamento base, cuja ilegalidade está aqui a ser posta em causa. De outro modo, não há
uma ilegalidade relevante, se estamos a falar de fontes de direito que não têm uma relação
entre si, aquele vício não transitaria para o ato que está a ser objeto de recurso de anulação.

A exceção de ilegalidade não tem prazo e é de conhecimento oficioso do juiz. A ilegalidade é


de ordem pública quando diz respeito à incompetência no quadro da própria União Europeia,

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Sebenta Teórica de DUE II da Comissão de Curso de quarto ano da FDUP – Sílvia Moreira e Mariana Cruz

mas também no quadro da violação de determinadas formalidades essenciais na constituição


do ato.

Quanto aos seus efeitos, eles produzem-se apenas inter partes, com a determinação da
respetiva inaplicabilidade. No entanto, a Comissão Europeia deverá iniciar, se for declarada a
ilegalidade de determinado ato, o processo de revogação ou modificação do ato, porque essa é
obrigação da CE enquanto guardiã dos tratados. Nessa medida, se num processo o Tribunal
declara que a disposição ou a diretiva é inválida, e se isto foi levantado por uma exceção de
ilegalidade, obviamente daí não vai resultar a expurgação do ato do ordenamento jurídico (como
resulta do recurso de anulação), ela vai garantir que ele não se aplica naquele caso em concreto,
mas a Comissão deverá eliminar aquela disposição de acordo com uma revisão do ato ou mesmo
com um processo para a sua substituição, se a exceção de ilegalidade afetar todo o ato jurídico.
Só depois de decorrido esse processo é que efetivamente o ato cessa a sua vigência, até lá
mantém-se em vigor apesar da declaração de ilegalidade.

Isto pode ser mais um argumento a favor do reenvio obrigatório no quadro da validade, porque
aqui podemos ter declarações de invalidade casuísticas, cuja solução erga omnes demora
tempo, porque está dependente de processo decisório que é sempre muito demorado, apesar
de poder ser agilizado, e obviamente que, com o reenvio obrigatório, isso permitirá ao Tribunal
de Justiça assegurar-se de que não há uma aplicação continua desse ato pelos Tribunais
nacionais que, porventura, não se tenham apercebido dessa situação em particular.

Atos impugnáveis
Quais os atos cuja invalidade pode ser invocada? Atos de alcance geral de instituições, órgãos
ou organismos – não podem ser atos dirigidos a particulares ou a Estados-Membros (porque
eles deveriam ter recorrido deles).

Por um lado, o Tribunal de Justiça entendeu que um Estado não podia invocar a exceção de
ilegalidade, porque podia ter recorrido do ato, portanto não poderá usar esta via de defesa
depois. No entanto, só o poderia fazer se o ato em causa enfermasse de vícios particularmente
graves e manifestos, a ponto de poder ser qualificado de ato inexistente. Este é um argumento
que a professora não considera sólido, porque se o ato enfermava de vícios graves e
particularmente evidentes, é razão acrescida para ter sido objeto de recurso de anulação, pois
seria, à partida, evidente para o Estado-Membro que havia uma invalidade que deveria ter sido
objeto de recurso de anulação. De qualquer modo, no acórdão C-620/16, 89, o Tribunal
entendeu que assim se verificava. Isto não está perfeitamente clarificado, tendo em conta esta
jurisprudência.

Será de considerar, em relação aos Estados-Membros e às instituições, que se devem exigir


critérios muito rigorosos nestes aspetos. A professora admitiria a exceção de ilegalidade para
os recorrentes privilegiados quando houvesse situações excecionais, em que se pudesse admitir
que o recurso de anulação não tivesse sido utilizado pelo Estado, e haver outra jurisprudência
ou qualquer facto superveniente, posterior aos dois meses em que era possível recurso de
anulação, que tivesse alguma incidência sobre aquela situação e pudesse agora vir a trazer
alguma dúvida ou ambiguidade que justificasse que o Estado venha, após os dois meses, invocar
a ilegalidade do ato.

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Sebenta Teórica de DUE II da Comissão de Curso de quarto ano da FDUP – Sílvia Moreira e Mariana Cruz

Não há qualquer clarificação, até hoje, de quais são os vícios que acarretam inexistência no
quadro da União Europeia – não há qualquer consenso doutrinal ou jurisprudencial nesta
matéria, não conseguimos retirar daqui quais serão esse vícios, porque essa classificação não
está contida em tratados ou qualquer outro ato e na doutrina também não há consenso, porque
no quadro do Direito da União Europeia temos ordenamentos jurídicos muito distintos, com
escolas de pensamento jurídico muito diferentes também, e essa diversidade dificulta conceitos
desta natureza, porque nem todos os ordenamentos jurídicos os reconhecem, e mesmo quando
os conhecem não lhes dão o mesmo alcance. Portanto, é necessário que seja próprio Tribunal
da UE a elaborá-los de modo autónomo, e até hoje isso não aconteceu. Exige-se aqui cautela.

Se o particular, para impugnar um ato junto do Tribunal de Justiça, só o pode fazer se for direta
e individualmente afetado por um ato de alcance geral, no quadro nacional isto é uma invalidade
que pode surgir a outro propósito, podendo ter que ver com um ato verdadeiramente de
alcance geral.

Dada as restrições que têm os particulares relativamente ao recurso de anulação no quadro


europeu, e também porque a nível nacional não há vias de recurso próprias para anular um ato
europeu (nem pode haver, devido à divisão de competências), o que sucede? Sucede que os
particulares, quase sempre, têm de aguardar por uma decisão nacional que aplique o ato
europeu geral para poderem impugna essa decisão nacional, e nomeadamente, se a decisão
for contrária aos seus interesses, o que eles farão com certeza é impugnar essa decisão.

Se se tratar de um ato que tenha aplicabilidade direta, como acontece com os regulamentos, e
que não necessite de um ato nacional para a respetiva aplicação, os particulares vêm-se na
situação ingrata de ter de desrespeitar o DUE e, desrespeitando o regulamento, por exemplo,
aí poderão ser objeto de uma sanção a nível nacional, porque as autoridades nacionais têm o
dever de fazer respeitar o Direito da União, e quando essa decisão que sanciona violação do
Direito da União Europeia lhe for dirigida, o particular impugna essa decisão e o seu fundamento
poderá não ter nada a ver com a decisão em si, mas pode simplesmente invocar a ilegalidade
do regulamento que está na base daquela decisão. Aqui os particulares não têm de justificar
que são individualmente afetados, porque a decisão enferma de um vício do regulamento que
ela aplica.

Apesar do alargamento da legitimidade dos particulares no Tratado de Lisboa, ainda há um


conjunto de atos dos quais os particulares não podem efetivamente recorrer, porque o
particular só pode recorrer de atos que lhe são dirigidos e que os afetam direta e
individualmente. Se afetar diretamente, ainda que não individualmente, o tratado não prevê
exatamente que se possa impugnar esse ato, o Tribunal de Justiça interpretou “atos
regulamentares” strictu sensu, excluindo todos os atos legislativos. Basta que o ato em causa
seja um ato legislativo, adotado de acordo com um processo legislativo, mesmo que afete
diretamente e não exija atos de execução, não pode ser impugnado por um particular. Então,
resta ao particular a exceção de invalidade, ou junto do Tribunal de Justiça num outro
contencioso (que não é fácil de equacionar a não ser no recurso de anulação), ou no quadro
nacional, na situação que vimos.

78
Sebenta Teórica de DUE II da Comissão de Curso de quarto ano da FDUP – Sílvia Moreira e Mariana Cruz

A exceção de ilegalidade pode ser invocada no quadro de um processo nacional, mas está
sempre ligada, caso venha a ter cabimento, a um reenvio para o Tribunal de Justiça. De outro
modo, não poderia ter acolhimento, porque violaria a jurisprudência Foto-Frost.

No quadro nacional, a questão de validade é sempre uma questão de exceção, nunca pode ser
outra coisa, porque nunca pode ser esse o objeto. No quadro nacional, nunca pode ser um ato
da união europeia objeto de recurso, a invalidade do ato nunca é o objeto da ação nacional,
porque os tribunais nacionais não têm competência para declarar e decidir sobre a validade dos
atos da União. O objeto terá de ser sempre qualquer outro que envolva a aplicação de Direito
da União, e em que uma das partes se há de defender, porventura, invocando a invalidade dessa
disposição. A questão pode não ser a invalidade, mas por exemplo a interpretação do, o objeto
da controvérsia não tem de ser a invalidade do ato, mas pode surgir no quadro dessa
controvérsia uma questão em torno da ilegalidade do ato.

O Contencioso da Responsabilidade
Nesta matéria, as competências do Tribunal de Justiça são competências que podem ser de tipo
administrativo, nomeadamente no quadro da responsabilidade extracontratual da União
Europeia, como também podem ser de tipo civil-administrativo, em relação à responsabilidade
contratual da União, e ainda as podemos equiparar a contencioso de tipo cível, no quadro da
responsabilidade contratual.

Começando pela responsabilidade contratual, o que é fundamental são as regras da


responsabilidade, que estarão dependentes da lei aplicável ao contrato, que em princípio
depende da própria autonomia contratual (art. 340º §1 TFUE) – nesse caso, o TJ pode ser
competente e a lei aplicável pode ser a lei da União Europeia, por força de vigorar num
determinado Estado-membro. A lei aplicável ao contrato, imaginando que é lei que vigora na
Bélgica (a mais comum, por exemplo, em contratos de fornecimento para a União Europeia),
então aí o Tribunal de Justiça vai aplicar a lei belga.

A competência do Tribunal de Justiça pode resultar de duas vias:

• Competência compromissória, no caso da responsabilidade contratual (podemos


estar a falar de um contrato entre dois Estados que atribua competência ao TJ; um
contrato entre a União Europeia e um privado, que sempre terá de atribuir
competência ao TJ, pois este não tem competência de princípio nessa matéria). A
competência do Tribunal resulta sempre da jurisdição que lhe seja atribuída
nomeadamente do ponto de vista dos contratos, que determinam se o TJ será ou
não competente. Nesse quadro, o objeto será sempre o respeito ou desrespeito das
obrigações contratuais e a legitimidade será determinada desta forma.
• No quado da responsabilidade extracontratual, a competência do TJ resulta da lei.

Aqui, quando falamos de responsabilidade contratual, o autor e reu será o sujeito jurídico que
é a União Europeia, ainda que ela vá estar presente em juízo através da representação. A
legitimidade ativa, quando não for da outra parte, há de ser sempre da União, mas
representada pela instituição parte no contrato que, em nome da União, o celebrou. A

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Sebenta Teórica de DUE II da Comissão de Curso de quarto ano da FDUP – Sílvia Moreira e Mariana Cruz

legitimidade passiva cabe à União Europeia (enquanto réu ou parte, se o autor for a própria
União), representada pelas instituições a que se imputa o facto lesivo; ao BCE (art. 340º §3 TFUE)
ou a outra parte na ação.

Responsabilidade Contratual
Quais os requisitos da responsabilidade contratual?

• Desrespeito das obrigações contratuais – a causa de pedir do autor contra a União


Europeia é a alegação de que a instituição parte no contrato não terá respeitado
obrigações previstas no contrato;
• É necessário que se verifique dano, para poder ter lugar a responsabilidade
• Nexo de causalidade entre o comportamento da instituição e o dano. O mesmo
vale quando a União é o autor e do outro lado temos um réu.

O objetivo desta ação tem natureza compensatória – o pedido é que a parte que terá
alegadamente provocado o dano faça o seu ressarcimento, não é uma ação meramente
reconstitutiva (imaginemos uma situação no direito interno em que o Tribunal se pode substituir
à parte e executa a obrigação – aqui o Tribunal não faz isso). No entanto, pode trazer consigo
um pedido de injunção, para que ela faça ou deixe de fazer algo, mas não pode substituir-se o
Tribunal a ela. Não pode ele próprio reconstituir a situação jurídica devida.

Outro tipo de ressarcimento é a publicação do acórdão, que é uma forma de compensação de


danos morais, muitas vezes para que se torne público e notório que houve violação declarada
pelo TJ.

A nível de obrigações, elas resultam dos contratos e da lei aplicável, não há nenhuma
especificidade do Direito europeu nesta matéria. Obviamente, são aplicáveis os princípios gerais
de Direito, em relação às obrigações em geral que tem qualquer parte num contrato, como o
princípio da boa-fé, e que são comuns aos Estados. O Tribunal faz valer esses princípios, mas
não temos aplicação do Direito da União, exceto na medida em que ele é relevante enquanto
lei competente, sendo que temos normas de DUE que integram os ordenamentos jurídicos dos
Estados. Não é a aplicação do Regulamento enquanto Direito da União, mas a aplicação do
regulamento que é direito da União mas também Direito vigente no ordenamento jurídico que
é a lei do contrato.

Responsabilidade extracontratual da União Europeia


A União Europeia é responsável pelos danos que resultem da prática de qualquer tipo de ato
ilícito, seja ele de que tipo for, que não decorra de um contrato, mas sim de obrigações objetivas
resultantes do Direito da União Europeia ou de qualquer norma aplicável à União.

Têm legitimidade ativa as pessoas singulares e coletivas, Estados-Membros, Estados terceiros,


Organizações Internacionais, etc. – qualquer entidade que tenha sofrido dano cuja prática seja
imputável à UE (a algum órgão, agente, instituição da União), seja a que título for, pode ser no
quadro das competências legislativas, executivas, judiciais. Danos resultantes de uma ação ou
omissão do TJ, incluindo na função jurisdicional, podem acarretar responsabilidade

80
Sebenta Teórica de DUE II da Comissão de Curso de quarto ano da FDUP – Sílvia Moreira e Mariana Cruz

extracontratual. Esta responsabilidade extracontratual é, nas suas condições, paralela à


responsabilidade extracontratual dos Estados-Membros pelo incumprimento do Direito da
União Europeia. A especificidade aqui é que também o Tribunal se baseia nos princípios gerais
de Direito comuns aos ordenamentos dos Estados-Membros.

A ação é intentada contra a instituição, órgão ou organismo a quem se imputava o facto lesivo
(legitimidade passiva).

(O TJUE já foi réu numa ação de responsabilidade extracontratual por demora processual.)

Esta ação pode ser autónoma ou um pedido paralelo a um recurso de anulação (este é muitas
vezes cumulativo com o recurso de anulação) – quando se interpõe o recurso de anulação, em
simultâneo, além deste, pede-se também a responsabilidade extracontratual da Comissão
Europeia, por exemplo, se for o autor do ato, desde que se cumpra os requisitos. Muitas vezes,
esta responsabilidade extracontratual não é autonomizada do ponto de vista processual, não é
objeto de um recurso autónomo, de uma ação autónoma, mas surge no quadro de um recurso
de anulação ou de uma ação por incumprimento. Pode surgir associada a outra via processual,
que será a via principal, da qual o pedido da responsabilidade estará em grande medida
dependente – se o recurso de anulação não tiver provimento, se não houver anulação,
dificilmente haverá responsabilidade extracontratual da União.

Quanto aos requisitos da responsabilidade extracontratual, estes são semelhantes aos que o
Tribunal elaborou para a responsabilidade extracontratual dos Estados.

A elaboração destes requisitos foi feita para a responsabilidade extracontratual da União


Europeia antes de o Tribunal ter desenvolvido jurisprudência para a responsabilidade
extracontratual dos Estados, logo é esta última que se inspira na jurisprudência sobre a
responsabilidade extracontratual da UE, que já vinha a ser desenvolvida desde a década de 60.

Estes requisitos são todos cumulativos:

• Violação de uma regra de direito suficientemente caracterizada que tenha por


objeto conferir direitos aos particulares – terá de ser manifesta e grave também. O
Tribunal é especialmente exigente em particular quanto aos atos de alcance
normativo, isto é, aquilo que será admitido em relação à violação do Direito terá de
ser manifesto e grave. Significa isto que, em relação aos atos de natureza normativa,
temos de ter presente uma violação do Direito em termos objetivos que
efetivamente seja uma violação que caiba também no art. 263º.
Não basta uma qualquer irregularidade, uma qualquer prática que, porventura,
possa produzir um dano, tem de haver uma violação séria do Direito
nomeadamente de um Tratado que acabe por se refletir na esfera jurídica dos
indivíduos também. Além de ter de haver uma violação do Direito (nomeadamente
violação do Tratado, de princípios gerais ou de um ato de base), é necessário que
essas normas e esses princípios confiram àquele que invoca o dano uma tutela
efetiva, um direito, um particular interesse sem o qual não pode haver lugar à
responsabilidade.
Não é suficiente que haja uma invalidade de uma diretiva, de um regulamento ou
de uma decisão se não se comprovar simultaneamente que aquela violação
efetivamente atenta contra a esfera jurídica do individuo, impondo-lhe uma

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Sebenta Teórica de DUE II da Comissão de Curso de quarto ano da FDUP – Sílvia Moreira e Mariana Cruz

obrigação que é contrária ao Direito, restringe um Direito Fundamental, atenta


contra uma expectativa ou confiança legítima (se formos para além da estrita tutela
de direitos).
Quando falamos de atos normativos, temos de compreender que estes têm um
regime jurídico, do qual resultam obrigações para particulares ou para Estados-
Membros que afetam essa esfera jurídica e podem restringir direitos, mas isso em
si resulta de uma opção que, exceto se for passível de controlo pelo Tribunal, não
será suficiente para se poder invocar uma responsabilidade extracontratual – é a
mesma lógica que vimos relativamente aos recursos de anulação, é necessário que
haja alguma afetação individual distintiva, porque de outro modo não há aqui um
dano que seja suficientemente caracterizado para poder acarretar responsabilidade
extracontratual.
Imaginando, num recurso de anulação, que se consegue a anulação do ato, tal não
significa necessariamente que daí vá decorrer responsabilidade extracontratual da
parte da União Europeia simplesmente porque ato é ilícito, é necessário que
requisitos específicos estejam cumpridos. Quando falamos de responsabilidade,
não falamos de reposição de situação anterior, é mais do que isso.

• Dano – tem de ser um prejuízo real, quantificável no momento em que é intentada


a ação e pode comportar o pagamento de juros contados a partir dessa data,
podendo também comportar danos futuros, desde que iminentes e previsíveis (não
apenas lucros cessantes mas também ganhos que se obteriam). Mais uma vez, o
Tribunal aqui é especialmente rigoroso.

• Nexo de causalidade – causa determinante entre aquilo que é o comportamento


imputável (violação da regra de direito por ação ou omissão, e por isso também
podemos ter isso associado a recurso por omissão) e o dano.

Esta responsabilidade é objetiva, não exigindo culpa, não havendo censurabilidade.

Está sujeito a prescrição – 5 anos a partir dos factos danoso e não do ato na origem do dano
(art. 46º ETJUE). Decorridos esses cinco anos, a União Europeia não mais é responsável.

Também pode haver responsabilidade por facto lícito, ainda que em circunstâncias normativas
limitadas. Pode ter a ver com determinadas circunstâncias, particularmente de natureza
operacional – no quadro da PESC, temos missões de segurança da União no exterior, que estão
a exercer um mandato lícito, mas pode haver a prática de atos que provoquem danos a terceiros,
como utilização e destruição de bens, e aí podemos ter uma situação de responsabilidade pela
prática de factos lícitos. Podemos equacionar situações como por exemplo fiscalização da
Comissão Europeia no exercício das suas competências que provoquem danos a terceiros – o
acesso a determinados documentos, que pode gerar problemas relativamente a ativos e, ainda
que o ato seja licito, pode equacionar-se a possibilidade de ressarcir danos resultantes desse
comportamento que não é contrário ao Direito, mas produziu uma lesão na esfera jurídica de
terceiros.

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Sebenta Teórica de DUE II da Comissão de Curso de quarto ano da FDUP – Sílvia Moreira e Mariana Cruz

29/03/2023

Análise do Processo T-262/10


Este processo correu termos no Tribunal Geral e tem como recorrentes a Microban internacional
e a Microban Europa (com sede no Reino Unido), contra a Comissão Europeia. O objeto deste
recurso de anulação é a anulação da decisão 2010/169/EU, referente a aditivos que podem ser
utilizados no fabrico de embalagens de plásticos para embalar alimentos, e versava sobre a não
inclusão do aditivo éter 2,4,4’-tricloro-2’-hidroxidifenílico.

A União Europeia harmoniza estas regras porque isso é fundamental no mercado interno. Nesta
matéria há normas, como a diretiva 89/109/CEE, que estabelecem um quadro legislativo base
quanto à composição de produtos vendidos para estarem em contacto com produtos para
consumo humano e quanto ao procedimento para haver uma atualização, ao longo do tempo,
dessas regras. Esta diretiva previa um parecer do comité científico da alimentação humana
quanto às decisões da Comissão Europeia relativamente à inclusão e exclusão de uma lista de
produtos que podem ser aditados ou não a estas mercadorias. Este parecer não é
necessariamente vinculativo, mas as instituições normalmente não se afastam de pareceres
científicos.

Neste caso, o parecer não era conclusivo, no sentido de haver provas de que o aditivo em
questão tivesse efeitos nocivos, mas não quer dizer que, passado algum tempo, não haja
investigação que demonstre que esses tais efeitos nocivos se produzam, e, por vezes, até na
mesma altura pode haver posições contraditórias – em 2000, a utilização do triclosan podia ser
aceite.

Em 2002, há uma empresa que apresenta um pedido de reavaliação do triclosan, e a EFSA


(Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos) vem confirmar a opinião dada em 2000.
Em 2008, o triclosan foi inscrito na lista provisória dos aditivos, relativa aos materiais e objetos
de matéria plástica destinados a entrar em contacto com os géneros alimentícios que podem
continuar a ser utilizados nas condições previstas na legislação nacional. Em 2009, a Ciba
informou a Comissão da sua decisão de retirar o uso do triclosan como aditivo, retirando essa
substância da lista provisória.

A 19 de Março de 2010, a Comissão adotou a Decisão 2010/169/UE, relativa à não inclusão do


triclosan na lista da União de aditivos que podem ser utilizados ao abrigo da Diretiva
2002/72/CE. Na decisão recorrida, a Comissão referiu que a Ciba a tinha informado da sua
decisão de retirar o seu pedido de autorização de uso do triclosan como aditivo e, na medida
em que a utilização do triclosan como aditivo do plástico já não era objeto de um pedido válido,
a Comissão concluiu que não devia ser inscrito na lista positiva, retirando-a também da lista
provisória. Considerou necessário, porém, prever um período transitório em que a
comercialização dos materiais e objetos de matéria plástica com triclosan pudesse continuar a
ser autorizada pelos Estados-Membros.

Esta decisão dirige-se aos Estados-Membros – é um ato de natureza geral ou não?


Tendencialmente poderíamos dizer que, como era dirigida aos Estados-Membros, não seria de
alcance geral, mas o seu regime tem alcance geral por uma outra via.

O recurso foi introduzido a 7 de junho de 2010. O prazo são 2 meses, pelo que, para interpor
recurso, as empresas terão um prazo que começa a contar desde a publicação da decisão, logo

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Sebenta Teórica de DUE II da Comissão de Curso de quarto ano da FDUP – Sílvia Moreira e Mariana Cruz

dois meses (art. 263º) + 14 dias + 10 dias, no máximo, porque sendo uma decisão dirigida a todos
os Estados-Membros, é um ato publicado. O recurso foi interposto com base no art. 263º.

Sabendo que é decisão dirigida aos Estados-Membros, podem aquelas duas empresas interpor
este recurso? Este ato não lhes é dirigido e, por isso, não podem recorrer enquanto
destinatárias. Temos de ver, caso seja um ato dirigido a outrem ou de natureza legislativa, se as
afeta diretamente e individualmente, ou, sendo ato regulamentar, se as afeta diretamente
(não necessitando de afetação individual) e não necessita de medidas de execução (esta última
possibilidade entrou em vigor no Tratado de Lisboa).

Quanto à admissibilidade, dispõe o ponto 17 e ss. Por razões de economia processual, o Tribunal
começa por aferir se o ato é regulamentar e se há afetação direta. Sobre a natureza do ato, rege
o ponto 21 e ss. A Comissão tem competência de execução de atos legislativos e este traduz-se
num poder regulamentar, num poder de adotar atos de alcance geral que complementam o ato
legislativo de base. A decisão da Comissão Europeia tem natureza regulamentar, tendo sido
adotada de acordo com o regime de comitologia, sendo atos de execução e tendo alcance geral,
é ato regulamentar.

A decisão recorrida tem alcance geral, na medida em que se aplica a situações determinadas
objetivamente e produz efeitos jurídicos para uma categoria de pessoas prevista de modo geral
e abstrato. A consequência direta da não inscrição na lista positiva e da retirada da lista
provisória é, portanto, a de o triclosan já não poder ser objeto de comercialização na União, a
partir de 1 de Novembro de 2011. A decisão recorrida aplica-se, assim, a todas as pessoas
singulares ou coletivas cuja atividade consista em produzir e/ou comercializar o triclosan, bem
como objetos e materiais que o contenham. Daí resulta que há que considerar que a decisão
recorrida constitui um ato regulamentar na aceção do artigo 263.°, quarto parágrafo, TFUE.
Sendo ato regulamentar, não temos de apurar se afeta individualmente aquelas entidades,
tendo apenas de afetar diretamente. Ser um ato regulamentar não quer dizer que afete
diretamente, é regulamentar porque aplica regime genérico.

Quanto à afetação direta: pontos 26 e ss. Uma vez que, como se esclareceu na audiência, as
recorrentes compram triclosan e utilizam-no para fabricar um produto com propriedades
antibacterianas e antimicrobianas, que é seguidamente revendido para ser utilizado no fabrico
de materiais e objetos de matéria plástica destinados a entrar em contacto com géneros
alimentícios, a decisão recorrida produz diretamente efeitos na sua situação jurídica.

Acresce que a decisão recorrida não deixa nenhum poder de apreciação aos Estados-Membros,
que são os seus destinatários e, por isso, estão encarregados da sua aplicação. É certo que
resulta do artigo 2º dessa decisão que a comercialização dos materiais e objetos com triclosan
pode prosseguir até 1 de novembro de 2011, sem prejuízo da lei nacional, o que significa que os
Estados-Membros têm a possibilidade de proibir a comercialização desses materiais e objetos
antes dessa data. Contudo, embora os Estados-Membros disponham de um certo poder de
apreciação quanto à data em que pretendem proibir a comercialização do triclosan, a aplicação
da proibição é automática e obrigatória a partir de 1 de novembro de 2011. Além disso, há que
observar que o período transitório previsto no artigo 2º da decisão recorrida tem por objetivo
facilitar a aplicação da medida de não inscrição do triclosan na lista positiva, de modo que tem
natureza acessória face a essa medida.

Assim, a nova introdução do conceito de afetação direta nessa disposição não pode, em
qualquer caso, ser objeto de uma interpretação mais restritiva que o conceito de afetação
direta, tal como surgia no artigo 230º, quarto parágrafo, CE. Uma vez que ficou assente, no

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Sebenta Teórica de DUE II da Comissão de Curso de quarto ano da FDUP – Sílvia Moreira e Mariana Cruz

n. 30, supra, que a decisão recorrida diz diretamente respeito às recorrentes, na aceção do
conceito de afetação direta tal como constava do artigo 230º, quarto parágrafo, CE, há que
considerar que a decisão recorrida também o faz na aceção do conceito de afetação direta, tal
como introduzido no artigo 263º, quarto parágrafo, TFUE.

Quanto à questão de saber se a decisão recorrida contém ou não medidas de execução: nem a
não inscrição na lista positiva nem a retirada da lista provisória necessitam de medidas de
execução por parte dos Estados-Membros. A decisão de não inscrição teve como consequência
imediata a retirada da lista provisória e a proibição da comercialização do triclosan, sem que
seja necessário os Estados-Membros adotarem qualquer medida de execução. A própria medida
transitória, ao permitir prolongar a possibilidade de comercialização do triclosan até 1 de
Novembro de 2011, não necessita de medidas de execução pelos Estados-Membros, visto a
intervenção destes para antecipar o termo previsto em 1 de Novembro de 2011 ser puramente
facultativa e, sendo assim, não há intervenção substantiva dos Estados-Membros. Não há
medidas de execução, apena escolha do momento que proibição vai produzir efeito
pleno/completo. Embora, nesse caso, a medida transitória possa dar origem a medidas de
execução pelos Estados-Membros, há que repetir que essa medida transitória se destina a
facilitar a aplicação da decisão recorrida, na medida em que tem o efeito de proibir a
comercialização do triclosan, de modo que as pessoas singulares ou coletivas afetadas por essa
proibição possam tomar as suas disposições. É, portanto, acessória face ao objeto principal da
decisão recorrida, que é a proibição da comercialização do triclosan, que, a partir de 1 de
novembro de 2011, será aplicável sem necessidade de medidas de execução.

Daí resulta que a decisão constitui um ato regulamentar que diz diretamente respeito às
recorrentes e não necessita de medidas de execução, pelo que improcede a exceção alegada
pela Comissão, sem que seja necessário analisar a eventual afetação individual das
recorrentes.

Esta decisão do tribunal fundamenta legitimidade das recorrentes no 4º parágrafo do 263.º, por
ser ato regulamentar que lhes afeta diretamente que não necessita de medidas de execução.

Acórdão T-18/10 – Caso Inuitt


Este acórdão está relacionado com a comercialização de produtos de focas – está em causa o
regulamento 1007/2009, relativo ao comércio de produtos derivados de foca, que é aqui objeto
de recurso de anulação. A questão de admissibilidade coloca-se sobre a possibilidade de estas
entidades e pessoas poderem recorrer. O Tribunal vem fazer aqui a tal distinção nos termos do
art. 263º entre aquilo que estava previsto antes do Tratado de Lisboa sobre os atos que afetam
direta e individualmente a tal noção de ato regulamentar. Veja-se o ponto 40 – para ser possível
pronunciar-se sobre a admissibilidade do presente recurso, há que proceder a uma
interpretação literal, histórica e teleológica desta disposição. Este termo “ato regulamentar”
tem de se opor ao termo “ato legislativo” (ponto 46), porque estando aqui em causa o
regulamento quando a nova disposição do Tratado de Lisboa veio incluir atos regulamentares
que afetem diretamente, a alegação dos recorrentes é que, tratando-se de regulamento, não
seria necessária afetação individual, mas apenas afetação direta sem ser necessário medidas de
execução. A Comissão Europeia e depois o Tribunal entende que, apesar de a expressão ser
“ato regulamentar”, isso não diz respeito à categoria do ato enquanto regulamento, mas
natureza de ato normativo de 2º grau, complementar de legislação, ato regulamentar, tais atos

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Sebenta Teórica de DUE II da Comissão de Curso de quarto ano da FDUP – Sílvia Moreira e Mariana Cruz

adotados de acordo com o art. 290º ou 291º (atos delegados e atos de execução). Só estes,
segundo o Tribunal, é que cabem nesse 4º parágrafo que diz respeito a atos regulamentares.
Encontra-se aqui uma justificação literal, porque a expressão não é “regulamento”, mas sim
“atos regulamentares” e depois é feita a analise dos próprios trabalhos preparatórios. É
relevante a natureza do ato e não a sua categoria formal.

Como é que particulares poderão invocar a ilegalidade de normas de Direito da União Europeia
quando atos de execução são nacionais? Através de exceção de ilegalidade. Se execução for das
instituições da UE é através do art. 290º ou 291º, aí preenchidas condições irá impugnar ato de
execução da União.

Imaginemos no caso anterior em que há atos de base que por si só estabelecem a proibição e
não havia atualização nem nada a regulamentar. Isto não exige nenhum ato de Estados-
Membros apenas atos operacionais ou atos jurídicos vinculados como fiscalização por exemplo.
Se não existisse esta necessidade de modificações, não precisaria de nenhum ato de execução
da UE e, por isso, a legislação seria só por si executável. Se era um ato legislativo, para que o
particular o pudesse impugnar ficava sujeito às duas condições: afetação direta e individual.

Neste acórdão do TG é onde tribunal estabelece a distinção entre a primeira parte do


parágrafo 4º e a segunda parte deste parágrafo.

30/03/2023

• Apresentação do acórdão 263/10

O art. 266º determina que, na sequência de anulação pelo Tribunal, as instituições da UE têm a
obrigação de adotar todas medidas necessárias para cumprir essa mesma anulação, para retirar
as consequências da anulação. Se o ato foi anulado, qual a ação que se exige da Comissão
Europeia neste caso? Será pagar aquilo que decisão tinha suspendido, mas isto é algo que o
Tribunal não pode condenar a fazer. As instituições competentes têm a obrigação de retirar essa
consequência e agora em conformidade para fazer cumprir aquilo que determina a decisão do
Tribunal.

Imagine-se que a Comissão não o faz voluntariamente – que meio resta à Espanha para obter
esse resultado? O recurso por omissão. A Espanha tem de dirigir um convite à Comissão para
adotar a decisão de pagar os fundos e esperar-se-á que ela o faça, mas se não o fizer, Espanha
tem ao dispor a possibilidade de interpor recurso por omissão.

Quanto à questão dos juros: Espanha deveria, para além do pedido de anulação daquela decisão,
enxertado um pedido de responsabilidade extracontratual da Comissão Europeia. A ação de
responsabilidade pode ser autónoma, mas também pode surgir enxertada numa ação de
recurso de anulação.

Processo T-344/19 – frente Polisário contra o Conselho da União Europeia.


O quadro geral tem a ver com um acordo-quadro que estabelece uma parceria euro-
mediterrânica, com um conjunto de ações e orientações que se pretende que sejam
desenvolvidas neste espaço.

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Sebenta Teórica de DUE II da Comissão de Curso de quarto ano da FDUP – Sílvia Moreira e Mariana Cruz

Temos um problema com Marrocos, em que há uma dimensão relativa ao acesso às águas
territoriais e à ZEE pelo reino de Marrocos no quadro de uma cooperação no âmbito das pescas.
O Tratado prevê a competência exclusiva da União na gestão dos recursos da política de pescas,
o que significa que os Estados-Membros não tem competência, por exemplo, para estabelecer
quadros de cooperação com Estados terceiros para poderem colocar navios seus a pescar nas
águas de Estados terceiros – essa é competência da UE, ela celebra esses acordos e depois
internamente, através de ato interno, vai dividir as quotas que foram acordadas com Estados
terceiros entre os Estados-Membros.

É na sequência de um acordo com esta natureza e depois de um ato da União Europeia que faz
esta distribuição interna de volumes de recursos piscícolas entre Estados-Membros que vamos
ver esta entidade, a Frente Polisário, a procurar impugnar, através do recurso de anulação,
vários atos (o acordo internacional, a decisão de celebração desse acordo e o regulamento que
faz a repartição desses volumes através das quotas entre os EM).

Quem pode ser recorrente? Temos aqui um acordo internacional, porque este não é um ato da
União em exclusivo, é uma fonte de Direito Internacional que o TJ não pode anular porque não
é ato da autoria de nenhuma das suas instituições, dado que é celebrado pela União e por
Estados terceiros. Estes são celebrados na sequência de uma decisão do Conselho que
determina que a União pode e vai assumir esse compromisso, e é esta decisão que acaba por
dar a possibilidade ao Tribunal de fazer a apreciação deste acordo – uma das alegações aqui é
que o Tribunal não pode fazer este recurso, pois vem incidir sobre matérias que estão no Tratado
e, como este não pode ser impugnado, o recurso não é admissível. Contudo, o Tribunal vem
dizer que, como o Tratado é indissociável da decisão de o celebrar, nessa medida o Tratado pode
ser objeto de apreciação. Porém, a anulação será formalmente da decisão de celebração, que
leva consigo não a anulação do Tratado, mas a impossibilidade de produção de efeitos na ordem
jurídica da União Europeia desse Tratado Internacional – isto causa um problema do ponto de
vista jurídico, porque a União está vinculada internacionalmente com obrigações e direitos e ão
os pode cumprir, porque no seu ordenamento jurídico não os pode fazer valer.

No caso, esta entidade tem personalidade e capacidade judiciaria? O art. 263º fala em pessoas
singulares ou coletivas. Não há dúvida que um Estado é um sujeito com personalidade jurídica
internacional, mas a Frente Polisário terá? Ela não tem um estatuto formal reconhecido nem
pela União Europeia nem pelo reino de Marrocos, não tem personalidade jurídica aí e por isso a
questão vai ser julgada no plano do Direito Internacional, que a remete para o quadro das
Nações Unidas – aí, o reconhecimento que tem sido dado a essa entidade é de movimento de
libertação nacional, no quadro do princípio de autodeterminação dos povos. Estes movimentos
de libertação nacional são sujeitos de Direito Internacional e têm personalidade jurídica, ainda
que limitada, nomeadamente no âmbito do quadro de ações como representantes daquele
povo.

Isto ainda relevaria capacidade judiciária, que lhes é reconhecida em quadros paralelos como
processo de autodeterminação. Nas Nações Unidas, quando a questão do Saara Ocidental está
a ser tratada, esta entidade é entendida como representante e tendo capacidade para
representar esses povos. É nesse quadro que o Tribunal acaba por entender que está preenchido
este pressuposto da personalidade judiciária e também depois a legitimidade.

Quanto ao interesse, também se levanta essa questão: há afetação do povo que ela representa
e por isso age não em seu interesse próprio, mas interesse do povo que ela representa, logo há
um interesse processual aqui presente, relacionado com o facto de, se o acordo internacional e

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Sebenta Teórica de DUE II da Comissão de Curso de quarto ano da FDUP – Sílvia Moreira e Mariana Cruz

o regulamento que o executa, ao distribuir os recursos piscatórios entre Estados, é exercido


sobre águas que integram esse território Sarauí, que se encontra nesse processo de
autodeterminação que não esta concluído, logo há interesse em relação a isso.

Este tipo de decisões são atos que não têm destinatário – é uma decisão sem destinatário. Uma
das questões levantadas é que a decisão não produz efeitos externos, pois é uma decisão em
que a União decide celebrar o acordo internacional e, como tal, não pode produzir efeitos
jurídicos externos, pelo que não pode ser recorrível. É um ato da UE para própria UE, não é
dirigido aos Estados-Membros nem a ninguém em particular. O Tribunal vai ter uma leitura
diferente, dizendo que a decisão, como é indissociável do acordo internacional, vai produzir
efeitos jurídicos externos, porque vai ser essa decisão que vai fazer com que o acordo
internacional possa ser celebrado.

Temos aqui um regulamento também que procede a essa distribuição. Este regulamento é um
ato com alcance geral e, por isso, levanta-se o problema de saber se afeta a Frente Polisário
individualmente, visto que ela não é destinatária. Não é um ato que seja dirigido à Frente, é de
alcance geral, e por isso terá de afetar diretamente e individualmente.

Quanto à decisão, é óbvio que não é um ato regulamentar. Se o acordo internacional está depois
sujeito a um regulamento que depois o vai operacionalizar, poderíamos pensar se ele afetaria
diretamente ou se não haverá medidas de execução. Este acordo internacional precisará de
medidas de execução. Há ou não afetação direta aqui? Se temos medidas de execução
poderíamos pensar que não haveria afetação direta, seria depois o regulamento que procederia
à distribuição. Aparentemente, o acordo internacional por si só não afetaria diretamente, mas
a afetação é uma afetação jurídica – é verdade que, para operacionalizar esses efeitos, são
necessários depois também atos jurídicos, no caso europeu através do regulamento, e depois
também seriam necessários atos internos. A afetação direta é a afetação jurídica no destinatário
em causa, e o Tribunal entende que basta o acordo internacional para afetar juridicamente, pois
é este que estabelece o regime jurídico do acesso a essas águas, e aqueles que tem na sua esfera
jurídica essas águas são desde logo afetados por esse acordo por si, sem precisar para isso das
medidas de execução. Mesmo que não houvesse regulamento, o acordo internacional só por si
estabeleceu o regime jurídico que modificou a situação jurídica daquelas águas. Não há
necessidade de um ato complementar que venha efetivamente dar substância jurídica aquele
acordo, simplesmente basta essa operacionalização jurídica ou material.

O regulamento também tem de ser apreciado quanto à afetação direta, mas também é
necessária afetação individual. A afetação individual é a que decorre de características
específicas, intrínsecas daquele sujeito e que condiciona aquele regime que não pode ser
genericamente comum a outros sujeitos possíveis. No caso, o Tribunal vem concluir que há
afetação individual porque, em relação àquele espaço e ao regime que resulta do acordo
internacional para aquele espaço, ele tem uma identidade que é a única que pode ter sido
pensada e ter de estar presente no regime que veio a ser instituído. Na prática, o controlo desse
território estava sobre Marrocos e não sobre domínio da Frente Polisário e, por isso, o Tribunal
poderia dizer que aqui não haveria afetação individual, mas o Tribunal não foi exigente a esse
ponto. A afetação individual significa que aquela entidade é afetada como se fosse ela própria a
destinatária do ato, apesarar de não o ser – esta numa posição idêntica à da destinatária. Aqui,
formalmente, a entidade que podia ser destinatária era Marrocos, porque só Marrocos celebrou
o acordo e só o país poderá celebrar o acordo com efetividade, porque a Frente Polisário não
tem o domínio daquele território. Só Marrocos pode dar efetivação a esse acordo internacional,
mas tudo isto foi ignorado pelo Tribunal.

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Sebenta Teórica de DUE II da Comissão de Curso de quarto ano da FDUP – Sílvia Moreira e Mariana Cruz

O Tribunal veio a concluir pela anulação, limitando os efeitos do acórdão até que ele fosse
substituído por outra solução jurídica, que passaria por envolver o representante daquele povo
para fazer valer os seus interesses de modo a não criar um vazio jurídico. Quer a Comissão
Europeia quer o Conselho têm obrigação de agir, de adotar as ações necessárias para cumprir o
acórdão do Tribunal, nos termos do art. 266º.

13/04/2023

Direito Processual da União Europeia


Há toda uma sistematização que já conhecemos do direito processual e que tem o seu paralelo
aqui, mas com algumas diferenças.

No quadro do contencioso da União, há uma maior flexibilidade, a abordagem dos conceitos é


mais pragmática e mais focada na eficiência processual do que porventura numa preocupação
com rigor lógico e com determinados princípios que em alguns Estados imperam, mais do que
noutros. Há uma maior flexibilização, autonomia e reforço o poder dos magistrados no quadro
da direção do processo – aqui isso é mais notório. Haver ou não, por exemplo, a possibilidade
de réplica ou tréplica aqui depende do entendimento do Tribunal sobre se é necessário, não é
uma regra pré-determinada.

O Direito da União não tem uma doutrina sólida, longa e muito menos uniforme. Pelo facto de
ser uma realidade diversa, multi-jurisdicional, há uma realidade doutrinária que é também ela
menos sólida e, por isso, temos aqui todo um conjunto de questões muito discutidas e apuradas
nos ordenamentos internos, em que participam escolhas de Direito, mas que no quadro da
União, isto é muito menos relevante. O Tribunal tem um poder de decisão que é mais amplo,
não estando tão constrangido por um sistema jurídico dos EM que o ultrapassa. Está presente
uma ideia de pragmatismo, de orientação por quadro de objetividade, mas em que há
efetivamente uma deferência ao juízo dos magistrados do Tribunal, que é mais elevado o que o
que conhecemos no quadro dos sistemas românico-continentais.

Pressupostos Processuais
Falamos aqui de um sistema jurídico que, pelo facto de ser mais plural, obviamente não tem
uma dimensão de rigor dogmático, mas há de facto algumas regras e pressupostos processuais.

Pressupostos processuais são as condições de que depende o exercício da função jurisdicional,


independentemente dos direitos, da bondade ou não e do fundamento ou não, sem os quais o
Tribunal não se pode pronunciar sobre o litígio, não pode decidir do mérito da questão. Em
relação a estes pressupostos processuais, a ausência do pressuposto processual conduz a uma
exceção, que pode conduzir à extinção da instância, e que pode ser:

• perentória (o processo extingue-se e não pode voltar a ser ativado);


• dilatória (permitirá que o processo seja reativado posteriormente quando a condição
em causa se reunir).

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Sebenta Teórica de DUE II da Comissão de Curso de quarto ano da FDUP – Sílvia Moreira e Mariana Cruz

Quais são os pressupostos a salientar?

1. Competência do Tribunal

Primeiramente, quanto à competência do Tribunal, faz-se a distinção entre incompetência


absoluta e relativa, mas, na verdade, a incompetência relativa é irrelevante. A incompetência
absoluta traduz-se na incompetência do Tribunal porque, para que o Tribunal possa exercer a
sua função, é necessário que a questão controvertida, o objeto do litígio tal como definido pelo
autor, caiba no âmbito das competências que os Tratados determinam, seja o TUE no art. 19º,
seja o TFUE.

O Tribunal tem competências determinadas, obedece ao princípio das competências de


atribuição e ao princípio da especialidade – isto significa que nunca no Tribunal temos uma
situação que acontece frequentemente no Direito interno, em que há um tribunal que há de ser
competente quando não houver competência especial atribuída a outros tribunais. No DUE, isto
não acontece, o Tribunal de Justiça ou é ou não é competente. Se não é competente, não há
aqui relação que possa de alguma forma estabelecer-se com o quadro jurisdicional da União
Europeia – a isto chamamos incompetência absoluta, porque, quando a questão em causa não
cai no âmbito das atribuições do art. 19º e das disposições do TFUE (art. 256º e seguintes), a
ação é inadmissível e é uma situação que constitui uma exceção perentória, que não é possível
de ser corrigida. Quem terá essa competência? Em princípio, serão os tribunais nacionais.

Quando falamos em incompetência relativa, estamos a falar da divisão de competências entre


o Tribunal de Justiça e o Tribunal Geral – é feita a remessa oficiosa por parte do secretário do
Tribunal e a questão fica solucionada sem haver uma consequência processual.

2. Personalidade Jurídica

É a suscetibilidade de ser titular de direitos e obrigações de acordo com o ordenamento jurídico


– o Direito da União Europeia não atribui personalidade jurídica, não tem essa atribuição, a
personalidade jurídica de algum sujeito/ente resultará sempre do direito nacional. Isto pode
ainda ser regulado também por direito internacional e não só direito nacional (caso da Frente
Polisário).

3. Personalidade Judiciária

A personalidade judiciária, em princípio, vai a par com a personalidade jurídica, há uma


suscetibilidade da parte em juízo, mas pode não haver inteiramente coincidência há entidades
que, não tendo personalidade jurídica, podem ter personalidade judiciária). A impossibilidade
de ser parte junto do Tribunal de Justiça dependerá do Direito interno que for relevante
(questão do Direito Internacional Privado, ou então do Direito Internacional Público se forem
sujeitos de Direito Internacional). A falta de qualquer um destes elementos (personalidade
jurídica, personalidade judiciária e capacidade judiciária) é insanável.

4. Capacidade Judiciária

É a suscetibilidade de estar por si em juízo, não ter de estar representado. Mias uma vez, aqui
não há regras próprias de DUE, é regulado pelo direito nacional ou internacional.

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Sebenta Teórica de DUE II da Comissão de Curso de quarto ano da FDUP – Sílvia Moreira e Mariana Cruz

5. Legitimidade Processual

Consiste na legitimidade de ser parte num determinado processo jurisdicional. A questão da


legitimidade processual no DUE só tem relevância quando falamos dos particulares, porque
dadas as limitações das atribuições do Tribunal, não é relevante em relação às Instituições, aos
Estados, do ponto e vista das competências no quadro contratual a questão só se coloca quando
já há uma clausula de atribuição de competência ao Tribunal e, por isso, a questão levanta-se
quando falamos no âmbito do contencioso de legalidade em relação à legitimidade dos
recorrentes ordinários, e isto não é relevante no DUE.

Afere-se em relação à relação material controvertida, tal como se apresenta ao Tribunal, é a


regra e limita-se mais à questão da legitimidade 5dos recorrentes ordinários. Claro que, quando
falamos da responsabilidade contratual ou extracontratual, podem suscitar-se questões de
legitimidade, pois poderemos ter de determinar quem é que é titular dos direitos alegadamente
violados e quem é parte controvertida no contrato.

6. Interesse em agir

Vemos uma necessidade ou utilidade de demanda, à luz das pretensões apresentadas. Aqui
temos uma limitação do relevo deste pressuposto, porque percebemos que há processos em
que o interesse em agir é irrelevante, pois não tem de ser justificado – os EM podem recorrer
de qualquer ato de que não são destinatários, não tendo de provar o seu interesse em agir, e o
mesmo se diga em relação ao Parlamento Europeu e ao Conselho. A relevância deste
pressuposto é limitada, mas é importante quando falamos, por exemplo, dos particulares.

7. Representação

A representação por advogado é obrigatória. Não falamos da representação da parte que não
tem capacidade, mas sim da representação em juízo por representante legal, que no caso é
obrigatória. Pode não ser necessariamente uma representação por advogado, na medida em
que se podem incluir também os professores de Direito, quando o ordenamento jurídico
nacional lhes reconheça capacidade para serem representantes em juízo. Não há qualquer
situação em que se possa ser a própria representação, mesmo os Estados e as instituições
também têm de ser representadas, apesar de estas poderem ser representadas por um agente
seu, que será um funcionário.

As Instituições são sempre representadas por agentes que integram os seus serviços jurídicos,
mas que não têm de ser advogados, podendo ser juristas. Quando falamos dos Estados, é
frequente eles associarem um agente com um advogado que lhe dão apoio, ficando à escolha
da parte (sendo que na audiência apenas um intervirá).

A representação tem de ser feita através de forma legal, tendo de haver mandato, que há de
ser uma procuração com os poderes necessários para poder intervir em juízo, e a sua falta é
sanável – em que prazo? Cabe ao Tribunal fixar o prazo, em concreto ao Secretário do Tribunal,
que dá à parte um prazo razoável para regularizar a situação. Se for apresentado, a situação fica
sanada e o processo prossegue; se não for sanado, a instância extingue-se.

Há a previsão de direitos, obrigações e imunidades dos representantes. A representação é


obrigatória, mas não há representantes oficiosos, pode haver apoio judiciário, mas a

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Sebenta Teórica de DUE II da Comissão de Curso de quarto ano da FDUP – Sílvia Moreira e Mariana Cruz

representação é sempre escolhida. Se forem particulares, eles podem pedir apoio judiciário, mas
não há representação oficiosa, o apoio será financeiro para custear as despesas em que
incorram em relação ao advogado que tem mandatário a nível particular. As observações que
podem ser apresentadas pelas partes no processo nacional no qual foi feito reenvio podem ser
por advogado oficioso, a sua representação far-se-á pelo advogado que tiver a nível nacional –
aí aplica-se o regime nacional e não de DUE.

Princípios Processuais
1. Direito de acesso ao Tribunal/Princípio da tutela jurisdicional efetiva

Traduz-se no direito de ação, direito de defesa e direito de apoio judiciário (cobre as despesas
necessárias e razoáveis). Consiste na realização de um processo equitativo e independente, bem
como a imparcialidade do Tribunal.

Não há uma regra quanto às despesas necessárias e razoáveis, o Tribunal irá apreciar quanto
aos recibos apresentados (inclusive, o próprio Tribunal tem despesas). Os processos no TJ são
gratuitos para todos, não havendo taxas de justiça aplicáveis. No entanto, há despesas que o
próprio Tribunal e as partes fazem e que depois são imputáveis às partes. Em princípio, quem
perde paga, mas não necessariamente, pois pode haver despesas vexatórias, em que uma das
partes fez a outra incorrer (mesmo ganhando) e por isso tem de as suportar. Depois, temos
regras que afirmam que os Estados e as Instituições podem ter de suportar as suas próprias
despesas, quando intervêm em processos e não são parte deles.

Este princípio processual consiste na realização de um processo equitativo e independente, bem


como a imparcialidade do Tribunal. Falamos de questões de suspeição e impedimentos em
relação aos juízes.

2. Princípio da igualdade

Traduz-se, desde logo, no princípio do contraditório. Todas as alegações são objeto de uma
possibilidade de pronuncia que deve ser paritária/idêntica entre as partes, portanto todas as
questões são objeto de contraditório. Neste sentido, se uma parte alega um facto, a outra
poderá contraditá-lo; se depois há numa resposta a alegação de outro facto, podemos ter réplica
e depois tréplica e até articulados supervenientes, para que as partes possam pronunciar-se
sobre todos os factos e questões controvertidas relevantes.

Há, contudo, limites ao contraditório – no reenvio, por exemplo, as partes a nível nacional têm
oportunidade de apresentar observações, mas não há resposta às observações da outra parte.
Os Estados e as Instituições também têm direito de apresentar observações, mas não há depois
continuação do contraditório, porque o reenvio não é um processo de partes, não é um processo
contencioso (este dá-se a nível nacional, se for o caso). O reenvio é um processo cujo objetivo é
determinar um direito, não diz respeito à situação jurídica ou os factos presentes nessa violação
contenciosa.

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Sebenta Teórica de DUE II da Comissão de Curso de quarto ano da FDUP – Sílvia Moreira e Mariana Cruz

3. Igualdade de armas

Isto reflete-se nos articulados, sendo que falamos de ações e processos que não o reenvio. Em
princípio, os articulados são dois para cada parte: petição e contestação, réplica e tréplica (estas
últimas duas só se dão se o Tribunal entender necessário, não são articulados necessariamente
normais). Será de esperar que se o réu apresenta exceção na contestação ou reconvenção (o
que raramente acontece), obviamente que é razoável que seja possível a réplica, porque é a
única forma de poder responder a essa exceção ou pedido reconvencional, será de admitir que
o Tribunal o faça.

Se estivermos a falar de um processo no Tribunal Geral, há possibilidade de recurso, mas se for


no Tribunal de Justiça a decisão é definitiva e será decidida nesses termos.

4. Princípio da legalidade

Há fundamentos de admissibilidade que são de ordem pública (como é o caso da competência


e do conhecimento oficioso). Os prazos estipulados no Tratado são improrrogáveis, mas os
prazos fixados nos regulamentos já podem ser prorrogados por decisão judicial – temos um
prazo de dois meses para a contestação que pode ser prorrogado se houver razões justificativas
para isso. Mais uma vez, nesta matéria o Tribunal tem uma liberdade relativamente à apreciação
destas razões justificativas, podem ser razões de força maior, devidas à especial complexidade
das questões, pode haver a necessidade de reunir informação ou recolher prova, etc.

5. Princípio do dispositivo

Está desde logo presente no facto de o Tribunal não agir ex officio, o TJ tem de ser acionado por
quem pretende defender os seus direitos, não há uma intervenção oficial do Tribunal a título
nenhum. Desse ponto de vista, a intervenção do Tribunal está sempre na disposição das partes.

Há limitações deste princípio, por exemplo relativamente à desistência ou a composição


amigável (possível se estivermos a falar de direitos dispositivos), há matérias em que não são
possíveis, pois nelas prevalece o interesse do Direito – falamos, por exemplo, do contencioso de
legalidade relativamente a atos de alcance geral, em que a desistência não é necessariamente
possível por simples vontade da parte, porque o Tribunal tem a legitimidade para assegurar o
interesse do Direito. Se há fundamentos de invalidade, a desistência não será admitida
necessariamente se estivermos a falar de atos normativos. Se estiver em causa, por exemplo,
uma decisão, a desistência é possível porque afeta a esfera jurídica individual, mas se se tratar
de um regulamento de um ato legislativo já não é possível, porque afeta o ordenamento jurídico.

6. Princípio do inquisitório

Está relacionado com os poderes do Tribunal em relação à condução do processo e ao


apuramento dos factos. No quadro o Direito da União Europeia, este princípio reflete-se nas
medidas de organização do processo e instrução e, nesta medida, que poderes tem o Tribunal
neste plano? Tem o poder de determinar que as partes apresentem documentos, por exemplo,
ou elementos de prova que tenham consigo; cabe-lhes também fazer toda a instrução do
processo, organizar o modo como as provas se irão produzir no Tribunal. Tem também o poder

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Sebenta Teórica de DUE II da Comissão de Curso de quarto ano da FDUP – Sílvia Moreira e Mariana Cruz

de dirigir injunções aos Estados, para que possam apresentar informações ao processo, ao
Tribunal. Contudo, há aqui limites maiores dos que têm os tribunais nacionais.

7. Princípio da cooperação

Tem a ver com a cooperação entre as partes e com o Tribunal no âmbito do processo que
corresponde ao que se chama de boa-fé processual, e traduz-se na obrigação de as partes
colaborarem com o Tribunal do ponto de vista do modo como apresentem as suas posições,
interesses junto do Tribunal, no processo – o modo como redigem articulados, no modo como
tempestivamente respondem às questões colocadas e as solicitações do Tribunal e na obrigação
que têm de levar ao processo as informações necessárias e elementos que tenham na sua posse
que sejam relevante para o apuramento das questões que estavam em julgamento.

Não se conhece no âmbito do processo a figura da litigância de má-fé que existe no nosso direito
interno, mas se figura não é conhecida não quer dizer que não possa haver situações em que
Tribunal não possa, de algum modo, reagir. Por exemplo, se o Tribunal solicita a uma das partes
que apresente no processo um conjunto de elementos que tenha e ela não o faz, o Tribunal não
tem os poderes que podem ter os Tribunais Nacionais, nomeadamente o de obrigar a parte a
fazê-lo, sob pena de haver consequências, mas aqui o Tribunal pode registar que a parte não
colaborou e isso pode é ter consequências quanto ao modo como a prova será apreciada.

8. Princípios relativos à prova

Quem alega o facto tem de o provar, exceto se beneficiar de alguma presunção em relação à
prova daquele facto. A prova está sujeita à livre apreciação, mas obviamente aplicar-se-á aqui
também o princípio geral que pode advir das regras de prova que conhecemos dos Estados-
Membros. Há determinado tipo de atos que fazem prova plena, que são atos autênticos ou
autenticados – esta mesma lógica aplica-se no Direito da União, mas não da mesma forma como
se aplica no direito português.

A nossa lei determina que há documentos que têm valor probatório absoluto, isto não pode ser
afastado pelo juiz – no direito português isto está regulado, mas no DUE não temos isto. No
Direito da União não temos regras que determinem que um documento tem algum valor
probatório, mas ainda assim depreende-se que a lógica e o regime europeu acompanham o
regime nacional. É óbvio que a apreciação que os juízes podem fazer de documentos seguirá
também o que no direito nacional ocorrerá – isto é, se estivermos a falar de uma escritura
celebrada perante o notário de um EM, obviamente que o juiz da UE deverá retirar as mesmas
consequências que resultam da lei nacional em relação ao valor daquele documento.

Temos ainda neste ponto o princípio da imediação: para valerem, todas as provas têm de ser
carreadas para o processo tempestivamente. A imediação tem a ver com a apreciação do
Tribunal, seja pela disponibilidade elementos de prova de natureza material, seja pela imediação
que é a presença junto do juiz de elementos de prova pessoal (pericial ou testemunhal) – essa
prova far-se-á no processo junto do juiz, tendencialmente por audiência.

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Sebenta Teórica de DUE II da Comissão de Curso de quarto ano da FDUP – Sílvia Moreira e Mariana Cruz

9. Princípio de publicidade

As audiências em princípio são públicas, mas podem não o ser; são abertas, mas não se entra
livremente no TJ, este estabelecimento não é aberto ao público, tendo de ser solicitada a
entrada previamente. O Tribunal pode determinar que audiências não sejam públicas, seja por
razões de privacidade das partes, seja por razões indicadas nos artigos 109º, 110º e 118º do
Regulamento do Processo do Tribunal Geral (RPTG) e do art. 79º do Regulamento do Processo
do Tribunal de Justiça (RPTJ), que dizem respeito a questões de segurança dos EM e da EU.
Neste momento, as audiências do Tribunal são gravadas e transmitidas publicamente.

Por oposição ao princípio da publicidade, as deliberações são e permanecem secretas. Depois


de encerradas as fases escrita e oral do processo, o Tribunal entra na fase de deliberações
(reunião dos juízes na qual vão deliberar sobre o pedido) e essas são sempre secretas.

10. Princípio de fundamentação

O acórdão tem sempre de ser fundamentado, bem como os articulados, ainda que estes o
possam ser de modo sucinto. Nos articulados, além dos factos e do pedido, há a obrigação de
apresentar fundamentos, com fundamentos normativos e argumentos.

Regime linguístico do processo


Segundo os artigos 36º e 38º do RPTJ e o artigo 44º do RPTG, todas as línguas oficias são línguas
de processo em abstrato, mas podem não ser a língua do processo. A determinação da língua
do processo faz-se de acordo com o art. 37º RPTJ e 45º RPTG, com uma referência em particular
à competência do Tribunal Geral em relação aos recursos das decisões do Instituto de
Harmonização do Mercado Interno – a especialidade tem a ver com o facto de o Instituto de
Harmonização do Mercado interno tem 5 línguas oficiais e, portanto, os recursos que das
câmaras do Instituto que cabem ao TG em matéria de Direito tem de ter como língua do
processo uma das línguas oficiais do instituto: francês, inglês, alemão, espanhol ou italiano.

A regra é que a língua do processo é determinada pelo demandante, em princípio, mas este
princípio conhece exceções: desde logo porque se estivermos a falar de uma situação em que o
demandante é a Comissão Europeia e o demandado é um Estado, a língua é a do Estado, porque
as instituições demandam em qualquer língua. Se for um processo de reenvio, a língua é a do
processo nacional, embora também possa ser utilizada outra, se isso for solicitado ao Tribunal.
Se o TJ está a julgar em recurso de uma decisão do TG, a língua é a que foi utilizada no TG.

Seja qual for a língua do processo, quando os Estados intervêm utilizam sempre sua própria
língua – apresentam observações na sua própria língua e depois são traduzidas pelo Tribunal
para a língua do processo.

Quando falamos de língua do Estado, se o Estado demandante tiver mais do que uma língua,
pode escolher qual delas quer utilizar, mas se for o Estado demandado, é o demandante que
escolhe qual das línguas a utilizar.

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Sebenta Teórica de DUE II da Comissão de Curso de quarto ano da FDUP – Sílvia Moreira e Mariana Cruz

O Tribunal traduz os documentos do processo para todas as línguas oficiais, porque todos os
EM têm o direito de intervir em todos processos e oficialmente o Tribunal faz traduções, mas a
verdade é que a língua do processo determinará qual a língua que terá de ser utilizada nos
articulados e documentos que sejam apresentados no processo e depois o acórdão também fará
fé na língua do processo, ainda que depois seja traduzida noutras línguas.

Os anexos não são habitualmente traduzidos – estamos a falar de documentos que são
relevantes para o processo, mas não são articulados do processo. A audiência de alegações
segue o regime linguístico da língua do processo, mas os representantes dos EM podem falar na
língua do Estado. Contudo, isto não significa que magistrados falem na língua do processo, sendo
que as audiências têm sempre tradução simultânea e permanente.

Quanto à anonimização (que é algo recente), esta deverá ser requerida em princípio nas ações
e recursos. Não se encontra prevista nos regulamentos, foi introduzida na sequência do RGPD.
Pode ser requerida e será deferida se o Tribunal entender que se justificam as razões para essa
anonimização e só faz sentido quando falamos da proteção de dados pessoais, mas pode haver
situações relacionadas com a anonimização de empresas, relativas a segredos comerciais. Nos
processos de reenvio, a anonimização será feita em articulação com o tribunal nacional, este
tem a obrigação, quando se trate de indivíduos no processo principal, de ele próprio sugerir a
anonimização ao Tribunal de Justiça – não é o TJ que vai decidir nessa matéria, mas antes o
tribunal nacional.

Custos do processo
O processo é gratuito (sem taxas ou emolumentos, mas acrescentando-lhe as despesas). A regra
geral aplicável é que a parte que perde suporta suas despesas e as despesas de parte contrária
(honorários, despesas de testemunhas, despesa da própria parte) e também despesas de
intervenientes.

O Tribunal tem aqui uma margem de apreciação, porque, se uma parte fez incorrer o Tribunal
em despesas excessivas e injustificadas, mesmo que ganhe, podem-lhe ser imputadas essas
despesas. A mesma coisa acontece se uma parte fez a outra incorrer em despesas vexatórias e
injustificadas.

Se houver uma composição amigável, o Tribunal determinará, de modo equitativo, a divisão de


despesas entre as partes; em caso de desistência, também pode o Tribunal determinar ainda
assim que haja despesas a pagar pela outra parte que não a desistente (sendo que, em princípio,
a parte desistente suportaria as despesas).

Despesas dos intervenientes – em princípio, a parte que perde paga as despesas também dos
intervenientes no processo, mas os Estados e as Instituições, quando são intervenientes, pagam
sempre as suas próprias despesas, elas não são suportadas pelas outras partes.

A assistência judiciária pode ser solicitada, seja para suportar honorários, seja para suportar
despesas. Se for no quadro do reenvio, cabe ao tribunal nacional determinar essa assistência

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Sebenta Teórica de DUE II da Comissão de Curso de quarto ano da FDUP – Sílvia Moreira e Mariana Cruz

judiciária – se lhes concedeu assistência judiciaria no processo nacional, deverá mantê-la para
poderem participar no processo junto do TJ. No reenvio, as despesas são também decididas pelo
tribunal nacional.

A assistência judiciária segue fórmula genérica: as partes podem ter assistência judiciária na
medida em que sua situação económica o justifique, e têm de apresentar elementos que
comprovem que sua situação económica não lhes permite suportar as despesas que importa o
processo. Teremos aqui um regime com uma grande latitude de apreciação, mas que remete
em grande medida para o regime nacional. É possível ter uma assistência judiciaria no processo
no tribunal de justiça, mesmo que no processo nacional não se preenchessem essas condições,
isto é, embora se tenham de trazer argumentos que comprovem essa situação de incapacidade,
as regras nacionais não se aplicam estritamente no quadro do processo do Tribunal de Justiça.

Existe um formulário próprio para solicitar a assistência judiciária.

A assistência judiciaria tem de ser pedida no máximo no primeiro articulado que apresenta – o
autor na petição, o réu com a contestação. Contudo, ela pode ser requerida antes e, nesse caso,
ela suspende prazo de propositura de ação. Imagine-se o caso de alguém que só estaria
disposto a avançar para Tribunal se tiver a garantia de que vai ter assistência judiciária.

Fases do processo comum


Há aqui um quadro semelhante em todas as vias contenciosas que vimos, sendo que depois há
adaptações que podem ter lugar no quadro dessas vias contenciosas, por exemplo no quadro
do reenvio há adaptações, porque não temos partes.

1. Fase escrita
2. Medidas de organização do processo – finda a fase escrita o presidente do Tribunal ou
o presidente da Secção vai determinar o andamento seguinte do processo, por exemplo
se tem ou não lugar fase oral e quais as medidas de instrução necessárias, determinadas
– vai haver ou não audição de testemunhas, de peritos, que elementos é necessário
ainda recolher, etc.
3. Instrução
4. Fase oral – nem sempre tem lugar
5. O processo termina por acórdão, parecer, despacho ou decisão – a decisão tem a ver
essencialmente com o que são medidas interlocutórias, por exemplo a decisão relativa
às despesas ou à assistência judiciária; no parecer falamos no quadro do art. 218º,
relativamente a acórdãos ou projetos de acórdãos internacionais; no restante, o
Tribunal delibera por acórdão ou por despacho fundamentado, por exemplo quando há
uma decisão de inadmissibilidade, quando não se pronuncie sobre o mérito (quando se
pronuncie sobre pressupostos processuais) ou quando, pronunciando-se sobre o
mérito, as questões controvertidas sejam questões que já estejam solidificadas, com
jurisprudência anterior em que o Tribunal pode decidir de modo mais simplificado por
despacho fundamentado. Há também decisões interlocutórias tomadas por despacho,
mas o despacho como decisão final do processo surge com frequência no reenvio, em
que não tem questões controvertidas do ponto de vista litigioso, mas apenas do ponto
de vista do Direito.

97
Sebenta Teórica de DUE II da Comissão de Curso de quarto ano da FDUP – Sílvia Moreira e Mariana Cruz

Estas fases podem ser objeto de adaptação, seja por exemplo no caso do reenvio, em que temos
estas fases, mas podemos não ter instrução porque não há prova fazer; no reenvio também a
fase escrita é diferente porque não temos articulados de partes.

Independentemente desta divisão de fases, podemos ter uma adaptação necessária quando
tenhamos uma tramitação acelerada, nomeadamente quando se exija que o Tribunal decida
com maior celeridade, e esta pode justificar que não haja fase oral, por exemplo, que a fase
escrita seja simplificada, e os prazos são reduzidos na tramitação acelerada, os prazos para a
apresentação de articulados são reduzidos. A mesma coisa, mas com mais rigor, vê-se na
tramitação urgente – esta só tem lugar no reenvio, podendo ocorrer em situações em que, no
processo nacional, haja por exemplo pessoas detidas e por necessidade de não prolongar sua
detenção é requerido pelo tribunal ou, não sendo requerido, pode ser oficiosamente
determinado pelo TJ que o processo tenha uma tramitação urgente. Nestes casos podemos ter
uma unificação dessas fases.

Temos ainda adaptações relacionadas com a apensação de processos – é determinada quando


haja relação entre processos e tem a ver com o facto de, tendo objetos e partes distintas, as
questões suscitada sejam similares e aí pode ser determinada a apensação de processos, que
pode ser determinada logo na fase inicial para todo processo ou logo para toda a audiência, na
fase final (os processos têm um curso autónomo e são apensados para efeitos de audiência, e aí
a discussão em sede de audiência é feita em conjunto pelos representantes das partes nos dois
processos, porque as questões a debater na audiência são as mesmas). Isto dar-se-á desde o
início do processo quando não forem só as questões jurídicas que sejam semelhantes, mas
tenham também outros elementos em comum.

1. Fase escrita
Começa pela petição ou requerimento – a propósito dos recursos, podemos falar também de
requerimento no recuso de anulação.

Depois da petição, será designado um Juiz Relator e um Advogado-Geral (designado pelo


Primeiro AG).

De acordo com o RPTJ, a designação do Juiz Relator é feita pelo Presidente do Tribunal o mais
rapidamente possível depois da entrada da petição e ainda antes da atribuição do processo a
uma Secção. No Tribunal Geral não é assim – a petição, depois de dar entrada, é distribuída a
uma secção e só depois é nomeado o Juiz Relator. No TJ, o relator é nomeado antes de atribuição
do processo a uma secção, no TG é nomeado já depois dessa atribuição e, em princípio, será
atribuído a um Juiz dessa secção.

Segue-se a contestação e a esta pode seguir-se ou não a réplica e a tréplica, podendo ainda
haver atos distintos.

Quais são estes atos distintos? São nomeadamente observações – quando falamos do reenvio,
aqui não há petição nem contestação, o reenvio começa com uma notificação do tribunal
nacional a enviar para o TJ as questões e todos os elementos do processo para que o TJ possa
responder e o TJ notifica as partes no processo principal, todas as instituições e os Estados-
Membros, para que estes possam apresentar observações. No reenvio não temos outros

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Sebenta Teórica de DUE II da Comissão de Curso de quarto ano da FDUP – Sílvia Moreira e Mariana Cruz

articulados, apenas temos as observações. Podemos ter requerimentos diversos, desde


requerimento para apreciação de pedido de intervenção, vários tipos de atos a surgir no decurso
do processo que não correspondem a articulados. O pedido de intervenção não é um articulado,
mas um requerimento; se for autorizada a intervenção, depois sim pode o interveniente
apresentar um articulado de intervenção, no qual se vai pronunciar sobre as questões. E
documentos anexos também se incluem aqui.

Ainda na fase escrita temos o relatório preliminar do Juiz Relator, onde ele se vai pronunciar
sumariamente sobre o objeto do litígio, sobre os factos, com sugestões sobre as medidas de
organização do processo (o que deverá ser feito de seguida). No TJ, vai ainda pronunciar-se
sobre a atribuição do processo a uma Secção, sobre a conveniência da atribuição do processo à
Grande Secção ou ao Pleno (em vez de ser a uma secção de 3 ou 5 juízes), por exemplo. No TG
não é assim, a remessa e formação de julgamento apenas vale no TJ. O facto de termos a
formação de julgamento determinada no TG não significa que o Juiz Relator não se possa
pronunciar sobre isso, pois o Juiz Relator pode pronunciar-se sobre a conveniência de atribuir
aquele processo a uma outra Secção (por exemplo uma Secção Alargada), e isso depois pode
dar lugar a remessa do processo.

Instruções práticas às partes

As instruções práticas às partes não constituem direito imperativo, isto é um documento do


Tribunal que constitui uma recomendação, as partes podem não a respeitar e se não o fizerem,
não há qualquer tipo de sanção, mas há consequências, porque poderá o tribunal convidá-las a
regularizar, corrigir, aperfeiçoar os seus articulados.

• “Os articulados devem ser claros, concisos, com frases curtas e simples (n.º 10)”

Isto vai ao ponto de haver recomendação em relação ao número de páginas. No Tribunal de


Justiça, no processo comum (ainda que excecionalmente possa não ser respeitado), o limite de
páginas para a contestação e para a petição é de 30, e na réplica e tréplica será de 15. Estamos
a falar de um sistema multilingue, pelo que há uma necessidade de se ser conciso, sob pena de
ser incompreensível quando se traduzam para as várias línguas. Pretende-se reduzir as
informações àquilo que é essencial, seja do ponto de vista da descrição dos factos como da
fundamentação normativa.

• “A argumentação das partes deve figurar no seu articulado ou nas suas observações,
e não nos eventuais anexos que, geralmente, não são traduzidos (n.º 10)”

Quanto à apresentação dos articulados, desde 2018 que toda apresentação dos articulados tem
lugar através da plataforma eletrónica e-curia. Aquilo que são as regras quanto à apresentação
que se encontra nos regulamentos não se deixam de manter, porque o RPTG determina a
obrigação de utilizar o e-curia, mas RPTJ não obriga a isso, pelo que se podem continuar a utilizar
as formas tradicionais de apresentação dos articulados (envio por correio, por fax e
representação presencial).

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Sebenta Teórica de DUE II da Comissão de Curso de quarto ano da FDUP – Sílvia Moreira e Mariana Cruz

O e-curia é um sistema parecido com o Sitius português, em que os representantes legais se


registam e depois apresentam os articulados em relação aos processos e são notificados através
da própria plataforma. A notificação é feita por e-mail, tendo-se por notificados a partir do
momento em que o abrem – se não o fizerem, têm-se por notificados no prazo de 7 dias.

Na apresentação dos articulados é necessário fornecer 5 cópias para o Tribunal e mais uma para
cada parte no processo, com exceção do reenvio. Sendo feita a representação através do e-
curia, nada disto é obrigatório. Como não é obrigatório, de acordo com o RPTJ, se as partes
utilizarem as vias tradicionais, tem de apresentar aquelas 5 copias. O regime especial para as
consiste no facto de elas estarem obrigadas a apresentar os seus articulados traduzidos em
todas línguas oficiais.

Comunicações e Notificações

TJ – artigos 48º e 57º RPTJ; e-Curia – artigos 3º, 4º e 6º da Decisão do TJ de 16 de Outubro de


2018 relativa à entrega e à notificação dos atos processuais pela via da aplicação e-Curia

TG – e-curia, artigos 56º-A, 57º n.1 RPTG e 72º RPTG; Decisão do TG de 11 de julho de 2018
relativa à entrega e à notificação de atos processuais através da aplicação e-Curia

Fase escrita – petição

Fase escrita- petição /requerimento (recurso) – art. 21º ETJUE; artigos 57º, 120º a 122º RPTJ;
art. 76º RPTG; ponto B.1 Disposições práticas de execução do RPTG (n.ºs 112 a 122); “Guia
prático – Petição”, do TG.

Se não tiver os elementos exigidos (nome e domicílio do autor, identificação do demandado…),


o secretário do Tribunal determina a regularização. Se for regularizado dentro do prazo dado, o
processo poderá continuar, mas se não o for há extinção da instância por inadmissibilidade da
petição.

Elementos a constar:

• Nome e domicílio do Autor;

• Identificação do Demandado;

• Objeto do litígio, com indicação dos factos essenciais e dos fundamentos de direito.
Condições para fundamentos novos – art. 127.º, n.º 1 RPTJ; art. 84.º RPTG.

Na Ação por Incumprimento, os fundamentos a apresentar na petição tinham de ser os


mesmos a apresentar no Parecer Fundamentado, não pode haver um alargamento, mas
quando estamos a falar de um recurso de anulação a questão não se coloca nos mesmos
termos, os fundamentos são apresentados todos pela primeira vez. Os fundamentos
devem ser apresentados todos na petição, só se admitem fundamentos novos a seguir,
por exemplo em réplica, que decorram dos primeiros ou que decorram de uma
alteração superveniente à entrada da petição – aqui fala-se de fundamentos
normativos, normas e princípios que alegadamente suportam o pedido. Só podem ser

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Sebenta Teórica de DUE II da Comissão de Curso de quarto ano da FDUP – Sílvia Moreira e Mariana Cruz

apresentados fundamentos novos na medida em que sejam decorrências dos primeiros


ou haja uma alteração superveniente que justifique esses novos fundamentos;

• Conclusões e pedido (incluindo sobre as despesas) – não pode haver novos pedidos,
exceto se derivarem de factos ou fundamentos supervenientes (v.g. ato alterado).
Há uma obrigação de fazer um pedido sobre as despesas – as despesas são imputadas à
parte que perde, mas só se a parte que ganha o pedir, se não o fizer cada um suporta as
suas despesas. Não há uma impugnação que resulte simplesmente de ter perdido a
causa, é sempre fundamental no pedido fazer um pedido também para as despesas.

• Provas e oferecimento de provas – art. 128.º RPTJ; art. 85.º RPTG


As provas que estejam na disposição das partes têm de ser imediatamente
apresentadas. Podem ser oferecidas provas que não estão na disposição da parte, como
documentos que estejam na posse de terceiro – aqui, a parte tem obrigação de pedir ao
Tribunal que requeira entrega dessas provas. Podemos também estar a falar de
testemunhas, e então a parte tem a obrigação de, se pretende que seja feita prova
testemunhal, indicá-la logo. Têm de ser oferecidas desde logo, não podem ser
oferecidas posteriormente. Isso só pode acontecer se a parte efetivamente só tiver tido
o seu conhecimento delas posteriormente e não tinha obrigação de as conhecer antes.

• Sumário dos Fundamentos


Não pode haver fundamentos novos nem pode haver novos pedidos. Só pode haver
novos pedidos se, entretanto, houver factos novos que derivem dos primeiros e sobre
os quais não se possa pronunciar depois. Em acrescento, pode haver novos pedidos em
relação a fundamentos e modificações supervenientes – imaginemos que, em relação a
uma decisão da Comissão, a CE revogou a decisão e adotou outra; aqui podemos ter
uma modificação posterior, porque sobre aquela decisão que foi revogada já não
importa pedir a anulação, mas pode importar a anulação da segunda, que pode não ser
válida. Aqui podemos ter uma modificação legítima sobre o pedido, as modificações
possíveis sobre o pedido ou os fundamentos só são possíveis se forem supervenientes
à petição. Por isso, compreende-se porque é que a réplica e a tréplica podem ser
desnecessárias, se tudo está reunido na petição não fará sentido haver esses articulados
posteriores – fará sentido apenas para responder a uma exceção invocada pela outra
parte ou a uma reconvenção.
Quanto ao sumário dos fundamentos, deve ser feito um sumário nas 2 páginas finais de
tudo o que foi apresentado para trás, onde se sumariam os factos, o Direito, o
fundamento e a conclusão. Este sumário é importante porque é ele que vai ser utilizado
para publicitar o processo no Jornal Oficial da UE.

• Assinatura do Representante
Terá de ser assinado pelo representante, sendo que quando é pelo e-curia a assinatura
é eletrónica e está registada na própria plataforma.

A falta de algum destes elementos pode ser regularizada. Quando falamos do recurso de
anulação, é obrigatória a apresentação, junto com a petição, de cópia do ato que é impugnado.

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Sebenta Teórica de DUE II da Comissão de Curso de quarto ano da FDUP – Sílvia Moreira e Mariana Cruz

Mas não só – por exemplo, se for um Estado-Membro a impugnar um regulamento, ele poderá
juntar também o regulamento e isso vai em anexo. Se esse anexo não for apresentado, deverá
ser depois ser regularizado.

No recurso por omissão, a parte tem de ter convidado a Instituição a agir, e esse convite
também deve vir em anexo. Devem também ser anexados os documentos de representação
(procuração) e, se estivermos no âmbito de responsabilidade contratual, o
compromisso/cláusula compromissória que atribui a competência ao TJ para apreciação do
litígio.

A falta destes elementos traduz-se numa ineptidão total ou parcial, que pode ser corrigida e
pode haver um articulado de adaptação. Imaginemos um recurso interposto de um ato que foi,
entretanto, revogado – desde logo, pode, se ainda não estivermos na fase da contestação, ainda
pode ter lugar um articulado que venha alterar a petição para substituir o ato anterior que foi
revogado pelo novo ato. Para isso, há um prazo de dois meses para o fazer, em relação ao
segundo ato.

Quanto aos anexos, estes são o ato cuja anulação é requerida, convite para agir, documento de
representação, podendo ser ainda anexados outros documentos (nomeadamente elementos de
prova). Os anexos não são traduzidos. Quando temos anexos, tem de ser apresentada uma
relação com esses anexos, há um índice de anexos e estes devem ser numerados.

Quanto à dimensão, o limite dos anexos é de 30 páginas no TJ, mas se for um processo de
tramitação urgente este limite pode ser reduzido (seja um caso de reenvio ou de tramitação
acelerada); no TG, é de 50 páginas, ou 30 páginas no caso do contencioso de funcionários.

O RPTJ prevê o domicílio processual da parte – deixa de ser relevante, apesar de estar previsto,
mas o RPTG determina a obrigação de usar o e-curia. Como o RPTJ não prevê essa obrigação,
prevê o domicílio processual da parte, mas que não tem relevo prático na medida em que se
utiliza o sistema e-curia. De acordo com esta disposição, as partes tinham de nomear um
Representante Legal e este tinha de indicar ao Tribunal um domicílio profissional no
Luxemburgo. Quando era um Estado, ele indicava a sua representação diplomática como
domicílio processual e as notificações do Tribunal eram feitas para lá. Quando era um particular,
teria que indicar habitualmente o escritório de um advogado lá. Atualmente, nada disto tem
relevância, porque todas comunicações e notificações são feita por via do e-curia.

Fase escrita – Contestação

• Nome e domicílio do demandado;


• Fundamentos e argumentos invocados;
• Pedidos do demandado;
• Provas e oferecimento de provas

O demandado pode fazer uma defesa por impugnação, por exceção e já foi admitida
reconvenção em matéria de compensação de créditos.

A defesa por exceção será a invocação de factos que impedem a apreciação do pedido do autor:
ou são exceções dilatória relacionadas com pressupostos processuais ou exceções perentórias,

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Sebenta Teórica de DUE II da Comissão de Curso de quarto ano da FDUP – Sílvia Moreira e Mariana Cruz

como a caducidade, a prescrição do direito. A consequência processual é a inadmissibilidade


dessa ação.

A inadmissibilidade pode ser apresentada como o pedido do réu para que o Tribunal declare,
com base numa exceção, a inadmissibilidade da ação ou do pedido (se for exceção perentória).
Esta defesa pode ser feita na contestação ou em requerimento separado. Deverá ser feita em
requerimento separado se o réu pretender que o Tribunal se pronuncie logo sobre essa questão,
sem entrar no mérito. Contudo, o Tribunal tem a liberdade de não o fazer, isto é, o Tribunal
pode decidir só se pronunciar a final, juntamente com o mérito, no acórdão final ou no
despacho. Fá-lo-á logo e será por despacho fundamentado ou poe fazê-lo no final do processo,
juntamente com a apreciação do mérito.

Prazo da contestação é de 2 meses mais 10 dias de dilação de distância a contar da notificação


da petição. A notificação poderá ser feita por vai do e-curia, se já tivermos conhecimento do
representante registado na plataforma, se não terá de ser feita por via normal (correio), sendo
que os Estados são representados através da representação permanente/diplomática.

Como é que o réu sabe quem é o seu advogado e se está registado no e-curia? Pode, se
estivermos a falar de recurso, porque no recurso o processo veio já do Tribunal Geral, e por isso
já há a possibilidade de utilizar o e-curia, o que não é possível numa ação inicial, em principio.

O prazo de 2 meses pode ser prorrogado se houver razões justificadas e, nesse caso, o Tribunal
pode autorizar essa prorrogação. As situações seriam as mesmas faladas a propósito da
prorrogação excecional dos 2 meses no recurso na petição (situações de força maior, catástrofe,
ou quando haja um incidente que impeça a notificação e que seja da responsabilidade de
terceiros).

Quanto à dimensão, no máximo 30 páginas no TJ e 50 ou 30 páginas no TG.

Se não houver contestação, a consequência, que tem de ser requerida, é que que o Tribunal
pode julgar desde logo os pedidos como procedentes, temos uma situação em que não temos
a tramitação normal – se não há contestação obviamente depois não haverá réplica e tréplica.
Contudo, isto não significa que será dado provimento ao que esteja a ser pedido. Aquilo que
pudesse ser provado por confissão poderá ser dado como provado nesta circunstância,
porventura, mas outros elementos não poderão ser dados como provados simplesmente
porque não foram contestadas, essa decisão não está assegurada por essa via. Se for solicitado
pelo autor, o Tribunal pode julgar procedentes os pedidos e temos então um acórdão à revelia,
que pode dar lugar depois a um processo especial de oposição, que pode surgir posteriormente
– o condenado à revelia pode posteriormente vir ao Tribunal opor-se a essa decisão na qual terá
sido condenado.

19/04/2023

Réplica e Tréplica

A réplica e a tréplica são articulados normais do processo, mas só têm entrada quando o Tribunal
entenda que são necessários, tem de haver uma decisão do Tribunal no sentido de os admitir e,
sem essa decisão, não são automaticamente admitidos. Eles têm um objetivo central, que
poderá ser responder às exceções invocadas pelo réu ou até em relação à reconvenção – têm

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Sebenta Teórica de DUE II da Comissão de Curso de quarto ano da FDUP – Sílvia Moreira e Mariana Cruz

um propósito de defesa da outra parte. Aqui, prevê-se que eles podem ter um sentido que não
é o mais comum, ou seja, podem servir para clarificar os factos que já tenham sido traduzidos
ao processo nos articulados anteriores (há uma diferença face ao nosso direito interno) – tem
uma função de completar os articulados anteriores. Se, por um lado, falamos de articulados que
não têm lugar sem que o Tribunal os admita, por outro lado permite-se uma maior amplitude
sob aquilo que pode incidir.

A Réplica e a Tréplica têm lugar num prazo que é definido, quando admitidos, e o Presidente,
nessa decisão, pode dar orientações às partes sobre que aspetos pode incidir a Réplica e a
Tréplica, que aspetos devem as partes clarificar – temos uma intervenção processual mais
relevante.

Apesar de não poderem ser apresentados fundamentos novos, a verdade é que pode haver
alguma modificação, que tem a ver com os desenvolvimentos que tiveram lugar no processo
presente – ex.: pode mesmo haver uma restrição do âmbito do pedido se, inicialmente, numa
ação por incumprimento o fundamento da ação era a não apresentação da diretiva, pode
converter-se numa implementação errada da diretiva; temos aqui consequências já diversas, a
não implementação da diretiva permite à Comissão requerer logo na ação inicial a condenação
numa sanção pecuniária. Tratando se de uma modificação em que há apenas errada
implementação, tal terá uma incidência no pedido da ação. O Estado deixa de poder ser
condenado desde logo na sanção pecuniária, porque essa só é aplicável na ausência de
implementação e não na errada implementação.

O oferecimento de provas só pode ter lugar se houver uma justificação do atraso – art. 128.º
RPTJ; art. 85.º RPTG.

Quanto à dimensão, o limite máximo é de 10 páginas no TJ e 25 páginas no TG (na generalidade


das ações) ou 15 páginas (nos recursos do âmbito contencioso da função pública).

Pode haver lugar a articulado superveniente, que assumirá a forma de requerimento para
circunstâncias excecionais.

No caso particular do TJ, há a remessa do processo para a formação do julgamento numa


Secção com o encerramento da fase escrita (esta fase escrita decorre ainda antes da remessa
do processo para uma Secção; já no TG, o processo é logo após a petição remetido para uma
Secção e toda a fase escrita decorre já junto da Secção).

A ação poe terminar imediatamente aqui na fase escrita se for manifestamente procedente, ou
seja, um despacho fundamentado pode considerar que estão reunidos já os elementos
necessários para a decisão e, portanto, decidir no sentido do provimento do pedido – deste
modo, não haverá fase oral.

Organização do Processo e Instrução

Esta fase que é uma fase intercalar (corresponderá em alguma medida ao nosso saneamento do
processo) e, nesta organização do processo, pode-se concluir que é desnecessária a fase oral.

Começa com o relatório preliminar do Juiz Relator, no qual ele tem como obrigação apresentar
as medidas de organização do processo e de instrução que entende que devem ser realizadas,

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Sebenta Teórica de DUE II da Comissão de Curso de quarto ano da FDUP – Sílvia Moreira e Mariana Cruz

e isso pode passar, por exemplo, por dirigir às partes questões para que elas apresentem
elementos ao processo, trata-se de um impulso do próprio Tribunal – é uma característica de
inquisitório.

As diligências de instrução podem passar por tudo aquilo que é a apresentação, de acordo com
o princípio da imediação, do que seja indispensável para comprovar os factos. Terá lugar em
princípio numa audiência de instrução, que pode ou não coincidir com a audiência de alegações
depois na fase oral. Esta instrução pode ter lugar não necessariamente numa audiência do
Tribunal, mas sim junto dos tribunais nacionais (para a audiência de testemunhas ou de medidas
de instrução que passem por exames num determinado local).

As provas estão referidas no art. 64º RPTJ e art. 91º RPTG – são coincidentes e consistem no
depoimento de parte, prova testemunhal, prova pericial, inspeção e documentos (art. 57º, n.4
RPTJ). Podem ser apresentadas na petição ou na contestação ou posteriormente, com
justificação do atraso, na réplica ou na tréplica. Excecionalmente, podem ser apresentadas após
o encerramento da fase oral, em que já estamos na fase da decisão – nomeadamente se se
tratar de elementos de que só se tem conhecimento posteriormente.

No caso do TG, a previsão não é essa – se o artigo 128º do RPTJ prevê a possibilidade de haver
excecionalmente a dedução de prova mesmo após o encerramento da fase oral, já no RPTG
prevê-se que a prova só se dá até à audiência de alegações na fase oral.

As testemunhas podem ser ouvidas nos Estados-membros através de carta rogatória. É ainda
de referir o perjúrio das testemunhas.

O princípio do contraditório obriga a que as partes tenham ambas conhecimento das provas
produzidas pelas outras partes. Quando se trate de prova produzida após petição ou
contestação, a outra parte tem o direito de se pronunciar (por exemplo, o autor na réplica pode
responder à prova apresentada na contestação) – quando a prova seja produzida finda a fase
dos articulados, estamos perante um caso em que há lugar a articulado superveniente, porque
é dado um prazo à parte contrária para poder organizar a prova produzida pela outra parte e
para se pronunciar sobre ela.

A Decisão 2016/2387 do Tribunal Geral veio regular uma situação relacionada com a
necessidade de assegurar a confidencialidade de alguns elementos de prova, nomeadamente
quando estejam em causa razões de segurança da ordem pública dos Estados-Membros ou da
própria União Europeia. Nestes casos, os elementos de prova não são transmitidos à outra parte,
são confidenciais; é o próprio Tribunal que vai retirar do documento aquilo que são os elementos
sobre os quais a outra parte se deverá pronunciar, sem o transmitir na totalidade, permitindo
assim à parte pronunciar-se sobre os aspetos que em particular têm incidência sobre o litígio,
mas sem fornecer um elemento de prova mais extenso e que contém mais informação do que
a necessária. É o Tribunal que vai tratar a informação de modo a que a outra parte possa na
mesma pronunciar-se, mas sem dar a conhecer a informação direta.

Com o desenvolvimento da política externa e de segurança começamos a ter questões que, de


alguma forma, estão relacionadas com razões de Estado, tornando-se esta situação cada vez
mais comum. Até há poucos anos, os Regulamentos de Processo não previam esta situação, nem
este grau de proteção (não tem apenas a ver com proteção de dados pessoais, mas também
com razões de Estado).

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Sebenta Teórica de DUE II da Comissão de Curso de quarto ano da FDUP – Sílvia Moreira e Mariana Cruz

2. Fase oral
Reconduz se a uma audiência de alegações, que pode ser subsequente a uma audiência de
instrução, mas a instrução pode ter lugar num momento anterior. A fase oral pode ser
encerrada, mas haver elementos superveniente que obriguem à sua reabertura.

Esta audiência de alegações só tem lugar em determinadas circunstâncias: quando o Tribunal


considera que ela é necessária para a normal manutenção do processo, devendo as partes
solicitar a sua realização, ainda que o Tribunal possa decidir oficiosamente fazê-la. Se as partes
o solicitarem, aí ela terá lugar se o Tribunal entender que as razões invocadas pelas partes o
exijam – ainda assim o Tribunal pode entender que não é necessário. Por outro lado, o Tribunal
pode entender que ela é necessária, independentemente de as partes o solicitarem. Se as partes
o solicitarem, o Tribunal deve fundamentar a não aceitação.

Um dos incidentes que temos na instância é a apensação de processos, que pode ter lugar
também na fase oral. Os processos devem ser da mesma natureza e têm de ter um objeto
semelhante. Ser da mesma natureza significa que não se pode apensar um processo de reenvio
com um recurso de anulação, por exemplo. Também só há apensação no mesmo Tribunal, até
porque podemos ter um processo com o mesmo objeto e com o mesmo pedido a entrara no
Tribunal Geral e no Tribunal de Justiça – pensemos na anulação de um ato pedida por um
particular, que dá entrada no TG, e na anulação do mesmo ato pedida por um Estado-Membro,
que dá entrada no TJ.

A fase oral é dirigida pelo Presidente da Secção e é, em princípio, pública, de acordo com o art.
79º do RPTJ a contrario – este faz referência às situações em que ela não é pública, sobretudo
por razões de segurança e também relacionado com a proteção das pessoas (ex.: que envolvam
menores ou que envolvam dimensões da vida privada e particularmente sensíveis).

Devemos referir a audiência de alegações, art. 76º RPTJ – vemos no TJ uma organização vertical
da audiência, onde o Tribunal é mais interventivo, com orientações prévias muito definidas,
nomeadamente quer quanto à gestão do tempo, quer quanto ao que os representantes das
partes vão dizer. Esta audiência pode não ter lugar se o Tribunal entender que não é necessária
e tem o objetivo de contribuir para uma melhor compreensão do processo e das suas questões
principais, independentemente da apresentação, pelas partes ou pelos interessados, de um
pedido expresso.

Esta audiência não tem um objetivo de criar convocação nos magistrados, mas de esclarecer
questões que necessitem desse esclarecimento e que podem ter a ver com controvérsias
jurídicas. Não serve para apresentar um resumo da prova produzida ou assumir uma posição de
defesa do cliente, mas objetivamente para permitir que o processo tenha os elementos
fundamentais para poder decidir.

Falamos de alegações que devem ser realizadas em 15 minutos, repartidos entre todos, e as
partes devem previamente combinar-se e organizar-se para não serem redundantes, há uma
maior organização do que aquilo que acontece nos processos em Tribunal. As partes até podem
escolher não intervir e, sendo várias partes, pode apenas o representante de uma delas utilizar
aquele tempo. As partes têm ainda um direito de replicar as alegações da parte contrária –

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Sebenta Teórica de DUE II da Comissão de Curso de quarto ano da FDUP – Sílvia Moreira e Mariana Cruz

depois dos 15 minutos há uma 2º ronda para cada representante replicar alguma questão
suscitada ou controversa.

Toda a organização do processo encontra-se no Guia Pático: “Audiência de alegações” do TG.

Posteriormente, há a apresentação das conclusões do Advogado-Geral: art. 82º e art. 112º


RPTG. Excecionalmente também no TG pode um juiz ser nomeado para desempenhar a função
de Advogado-Geral, mas em princípio esta fase só tem lugar no Tribunal de Justiça. O Tribunal
pode dispensar a apresentação destas conclusões, elas são apresentadas publicamente após a
audiência de alegações.

Acórdão/despacho

O processo há de ser concluído através de um acórdão, em que o Tribunal se pronuncia sobre


exceções (a sua admissibilidade ou inadmissibilidade) ou sobre o mérito (no sentido do
provimento, da recusa do provimento ou provimento parcial). No Tribunal geral, pode ter ainda
uma outra forma, que é a da sentença, se estivermos a falar de um juiz singular, mas isso só
pode acontecer no TG.

Quer o acórdão quer o despacho incidem sobre o pedido ou uma decisão que pode não recair
sobre o pedido, porque não chega ao mérito (incide apenas sobre questões de admissibilidade,
são exceções) e tanto um como o outro incidem sobre questões processuais. Contudo, se as
questões de admissibilidade forem válidas e, portanto, se houver de facto fundamentos de
inadmissibilidade, a decisão pode ser apenas por despacho e não por acórdão. Também quanto
ao mérito pode haver despacho fundamentado, se as questões substantivas não suscitarem
dificuldades e em que se limitam a convocar jurisprudência anterior.

• Requisitos e conteúdo – art. 36º ETJUE; arts. 87º e 89º RPTJ; arts. 117º e 119º RPTG
• São proferidos em audiência pública, mas as partes podem não estar na audiência

A força executiva (art. 280.º TFU) decorre da força obrigatória e não tem o mesmo alcance que
esta.

O acórdão ou o despacho tem uma força obrigatória, desde logo inter partes (não existe um
regime de precedente). Contudo, importa recordar que podem ter efeitos com alcance geral:

1. Um efeito automático pela negativa, como acontece com os acórdãos do Tribunal


Constitucional, que se pronunciam pela constitucionalidade. Quando o TJ anula um ato,
a força obrigatória é inter partes, mas tem um alcance erga omnes, já que, por força
deste acórdão, aquele ato jurídico é expurgado do ordenamento jurídico, deixando de
produzir os seus efeitos.
2. Esta vertente da competência é de tipo constitucional, mas quando falamos em sede de
reenvio, quando o TJ se pronuncia pela invalidade de uma disposição ou de um ato
jurídico, então aqui aparentemente tem apenas força obrigatória entre as partes,
porque limita a produção dos seus efeitos àquele processo, mas também sabemos que
as outras instituições (e particularmente a Comissão) têm obrigação de retirar
consequências daquela decisão – se o Tribunal se pronunciar pela invalidade de um

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Sebenta Teórica de DUE II da Comissão de Curso de quarto ano da FDUP – Sílvia Moreira e Mariana Cruz

Regulamento, a CE está obrigada a iniciar um processo de revisão, de modo a que aquela


disposição ou Regulamento sobre a qual o TJ se pronunciou seja substituído ou
modificado e, portanto, fique conforme ao Direito. Este processo não é automático, está
dependente de um processo de decisão que passa pela CE e pelas outras Instituições,
exceto se a própria Comissão Europeia interponha o próprio recuso de anulação.

Tendo força obrigatória, as partes estão obrigadas a cumprir o disposto do acórdão (no dia de
prolação do acórdão, tendo por base a possibilidade de recurso das decisões do TG). O acórdão
é proferido em audiência publica sendo que as partes podem não estar em audiência.

Quando é que começa a produzir essa força obrigatória?

− Acórdão – no dia da prolação do acórdão, ressalvada a possibilidade de recurso do


acórdão do TG;
− Despacho – no dia da notificação

Há lugar a retificação quando, por exemplo, há uma omissão de pronúncia, ou seja, quando o
Tribunal porventura não se pronuncia sobre um dos pedidos que era efetuado, e aqui podem as
partes pedir ao Tribunal que venha retificar (se houver erros gramaticais, lapsos, contradições
ou obscuridades). Pode haver também um pedido de interpretação.

Existe a possibilidade de os acórdãos serem proferidos à revelia – temos duas situações


diferentes:

1. Podemos ter uma situação de deserção da instância, em que o réu é notificado, mas
num determinado momento do processo deixa de aparecer – isto tem consequências,
como proferir-se a decisão independentemente de haver articulados em que ele não
participou.
2. Ou ainda uma situação de revelia em que o réu não é notificado (ou em que a
notificação não produz efeitos) – a parte contrária pode solicitar que o Tribunal decida
e o processo será adaptado, nomeadamente excluindo a fase oral.

O acórdão proferido à revelia que condene o réu fica sujeito às seguintes situações:

• Se ele tem força executiva, a executoridade pode ser suspensa até que se consiga
notificar o réu; pode ainda ser sujeita a caução, para que o acórdão possa ser executado
• Estes acórdãos podem também ser sujeitos a um processo especial de oposição do
próprio condenado, que pode posteriormente reabrir o litígio através deste processo
de oposição.

Nem todos os acórdãos do TJ têm força executiva. Têm força executiva nos termos do art. 280º,
que remete para o art. 299º – têm força executiva os acórdãos do TJ que condenem uma parte
ao pagamento de uma quantia pecuniária e essa execução tem lugar junto dos tribunais dos
Estados-Membros. Embora tenha de haver uma espécie de autenticação da decisão da parte de
uma autoridade nacional, não tem de haver reconhecimento de sentença estrangeira. Esta
executoriedade das decisões do Tribunal está prevista no Tratado desde o início, mesmo sem o
Regime da Convenção de Bruxelas em matéria de cooperação judiciaria e civil.

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Sebenta Teórica de DUE II da Comissão de Curso de quarto ano da FDUP – Sílvia Moreira e Mariana Cruz

Exceções e incidentes processuais – artigo 151º RPTJ


1. Exceção de litispendência

Se o processo ou a petição for enviado erradamente para um dos Tribunais, oficiosamente ele é
transmitido para o outro Tribunal.

Existem outras situações distintas que tem a ver com a declinação de competência por parte do
TG ou do TJ – quer um quer outro podem determinar a sua competência, ou seja, o próprio
Tribunal entende que não é competente, numa situação em que se suscite efetivamente uma
dúvida sobre a competência do Tribunal. Essa situação de declinação de competência pode ser
feita pelos dois Tribunais e, em última instância, prevalece a decisão do TJ.

Podem haver coincidências – podemos ter processos diferentes em que não é o mesmo caso
porque não tem as mesmas partes, ainda que tenham um objeto idêntico, e neste caso pode
ocorrer uma situação de recurso de anulação– no caso do recurso de anulação podemos ter o
mesmo ato a ser objeto de recurso em dois processos em que a competência legitimamente é
dos dois Tribunais; temos um particular a recorrer de um ato, e aqui a competência é do Tribunal
Geral, mas esse mesmo regulamento pode ser objeto de anulação por parte de um Estado-
Membro ou Instituição, e nesse caso, a competência é do Tribunal de Justiça. Nesta situação de
coincidência, prevê-se que o TG deverá suspender a instância e aguardar pela decisão do TJ
sobre aquele mesmo objeto. A apreciação do recurso far-se-á no TJ e o processo no TG aguarda
até à decisão do TJ.

2. A caducidade

Falamos essencialmente da caducidade dos prazos e esta também é uma exceção – podemos,
por exemplo, falar da prescrição no âmbito da retração de responsabilidade. A caducidade é de
conhecimento oficioso, mas a prescrição deve ser invocada pela parte a quem aproveita;

3. Ausência de pressupostos processuais

A consequência é a extinção da instância por inadmissibilidade.

As questões que incidam sobres estes aspetos podem ser suscitadas no articulado, ou seja,
podem por exemplo ser suscitadas pelo réu na sua contestação ou, se a parte pretender que o
Tribunal se pronuncie sobre elas de modo autónomo sem ser em conjunto com a pronuncia
sobre o mérito, deverá formular essas questões em requerimento autónomo (neste caso o
Tribunal vai necessariamente pronunciar-se sobre as questões de imediato, sem que o processo
na sua dimensão substantiva avance, sem guardar essa questão para a pronúncia conjunta com
o mérito). Para que tenha lugar essa pronúncia imediata, deve ser formulada num requerimento
autónomo, sendo que o Tribunal vai debruçar-se de modo autónomo essa questão. O Tribunal
pode reservar a sua decisão para o final, se assim o entender.

Trata-se de um processo dentro do processo – é um processo autónomo mais célere, sendo que
a parte é notificada para que se pronuncie, dentro de um prazo definido pelo Tribunal, sobre
essa exceção, e depois essa pronúncia tem lugar apenas um processo oral (uma audiência
especial para as partes se pronunciarem sobre essa questão de admissibilidade).

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Sebenta Teórica de DUE II da Comissão de Curso de quarto ano da FDUP – Sílvia Moreira e Mariana Cruz

Existem exceções de conhecimento oficioso, ou seja, as que sejam de ordem pública – o


regulamento não diz quais são: incompetência, caducidade e petição manifestamente
inadmissível (contudo há possibilidade de ser regularizada, caso contrário é uma exceção de
conhecimento oficioso)

No Tribunal Geral, qual é o momento relevante para apreciação da questão da admissibilidade?


É o momento da apresentação da petição – é o momento em que se imputa a relevância do
facto que acarreta a inadmissibilidade (a caducidade, por exemplo, ou a situação de
competência ou incompetência), pelo que uma regularização posterior não é relevante.

Incidentes da instância:

O Tribunal pode a todo o momento dirigir questões às partes, o que levará a requerimentos ou
a atos das partes em resposta. Enquanto incidentes da instância que modificam o curso
processual destacam-se:

1. Apensação do processo: conexão entre os processos da mesma natureza (não pode


existir apensação entre um recurso de anulação e um reenvio prejudicial por exemplo).
Como consequência disto, há uma unificação processual e, no final, a decisão é comum
para os dois processos.
a. FUNDAMENTO – a conexão entre processos da mesma natureza;
b. ALCANCE – pode ter lugar na fase escrita, na fase oral ou ter lugar apenas para
efeitos do acórdão;
c. COMPETÊNCIA – Presidente ou o Tribunal (ouvidos o Juiz-Relator, o Advogado-
Geral e as partes, com exceção do reenvio);
d. MOMENTO – a qualquer momento

2. Suspensão da instância: pode acontecer nomeadamente nas situações de coincidência


do processo no TJ e no TG

3. Remessa para o TJ – art. 127.º RPTG

4. Declinação da competência do TG – art. 128.º RPTG

5. Intervenção de Terceiros – vai introduzir uma modificação processual, já que passamos


a ter um interveniente que irá participar no processo apresentando articulados próprios,
e participando também na audiência de alegações.

6. Inutilidade superveniente da lide por desaparecimento do objeto ou por verificação de


exceções perentórias – é de conhecimento oficioso; é o caso, por exemplo de ter havido
a anulação de um ato num processo perante o TJ, que acarretará no TG uma decisão de
extinção por força da inutilidade superveniente do objeto.

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Sebenta Teórica de DUE II da Comissão de Curso de quarto ano da FDUP – Sílvia Moreira e Mariana Cruz

Estes incidentes devem ser suscitados em requerimento separado, ou seja, mesmo que o sejam
no mesmo momento que os articulados, devem ser objeto de requerimento separado já que
serão objeto de uma decisão autónoma.

20/04/2023

Reenvio prejudicial
Devemos sempre relembrar que a matéria do reenvio trata-se sempre no Tribunal de Justiça.

O processo segue a mesma estrutura – tem uma fase escrita e eventualmente uma fase oral.
Não sendo o reenvio um processo de partes, não há um desvio ao contraditório, porque as
partes no processo principal junto do tribunal nacional já têm a possibilidade de participar; o
que não há efetivamente é uma participação idêntica numa ação ou recurso, porque aqueles
que eram partes no tribunal nacional não o são junto do TJ – o reenvio prejudicial tem como
atores principais o Tribunal de Justiça e o Tribunal Nacional.

Todos os intervenientes estão presentes para colaborar na missão do Tribunal de Justiça, que é
interpretar ou pronunciar-se sobre a validade do Direito da União Europeia. Podem apresentar
livremente as suas posições, mas não há uma lógica de controvérsia junto do TJ.

1. Fase escrita

Em primeiro lugar, há um pedido de decisão prejudicial do tribunal nacional. Do ponto de vista


interno, o pedido de reenvio prejudicial é um incidente da instância no processo nacional e os
termos em que ele é regulado dependem do ordenamento jurídico, nada disso diz respeito ao
DUE. O pedido em si acarreta necessariamente uma suspensão da instância enquanto o reenvio
decorre.

Este pedido não tem formalismo especial: haverá um despacho e depois um ofício do
responsável do processo para o TJ, havendo algumas regras sugeridas pelo Tribunal de Justiça –
ou seja, se não forem respeitadas dai não advêm consequências necessárias, mas podem advir
se o modo de pedir for obscuro, não sendo possível ao Tribunal compreender os factos e aí
haverá uma recusa do Tribunal em pronunciar-se.

O que é indicado nas recomendações é que a redação deve ser clara e simples: o pedido não
deve exceder 10 páginas, ou seja, o magistrado deve procurar resumir as questões de facto, as
questões jurídicas, o Direito que ele considera relevante para o caso (europeu e nacional). As
questões de interpretação e de validade devem ser formuladas de modo autónomo, em pontos
distintos do ato que procede ao reenvio.

Atualmente, prevê-se a anonimização das pessoas singulares – quando o tribunal nacional envia
para o TJ, deve logo fazer a anonimização de acordo com as regras previstas.

Neste articulado, deve estar exposto o objeto do litígio, os factos, a legislação, jurisprudência
nacional relevante, as dúvidas sobre o DUE e o direito nacional aplicável. Pode o juiz nacional
indicar o seu ponto de vista, por exemplo a propósito do reenvio sob a validade. Quando se
trate da tramitação diferenciada/urgente de facto é exigível que o juiz nacional formule a sua

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Sebenta Teórica de DUE II da Comissão de Curso de quarto ano da FDUP – Sílvia Moreira e Mariana Cruz

posição. O TJ tem de ter os elementos que sejam necessários e suficientes para poder
compreender as questões em causa, devendo o tribunal nacional fornecer esses mesmos
elementos.

Depois de chegar ao TJ, o processo segue o mesmo procedimento do processo comum. Este
pedido do tribunal nacional é objeto de registo pela Secretaria e deve ser notificado às partes
(trata-se de uma especialidade – nos recursos e ações diretas temos uma petição que é
notificada necessariamente ao réu). No restante acaba por ser semelhante: é notificado
também aos Estados-Membros, como qualquer processo; também a Comissão é notificada e,
tratando-se de questões sobre atos da União, devem ser notificadas as Instituições, Órgãos ou
Organismos que sejam autores do ato. Se se tratar dos Tratados, não existindo nenhum autor
em particular, temos necessariamente os Estados-Membros e a Comissão; se for um
regulamento ou uma decisão, serão notificados os seus autores.

Quem pode participar? Todos os que foram notificados: as partes no processo, os Estados-
Membros ou a CE. Esta participação pode fazer se em dois momentos:

1. Através de observações escritas, no prazo de 2 meses a que acresce 10 dias de dilação.


Contudo, isto é uma faculdade, não uma obrigação, por isso podem porventura não o
fazer – o Estado Português faz poucas observações em reenvio, por exemplo.
Habitualmente as partes fazem observações, já que têm todo o interesse em levar ao TJ
a sua posição, já que isto se irá refletir no litígio nacional;
2. Na fase oral, caso esta tenha lugar.

As partes no processo junto do TJ devem estar sempre representadas, mas neste caso temos
uma especificidade: as observações/alegações das partes devem ser assinadas, mas não têm de
ser assinadas necessariamente pelo representante. O regime aplicável depende do direito
nacional: se no processo a nível nacional não for obrigatória a representação das partes (ex.:
processos em que as partes possam litigar por si próprios), também essa parte pode apresentar
as suas observações junto do TJ sem necessidade de representação. O reenvio, em grande
medida, é modelado pelo regime nacional.

Medidas de organização de processo – artigo 101º do RPTJ. Entre estas medidas pode participar
o tribunal nacional – o TJ pode solicitar que o tribunal nacional preste esclarecimentos
adicionais, tendo um prazo para responder.

Quanto aos pressupostos processuais, eles não existem, porque não há partes. Contudo, há
pressupostos que podem ser relevantes – as partes de que falamos são as partes do processo
principal, pelo que se no processo principal existir alguma vicissitude, isso reflete-se no processo
junto do TJ. Este regime é um regime de direito nacional, aquelas que são as partes no processo
nacional acabam por definir o processo junto do TJ. A única especificidade é a competência do
Tribunal, mas deste ponto de vista só falamos da competência relativa entre o TJ e o TG (mas

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Sebenta Teórica de DUE II da Comissão de Curso de quarto ano da FDUP – Sílvia Moreira e Mariana Cruz

verdadeiramente não se trata de um problema, porque a situação de incompetência é resolvida


com a remessa oficial feita pelo juiz)

A única questão que o TJ apontará é o entendimento de que o pedido é manifestamente


inadmissível, o que conduz à falta de apreciação das questões, conduzindo a uma declaração
de inadmissibilidade do reenvio. O pedido feito pelo juiz nacional é um pedido que é de admitir,
em princípio (cabe ao juiz nacional definir as questões e determinar se o pedido é ou não
necessário). Contudo, não podem os tribunais nacionais formular questões meramente
hipotéticas, que não tenha importância para o litígio nacional.

Ainda assim, o juiz da União não deixa de ter algum poder, podendo em última instância apreciar
essa questão. Se se aperceber que a questão não é relevante, que não tem relação com o litígio
nacional ou que a questão nem sequer é sobre o Direito da União Europeia, então poderá decidir
que o pedido é inadmissível – trata-se da ausência de objeto de reenvio.

Cabe ao juiz nacional definir as questões, mas o TJ pode reformulá-las, ou seja, tendo presente
os elementos do processo (conhecendo o objeto e as questões), pode perceber como é que elas
são relevantes. O TJ pode entender que as questões relevantes não são propriamente as
colocadas pelo tribunal nacional, reformulando as questões para poder dar uma resposta
importante para o processo.

2. Fase oral

Embora o reenvio seja um processo entre o tribunal nacional e o Tribunal de Justiça, na fase oral
o processo assume uma feição muito próxima da do processo de partes – são as próprias partes,
através dos seus representantes, que poderão estar na audiência de alegações e, neste aspeto,
torna-se um processo de partes. Aqui a audiência tem um curso semelhante ao que vimos
anteriormente, podendo os vários participantes apresentar as suas alegações.

O que é que sucede se o tribunal nacional retirar a questão prejudicial?

Se o tribunal nacional o fizer espontaneamente, o processo junto do TJ extingue-se, desde que


feito até ao momento em que o acórdão foi proferido e notificado. O tribunal nacional é
soberano sob o processo judicial.

Fá-lo-á com que fundamento? Porque, por exemplo, houve um recurso sobre a decisão de
reenvio que anule essa decisão, e isso tenha como efeito que aquele reenvio não poderá
prosseguir – nestes casos, o tribunal nacional deverá retirar essa questão, porque ela deixa de
ter utilidade para o processo nacional. Contudo, o TJ só extingue o processo quando o tribunal
nacional o notifica disso mesmo, não o fazendo de modo espontâneo – podemos ter um recurso
a nível nacional sem que isso ponha em causa o processo do TJ.

Vamos imaginar que a questão prejudicial é colocada em vários processos nacionais – o que os
juízes nacionais deverão fazer nessa situação é apensar os processos para que não haja, a nível
do TJ, situações diferenciadas se, porventura, num processo temos uma extinção da questão e
noutro não temos. Deve ser assegurado que o regime é aplicável sem que haja algum tipo de
diferenciação.

A fase oral pode ou não ter lugar – se for entendido que não é necessária para o esclarecimento
dos factos ou questões jurídicas, a fase oral (que se reduz à audiência de alegações) pode não
ter lugar.

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Sebenta Teórica de DUE II da Comissão de Curso de quarto ano da FDUP – Sílvia Moreira e Mariana Cruz

A decisão é por acórdão ou despacho fundamentado (será por despacho fundamentado


quando a questão seja bastante clara, sem suscitar qualquer controvérsia ou discussão razoável
ou tenha já tido em jurisprudência anterior uma resposta suficiente para o tribunal) – artigo 99º
do RPTJ. A situação em que as partes nem sequer sejam chamadas a prestar observações é
possível quando, no momento inicial, o TJ entender que há jurisprudência consolidada naquela
matéria e não há que refletir mais sob aquela questão. O despacho fundamentado pode ser
proferido, remetendo para jurisprudência anterior sem as partes serem chamadas a prestar
declarações. Nesta situação nem temos fase escrita nem fase oral (temos tão só um pedido e
um despacho fundamentado).

Quanto às despesas, o processo é gratuito e a decisão do TJ em matéria de despesas é remetida


para o tribunal nacional – cabe ao tribunal nacional determinar quem suporta as despesas.

Existe também uma especificidade quanto à assistência judiciária – em princípio, aplicar-se-ão


as regras nacionais, mas se porventura a assistência judiciária a nível nacional não for suficiente
para suportar a representação junto do TJ, pode uma das partes do processo principal solicitar
apoio através de assistência judiciaria especificamente para o processo de reenvio.

O tribunal nacional deve informar o TJ sobre a continuação do processo nacional, sobre aquilo
que ocorreu depois do reenvio, em especial a decisão final, permitindo ao TJ perceber o curso
do processo para ver se se reflete ou não a pronuncia/acórdão/despacho de reenvio.

Tramitações Diferenciadas
➢ Tramitação Acelerada:
Pode ser aplicada nos processos de reenvio e nos recursos e ações. Há situações que exigem
uma intervenção mais breve, pelo que se veio prever a possibilidade de se vir a decidir pelo TJ
que determinado processo fosse sujeito a tramitação acelerada. A generalidade dos processos
do TJ pode ser submetida a tramitação acelerada.

• Reenvio

Decretado pelo Presidente do Tribunal a pedido do tribunal nacional ou oficiosamente (art.


105.º RPTJ). O tribunal nacional, quando faz o pedido de reenvio, deve solicitar que aquele
processo seja submetido a tramitação acelerada. Contudo, se o Presidente entender que estão
verificadas as condições para tal, pode solicitar a tramitação acelerada oficiosamente.

Para decretar o reenvio, é necessário que a natureza do processo exija o seu tratamento em
prazos curtos; devem também existir riscos elevados e eminentes para a saúde pública, por
exemplo. Se as razões forem reais e justificadas, é necessária uma resposta célere. Essa
tramitação acelerada, apesar de na essência manter o respeito quanto aos princípios
fundamentais de que falamos no início, representa na verdade algum atropelo (por exemplo, a
ausência de fase oral), ou seja, há um risco para um processo equitativo.

O Presidente só declarará o reenvio depois de ouvir o Juiz-Relator e o Advogado-Geral. Do


ponto de vista processual, no reenvio o prazo para a apresentação das observações é reduzido

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Sebenta Teórica de DUE II da Comissão de Curso de quarto ano da FDUP – Sílvia Moreira e Mariana Cruz

(não inferior a 15 dias) e pode ser objeto de orientação pelo Presidente. Aquilo que deve ser
objeto das observações não fica na liberdade dos seus autores, porque o Presidente pode
orientá-las.

• Ações e Recursos

A tramitação acelerada pode ter lugar em qualquer processo. Enquanto no reenvio se dá a


pedido do tribunal nacional, aqui dá-se a pedido das partes embora excecionalmente possa ser
fixado oficiosamente. A pedido das partes, será apresentado em requerimento separado no
momento da apresentação da petição ou da contestação; pode ser pedido excecionalmente de
modo oficioso, ouvidas as partes, o Juiz-relator e o AG. Em relação aos fundamentos para poder
ser requerido (condições) e ao procedimento, é idêntico à tramitação acelerada, os
fundamentos são do mesmo tipo.

Aqui as especificidades incidem na fase5 escrita, na réplica e na tréplica, que em princípio não
terão lugar. Aqui, elas só têm lugar quando haja uma decisão nesse sentido (ao contrário do que
acontece na generalidade, em que terão lugar a menos que haja uma decisão contra isso).

Se um processo for submetido a tramitação acelerada, pode ter terceiros intervenientes, mas a
estes pode ser recusada a representação em articulado próprio para se pronunciarem sobre as
questões do processo.

No caso de um processo junto do TG, o prazo para a contestação é 1 mês (art. 154º n.1 RPTG);
em regra, não se admitem outros articulados além da petição e contestação (art. 154º n.3 RPTG)

Na fase oral, há alguma simplificação, mas não há nenhuma especificidade em particular. O que
sucede aqui é que a marcação da fase oral será mais célere, tendo em conta a tramitação
acelerada.

No TG, a decisão sobre a tramitação acelerada vai fixar a tramitação ulterior, nomeadamente
vai poder ser convencionada a apresentação dos fundamentos e argumentos, a apresentação
dos articulados e sua extensão – há um maior condicionamento. No TJ, isto não acontece.

Os processos submetidos a tramitação acelerada têm prioridade. Afasta-se a regra comum do


tratamento dos processos e das suas decisões de acordo com o seu timing normal, passando a
haver uma prioridade.

➢ Tramitação Urgente
A Tramitação urgente imprime ao processo ainda uma aceleração maior. Na tramitação
acelerada um processo que demoraria 16 meses ficará concluído em cerca de 1 ano; já na
tramitação urgente, o processo fica decidido ao fim de cerca de 3 meses.

A tramitação urgente só se realiza nos reenvios prejudiciais e apenas em questões que digam
respeito ao espaço de liberdade, segurança e justiça (falamos essencialmente da liberdade de
circulação de pessoas, da emigração e do asilo, da cooperação judiciária civil e penal e da
cooperação policial). Estão em jogo interesses relacionados com direitos fundamentais das

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Sebenta Teórica de DUE II da Comissão de Curso de quarto ano da FDUP – Sílvia Moreira e Mariana Cruz

pessoas – a sua detenção ou a sua liberdade, as condições familiares em que ela se encontra,
por exemplo, e que estão dependentes da pronúncia do Tribunal).

Se estamos a falar da cooperação judiciária penal, muitas das matérias têm a ver com o
mandado de detenção europeu – falamos de pessoas detidas e ninguém pode ser privado da
sua liberdade por tempo indeterminado (há limites). Isto não é compaginável com uma decisão
num prazo de 16 meses.

Os juízes nacionais, quando colocam as suas questões ao Tribunal de Justiça, não costumam dar
as suas opiniões sobre elas, mas nestes casos o juiz nacional deve auxiliar o TJ, apresentando a
sua posição com os argumentos que a suportam, porque isso auxiliará o Tribunal a decidir mais
rapidamente.

NOTA: para auxiliar o Tribunal de Justiça, este pode solicitar ao tribunal de um Estado-Membro
diferente do do reenvio que preste esclarecimentos – tal tem a ver sobretudo com as questões
respeitantes ao processo penal. No âmbito de um mandado europeu, muitas vezes coloca-se a
questão dessa pessoa ser sujeita a uma pena degradante. Sucede que esta possibilidade permite
ao TJ inquirir diretamente o tribunal, não aquele que fez o reenvio, mas o que solicitou o
mandado de detenção europeu, o demandante (sendo que o reenvio é habitualmente feito pela
autoridade judiciária que foi demandada). Ou seja, prevê-se a intervenção de um tribunal do
Estado-Membro para auxiliar o TJ.

A fase oral é imediatamente marcada, para rapidamente atempar e para que seja rapidamente
resolvida a situação. Quanto à fase escrita, pode acontecer que, como consequência processual,
ela seja omitida, pode não haver lugar a observações das partes – o Tribunal pode decidir que
irá responder simplesmente com os elementos trazidos pelo Tribunal Nacional, sem que haja
lugar à apresentação de observações.

Incidentes da instância – Intervenção de terceiros


Quando falamos da intervenção de terceiros, não falamos do reenvio, mas de outros
processos e ações, no reenvio não há intervenção de terceiros. Em qualquer outro processo
(quer nos recursos quer nas ações) pode haver intervenções de terceiros, e esses terceiros são
todos aquele que têm legitimidade para intervir no processo junto do TJ – artigo 40º do
Estatuto:

1. Podemos falar de intervenientes privilegiados, que podem intervir em qualquer


processo sem qualquer razão, sem qualquer interesse na causa – falamos de Estados-
Membros e Instituições;
2. Podemos ter intervenientes que não-privilegiados, mas que são necessariamente
interessados: órgãos ou organismos da União Europeia (qualquer um dos órgãos
previstos no Tratado com alguma autonomia), os Estados do Espaço Económico Europeu
ou do órgão de fiscalização do EEE (podem ser intervenientes interessados em qualquer
processo fora dos processos do EEE) e ainda as pessoas singulares e coletivas – todos
estes têm de ter um interesse na resolução da causa, isto é, o objeto do litígio de alguma
forma tem de ter algum interesse para a sua situação jurídica, sem o qual não podem
ser intervenientes.

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Sebenta Teórica de DUE II da Comissão de Curso de quarto ano da FDUP – Sílvia Moreira e Mariana Cruz

Ainda assim, há um limite. Os particulares (pessoas singulares ou coletivas), mesmo que possam
ter um interesse específico num processo que envolva apenas Instituições, Estados-Membros
ou ambos, não podem intervir. Podem intervir nos processos que envolvam outros particulares.

A intervenção de terceiros tem como objeto suportar ou apoiar uma das partes, total ou
parcialmente, não tendo uma posição processual autónoma – tem alguma autonomia
processual, porque pode apresentar provas distintas, pode mesmo invocar exceções que não
tenham sido invocadas pelas partes, pode apresentar fundamentos diferentes do que
apresentou a parte apoia. Não pode, contudo, apontar para uma solução jurídica distinta,
requerer um pedido diferente daquele que apresentou a parte que apoia, tendo
necessariamente de se conformar com aquele pedido. Pode ficar aquém, mas não pode ir para
além do que aquilo que a parte que apoia trouxe ao processo

Quanto à invocação de exceções, a jurisprudência não é consistente – Há acórdãos em que o


Tribunal não aceitou que o interveniente pudesse apresentar exceções distintas, mas já admitiu
que sim, em relação a exceções de conhecimento oficioso (como a competência absoluta do
Tribunal). A dúvida que fica é saber se efetivamente se trata de uma situação em que se acolhe
essa possibilidade da parte do interveniente ou simplesmente acaba por ser o Tribunal a, de
alguma forma, determinar uma exceção que, sendo de conhecimento oficioso, não é relevante,
porque o Tribunal sempre a conheceria por si próprio. O alcance não é nenhum, porque o
Tribunal conheceria oficiosamente essas exceções que não recusou ao interveniente.

Se as partes chegarem a uma resolução amigável, se o autor desistir, obviamente o


interveniente não pode manter a ação, independentemente do que possa ser o seu interesse o
processo extinguir-se-á, independentemente de haver razões que permitissem que o processo
prosseguisse.

Quando o interveniente intervém, aceita o processo como está, o que significa que tudo o que
foi decidido antes está fixo, não pode ser objeto de qualquer reconsideração.

As ações são publicitadas, porque é precisamente a contar dessa publicitação que conta o prazo
de 6 semanas para algum potencial interessado poder intervir. Pode haver uma intervenção
posterior, se houver razões excecionais que justifiquem que não pôde ser apresentado nas 6
semanas posteriores à publicitação.

Mesmo nas situações excecionais, tal deve ocorrer antes da fase oral, caso contrário a mesma
não é possível. Se tiver lugar depois da fase escrita, mas ainda antes da fase oral, o interveniente
não irá apresentar nenhum articulado, mas não é verossímil que em 6 semanas a fase escrita
tenha terminado. De todo o modo, se isso acontecer, a intervenção terá lugar na audiência de
alegações.

O pedido de intervenção é um requerimento autónomo, mas não é o que traduz a intervenção,


porque este pedido é notificado às partes para que elas se pronunciem. Para os Estados-
Membros isto é relevante, mas para os intervenientes não-privilegiados pode ser controverso
se há ou não interesse quanto à causa e, portanto, as partes podem querer pronunciar-se sobre
isso.

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Sebenta Teórica de DUE II da Comissão de Curso de quarto ano da FDUP – Sílvia Moreira e Mariana Cruz

A decisão do Tribunal sobre essa admissão da intervenção deve ser posterior à decisão sobre a
exceção de inadmissibilidade. A exceção de inadmissibilidade pode ser apresentada nos
articulados iniciais ou separadamente – deve ser feita separadamente pelas partes, no mesmo
prazo que os articulados iniciais, quando pretendam que o Tribunal se pronuncie sobre a
inadmissibilidade antes de se pronunciar sobre o mérito, portanto antes da decisão final. Neste
caso, o Regulamento de Processo prevê que a decisão sobre a intervenção não deve ser tomada
antes da decisão de inadmissibilidade. Porquê? Não há utilidade em admitir um interveniente
para depois ser julgada a inadmissibilidade sem haver qualquer pronuncia sobre o pedido, sem
haver essa decisão final – esta é uma regra logica, que se justifica por razões de eficiência. Se a
exceção de inadmissibilidade não tiver tido provimento, nesse caso seguir-se-á a decisão sobre
a intervenção.

A intervenção de terceiros é admitida ou não por decisão ou despacho do Presidente ou


despacho do Tribunal e o indeferimento deve ser fundamentado. Pode ainda a intervenção
cessar por iniciativa do interveniente ou por decisão do Tribunal – isto é, o Tribunal pode,
posteriormente a ter admitido o interveniente, decidir pela sua exclusão, se apurar que não
estão verificados os requisitos para a intervenção.

Depois de admitido, o interveniente é notificado dos atos processuais anteriores, dos


articulados que anteriormente tiveram lugar. Nesta sequência é apresentado o articulado de
intervenção (momento em que o interveniente se vai pronunciar sobre as questões do processo,
sobre os factos e o Direito).

Os requisitos formais e substanciais são semelhantes e quanto à extensão é de 10 páginas no TJ


e 20 no TG. Este articulado é depois notificado às partes para que estas respondam às questões
suscitadas pelo interveniente – a resposta pode ter no máximo 5 páginas no TJ e 15 páginas no
TG. Há intervenientes que suportam sempre as suas despesas (os Estados e a Comissão
Europeia, quando são intervenientes). Outros intervenientes suportarão despesas ou não, de
acordo com a decisão do Tribunal – em princípio suportarão as suas despesas, mas o Tribunal
pode decidir de outra forma, nomeadamente imputando essas despesas a outra parte.

Suspensão da execução e outras medidas provisórias


1. Art. 278.º TFUE – suspensão da execução do ato da União impugnado (só pelo
demandante – art. 160.º, nº, 1 RPTJ; art. 156.º, n.º 1 RPTG):

Falamos de uma medida que diretamente incide sobre o objeto do pedido e tem a ver, no
quadro do processo junto do TJ, com o recurso de anulação e, portanto, com a possibilidade
que o Tribunal terá de suspender a execução de um ato que é objeto do recurso de anulação.

Esta medida é autorizada pelo próprio Tratado, no art. 278º, sendo que o art. 279º faz uma
referência genérica a outras medidas provisórias que podem ter uma natureza diferente,
nomeadamente injuntiva.

O recurso de anulação não tem efeito suspensivo, ou seja, há uma presunção de validade dos
atos jurídicos que, até que seja declarada a respetiva invalidade pelo TJ, mantêm todos os seus
efeitos jurídicos – em princípio mantêm-se em vigor e produzem todos os efeitos jurídicos. Se

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Sebenta Teórica de DUE II da Comissão de Curso de quarto ano da FDUP – Sílvia Moreira e Mariana Cruz

esta é a regra, o que nos diz o artigo 278º é que pode o Tribunal suspender a produção de
efeitos destes atos.

Quem é que pode requerer? O demandante (o requerente não tem autonomia para fazer este
pedido). Esta decisão é do Presidente ou do Tribunal, tendo natureza provisória, o que significa
que a medida pode ser levantada quando as razões que a justificarem deixem de se verificar. A
suspensão pode ainda ser decretada temporariamente, quando se entender que não se mantêm
as razões que a justificaram ou pode ser à partida decretado que só produzira efeitos durante
um período limitado.

A decisão é adotada através de despacho fundamentado e ele não é recorrível – é uma decisão
definitiva do Tribunal de Justiça. Se for uma decisão do Tribunal Geral, ela já é recorrível para o
TJ.

O facto de ser indeferido um pedido de medida provisória não impede que possa ser feito um
outro pedido idêntico, mas tem de haver alguma razão que o possa justificar, tem de ser fundado
em novos factos, não podem ser utilizados os mesmos fundamentos que anteriormente.

2. Art. 279.º TFUE – medidas provisórias (incluindo a suspensão da execução de atos


nacionais) – por uma parte no processo e no âmbito desse processo – art. 160.º, n.º 2
RPTJ; art. 156.º, n.º 2 RPTG):

Existem outras medidas de tipo injuntivo, como a suspensão da execução de atos nacionais,
que é importante sobretudo no âmbito das ações por incumprimento, em que o TJ pode
decretar que atos e medidas nacionais (que são certamente as que estejam em observação por
alegadamente se encontrarem contrárias ao DUE) devam ser suspensas até que o Tribunal se
pronuncie sobre a ação de incumprimento. Falamos de medidas de diferente natureza.

Enquanto a suspensão da execução do ato só pode ser requerida pelo demandante, as medidas
provisórias podem ser requeridas por qualquer parte do processo e elas incidirão sobre alguma
situação jurídica que esteja conexionada com o litígio em causa, mas que não é necessariamente
o objeto do litígio.

3. Art. 299.º TFUE – suspensão da execução de um ato do Conselho, da Comissão ou do


BCE que impõe uma obrigações pecuniárias a pessoas que não são Estados-Membros
(art. 165.º RPTJ; art. 161.º RPTG); o art. 299.º é aplicável aos acórdão do TJ ex vi art.
280.º TFUE:

O art. 299º determina que essas decisões, esses atos, são atos que tem força executiva e que,
portanto, podem ser executados, mas essa execução pode ser suspensa, naturalmente, e tal
poderá ser objeto dessa decisão de suspensão.

Assim,

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Sebenta Teórica de DUE II da Comissão de Curso de quarto ano da FDUP – Sílvia Moreira e Mariana Cruz

• Art. 39.º ETJUE – decisão do Presidente ou do Tribunal (art. 161.º, n.º 1 RPTJ – audição
do AG – art. 161., n.º 3 RPTJ); natureza provisória (arts. 162.º, n.º 4 e 163.º RPTJ; arts.
158.º, n.º 4 e 159.º RPTG), eventualmente temporária (art. 162.º, n.º 3 RPTJ)

o Através de Despacho fundamentado e não recorrível (art. 162.º, n.º 1 RPTJ; art.
158.º, n.º 1 RPTG – este despacho é recorrível para o TJ)

• O indeferimento de um pedido de medida provisória não impede a apresentação de um


novo pedido fundado em factos novos (arft. 164.º RPTJ; art. 160.º RPTG)

Em geral:

• Pedido apresentado pelo demandante ou pela parte em requerimento separado,


quando é impugnado o ato perante o Tribunal ou quando é apresentado o articulado
principal, a petição ou a contestação (caso das ações e não dos recursos) – é
semelhante seja qual for a medida provisória
o Requisitos formais são idênticos aos da petição – tem de se fazer uma
referência sucinta ao objeto do litígio, pelo facto de o requerimento ser
apresentado em separado (daí a necessidade de fornecer alguma
sustentação que permita perceber qual é que é o litígio que está em causa);
devem ser oferecidas as provas e fundamentos normativos, não em relação
ao que é o recurso e os fundamentos de recurso, falamos de provas e
fundamentos em relação ao pedido de suspensão, portanto as razoes de
facto e de Direito que sustentam um pedido de suspensão da execução de
um ato. Tem um limite de 25 páginas.

o Requisitos substanciais cumulativos – tem de haver indícios de que o que é


requerido ao Tribunal, que é a anulação do ato no caso da suspensão da
execução, tem um fundamento plausível, tem de haver elementos que
permitam concluir que há razões válidas para se poder admitir que a
anulação do ato está fundamentada e é algo previsível que venha a
acontecer. Falamos de fundamentos de facto e de direito (fumus boni iuris)
e as razões da urgência (periculum in mora com risco previsível de um
prejuízo grave e irreparável).
Isto quer dizer que não há razões de urgência pelo simples facto de poder
haver elevados prejuízos financeiros, por muito elevados que eles possam
vir a ser – quando o risco e as consequências sejam de natureza estritamente
económico-financeira, este requisito não está verificado, porque isso será
sempre passível de ressarcimento, haverá sempre possibilidade de
compensação que terá lugar, por exemplo, pela via da ação de
responsabilidade (contratual ou extracontratual). Contudo, há aqui algumas
nuances, porque eventualmente o prejuízo financeiro de grande dimensão
pode acarretar outras consequências que não simplesmente esse dano
patrimonial – pode acarretar de modo previsível (e é preciso carregar provas
e elementos que permitam retirar essa conclusão) uma insolvência, e aí sim
já não é suficiente o ressarcimento, porque se aquela entidade, por força da
execução do ato, não só sofrer um prejuízo, mas esse prejuízo poder

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Sebenta Teórica de DUE II da Comissão de Curso de quarto ano da FDUP – Sílvia Moreira e Mariana Cruz

previsivelmente conduzir a uma situação de insolvência, aqui temos um


dano irreparável.
Tem de ser feita uma ponderação dos interesses em presença.

o Antes de haver decisão, há em princípio notificação à outra parte, fixando


um prazo (que poderá ser curto, mas que tem de estar determinado) para as
observações escritas ou orais. Contudo, em casos de extrema urgência,
pode ser decretada a medida sem que a outra parte tenha apresentado
observações. Nesse caso, a decisão que põe termo ao processo de medidas
provisórias só poderá, porém, ser adotada depois de esta outra parte ter sido
ouvida e pode alterar ou revogar essa medida – pode não haver intervenção
da contraparte no decretamento da medida, mas essa chamada ao processo,
essa possibilidade de pronuncia, tem de ter lugar necessariamente em
momento posterior.

o A fase oral e a instrução são eventuais.

17/05/2023

A Europa Digital
(Acompanhar os apontamentos com o PowerPoint disponibilizado)

Este domínio digital tem tido uma atenção particular da UE desde 2015. Num primeiro
momento, estava muito vocacionado para o mercado interno, tendo precisamente um quadro
de desenvolvimento de iniciativas que assegurassem o mercado único digital. Entretanto, há
uma abordagem mais global que se inicia em 2018 e que leva a Comissão Europeia a procurar
delinear estratégias gerais e setoriais em vários âmbitos nos quais há um impacto da revolução
digital.

Temos uma estratégia geral, que é a Estratégia Europeia Digital, em que a UE inicia a reflexão
das condições e dificuldades que se enfrentam – faz uma abordagem comparativa com as
principais “concorrentes” e conclui que tinha de desenvolver em vários quadrantes
(competências, estruturas, governação, negócios) iniciativas concretas, do ponto de vista
legislativo e de investimento financeiro, que depois vão dar origem à Bussola Digital – há
necessidade de iniciativas concretas que permitissem recuperar o tempo perdido e a posição de
inferioridade em que a Europa se encontrava.

Efetivamente, o impacto da revolução digital é transversal na sociedade, há um impacto na


economia do ponto de vista da criação de novos produtos e serviços e do ponto de vista do
favorecimento da eficiência da produção de serviços e bens, mas há também um impacto social
significativo, que vai desde os Direitos Fundamentais até às relações laborais – esse impacto é,
por um lado, positivo: os meios digitais permitem uma melhoria da acessibilidade em relação
aos serviços públicos, por exemplo, porque passamos a dispor da via digital para obter
informações e serviços. Aqui há que criar condições para que o acesso seja efetivo, inclusivo,
não discriminatório e o mais amplo possível – isto implica que seja feito um plano de toda a UE
sem limitações no que diz respeito aos espaços fronteiriços.

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Sebenta Teórica de DUE II da Comissão de Curso de quarto ano da FDUP – Sílvia Moreira e Mariana Cruz

Por outro lado, há também efeitos perversos, que também se tornaram muito rapidamente
notórios pela via, por exemplo, da desinformação e manipulação, para além de práticas que já
existiam na realidade física, mas que são exponenciadas na realidade digital. Isto rapidamente
veio revelar que, para além dos riscos exponenciados, tem riscos muito particulares (do ponto
de vista da proteção de dados pessoais, por exemplo).

A relação entre o digital e o social – convergência ou colisão?


O acesso ao espaço digital é:

• por um lado, um novo direito:


O espaço digital é um espaço em que a cidadania está presente e a que todos devem
aceder – há que assegurar essa possibilidade, principalmente porque há categorias
de pessoas com especiais dificuldades e pessoas especialmente vulneráveis neste
espaço (idosos, crianças). O acesso ao espaço digital é um serviço essencial
• por outro lado, uma nova via para os direitos
Seja do ponto de vista do acesso a prestações sociais, seja por acesso à cidadania em
geral, um espaço para a liberdade de expressão, liberdade de associação, etc. – é um
espaço para direitos constitucionais que têm no digital o seu lugar.

Centrando-nos em especial nos direitos sociais, o âmbito social da UE é muito limitado, não
temos uma política social comum, mas há um conjunto de políticas com traços comuns e
características próprias que efetivamente põem a enfase nessa integração comum dos cidadãos
num conjunto de garantias relativamente ao bem-estar e a determinados direitos, assegurados
nos Estados europeus desde a nascença até à morte (proteção de desemprego, de maternidade,
etc. passam por política pública nesta matéria).

Há, de facto, especificidades europeias, mas a verdade é que a UE não tem uma política comum,
cada estado tem as suas políticas. Encontramos depois um conjunto de ações de incentivo,
promoção, mas não são efetivamente um quadro comum nem têm coincidência legislativa.
Mesmo o exercício dos direitos associados ao espaço de liberdade está condicionado pela
existência de condições sociais próprias, que garantam que os indivíduos não são um encargo
para o Estado para onde se pretendem deslocar.

Desde os anos 90, as preocupações sociais passaram a estar presentes na agenda europeia, mas
com muitas condicionantes. Houve iniciativas do ponto de vista de soft law e um
desenvolvimento significativo é a adoção em 2017 do Pilar Europeu dos Direitos Sociais – é uma
declaração de direitos e princípios com valor proclamatório (não é um ato jurídico obrigatório).
Esta declaração reúne acervos anteriores e apresenta um conjunto de princípios que são
orientações que devem ser promovidas pela UE na medida das suas competências e no quadro
dos EM na medida das suas competências também.

Na sua consequência, é adotado um plano de ação que foi associado ao Semestre Europeu, em
que há uma avaliação das instituições da União e também se fixam parâmetros relacionados
com as metas deste Pilar Europeu dos Direitos Sociais. Os EM comprometem-se com
determinados parâmetros e depois é feita uma avaliação, a par do Semestre Europeu, sobre o
modo como agiram, as medidas adotadas e se atingiram aquilo a que se pretenderam ou não.

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Sebenta Teórica de DUE II da Comissão de Curso de quarto ano da FDUP – Sílvia Moreira e Mariana Cruz

No art. 20º desse pilar há o direito de acesso a serviços essenciais de boa qualidade, incluindo
comunicações digitais – é a base das iniciativas a nível nacional e no quadro europeu que
concretizam o direito de acesso ao espaço digital, e que leva a que os Estados prevejam uma
tarifa social para pessoas com capacidade financeira menor terem, por exemplo, acesso à
internet. Depois, afirma ainda que o espaço digital promove o direito à educação, formação e
aprendizagem ao longo da vida inclusivas e de qualidade e ainda o direito à saúde.

Quanto à saúde, a UE tem a iniciativa de criação de uma rede europeia de saúde, permitindo
cuidados de saúde em qualquer lugar no espaço da União. O espaço digital promove o acesso a
cuidados de saúde desde logo porque, se tivermos um registo eletrónico que seja interoperável
dos processos clínicos, isso significa que quando um cidadão está noutro EM, pode ter acesso a
serviços de saúde que possa necessitar em condições mais favoráveis, porque os médicos desse
outro EM podem ter acesso ao seu processo clínico. Um sistema interoperável que beneficie,
desde logo, de tradução automática, que torne aquela informação percetível noutros EM – isto
permite um melhor acesso a cuidados de saúde através do digital.

Quais as bases para afirmar que o acesso ao espaço digital é um DF?

Está relacionado desde logo com a qualificação – o espaço digital deve ser qualificado como um
serviço essencial, logo há aqui um direito ou prestação do Estado em condições que têm de ser
equitativas, que não podem ser deixadas estritamente ao funcionamento das leis do mercado,
é exigível uma intervenção o Estado para assegurar que todos conseguem ter acesso (como
acontece com a água, eletricidade e gás).

Para tal, encontramos o art. 36º da CDF e o art. 14º do TFUE. Isto tem a função de convocar
uma intervenção pública a dois níveis:

1. policy making – promover uma intervenção positiva de criação de condições


2. regulatório – Estado regular os agentes económicos nestes setores, impondo condições
e fazendo uma avaliação do sue comportamento, e que pode muitas vezes exigir desvios
às regras e à liberdade de concorrência, quando tal seja necessário.
Pode traduzir-se na necessidade de haver apoio público, e aí há condições especiais
relacionadas com auxílios do Estado.
Ex.: Uma das principais metas é todo o território da UE ter cobertura 5G até 2030 – mas
as operadoras móveis privadas vão fazer o investimento necessário nos espaços com
poucas pessoas? Não, possivelmente temos de ter um investimento público nesta
matéria e esta qualificação permite esse investimento.

Qual é uma das dificuldades no mundo digital?

Há um reforço de certas desigualdades e até o surgimento de novas desigualdades do ponto de


vista da literacia digital. Há a necessidade de a promover, nomeadamente para que as pessoas
consigam compreender os riscos envolvidos no espaço digital e aquilo que são ações porventura
manipulatórias. Surge a questão de saber se isto é suficiente ou se será necessária uma
intervenção por um lado limitadora e por outro lado sancionatória. Isto pode produzir
desigualdades fruto da idade. A este propósito, a estratégia europeia pretende que até 2030
pelo menos 80% da população tenha competências digitais básicas.

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Sebenta Teórica de DUE II da Comissão de Curso de quarto ano da FDUP – Sílvia Moreira e Mariana Cruz

Depois, temos ainda os problemas respeitantes à capacidade económica – na altura da


pandemia, é de recordar os problemas que se levantaram sobre este gap, por exemplo nas
crianças (as que tinham computador e as que não tinham, por exemplo).

Há que ter especial atenção aos cidadãos com deficiência – a Convenção das Nações Unidas
sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência contempla estas dificuldades, mas já na CDF tem
de se fazer uma interpretação extensiva do art. 26º.

Ações para a promoção da inclusão no espaço digital


Temos essencialmente soft law, desde o início do século. A Declaração Ministerial de Riga sobre
o papel das TIC para uma Sociedade Inclusiva, de 2006, consiste num compromisso dos Estados
com vista a assegurar a chamada “banda larga”, a literacia digital, etc.

Depois, a Declaração de Mälmo sobre eGovernment tem a ver essencialmente com a


administração pública e com o acesso à prestação de serviços no desenvolvimento do
eGovernment, da administração pública através da via digital – mais uma vez, a estratégia
europeia prevê que, até 2030, 100% dos serviços públicos estejam disponíveis online, de modo
a interagirem com os cidadãos não só pela via física (que deve permanecer e o seu acesos não
deve se restringido), mas a 100% pela via digital, de modo a que as pessoas consigam aceder
não só à informação, mas à prestação de serviços. Isto coloca desafios, como a necessidade de
digitalização de todos os serviços prestados, e isso obriga a que haja uma identidade eletrónica
a que todos tenham acesso.

Em 2017, a eGovernment Declaration refere a inclusão como princípio.

Vejamos agora iniciativas que procuraram sedimentar a proclamação dos pilares num quadro
mais semelhante a uma bill of rights – a Declaração de Berlim de 2020 estabelece valores
fundamentais que devem estar enunciados e vinculam quer a UE quer os EM. Esse quadro de
valores sumariza-se numa frase só, “o espaço digital tem de recriar o espaço físico”. Os direitos
que se reconhecem e vigoram no espaço físico têm de ser reconhecidos e vigorar no espaço
digital.

É de salientar em particular a ideia de soberania digital, que desde aí vai fazer o seu caminho,
ainda que possa ter alcances diversos. A soberania do espaço territorial também incide sobre o
espaço digital e isto significa que os Estados têm no espaço digital a mesma soberania do espaço
real, levantando-se algumas dificuldades sobre o modo como a podem exercer, tendo em conta
que é um espaço de interligação à escala global.

Depois, teremos a Declaração de Lisboa – Democracia Digital como um Propósito e enuncia um


conjunto de princípios que completam a anterior e dão lugar à Declaração de Direitos e
Princípios da Década Digital, aprovada em dezembro de 2022. A diferença fundamental é que
a declaração é uma proclamação das 3 instituições, é um compromisso político. as declarações
anteriores são interministeriais, não são compromissos assumidos pelas instituições europeias,
ao passo que a declaração já o é.

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Sebenta Teórica de DUE II da Comissão de Curso de quarto ano da FDUP – Sílvia Moreira e Mariana Cruz

Estratégias europeias e reflexos do ponto de vista digital


Falamos de estratégias diversas para diversos temas, nos quais também se inclui a importância
do espaço digital, na perspetiva de que há um direito de acesso a esse espaço (consultar as
estratégias do slide 14). Quando se fala nas desigualdades de género, em específico, o espaço
digital trouxe um reforço desta desigualdade, porque tem sido um reforço da afirmação
masculina, seja na utilização, seja sobretudo no domínio deste espaço desde logo do ponto de
vista técnico.

Neste quadro, o objetivo para 2030 é assegurar que a UE vai ter pelo menos 20 milhões de
especialistas em TIC, mas com uma referência ao equilíbrio de género, assegurando que haja
uma maior participação feminina. Isto será importante n só por uma questão de igualdade, mas
para combater problemas do espaço digital, nomeadamente a discriminação, que assenta
porventura na própria realidade de quem programa e domina a construção do sistema – se
houver mais mulheres, percebe-se que o modo como o sistema é construído não vai sofrer do
mesmo modo.

Quanto à Agenda Europeia de Competências, há uma dimensão importante do financiamento.

O Plano de Ação sobre o Pilar Europeu dos Direitos Sociais (slide 21) obriga os Estados a
concretizar esses direitos.

A Declaração Europeia sobre os Direitos e Princípios Digitais para a Década Digital (slide 22)
tem pontos relevantes, mas não formula este acesso como um direito fundamental – não é
verdadeiramente uma bill of rights, mas sim um compromisso político, um programa de ação
seja para a UE, seja para os EM. O que podemos procurar fazer é ou rever a CDF para incluir esta
menção de modo direto, ou fazer uma interpretação de disposições da CDF que permita incluir
essa interpretação.

Esta Declaração Europeia tem como objetivo complementar o PEDS, mas pode ser alvo de várias
críticas porque, ao contrário do Pilar Europeu dos Direitos Sociais (que tem 20 pontos bastante
sucintos), é só por si um testamento, dividida em capítulos, que se subdividem em números de
grande densidade – as declarações de direitos e princípios serão tão melhores quanto mais
sucintas forem, porque se tornam mais compreensíveis e acessíveis e os seus exemplos serão
deixados para os documentos políticos. Aqui, essa densificação parece ter um efeito negativo.
Podemos criticar a redação da Declaração, que acaba por ser contraproducente, é algo
demasiado desenvolvido para ser efetivo.

O seu capítulo II fala de solidariedade e inclusão (como desenvolvido no slide 24), e o design for
all é uma regra de produção em geral que determina que qualquer produto deve ser passível de
utilização fácil por qualquer um, e é um pp que está na base da certificação que os produtos
têm. Quando é concebido qualquer produto, deve sê-lo de modo que a sua utilização seja fácil
por qualquer pessoa para a funcionalidade em causa, independentemente de competências
especiais.

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Sebenta Teórica de DUE II da Comissão de Curso de quarto ano da FDUP – Sílvia Moreira e Mariana Cruz

Posteriormente, temos já hard law, em especial em relação à acessibilidade dos serviços


públicos, ao acesso à internet aberta, etc. (slides 25 e 26).

Relativamente a políticas em concreto, podemos encontrar nos documentos referidos no ppt


estudos sobre o modo como os instrumentos digitais são úteis para a formação de políticas –
está em causa a formulação de políticas (de saúde, de mobilidade, de urbanismo, etc.).

Relativamente à mobilidade, por exemplo, aquilo que são os registos digitais que todos
deixamos e a conjugação de todos esses dados são importantes, por exemplo, para organizar a
política de transportes ou de urbanismo. Isto é importante para o desenvolvimento de smart
cities, e tem haver com a utilização de dados produzidos pelas pessoas.

O digital em convergência ou colisão com o social


1. O Teletrabalho

Foi objeto de particular atenção por causa da pandemia. Há neste âmbito uma diretiva de 2019
que especialmente versa sobre exigências para assegurar o equilíbrio entre a vida familiar e o
trabalho. No quadro português, há a agenda do trabalho digno.

Relativamente à gestão algorítmica da organização do trabalho (slide 32), ela vai entrando em
todos os setores, mesmo naqueles que não são atividades feitas no digital. Há alguns riscos que
se colocam e devem ser acautelados e que acabam por ser enquadrados no ponto 5 do PEDS.
Deve-se assegurar um tratamento justo e equitativo, que passa por saber como é feita a gestão
algorítmica e o direito, em último caso, a ter um controlo humano – isto não pode ser totalmente
automático, tem de ser transparente para o trabalhador quais os critérios utilizados e tem de
haver em última instância uma decisão humana.

Em particular, temos em relação aos trabalhadores de plataformas digitais (trabalhadores da


Uber, Glovo, etc.) uma proposta de diretiva que tem vindo a ser bastante controversa. Em
Portugal, temos uma lei que não reconhece o estatuto de trabalhador às pessoas que trabalham
em plataformas (o caso dos TVDE), contrapondo-se ao que foi o entendimento dos tribunais
britânicos, em que os condutores eram trabalhadores das tais plataformas.

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