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1.

As Fontes do Direito Internacional

Público

1.1. Noções gerais


O Direito Internacional Público se manifesta a partir de suas fontes, e tira sua
obrigatoriedade de seus fundamentos.

Consoante Celso de Mello, duas correntes buscam explicar a origem da juridicidade do


DIP, ou seu fundamento: o voluntarismo e o objetivismo. O voluntarismo entende que a
obrigatoriedade do DIP deriva da vontade dos Estados. O Estado é soberano e, como
tal, somente pode estar vinculado às normas com as quais livremente tenha consentido.
Vale ressaltar que esse consentimento pode ser manifestado de forma tácita, a exemplo
do costume, ou expressa, através de tratado. Já o objetivismo, de matriz jusnaturalista,
explica que há normas internacionais cuja juridicidade não depende da vontade dos
Estados, mas sim de valores, princípios ou regras que surgem da própria dinâmica da
sociedade internacional. Notável exemplo são as Jus Cogens, normas imperativas que se
manifestam sem que os Estados participem voluntariamente de sua confecção, como a
proibição da escravidão, que existe um valor preemente para a sociedade internacional,
que é a dignidade da pessoa humana.

O fundamento do Direito Internacional Público não se confunde com as fontes do DIP,


que são os meios para a identificação das normas jurídicas internacionais, as maneiras
pelas quais elas surgem. As fontes são, portanto, fatos ou atos que o direito determina
que podem dar origem a normas. São o modo pelo qual o Direito Internacional se
manifesta.
Existem duas concepções sobre as fontes internacionais a positivista e a objetivista.

A positivista, defendida pelo jurista e diplomata italiano Dionisio Anzilotti, afirma que a
origem das normas reside na manifestação da vontade dos sujeitos. Portanto, os fatos
ou atos considerados fontes são aqueles que o direito determina que possuem valor de
regras obrigatórias de conduta. A principal crítica a essa concepção é que ela não
consegue explicar a validade de certas normas como o costume internacional, que é
válido inclusive para Estados que não manifestaram a sua aceitação1.

Na concepção objetivista, a mais adotada atualmente, as fontes podem ser materiais ou


formais.

As fontes materiais são os elementos fáticos ou motivos que levam ao surgimento, ou à


formulação do Direito. Na prática, são eventos específicos, os valores, os ideais, entre
outros, que dão origem às fontes formais. Os processos de descolonização constituem
um exemplo de fonte material, uma vez que lutas anticoloniais fortaleceram a defesa da
autodeterminação dos povos, influenciando os esforços de proliferação de normas
sobre o tema no ordenamento jurídico internacional.

Por sua vez, as fontes formais compõem o meio de comprovação do direito, isto é, a
forma pela qual a norma jurídica é exteriorizada, sendo um reflexo, uma formalização da
fonte material. Como afirma Georges Scelle, elas dão a “forma exterior reconhecível e
especializada às diferentes categorias de regras” (Apud. MELLO, Celso de. p.193).

As normas jurídicas não se confundem com as fontes. As normas expressam o


conteúdo de uma regra ou princípio, se manifestando por meio de tratados, costumes,
entre outras fontes. Isto é, uma mesma norma pode se exteriorizar em distintas fontes.
A concessão do asilo, por exemplo, é tanto um costume jurídico quanto uma norma
convencional.

1
As normas consuetudinárias apenas não vinculam os Estados que discordaram do costume desde o
princípio.
Dito isso, a doutrina considera que existem fontes formais convencionais, fruto de
acordo de vontades, oriundas de tratados, e não convencionais, fruto da evolução da
realidade internacional.

Fontes Materiais Fontes Formais

Elementos fáticos ou motivos que levam As formas pelas quais a norma jurídica é
ao surgimento do Direito, das normas exteriorizada são o meio de
jurídicas comprovação do Direito.

Ex.: processos de descolonização Ex.: Pacto Internacional de Direitos Civis e


Políticos que em seu Art.1º traz: Todos os
povos têm direito à autodeterminação
(...).

Conquanto seja um rol não exaustivo, o Art. 38 do Estatuto da Corte Internacional de


Justiça apresenta uma importante lista de fontes formais, as quais chamamos de fontes
estatutárias.

Artigo 38

1. A Corte, cuja função é decidir de acordo com o direito internacional as


controvérsias que lhe forem submetidas, aplicará:

a. as convenções internacionais, quer gerais, quer especiais. que


estabeleçam regras expressamente reconhecidas pelos Estados
litigantes;
b. o costume internacional, como prova de uma prática geral aceita
como sendo o direito;
c. os princípios gerais de direito reconhecidos pelas Nações
civilizadas;
d. sob ressalva da disposição do art. 59, as decisões judiciárias e a
doutrina dos publicistas mais qualificados das diferentes Nações,
como meio auxiliar para a determinação das regras de direito.

2. A presente disposição não prejudicará a faculdade da Corte de decidir


uma questão ex aequo et bono, se as partes com isto concordarem.

As demais fontes, ausentes no estatuto da CIJ, são conhecidas como fontes extra
estatutárias.
Resumidamente, as fontes primárias do Direito Internacional Público, que ditam os
direitos e deveres dos sujeitos de DIP, aplicáveis diretamente a uma relação jurídica,
são:

● Tratados internacionais;

● Costumes internacionais;

● Princípios gerais do direito;

● Atos unilaterais dos Estados;

● Atos de Organizações Internacionais.

E as fontes secundárias, que auxiliam na interpretação das primárias, são:

● Jurisprudência

● Doutrina

Fontes Estatutárias Fontes Extraestatutárias

Fontes Primárias 1. Tratados 4. Atos Unilaterais


2. Costumes 5. Princípios Gerais do
3. Princípios Gerais de Direito
Direito 6. Decisões das OIs
7. Soft law

Fontes Secundárias 4. Doutrina


5. Jurisprudência

1.2. Ex aequo et bono


A equidade, ex aequo et bono, apesar de constar no art. 38 da CIJ, não compõe uma
fonte do DIP. Na verdade, é uma prática de derivação de “princípios e soluções
equitativas a partir das leis efetivamente aplicáveis”2 pelo juiz a um determinado caso. A

2
SHAW, Malcom N. Direito Internacional. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p.85
justiça, da qual a equidade se origina, é uma justiça segundo as normas de direito, de
modo que a aplicação da equidade não é o exercício de um poder discricionário ou de
conciliação ou uma operação de justiça distributiva3.

Como disposto no estatuto da CIJ, a equidade apenas pode ser utilizada com o
consentimento expresso das partes, quando não houver norma jurídica aplicável ao
caso sub judice, ou a norma disponível não for eficaz para solucionar a contenda.

Vale ressaltar que a CIJ nunca julgou um caso baseada exclusivamente na equidade.

2. O costume internacional

2.1. Conceito e características gerais:


Na ausência de um legislador, o costume era a principal fonte do Direito Internacional
Público, sendo possível afirmar que o DIP surgiu a partir das normas costumeiras.

Desde o advento da Organização das Nações Unidas, há maiores esforços para a


codificação das normas internacionais. Apesar disso, o costume internacional ainda é
uma fonte relevante do Direito contemporâneo, tendo a sua obrigatoriedade advinda do
princípio consuetudo est servanda (os costumes são obrigatórios).

O costume pode ser definido como uma prática geral, uniforme e reiterada reconhecida
como juridicamente exigível.

De acordo com a teoria dos dois elementos, reconhecida pela CIJ e pela Comissão de
Direito Internacional (CDI), todo costume é formado por um elemento material e um
elemento subjetivo.

3
Esse é o entendimento da Corte Internacional de Justiça no caso da Plataforma continental opondo a
Tunísia e a Líbia (1982).
● Elemento objetivo: é a prática geral dos Estados, a inveterata consuetudo.

● Elemento subjetivo: é a convicção da juridicidade, a opinio juris sive necessitatis.

A inverterata consuetudo implica que uma prática deve atender certos requisitos
materiais para ser considerada um costume. Deve corresponder a uma prática geral,
uniforme e constante por boa parte dos Estados ou de Organizações Internacionais.

Embora tenha, via de regra, caráter universal, sendo uma prática consistente, difundida
entre os membros da sociedade internacional, o costume não precisa ser reconhecido
unanimemente, bastando o uso por um grupo amplo e representativo. Ademais, o
costume pode ser pode ser comissivo ou omissivo. Portanto, a prática de um Estado
pode ser no sentido de agir ou de se omitir. No caso de um costume omissivo, o Estado
pode deixar de praticar uma ação em virtude da ausência de capacidade técnica ou em
razão da convicção de que o DIP exige essa conduta omissiva (obrigação de não fazer).

Não há prazo para surgir um costume, a prática deve, apenas, ser uniforme e constante
por tempo suficiente para se consolidar.

A opinio juris sive necessitatis, o elemento subjetivo do costume, é a convicção da


juridicidade do costume por parte dos Estados. É ela que permite diferenciar um
costume do simples uso ou hábito. Isto é, o Estado adota uma prática por estar
convencido de que o Direito Internacional exige ou permite aquela conduta, e não por
mera conveniência.

São diversas as formas como o costume pode se manifestar, como declarações públicas
feitas em nome do Estado, publicações oficiais, correspondência diplomática, decisões
de cortes nacionais, entre outros; podendo, inclusive, ser uma prática oral.

No Brasil, os costumes não precisam ser incorporados ao ordenamento jurídico interno


para que possam gerar efeitos.
Elemento material Elemento subjetivo

Caráter material e objetivo Caráter Psicológico e subjetivo

A prática generalizada, reiterada, Convicção de que essa prática é


uniforme e constante juridicamente obrigatória

Norma costumeira pela sua reiteração Diferencia o costume do simples uso ou


hábito

Segundo Rousseau, são características do costume:

● Prática comum: deve haver a repetição uniforme do ato;

● Prática obrigatória: deve ser respeitado pela sociedade internacional;

● Prática evolutiva: deve se adaptar às novas circunstâncias sociais, mesmo que


com atraso;

Além dos costumes gerais, aplicados por grande parte da sociedade internacional e
obrigatórios para todos, existem os costumes regionais, que são adotados por membros
de determinada região, sendo obrigatórios dentro dessa região. Um exemplo é o asilo
diplomático, válido apenas na América Latina. No Caso Haya de la Torre, julgado pela
CIJ em 1950, a Corte reconheceu a possibilidade de haver costumes regionais, desde
que a parte que o alega apresentasse provas de sua existência e validade.

Costumes gerais Costumes regionais

Aplicados por todos e obrigatórios para Aplicados apenas por alguns membros da
todos sociedade internacional. São obrigatórios
dentro da região

Outro tema relevante quanto aos costumes internacionais é a questão da extinção de


um costume. A doutrina majoritária admite que o costume se extingue nas seguintes
situações:
● Pelo aparecimento de uma fonte material posterior que trata do mesmo tema. O
costume é revogado por novo costume, ou pode ser revogado por um tratado, por
exemplo.

● Pela codificação do costume. As normas costumeiras podem ser codificadas em


um tratado internacional.

● Pelo desuso ou pela perda da convicção acerca de sua obrigatoriedade.

2.2. A vinculação ao costume


Via de regra, os costumes são obrigatórios para toda a sociedade internacional, de
modo que Estados recém-criados estão vinculados aos costumes gerais. No entanto, há
situações em que o costume pode deixar de ser aplicado a determinados Estados e
relações jurídicas, é o caso do objetor persistente.

Consoante a doutrina, o objetor, ou negador, persistente deve apresentar sua oposição


desde antes da formação do costume. Portanto, para que não seja vinculado a um
costume, a objeção de um Estado deve ser:

● originária, feita desde o processo de formação;

● expressa de forma clara e pública para outros Estados;

● constante, mantida de forma persistente.

A figura do objetor persistente decorre do fundamento voluntarista, sendo resultado da


vontade dos Estados de não se vincularem a um costume.

O estudo do objetor persistente foi reavivado pelos países desenvolvidos no contexto


das descolonizações afro-asiáticas. Para pacificar a questão da vinculação dos países
recém-independentes a costumes existentes, foi determinado que Estados
recém-criados estariam vinculados aos costumes gerais, e que a inaplicabilidade de um
costume dependeria da objeção desde a formação. Ademais, havia a preocupação por
parte dos países desenvolvidos sobre como estes poderiam responder caso novos
costumes, dos quais não concordassem, fossem criados na esteira do surgimento de
tantos novos países.

Vale ressaltar que a objeção persistente não é oponível a jus cogens. Ou seja, não
funciona como mecanismo para bloquear normas com valor de jus cogens.

Como dito anteriormente, a objeção deve ser expressa de forma clara e pública, pois
caso o Estado não reaja a uma prática ao longo do tempo, será considerado o aceite
tácito do costume.

Porém, a falta de reação de um Estado à prática alheia somente servirá como prova de
opinio juris se esse Estado estiver em condições de reagir e as circunstâncias pedirem
reação. A saber, o silêncio apenas será considerado um aceite tácito caso o Estado
tenha conhecimento da norma sendo gestada, tenha um tempo razoável para realizar a
objeção, e tenha interesse direto afetado pela formação do costume. Por exemplo, não
configura aceitação tácita o silêncio de um Estado sem acesso ao mar na formação de
um costume relacionado ao Direito do Mar. Por outro lado, um Estado costeiro não pode
alegar que desconhece uma prática marítima de um Estado vizinho.

No Caso Atividades Pesqueiras, Reino Unido V. Noruega (CIJ, 1951), a corte examinou
a questão do silêncio quanto a costumes internacionais. O Reino Unido alegou
desconhecimento sobre a ampliação da delimitação do mar territorial norueguês,
após barcos ingleses serem apreendidos em águas norueguesas. A CIJ, entretanto,
entendeu que: "as a coastal State on the North Sea, greatly interested in the fisheries in
this area, as a maritime power traditionally concerned with the law of the sea (...) the
UK could not have been ignorant" e, portanto, já poderia ter objetado a ampliação do
mar norueguês em uma situação anterior.
2.3. As críticas aos costumes:
Apesar de ser uma fonte tradicional do Direito Internacional, o costume não está isento
de críticas. Há tanto os problemas da formação lenta e da dificuldade de prova como o
fato dos costumes refletirem as relações de força.

Quanto à formação lenta, a crítica reside na incapacidade dos costumes de atender


problemas que ensejam soluções rápidas. Ademais, sua capacidade evolutiva é
dificultada pela lentidão em se adaptar às novas circunstâncias sociais.

Reflexo das relações de força presentes no sistema internacional, os costumes se


coadunam, em grande parte, com o desenvolvimento do Direito europeu. Isso enseja
críticas dos países em desenvolvimento, alijados da formação de muitos dos costumes
gerais.

Por fim, há a dificuldade na prova da existência de um costume, por depender da prática


reiterada e uniforme dos sujeitos de DIP no decorrer de período indeterminado de tempo.
É necessário buscar a comprovação em fontes esparsas como declarações políticas,
correspondências, recomendações de Organizações Internacionais, entre outros.

Com o aprofundamento da institucionalização do Direito contemporâneo, houve a


multiplicação de recomendações de Organizações Internacionais, facilitando a
comprovação do costume. Um exemplo é a possibilidade de uso das resoluções da
Assembleia Geral da Nações Unidas (AGNU) como evidência da existência ou do
conteúdo de um costume.

2.4. A codificação
Como disposto anteriormente, desde o surgimento da Organização das Nações Unidas,
há uma tendência à ampliação da codificação dos costumes, possibilitada pela
crescente institucionalização do DIP. Esse aprofundamento na codificação responde à
necessidade de dar maior previsibilidade e segurança jurídica às relações entre
Estados, de modo que as normas, antes reguladas apenas pela prática dos Estados,
passam a ter conteúdo e aplicação mais certos.

Nesse contexto, ressalta-se o trabalho da Comissão de Direito Internacional das Nações


Unidas (CDI) em transformar práticas não escritas em tratados. A CDI, vinculada
diretamente à AGNU, elabora estudos e faz recomendações sobre a codificação de
normas existentes ou sobre a criação de novas normas, com o objetivo de contribuir
para o desenvolvimento do DIP. Alguns tratados resultantes de sua atuação são a
Convenção de Viena sobre as Relações Diplomáticas (1961), a Convenção de Viena
sobre as Relações Consulares (1963) e a Convenção de Viena sobre os Direitos dos
Tratados (1969).

3. Os princípios gerais de direito


Há duas espécies de norma jurídica, as que estabelecem regras e as que estabelecem
princípios.

As regras possuem enunciado claro, específico e mais objetivo, com baixa abstração.
Um exemplo são as leis penais, que trazem determinadas condutas e penas definidas.
Para evitar antinomias, existem critérios delimitados, como a lei posterior derroga a lei
anterior, e a lei especial derroga a lei geral.

Já os princípios apresentam enunciado genérico, alta abstração e admitem


ponderação. Seu conteúdo incorpora valores, como o princípio da boa-fé e,
diferentemente das regras, admitem ponderação, de modo que o princípio a ser
aplicado em caso de conflito será aquele mais adequado ao caso concreto. O princípio
não aplicado ainda permanecerá válido.
No âmbito internacional, embora incorporem valores, os Princípios Gerais do Direito
(PGD) são parte do Direito positivo, e não parte do direito natural. Consagrados nos
principais sistemas jurídicos nacionais, os PGD compõem fonte autônoma do DIP,
possuindo concretude para serem aplicados pela sociedade internacional. Como
exemplos de princípios internos consagrados como PGD tem-se a proibição do abuso
do direito, a responsabilidade por atos ilícitos, a obrigação de reparar danos
emergentes e lucros cessantes, entre outros.

Resultantes da prática interna dos Estados, os PGD podem ser identificados a partir do
direito comparado. Ressalta-se, entretanto, que essa presença nos ordenamentos
internos dos Estados não precisa ser unânime, bastando haver certa generalidade.

Por serem resultado da prática interna dos Estados, não há uma lista de Princípios
Gerais do Direito válidos para o Direito Internacional, mas é possível delimitar algumas
de suas características, entre elas:

● A função integradora: os PGD tem como finalidade integrar o ordenamento


internacional, evitando o non liquet e preenchendo lacunas.

● A adaptabilidade: os PGD se adaptam ao contexto nos quais estão inseridos,


refletindo as convicções que predominam em cada momento.

Quanto ao papel integrador dos PGD, é importante destacar que as as cortes


internacionais não podem alegar lacuna e deixar de decidir um caso, pois a denegação
da justiça é vedada no ordenamento jurídico internacional.

Vale ressaltar que a CIJ nunca decidiu um caso com base nos Princípios Gerais de
Direito, embora sejam admitidos pela doutrina e jurisprudência como elemento
subsidiário em relação ao tratado e costume.
Além dos princípios gerais de Direito há os princípios gerais do Direito Internacional
Público (PGDI), que, diferentemente dos primeiros, compõem o rol das fontes
extraestatutárias. Os artigos 1 e 2 da Carta das Nações Unidas apresentam um rol
importante dos PGDI. Eles são as normas que alicerçam e conferem coerência ao
ordenamento jurídico internacional, orientando a elaboração e a aplicação das
normas internacionais e a ação de todos os sujeitos de Direito das Gentes.

4. Os meios auxiliares: a doutrina e a

jurisprudência
A doutrina e a jurisprudência estão presentes no art. 38 do Estatuto da CIJ como os
meios que poderão auxiliar a Corte na interpretação do sentido e alcance das normas
do DIP.

Em tese, os meios auxiliares não criam o direito, e, portanto, não são considerados
como fontes propriamente ditas. Por esse motivo, alguns doutrinadores consideram que
os meios auxiliares são fontes secundárias, ou, ainda, fontes auxiliares, não possuindo
obrigatoriedade. Celso de Albuquerque Mello, em seu Curso de Direito Internacional
Público, corrobora essa visão do papel subsidiário da doutrina e da jurisprudência, que
"não constituem um modo pelo qual se manifesta a norma jurídica internacional” (p.311).

A Doutrina cumpre, no DIP, a função de esclarecimento e interpretação do direito.


Dotada de uma importância clássica, por ter desempenhado papel fundamental no
desenvolvimento do Direito Internacional Contemporâneo, atualmente é pouco utilizada
na resolução de conflitos. Instituições como o Institut de Droit International foram alguns
dos principais geradores da doutrina do DIP. Os trabalhos de juristas de outras áreas,
que sejam afeitos ao Direito das Gentes, podem ser considerados parte da Doutrina do
Direito Internacional.
A jurisprudência é o conjunto de decisões harmônicas dos tribunais que, no DIP, funciona
como meio auxiliar para determinar as regras aplicáveis aos casos concretos.
No julgamento dos tribunais internacionais, as decisões são inter partes, obrigatórias
apenas para as partes a respeito do caso. Portanto, a jurisdição internacional gera
efeitos apenas para as partes envolvidas e apenas em relação ao caso específico, como
disposto no Artigo 59 do Estatuto da CIJ: “A decisão da Corte só será obrigatória para
as partes litigantes e a respeito do caso em questão”.

É possível afirmar que as decisões internacionais criam o direito entre as partes, sem, no
entanto, criarem precedentes vinculantes (stare decisis). Isso significa que as decisões
internacionais não originam parâmetros vinculantes para o julgamento de casos
semelhantes. No entanto, ainda assim, os tribunais internacionais buscam por coerência
e coesão jurisprudencial, adotando decisões razoavelmente harmônicas entre si, em prol
da estabilidade e previsibilidade.

Para Celso de Mello, há uma tendência de reconhecer o poder normativo à


jurisprudência. Na prática, observa-se que sentenças anteriores servem de diretriz para
novas decisões. A própria CIJ, que raramente recorre a precedentes, emite decisões com
constância e generalidade, seguindo o sentido de suas sentenças anteriores

Ademais, as decisões dos tribunais internacionais podem dar origem a práticas gerais,
uniformes e constantes, de modo que seu conteúdo pode virar um costume.

5. O conflito entre normas de DIP


Para a doutrina, entre as fontes do direito não há hierarquia. Similarmente, o Estatuto
da CIJ não estabelece qualquer hierarquia entre as fontes, estejam elas descritas no Art.
38 ou não.
No entanto, partindo do princípio de que as normas jurídicas não se confundem com as
fontes, é possível afirmar que há uma certa hierarquia entre as normas internacionais em
razão de sua natureza. Explica-se: há normas internacionais que expressam valores
caros à sociedade internacional, e, por isso, só podem ser derrogadas por normas de
mesma natureza, as jus cogens.

Se houver conflito entre uma norma jus cogens (norma imperativa) e uma outra norma,
quaisquer suas formas de exteriorização (tratado, costume, etc), a jus cogens
prevalecerá. Entretanto, se o conflito for entre normas de mesma natureza, exteriorizadas
em quaisquer tipos de fontes formais, os critérios para a resolução serão os tradicionais,
também aplicáveis ao Direito interno:

● Critério da especialidade: normas especiais derrogam normas gerais;

● Critério temporal: regra posterior prevalece sobre a anterior.

Ressalta-se, ainda, que as obrigações em virtude da Carta da ONU prevalecerão sobre


as obrigações resultantes de qualquer outro tratado, nos termos do Art.103 da Carta4.

4
Artigo 103. No caso de conflito entre as obrigações dos membros das Nações Unidas, em virtude da
presente Carta e as obrigações resultantes de qualquer outro acordo internacional, prevalecerão as
obrigações assumidas em virtude da presente Carta.
Os Tratados Internacionais

1. Noções Gerais sobre os Tratados


Internacionais

1.1. Definição
Tratados são acordos internacionais escritos, firmados entre Estados e/ou
Organizações Internacionais e regidos pelo Direito Internacional. Podem constar de um
instrumento único, ou de dois ou mais instrumentos conexos, e podem possuir distintas
denominações.

Embora os tratados possam ter distintas denominações, eles possuem características


comuns e submetem-se às mesmas regras de Direito Internacional. Essas regras sobre
tratados são fruto do costume internacional entre Estados, que as aceitam como
normas vinculantes em suas relações mútuas. Do desejo de codificar essas normas
consuetudinárias, foram negociadas duas convenções internacionais: a Convenção de
Viena sobre o Direito dos Tratados de 1969 (CVDT/69) e a Convenção de Viena sobre
Direito dos Tratados entre Estados e Organizações Internacionais ou entre Organizações
Internacionais de 1986 (CVDT/86).
A CVDT/69 restringe o conceito de tratado a acordos firmados apenas entre Estados:

Art. 2 §1 a) “tratado” significa um acordo internacional concluído por escrito entre


Estados e regido pelo Direito Internacional, quer conste de um instrumento único, quer
de dois ou mais instrumentos conexos, qualquer que seja sua denominação específica;
Já a CVDT/86, ainda sem vigência por não ter alcançado as 35 assinaturas necessárias
conforme o disposto em seu art. 85, inclui as Organizações Internacionais na
conceituação:

Art. 2 "tratado" significa um acordo internacional regido pelo Direito Internacional e


celebrado por escrito
i) entre um ou mais Estados e uma ou mais organizações internacionais; ou
ii) entre organizações internacionais, quer este acordo conste de um único instrumento
ou de dois ou mais instrumentos conexos e qualquer que seja sua denominação
específica;

Vale lembrar que, embora a CVDT/86 não esteja em vigor, ela codifica regras
costumeiras sobre o Direito dos Tratados, e por isso seu conteúdo é aplicável no
território brasileirom e no Direito Internacional Público como um todo.

Embora o Brasil ainda não tenha ratificado a CVDT/86, seu texto foi aprovado pelo
Congresso em dezembro de 2022, com reservas aos artigos 25 e 66.

Destrinchando a definição presente na supracitada convenção, tem-se que tratados


são acordos escritos, elaborados de maneira formal, solene. Por serem escritos, trazem
maior segurança jurídica, o que implica em maior certeza e clareza quanto ao seu
conteúdo e alcance.
É importante destacar que existem acordos orais com a mesma força obrigatória de
tratados, a exemplo de promessa feita por Ministro das Relações Exteriores de um
Estado ao seu homólogo de outro Estado, como no caso da Groelândia Ocidental na
Corte Internacional de Justiça.

Tratados são criados pela convergência de vontades, sendo vinculantes com anuência
das partes. A vinculação no âmbito interno (doméstico) e externo significa que o
tratado produz efeitos jurídicos obrigatórios para as partes. Deve-se destacar que a
existência dos tratados fundamenta-se no voluntarismo, pois a vontade das partes é
essencial para que tais acordos possuam validade.

Via de regra, esses acordos são firmados por Estados e/ou Organizações Internacionais.
Entretanto, esses instrumentos internacionais podem ser firmados por outros sujeitos de
DIP, como a Santa Sé, Beligerantes, Insurgentes, e a Cruz Vermelha.

Outro ponto retirado da definição é que tratados são regidos pelo Direito Internacional.
Em suma, isso significa que devem obedecer aos procedimentos estabelecidos pela
prática internacional, principalmente quanto à celebração e à vigência, para que sejam
válidos.

Ademais, os tratados podem constar em apenas um instrumento, ou de dois ou mais


instrumentos conexos.
Por fim, eles podem ter distintas denominações. Tratado é gênero, e as espécies são os
distintos tipos de forma, como concordata, pacto, estatuto, carta entre outros.
Independente de qual a terminologia escolhida pelas partes, caso o documento
apresente as características de um tratado, este será referido como tal pelo Direito
Internacional.
A denominação dada aos tratados não possui efeitos jurídicos. Ela pode seguir os
usos habituais ou pode estar relacionada a uma característica particular ou mesmo à
importância dada ao acordo pelas partes.

É importante destacar que os tratados constitutivos de organizações internacionais


devem respeitar as normas do Direito dos Tratados. A CVDT/69, ao regular normas sobre
tratados feitos entre Estados, regula inclusive tratados que criam organizações
internacionais. Isso é o disposto em seu Art.5, cujo texto afirma:

Art. 5 A presente Convenção aplica-se a todo tratado que seja o instrumento


constitutivo de uma organização internacional e a todo tratado adotado no âmbito de
uma organização internacional, sem prejuízo de quaisquer normas relevantes da
organização.

São fundamentos dos Tratados, contidos no preâmbulo da CVDT/69:


● Pacta sunt servanda: informa que os acordos devem ser respeitados. É dele que
advém a força vinculante dos tratados.
● Livre consentimento: baseia-se na ideia de que os Estados soberanos apenas se
submetem às normas internacionais que consentiram livremente. Esse
consentimento, para ser livre, deve ser desprovido de coação, erro ou dolo.
● Boa-fé: é o dever de lealdade entre as partes, que devem se relacionar de forma
honesta e justa.

1.2. Evolução histórica

Embora haja registros de tratados desde a Antiguidade, a maior parte das situações
eram reguladas através do costume até o século XX.

Primeiramente bilaterais, os primeiros tratados multilaterais surgiram no século XIX,


sendo o primeiro deles a ata final do Congresso de Viena de 1815.
No entanto, foi apenas com a intensificação das relações internacionais no século XX
que ficou evidenciada a necessidade de garantir maior previsibilidade para as normas
internacionais, em um esforço de codificação das normas costumeiras. Igualmente, foi
materializado o objetivo de normatizar a própria concepção dos tratados através da
formulação dos “tratados sobre tratados”, isto é, as Convenções de Viena de 1969 e
1986.

1.3. Terminologia

O termo “tratado” é o vocábulo genérico, o gênero. São o conteúdo e o contexto que


informam se um determinado documento é um tratado para fins de Direito Internacional,
qualquer que seja a sua denominação específica.

Existe uma série de expressões, como as espécies de um gênero específico, que


denominam os tratados internacionais, podendo refletir o conteúdo, as partes, entre
outros aspectos do instrumento, sem influenciar o seu caráter jurídico.

Podem ser elencadas entre as principais modalidades de atos internacionais:

● Acordo: possui reduzido número de participantes e menor importância política.


Termo utilizado com frequência para se referir aos tratados internacionais.
Consoante Celso de Albuquerque Mello, “acordo” geralmente denota tratados de
natureza comercial, econômica, financeira ou cultural.

● Acordos por troca de notas: refere-se a instrumentos voltados a regular assuntos


de natureza administrativa; ou a alterar ou interpretar cláusulas de tratados já
concluídos. Dispensa aprovação congressual se não acarretar compromissos
gravosos para o patrimônio nacional, sendo, assim, um tipo de acordo executivo.

● Ata: estabelece regras de Direito. Alguns possuem mera força política e moral.
● Carta: cria organizações internacionais. Contém, portanto, os objetivos, órgãos e
modo de funcionamento de uma organização internacional, como a Carta das
Nações Unidas. O termo também é utilizado para designar instrumentos que fixam
direitos e deveres dos indivíduos, a exemplo da Carta Social Europeia.

● Compromisso: determina a submissão de um litígio a um foro específico,


escolhido pelas partes, que pode ser arbitral ou judicial. A competência da Corte
internacional de Justiça pode ser determinada por um acordo entre as partes
denominado “compromisso”.

● Concordata: denomina os acordos firmados pela Santa Sé sobre assuntos


religiosos.

● Declaração: consagra princípios ou entendimentos comuns de alguns Estados


quanto a fatos determinados. Como mera enunciação de princípios, não possui
caráter vinculante, não sendo classificado como tratado.

● Estatuto: refere-se a tratados que criam tribunais, de que são exemplos o


Estatuto da Corte Internacional de Justiça, anexo da Carta das Nações Unidas, e
o Estatuto do Tribunal Penal Internacional.

● Memorando de Entendimento: estabelece princípios gerais que orientarão as


relações entre os signatários. Caso não impliquem compromissos gravosos para
União, podem entrar em vigor no Brasil quando de sua assinatura — sendo um tipo
de acordo executivo.

● Modus Vivendi: estabelece bases para negociações futuras ou define a situação


das partes quando há entendimentos pendentes. Dispensa aprovação
congressual.

● Protocolo: complementa ou auxilia na interpretação de tratados anteriores.

O Gentlemen’s Agreement (Acordo de Cavalheiros) é um acordo celebrado por


autoridades de alto nível a título pessoal. A doutrina majoritária considera que esse tipo
de acordo não é tratado porque não há a intenção de criar uma obrigação jurídica
(animus contrahendi) entre Estados. Na realidade, os acordos são feitos em nome
pessoal e fundamentam-se na honra, tendo sua validade condicionada à permanência
das autoridades no poder.

Entre os tratados internacionais, destacam-se os acordos executivos, devido à


peculiaridade de seu procedimento de conclusão. Acordos executivos são tratados que
não requerem a aprovação parlamentar para vincularem um Estado. Por envolverem um
procedimento simplificado de conclusão, devido à ausência da atuação do Poder
Legislativo, possuem limitações quanto ao seu uso. Entre as possibilidade de uso estão:
interpretação de cláusulas de tratado já vigente entre as partes; complementação de
tratado já vigente; ou o estabelecimento de princípios gerais que orientarão as relações
entre os signatários.

Os acordos executivos podem ser por meio de troca de notas, memorando de


entendimento, ou outros.

Ressalta-se que, no Brasil, qualquer instrumento que possa acarretar encargos ou


compromissos gravosos ao patrimônio nacional deve ser aprovado pelo Congresso
nos termos do art.49 da CRFB/88.

1.4. A estrutura dos tratados internacionais

Os tratados internacionais possuem, em sua maioria, estruturas semelhantes, contando


com: título, preâmbulo, parte dispositiva, fecho e anexos.

O preâmbulo (ou exórdio) são as declarações de abertura do tratado que trazem a


enumeração dos pactuantes e razões que levaram à celebração do acordo. Geralmente,
consiste em uma sequência de cláusulas, cujos verbos se apresentam no gerúndio.
Apesar de não ter força vinculante, é de grande valia para fins de interpretação,
possuindo, portanto, função hermenêutica.

A parte dispositiva, por sua vez, é a principal parte do texto convencional, formada
pelos artigos. Nela estão presentes os direitos e deveres acordados entre as partes, e
todo seu texto é obrigatório.

O fecho traz o local, data e idiomas.

Os anexos (ou apêndices) vêm imediatamente após o documento principal e são


considerados parte vinculante do tratado. Possuem fins de complementação ou
detalhamento, compondo uma explicação pós-textual. Salvo menção expressa, uma
referência a um tratado também engloba o texto do anexo.

Exemplo da estrutura de um tratado:

Título: TRATADO DE ASSUNÇÃO

Preâmbulo: “A República Argentina, a República Federativa do Brasil, a República


do Paraguai e a República Oriental do Uruguai, doravante denominados "Estados
Partes"; CONSIDERANDO que a ampliação das atuais dimensões de seus mercados
nacionais, através da integração, constitui condição fundamental para acelerar
seus processos de desenvolvimento econômico com justiça social; (...) ACORDAM”:

Parte Dispositiva: “Artigo 1º - Os Estados Partes decidem constituir um Mercado


Comum, que deverá estar estabelecido a 31 de dezembro de 1994, e que se
denominará ‘Mercado Comum do Sul’(MERCOSUL). (...)”

Fecho: Feito na cidade de Assunção, aos 26 dias do mês março de mil novecentos
e noventa e um, em um original, nos idiomas português e espanhol, sendo ambos os
textos igualmente autênticos.

Anexos: “ANEXO III 1. As controvérsias que possam surgir entre os Estados Partes
como consequência da aplicação do Tratado serão resolvidas mediante
negociações diretas (...)”

2. Classificação dos Tratados Internacionais

2.1 Em relação ao número de partes

Essa classificação diz respeito à quantidade de signatários de um tratado, que pode ser:

● Bilateral: firmado entre apenas duas partes. Era o tipo predominante até o
Congresso de Viena de 1815.
● Multilateral: firmado entre 3 ou mais partes.
2.2 Em relação ao procedimento de conclusão

Essa classificação refere-se ao procedimento adotado para a conclusão de um tratado,


que pode ser:

● Solene: dá origem aos tratados em sentido estrito. São os tratados elaborados de


forma complexa, através de formalidades específicas, com várias etapas como
negociação, assinatura, ratificação, promulgação, entre outros. Via de regra,
envolve mais de uma autoridade na manifestação do consentimento.
● Simplificado: utilizado na elaboração de tratados cuja manifestação do
consentimento é mais simples, envolvendo poucas etapas. Um exemplo são os
acordos executivos, que não exigem o envolvimento de mais de um poder ou
mesmo a ratificação.

2.3 Em relação à natureza das normas

Em relação à natureza das normas, o ponto de vista material, os tratados podem ser:

● Tratados-contrato: são semelhantes a um contrato de Direito interno. Conciliam


interesses e regulam questões baseadas em prestações, concessões e
contrapartidas.
● Tratados-lei: estabelecem normas gerais de Direito Internacional. Em geral, são
compromissos multilaterais.

2.4 Em relação execução no tempo

Essa classificação refere-se ao tempo em que os tratados permanecem sendo


executados. Os tratados podem ser:

● Transitórios: são tratados com efeitos limitados, de realização imediata, mas que
podem perdurar no tempo. Um exemplo são os tratados que estabelecem as
fronteiras entre Estados;
● Permanentes: são tratados cuja execução se consuma durante o período que
estão em vigor. Possuem efeito sucessivo.

2.5 Em relação aos efeitos:

Essa classificação diz respeito ao alcance do tratado, que pode ser:

● Restrito às partes: acordos que apenas geram efeitos sobre as partes (inter pars).
É a regra geral no Direitos dos Tratados.
● Alcançando terceiros: acordos que se aplicam a sujeitos que não os celebraram,
como é o caso da carta da ONU, em que as normas de manutenção da paz e da
segurança nacional podem gerar ações contra Estados que representem ameaça
à estabilidade regional ou mundial, ainda que não sejam parte do sistema das
Nações Unidas.

2.6 Em relação à possibilidade de adesão

Os tratados pode ser:

● Abertos: permitem a adesão posterior de Estados que não participaram da


conclusão do tratado. Podem ser limitados, ao restringir a adesão a um grupo
específico de Estados, como o Tratado do Mercosul, que permite a adesão de
membros da ALADI, ou ilimitados, permitindo a adesão de qualquer Estado.
● Fechados: Não permitem adesão posterior à conclusão do Tratado. Um exemplo é
o Tratado de Cooperação Amazônica, do qual apenas países amazônicos podem
participar.
3. Condições de Validade dos tratados
Para que possam vincular os sujeitos de DIP, os tratados devem possuir elementos
específicos e atender certas condições para serem válidos.

Consoante os artigos 46 a 53 da CVDT/69, que tratam das possibilidades de nulidade


de um tratado, o tratado deve sintetizar um acordo de vontades, estar na forma escrita,
ser acordado por um agente habilitado e tratar de um objeto lícito e possível.

3.1. Capacidade das partes

“Parte” é o sujeito de Direito Internacional que consentiu em se obrigar por um tratado e


em relação ao qual este esteja em vigor.

Todo Estado é sujeito de DIP pleno, com capacidade para concluir tratados, de acordo
com o Art.6 da CVDT/69.

No Brasil, a União representa a República Federativa do Brasil nas suas relações


internacionais. Consoante a Constituição brasileira em seu Art. 21, inciso I, compete à
União manter relações com Estados estrangeiros e participar de organizações
internacionais.

A autoridade competente para celebrar tratados é o Presidente da República. Nos


termos da Constituição, é de competência privativa do Presidente da República manter
relações com Estados estrangeiros e acreditar seus representantes diplomáticos (Art.
84, VII); e celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do
Congresso Nacional (Art. 84, VIII).
Se acarretar encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional, cabe ao
Congresso Nacional, em sede de competência exclusiva, resolver definitivamente sobre
tratados, acordos ou atos internacionais (Art.21 da CRFB/88).
Em razão da ausência de soberania, pessoas de direito público interno ou unidades
subnacionais (Estados federados, municípios e o Distrito Federal) não podem negociar
tratados — apesar de poderem concluir contratos. Acordos com o Banco Mundial, o
Fundo Monetário Internacional, entre outros, feitos entre entes subnacionais e OIs, são
instrumentos privados, e dependem de que o Brasil faça parte desses organismos para
que possam ser negociados, mediante autorização do Senado Federal (art.52, V, da
CRFB/88).

Além de Estados, outros sujeitos de Direito Internacional também possuem o jus


tractatuum (ou jus tractandi, ou treaty making power), ou o poder de celebrar tratados.

As Organizações Internacionais, organismos coletivos dotados de personalidade


jurídica própria de Direito Internacional Público, possuem capacidade para celebrar
tratados. Essa capacidade fundamenta-se no costume internacional, sendo aplicável na
sociedade internacional independentemente da vigência da Convenção de 1986. Para
alguns autores, a capacidade das OIs decorre da capacidade dos Estados; não
obstante, as Organizações internacionais podem concluir tratados independentemente
da vontade unânime dos membros, podendo, inclusive, celebrar contra a vontade de
alguns membros.

Deve-se ressaltar que as OIs detêm capacidade parcial. Elas podem celebrar tratados
com outros Estados, com seus membros ou com outras OIs, com a limitação de que
esses tratados sejam relativos a objetivos presentes em seus tratados constitutivos.
Nesse sentido, o tratado constitutivo de uma OI estabelece o órgão competente para
celebrar tratados em seu nome.
De acordo com a CVDT/86: “A capacidade de uma organização internacional para
concluir tratados é regida pelas regras da organização.”

Além dos Estados e das Organizações Internacionais, podem celebrar tratados a Santa
Sé, beligerantes e insurgentes, o Comitê da Cruz Vermelha e alguns blocos econômicos.

Essas pessoas jurídicas de DIP celebram tratados a partir dos órgãos que atribuíram
competência para tal.

Vale lembrar que indivíduos, empresas e ONGs não possuem capacidade para celebrar
tratados.

3.2. Habilitação dos Agentes

Para que o tratado seja válido, o agente que negocia o acordo deve estar habilitado para
tal ato.

Segundo a CVDT/69, uma pessoa será considerada representante de um Estado na


celebração de um tratado se apresentar plenos poderes, ou se a prática dos Estados
interessados ou outras circunstâncias indicarem que a intenção do Estado era considerar
essa pessoa seu representante para esses fins (Art. 7, 1, CDVT/69).

Os “Plenos poderes” em questão indicam a existência de um “(…) documento expedido


pela autoridade competente de um Estado, em que são designadas uma ou várias
pessoas para representar o Estado na negociação, adoção ou autenticação do texto de
um tratado, para manifestar o consentimento do Estado em obrigar-se por um tratado ou
para praticar qualquer outro ato relativo a um tratado”. (Art.2, c, CVDT/69)

Além dos plenos poderes e da prática, uma pessoa pode ser considerada representante
de um Estado em razão de seu cargo. Entre os agentes capazes de celebrar tratados
sem a comprovação dos plenos poderes estão:
● os Chefes de Estado, os Chefes de Governo e os Ministros das Relações
Exteriores, para a realização de todos os atos relativos à conclusão de um tratado;
● Os chefes de missão diplomática, para a assinatura de tratado entre o Estado
acreditante (aquele que envia seus representantes diplomáticos) e o Estado
acreditado (aquele que recebe os representantes do Estado acreditante).
● os representantes acreditados pelos Estados perante uma conferência ou
organização internacional ou um de seus órgãos, para a adoção do texto de um
tratado em tal conferência, organização ou órgão.

Neste último caso, há o exemplo do representante brasileiro junto às Nações Unidas em


Nova Iorque, que terá plenos poderes para negociar o texto de um tratado no âmbito da
Assembleia Geral.

Vale relembrar que no caso do Brasil, o Presidente da República reúne em um único cargo as funções de
Chefe de Estado e de Chefe de Governo.

É importante destacar que a prática dos Estados interessados ou outras circunstâncias


também podem levar outra pessoa, além das citadas e das possuidoras de plenos
poderes, a poder concluir tratados. Caso essa conclusão ocorra sem autorização do
Estado, basta a convalidação do ato para que este seja válido. In verbis:

CVDT/69, art.8: Se um ato relativo à conclusão de um tratado for praticado sem


autorização, por pessoa que não era a representante do Estado, ainda assim o ato
pode produzir efeitos, desde que confirmado pelo estado.

O poder para celebrar tratados vai depender, portanto, do cargo que ocupa o agente; da
posse de um documento que lhe confere poderes para agir em nome do ente estatal; ou
da prática estatal.

Nas Organizações Internacionais, via de regra, o Secretário Geral é quem conclui os


tratados.
3.3. Objeto lícito e possível

Para que um tratado seja válido, seu objeto não pode violar normas internacionais
vigentes ou conflitar com normas jus cogens.

O tratado incompatível com uma norma de jus cogens é absolutamente nulo, não podendo a nulidade ser
sanada.

Para parte da doutrina, tratados regionais devem ser compatíveis com regras universais.
Seu teor pode ser diverso, desde que o escopo da regra universal seja ampliado.

3.4. Consentimento Regular

Para serem válidos, os tratados dependem do consentimento regular dos signatários.


Isto é, a vontade das partes deve ser livre e não influenciada por distorções ou vícios
como o erro, o dolo, a coação ou mesmo a corrupção do representante do Estado.

Esse consentimento pode ser expresso por meio da assinatura, da troca dos
instrumentos constitutivos do tratado, da ratificação, da aceitação, da aprovação ou
da adesão, ou por quaisquer outros meios que as partes acordarem, nos termos do art.
11 da CVDT/69.

Na adesão, o Estado que não foi parte na celebração manifesta seu consentimento em
obrigar-se aos termos do tratado. Já na ratificação, o Chefe do Estado ou o Chefe de
Governo declara a submissão do Estado às obrigações estipuladas pelo tratado.

3.5. Vícios do Consentimento

O vício do consentimento pode ocorrer por erro, dolo, coação ou corrupção do


representante.

Uma vez presente algum tipo de vício, o tratado pode ser invalidado. Caso a parte no
tratado não tenha aceito o vício, deve então alegá-lo expressamente. Nesse caso, a
causa da nulidade deve ser alegada antes da aceitação do acordo, caso contrário o
vício não poderá ser invocado como causa de nulidade, de extinção ou de suspensão da
execução de um tratado (art. 45, CVDT/69).

Artigo 45

Perda do Direito de Invocar Causa de Nulidade, Extinção, Retirada ou


Suspensão da Execução de um Tratado

Um Estado não pode mais invocar uma causa de nulidade, de extinção, de


retirada ou de suspensão da execução de um tratado, com base nos artigos
46 a 50 ou nos artigos 60 e 62, se, depois de haver tomado conhecimento
dos fatos, esse Estado:

a)tiver aceito, expressamente, que o tratado é válido, permanece em vigor


ou continua em execução conforme o caso, ou

b)em virtude de sua conduta, deva ser considerado como tendo concordado
em que o tratado é válido, permanece em vigor ou continua em execução,
conforme o caso.

O tipo de vício determinará se a nulidade do tratado é relativa ou absoluta.

No caso de nulidade relativa, o tratado é anulável mediante prova. Nesse caso, o vício
não afeta a todos, apenas ao Estado responsável pelo vício. Logo, pode ser sanado se
for aceito expressamente que o tratado é válido, ou tacitamente, se a conduta da parte
for considerada como tendo concordado que o tratado é válido.

Os vícios que suscitam a nulidade relativa dos tratados são:

● Erro: quando há falta de informação sobre o objeto, ou a informação sobre o


objeto não condiz com a verdade. Para que enseje a nulidade de um tratado, o
erro deve atingir a essência do assunto que o ato pretende regular, isto é, a razão
fundamental pela qual o sujeito consentiu em celebrar o tratado.
● Dolo: quando a informação for distorcida intencionalmente, induzindo ao erro. Ou
seja, caso um Estado tenha sido levado a concluir um tratado pela conduta
fraudulenta de outro Estado.
● Corrupção do agente: quando há a corrupção do representante de um Estado,
seja com ação direta ou indireta de outro Estado negociador. Para que a
● corrupção leve à nulidade, esta deve alterar a manifestação do consentimento de
um Estado.

É importante destacar que o erro apenas enseja a nulidade de um tratado caso atinja a
essência do assunto que o ato pretende regular, isto é, a razão fundamental pela qual o
sujeito consentiu em celebrar o tratado. O erro não levará à nulidade caso as
circunstâncias eram tais que o Estado devia ter-se apercebido da possibilidade de erro,
ou o Estado contribuiu para tal erro pela sua própria conduta. Ressalta-se que o erro
sobre a redação do texto não prejudica a sua validade.

Disposições de Direito Interno só poderão levar à nulidade relativa do instrumento


caso haja uma violação manifesta de norma de importância fundamental relativa à
competência para celebrar tratados (art. 46 da CVDT/69).

A Nulidade absoluta será invocada para os vícios de coação e de violação de jus


cogens. Nesses casos, o vício não poderá ser sanado em razão da ofensa a preceito de
ordem pública. Entre as possibilidades que ensejam a nulidade absoluta estão:

● Coação: quando há o emprego da força, da ameaça, de pressões ou de


imposições contra o Estado ou seus negociadores. A coação pode ser sobre o
representante de um Estado ou sobre o próprio Estado, conforme os artigos 51 e
52 da CVDT/69.
● Conflito com jus cogens: quando há uma incompatibilidade entre o tratado e uma
norma imperativa de Direito Internacional geral nos termos do art.53 da CVDT/69.

Jus cogens é uma norma imperativa do Direito Internacional geral. É uma norma aceita
e reconhecida pela comunidade internacional dos Estados como um todo, como
norma da qual nenhuma derrogação é permitida e que só pode ser modificada por
norma ulterior de Direito Internacional geral da mesma natureza.

Em caso de nulidade por conflito com jus cogens, as partes devem eliminar, na medida
do possível, as consequências do ato praticado com base em uma disposição violadora
de uma norma jus cogens, além de buscar adaptar suas relações mútuas à norma
imperativa do Direito Internacional geral (Art.71 da CVDT/69).
4. Processo de Elaboração dos Tratados

O processo de elaboração regular condiciona a validade dos tratados.

Esse processo envolve etapas externas e internas, pois o procedimento de vinculação de


um Estado a um tratado depende também da manifestação de autoridades nacionais,
como o chefe do Poder Executivo e o Congresso Nacional.

Para o direito internacional, é indiferente o método usado pelo Estado para promover a
recepção por seu ordenamento jurídico. Portanto, cada Estado define em suas normas
internas o procedimento de incorporação.

É importante lembrar que o Brasil é um país que adota a corrente dualista moderada,
havendo dois ordenamentos jurídicos distintos, o interno e o externo. Logo, para uma
norma internacional possuir validade interna, via de regra, ela deve ser incorporada
através de um procedimento específico, não sendo a incorporação uma simples
transformação do tratado em lei interna5.

4.1. Negociação

A negociação é a fase inicial, que ocorre no plano externo. Nessa fase, as partes
dispõem a respeito do texto do tratado, promovendo a elaboração e a adoção do texto
do tratado.

O termo “Estado negociador” é utilizado para se referir ao Estado que participou na


elaboração e na adoção do texto do tratado.

A negociação é conduzida pelas autoridades competentes para concluir os tratados. No


Brasil, essa autoridade competente é o Presidente da República, conforme o artigo 84
incisos VII e VIII, que pode delegar essa competência para outras autoridades.

Feita a negociação, o texto é adotado. A adoção do texto do tratado efetua-se pelo


consentimento de todos os Estados que participam da sua elaboração.

5
Um tratado é incorporado no ordenamento jurídico interno após a promulgação e publicação do decreto do
Presidente da República. Ressalta-se, entretanto, que a internalização não cria uma lei interna.
No âmbito multilateral, a negociação geralmente ocorre dentro de uma Conferência.
Nesse caso, a adoção do tratado depende, via de regra, de maioria de 2/3 dos Estados
presentes e votantes na Conferência. No entanto, os Estados podem decidir por um
processo de aprovação diverso.

Após a adoção do texto, é feita a autenticação, momento em que o texto de um tratado


é considerado autêntico e definitivo. Se não houver procedimento específico, a
assinatura, a assinatura ad referendum ou rubrica, são suficientes para autenticar o
texto.

4.2. Assinatura e a Expressão do consentimento

A assinatura representa a concordância das partes com o teor do acordo, pondo termo
às negociações. Na prática, a assinatura demonstra que o acordo está pronto para a
ratificação. A assinatura também impede que o texto seja alterado unilateralmente,
embora ainda possa haver a propositura de reservas.

Em regra, no caso de tratados solenes stricto sensu, a assinatura não gera efeitos
jurídicos por se tratar de uma anuência preliminar, não vinculativa. Isso ocorre porque o
consentimento definitivo se expressa em duas fases: na assinatura e na ratificação.

A retirada da assinatura significa, na prática, o abandono da intenção de ratificar o


tratado.

Vale lembrar que alguns tratados, como os acordos executivos, podem ter um
procedimento simples, em que a assinatura é suficiente para exprimir o consentimento.
Esses casos geralmente envolvem apenas dois Estados, sendo acordos sobre matéria de
importância limitada e que se concluem por troca de notas, envolvendo apenas o
executivo. No Brasil, o uso de um procedimento simples na adoção de um acordo
depende da condição de reversibilidade da matéria tratada e cobertura orçamentária
prévia. Via de regra, os acordos com procedimento simplificado são os adotados na
rotina diplomática para a complementação de tratados, como a interpretação de
cláusulas de tratados vigentes.
O Estado que tenha assinado ou trocado instrumentos constitutivos de um tratado, sob
reserva de ratificação, aceitação ou aprovação, está obrigado a não comprometer seu
objeto e finalidade antes de sua entrada em vigor. A mesma limitação aplica-se ao
Estado que tiver expressado seu consentimento em obrigar-se por um tratado no
período que precede a entrada em vigor do tratado e com a condição de esta não ser
indevidamente retardada.

4.3. Ratificação

A ratificação é o ato unilateral, expresso, discricionário e irretratável, pelo qual a


pessoa jurídica de Direito Internacional, signatária de um tratado, exprime sua
aceitação definitiva de um acordo no plano internacional.

Diz-se “definitiva” pois a ratificação, de forma distinta da assinatura, ocorre após a


confirmação dos termos do tratado por processo interno dos Estados, garantindo o
controle da ação dos plenipotenciários. Uma vez ratificado um tratado, o Estado
assume o compromisso de cumpri-lo tão logo este entre em vigor.

Em que pese a ratificação ocorrer no plano internacional, são os ordenamentos internos


que a regulam.

No Brasil, após a celebração do tratado pelo Executivo, o acordo passa pela aprovação
do Congresso Nacional — por meio de decreto legislativo do presidente do Senado—, e,
uma vez aprovado, este pode ser ratificado pelo Presidente da República, vindo a ser
promulgado e publicado para ter vigência interna.

Não obstante a ratificação ser ato privativo do Presidente da República, ela depende
de aprovação parlamentar. Portanto, se o Congresso Nacional não aprovar um
tratado, o Presidente da República não poderá ratificá-lo.

Por ser um ato discricionário, não há um prazo específico para que a ratificação ocorra.
Ela será efetuada no momento mais oportuno ou conveniente para os interesses
nacionais, de modo que o Estado pode se abster de ratificar, mesmo com a aprovação
do Congresso Nacional, caso considere a ratificação inconveniente ou inoportuna.
Além de ser discricionária, a ratificação é irretratável. Em outras palavras, uma vez
feita, ela não pode ser retirada, cabendo às partes o fiel cumprimento dos termos do
tratado. Caso queira deixar de se obrigar, a parte pode fazer a denúncia de um tratado,
subordinando-se às regras prefixadas quanto a esse procedimento. Entretanto, a
denúncia não se confunde com a retratação da ratificação.

Embora não haja prazo para ratificação, tratados podem estabelecer um lapso a partir
do qual a ratificação será impossível.

A ratificação se consuma pela pela comunicação formal, seja pelo depósito ou pela
troca dos instrumentos de ratificação.

O depósito tem natureza secretarial e é feito junto a uma Organização Internacional ou a


um ou mais Estados depositários. Cabe aos Estados negociadores escolherem o
depositário, que pode ser um ou mais Estados, uma OI ou o principal funcionário
administrativo de uma organização internacional, como o Secretário Geral das Nações
Unidas. O depositário dá a notícia do depósito aos interessados, e tem como funções,
conforme o Art.77 da CVDT/69:

● Guardar o texto original do tratado e quaisquer plenos poderes que lhe tenham
sido entregues;

● Preparar cópias autenticadas do texto original e quaisquer textos do tratado em


outros idiomas que possam ser exigidos pelo tratado e remetê-los às partes e aos
Estados que tenham direito a ser partes no tratado;

● Receber quaisquer assinaturas ao tratado, receber e guardar quaisquer


instrumentos, notificações e comunicações pertinentes ao mesmo;

● Examinar se a assinatura ou qualquer instrumento, notificação ou comunicação


relativa ao tratado, está em boa e devida forma e, se necessário, chamar a
atenção do Estado em causa sobre a questão;
● Informar as partes e os Estados que tenham direito a ser partes no tratado de
quaisquer atos, notificações ou comunicações relativas ao tratado;

● Informar os Estados que tenham direito a ser partes no tratado sobre quando tiver
sido recebido ou depositado o número de assinaturas ou de instrumentos de
ratificação, de aceitação, de aprovação ou de adesão exigidos para a entrada
em vigor do tratado;

● Registrar o tratado junto ao Secretariado das Nações Unidas;

Cabe também ao depositário, entre outras funções previstas na Convenção de Viena de


1969, notificar os Estados signatários e contratantes sobre a existência de erro no texto
ou nas cópias autenticadas dos tratados (art.79 da CVDT/69).

4.4. Entrada em vigor do tratado

Um tratado pode ser vigente tanto no âmbito interno de um Estado quanto no âmbito
externo da sociedade internacional. Isto é, existem dois momentos de vigência que, via
de regra, são distintos entre si.

Diz-se que um tratado está em vigor no âmbito interno quando este deve ser observado
dentro dos limites jurisdicionais de um Estado. Consoante a doutrina e a jurisprudência
brasileiras, um tratado negociado e assinado pelo Brasil entra em vigor no território
nacional a partir da promulgação e da publicação de decreto do Presidente da
República.

É possível afirmar que a eficácia interna de um tratado internacional depende do


decreto de execução do Presidente da República.

Já no âmbito externo, diz-se que um tratado possui vigência quando sua observância
pode ser exigida por outros signatários ou por organizações internacionais. Neste caso,
para se vincular a um tratado, o Estado deve ratificá-lo; e para que este tratado passe a
valer na sociedade internacional, ele deve preencher os requisitos acordados pelos
Estados negociadores, como um número mínimo de ratificações. Isto é, as partes podem
dispor sobre as condições para a entrada em vigor de um tratado. Admite-se, por
exemplo, que a entrada em vigor ocorra a partir do implemento de uma condição, a
exemplo do depósito junto ao secretário-geral da Organização das Nações Unidas
(ONU), ou mesmo a partir do alcance de um número mínimo de ratificações, como o
disposto no art. 85 da CVDT/1986, que afirma que a mesma entrará em vigor quando
forem alcançadas trinta e cinco (35) ratificações — número ainda não alcançado para
sua entrada em vigor.

No art. 24 da Convenção de Viena de 1969, consta que um tratado entrará em vigor na


forma e na data previstas no tratado ou acordadas pelos Estados negociadores, e que
na ausência de tal disposição ou acordo, a vigência ocorrerá tão logo o consentimento
em obrigar-se pelo tratado seja manifestado por todos os Estados negociadores.

Pela prática internacional, o tratado passa a vigorar internacionalmente a partir da


obtenção de um número mínimo de ratificações.

No caso de tratados bilaterais, a vigência ocorre após ambas as partes ratificarem o


acordo e trocarem informações a respeito, por notificação da ratificação ou pela troca
dos instrumentos de ratificação.

Caso um Estado manifeste seu consentimento em obrigar-se por um tratado após sua
entrada em vigor, a vigência ocorrerá a partir da data em que o consentimento foi
definitivamente manifestado (o depósito do instrumento de ratificação, por exemplo),
salvo disposição diversa. Ressalta-se a importância da atuação do depositário, que
tem a função de receber a nova assinatura ao tratado e de comunicá-la às demais
partes.

Excepcionalmente, pode ocorrer das vigências coincidirem: é o caso do efeito direto e


da aplicabilidade imediata. Conforme a doutrina majoritária:

● Efeito direto: as normas podem ser invocadas pelos particulares.


● Aplicabilidade imediata: normas são aplicadas no âmbito doméstico sem a
necessidade de incorporação.

Ressalta-se que nenhum dos casos se aplica ao Brasil.

Para parte da doutrina, o Estado passa a ser obrigado pelo tratado a partir da
ratificação. No entanto, pode ser que o tratado ainda não esteja em vigor, inclusive por
não ter atingido o número mínimo de ratificações, então, nesse caso, não há que se falar
em obrigação do Estado perante o tratado – salvo a obrigação de não agir de maneira a
contrariar a finalidade do tratado, que vale a partir da assinatura.

A CVDT/69, em seu artigo 25, prevê a possibilidade de aplicação provisória de um


tratado ou de parte dele.

CVDT/69, Artigo 25

1.Um tratado ou uma parte do tratado aplica-se provisoriamente enquanto


não entra em vigor, se:
a) o próprio tratado assim dispuser; ou
b) os Estados negociadores assim acordarem por outra forma.

2.A não ser que o tratado disponha ou os Estados negociadores acordem


de outra forma, a aplicação provisória de um tratado ou parte de um
tratado, em relação a um Estado, termina se esse Estado notificar aos
outros Estados, entre os quais o tratado é aplicado provisoriamente, sua
intenção de não se tornar parte no tratado.

No entanto, por entender que a aplicação provisória admite a possibilidade que o país
se obrigue internacionalmente antes do crivo do Congresso Nacional, o Brasil
apresentou reservas ao artigo 25 da CVDT/1969. Para o país, a aceitação da aplicação
provisória seria uma violação das normas constitucionais.
4.5. Registro e Publicidade

O Registro é o envio dos tratados ao Secretariado das Nações Unidas. Consoante a


Convenção de Viena de 1969, após a entrada em vigor, os tratados serão remetidos ao
Secretariado da ONU para registro, ou classificação e catalogação, conforme o caso,
bem como para a publicação.

O registro na ONU é facultativo. Ele tem a função de tornar o instrumento oponível no


plano onusiano em razão de sua publicidade. Isto é, para ser invocado perante os órgãos
das Nações Unidas, a exemplo de um litígio frente à Corte Internacional de Justiça, é
necessário que o depositário tenha efetuado o registro na ONU.

Os tratados internacionais não precisam ser registrados ou aprovados pela


Organização das Nações Unidas (ONU) para que tenham validade no âmbito
internacional. Entretanto, para que possam ser invocados pelas partes perante
qualquer órgão da organização, estes devem ser devidamente registrados e
publicados no secretariado das Nações Unidas.

Destarte, entende-se que o registro não é necessário para que um tratado seja parte do
DIP.

5. Efeitos dos Tratados

5.1. Vigência dos Tratados

O tratado em vigor obriga as partes e deve ser cumprido de boa fé, como disposto no
artigo 26 da CVDT/69.

Isso implica que as partes não podem invocar disposições do Direito interno para
justificar o inadimplemento de um tratado6. Uma vez vigente, o acordo deve ser
cumprido conforme o princípio do pacta sunt servanda.

A obrigatoriedade da observância de um tratado pelas partes pode ser contemporânea


ou diferida.

6
a não ser que a violação em questão seja justificada por uma norma de direito interno de importância
fundamental, de acordo com o art. 46 da CVDT/69.
De um lado, diz-se que a vigência é contemporânea na hipótese de ser atingido o
número mínimo de ratificações em tratados multilaterais, ou de haver ocorrido a
manifestação do consentimento definitivo de ambas as partes em um tratado bilateral.
Nos dois casos, o tratado passa a ser simultaneamente vigente para as partes
contratantes.

De outro lado, diz-se que a vigência é diferida quando o tratado entra em vigor em
momentos distintos para as partes, como no caso de haver prazo para entrada em vigor
após o consentimento definitivo das partes, sendo que nem todas expressam esse
consentimento no mesmo momento.

A vigência também pode ser escalonada, tendo prazos distintos para a vigência entre as
partes.

Os tratados podem ter vigência por prazo determinado ou por prazo indeterminado. Via
de regra, a maior parte dos tratados multilaterais em vigor possui prazo indeterminado.
Entretanto, existem exemplos notórios de tratados com prazo determinado, como o
Tratado do Canal do Panamá de 1977, que estipulou, em seu Art.2, que o tratado
perderia sua eficácia no dia 31 de dezembro de 1999.

Por fim, tratados podem ter a duração condicionada a um evento futuro resolutório,
como a execução integral do objeto do tratado ou o pagamento de uma quantia
estipulada, ou mesmo o cumprimento de determinada obrigação.

5.2. Aplicação entre as partes e possibilidade de efeitos para terceiros

Regra geral, tratados criam obrigações para as partes e devem ser cumpridos por elas
de boa fé.

Geralmente, os tratados não têm efeito retroativo em relação a fatos ou ações que
ocorreram antes de sua entrada em vigor. Essa não retroatividade é estabelecida no
artigo 28 da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados de 1969 (CVDT/69).
CVDT/69, artigo 28:

Irretroatividade de Tratados

A não ser que uma intenção diferente se evidencie do tratado, ou seja


estabelecida de outra forma, suas disposições não obrigam uma parte em
relação a um ato ou fato anterior ou a uma situação que deixou de existir
antes da entrada em vigor do tratado, em relação a essa parte.

Quanto ao alcance, os tratados se aplicam a todo o território dos Estados partes, a não
ser que se disponha de forma diversa. Essa aplicação decorre da regra geral do animus
contrahendi, ou seja, da vontade de se comprometer com um acordo.

O artigo 29 da CVDT/69 estabelece que os tratados obrigam cada uma das partes em
relação a todo o seu território:

CVDT/ 69, artigo 29

Aplicação Territorial de Tratados

A não ser que uma intenção diferente se evidencie do tratado, ou seja


estabelecida de outra forma, um tratado obriga cada uma das partes em
relação a todo o seu território.

Portanto, comumente, os tratados não se aplicam ao território de terceiros, e os efeitos


em terceiros não são presumidos.

Para a CVDT/69 o termo “terceiro Estado” significa um Estado que não é parte no
tratado.

Conforme o artigo 34 da CVDT/69, um tratado não cria obrigações ou direitos para


terceiros Estados sem o seu consentimento, em consonância com o princípio pacta
tertiis nec nocent nec prosunt.

No entanto, há exceções a essa regra, como previsto nos artigos 35 e 36 da CVDT/69,


que estabelecem que um tratado pode criar obrigações ou direitos para um terceiro
Estado se as partes no tratado tiverem a intenção de criar essa obrigação ou direito. O
que muda é a forma da aceitação do terceiro, que deverá ocorrer expressamente, por
escrito, se envolver a criação de uma obrigação; e será presumida no caso de criação
de um direito até indicação em contrário, a menos que o tratado disponha diversamente.
No caso da criação de um direito, as condições de exercício deste por terceiro devem
ser as previstas no tratado ou de acordo com o tratado.

A revogação ou a modificação de uma obrigação ou direito criado por um tratado


requer o consentimento das partes envolvidas e do terceiro estado. O artigo 37 da
CVDT/69 estabelece que um direito não pode ser revogado ou modificado se o tratado
houver estabelecido a intenção de que o direito não fosse revogável ou sujeito a
modificações sem o consentimento do terceiro estado.

Além dos casos supracitados, a doutrina identifica pelo menos três outras exceções ao
princípio geral sobre a não criação de obrigações e direitos para terceiros.

A primeira exceção é o artigo 2º § 6º da Carta da ONU, que estabelece que a


organização fará com que os estados que não são membros da ONU ajam de acordo
com seus princípios em tudo o que for necessário para a manutenção da paz e da
segurança internacionais.

A segunda exceção é para os tratados que criam situações jurídicas objetivas, como os
tratados constitutivos de organizações internacionais e tratados de limites. O limite de
um Estado determinado em tratado bilateral será válido para todos os Estados como a
determinação objetiva daquela fronteira.

A terceira exceção é para os tratados que criam efeitos de fato sobre um terceiro
Estado. Um exemplo é a cláusula de nação mais favorecida entre A e B. Se B celebrar um
acordo mais favorável com C, deve estender essa vantagem a A. Um tratado entre B e C
atinge como fato, não como norma jurídica. É o fato-condição anteriormente previsto
no tratado entre A e B.
6. Reservas a Tratados

6.1. Noções Gerais sobre as reservas

As reservas, ou salvaguardas, visam facilitar a aceitação de tratados frente à


dificuldade de conseguir consenso entre atores com interesses distintos, especialmente
em tratados multilaterais. Isto é, as reservas permitem que os Estados celebrem
tratados sobre temas de difícil concórdia, possibilitando que se estabeleça um acordo
sobre um número mínimo de pontos relativos à regulamentação de determinados
assuntos.

Além disso, as reservas também podem ser utilizadas para evitar conflitos com a
legislação nacional ou para proteger interesses específicos do Estado.

De acordo com a CVDT/69, “reserva” significa uma declaração unilateral, qualquer que
seja a sua redação ou denominação, feita por um Estado ao assinar, ratificar, aceitar ou
aprovar um tratado, ou a ele aderir, com o objetivo de excluir ou modificar o efeito
jurídico de certas disposições do tratado em sua aplicação a esse Estado.

A doutrina classifica as reservas em exclusivas ou declarações interpretativas:

● Reservas exclusivas: têm como objetivo excluir os efeitos jurídicos de certas


disposições do tratado em relação a ao Estados que as propôs. Um exemplo são
as reservas feitas pelo Brasil ao artigo 25 da CVDT/69, afastando a possibilidade
de aplicação provisória de tratados em suas relações.

● Declaração interpretativa: têm como objetivo especificar ou clarificar o sentido


ou fim atribuído pelo declarante a um tratado ou às cláusulas de um tratado.
Ao depositar a Carta de Adesão à Convenção Americana sobre Direitos Humanos
(Pacto de São José da Costa Rica), em 1992, o Governo brasileiro fez a seguinte
declaração interpretativa: "O Governo do Brasil entende que os artigos 43 e 48,
alínea "d", não incluem o direito automático de visitas e inspeções "in loco" da
Comissão Interamericana de Direitos Humanos, as quais dependerão da anuência
expressa do Estado". Ou seja, o país se vinculou pelo artigo mas com restrições à
interpretação abrangente da admissão de visitas automáticas.

Para parte da doutrina, só é possível estabelecer reservas em tratados multilaterais,


visto que, em regra, acordos bilaterais só seriam aceitos por consenso.

Uma reserva pode ser feita no momento em que o Estado possa expressar seu
consentimento em se obrigar a um tratado, seja quando da assinatura, ratificação,
aceitação, aprovação ou adesão. Ou seja, ela pode ser feita antes da confirmação, que
geralmente corresponde à assinatura, ou de forma definitiva na ratificação ou adesão.

Enquanto as reservas podem ser formuladas apenas no momento do consentimento


(momento da assinatura, ratificação, aceitação, aprovação ou adesão) as
declarações interpretativas podem ser feitas a qualquer momento.

A regra geral é que a reserva não pode ser feita após a manifestação do consentimento
em se obrigar, a não ser que as outras partes concordem com isso.

Há também situações em que as reservas não são permitidas, seja totalmente, seja no
tocante apenas a determinados pontos, entendidos como centrais para a aplicação do
ato internacional.

O artigo 19 da CVDT/69 comporta outras situações que limitam a formulação de


reservas:

1. Quando a natureza do tratado não comportar reservas.

2. Quando o tratado dispor que só podem ser formuladas determinadas reservas,


entre as quais não figure a reserva em questão;

3. Quando a reserva for incompatível com o objeto e a finalidade do tratado.


É exemplo de tratado cuja natureza impede a propositura de reservas o Estatuto de
Roma, tratado constitutivo do Tribunal Penal Internacional.

Caso o tratado seja silente quanto à possibilidade de propositura de reservas, a reserva


será possível se compatível com o objeto e a finalidade do acordo.

Em 1951, em seu parecer sobre reservas à Convenção de Prevenção e Punição ao


Crime de Genocídio, a CIJ afirmou que o Estado que formular reservas, mesmo que
sejam objetadas por alguns membros, pode ser parte na Convenção se as reservas
forem compatíveis com o objeto e a finalidade do tratado. Ademais, se um Estado
objetor entender que a reserva é incompatível com o objeto e a finalidade do tratado,
o objetor pode considerar que o Estado que formulou a reserva não é parte no tratado.

As reservas devem ser formuladas por escrito, como consta no artigo 23, e devem ser
comunicadas aos Estados contratantes e a outros que tenham o direito de ser parte no
tratado.

Quando a reserva é formulada na assinatura, em tratado que depende de ratificação,


deve haver a confirmação da reserva na manifestação do consentimento definitivo.
Similar ao que ocorre com os tratados no momento da ratificação, a reserva também
deve passar por procedimento interno de aprovação para então ser vigente para o
Estado no âmbito internacional. Nesse sentido, será considerada feita a reserva na data
da manifestação do consentimento definitivo.

Ao analisar um tratado, o Congresso Nacional pode aprová-lo mediante ressalvas,


que devem ser transformadas em reservas no momento da ratificação.

A retirada de uma reserva pode ser feita a qualquer momento e deve ser por escrito.
Além disso, a retirada da reserva não depende da aceitação das demais partes de um
tratado, podendo ser feita a qualquer momento desde que propriamente divulgada.

O artigo 21 da CVDT/69 apresenta os efeitos jurídicos das reservas. Via de regra, a


reserva modifica as disposições do tratado para o autor da reserva em suas relações
com os demais Estados partes do tratado. Ela não afeta as disposições do tratado
quanto às demais partes no tratado em suas relações inter se.
O Brasil ratificou a CVDT/69 com reservas válidas aos artigos 25 e 66. Dessa forma, o
Brasil afasta de sua relação com os demais a aplicação desses artigos, independente
de terem aceitado ou rejeitado estas reservas. No entanto, a possibilidade de
aplicação provisória de tratados (art. 25 da CVDT/69) e de submeter controvérsias
que violem jus cogens à jurisdição da CIJ (art. 66 da CVDT/69)continuam valendo nas
relações entre as demais partes no tratado.

Em suma, reservas podem ser feitas:

● se o tratado não as proibir;

● se o tratado dispor sobre a hipótese de reserva;

● se a reserva não for incompatível com o objeto e a finalidade, no caso de tratado


silente;

● se não violarem norma jus cogens.

6.2. A aceitação e a objeção a uma reserva

O artigo 20 da CVDT/69, que trata da aceitação e objeção às reservas, afirma que as


reservas expressamente autorizadas por tratado não dependem de aceitação posterior
por outros Estados contratantes.

Se o tratado depender da aplicação na íntegra para ser aceito pelas partes, a reserva
deve ser igualmente aceita por todas as partes.

Quando a reserva for feita a um tratado constitutivo de organização internacional, deve


haver a aceitação pelo órgão competente para que seja válida, a menos que o tratado
disponha de forma diversa.

A aceitação de reserva é irretratável.


Destaca-se que a aceitação de um reserva pode ser expressa ou tácita, mas sempre
irretratável. A aceitação será tácita se um Estado não se opuser à reserva no decurso do
prazo de doze meses que se seguir à data em que recebeu a notificação, quer na data
em que manifestou o seu consentimento em obrigar-se pelo tratado, se esta for
posterior.

Consonante o princípio do livre consentimento, uma reserva produzirá efeito logo que
pelo menos outro Estado contratante a aceite.

No entanto, caso o tratado assim o permita, o Estado poderá formular objeção à


reserva.

A objeção a uma reserva permite que o Estado opositor negue a vigência do tratado
entre si e o autor da reserva.

Vale ressaltar que a objeção de uma reserva não impede que o tratado entre em vigor
entre o Estado autor da reserva e o Estado que formulou a objeção, a não ser que uma
intenção contrária tenha sido expressamente manifestada pelo Estado que formulou a
objeção; Quando este último não se opuser à entrada em vigor do tratado entre ele
próprio e o Estado autor da reserva, as disposições a que se refere a reserva não se
aplicarão entre os dois Estados, na medida prevista pela reserva.

Destarte, a objeção à reserva possui duas consequências práticas:

● possibilitar ao Estado objetor se opor à entrada em vigor do tratado entre ele e o


Estado que fez a reserva; ou
● impossibilitar a aplicação das disposições a que se refere a reserva entre o
Estado opositor e o Estado autor da reserva, caso o tratado esteja em vigor entre
ambos;

Uma das consequências práticas da oposição à reserva é registrar a opinio iuris do


Estado objetor.
Caso um Estado objetor venha a retirar sua oposição, esta será considerada como uma
aceitação à reserva. A retirada pode ser feita a qualquer momento e se torna válida a
partir da notificação.

7. Emendas e Revisões
Os tratados internacionais são instrumentos jurídicos que regulam as relações entre
Estados e outras entidades internacionais. No entanto, as mudanças nas relações
internacionais e nas necessidades da sociedade internacional podem tornar necessária a
modificação do texto de tratados, seja por meio da revisão ou da emenda.

7.1. As Emendas

As emendas são alterações feitas no texto original do tratado, pelo qual o teor dos
atos internacionais é revisto, levando ao acréscimo, à alteração ou à supressão de
conteúdo normativo. Isso permite que o marco legal internacional seja atualizado de forma
mais rápida e eficiente, sem a necessidade de negociação de novos tratados a todo
momento. Já as revisões são um processo mais amplo, que envolve a análise e a
possível alteração de todo o tratado, e não apenas de partes específicas. Isto é, as
emendas constituem um modo de atualização mais rápida do tratado, enquanto a revisão
é utilizada para mudanças mais profundas.

As emendas podem resultar no acréscimo, alteração ou supressão de conteúdo do


tratado por acordo comum das partes.

Qualquer proposta de emenda a um tratado multilateral deve ser notificada a todos os


Estados contratantes, para que estes possam participar na decisão quanto à proposta de
emenda, e na negociação e conclusão de eventual acordo que emende o tratado.
Ressalte-se que, via de regra, uma proposta de emenda pode ser feita por qualquer uma
das partes do acordo.

Se um Estado não aprovar a emenda, não se tornando parte no acordo de emenda, ele
será obrigado apenas pelo tratado original, e não pela parte emendada. Portanto, podem
conviver dois regimes jurídicos devido à vigência concomitante do tratado original e do
tratado emendado, no que Valério De Oliveira Mazzuoli chama de duplicidade de
regimes jurídicos.

A exceção à regra geral do consentimento, em que Estados apenas submetem-se a um tratado


emendado caso concordem com o acordo de emenda, é a carta da ONU, na qual os artigos 108 e 109
clarificam que toda emenda aprovada por 2/3 da Assembleia Geral será obrigatória para todos os
membros.

Se um Estado se tornar parte em um tratado após o início da vigência de uma emenda, a


menos que manifeste intenção diferente, será:

● parte no tratado emendado junto às partes que acordaram a emenda, e;


● parte no tratado original junto às partes não vinculadas à emenda.

Além da emenda, ainda há a possibilidade de duas ou mais partes num tratado


multilateral modificarem um tratado apenas entre si. Para que essa hipótese ocorra, a
possibilidade de tal modificação deve estar prevista ou não ser proibida pelo tratado. Além
disso, tal modificação não pode prejudicar o gozo dos direitos nem o cumprimento das
obrigações presentes no tratado pelas demais partes, e não pode afetar uma disposição
cuja derrogação seja incompatível com a execução efetiva do objeto e da finalidade do
tratado em seu conjunto (Art.41 da CVDT/69).

No Brasil, as emendas a tratados devem ser aprovadas pelo Congresso Nacional


antes da ratificação pelo Presidente da República, se gerarem compromissos
gravosos.

O Congresso Nacional não pode propor emendas aos tratados.

7.2. A revisão

Já a revisão ou reforma, como visto anteriormente, é uma alteração mais profunda que a
comumente ensejada por emendas, a exemplo das reformas da Carta da OEA através do
Protocolo de Buenos Aires (1967) e do Protocolo de Cartagena das Índias (1985).
Basta uma leitura superficial dos referidos protocolos para confirmar que os mesmos
alteram uma série de artigos da Carta original, trocando-os de ordem, alterando seu
conteúdo e moldando a Carta à nova realidade que se apresentava.

Portanto, os Estados fazem emendas e revisões a tratados internacionais para poderem


adaptar as obrigações assumidas às suas necessidades e interesses nacionais.

8. Fim e Suspensão dos Tratados

8.1. Extinção de um tratado

A extinção de um tratado significa o seu desaparecimento do ordenamento jurídico


internacional e a consequente cessação permanente de seus efeitos jurídicos.

É possível identificar diferentes situações que levam à extinção de um tratado, entre elas:

● A execução integral;
● O consentimento mútuo das partes;
● A existência de número de partes insuficiente;
● A inexecução por uma das partes ou violação substancial de um tratado bilateral
por uma das partes;
● O termo final ou a superveniência de condição resolutória;
● O surgimento de uma norma posterior que regule de maneira diversa a matéria
disciplinada pelo tratado
● A caducidade ou desuso;
● A mudança substancial de circunstâncias;
● A impossibilidade de execução;
● A superveniência de norma jus cogens;
● A denúncia unilateral;
● Um fato de terceiro;
● A renúncia do beneficiário;
Muitas das hipóteses de extinção estão expressamente previstas entre os artigos 54 e 64
da CVDT/69. Não obstante, existem formas de extinção não contempladas por tratados
internacionais, a exemplo da caducidade, concebida pela doutrina.

A extinção de um tratado geralmente se dá pela vontade das partes, pela vontade


unilateral de uma parte ou por mudança nas circunstâncias que motivaram a celebração
do tratado.

Dentre as hipóteses de extinção oriundas da vontade das partes, destacam-se a


execução integral de um tratado, quando as partes estipulam que o tratado não mais
vigorará ao atingir um objetivo pelo qual foi criado; o consentimento mútuo das partes,
desde que se origine da vontade unânime; o cumprimento de condição resolutória,
com a estipulação de uma data ou um prazo de vigência determinado; a conclusão de
tratado posterior sobre o mesmo assunto, entre todas as partes, que regule de
maneira diversa a matéria disciplinada no tratado extinto; ou mesmo a caducidade pela
inaplicação de um tratado.

Ressalta-se que, conforme o artigo 55 da CVDT/69, a não ser que o tratado disponha diversamente,
um tratado multilateral não se extingue pelo simples fato de que o número de partes ficou aquém do
número necessário para sua entrada em vigor.

Outra forma pela qual um tratado pode ser extinto é por mudanças nas circunstâncias que
motivaram a celebração do tratado.

Consta na CVDT/69 que uma mudança fundamental de circunstâncias, ocorrida em


relação às circunstâncias existentes no momento da conclusão de um tratado e não
prevista pelas partes, não pode ser invocada como causa para extinguir um tratado
ou para dele retirar-se. A exceção existe para o caso de a mudança afetar uma condição
essencial ao consentimento das partes em obrigarem-se pelo tratado; e essa mudança
tiver por efeito a modificação radical do alcance das obrigações ainda pendentes de
cumprimento em virtude do tratado. (art.62 da CVDT/69).

Portanto, de forma distinta do direito contratual, no Direito Internacional Público, a


cláusula rebus sic stantibus — que permite a suspensão ou extinção de um ato devido
à alterações nas circunstâncias — é admitida de forma restritiva. A CVDT/69
estabelece que essa cláusula não pode ser invocada depois de consumada a afronta ao
compromisso e não justifica a ruptura unilateral dos tratados.

Ainda associada à mudança nas circunstâncias, há como hipótese de extinção a


impossibilidade de cumprimento superveniente devido à destruição ou ao
desaparecimento definitivo de um objeto indispensável ao cumprimento do tratado.
Se a impossibilidade de cumprimento for temporária, o tratado poderá ter sua execução
suspensa. Entretanto, se a impossibilidade de cumprimento resultar de violação pela
parte que a invoca, ela não poderá ser invocada como causa para extinguir um tratado
ou dele retirar-se.

A guerra é outra hipótese de mudança fundamental das circunstâncias que deram origem
a um tratado, podendo resultar na extinção dos compromissos estabelecidos entre os
Estados em conflito. Tratados bilaterais que vinculem os beligerantes podem ser extintos,
e os compromissos entre ambos que constem de acordos multilaterais podem ser
suspensos. Destaca-se, no entanto, que tratados voltados a gerar efeitos durante
conflitos armados, a exemplo de acordos com base no Direito Humanitário, bem como
outros de vigência permanente, como os tratados sobre limites, e também acordos
sobre Direitos Humanos devem permanecer em vigor.

As normas sobre Direitos Humanos devem ser aplicadas em quaisquer circunstâncias, não sendo
extintas ou suspensas em caso de conflitos armados.

Os tratados que não podem ser extintos em decorrência de uma guerra tampouco podem
ser suspensos.

Por fim, se sobrevier uma nova norma peremptória de Direito Internacional geral, a
jus cogens, qualquer tratado existente que estiver em conflito com essa norma tornar-se-á
nulo, sendo extinto.

Além das hipóteses resultantes da vontade das partes e da mudança das circunstâncias,
um tratado também pode ser extinto por vontade unilateral.
A violação substancial de um tratado bilateral por uma das partes autoriza a outra
parte a invocar a violação como causa de extinção ou suspensão. Já em tratados
multilaterais, as partes podem suspender ou extinguir o tratado com a parte que violou o
tratado, ou igualmente entre todas as partes.

Outra forma de extinção por vontade unilateral é a denúncia do tratado, que consiste em
um ato unilateral, com efeitos ex nunc, pelo qual uma parte anuncia sua vontade de se
desvincular de um compromisso internacional, desobrigando-se de cumprir as obrigações
presentes nesse acordo. A denúncia só é válida se a natureza do tratado a admitir, e se
for notificada com antecedência de pelo menos 12 meses.

Tratados sobre fronteiras não admitem denúncia, salvo se existir cláusula garantindo essa
possibilidade.

É importante lembrar que a denúncia não é um meio ilimitado para se desvincular de um


tratado. Ela deve ser feita em conformidade com as normas e procedimentos previstos no
próprio tratado, ou, em caso de omissão, nas regras gerais de Direito Internacional.

No Brasil, a denúncia é condicionada à aprovação pelo Congresso Nacional.A


decisão foi tomada pelo Supremo Tribunal Federal durante o julgamento da Ação Direta
de Inconstitucionalidade 1.625, em maio de 2023.

8.2. Suspensão de tratados

A suspensão de um tratado ocorre quando este deixa de gerar efeitos jurídicos


temporariamente, podendo ser uma suspensão parcial ou total.

Assim como a extinção, a suspensão pode estar prevista e regulada no próprio tratado
ou pode ser produto de acordo entre as partes. Em tratados multilaterais, a suspensão
envolve a concordância de todos os Estados-Partes ou de um número mínimo a ser
estabelecido pelo tratado.

A título de exemplo, o Protocolo de Ushuaia sobre Compromisso Democrático no


Mercosul, Bolívia e Chile, de 1998, prevê a possibilidade de suspensão dos direitos e
obrigações de um Estado por consenso entre os Estados Partes — exceto o afetado pela
suspensão.
A Venezuela está suspensa de todos os direitos e obrigações inerentes à sua condição de Estado Parte
do Mercosul, em conformidade com o disposto nos Arts. 5º e 6º do Protocolo de Ushuaia (1998).

É importante destacar que duas ou mais partes de um tratado multilateral podem concluir
um acordo para suspender temporariamente, e somente entre si, a execução das
disposições de um tratado. Essa possibilidade deve estar prevista ou não ser proibida
pelo tratado, caso em que não deve prejudicar o gozo, pelas outras partes, de direitos
decorrentes do tratado, bem como o cumprimento de suas obrigações, nem ser
incompatível com o objeto e a finalidade do acordo. Nessa hipótese de suspensão, os
interessados devem notificar os demais signatários de sua intenção e indicar as
disposições do ato internacional cuja execução pretendem interromper.

Um tratado pode ser suspenso com a conclusão de um novo tratado entre todas as
suas partes e sobre o mesmo assunto. Para que a suspensão ocorra, deve ser possível
depreender que a intenção das partes é a suspensão do tratado anterior.

A mudança fundamental de circunstâncias, além de causa para a extinção de um


tratado, também pode resultar na suspensão da execução de um acordo internacional.
Por exemplo, um tratado que regule o compartilhamento da energia hidrelétrica entre dois
Estados pode temporariamente carecer de execução por motivo de força maior, como
uma forte seca que impeça a geração de energia.

A impossibilidade de cumprir um tratado, se tiver uma causa temporária, assim como


uma violação substancial de um tratado bilateral por uma das partes, poderão
resultar na suspensão de um tratado nos termos dos artigos 60 e 61 da CVDT/69.
Ressalta-se que o tratado não deverá ser suspenso se essa impossibilidade resultar de
uma violação, pela parte que pede a suspensão, de uma obrigação decorrente do tratado
ou de outra obrigação internacional que se relacione com qualquer parte no tratado.

O rompimento de relações diplomáticas ou consulares não enseja a suspensão de


um tratado entre as partes, salvo na medida em que a existência de relações
diplomáticas ou consulares for indispensável à sua aplicação.
8.3. Consequências da extinção ou suspensão

A extinção de um tratado libera as partes de qualquer obrigação, salvo disposição em


contrário (art.70 da CVDT/69). Ela não prejudica qualquer direito, obrigação ou situação
jurídica das partes, criados pela execução do tratado antes de sua extinção. Isto é, a
extinção tem efeitos ex nunc.

A suspensão, por sua vez, exime as partes do cumprimento do tratado em suas relações
mútuas e enquanto vigorar. Ressalta-se que as partes devem se abster de atos que
tendam a obstruir o reinício da execução do tratado.

9. Interpretação dos Tratados


A Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1969 (CVDT/69) estabelece que a
interpretação dos tratados deve buscar um equilíbrio entre a interpretação literal, ou
seja, o conteúdo do texto em si, e a interpretação teleológica, que considera o objetivo e
a finalidade do tratado conforme o interesse expresso pelas partes negociadoras.

A regra geral de interpretação, conforme o artigo 31 da CVDT/69, prevê que a


interpretação do tratado deve ser feita de boa fé, segundo o sentido comum atribuível aos
seus termos em seu contexto e à luz de seu objetivo e finalidade. É importante lembrar
que o contexto se refere ao contexto normativo e não ao contexto externo, histórico.

O contexto é composto pelo texto, o preâmbulo e anexos do tratado. Também são


considerados como parte do contexto acordos relativos ao tratado feitos entre todas as
partes e instrumentos estabelecidos por uma ou várias partes, ambos quando em
conexão com a conclusão do tratado.

O preâmbulo é um elemento valioso para a interpretação do tratado, conquanto não


integre a parte compromissiva do mesmo. O preâmbulo pode ser usado para suprir as
lacunas do tratado e para enunciar os objetivos acordados.

Já os anexos compõem a parte compromissiva do tratado junto ao dispositivo e, diferente


deste, não costumam apresentar linguagem jurídica.
Além do contexto, a CVDT prevê outros elementos que podem ser utilizados para a
interpretação dos tratados, como:

● a utilização de acordos posteriores entre as partes sobre a interpretação do tratado


ou sobre sua aplicação;
● a prática posterior à assinatura em relação à aplicação do tratado; e
● quaisquer regras pertinentes de Direito Internacional aplicáveis às relações entre
as partes.

A CVDT/69 prevê, em seu art. 32, meios suplementares de interpretação, cuja finalidade
é confirmar o sentido da interpretação feita conforme a regra geral ou determinar o
sentido quando a interpretação deixá-lo ambíguo ou obscuro, ou conduzir a um resultado
que é manifestamente absurdo ou desarrazoado. Considera-se como meios
suplementares os trabalhos preparatórios e as circunstâncias de conclusão do tratado.

Quando o tratado for autenticado em duas ou mais línguas, ambos os textos fazem fé
(art.33). Isto é, presume-se que os termos do tratado têm o mesmo sentido nos diversos
textos autênticos.

Outra versão em língua diversa, que não a autenticada, só fará fé se as partes assim
concordarem.

10. A incorporação de tratados ao Direito Interno

10.1. Modelos de internalização

Para a doutrina, há dois modelos de procedimento para a internalização de tratados


que são comumente aplicados pelos Estados: um modelo tradicional, baseado na
publicação de um ato jurídico especial por autoridade estatal, e um modelo moderno,
fundado na aplicabilidade imediata.

O modelo tradicional baseia-se na publicação de um ato jurídico especial pela


autoridade estatal para incorporar um tratado ao ordenamento jurídico doméstico. Esse
modelo é adotado em países que possuem uma abordagem dualista ou mista na relação
entre a ordem internacional e a nacional. No Brasil, por exemplo, é necessária a
aprovação do tratado pelo Congresso Nacional, por meio de decreto legislativo, e
posterior promulgação e publicação de decreto do Presidente da República para a
efetiva internalização.

Já o modelo mais recente, baseado na aplicabilidade imediata, é adotado em países


que possuem uma abordagem monista na relação entre a ordem internacional — ou
comunitária — e a nacional. Nesse modelo, os tratados são incorporados ao quadro das
leis nacionais, passando a produzir efeitos jurídicos internamente, sem um ato jurídico
especial voltado à incorporação da legislação internacional. Via de regra, a aplicabilidade
é imediata, pois o direito internacional (ou comunitário) é visto como parte do direito
interno. Nesse caso, a norma internacional possui força vinculante tão logo entre em
vigor.

A aplicabilidade imediata é válida na União Europeia quanto às normas de direito


comunitário. Conforme o Art. 288 do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia,
os regulamentos são diretamente aplicáveis nos Estados-Membros. De forma diversa,
ressalta-se que esse modelo não vale para o Brasil quanto às normas do Mercosul.

É comum haver uma confusão entre a aplicabilidade imediata e o efeito direto das normas no direito da
União Europeia. Enquanto a aplicabilidade ou aplicação imediata diz respeito à possibilidade da norma
comunitária ser incorporada ao ordenamento nacional sem um ato especial da autoridade estatal, o efeito
direto refere-se aos efeitos das normas comunitárias sobre os direitos dos particulares. Consoante o
Tribunal de Justiça da União Europeia, os particulares podem invocar diretamente o direito da UE
perante jurisdições nacionais e europeias, independentemente da existência de textos provenientes
do direito nacional.

10.2. A incorporação de tratados complexos no Brasil

No Brasil, a incorporação de tratados internacionais pode ser por um procedimento


unifásico, dito simplificado, que dispensa a aprovação do acordo pelo Poder Legislativo,
ou por um procedimento multifásico, em que o tratado deve ser aprovado pelo Congresso
Nacional para ser ratificado.
O procedimento simplificado é o adotado para a aprovação dos acordos executivos,
tratados simplificados, que dependem apenas da assinatura do Chefe do Executivo, ou
de alguma outra autoridade competente, para a entrada em vigor. Para serem aprovados,
não podem incorrer em compromissos gravosos para o patrimônio nacional.

Já o procedimento multifásico segue um procedimento comum aos diversos tratados,


composto por etapas que envolvem tanto o poder executivo quanto o legislativo, sendo
um ato complexo por conjugar as duas vontades.

A primeira etapa é a negociação do tratado por meio de representantes oficiais do


Governo, geralmente membros do Ministério das Relações Exteriores (MRE). Ela envolve
debates entre as delegações oficiais e é finalizada com a assinatura do tratado pelas
partes. A assinatura põe termo à negociação, e indica que o texto está finalizado, não
podendo mais ser alterado. São competentes para a assinatura de um tratado: o
Presidente da República, o Ministro das Relações Exteriores, o Chefe de Missão
Diplomática, ou autoridades detentoras da Carta de Plenos Poderes.

Segundo o Art. 84 da CRFB/88, compete privativamente ao Presidente da República celebrar tratados,


sujeitos a referendo do Congresso Nacional.

Em seguida, já no âmbito interno, o MRE apresenta uma exposição de motivos para o


Presidente da República (PR), informando sobre a assinatura e solicitando a ratificação.
O PR recebe a exposição de motivos e a cópia do texto do tratado, e envia uma
mensagem, juntamente à cópia do texto do tratado e a exposição de motivos para o
Congresso Nacional (CN), solicitando o exame do teor do tratado.

A partir daí, já no Congresso Nacional, o trâmite tem início na Câmara dos Deputados,
com a apreciação pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania e pela Comissão
de Relações Exteriores — e a depender do conteúdo, por outra comissão temática.

Após a apreciação pelas Comissões da Câmara, o texto vai para votação no plenário da
Câmara, e, se aprovado, será enviado ao Senado Federal, submetido às respectivas
Comissões desta casa, e votado em plenário. O acordo pode ser rejeitado, aprovado em
partes ou aprovado totalmente.
Com o acordo aprovado pelas duas casas em turno único, o Presidente do Senado
emite um decreto legislativo, autorizando o Presidente da República a ratificar o tratado.

A emenda constitucional nº 45, de 2004, previu a possibilidade de incorporação de tratados de Direitos


Humanos (DH) com o quórum de emenda constitucional. Os tratados incorporados por meio desse
processo passam a fazer parte do bloco de constitucionalidade. Já os demais tratados de DH têm status
supralegal, segundo o julgamento do recurso extraordinário 466.343 pelo STF, em 2008.

É importante destacar que a participação do Legislativo no procedimento de


internalização representa um limite ao Poder Executivo, que passa a estar sujeito a um
controle mais democrático.

O Presidente da República tem o poder de ratificar o tratado se assim achar oportuno.


A ratificação é um ato discricionário e irrevogável, essencial para obrigar um Estado a
cumprir um acordo no plano internacional. Via de regra, a troca dos instrumentos de
ratificação ou depósito tornará o cumprimento do tratado exigível pelos demais
signatários.

A ratificação é um ato posterior ao referendo pelo Congresso Nacional. Ela representa, no plano
internacional, a conjugação das vontades do Legislativo e do Executivo.

No âmbito doméstico, a sanção presidencial dependerá da promulgação e da


publicação do tratado por meio de decreto do Chefe do Executivo no Diário Oficial da
União. A partir disso, o conteúdo do tratado valerá internamente. Caso o decreto não
contenha o prazo de vigência nacional, este será de 45 dias após a publicação nos
termos do Art.1º da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro.

Etapas:

1) negociação do tratado por meio de representante no plano externo, geralmente do


MRE;
2) apreciação pelo MRE com exposição de motivos dirigida para o PR, informando
sobre a assinatura e pedindo a ratificação;
3) PR recebe a exposição e a cópia do texto;
4) PR envia a mensagem, a cópia do texto e a exposição de motivos para o
Congresso Nacional, solicitando o exame do teor do tratado;
5) O trâmite inicia na Câmara com a formação de comissões competentes e votação
no plenário de cada uma delas em turno único, via de regra.
a) se tratar de DH: aprovação em cada casa em dois turnos por 3/5 dos votos
dos respectivos membros permite que o tratado possua força de emenda
constitucional.
b) o acordo pode ser rejeitado, aprovado em partes ou aprovado totalmente.
6) Com o acordo aprovado, o presidente do Senado emite decreto legislativo, que
autoriza o PR a ratificar.
7) Presidente: pode ratificar se achar oportuno.
a) No plano externo: troca dos instrumentos de ratificação ou depósito. A partir
disso, o cumprimento do tratado pode ser exigido pelos demais signatários.
b) No plano interno: decreto do PR é promulgado e publicado no Diário Oficial
da União. A partir disso, o conteúdo do tratado vale internamente.

As fontes extraestatutárias

1. Os atos unilaterais

1.1. Noções gerais sobre os atos unilaterais

O ato unilateral pode ser definido como a expressão de vontade emanada por um ou
mais Estados, de forma autônoma e independente, capaz de criar obrigações e
direitos em conformidade com o Direito Internacional.

Essa manifestação da vontade de um sujeito de DIP é suficiente para produzir efeitos


jurídicos, podendo obrigar o autor caso dê a entender que havia a intenção de se
vincular, independentemente da aceitação ou envolvimento de terceiros. Nesse caso,
desde que haja essa intenção de produzir uma obrigação sob o Direito Internacional e
o ato seja público, os Estados que confiaram nesse sujeito possuem o direito de exigir o
cumprimento da obrigação em questão com base na boa fé.
Por não se tratar de um acordo de vontades entre sujeitos de DIP, parte da doutrina entende que os atos
unilaterais não se fundamentam no princípio do pacta sunt servanda, mas sim nos princípios da boa-fé
e da soberania dos Estados.

Não obstante, deve-se destacar que a interpretação de atos unilaterais é restritiva,


dependendo das circunstâncias do caso, do próprio conteúdo da declaração unilateral, e
das reações de outros sujeitos. É importante destacar que atos unilaterais não criam
obrigações para terceiros.

No âmbito da jurisprudência internacional, são paradigmáticos os casos da Groenlândia


Oriental, julgado pela Corte Permanente de Justiça Internacional em 1933, e o caso dos
testes nucleares entre a Austrália e a França, julgado pela Corte Internacional de Justiça
em 1974.

No caso da Groenlândia Oriental, pela primeira vez, a jurisprudência internacional


reconheceu os atos unilaterais como fonte do Direito Internacional. Em uma disputa
territorial entre a Noruega e a Dinamarca acerca de um território na Groenlândia, a Corte
entendeu que a declaração unilateral emitida pelo Ministro das Relações Exteriores da
Noruega — a chamada Declaração de Ilhen — reconhecia a soberania da Dinamarca
sobre o território da Groenlândia.

Já no caso dos Testes Nucleares opondo Austrália e Nova Zelândia à França, a CIJ
reconheceu que as declarações de autoridades francesas, afirmando que a França não
realizaria mais testes nucleares na atmosfera do Pacífico Sul, criaram uma obrigação
internacional para esse Estado.

Em 1974, a Austrália e a Nova Zelândia acionaram a CIJ para obrigar juridicamente a França a encerrar
seus testes nucleares atmosféricos no Pacífico, pois estes estavam danificando a vida marinha em águas
daqueles países. A Corte entendeu que declarações posteriores de oficiais franceses haviam criado uma
obrigação para o país de não realizar mais testes na superfície, e que, portanto, o caso havia perdido o
seu objeto. Pouco depois, a França fez novo teste naquela região. No entanto, por ser de natureza
submarina, a Corte não viu uma violação às declarações anteriores, por entender que estas devem ser
interpretadas restritivamente.

Os atos unilaterais, portanto, se tornam obrigatórios quando o sujeito internacional tem a


intenção de se obrigar, e essa intenção é expressa publicamente.
Para Celso de Albuquerque Mello, os atos unilaterais são válidos desde que preenchidos
certos requisitos, entre eles:

1. Emanar de Estado soberano ou outra pessoa jurídica de DIP;


2. Possuir conteúdo admissível pelo Direito Internacional;
3. Ter origem na vontade real do sujeito, sem vícios;
4. Ter como intenção criar uma regra de direito;

Ressalta-se que os atos unilaterais não possuem forma prescrita para serem válidos.

Alguns autores, como Charles Rousseau, dividem os atos unilaterais em expressos ou


tácitos. Os primeiros envolvem a manifestação expressa da vontade de um sujeito,
podendo ser um protesto, uma notificação, uma renúncia, uma promessa, um
reconhecimento, entre outros. Os segundos são atos unilaterais que não envolvem a
manifestação expressa da vontade. Isto é, o silêncio ou mesmo a prática de certos atos
são suficientes para mostrar o consentimento do sujeito com a criação de determinada
obrigação.

Na decisão da Corte Internacional de Justiça no caso do Templo de Preah Vihear, em


litígio entre o Camboja e a Tailândia, há um notório exemplo de ato unilateral tácito
gerando obrigações jurídicas.

No caso em tela, a Tailândia não havia se oposto ao registro da localização do templo


Preah Vihear como parte do território cambojano em um mapa usado em um tratado de
limites entre os dois Estados. A Corte, aplicando o princípio qui tacet consentire videtur
si loqui debuisset ac potuisset (aquele que se mantém em silêncio estará consentindo
quando poderia e deveria se pronunciar), decidiu que o silêncio da Tailândia, ao não
obstar a composição de referido mapa à época, representava o reconhecimento tácito da
soberania cambojana sobre o templo.

A Comissão de Direito Internacional das Nações Unidas, buscando trazer maior


juridicidade e previsibilidade aos atos unilaterais, adotou dez princípios orientadores
aplicáveis aos atos unilaterais stricto sensu (declarações unilaterais de Estados
capazes de criar obrigações legais).
In verbis:

Princípios Orientadores

1. Declarações feitas publicamente e que manifestem a vontade de se obrigar


podem ter o efeito de gerar obrigações jurídicas (…);
2. Qualquer Estado possui a capacidade de comprometer-se a obrigações
legais por meio de declarações unilaterais;
3. Para determinar os efeitos jurídicos de tais declarações, é necessário
considerar o seu conteúdo, as circunstâncias fáticas nas quais elas foram
feitas e as reações que elas causaram;
4. Uma declaração unilateral obriga o Estado internacionalmente somente se
ela é feita por uma autoridade investida de poder para fazê-la. Em virtude de
suas funções, chefes de Estado, chefes de Governo e ministros das Relações
Exteriores são competentes para formular tais declarações. Outras pessoas
que representem o Estado em determinadas áreas podem ser autorizadas a
vinculá-lo, por meio de suas declarações, nas áreas de sua competência;
5. As declarações unilaterais podem ser formuladas oralmente ou por escrito;
6. As declarações unilaterais podem ser endereçadas à comunidade
internacional como um todo, a um ou vários Estados ou a outras entidades;
7. Uma declaração unilateral implicará obrigação para o Estado que a formula,
somente se for feita em termos claros e específicos, devendo ser interpretada
de maneira restritiva, em caso de dúvida quanto ao alcance das obrigações
decorrentes da tal declaração. Ao interpretar o conteúdo de tais obrigações, o
peso deve ser dado em primeiro lugar ao texto da declaração, juntamente
com o contexto e as circunstâncias em que foi formulado;
8. Uma declaração unilateral que esteja em conflito com uma norma imperativa
de Direito Internacional Geral é nula;
9. Uma declaração unilateral de um Estado não pode gerar obrigações para
outros Estados, a menos que eles claramente aceitem tal declaração, e na
medida da aceitação;
10. Uma declaração unilateral que gerou obrigações jurídicas para o Estado que
a fez não pode ser revogada arbitrariamente. (…)
1.2. Tipos de atos unilaterais

Entre os distintos tipos de atos unilaterais que criam efeitos jurídicos, destacam-se o
protesto, a promessa, a renúncia, a denúncia, o reconhecimento, a ruptura de relações
diplomáticas, a notificação, entre outros.

O protesto é o ato unilateral pelo qual um Estado procura evitar que uma norma
costumeira se forme, ou se opõe a um estado de coisas que lhe seja prejudicial,
buscando resguardar seus direitos. Ele pode ser escrito ou oral, ou por atos inequívocos,
e depende de continuidade.

A promessa é o ato unilateral pelo qual um Estado assume um compromisso de exercer


certa ação ou de adotar certa conduta no futuro.

A renúncia marca uma situação em que um sujeito de DIP voluntariamente renuncia a


um direito. Ela não se presume, devendo ser sempre expressa.

A denúncia é o ato que marca a desvinculação de um sujeito de um tratado, não se


confundindo com a retirada da ratificação.

O reconhecimento é o ato unilateral, declaratório e irrevogável, pelo qual um sujeito de


Direito Internacional aceita uma determinada situação de fato ou de direito que
acarrete consequências jurídicas. É o contrário do protesto, e pode ser tácito ou
expresso. Seu principal efeito é tornar oponível a quem reconheceu a situação ou o
objeto reconhecido. Um exemplo é o reconhecimento de Estado.

A ruptura de relações diplomáticas é um ato unilateral pelo qual um Estado rompe suas
relações com outro, encerrando as comunicações oficiais bilaterais. Via de regra,
ocorre em resposta a desentendimentos políticos, como forma de sanção, ou mesmo para
o cumprimento de decisão do Conselho de Segurança das Nações Unidas, nos termos do
Art.41 da Carta da ONU.

Art.41 da Carta da ONU: O Conselho de Segurança decidirá sobre as medidas que, sem
envolver o emprego de forças armadas, deverão ser tomadas para tornar efetivas suas
decisões e poderá convidar os Membros das Nações Unidas a aplicarem tais medidas. Estas
poderão incluir (…) o rompimento das relações diplomáticas.
2. As decisões de organizações internacionais

2.1. Noções gerais sobre as decisões de OIs

Para exercer suas funções na sociedade internacional, as organizações internacionais


adotam decisões que podem gerar efeitos jurídicos para a própria organização e para
outros sujeitos, podendo ser vinculantes ou não.

A maior parte das decisões de organizações internacionais — entendidas em seu sentido


amplo de deliberação — não possuem uma natureza legalmente vinculante. Entretanto,
algumas geram obrigações para os sujeitos, sendo vinculantes independentemente de
ratificação.

Vistas como fontes extra estatutárias do Direito Internacional, as decisões de OIs não estão
expressamente previstas no art.38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça.

Quando consideradas fontes do Direito internacional, as decisões de organizações


internacionais retiram seu fundamento de obrigatoriedade na vontade dos Estados,
que, ao ratificarem um tratado constitutivo, aceitam se submeter às regras de uma
respectiva organização. Em outras palavras, a obrigatoriedade jurídica dos atos de uma
OI está prevista no tratado constitutivo dessa organização.

Ressalta-se, portanto, que para que seja fonte de DIP, uma decisão de uma
organização internacional deve estar prevista no tratado constitutivo.

Consoante Portela:

(...) decisões de OIs são reguladas pelas normas que regulam o funcionamento dessas
entidades, constantes de tratados que permitem que o organismo pratique seus próprios
atos e que estabelecem a denominação desses, as condições para seu aperfeiçoamento e
suas possíveis condições jurídicas. (p.71)

Em suma, decisões de organizações internacionais são atos institucionais, cuja


existência e validade advêm da própria personalidade jurídica de DIP das organizações
internacionais.
Os atos das organizações internacionais podem ser classificados em internos ou
externos. Os internos referem-se apenas aos atos voltados ao funcionamento da
entidade. Já os externos tutelam direitos e obrigações de outros sujeitos, inclusive
daqueles que não sejam parte da organização.

As decisões das organizações internacionais podem ser obrigatórias ou facultativas.

As decisões obrigatórias vinculam os sujeitos de DIP e são fontes de Direito


Internacional. São exemplos as decisões do Conselho de Segurança das Nações Unidas,
impositivas consoante o artigo 25 da Carta da ONU, e as recomendações da Organização
Internacional do Trabalho, que criam para os Estados a obrigação de legislar a respeito da
matéria de que tratam, no prazo de um ano.

As decisões de organizações internacionais são executadas no Brasil por meio de decreto do


Presidente da República. A exceção são as resoluções do CSNU que imponham sanções nos termos
da Lei 13.810/2019.

As decisões facultativas não geram obrigações. Elas têm caráter de recomendação,


com força moral e política, mas não jurídica. As decisões facultativas são importantes
como parâmetros interpretativos de relevância política e moral e como orientações para a
futura elaboração de normas jurídicas, a exemplo das resoluções da Assembleia Geral
das Nações Unidas (AGNU).

2.2. As decisões no âmbito da ONU

No âmbito das Nações Unidas, é comum ver os termos “decisão”, “resolução”,


“recomendação” e “declaração” sendo utilizados para atos da organização. Na realidade,
a nomenclatura não é suficiente para indicar se uma determinada decisão é obrigatória ou
não: o que determina a obrigatoriedade é o órgão emissor e o conteúdo da decisão.

Consoante a interpretação restrita do art.25 da Carta da ONU, apenas decisões tomadas


pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas, sob a égide do Capítulo VII, possuem
natureza cogente7. Não obstante, parte da doutrina admite que as demais decisões do
CSNU são também obrigatórias — apesar de não haver consenso.

Quanto às resoluções da AGNU, estas não são consideradas fonte formal do DIP,
apesar de terem refletido a opinião geral dos Estados sobre determinados temas. É
importante destacar que as resoluções da AGNU possuem importante papel no
desenvolvimento de normas consuetudinárias, sendo evocadas como manifestação do
costume.

Assim, as resoluções da AGNU são usadas para o reconhecimento, ou mesmo para a


criação, de uma determinada prática na sociedade internacional. Elas podem reconhecer
uma regra já existente ou estabelecer uma nova regra que exerce pressão política,
resultando no desenvolvimento de uma prática que pode adquirir opinio iuris.

Ressalta-se que as decisões de OIs não são assinadas ou ratificadas, mas sim
votadas pelos membros. Destarte, as decisões de OIs refletem a prevalência de uma
vontade coletiva dos Estados.

2.3. A executoriedade imediata de sanções do CSNU

No Brasil, em que pese o Estado adotar o dualismo na relação entre a ordem jurídica
nacional e a internacional, é possível haver decisão de organização internacional com
executoriedade imediata: esse é o caso de resolução sancionatória do CSNU.

Nos termos da 13.810/2019:

Art. 6º As resoluções sancionatórias do Conselho de Segurança das Nações Unidas e as


designações de seus comitês de sanções são dotadas de executoriedade imediata na
República Federativa do Brasil.

7
No caso da Namíbia (consequências jurídicas para os Estados da presença contínua da África do Sul na
Namíbia), a CIJ afirmou em sua opinião consultiva que a obrigatoriedade ou não dessas resoluções
depende de seus conteúdos textuais.
Art. 7º Sem prejuízo da obrigação de cumprimento imediato das resoluções sancionatórias
do Conselho de Segurança das Nações Unidas e das designações de seus comitês de
sanções, as resoluções e as designações de que trata este Capítulo, ou seus extratos, serão
publicadas no Diário Oficial da União pelo Ministério das Relações Exteriores, em língua
portuguesa, para fins de publicidade.

Art. 8º É vedado a todos os brasileiros, residentes ou não, ou a pessoas naturais, pessoas


jurídicas ou entidades em território brasileiro, descumprir, por ação ou omissão, sanções
impostas por resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas ou por designações
de seus comitês de sanções, em benefício de pessoas naturais, pessoas jurídicas ou
entidades sancionadas, inclusive para disponibilizar ativos, direta ou indiretamente, em favor
dessas pessoas ou entidades.

3. A norma jus cogens e a soft law

3.1. As jus cogens

As jus cogens são normas peremptórias de Direito Internacional geral que refletem e
protegem os valores fundamentais da comunidade internacional.

Conforme da Comissão de Direito Internacional das Nações Unidas, para que uma norma
seja identificada como uma norma peremptória (jus cogens) ela deve:

● ser uma norma de Direito Internacional geral e;


● ser aceita e reconhecida pela comunidade internacional dos Estados como
um todo como uma norma da qual não é permitida nenhuma derrogação, e que
apenas pode ser modificada por uma norma subsequente de Direito Internacional
geral da mesma natureza.

Deve-se destacar que a aceitação e o reconhecimento devem partir de uma maioria


muito grande e representativa de Estados, não havendo a necessidade de consenso
entre todos os Estados da sociedade internacional.

Por estarem contidas em distintas fontes, como costumes e tratados, não são
consideradas fontes propriamente ditas do direito internacional. Inclusive, não há menção
expressa às jus cogens no Estatuto da Corte Internacional de Justiça.

Embora não sejam consideradas fontes, essas normas criam obrigações erga omnes, ou
seja, obrigam a todos sem exceção. O fato das normas peremptórias deverem ser
respeitadas por todos e em sua totalidade resulta no não cabimento de reservas a
normas imperativas. Além disso, excludentes de ilicitude não são válidos contra jus
cogens.

O artigo 53 da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados de 1969 define a jus
cogens como uma norma imperativa da qual nenhuma derrogação é permitida e que
só pode ser modificada por norma ulterior de Direito Internacional geral da mesma
natureza.

Art. 53 da CVDT/69: (…) uma norma imperativa de Direito Internacional geral é uma norma
aceita e reconhecida pela comunidade internacional dos Estados como um todo, como norma
da qual nenhuma derrogação é permitida e que só pode ser modificada por norma ulterior de
Direito Internacional geral da mesma natureza.

Da imperatividade, resulta que, quando há incompatibilidade de uma norma qualquer


com uma jus cogens, a norma incompatível é nula.

Em caso de superveniência de uma nova norma imperativa de Direito Internacional geral,


qualquer tratado existente que estiver em conflito com essa norma torna-se nulo e
extingue-se, conforme descrito no artigo 64 da Convenção de Viena:

Art.64 da CVDT/69: Se sobrevier uma nova norma imperativa de Direito Internacional geral,
qualquer tratado existente que estiver em conflito com essa norma torna-se nulo e
extingue-se.

Ressalta-se que violação de jus cogens não pode dar origem a um direito8. Na
realidade, os Estados devem abster-se de qualquer ação que colabore com a violação a
uma jus cogens; cooperar para cessar o ato ilícito violador, e eliminar suas
consequências. Portanto, nenhum Estado deve reconhecer como lícita uma situação
criada por violação a uma norma peremptória de Direito Internacional geral.

Como refletem valores fundamentais para a comunidade internacional, as jus cogens são
apenas globais, não existindo normas peremptórias regionais.

8
Em parecer consultivo no caso Namíbia (Sudoeste Africano), a Corte Internacional de Justiça afirmou que
nenhum estado pode surgir por meio de violação de norma de jus cogens, em atendimento ao princípio ex
injuria jus non oritur.
Embora apareçam principalmente como costumes, tratados e princípios gerais do Direito também podem
servir de base para normas peremptórias de Direito Internacional geral.

Embora a definição de jus cogens seja fruto de um processo histórico, político e


social, a comunidade internacional tem se esforçado na identificação de algumas jus
cogens para conceder maior previsibilidade ao Direito Internacional. Portanto, em que
pese não haver um código internacional elencando tais normas, a Comissão de
Direito Internacional das Nações Unidas (CDI) reconheceu em uma lista não exaustiva
algumas normas de caráter peremptório.

A ver:

Anexo
1. Proibição da agressão;
2. Proibição da escravidão e do tráfico de escravos;
3. Proibição da tortura;
4. Proibição da pirataria;
5. Proibição do “apartheid” e da Discriminação Racial;
6. Princípio da autodeterminação dos povos;
7. Princípio dos fundamentos de DIP Humanitário;
8. Proibição do genocídio;
9. Proibição de crimes contra a humanidade.
Por fim, é importante lembrar que uma norma jus cogens é uma norma rígida, mas não
imutável. Ela pode ser modificada ou revogada, contanto que a norma posterior seja
outra jus cogens.

Para a doutrina majoritária, a natureza das jus cogens as situa acima das demais normas internacionais.
Entretanto, isso não significa que haja hierarquia entre as fontes. Isso ocorre devido ao fato das jus
cogens não serem fontes formais, podendo ter seu conteúdo expresso em tratados, princípios gerais de
Direito ou mesmo costumes internacionais.

Apesar das normas peremptórias não serem consideradas fonte formal de Direito
Internacional, sua importância é inegável, uma vez que refletem os valores fundamentais
da sociedade.
3.2. A soft law

A soft law, também conhecida como soft norm, é uma norma flexível que resulta da
necessidade de adaptação da Sociedade Internacional a novos temas, refletindo a
mutabilidade da política e das relações internacionais.

Em temas de difícil consenso ou que exigem resposta mais rápida, como direitos de minorias ou mesmo
temas de Direito Ambiental, o uso da soft law é flagrante.

Via de regra, a soft law não cria obrigações de direito positivo para os signatários,
possuindo natureza programática e não vinculativa. Ela é uma regra que possui um
valor normativo menos constringente, e cuja origem reside na negociação entre os
sujeitos de DIP, em organizações não governamentais (ONG), ou dentro de órgãos
técnicos de OIs. Isto é, preceitos de soft law podem ser fruto da vontade de entes que
não são possuem capacidade jurídica para celebrar tratados — muitos dos quais não são
sujeitos de DIP.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 e a Declaração de Cartagena de


1984 constituem exemplos de soft law.

Não obstante a ausência de um conteúdo imperativo, a soft law pode ser prova da opinio
juris, ou pode influenciar na formação de um costume internacional.

Vale ressaltar que a natureza jurídica das soft laws ainda não está perfeitamente
delineada. Na realidade, não há consenso na doutrina se essas regras devem ser
reconhecidas como fontes de DIP.
Bibliografia:
MELLO, Celso D. de Albuquerque. Curso de Direito Internacional Público. 15. ed. Rio de
Janeiro: Renovar, 2004.

PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves. Direito Internacional Público e Privado. 15.ed.


Salvador: Jus Podivm, 2023

SHAW, Malcolm N. Direito Internacional. São Paulo: Martins Fontes, 2010.

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