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FACULDADE DE CIÊNCIAS APLICADAS E SOCIAIS DE PETROLINA - FACAPE

CURSO DE BACHARELADO EM DIREITO


DISCIPLINA: Direito Internacional Público
PROFESSORA: Anne Serra
O presente relatório tem como objetivo abordar as funções, atribuições e legitimados
das Cortes Internacional de Justiça e Interamericana de Direitos Humanos, bem como,
de que modo ocorre o processamento das demandas, perpassando pelas competências em
razão da matéria e da pessoa e por alguns dos seus principais julgados.
A princípio é imperioso destacar que, a justiça internacional tem sido colocada, muitas
vezes, como condição para a paz. Destarte, a própria Carta das Nações Unidas, em seu preâm-
bulo, sugere essa ideia de uma justiça que supera o uso da força.
Desse modo, alicerçados no sonho de uma justiça internacional que aplaque a necessi-
dade de os Estados recorrerem ao uso da força houve um crescimento significativo do número
de cortes e tribunais internacionais, especialmente vinculados ao tema de direitos humanos,
como a Corte Internacional de Justiça e a Corte Interamericana de Direitos Humanos, dentre
outras.
Nessa conjuntura, a CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA possui por função
solucionar, em concordância com o direito internacional, disputas legais submetidas por
Estados, além de oferecer pareceres consultivos sobre questões legais apresentadas por órgãos
autorizados da ONU e outras agências especializadas e tem como atribuições atuar na solução
dos litígios internacionais, por meio de soluções pacíficas de controvérsias existentes,
analisando-os de forma sucinta, mas objetivando o conhecimento dos mesmos.

Relatório

No tocante aos legitimados, vale destacar que apenas Estados e Organizações


Internacionais são sujeitos de direito internacional. Portanto, a regra geral é que apenas estes
têm capacidade postulatória. Esta regra é aplicável nos principais tribunais internacionais,
como a Corte Internacional de Justiça, o Tribunal de Justiça da União Europeia e a
Organização Mundial do Comércio. No entanto, a impossibilidade de figurar como parte não
impede em alguns casos que pessoas, organizações não governamentais ou empresas possam
participar de litígios internacionais como amici curiae.
A Corte Internacional de Justiça é mais restrita à participação de terceiros nos
processos entre Estados.
Em direitos humanos, indivíduos ou associações de indivíduos podem ser partes no
processo contra Estados. Pressupõe-se neste caso que não se trata de um interesse meramente
individual, mas de interesse da humanidade em coibir violações aos direitos humanos. Logo,
mesmo se a iniciativa pertence a um indivíduo, o interesse é geral. Neste sentido, temos a
Corte Europeia de Direitos Humanos ou a Corte Interamericana de Direitos Humanos.
No que concerne a competência Ratione personae (em razão da pessoa), apenas os
Estados que ratificaram o Estatuto da Corte Internacional de Justiça podem apresentar seus
contenciosos à Corte. O Estatuto é um anexo à Carta da ONU, portanto, todos os Estados-
membros da ONU aceitam a competência da CIJ. No entanto, muito embora seja um anexo a
outro tratado, o Estatuto da Corte Internacional de Justiça também é reconhecido como
tratado autônomo. Ele aceita ratificações de Estados não membros da ONU, desde que esses
Estados aceitem todas as condições do Estatuto da CIJ, bem como as demais restrições
formuladas pela Assembleia Geral, posteriormente.
As Organizações Internacionais também podem provocar a CIJ para que emane
parecer consultivo, mas não podem participar de contenciosos, exceto como colaboradores da
Corte.
Em relação a competência Ratione materiae (em razão da matéria), é a partir da
provocação das partes que a CIJ define sua competência para julgar o litígio. Sendo assim,
existem três situações, quais sejam:
a) quando os Estados já fazem parte num tratado que prevê a competência da CIJ-
Diversos tratados preveem a competência da CIJ, como último instrumento de solução de
controvérsias, e o próprio Estatuto reconhece que sua competência pode alcançar qualquer
tema, a pedido dos Estados. Em geral, existe a previsão da conciliação, mediação, arbitragem
e, por último a CIJ, mas nada impede que os Estados em conflito acionem diretamente a CIJ.
No caso, a jurisdição torna-se obrigatória. Os tratados que remetem à CIJ não são apenas
aqueles sobre guerra e paz, mas diversos outros, sobretudo temas que se desenvolvem no
âmbito da ONU, na falta de outra instituição de competência específica, como os tratados
multilaterais ambientais, de estabelecimento de limites, de jus cogens.
b) quando aceitam o compromisso de resolver o litígio específico pela CIJ- Se não há
a previsão da aceitação da competência por tratado, os Estados devem aceitá-la expressamente
(cláusula facultativa de jurisdição obrigatória). A jurisdição da CIJ é voluntária e o Estado
provocado pode alegar que não aceita a competência da CIJ para resolver determinada
questão, mesmo quando a própria CIJ se declarou competente para tanto ou quando o
Conselho de Segurança indicou a CIJ para resolver um litígio.
c) quando aceitam, em qualquer momento, a competência da CIJ para resolver
qualquer contencioso em determinados casos- O Estatuto da CIJ prevê que os Estados podem
aceitar a competência genérica da CIJ, nas seguintes situações: interpretação de um tratado-
qualquer questão de direito internacional; análise da realidade de um fato que, se for
demonstrado, significa a violação de uma obrigação internacional e análise da natureza ou a
extensão de uma reparação devida pela violação ou a ruptura de um compromisso
internacional.
À vista disso, o Estado manifesta a aceitação da competência genérica da CIJ por meio
de uma notificação simples, dirigida à Corte, que depois é enviada aos demais Estados-
membros. A falta de notificação pode até levar a Corte a declarar-se incompetente para julgar
o contencioso. Essa manifestação comporta reservas, que podem ser formuladas em razão de
determinados temas mais sensíveis (matéria nuclear, por exemplo) ou limitando a
competência no tempo.
Acerca do processamento de demandas no âmbito dessa Corte, destacamos que
existem duas modalidades processuais, a de natureza contenciosa e de natureza consultiva. Os
contenciosos envolvem dois ou mais Estados. Os pareceres consultivos são solicitados por
Organizações Internacionais, mas não há partes propriamente ditas. Os contenciosos podem
ser iniciados por um pedido de uma das partes ou por um compromisso já assinado entre as
partes. No primeiro caso, unilateral, o Estado interessado indica contra quem se destina o
processo, os fatos e os fundamentos jurídicos mínimos de sua pretensão. Tratando-se de um
compromisso já assinado entre as partes, bilateral, provoca-se a Corte, já com o
consentimento dos Estados envolvidos no litígio.
Após o recebimento da demanda, a CIJ notifica todos os Estados-partes e o Secretário
Geral da ONU. Os Estados são representados por agentes diplomáticos. Estes credenciam
seus advogados e conselheiros jurídicos que participarão do processo, que passarão a gozar de
imunidade diplomática.
Doravante, os juízes fixam um calendário para o processo, com os prazos para a
apresentação dos documentos. Esses prazos não são prefixados e podem variar conforme a
complexidade do litígio.
Assim, a parte interessada apresenta seus argumentos por uma petição com os
argumentos de direito e de fato que considera importantes. A outra parte é notificada para
apresentar sua defesa escrita, no prazo fixado pela Corte. A CIJ pode ainda permitir a
apresentação de réplicas e tréplicas, centradas sobre as teorias que dividem as partes, mas não
existe a previsão automática das mesmas.
A falta de competência da Corte, a impossibilidade de recepção do pedido ou a
existência de outros motivos devem ser analisadas antes do avanço do processo. Cada um
desses elementos pode ser fundamentado em diferentes argumentos, como a existência de
reservas em relação à competência da Corte na matéria, à inexistência do problema, à falta de
capacidade postulatória da parte adversária, entre outros.
A parte demandada pode oferecer reconvenção, ou seja, contra-atacar a parte
demandante, no âmbito do mesmo processo. A reconvenção, por sua própria natureza, deve
guardar relação temática com o processo principal. A CIJ pode ignorar o pedido, caso
considere que não guarda relação estreita. Neste caso, o Estado apresenta uma contramemória,
com seus argumentos de fato e de direito sobre a questão, diante do que se abre prazo para a
defesa da outra parte.
Outra situação também possível é a revelia. A revelia pode ocorrer em relação a todo o
processo ou em relação a parte deste, como o não comparecimento em determinados
momentos processuais.
Após a fase escrita, a CIJ, em negociação com as partes, fixa uma data para a defesa
oral. A Corte pode ainda solicitar a realização de perícias, fazer visitas in loco, o que pode
contribuir por estender ainda mais o processo.
Durante o processo ainda é possível a adoção de medidas cautelares, com o objetivo
de garantir o objeto do litígio. As medidas cautelares são obrigatórias, e os Estados faltosos
podem ter declarada sua responsabilidade internacional, com dever de reparação caso não
cumpram o determinado. No caso, é necessário demonstrar a existência de prejuízo grave e
irreversível, que pode colocar em perigo a solução efetiva do processo.
Com relação a intervenção de terceiros assinalamos que não é muito comum.
O processo extingue-se quando a Corte declara sobre sua própria incompetência;
quando uma das partes desiste; quando é feito acordo entre as partes e com a decisão.
A decisão é tomada a partir da deliberação secreta dos juízes e pode concluir pelo
direito aplicável a determinado caso, pela responsabilidade internacional do Estado, com ou
sem direito à reparação patrimonial ou diplomática. Ela é obrigatória entre as partes e, em
caso de descumprimento da decisão, o Estado interessado pode recorrer ao Conselho de
Segurança da ONU para dar efetividade a esta.
A sentença é definitiva e não há recurso, exceto quando houver um fato novo,
importante o suficiente para exercer uma influência decisiva na revisão da posição anterior da
Corte.
Com respeito aos aspectos processuais dos pareceres consultivos na CIJ observamos
que algumas Organizações Internacionais podem solicitar a posição da CIJ sobre
determinados assuntos jurídicos, de natureza não contenciosa. Os Estados não podem solicitar
pareceres consultivos, pois não têm capacidade postulatória reconhecida para este fim. Trata-
se de um procedimento unilateral, uma vez que não existem partes contrárias ao processo, ao
menos em teoria. Na prática, os pareceres consultivos servem para resolver uma situação
potencialmente litigiosa. Muito embora o parecer final não seja obrigatório, ele indica qual
seria a posição da Corte caso um contencioso fosse oferecido posteriormente. Neste sentido, é
comum a participação no processo de diferentes Estados com o oferecimento de memoriais
escritos, subsidiando a decisão e oferecendo questões suplementares a serem também
analisadas em cada caso concreto.
Os pedidos de pareceres são encaminhados à Corte, acompanhados de uma carta do
Secretário Geral da ONU. O pedido de parecer pode ser recusado pela Corte, mas a
jurisprudência considera obrigação dar uma resposta.
O processo consultivo tem duas fases, uma escrita e outra oral. Uma vez apresentado o
pedido, a Corte determina quais Organizações Internacionais serão notificadas a prestar
informações para o processo, podendo receber informações de quaisquer outros sujeitos de
direito internacional, preferencialmente dos Estados que desejarem colaborar com o caso. Da
mesma forma que nos contenciosos e diferentemente da OMC, não se aceita amicus curiae
privados. Todo esse procedimento segue um calendário que é fixado caso a caso, mas que
pode ser flexibilizado, a pedido dos Estados ou Organizações Internacionais.
Após a fase oral, a CIJ delibera sobre o parecer final, que dá uma posição definitiva
sobre a questão.
Dentre os julgados, citamos o conflito territorial marítimo secular, fruto da guerra do
Pacífico (1879-1883), opondo o Peru ao Chile. Na sua decisão do 27/01/13, a Corte traçou
uma nova linha da fronteira marítima no intuito de obter um “resultado equitativo”, solução
aceita por ambas as partes. Outro exemplo do papel da Corte na pacificação das relações in-
ternacionais: o Japão obedeceu finalmente, depois de quase 30 anos de violação da Con-
venção Internacional para a Regulamenação da Caça à Baleia, à injunção do tribunal inter-
nacional, acionado pela Austrália, de parar imediatamente seu pretendido programa de
pesquisa Jarpa sobre as baleias no oceano Antártico. E por fim, dia 3 de fevereiro de 2015,
a principal corte das Nações Unidas decidiu que nem a Sérbia nem a Croácia cometeram
um genocídio durante a guerra de 1991-1995. Essa decisão, que encerrou uma longa
batalha jurídica e memorial entre Zagreb e Belgrade, não agradou o governo croata, porém
o Primeiro-ministro, Zoran Milanovic, declarou “aceitá-la de maneira civilizada

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