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APOSTILA ADAPTADA DO MATERIAL DESENVOLVIDO PELA SENASP PARA O

CURSO EAD FILOSOFIA DOS DIREITOS HUMANOS APLICADA À ATIVIDADE


POLICIAL
Objetivos da Disciplina
 Identificar e compreender as fontes, conceitos e princípios do direito
internacional, particularmente, aqueles relacionados aos direitos humanos,
bem como sua relação e repercussão no direito interno;
 Relacionar tais conceitos e princípios com a atividade do profissional de
segurança pública;
 Informar-se sobre a origem e o desenvolvimento histórico do Direito
Internacional dos Direitos Humanos, as vertentes da proteção internacional
da dignidade da pessoa humana, suas características e seus instrumentos de
proteção em nível nacional e internacional;
 Enumerar a conduta e as obrigações dos encarregados da aplicação da lei em
caso de captura (prisão), relacionando-as com a atividade profissional de
Segurança Pública;
 Descrever a conduta correta para com as pessoas detidas, frente ao Direito
Internacional dos Direitos Humanos (DIDH) e ao Direito Internacional
Humanitário (DIH), relacionando-a com a atividade profissional de Segurança
Pública;
 Identificar as condições exatas para o uso da força e das armas de fogo,
previstas no direito internacional, relacionando-as com a atividade
profissional de segurança pública; e
 Reconhecer as responsabilidades decorrentes das funções operacionais na
atividade de segurança pública, bem como o papel e a importância dessa
atividade na promoção e proteção dos direitos humanos.
O conteúdo está dividido nas seguintes unidades:
Unidade 1 - Arcabouço jurídico
Unidade 2 - Premissas básicas na aplicação da lei
Unidade 3 - Responsabilidades básicas da atividade policial
Unidade 4 - Poderes básicos na aplicação da lei
Unidade 5 - Comando, gestão e investigação de violações de direitos humanos.

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UNIDADE 1 – ARCABOUÇO JURÍDICO

Objetivo da unidade
Ao final desta unidade, você será capaz de:
 Conceituar o direito internacional enumerando suas fontes e entender a
responsabilidade dos Estados no âmbito internacional;
 Conceituar o Direito Internacional Humanitário, identificar suas principais
normas, entender seus princípios e explicar os âmbitos de sua aplicação; e
 Conceituar o Direito Internacional dos Direitos Humanos, explicar suas
características bem como sua relação com o trabalho policial e identificar os
principais instrumentos e normas internacionais.
Esta unidade está dividida nas seguintes aulas:
Aula 1 – Direito Internacional: conceito, fontes e responsabilidade dos Estados;
Aula 2 – Direito Internacional Humanitário;
Aula 3 – Direito Internacional dos Direitos Humanos.

AULA 1 – DIREITO INTERNACIONAL: CONCEITO, FONTES E RESPONSABILIDADE DOS


ESTADOS.
A evolução histórica da proteção dos direitos fundamentais da pessoa humana é
conquista no sentido de limitar e controlar os abusos cometidos pelo Estado e de suas
autoridades constituídas em favor da pessoa humana.
É uma ideia bastante antiga e que nos dias de hoje se cristaliza em forma de tratados
e instrumentos internacionais, e mesmo de legislação nacional. É nesse contexto que se tem
feito uso do direito internacional de modo a aprimorar e fortalecer o grau de proteção dos
direitos consagrados.
A definição clássica de direito internacional - direito internacional público - consiste
no corpo de regras que governam as relações entre os Estados, mas compreende também
normas relacionadas ao funcionamento de instituições ou organizações internacionais, a
relação entre elas e a relação delas com o Estado e os indivíduos.
Regula muitos aspectos das relações internacionais e inclui regras sobre os direitos
territoriais dos Estados (relativas a: terra, mar e espaço aéreo), proteção do meio ambiente,
comércio internacional, uso da força pelos Estados, o Direito Internacional dos Direitos
Humanos e o Direito Internacional Humanitário.
Como ensina Moraes (2000, p. 35), a necessidade primordial de proteção e
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efetividade aos direitos humanos possibilitou em nível internacional, o surgimento de uma
disciplina autônoma ao direito internacional público, denominada Direito Internacional dos
Direitos Humanos, cuja finalidade precípua consiste na concretização da plena eficácia dos
direitos humanos fundamentais, por meio de normas gerais tuteladoras de bens da vida
primordiais (vida, dignidade, segurança, liberdade, honra, moral, entre outros) e previsão de
instrumentos políticos e jurídicos de implementação dos mesmos.
Sendo assim, é possível concluir que o Direito Internacional dos Direitos Humanos é um
ramo do direito internacional público, criado para proteger a vida, a saúde, e a dignidade dos
indivíduos.
FONTES DO DIREITO INTERNACIONAL
Melo (2002, p. 113) explica que as fontes do Direito Internacional se constituem dos
modos pelos quais o Direito se manifesta, isto é, as maneiras pelas quais surge a norma
jurídica.
Atualmente, utiliza-se como referência de fonte do Direito Internacional o Artigo 38
do Estatuto da Corte Internacional de Justiça, estabelecida pela Carta das Nações Unidas
como o principal órgão judiciário das Nações Unidas:
A Corte, cuja função é decidir de acordo com o direito internacional as controvérsias
que lhe forem submetidas, aplicará:
 As convenções internacionais, quer gerais, quer especiais, que estabeleçam
regras expressamente reconhecidas pelos Estados litigantes;
 O costume internacional, como prova de uma prática geral aceita como
sendo o direito;
 Os princípios gerais de direito, reconhecidos pelas nações civilizadas;
 As decisões judiciárias e a doutrina dos juristas mais qualificados das
diferentes nações, como meio auxiliar para a determinação das regras de
direito.
A presente disposição não prejudicará a faculdade da Corte de decidir uma questão
ex aequo et bono1, se as partes com isto concordarem.
Verifica-se que o costume e os tratados, para os funcionários encarregados da
aplicação da lei são, sem dúvida, as fontes mais importantes. Apesar disso, é útil mencionar
brevemente fontes subsidiárias de direito internacional, sem, contudo, entrar em detalhes

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Expressão latina, comumente empregada na terminologia do direito para exprimir tudo o que se faz ou se
resolve, "segundo a equidade e o bem". Assim, decidir ou julgar ex aequo et bono, significa decidir ou julgar por
equidade.
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sobre estas: os princípios gerais do direito reconhecidos pelas nações civilizadas; as decisões
judiciais de cortes e tribunais internacionais; os ensinamentos dos publicistas mais
altamente qualificados das várias nações e as resoluções da Assembleia Geral da ONU.
De acordo com Rover (2005), a importância legal das resoluções da Assembleia Geral
da ONU é cada vez mais um assunto em debate. No que diz respeito ao funcionamento
interno da ONU, essas resoluções possuem efeito jurídico pleno. A questão que permanece,
no entanto, é até que ponto tais resoluções são legalmente obrigatórias aos Estados
Membros, principalmente àqueles que votaram contra as mesmas.
Os critérios importantes para se determinar a obrigatoriedade subsistem no grau de
objetividade que cerca a adoção das resoluções e, ainda mais importante, até que ponto
uma resolução pode ser considerada a expressão da consciência legal da humanidade
como um todo. Este último aspecto é ainda mais importante do que a maioria dos Estados
simplesmente adotar a resolução. As resoluções emanadas da Assembleia Geral estão
recebendo um apoio cada vez maior por parte de escritores e publicistas como um meio
subsidiário para se determinar estados de direito.
RESPONSABILIDADE DOS ESTADOS
Uma vez que um Estado assume obrigações no âmbito da comunidade internacional,
por exemplo, assinando e ratificando tratados, convenções e protocolos, muitas vezes isso
significa que concordou em cumprir suas obrigações de maneira específica (assegurando
que seu governo, sua constituição e suas leis o possibilite a cumprir suas obrigações
internacionais).
Frequentemente é esse o caso na área dos direitos humanos, onde os Estados
assumiram a responsabilidade de fazer com que certas condutas sejam consideradas crimes,
como por exemplo, a tortura e o genocídio, e de puni-las por meio de seus sistemas jurídicos
nacionais.
Um Estado não pode alegar disposições em sua Constituição ou legislação nacional como escusa
para furtar-se a cumprir suas obrigações perante o direito internacional.
Em direito internacional, a responsabilidade surge a partir da violação de qualquer
obrigação devida às normas internacionais ratificadas. Assim, todo ato ilícito internacional
por parte de um Estado resulta na responsabilidade internacional daquele Estado. Este é
tido como real quando:
 A conduta resultante de uma ação ou omissão é atribuível (imputável) ao
Estado perante o direito internacional; e

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 A conduta resulta na violação de uma obrigação internacional daquele Estado.
A responsabilidade existe nos casos onde o próprio Estado - por intermédio dos
poderes Legislativo, Executivo ou Judiciário, suas normas ou atos de qualquer outra
autoridade - é o perpetrador e em situações onde a conduta de uma pessoa ou órgão pode
ser imputada a esse Estado. O Estado não é responsável perante o direito internacional pela
conduta de uma pessoa ou grupo de pessoas que não agem em seu nome.
É um princípio do direito internacional que qualquer inobservância ou violação de um
compromisso resulta na obrigação de fazer uma reparação.
A reparação deve, tanto quanto possível, eliminar todas as consequências do ato
ilegal, e restaurar a situação que teria existido, com toda a probabilidade, não fosse o ato
cometido.

AULA 2 – DIREITO INTERNACIONAL HUMANITÁRIO (DIH)


O Direito Internacional Humanitário (DIH) é parte importante do Direito
Internacional Público e também é conhecido pelo nome de Direito dos Conflitos Armados
ou Direito da Guerra. É o conjunto de normas cuja finalidade, em tempo de conflito armado,
é por um lado, proteger as pessoas que não participam, ou que deixaram de participar nas
hostilidades, e por outro, limitar os meios e métodos de fazer a guerra.
Existe um conflito armado quando elementos de Forças Armadas adversárias
empreendem intencionalmente operações militares contra as Forças Armadas do Estado, ou
quando são atacados intencionalmente objetivos no território ou em águas territoriais de
outro Estado.
O DIH se aplica nas seguintes situações:
 Em um conflito armado internacional: conflito armado entre Estados
(inclusive se não houver sido declarada guerra formalmente, ou mesmo se
não há atividades militares);
 Quando a totalidade do território de um Estado ou parte desse tenha sido
ocupado (inclusive se não tiver havido resistência armada a essa ocupação);
 Quando povos lutam contra a dominação colonial, contra ocupação
estrangeira ou contra regimes racistas, no exercício de seu direito à livre
determinação;
 Em um conflito armado não internacional: conflito armado que se desenvolve
dentro do território de um Estado, e se as forças armadas de outro Estado não
participam das operações militares.
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O DIH não se aplica às situações de violência menor, tais como supressão de motins,
reuniões violentas, passeatas, manifestações violentas, desordens e atos isolados de
violência análogos. Esses podem ser caracterizados como distúrbios ou tensões internas.
Nesses casos se aplicará a legislação nacional do país em questão.
Por que o policial deve conhecer o Direito Internacional Humanitário na Aplicação
da Lei?
De acordo com ROVER (2005, p. 149) as situações de conflito armado não eclodem
espontaneamente. São um produto da deterioração do estado da lei e da ordem em um
país, pelos quais as organizações de aplicação da lei possuem uma responsabilidade direta.
Pela verdadeira natureza de seus deveres, o envolvimento prático dos encarregados
da aplicação da lei em casos de manifestações de violência, distúrbios e tensões, que podem
escalar em direção à guerra civil, requer deles que sejam cuidadosos – e capazes – de
integrar os princípios de direito internacional humanitário e direitos humanos em suas
operações e treinamento.
Por essa razão, para o correto desempenho de sua atividade, certo nível de
conhecimento do direito internacional humanitário é indispensável aos encarregados da
aplicação da lei.
São princípios básicos do Direito Humanitário:
 Trato Humano e não discriminação: toda pessoa deve ser tratada com
humanidade e sem discriminação (sexo, nacionalidade, raça, crença religiosa
ou política). Ex: os que estão fora de combate (combatentes que se renderam,
feridos, enfermos, náufragos, prisioneiros de guerra), detidos, pessoas civis,
pessoal sanitário e religioso.
 Necessidade Militar: toda atividade de combate deve justificar-se por
motivos militares; estão proibidas as atividades que não sejam militarmente
necessárias. São aquelas não proibidas pelo Direito Humanitário e
necessárias para derrotar o inimigo. Deve ser analisada juntamente com
os princípios de distinção e proporcionalidade.
 Limitação: as armas e os métodos de guerra que podem ser utilizados são
limitados. Estão proibidas as armas que causem sofrimentos desnecessários
ou danos supérfluos. Ex: estão proibidas aquelas que causem ferimentos de
impossível tratamento ou que causem morte lenta e cruel.
 Distinção: deve-se distinguir entre combatentes e não combatentes. Deve-se

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também distinguir entre objetivos militares (que podem ser atacados) e bens
de caráter civil (que não podem ser atacados).
 Proporcionalidade: quando são atacados objetivos militares, as pessoas civis
e os bens de caráter civil devem ser preservados o melhor possível de danos
colaterais. Não devem ser excessivos os danos colaterais com respeito à
vantagem militar direta e concreta esperada de qualquer ataque contra um
objetivo militar.
 Boa fé: deve prevalecer a boa fé nas negociações entre as partes beligerantes.
A essência do direito da guerra abrange:
 Atacar somente alvos militares;
 Poupar pessoas e objetos sujeitos à proteção que não contribuam com o
esforço militar;
 Não usar mais força do que o necessário para cumprir sua missão militar.
O DIH está dividido em Direito de Genebra e Direito de Haia.
Direito de Genebra
O Direito de Genebra trata da proteção das vítimas de guerra, sejam elas militares
ou civis, na água ou em terra. Protege todas as pessoas fora de combate, isto é, que não
participam ou não estão mais participando nas hostilidades: os feridos, os doentes, os
náufragos e os prisioneiros de guerra. As quatro Convenções de Genebra de 12 de Agosto
de 1949 constituem o conjunto dessas normas de proteção.
O Brasil ratificou as quatro Convenções em 29 de junho de 1957.
A Primeira Convenção de Genebra visa melhorar a situação dos feridos e doentes das
Forças Armadas em campanha.
A Segunda Convenção de Genebra visa melhorar a situação dos feridos, doentes e
náufragos das Forças Armadas no mar.
A Terceira Convenção de Genebra é relativa ao tratamento dos prisioneiros de
guerra. A Quarta Convenção de Genebra protege a população civil em tempo de guerra.
O Artigo 3º - comum a todas as quatro Convenções de 1949, tem sido chamado de
uma «mini-convenção» por direito próprio, pois contém regras que são aplicáveis não só a
conflitos internacionais, mas também a conflitos internos.
Essas regras são hoje consideradas como sendo regras do direito internacional
consuetudinário, isto é, uma coisa à qual os beligerantes estão obrigados,
independentemente das obrigações que eles possam ter em relação a tratados. Elas

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representam um mínimo que tem de ser observado em todas as circunstâncias.
O Direito de Haia
O direito de Haia preocupa-se mais com a regulamentação dos métodos e meios de
combate, e concentra-se na condução das operações militares. O direito de Haia é, portanto,
de interesse fundamental ao comandante militar em terra, mar e ar.
São exemplos atuais do direito de Haia, e suas ratificações pelo Brasil:
 Convenção sobre a proibição do desenvolvimento, produção, e destruição de
armas biológicas e tóxicas (1972) – Brasil: 27 de fevereiro de 1973.
 Convenção sobre proibições e restrições do emprego de certas armas
convencionais que causam danos excessivos (1980) – Brasil: 03 de outubro de
1995.
 Convenção sobre a proibição do emprego, armazenamento, produção e
transferência de minas antipessoal e sua destruição (Tratado de Ottawa –
1997) – Brasil: 30 de abril de 1999.
A aplicação do DIH em tempo de conflito armado é necessária, pois:
 Obriga juridicamente aos Estados e aos indivíduos nos Estados;
 As graves violações do DIH são consideradas crimes de guerra que podem ser
julgados perante tribunais, nacionais ou internacionais;
Você quer conhecer mais sobre o Direito Internacional Humanitário? Acesse o site do
Comitê Internacional da Cruz Vermelha no endereço: < https://www.icrc.org/pt >.

AULA 3 - DIREITO INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS (DIDH)


De acordo com Rover (2005, p. 72) um direito é um título. É uma reivindicação que
uma pessoa pode fazer para com outra de maneira que, ao exercitar esse direito, não
impeça que outrem possa exercitar o seu. Assim sendo, os Direitos Humanos são títulos
legais que toda pessoa possui como ser humano. São universais e pertencem a todos, ricos
ou pobres, homens ou mulheres.
Atualmente os direitos humanos são direitos legais - isso significa que fazem parte
da legislação. Estão tanto nos instrumentos internacionais como também são protegidos
pelas constituições e legislações nacionais da maioria dos países do mundo.
Os princípios fundamentais que constituem a legislação moderna dos direitos
humanos têm existido ao longo da história. No entanto, foi somente no século XX que a
comunidade internacional se tornou consciente da necessidade de desenvolver padrões
mínimos para o tratamento de cidadãos pelos governos.
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Conforme ensina Moraes (2000, p. 36) a evolução histórica da proteção dos direitos
humanos fundamentais em diplomas internacionais é relativamente recente, iniciando-se
com importantes declarações sem caráter vinculativo, para posteriormente assumirem a
forma de tratados internacionais, no intuito de obrigarem os países signatários ao
cumprimento de suas normas.
Os funcionários encarregados da aplicação da lei devem ser incentivados a
compreender como o direito internacional dos direitos humanos afeta o desempenho
individual de seu serviço. Isso, por sua vez, requer explicações adicionais sobre as
consequências das obrigações de um Estado perante o direito internacional para a lei e
prática nacionais.
O direito conhecido por Direito Internacional dos Direitos Humanos (DIDH) consiste
num conjunto de princípios e regras, com base nas quais os indivíduos ou grupos de indivíduos
podem esperar certa qualidade minimamente desejável de comportamento da parte das
autoridades, somente em virtude de serem seres humanos.
A Carta Internacional dos Direitos Humanos é o termo utilizado como uma referência
coletiva a três instrumentos importantes dos Direitos do Homem, a saber:
Declaração Universal dos Direitos do Homem (DUDH) (disponível em
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1930-1949/D19841.htm) - assinada pelo
Brasil em 10 de dezembro de 1948;
Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (PIDCP) (disponível em
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/D0592.htm) – ratificado pelo
Brasil em 24 de janeiro de 1992;
Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC)
(disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/D0591.htm) -
ratificado pelo Brasil em 24 de abril de 1992.
Se quiser saber mais sobre DIDH, os seguintes tratados sobre Direitos do Homem são
também importantes:
Convenção sobre a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio (disponível em
http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decleg/1950-1959/decretolegislativo-2-11-abril-1951-
351286- publicacaooriginal-124286-pl.html) – ratificada pelo Brasil em 06 de maio de 1952;
Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação
Racial (http://legis.senado.gov.br/legislacao/ListaTextoIntegral.action?id=94836) – ratificada
pelo Brasil em 27 de março de 1968;

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Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as
Mulheres (disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/D4377.htm) –
ratificada pelo Brasil em 01 de fevereiro de 1984;
Convenção contra a Tortura e Outras Penas ou Tratamentos Cruéis, (disponível em
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/D0040.htm) – ratificada pelo
Brasil em 28 de setembro de 1989;
Convenção sobre os Direitos da Criança (disponível em
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/D99710.htm) – ratificada pelo
Brasil em 24 de setembro de 1990;
Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados (disponível
em http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1960-1969/decreto-50215-28-janeiro-
1961-389887- publicacaooriginal-1-pe.html ) – ratificada pelo Brasil em 15 de novembro de
1960;
Protocolo Facultativo ao Estatuto dos Refugiados (disponível em
http://legis.senado.gov.br/legislacao/ListaTextoIntegral.action?id=96932&norma=121310) -
aderido pelo Brasil em 07 de abril de 1992.
Os funcionários encarregados de aplicar as leis devem estar familiarizados com os
relevantes sistemas de tratados regionais sobre Direitos Humanos, a saber:
A Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos (disponível em
http://www.gddc.pt/direitos- humanos/textos-internacionais-dh/tidhregionais/carta-
africa.html);
A Convenção Americana dos Direitos Humanos (disponível
em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D0678.htm) - aderida pelo Brasil em 25
de setembro de 1992;
A Convenção Europeia sobre a Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades
Fundamentais (disponível em http://www.echr.coe.int/Documents/Convention_POR.pdf).
Para aprofundar seus estudos, você pode acessar as páginas eletrônicas dos
seguintes órgãos internacionais e nacionais: ONU, ACNUR e MRE.

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UNIDADE 2 - PREMISSAS BÁSICAS NA APLICAÇÃO DA LEI
Objetivo da unidade
Ao final desta unidade, você será capaz de:
 Compreender o significado de “Estado de direito”;
 Apontar as funções e os deveres dos encarregados da aplicação da lei;
 Compreender a importância do código de conduta para os encarregados pela
aplicação da lei; e
 Compreender a importância de adotar padrões de policiamento que sejam
condizentes com a ordem democrática, bem como com a promoção e
proteção dos direitos humanos.
O conteúdo desta unidade está dividido nas seguintes aulas:
Aula 1 – Aplicação da lei nos Estados democráticos;
Aula 2 – Conduta ética e legal da aplicação da lei.

AULA 1 – APLICAÇÃO DA LEI NOS ESTADOS DEMOCRÁTICOS


DEMOCRACIA E ESTADO DE DIREITO
O termo “democracia” tem muitos significados e existem várias formas de governos
democráticos.
De acordo com Rover (1998, p. 142) é difícil chegar a uma definição satisfatória de
"democracia". A tentativa de definir democracia, provavelmente, levará ao estabelecimento
de características de um regime democrático que possam ser consideradas denominadores
comuns, independentemente do sistema vigente em determinado Estado.
Tais características incluem:
 Um governo democraticamente eleito que represente o povo - e seja
responsável perante ele;
 A existência do estado de direito - e o respeito por ele; e
 O respeito pelos direitos humanos e liberdades.
O Instituto Interamericano de Direitos Humanos (IIDH) estabelece que o Estado de
Direito é um sistema jurídico-político, no qual o poder é subordinado ao direito (leis), e que
existe amplo respeito aos direitos humanos de todas as pessoas. Cita as seguintes
características de um Estado de Direito:
 O império da lei para governantes e governados;
 O controle judicial dos atos de governo;

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 O respeito absoluto pela liberdade de todas as pessoas na jurisdição do
Estado;
 A eleição dos governantes pelo voto popular;
 A divisão de poderes;
 A responsabilidade dos governantes;
 O pluralismo político.
O Estado de Direito e a democracia são pilares fundamentais da vigência dos
direitos humanos, tornando esses dois conceitos indissolúveis e interdependentes.
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em seu artigo 1°,
estabelece que o Estado Brasileiro constitui-se em Estado Democrático de Direito, tendo
como fundamentos:
 A soberania;
 A cidadania;
 A dignidade da pessoa humana;
 Os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
 O pluralismo político.
Acrescenta, ainda, em seu Parágrafo único que:
“Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de seus representantes eleitos
ou diretamente, nos termos desta Constituição”.
Da mesma forma, o artigo 21 da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH),
estipula que: “A vontade do povo é o fundamento da autoridade do governo”, e
complementa:
“(...); esta vontade será expressa em eleições periódicas e legítimas, por sufrágio
universal, por voto secreto ou processo equivalente que assegure a liberdade de voto.”
“Toda pessoa tem o direito de tomar parte no governo de seu país, diretamente ou
por intermédio de representantes livremente escolhidos”.
“Toda pessoa tem igual direito de acesso ao serviço público do seu país.”
A existência do estado de direito e o respeito por ele origina uma situação onde os
direitos, liberdades, obrigações e deveres estão incorporados na lei para todos, em plena
igualdade, e com a garantia de que as pessoas serão tratadas equitativamente em
circunstâncias similares (ROVER 1998, p. 143)
Esse aspecto fundamental pode ser encontrado no artigo 26 do Pacto Internacional
dos Direitos Civis e Políticos, que estipula que Todas as pessoas são iguais perante a lei e

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têm direito, sem discriminação, à igual proteção da lei ..., bem como no caput do artigo 5º
de nossa Constituição Federal:
Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se
aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à
liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes. (Grifo nosso)
Você pode perceber que esses ideais são interdependentes e fundamentais para que
os direitos humanos sejam melhor protegidos pelo processo democrático e pela aplicação da
lei.
Democracia e direitos humanos caminham juntos. “Não há democracia sem direitos
humanos e não há direitos humanos sem democracia” (PIOVESAN, 2003).
APLICAÇÃO DA LEI
Ao Estado incumbe promover o bem comum, sendo essencial, para isso, a ordem
pública, que se dá por meio dos seus aspectos de salubridade, tranquilidade e segurança.
Este último aspecto objetiva a não ocorrência de delitos.
Para a manutenção dessa situação antidelitual, o Estado confere investidura pública
aos órgãos encarregados de aplicar a lei e a seus agentes, para agir em seu nome.
A principal missão dos órgãos encarregados de aplicar a lei é para servir à
comunidade, protegendo as pessoas contra atos ilegais, sendo suas responsabilidades
básicas:
 Prevenir e detectar o crime;
 Manter a ordem pública e a segurança; e
 Proporcionar assistência a pessoas em situações de emergência.
Essas funções integradas devem garantir a segurança das pessoas que vivem no
território do Estado.
O processo de fazer cumprir as leis é levado a cabo pelos funcionários encarregados
pela aplicação da lei (FEAL), que podem ser agentes da polícia, gendarmeria, guarda
municipal ou outras denominações equivalentes. No entanto, em situações específicas, as
forças militares também podem ser chamadas para cumprir com tais obrigações.
Como ensina Osse (2007, pg. 49), para garantir a segurança, os agentes de segurança
pública podem legitimamente restringir os direitos dos indivíduos, o que é chamado de
obrigações negativas; mas os agentes de segurança pública também têm a obrigação
positiva de contribuir com um ambiente no qual as pessoas se sentem livres e seguras. Para
cumprir essa missão, são outorgados aos agentes de segurança pública os seguintes poderes

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básicos: de prisão, de detenção, de uso da força e armas de fogo.
No entanto, esses poderes não são ilimitados. No cumprimento da sua missão,
agentes de segurança pública devem agir de acordo com os parâmetros da lei do Estado, que
deve ser coerente com as normas internacionais estabelecidas em instrumentos
internacionais de direitos humanos.
Conforme Vianna (2001, pg.16), os poderes de prisão, de detenção, de uso de força e
armas de fogo são meios poderosos na missão de aplicação da lei. Paradoxalmente esses
poderes também podem acarretar grandes riscos, uma vez que seu uso indevido pelos
agentes de segurança pública pode violar os direitos que devem manter e defender.
Infelizmente, muitas vezes ocorre o uso indevido desses poderes em todo o mundo.
Como as práticas ilegais ou inaceitáveis de aplicação da lei, pode-se citar: prisão ou detenção
arbitrária ou ilícita, manipulação de provas, uso excessivo da força e maus-tratos e tortura de
pessoas detidas.
Independentemente do nível que ocupam na estrutura de suas instituições, os FEAL
devem assumir responsabilidades corporativas e entender que são pessoalmente
responsáveis por suas ações. Os FEAL com responsabilidade, comando e gestão – tema que
será abordado adiante – podem realizar mudanças estruturais, como mecanismos de
controle e vigilância, e têm a responsabilidade adicional de evitar que outros funcionários
violem os direitos humanos.
Nos estados democráticos de direito, os organismos encarregados de aplicação da lei
devem agir em conformidade com o marco legal, de forma ética e render contas à sociedade
que servem.

AULA 2 – CONDUTA ÉTICA E LEGAL DA APLICAÇÃO DA LEI


Nesta aula, você aprenderá a conduta ética e legal que deverá adotar para bem
cumprir seu papel de profissional encarregado de aplicar a lei.
FUNCIONÁRIOS ENCARREGADOS DE APLICAR A LEI (FEAL)
O ambiente social global está em constante mutação e exige cada vez mais dos
Estados, de suas Instituições e de seus funcionários. As pessoas não esperam apenas que o
Estado disponibilize os melhores serviços, mas espera também que a conduta de suas
Instituições e seus funcionários seja ética e responsável.
Não basta fazer as coisas bem, é fundamental fazê-las da forma correta. A forma
como os Funcionários efetuam o seu trabalho é tão importante como o trabalho em si. É
fundamental que sua conduta seja íntegra e em conformidade com as leis e os regulamentos
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que regem as suas atividades.
Na atividade dos órgãos encarregados de aplicar a lei, esta questão deve ser tratada
com especial distinção, pois seus Funcionários Encarregados de Aplicar a Lei (FEAL) possuem
a faculdade legal para privar uma pessoa de liberdade, a exclusividade no uso da força e, em
casos extremos, de emprego de arma de fogo contra um cidadão.
O emprego desses poderes deve ajustar-se aos princípios de legalidade, necessidade
e proporcionalidade. Porém, esses três conceitos podem ser interpretados subjetivamente,
por exemplo:
No caso da legalidade, não é só importante o cumprimento estrito da lei, mas
também saber seu espírito, cabendo ao FEAL aplicar o poder discricionário.
Na hipótese de recorrer à força, o grau a ser empregado (proporcionalidade) em uma
determinada situação depende de uma avaliação subjetiva dessa necessidade (outras
opções disponíveis).
Essa avaliação subjetiva, por sua vez, não pode depender somente de uma noção
pessoal de ética, mas sim de uma ética profissional. Quando se busca um médico ou um
advogado, está se manifestando confiança nessa pessoa. O mesmo acontece quando os
cidadãos necessitam da ajuda de um FEAL. Esperam entre outras coisas, que se guarde a
confidencialidade da informação e proteção.
Para auxiliar nessa tarefa é que existem códigos, princípios, guias e manuais que
orientam a conduta desses profissionais. Alguns deles você estudará a seguir.
CÓDIGO DE CONDUTA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA OS FUNCIONÁRIOS RESPONSÁVEIS
PELA APLICAÇÃO DA LEI.
Este instrumento, o Código de Conduta das Nações Unidas para os Funcionários
Responsáveis pela Aplicação da Lei, foi adotado por intermédio da resolução 34/169, de 17
de dezembro de 1979, da Assembleia Geral das Nações Unidas.
Por meio dessa resolução, o Código de Conduta foi transmitido aos Governos com a
recomendação de que, uma consideração favorável fosse dada no que se refere à sua
utilização dentro da estrutura da legislação ou prática nacional, como um conjunto de
princípios a serem observados pelos Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei. Não é
um tratado, mas pertence à categoria dos instrumentos que proporcionam normas
orientadoras aos Governos sobre questões relacionadas com direitos humanos e justiça
criminal.
É importante notar que, como foi reconhecido por aqueles que elaboraram o código,

15
esses padrões de conduta deixam de ter valor prático, a não ser que o seu conteúdo e
significado - através de educação, treinamento e acompanhamento - passem a fazer parte
da crença de cada indivíduo encarregado da aplicação da lei.
O Código consiste em oito artigos, acompanhados por seus respectivos comentários
explicativos.

O artigo 1o estipula que “os encarregados da aplicação da lei devem sempre cumprir o dever
que a lei lhes impõe (...)”
Nos parágrafos a. e b. dos comentários do Artigo 1, a seguinte definição é fornecida:
O termo ‘Funcionários Encarregados pela Aplicação da Lei’ inclui todas as autoridades
legais, tanto nomeadas quanto eleitas, que exercem poderes policiais, especialmente
poderes de prisão e de detenção.
Nos países onde os poderes policiais são exercidos por autoridades militares, quer
estejam uniformizadas ou quer não, ou por forças de segurança do Estado, a definição de
Funcionários Encarregados pela Aplicação da Lei deve ser considerada incluindo as
autoridades desses tais serviços.

O Artigo 2o requer que os encarregados da aplicação da lei, no cumprimento do


dever, respeitem e protejam a dignidade humana, mantenham e defendam os direitos
humanos de todas as pessoas.
O Artigo 3º fornece normas relacionadas ao uso da força, nos seguintes termos:
Os Funcionários Encarregados pela Aplicação da Lei podem fazer uso da força quando
estritamente necessário e até a extensão requerida para o cumprimento de seu dever.
O Parágrafo a. dos Comentários ao artigo estabelece que o uso da força policial deveria
ser excepcional, e que, enquanto a polícia faz uso de uma tal força dentro do razoavelmente
necessário para a prevenção do crime ou para a realização ou para a assistência à detenção
legítima de delinquentes ou de cidadãos suspeitos, nenhuma outra força além dessa pode
ser usada.
O Parágrafo b. destaca que a lei nacional normalmente restringe o uso da força policial
de acordo com o princípio da proporcionalidade, e afirma que deve ser entendido que tais
princípios nacionais de proporcionalidade devem ser respeitados na interpretação daquele
artigo.
O parágrafo c. dá ênfase ao uso de armas de fogo, o qual é considerado como sendo
uma medida extrema e que qualquer esforço deveria ser feito para proibir seu uso,
especialmente contra crianças. Ele estabelece que, em geral, as armas de fogo não deveriam

16
ser usadas, a não ser quando um cidadão suspeito oferece uma resistência armada ou,
ainda, coloca em risco a vida de outras pessoas, e que medidas menos extremas não são
suficientes para detê-lo ou apreendê-lo. O mesmo parágrafo obriga à rápida apresentação de
um relatório às autoridades competentes cada vez que uma arma de fogo é utilizada pela
polícia.
As normas sobre o uso da força pelos funcionários responsáveis pela aplicação da lei,
incorporadas no artigo e nos comentários, reiteram a importância dos princípios de
proporcionalidade (a força sendo usada somente até a necessária extensão) e da
necessidade (a força sendo usada somente quando é estritamente necessária).
O terceiro parágrafo dos Comentários exclui a utilização das armas de fogo por
qualquer outra razão que não seja a legítima defesa. O significado da exigência, como
expressa naquele parágrafo, pela qual um relatório deve ser apresentado quando uma arma
de fogo é disparada por um policial, é parte do processo para assegurar uma
responsabilidade efetiva da polícia para com seus atos. Não se trata de uma mera
formalidade. É de fato um elemento importante na investigação obrigatória que segue uma
morte causada por uma autoridade policial, e pode agir como uma dissuasão contra o uso
ilegítimo de armas de fogo pela polícia.
Como se verifica, o poder do uso da força e emprego de armas de fogo pelos FEAL têm
implicações de grande alcance e profundidade e, por essa razão, foi elaborado um
instrumento internacional específico que estabelece princípios para seu emprego. Este
documento, denominado Princípios Básicos sobre o Uso da Força e Armas de Fogo foi
adotado pelo Oitavo Congresso das Nações Unidas sobre a Prevenção do Crime e o
Tratamento de Infratores em 07 de setembro de 1990.

O artigo 4o estipula que os assuntos de natureza confidencial em poder dos


encarregados da aplicação da lei devem ser mantidos confidenciais, a não ser que o
cumprimento do dever ou a necessidade de justiça exijam estritamente o contrário.
Em relação a esse artigo, é importante reconhecer o fato de que, devido à natureza
das suas funções, os encarregados da aplicação da lei se veem em uma posição na qual
podem obter informações relacionadas à vida particular de outras pessoas, que podem ser
prejudiciais aos interesses ou reputação dessas. A divulgação dessas informações só pode ser
feita com o fim de suprir as necessidades da justiça ou o cumprimento do dever. Fora disso, é
imprópria, e os encarregados da aplicação da lei devem abster-se de fazê-lo.

O artigo 5o reitera a proibição da tortura ou outro tratamento ou pena cruel,

17
desumano ou degradante.

O artigo 6o diz respeito ao dever que os encarregados da aplicação da lei têm de


cuidar e proteger a saúde das pessoas privadas da sua liberdade, que estão sob sua tutela.

O artigo 7o proíbe os encarregados da aplicação da lei de cometer qualquer ato de


corrupção, Também devem opor-se e combater rigorosamente esses atos.

O artigo 8o trata da disposição final exortando os encarregados da aplicação da lei a


respeitar a lei e a este Código. Os encarregados da aplicação da lei são incitados a prevenir e
se opor a quaisquer violações da lei e do código. Em casos onde a violação do código é (ou
está para ser) cometida, os encarregados da aplicação da lei devem comunicar o fato aos
seus superiores e, se necessário, a outras autoridades apropriadas ou organismos com
poderes de revisão ou reparação.
Princípios Orientadores para a Aplicação Efetiva do Código de Conduta para os
Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei
Com o objetivo de promover a aplicação do citado Código de Conduta, o Conselho

Econômico e Social das Nações Unidas, em 24 de maio de 1989, por ocasião de sua 15a
sessão plenária, adotou os Princípios Orientadores para a Aplicação Efetiva do Código de
Conduta para os Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei, que prevê uma série de
providências, dentre as quais se destacam:
 Os princípios consagrados no Código deverão ser incorporados na legislação e
práticas nacionais [...]
 Os Governos devem adotar as medidas necessárias para que os funcionários
responsáveis pela aplicação da lei recebam instrução, no âmbito da formação
de base e de todos os cursos posteriores de formação e de aperfeiçoamento,
sobre disposições da legislação nacional relativas ao Código assim como
outros textos básicos sobre a questão dos direitos do homem[...]
REMUNERAÇÃO E CONDIÇÕES DE TRABALHO.
Todos os funcionários responsáveis pela aplicação da lei devem ser satisfatoriamente
remunerados e se beneficiar de condições de trabalho adequadas [...].
DISCIPLINA E SUPERVISÃO.
Devem ser estabelecidos mecanismos eficazes para assegurar a disciplina interna e o
controle externo assim como a supervisão dos funcionários responsáveis pela aplicação da
lei [...].

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IMPLEMENTAÇÃO DO CÓDIGO
O Código deve estar à disposição de todos os funcionários responsáveis pela
aplicação da lei e das autoridades competentes na sua própria língua[...]
IMPORTANTE!
O Comitê Internacional da Cruz Vermelha tem contribuído significativamente com a
difusão dessas normas, através da capacitação de profissionais de várias Forças Policiais e de
Segurança pelo Mundo e mais recentemente com o trabalho de Integração das Normas
Internacionais de Direitos Humanos aplicáveis às Funções Policiais, nas matrizes curriculares
de Cursos de Formação, na área de Treinamento e na área de Doutrina Policial de algumas
Polícias no Brasil e outros Países Latino- Americanos, com os quais firmou convênio para
esse fim.

19
UNIDADE 3 - RESPONSABILIDADES BÁSICAS DA ATIVIDADE POLICIAL

Ao final desta unidade, você será capaz de:


 Identificar as principais normas internacionais de direitos humanos, relativas
à atividade de prevenção e detecção do crime e explicar sua relevância para a
atividade policial;
 Identificar os princípios do direito internacional de direitos humanos que
delimitam as práticas de aplicação da lei, tais como: a presunção da inocência;
o direito de todas as pessoas a um julgamento justo, e o respeito pela
dignidade, honra e privacidade;
 Conceituar ordem pública e identificar os poderes da administração pública,
em especial o Poder de Polícia;
 Citar as principais normas e instrumentos nacionais e internacionais que são
referência de aplicação em caso de distúrbios e tensões internas;
 Relacionar os Princípios Básicos do Uso da Força e Armas de Fogo com as
situações de distúrbios e tensões internas;
Esta unidade está dividida nas seguintes aulas:
Aula 1 – Prevenção de detecção do crime;
Aula 2 – A manutenção da ordem pública;
Aula 3 – Princípios Básicos do Uso da Força e da Arma de Fogo X distúrbios e tensões
internas;

AULA 1 – PREVENÇÃO E DETECÇÃO DO CRIME


De acordo com Rover (2005), a prevenção e detecção do crime estão entre as áreas
de interesse imediato das organizações de aplicação da lei em todo o mundo.
O crime é inerente à vida quotidiana e as organizações de aplicação da lei fazem o
máximo para erradicar sua ocorrência. Entretanto, o número de crimes solucionados pela
polícia é menor que o número de crimes praticados.
A responsabilidade pela prevenção e detecção do crime é atribuída primariamente
às organizações policiais, mas a prevenção e detecção efetivas do crime também dependem
muito dos níveis existentes e da qualidade da cooperação entre a organização de aplicação
da lei e a comunidade (políticos, membros do judiciário, grupos comunitários, corporações
públicas e privadas, bem como indivíduos) a que essa serve.
Esse ponto é bastante claro na Constituição brasileira de 1988:
20
Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é
exercida para a prevenção da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio
(...)
É claro que nas suas tarefas de prevenir e detectar crimes, a polícia deve respeitar
os Direitos Humanos em todas as ocasiões. Por isso uma prevenção e detecção de crimes
devem basear-se em práticas e tácticas legais e não arbitrárias.
Princípios de DIDH e as práticas de aplicação da lei
Dentre os princípios do Direito Internacional de Direitos Humanos que delimitam as
práticas de aplicação da lei com esse intuito, é possível ressaltar os seguintes:
 A presunção da inocência;
 O direito de todas as pessoas a um julgamento justo;
 O respeito pela dignidade, honra e privacidade.
A presunção da inocência
Esse direito está consagrado em vários instrumentos e normas internacionais das
quais destacamos:
O artigo 11 da Declaração Universal dos Direitos Humanos:
Artigo XI.
Todo ser humano acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido
inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento
público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa.
O artigo 14 do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos
Toda pessoa acusada de um delito terá direito a que se presuma sua inocência
enquanto não for legalmente comprovada sua culpa.
O artigo 7 da Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos
Toda a pessoa tem direito a que a sua causa seja apreciada. Esse direito compreende:
b) O direito de presunção de inocência, até que a sua culpabilidade seja estabelecida
por um tribunal competente;
O artigo 8 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos
Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto
não se comprove legalmente sua culpa.
O artigo 6 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem
Qualquer pessoa acusada de um crime deve presumir-se inocente até que seja
legalmente considerada culpada.

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Também a Constituição brasileira faz esta previsão em seu artigo 5º, LVII:
LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal
condenatória;
Como é possível verificar, o direito da presunção da inocência está contido em vários
instrumentos e normas internacionais e nacionais, do que se entende:
 A culpabilidade ou a inocência só podem ser determinadas por um tribunal
regularmente constituído, com base em um processo regular no âmbito do
qual tenham sido concedidas ao acusado todas as garantias necessárias para
a sua defesa;
 O direito à presunção de inocência, até prova em contrário, é essencial para
garantir um julgamento justo.
Rover (2005) reforça esse entendimento enfatizando que uma das tarefas primárias
na aplicação da lei é a de trazer os infratores à justiça e não compete aos encarregados da
aplicação da lei decidir sobre a culpa ou inocência de uma pessoa capturada por um delito.
Sua responsabilidade é registrar, de forma correta e objetiva, todos os fatos relacionados a
um crime cometido. Os encarregados da aplicação da lei são responsáveis pela busca de
fatos, ao passo que o judiciário é o responsável pela apuração da verdade (analisando esses
fatos com o propósito de determinar a culpa ou inocência da(s) pessoa(s) acusada(s)).
O DIREITO DE TODAS AS PESSOAS A UM JULGAMENTO JUSTO.
Em relação ao direito a um julgamento justo, tem-se que ter em mente que essa
garantia se aplica tanto aos processos civis, como aos criminais e administrativos.
É imprescindível oferecer às partes do processo o direito à ampla defesa e ao
contraditório, ou seja, dar às partes a chance de contra argumentar e expor os argumentos
de sua defesa.
Esse direito está consagrado no artigo 10 da Declaração Universal dos Direitos do
Homem:
Todo ser humano tem direito, em plena igualdade, a uma justa e pública audiência
por parte de um tribunal independente e imparcial, para decidir sobre seus direitos e
deveres ou do fundamento de qualquer acusação criminal contra ele.
O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos em seu artigo 14 estabelece
disposições e uma série de garantias mínimas consideradas necessárias para assegurar o
direito a um processo justo. Essas garantias mínimas foram incorporadas na legislação da
maioria dos países do mundo.

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O Respeito pela Dignidade, Honra e Privacidade.
De acordo com Rover (2005), as ações e investigações conduzidas por policiais na
prevenção ou detecção do crime conduzirão a situações em que muitas das ações tomadas
resultarão na invasão da esfera privada de indivíduos.
Há que se ter em conta que todos os países têm um código do processo penal ou
orientações que definirão os poderes de investigação e as competências dos policiais e seu
alcance prático.
Veja a seguir alguns dispositivos internacionais que preveem a proteção da
privacidade, a honra e a reputação dos indivíduos.
Declaração Universal dos Direitos do Homem:
Artigo 12: Ninguém será sujeito à interferência em sua vida privada, em sua família,
em seu lar ou em sua correspondência, nem a ataque à sua honra e reputação. Todo ser
humano tem direito à proteção da lei contra tais interferências ou ataques.
Convenção Americana sobre Direitos Humanos:
Artigo 11: Proteção da Honra e da Dignidade
Toda pessoa tem direito ao respeito de sua honra e ao reconhecimento de sua
dignidade.
Ninguém pode ser objeto de ingerências arbitrárias ou abusivas em sua vida privada,
na de sua família, em seu domicílio ou em sua correspondência, nem de ofensas ilegais à sua
honra ou reputação.
Toda pessoa tem direito à proteção da lei contra tais ingerências ou tais ofensas.
Você já deve ter percebido que essas normas têm repercussões óbvias sobre as ações
e investigações policiais. Como exemplo, podemos citar as revistas e buscas de pessoas,
instalações, veículos e outros bens, bem como a interceptação de correspondência,
mensagens telefônicas e outras comunicações. Todas essas ações deverão respeitar
escrupulosamente a lei e ser absolutamente necessárias para fins legítimos de aplicação
da lei.
Outro instrumento internacional que você estudou no unidade 2 é o Código de
Conduta para os Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei onde a proteção da
intimidade é reforçada pelas disposições do artigo 4º que estabelece:
Artigo 4.º
As informações de natureza confidencial em poder dos funcionários responsáveis
pela aplicação da lei devem ser mantidas em segredo, a não ser que o cumprimento do
dever ou as necessidades da justiça estritamente exijam outro comportamento.
23
Comentário:
Devido à natureza dos seus deveres, os funcionários responsáveis pela aplicação da
lei obtêm informações que podem relacionar-se com a vida particular de outras pessoas ou
ser potencialmente prejudiciais aos seus interesses, e especialmente à sua reputação. Deve-
se ter a máxima cautela na salvaguarda e utilização dessas informações, as quais só devem
ser divulgadas no desempenho do dever ou no interesse. Qualquer divulgação dessas
informações para outros fins é totalmente abusiva.
As responsabilidades dos policiais e suas práticas de aplicação da lei nessa área
requerem supervisão estrita, tanto internamente na organização (superiores hierárquicos e
corregedoria) como um controle externo (ouvidorias de polícia, Ministério Público entre
outros). O registro e controle das ações é fundamental, pois permitirão que um juízo justo e
imparcial seja feito a respeito de sua legitimidade e não arbitrariedade, quando um caso em
particular vier a julgamento.
Rover (2005) ressalta que a prevenção e detecção do crime são áreas da aplicação da
lei que exigem padrões altos de moralidade e ética dos policiais, pois é justamente na
condução de investigações que se verificam grande parte das violações dos direitos e
liberdades individuais das pessoas capturadas e/ou detidas. Cita como exemplos: o
preconceito por parte dos encarregados das investigações, o uso de provas obtidas por meio
de práticas ilícitas, a pressão sutil sobre a pessoa acusada para obter testemunho.
Nesse viés, o modo como você e seus colegas desempenham sua atividade
profissional é que dará a exata noção do que significará a presunção da inocência, um
julgamento justo e o respeito pela dignidade da pessoa humana. O modo profissional de se
trabalhar resultará na contribuição individual para os resultados coletivos e a imagem da sua
corporação como um todo.
É possível concluir que a polícia e outros profissionais encarregados pela aplicação da
lei são, muitas vezes, a primeira linha de defesa dos direitos fundamentais da pessoa
humana e, agindo assim, reforçam a noção de Estado Democrático de Direito.

AULA 2 - A MANUTENÇÃO DA ORDEM PÚBLICA


A Ordem Pública
Entre os princípios mais importantes da vida em sociedade está o de "Ordem
Pública".
Rover (2005) explica que a paz, a estabilidade e a segurança de um país dependem,
24
em larga escala, da capacidade de suas organizações de aplicação da lei em fazer cumprir a
legislação nacional e de forma eficaz. Ressalta que policiar ocorrências de vulto, inclusive
reuniões e manifestações, requer mais do que a compreensão das responsabilidades legais
dos participantes de tais eventos. Requer, também, a compreensão simultânea dos direitos,
obrigações e liberdades perante a lei daquelas pessoas que deles não participam.
Conclui o autor afirmando que uma das descrições da essência da manutenção da
ordem pública é permitir a reunião de um grupo de pessoas que exercitam seus direitos e
liberdades legais sem infringir os direitos de outros, enquanto, ao mesmo tempo, assegurar
a observância da lei por todas as partes.
Lazzarini (2001) escreve que o homem é o cidadão que vive em uma determinada
sociedade, certo que o fato de ser cidadão propicia a cidadania, ou seja, condição jurídica
que podem ostentar as pessoas físicas e morais, que, por expressar o vínculo entre o Estado
e seus membros, implica, de um lado, submissão à autoridade e, de outro, o exercício de
direito, porque, o cidadão é membro ativo de uma sociedade política independente.
O vínculo entre o Estado e seus cidadãos, com submissão destes à autoridade do
Estado, há de estar disciplinado por princípios jurídicos que informam, em especial, as
atividades administrativas, inclusive as desenvolvidas no Poder Legislativo e no Poder
Judiciário e as do Poder Executivo.
No conjunto do ordenamento jurídico de um Estado, é muito comum falar-se em leis
de ordem pública. As leis são os preceitos escritos, formulados pelas autoridades
constituídas com poder de legislar. As leis de ordem pública são as que vão estabelecer
princípios indispensáveis à vida e manutenção e preservação do próprio Estado. Ao contrário,
as leis de ordem privada são, principalmente, concernentes aos interesses de ordem
particular, regulando as relações dos indivíduos entre si ou deles com o Estado.
As ideias que surgem do conceito de ordem pública são as de vida em paz, bem-
estar social, cooperação dos membros de uma sociedade para o convívio harmonioso e
que todos possam se desenvolver plenamente em suas potencialidades, exercerem seus
direitos, tendo a garantia de poder invocar a proteção de um órgão superior do Estado no
caso de violações dos mesmos.
O estado de paz e harmonia de uma sociedade quando se submete ao respeito das
normas estabelecidas pelo estado, entre as liberdades e direitos individuais e o interesse
geral, cuja ruptura impossibilite a convivência e o cumprimento dos fins do estado e de suas
instituições (RAMIREZ, p. 12).
É a situação e o estado de legalidade normal, em que as autoridades exercem suas
25
precípuas atribuições, os cidadãos estão em harmonia, respeitando as regras formais de
coexistência. A ordem pública não se confunde com a ordem jurídica, embora tenha a sua
existência dela derivada. (KLINGER, 1983).
Ordem Pública: conjunto de regras formais, que emanam do ordenamento jurídico
da Nação, tendo por escopo regular as relações sociais de todos os níveis, do interesse
público, estabelecendo um clima de convivência harmoniosa e pacífica, fiscalizado pelo Poder
de Polícia, e constituindo uma situação ou condição que conduza ao bem comum. (R-200).
Entretanto, existem situações em que pessoas ou coletividades não se submetem ou
não querem submeter-se à autoridade estatal, podendo ocorrer, dessa forma, uma ruptura
no cumprimento e na obediência das normas legais e sociais. Neste momento, o Estado tem a
incumbência de manter e preservar esta ordem social, em favor da coletividade. Um dos
meios mais comumente utilizados para restaurar essa ordem violada na administração
pública é a Polícia, e, em casos extremos onde a instituição policial é deficitária ou
insuficiente, atribui-se essas funções às forças militares (Forças Armadas).
Nesse caso, as forças militares desempenham funções na comunidade civil que
habitualmente são incumbência dos funcionários responsáveis pelo cumprimento da lei
(polícia). As forças militares devem aplicar as normas legais que regem a atuação dos
funcionários responsáveis pelo cumprimento da lei, especialmente com relação ao uso da
força e das armas de fogo.
Deve-se prestar atenção especial à instrução dos militares antes de empreender
uma operação de segurança interna. Contudo, apesar de realizarem tarefas relacionadas com
o fato de fazer cumprir a lei, perdura a essencialidade da força militar. Os membros das
Forças Armadas não são policiais quando realizam uma operação de segurança interna;
eles apenas ajudam a polícia a manter a ordem pública.
As forças militares que participam de operações de segurança interna não
necessitam receber instruções a respeito de toda a gama de capacidades e poderes
relacionados com a polícia, tal como a investigação do delito. Contudo, devem receber
instrução efetiva a respeito dos poderes fundamentais relacionados com o fato de cumprir a
lei: uso da força, prisão e detenção.
Surge, assim, a necessidade da intervenção do Estado para realizar a manutenção da
ordem pública violada e assegurar o estado de legalidade impedindo a ruptura dessa
mesma ordem, velando para que as leis e normas decorrentes sejam observadas.
A manutenção é ação; manutenção da ordem pública é ação inerente a órgão policial
no campo da Segurança Pública.
26
Verifica-se que o tema da manutenção da ordem pública é abordado em vários
manuais policiais como sinônimo de controle da ordem pública e operações de controle de
distúrbios civis. Já em manuais militares aparece como sinônimo de operações de segurança
interna [operaciones de seguridad interna / Internal security operations], Operações de
garantia da lei e da ordem, Low intensity Operations [operações de baixa intensidade],
Operations other than war [operações – militares – distintas da guerra], Military operations
other than war (MOOTW) [outras operações militares que não sejam a guerra] – muito
utilizada pelas fontes norte-americanas, entre outras.
Não existe uma definição padrão para as operações de segurança interna.
Utilizaremos a seguinte: Operações que impliquem o emprego de forças armadas em apoio
às autoridades civis com a finalidade principal de manter e restabelecer a ordem. (ROBERTS,
2002)
Manutenção da Ordem Pública: é o exercício dinâmico do Poder de Polícia, no
campo da segurança pública, manifestado por atuações predominantemente ostensivas,
visando a prevenir, dissuadir, coibir ou reprimir eventos que violem a ordem pública.
Perturbação da Ordem: abrange todos os tipos de ação, inclusive as decorrentes de
calamidade pública que, por sua natureza, origem, amplitude e potencial possam vir a
comprometer na esfera estadual, o exercício dos poderes constituídos, o cumprimento das
leis e a manutenção da ordem pública, ameaçando a população e propriedades públicas e
privadas. (R-200)
No conceito de Lazzarini (2001), o ramo do Direito que deve instrumentalizar tudo
isso em termos de Administração Pública é o Direito Administrativo. Este como principal
ramo do Direito Público, infraconstitucional, relaciona-se com os denominados “Direitos
Humanos Fundamentais”, considerados por Moraes (2000) como sendo:
O conjunto institucionalizado de direitos e garantias do ser humano que tem por
finalidade básica o respeito à sua dignidade, por meio de sua proteção contra o arbítrio do
poder estatal e o estabelecimento de condições humanas de vida e desenvolvimento da
personalidade humana.
Poderes da Administração Pública
Como poderes instrumentais da Administração Pública têm-se o poder vinculado,
discricionário, hierárquico, disciplinar, regulamentar e o de polícia, não se podendo
considerar como poder o arbítrio, porque este significa extrapolar os limites da legalidade
na manifestação da vontade do órgão administrativo, no que se diferencia do discricionário
que, nos critérios de conveniência e oportunidade, sujeita-se aos princípios da legalidade, da
27
realidade e da razoabilidade.
Embora não se possa dizer da prevalência de um sobre outro poder instrumental, é
forçoso reconhecer que o Poder de Polícia – do qual decorre o poder da polícia e a própria
razão da existência da polícia, como força pública do Estado – é um dos mais importantes
desses poderes administrativos, como se examinará em especial na realização plena dos
direitos de cidadania, que envolve o exercício efetivo e amplo dos direitos humanos, nacional
e internacionalmente assegurados.
É o poder que exerce a administração pública sobre todas as atividades e bens que
afetam ou possam afetar a coletividade.
O Estado, por intermédio de suas polícias, deve zelar e velar pelo bem-estar coletivo e
dos cidadãos em particular, cabendo-lhe, como consequência, o direito-dever ou, até
mesmo, o dever-poder de tudo fazer na defesa desses direitos. (MAGALHÃES, 1987, p. 61).
O Poder de Polícia
Poder de polícia é a competência institucional que a administração pública tem
para impor restrições a certas atividades privadas e obrigar ou proibir determinadas formas
de utilização das coisas, tendo em vista o bem comum.
Consiste numa limitação do exercício da liberdade e da propriedade dos indivíduos
para que, no uso delas, os membros da coletividade se mantenham ajustados a padrões
compatíveis com os objetivos sociais. O Estado cumpre sua missão de defensor e propagador
dos interesses gerais, coibindo os excessos e prevenindo as perturbações à ordem jurídico-
social. (MEIRELLES 1997, p. 115).
Marques (2001) explica que o poder de polícia é a denominação de um dos poderes
concedidos ao Estado para atuar, no uso de sua função social, em benefício da ordem
jurídica e socioeconômica vigente. Usando esse poder, a Administração estabelece medidas,
mesmo que restritivas aos direitos individuais, que se tornam necessárias para a
manutenção e segurança da ordem, da moralidade social e da saúde pública, visando, em
última instância, assegurar a própria liberdade individual, a propriedade pública e privada e o
bem- estar coletivo.
Na visão de Meireles (1997), “Poder de polícia é a faculdade de que dispõe a
Administração Pública para condicionar e restringir o uso e gozo de bens, atividades e
direitos individuais, em benefício da coletividade ou do próprio Estado”.
Para o autor, ele é o mecanismo de frenagem de que dispõe a administração pública
para conter os abusos do direito individual. O Estado detém a atividade dos particulares
que se revelar contrária, nociva ou inconveniente ao bem-estar social, ao desenvolvimento e
28
à segurança nacional.
Atributos do Poder de Polícia
Meirelles (1997) e Marques (s.d) apontam como sendo três os atributos ou
características do Poder de Polícia:
Discricionariedade: traduz-se na livre escolha e conveniência de a administração
exercer o poder de polícia, bem como aplicar as sanções e empregar os meios conducentes a
atingir o fim colimado, que é a proteção de algum interesse público. Ela é legítima desde que
o ato da polícia administrativa se contenha nos limites legais e a autoridade se mantenha na
faixa de opção que lhe é atribuída.
Na maioria dos Estados, os encarregados de aplicação da lei (...) têm poderes
discricionários de captura, detenção e do uso da força e de armas de fogo, e podem exercê-
los em qualquer situação de aplicação da lei (ROVER, 2005).
Esse poder pode se tornar um problema se o policial não for bem preparado. Beato
faz crítica a esse poder ao afirmar que um dos aspectos mais difíceis no gerenciamento das
atividades policiais é o grau de discricionariedade dos policiais nas ruas. O autor alega que
esse problema adquire contornos dramáticos quando se trata de avaliar a necessidade ou
não do uso de força letal pelos policiais. No dia a dia da atividade policial, esses extremos
não são tão frequentes. As decisões dos policias acerca de quando se deve ou não acionar as
leis para a manutenção da ordem determinam os próprios limites da implementação da lei.
Policiais detêm uma larga margem de decisão acerca de quando acionar ou não as leis. A
visibilidade dessas decisões é frequentemente baixa, e raramente são sujeitas a mecanismos
de supervisão por parte de superiores.
Meirelles (1997, p. 120), ao tratar do assunto, afirma que “Discricionariedade não se
confunde com arbitrariedade. Discricionariedade é liberdade de agir dentro dos limites
legais; arbitrariedade é ação fora ou excedente da lei, com abuso ou desvio de poder”. O ato
arbitrário é sempre ilegítimo e inválido, portanto nulo.
Autoexecutoriedade: É a faculdade da administração em decidir e executar
diretamente sua decisão por seus próprios meios, sem intervenção do Judiciário. A
administração impõe diretamente as medidas ou sanções de polícia administrativa
necessárias à contenção da atividade antissocial que visa a obstar. Esse princípio autoriza a
prática do ato de polícia administrativa pela própria administração, independentemente de
mandato judicial.
Para Marques (s.d), a executoriedade permite à Administração executar diretamente
a sua decisão pelo uso da força. E, em decorrência desse atributo, que a Administração
29
imponha aos seus administrados atos decorrentes do Poder de Polícia e os pratique, imediata
e diretamente, sem a interveniência do Poder Judiciário, embora tenha que, posteriormente,
sujeitar-se ao controle de legalidade.
Coercibilidade: É a imposição coativa das medidas adotadas pela administração.
Todo ato de polícia é imperativo, obrigatório para seu destinatário, admitindo até o
emprego da força pública para seu cumprimento, quando resistido pelo administrado.
Segundo Meirelles (1997, p. 122), “Não há ato de polícia facultativo para o particular, pois
todos eles admitem a coerção estatal para torná-los efetivos, e essa coerção também
independe de autorização judicial”. É a própria administração que determina e faz executar
as medidas de força que se tornarem necessárias para a execução do ato ou aplicação da
penalidade administrativa resultante do exercício do poder de polícia.
Para Marques (s.d.), “A coercibilidade [...] é indissociável da autoexecutoriedade. O
ato de polícia só é autoexecutório porque é dotado de força coercitiva. É a necessidade de
se ver as medidas adotadas pela administração através dos meios de coerção”.
Sobre o atributo da coercibilidade Meirelles (1997, p. 120) diz que:
O atributo da coercibilidade do ato de polícia justifica o emprego da força física
quando houver oposição do infrator, mas não legaliza a violência desnecessária ou
desproporcional à resistência, que em tal caso pode caracterizar o excesso de poder e abuso
de autoridade nulificadores do ato praticado e ensejadores das ações civis e criminais para
reparação do dano e punição dos culpados.
Moreira Neto (1987, p.11) afirma em sua obra que o poder de polícia, com seus
instrumentos, a discricionariedade e a executoriedade são o tripé do direito administrativo
da segurança pública. O Poder de Polícia e a Segurança Pública confundida, de um lado, com
a ordem jurídica e, de outro, com a ordem nas ruas, o conceito de ordem pública mereceu
exaustivos debates. Embora toda violação à ordem jurídica possa caracterizar-se como uma
violação à ordem pública, a recíproca não é verdadeira, o que demonstra que esse conceito
tem matizes meta- jurídicos que, não obstante, referem-se às vigências sociais essenciais à
convivência harmoniosa e pacífica, como a moral e os costumes.
Para Moreira Neto (1987, p.13), “Ordem Pública, objeto da Segurança Pública, é a
situação de convivência pacífica e harmoniosa da população, fundada nos princípios éticos
vigentes na sociedade”.
Sobre Segurança Pública, Moreira Neto (1987, p.19) diz que o Estado atua
juridicamente na sua vertente normativa, estabelecendo as leis que a disciplinarão, e na
sua vertente jurisdicional, aplicando a lei aos casos contenciosos e, em especial, impondo a
30
pena criminal.
Na vertente administrativa, o Estado atua aplicando a lei para restabelecer a ordem
violada, de forma discricionária e executória. É nessa atuação que se denomina a atividade
de polícia de segurança pública, exercendo o Estado o poder de polícia administrativa.
Na Segurança Pública, o Estado atua pelo poder de polícia, exercitado em suas quatro
modalidades de ação (AGU):
 A ordem de polícia: geralmente um comando negativo, contém-se num
preceito, que, necessariamente, nasce da lei, pois se trata de uma reserva
legal (art. 5º, II Constituição Federal 1988), e pode ser enriquecido
discricionariamente, consoante as circunstâncias, pela Administração;
 O consentimento de polícia: que subordina certas atividades a um controle
prévio. Quando couber, será a anuência, vinculada ou discricionária, do
Estado com a atividade submetida ao preceito vedativo relativo, sempre que
satisfeitos os condicionamentos exigidos;
 A fiscalização de polícia: é uma forma ordinária e inafastável de atuação
administrativa que se dá para verificar o cumprimento das ordens ou a
observância das condições do consentimento. No caso específico da atuação
da polícia de preservação da ordem pública, é que toma o nome de
policiamento;
 A sanção de polícia: é a atuação administrativa autoexecutória que se destina
à repressão da infração. No caso da infração à ordem pública, a atividade
administrativa, autoexecutória, no exercício do poder de polícia, esgota-se no
constrangimento pessoal, direto e imediato, na justa medida para
restabelecê-la, ou seja, o direito, o costume e moral.

AULA 3 - PRINCÍPIOS BÁSICOS DO USO DA FORÇA E DA ARMA DE FOGO X DISTÚRBIOS E


TENSÕES INTERNAS
Direito de reunião e manifestação nos países democráticos e onde impera o Estado
de Direito, uma consequência lógica dessa democracia e liberdade é o direito que as pessoas
têm de saírem às ruas pacificamente em passeatas ou manifestações para expressar suas
opiniões e sentimentos publicamente, sobre qualquer tema que considerem importante.
Os instrumentos e normas internacionais preveem certo número de direitos e
liberdades, que se aplicam às reuniões, manifestações, passeatas e eventos similares.
Tomemos por exemplo o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (PIDCP):
31
 O direito de ter opiniões próprias sem interferência (PIDCP, art.19.1);
 O direito à liberdade de expressão (PIDCP, art. 19.2);
 O direito à reunião pacífica (PIDCP, art. 21);
 O direito à liberdade de associação (PIDCP, art. 22.1).
Entretanto, nenhum direito pode ser exercido sem limites. Ao exercício desses
direitos podem ser impostas restrições, desde que legítimas e necessárias, para que se
respeite:
 O direito à reputação de outrem (PIDPC, art. 19.3.a);
 A proteção da segurança nacional ou da ordem pública (PIDPC, art. 19.3.b) ;
 A saúde pública e moral (PIDPC, art. 21);
 As restrições previstas em lei e que se façam necessárias (PIDPC, art. 22.2).
Além dos artigos citados, a segurança pública pode ser uma razão legítima para
restrição do direito à liberdade de reunião pacífica e à liberdade de associação.
O mesmo pode ser observado se você fizer a leitura atenta do artigo 29 (1 e 2) da
Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH):
Artigo 29
Todo ser humano tem deveres para com a comunidade, na qual o livre e pleno
desenvolvimento de sua personalidade é possível.
No exercício de seus direitos e liberdades, todo ser humano estará sujeito apenas às
limitações determinadas pela lei, exclusivamente com o fim de assegurar o devido
reconhecimento e respeito dos direitos e liberdades de outrem e de satisfazer as justas
exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar de uma sociedade democrática.
De modo idêntico, encontramos na Convenção Americana de Direitos Humanos
(Pacto de San José) em seu art. 32:
Toda pessoa tem deveres para com a família, a comunidade e a humanidade.
Os direitos de cada pessoa são limitados pelos direitos dos demais, pela segurança de
todos e pelas justas exigências do bem comum, em uma sociedade democrática.
O equilíbrio está justamente no fato de que a cada direito corresponde a uma
obrigação, e estas estão, nesse caso, nos deveres da pessoa humana para com a comunidade
na qual está inserida. Lembrando sempre que as limitações devem ser sempre legais e não
arbitrárias.
A violência
Em toda sociedade podem surgir situações especiais e excepcionais que podem

32
colocar em perigo a ordem pública, a segurança das pessoas e, em última instância, o
próprio Estado. São circunstâncias provocadas por conflitos armados, distúrbios civis ou
desastres naturais, que requerem do Estado uma atuação especial para restaurar a ordem e
a normalidade.
A ruptura da condição normal da ordem pública associa-se, muitas vezes, à ideia de
violência que ultrapassa aquela dos tempos “normais” * (CAPUTO, 1996).
* Por violência “normal” entenda-se, por exemplo, a delinquência comum de todos
os dias, ou em outro plano, as medidas da repressão corrente que desempenha o
aparelhamento policial nos limites do consentimento legal.
As Nações Unidas (2001) classificam e definem uma hipotética hierarquia da
violência em pelo menos cinco níveis. É importante considerar que as fronteiras entre os
diferentes níveis de violência não são sempre claras, entretanto, de maneira didática, pode-
se considerar que cada situação requer a aplicação das seguintes categorias de normas. O
quadro a seguir demonstra essa relação:
Hierarquia da Violência Categorias de normas aplicadas
Nível 1: situação normal. Nível 1: todos os direitos humanos, sem qualquer
derrogação.
Nível 2: tensões internas, Nível 2: todos os direitos humanos, sem qualquer
distúrbios internos, tumultos, derrogação, sob reserva única das restrições autorizada
atos de violência isolados e pela lei com o único fim de garantir plenamente o
esporádicos. reconhecimento e respeito pelos direitos e liberdades
de terceiros, bem como as justas exigências da moral,
ordem pública e bem-estar geral numa sociedade
democrática.
Nível 3: estado de exceção Nível 3: todos os direitos humanos, salvo algumas
proclamado no seguimento de exceções limitadas, as quais permitem derrogações não
tensões internas e de discriminatórias, nos estritos limites necessários pelas
violências esporádicas que exigências da situação. Não é autorizada qualquer
ameaçam a existência da derrogação no que diz respeito ao direito à vida, à
nação. proibição de tortura, à proibição da escravidão ou à
proibição de sujeitar uma pessoa à prisão por
incapacidade de execução de uma obrigação contratual.
Nível 4: conflito armado não Nível 4: o artigo 3º comum às quatro Convenções de
internacional (guerra civil). Genebra de 1949, o Protocolo Adicional II a essas
Convenções de 1977, bem como as restantes
disposições de direitos humanos, incluindo a proteção
dos direitos não derrogáveis.
Nível 5: conflito armado Nível 5: as quatro Convenções de Genebra e o
internacional. Protocolo Adicional I a essas Convenções de 1977, bem
como as outras disposições relativas aos direitos
humanos, incluindo a proteção dos direitos não
derrogáveis.
Fonte: Elaborado pela consultora pedagógica com base nas informações. (ONU,2001)
33
Distúrbios e tensões internas
A doutrina vigente não atribuiu uma definição objetiva e precisa sobre distúrbios e
tensões internas, e nenhum instrumento internacional correu o risco de fazê-lo. Entretanto,
para os efeitos deste curso, e com intuito de padronizar e esclarecer seu significado,
adotaram-se os seguintes conceitos constantes do “Diccionario de Derecho Internacional de
los Conflictos Armados – Pietro Verri (1998)”:
Distúrbios internos: Segundo definição dada pelo CICV: (Comitê Internacional da Cruz
Vermelha) em 1971, essa expressão cobre as situações em que, sem que haja um conflito
armado propriamente dito, existe, não obstante no plano interno, um enfrentamento que
apresenta certo caráter de gravidade ou de duração e que implica atos de violência. Esses
últimos podem revestir formas variáveis que podem ir desde a geração espontânea de atos
isolados de revolta até a luta entre grupos mais ou menos organizados e as autoridades no
poder. Nessas situações, que não degeneram necessariamente lutas abertas, as autoridades
no poder recorrem a vastas forças da polícia, inclusive as forças armadas, a fim de
restabelecer a ordem interior.
Tensões internas: Segundo uma definição dada pelo CICR em 1971 (com motivo de
uma consulta a peritos governamentais), trata-se de situações que podem se caracterizar
por:
 Grande número de detenções;
 Grande número de detidos políticos ou de segurança;
 Prováveis maus tratos infringidos aos detentos;
 Promulgação do estado de emergência;
 Alegações de desaparecimentos.
Ao contrário das situações de distúrbios internos – em que rebeldes estão
suficientemente organizados e são identificáveis – no caso de tensões internas, a oposição
raramente está organizada de maneira visível.
Estado de Emergência: Situação jurídica similar ao estado de sítio, mas que produz
efeitos menos severos que este último. Em geral, é declarado um perigo do momento ou
iminente, resultante de uma catástrofe, de uma perturbação grave da ordem pública, de
uma crise internacional ou de um conflito armado.
Estado de Sítio: A situação de perigo em que se encontra uma localidade sitiada,
impõe, em geral, medidas que limitam ou suspendem os direitos e liberdades fundamentais.
Daí a expressão “estado de sítio” que, por extensão indica a proclamação de uma situação

34
de gravidade particular, no interior de um Estado, causada pelo estado de guerra ou por
outras circunstâncias excepcionais, assim como as medidas conseguintes adotadas para
garantir ou restabelecer a ordem pública. Essas medidas podem até delegar poderes civis à
autoridade militar.
Tanto Caputo (1996-1997), como Rover (2005) compartilham do entendimento que
nenhum dos instrumentos do direito internacional oferece uma definição adequada do que
se entende pelos termos: distúrbios interiores e tensões internas. Indicam-nos que, para
tentar dar uma definição, devemos confrontá- los com uma categoria mais ampla, que é o
conflito armado não internacional (guerra civil). Remetem-nos ao artigo 1º, parágrafo 2º, do
Segundo Protocolo Adicional às Convenções de, Genebra de 1949, que estabelece:
Artigo 1.2 O presente Protocolo não se aplica às situações de tensão e perturbação
internas, tais como motins, atos de violência isolados e esporádicos e outros atos análogos,
que não são considerados conflitos armados. (grifo nosso)
Importante!
O diploma legal não oferece uma definição, ou melhor, indica-nos uma definição
“negativa”, isto é, por exclusão. Assim sendo, “situações de tensão e perturbação
internas” não podem ser caracterizadas como conflitos armados (guerra). Portanto, o
Protocolo II não se aplica a elas.
Caputo (1996-1997) afirma que o direito internacional distingue três categorias de
conflito armado não internacional:
A guerra civil no sentido clássico do direito internacional;
Conflito armado não internacional no sentido dado pelo art. 3° comum às quatro
Convenções de Genebra de 1949; e,
Conflito armado não internacional no sentido do P.A. II de 1977.
A classificação de um conflito, segundo essa categoria juridicamente reconhecida, é
difícil à luz da complexidade dos vários conflitos existentes e da frequente divergência
doutrinária. É certo dizer que a aplicação de uma norma jurídica em detrimento de outra a
um caso concreto ou evento específico depende de sua qualificação, isto é, devemos
sempre perguntar a que tipo de conflito nos referimos.
Rover (2005) menciona que nem sempre fica claro quando incidentes separados (tais
como reuniões, passeatas, manifestações, desordens e atos isolados de violência) tornam-se
relacionados e, vistos conjuntamente, adquirem um padrão consistente descrito como
distúrbios e tensões.
Todos os esforços devem ser focalizados na eficaz aplicação da lei, na prevenção e
35
detecção do crime e no restabelecimento da segurança pública. Quando tais esforços
falham, um senso de ilegalidade aliado à impunidade pode crescer dentro de uma
sociedade, exacerbando ainda mais os níveis de tensão existentes.
Importante!
Distúrbios e tensões podem eventualmente levar a situações que ameacem a
existência da nação, e, dessa forma, deixar o governo tentado a declarar o estado de
emergência.
A conceituação do CICV sobre o tema
Rover (2005) verificou que o Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) tentou
definir distúrbios e tensões. Entende que, embora a fórmula do CICV não seja plenamente
reconhecida como tal, proporciona uma descrição completa, que serve aos propósitos de
aprofundamento dos estudos: em um documento do CICV oferece a seguinte descrição de
distúrbios interiores:
Envolvem situações em que inexiste um conflito armado não internacional como tal,
mas consistem numa confrontação dentro do p Envolvem situações em que inexiste um
conflito armado não internacional como tal, mas consistem numa confrontação dentro do
país, que é caracterizada por certa gravidade ou duração e que envolve atos de violência.
Estes últimos podem assumir várias formas, desde a geração espontânea de atos de revolta à
luta entre grupos mais ou menos organizados e as autoridades no poder. Nessas situações,
que não necessariamente degeneram em confronto aberto, as autoridades no poder
utilizam-se de forças policiais em grande número, ou mesmo das Forças Armadas, para
restaurar a ordem interna. O alto número de vítimas tornou necessária a aplicação de um
mínimo de regras humanitárias.
Com relação a tensões internas, indica que o termo geralmente refere-se a: Situações
de grave tensão (política, religiosa, racial, social, econômica, etc.), ou Sequelas de um
conflito armado ou distúrbios interiores.
Direito / Legislação aplicável
Deyra (2001), assim como Rover (2005) e Caputo (1996-1997) verificam que o artigo
1.2 do II PA (Protocolo Adicional II) exclui de sua proteção as situações de tensões e
distúrbios interiores, tais como os motins, os atos isolados e esporádicos de violência e
outros atos análogos não considerados como conflitos armados.
Entende que se trata, por isso, de uma situação extra convencional, na qual a
proteção conferida às vítimas não pode ter por base o Direito Internacional Humanitário
(DIH). Conclui que os critérios para a qualificação dos conflitos armados não internacionais
36
enunciados no art. 1.1 do II Protocolo Adicional são suficientes para excluir as tensões e
distúrbios interiores do campo de aplicação do DIH.
Nas situações de distúrbios interiores, as regras do DIH somente podem ser
invocadas por analogia. Por outro lado, os Estados devem respeitar certos princípios
humanitários universalmente reconhecidos e os instrumentos de direitos humanos dos quais
são parte. Devem respeitar, em particular, aqueles direitos que não admitem derrogação,
mesmo quando a vida da nação estiver ameaçada por um perigo público de caráter
excepcional. Isso nos remete aos princípios basilares de toda operação de segurança interna:
 Primazia do poder civil se deve ao fato das Forças Armadas normalmente
serem empregadas para manter e restaurar a ordem em nome das
autoridades civis, baseando-se nas normas de direito contidas no direito
penal e civil do Estado em questão.
 Uso mínimo da força entende-se a mínima necessária para levar a cabo uma
missão lícita que pode ir desde a defesa própria até o emprego de técnicas
tradicionais de guerra.
 Legitimidade diz respeito às operações que devem ter como objetivo a
proteção do estado de direito. Deve-se velar para que as forças militares
sejam parte da solução e que não se convertam em parte do problema. A
legitimidade existe quando se considera que a missão militar e seu
desempenho são justos. Quanto mais alta a legitimidade, maiores são as
probabilidades de êxito. É fundamental que as forças armadas atuem
respeitando o direito interno e o direito internacional.
Saiba mais...
São instrumentos internacionais básicos de direitos humanos que devem ser do
conhecimento dos funcionários responsáveis pela aplicação da lei quando atuarem na
manutenção da ordem pública:
Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) (disponível em
http://www.dhnet.org.br/direitos/deconu/textos/integra.htm)
Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (PIDCP) (Disponível em
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/D0592.htm)
Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC) (Disponível
em www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/D0591.htm)
Convenção contra a Tortura e outros tratos ou penas cruéis, desumanas ou

37
degradantes (Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-
1994/D0040.htm)
Código de Conduta para os funcionários encarregados de cumpri a lei (Disponível
em http://www.gddc.pt/direitos-humanos/textos-internacionais-dh/tidhuniversais/dhaj-
pcjp-18.html)
Princípios básicos sobre o emprego da força e armas de fogo pelos funcionários
encarregados de cumprir a lei (Disponível em
http://www.dhnet.org.br/direitos/codetica/codetica_diversos/funclei.html)
Princípios relativos a uma eficaz prevenção e investigação das execuções
extralegais, arbitrárias ou sumárias (Disponível em
https://www.unodc.org/documents/justice-and-prison-
reform/projects/UN_Standards_and_Norms_CPCJ_-_Portuguese1.pdf) - Conjunto de
Princípios para a Proteção de todas as pessoas submetidas a qualquer forma de detenção
ou prisão (Disponível em http://www.dhnet.org.br/direitos/sip/onu/fpena/lex51.htm)
Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos
Um dos instrumentos mais importantes do Direito Internacional dos Direitos
Humanos é o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (PIDCP), de 1966. Este prevê,
em seu art. 4º, as situações de emergências públicas que uma nação pode-se confrontar:
O art. 4º do PIDCP indica de maneira imperiosa a proibição da derrogação de certos
direitos fundamentais à pessoa humana quando submetida a essas circunstâncias.
As Nações Unidas se preocuparam em comentar e interpretar o art. 4º do Pacto.
Comentam que se permite a um Estado-parte revogar de maneira unilateral e temporária
algumas obrigações previstas no Pacto, mas, por outro lado, o art. 4º sujeita tanto as
medidas de derrogação como suas consequências materiais a um regime específico de
salvaguardas.
As medidas derrogatórias do conteúdo do Pacto devem ser excepcionais e
temporárias. Antes mesmo de o Estado invocar o art. 4º, duas condições fundamentais
devem ser preenchidas:
 A situação deve ser uma emergência pública que ameace a vida da nação e,
 O Estado-parte deve proclamar oficialmente o estado de emergência. Este
último requisito é essencial para a manutenção dos princípios de legalidade e
império da lei nas situações em que são mais necessárias.
O Art. 4º (2) dispõe que não autoriza derrogação dos seguintes artigos, que

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contemplam os seguintes direitos inalienáveis:
Art. 6º, direito à vida;
Art. 7º, proibição da tortura, penas ou tratamentos cruéis ou degradantes;
Art. 8º, proibição da escravidão e servidão;
Art. 11, proibição de prisão por falta de cumprimento de obrigação contratual;
Art. 15, princípio da anterioridade da lei penal;
Art. 16, reconhecimento da personalidade jurídica da pessoa; e
Art. 18, direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião.
Já no Sistema Interamericano de Direitos Humanos, no mesmo sentido, encontra-se
a Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH), Pacto de San José de 22 de novembro
de 1969.
O uso da força e armas de fogo em manifestações
Apesar de ser objeto de estudo específico na aula sobre uso da força e armas de
fogo, o tema merece aqui uma consideração mais especial. A questão do emprego da força
e armas de fogo é muitas vezes uma questão de doutrina da instituição ou corporação
policial, colocando-se sempre em evidência a questão do serviço e do interesse público.
Entretanto, atualmente, enfatiza-se que os policiais e outros funcionários responsáveis pela
aplicação da lei devem ter conhecimento teórico e prático sobre o uso diferenciado da força.
O uso diferenciado da força é a possibilidade da seleção adequada de opções de força
em resposta ao nível de acatamento/submissão do indivíduo a ser controlado.
O policial deve perceber o grau de risco oferecido quando se depara com pessoas
que deve abordar. Sua percepção desse risco é que vai permitir ao policial escolher pelo
aumento ou diminuição do grau de força a ser empregado em cada situação específica. Isso
requer muito treinamento e experiência profissional.
O exercício do poder para usar da força e armas de fogo não é uma questão
individual, mas sim uma questão funcional. Qualquer uso que não esteja dentro da
legalidade estará sujeito a uma crítica por excesso, desvio, abuso de autoridade ou de poder.
Recorde que as disposições que se referem ao uso da força e de armas de fogo se
baseiam sempre em três princípios:
LEGALIDADE: A ação a ser praticada é legal? Tem previsão na lei?
NECESSIDADE: A ação a ser praticada é necessária para preservar ou restabelecer a
ordem pública e proteger a vida humana (própria ou de terceiros)? Existe outra opção?
PROPORCIONALIDADE: Os meios a serem empregados são moderados e estão em
proporção à gravidade do delito cometido e ao objetivo legítimo a ser alcançado?
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Outro instrumento internacional que faz referência ao uso da força e armas de fogo
são os Princípios Básicos sobre o Uso da Força e Armas de Fogo pelos Funcionários
Responsáveis pela Aplicação da Lei (PBUFAF).
Os dispositivos dos Princípios Básicos do Uso da Força e de Armas de Fogo devem ser
lidos e interpretados integralmente. De particular importância para o policiamento de
reuniões e manifestações estão os Princípios Básicos 12 , 13 e 14: Policiamento de reuniões
ilegais.
Como todos têm o direito de participar de reuniões legítimas e pacíficas, de acordo
com os princípios expressos na Declaração Universal dos Direitos Humanos e no Pacto
Internacional de Direitos Civis e Políticos, os governos, entidades e os responsáveis pela
aplicação da lei deverão reconhecer que a força e as armas de fogo só podem ser usadas nos
termos dos Princípios 13 e 14.
Ao dispersar grupos ilegais, mas não-violentos, os responsáveis pela aplicação da lei
deverão evitar o uso da força, ou quando tal não for possível, deverão restringir tal força ao
mínimo necessário.
Ao dispersar grupos violentos, os responsáveis pela aplicação da lei só poderão fazer
uso de armas de fogo quando não for possível usar outros meios menos perigosos e apenas
nos termos minimamente necessários. Os responsáveis pela aplicação da lei não deverão
fazer uso de armas de fogo em tais casos, a não ser nas condições previstas no Princípio 9.
Ao estudar o PB 14, a conclusão inicial poderia ser de que esse apresenta uma
circunstância adicional para o uso legal de armas de fogo. Isso porém não é verdade, pois
apenas reitera que somente as condições mencionadas no PB 9 (quais sejam: uma ameaça
iminente de morte ou lesão grave) é que justificam o uso de armas de fogo.
Os riscos acrescentados por uma reunião violenta - grandes multidões, confusão e
desorganização - fazem com que seja questionável a conveniência ou praticabilidade do uso
de armas de fogo nessas situações, tendo em vista as consequências em potencial para as
pessoas que estejam presentes, porém não envolvidas.
O Princípio Básico 14 não permite o disparo indiscriminado contra uma multidão
violenta como uma tática aceitável para dispersar aquela multidão.

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UNIDADE 4 - PODERES BÁSICOS NA APLICAÇÃO DA LEI
Nesta unidade, você estudará os poderes de captura, detenção e o poder de uso da
força e armas de fogo.
Ao final desta unidade, você será capaz de:
 Listar os poderes básicos para aplicação da lei;
 Definir e compreender o sentido das expressões Captura e Detenção;
 Enumerar e compreender os princípios pelos quais os poderes básicos de usar
a força e armas de fogo precisam ser aplicados pelos funcionários
encarregados de aplicar a lei quando no exercício de sua atividade;
O conteúdo desta unidade está dividido nas seguintes aulas:
Aula 1 – Poderes básicos na aplicação da lei: definições
Aula 2 – Captura
Aula 3 – Detenção
Aula 4 – Uso da força e armas de fogo.

AULA 1 – PODERES BÁSICOS NA APLICAÇÃO DA LEI: DEFINIÇÕES


Nos Estados Democráticos de Direito todos têm direito à vida, liberdade e segurança
(PIDCP, Art. 9.1), porém frente à violação da lei, a privação de liberdade pessoal é um dos
meios legítimos para o Estado exercer sua atividade soberana.
Privação da liberdade é a definição mais ampla da restrição da liberdade de ir e vir. A
privação se estende a situações em que esta é causada tanto por pessoas comuns quanto
estas por agentes públicos exercendo os poderes da aplicação da lei: captura, detenção e o
uso da arma de fogo.
As definições a seguir foram extraídas do Conjunto de princípios para a proteção de
todas as pessoas sob qualquer forma de detenção ou prisão, e auxiliarão você na
compreensão dos poderes básicos na aplicação da lei, que você estudará nas demais aulas
desse unidade.
Captura designa o ato de deter uma pessoa sob suspeita da prática de um delito, ou
pela ação de uma autoridade;
Pessoa detida designa qualquer pessoa privada de sua liberdade, exceto no caso de
condenação por um delito;
Pessoa presa significa qualquer pessoa privada de sua liberdade como resultado da
condenação por um delito;

41
Detenção significa a condição das pessoas detidas nos termos referidos nos itens
“captura” e “pessoa detida”;
Prisão significa a condição das pessoas presas nos termos referidos nos itens
“captura” e “pessoa presa”;
Autoridade judicial ou outra autoridade significa uma autoridade judicial ou outra
autoridade perante a lei cujo status e mandato assegurem as mais sólidas garantias de
competência, imparcialidade e independência.

AULA 2 – CAPTURA
Definição e esclarecimento inicial
Utiliza-se o termo “captura” como tradução da palavra “arrest” em inglês, de forma a
padronizar este curso aos instrumentos internacionais aqui referidos, e também para marcar
a distinção entre a captura da pessoa sob suspeita e a prisão da pessoa sentenciada.
O artigo 9.1 do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (PIDCP) prescreve:
Ninguém será privado de liberdade exceto com base em e de acordo com os procedimentos
estabelecidos por lei (PIDCP, art. 9.1).
Para que alguém seja capturado ou detido é necessário que os motivos estejam
claramente estabelecidos na legislação nacional, ou não sejam contrários a esta.
A norma internacional chamada de Conjunto de princípios para a proteção de todas
as pessoas sob qualquer forma de detenção ou prisão, nos apresenta condições e requisitos
mínimos a serem observados pelos Estados quando de captura, detenção ou prisão de
pessoas. Entretanto, é possível encontrar diferentes conceitos, às vezes mais abrangentes
em legislações nacionais dos Estados. Para efeitos deste curso verificaremos o que nos
apresenta a normativa internacional.
O Conjunto de Princípios declara que a captura, detenção ou prisão somente deverão
ser efetuados em estrita conformidade com os dispositivos legais e por encarregados
competentes (Atribuição legal, conhecimento e habilidade), ou pessoas autorizadas para
aquele propósito (Princípio 2).
Direitos no ato da Captura
Sempre que uma pessoa for capturada, a razão deve ser pela suspeita da prática de
um delito ou por ação de uma autoridade (Conjunto de Princípios, Princípio 36.2).
Toda pessoa capturada deverá ser informada, no momento de sua captura, das
razões da captura, devendo ser prontamente informada de qualquer acusação contra ela
(PIDCP, artigo 9.2; Conjunto de Princípios, Princípio 10).
42
A pessoa capturada deverá ser levada a um local de custódia, devendo ser
conduzida prontamente perante um juiz ou outra autoridade habilitada por lei a exercer
poder judicial, que decidirá sobre a legalidade e a necessidade da captura (PIDCP, artigo 9.3;
Conjunto de Princípios, Princípios 11 e 37).
Não há uma definição clara do que se entende por prontamente. Em muitos Estados o
período máximo permitido antes que uma pessoa capturada seja trazida perante um juiz ou
autoridade similar é limitado a 48 horas; em outros Estados este período é limitado a 24
horas. Este período de 48 ou 24 horas é mais comumente chamado de custódia policial. O
período que o segue é chamado de prisão preventiva.
As autoridades responsáveis pela captura devem, no momento da captura, ou pouco
depois, prestar-lhe informação e explicação sobre os direitos e sobre o modo de os exercer
(Conjunto de Princípios, Princípio 13).
Importante!
Para proteger a situação especial das mulheres e das crianças e adolescentes
existem disposições adicionais a respeito de sua captura, detenção e prisão. Procure se
informar na legislação específica sobre essas questões.

AULA 3 - DETENÇÃO
Esclarecimento inicial
Nos vários instrumentos de direitos humanos relativos à detenção, é feita uma
distinção entre aquelas pessoas que aguardam julgamento e aquelas que foram condenadas
por um delito. O primeiro grupo é chamado de detidos, e o segundo grupo é chamado de
presos. No entanto, esta distinção não é aplicada uniformemente em todos os instrumentos.
As Regras Mínimas para o Tratamento de Presos (RMTP), embora aplicável a ambas as
categorias acima, somente usa o termo presos, e subsequentemente os divide em presos
não condenados e condenados.
Independente da terminologia usada, a distinção entre pessoas condenadas e não
condenadas é importante, pois os direitos que os indivíduos de cada um dos grupos têm,
não são exatamente os mesmos, tampouco as normas para o tratamento de cada categoria.
É também importante observar-se que, como regra geral, os encarregados da
aplicação da lei que exercem atividade policial somente serão responsáveis por (e exercer
autoridade sobre) pessoas que ainda não foram condenadas por um delito, e que, além
disto, ficam um tempo relativamente curto em locais de detenção policial.

43
Instituições Penais
Conforme exposto, a maioria dos Estados desenvolveu um sistema no qual os
encarregados da aplicação da lei (policiais) não têm responsabilidade pelos presos
condenados, ou não exercem autoridade sobre eles. Esta responsabilidade e autoridade são
deixadas aos encarregados da aplicação da lei que são chamados de agentes penitenciários,
guardas penitenciários ou gendarmerias, que tenham recebido instrução e treinamento
especiais para o desempenho de suas funções.
O treinamento dos policiais, geralmente não os qualifica como pessoal competente
para exercer funções em instituições penais ou correcionais. Caso recebam estas funções, ao
menos treinamento e instruções adicionais serão necessários.
Como já visto, o instrumento básico que estabelece a boa prática no tratamento de
presos e na gestão de instituições penais é a Regra Mínima para Tratamento de Presos
(RMTP). Este é dividido em duas partes: Normas de Aplicação Geral e Normas Aplicáveis a
Categorias Especiais.

1a Parte: Normas de aplicação geral

A 1a Parte é aplicável a todas as categorias de presos - homens ou mulheres,


menores ou adultos, criminais ou civis, julgados ou sem julgamento.

A 2a Parte das RMTP identifica cinco categorias diferentes de presos:


A. presos condenados;
B. presos que sofrem de insanidade e doenças mentais;
C. presos detidos ou aguardando julgamento;
D. presos condenados a prisão civil;
E. pessoas detidas ou presas sem acusação.

AULA 4 - USO DA FORÇA E ARMAS DE FOGO


Este “poder” é de fundamental importância para o desempenho das atividades
daqueles encarregados de aplicar a lei, por essa razão a SENASP desenvolveu um Curso de
EAD específico para os interessados em se aprofundar no tema. Portanto, neste momento
faremos a necessária abordagem para que você compreenda a responsabilidade e extensão
do Uso da Força e Arma de Fogo na atividade de Segurança Pública.
Como você estudou no unidade 3, o uso da força e emprego de armas de fogo pelos
FEAL tem implicações de grande alcance e profundidade e, por esta razão, foi elaborado um
instrumento internacional específico que estabelece princípios para seu emprego. Este

44
documento, denominado Princípios Básicos sobre a Utilização da Força e de Armas de Fogo
pelos Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei foi adotado pelo Oitavo Congresso
das Nações Unidas sobre a Prevenção do Crime e o Tratamento de Infratores em 07 de
setembro de 1990.
Portaria interministerial no. 4.226, de 31 de dezembro de 2010
O tema sobre o uso diferenciado da força no Brasil conta desde o final do ano de 2010
com a Portaria Interministerial (Ministério da Justiça e Secretaria de Direitos Humanos da
Presidência da República), que estabelece diretrizes sobre o uso da força pelos agentes de
segurança pública.
A referida Portaria teve como referência instrumentos internacionais importantes do
sistema de direitos humanos das Nações Unidas.
As NAÇÕES UNIDAS (1997, p. 87) expressam sua preocupação com o uso da força de
maneira legal e ao mesmo tempo eficaz. Reconhece que o trabalho policial na sociedade é
difícil e delicado e também entende que o uso da força em circunstâncias claramente
definidas e controladas é inteiramente lícito. Ressalta, entretanto, que o uso excessivo da
força afeta diretamente o princípio em que se baseiam os direitos humanos, ou seja, o
respeito à dignidade inerente à pessoa humana. Por essa razão considera necessária a
adoção de uma série de medidas para impedir que esses abusos ocorram, e caso isso
aconteça que se disponha de mecanismos de correção e sanção apropriados.
Deve-se levar em consideração o caráter normativo de uma Portaria. Portanto, suas
diretrizes são de observância obrigatória apenas pelos:
 Departamento de Polícia Federal;
 Departamento de Polícia Rodoviária Federal;
 Departamento Penitenciário Nacional; e
 Força Nacional de Segurança Pública.
Para as forças de segurança (PC, PM, Guardas Municipais, etc.) dos entes federados
(Estados, Distrito Federal e Municípios), ela não tem caráter obrigatório, mas esses serão
estimulados a tomar iniciativas que visem à implementação de ações para efetivação das
diretrizes tratadas pela portaria.
Entretanto, mesmo não tendo caráter obrigatório para as forças estaduais e
municipais, passa a ser uma excelente ferramenta para a orientação e padronização dos
procedimentos da atuação dos agentes de segurança pública aos princípios internacionais
sobre o uso da força. Dá-se com isso um grande passo na melhoria da formulação e ajustes

45
da doutrina, da educação, de técnicas operacionais, além de instrumentalizar os órgãos de
controle e correição com parâmetros mundialmente aceitáveis de profissionalismo.
Normalmente as corporações policiais nacionais têm normas ou diretrizes internas
que orientam seus integrantes quanto ao emprego da força e de armas de fogo. A prática
pode variar de uma corporação para outra, mas os princípios são quase sempre os mesmos.
Portanto, o uso da força e de armas de fogo deve ser limitado por leis e regulamentos,
colocando sempre em evidência as questões do serviço e do interesse público.

46
UNIDADE 5 - COMANDO, GESTÃO E INVESTIGAÇÃO DE VIOLAÇÕES
DE DIREITOS HUMANOS.
Nesta unidade, você estudará a responsabilidade dos funcionários com atribuições
de Comando e Gestão.
Ao final desta unidade, você será capaz de:
 Compreender a importância de um efetivo controle das atividades
operacionais dos agentes de segurança pública.
 Compreender a necessidade de adotar medidas internas de sanção quando
constatar abuso de poder por parte de um agente de segurança pública;
 Conhecer os mecanismos de investigação de violações de Direitos Humanos;
O conteúdo desta unidade está dividido nas seguintes aulas:
Aula 1 – Procedimentos de supervisão e revisão
Aula 2 – Mecanismos de investigação de violações de direitos humanos

AULA 1 – PROCEDIMENTOS DE SUPERVISÃO E REVISÃO


A doutrina institucional e a tomada de decisão
A função de aplicação da lei compreende uma larga gama de serviços.
No desempenho de seu serviço público os funcionários encarregados pela aplicação
da lei têm um alto grau de responsabilidade individual, pois devem tomar decisões difíceis,
inclusive sobre questões que podem envolver a vida ou morte, na maioria das vezes por sua
própria conta, e em frações de segundo.
Em situações reais suas decisões imediatas não são orientadas por um superior
hierárquico que lhes dá a ordem, senão orientadas pelo seu aprendizado das normas e pela
doutrina institucional, além de seu próprio juízo e pelos princípios de legalidade,
necessidade e proporcionalidade.
VIANNA (2000) afirma que princípios, como a aplicação de meios pacíficos antes do
uso da força e emprego de níveis mínimos de força em qualquer circunstância, são
fundamentais para o policiamento. Considerando esses princípios e a concentração da força,
explícita ou implícita, para o policiamento; considerando a natureza do policiamento com
suas incertezas e seus perigos; e considerando a importância do policiamento na sociedade,
é claro que o poder do uso da força só poderia ser atribuído àquelas pessoas qualificadas
para exercê-la convenientemente. Isto implica uma seleção extremamente rigorosa e
processos de treinamento, um comando efetivo, um controle e uma supervisão dos policiais
pelos seus superiores, e uma estrita responsabilidade da polícia frente à lei quando há abuso
47
de poder.
Os órgãos encarregados pela aplicação da lei, e aqueles funcionários em função de
chefia, comando ou direção, devem dar ênfase especial aos aspectos:
Contratação e seleção: É necessário que se estabeleçam os perfis físicos,
educacionais, psicológicos e profissiográficos mínimos para seleção e contratação dos
funcionários encarregados pela aplicação da lei, em conformidade com as funções que
devem desempenhar.
Educação e a formação: É necessário garantir a qualidade e velar para que estejam
em consonância com as normas internacionais de direitos humanos. Além do que, deve-se
continuamente examinar os procedimentos de aplicação da lei, lembrando que o artigo 2º
do Código de Conduta dos Funcionários Encarregados pela Aplicação da Lei estabelece que
os FEAL tem o dever de respeitar e proteger a dignidade humana e manter e defender os
Direitos Humanos de todas as pessoas.
Também é de fundamental importância que cada funcionário encarregado pela
aplicação da lei passe por exames e avaliações periódicas, para que se verifiquem suas
condições físicas, intelectuais e psíquicas adequadas para o desempenho de suas funções.
Prestação de contas: Os cidadãos têm direito a pedir às organizações encarregadas
pela aplicação da lei que prestem contas de seus trabalhos e do desempenho de suas
funções. Portanto, essas organizações devem registrar, analisar e avaliar seus próprios
desempenhos e dar conhecimento das conclusões aos seus membros.
Nível 1 - Prestação de contas no plano Internacional aplicável aos governos dos
países: Tratam-se de situações que dentro de um território de um Estado revelem um
quadro persistente de violações graves constantes de direitos humanos.
Ainda que essas violações sejam cometidas por agentes individuais de ordem pública,
a comunidade internacional considera responsável o Estado. Portanto a ação de um
funcionário encarregado pela aplicação da lei pode ter repercussões Internacionais.
Nível 2 - Prestação de contas a um órgão externo pelas práticas das organizações
encarregadas pela aplicação da lei: Em uma sociedade, as organizações encarregadas pela
aplicação da lei, fazem parte de um sistema maior que compreende a comunidade, as
autoridades locais e o poder judicial.
De uma maneira ou de outra, as organizações encarregadas pela aplicação da lei
devem render contas a estes outros interlocutores. A prestação de contas pode ser direta ou
indireta.
As Instituições que enviam recurso de apoio às organizações encarregadas pela
48
aplicação da lei têm direito a opinar sobre a forma que se utilizam os recursos, ademais, as
autoridades locais têm direito a participar nas políticas de aplicação da lei.
Outra pressão evidente são as queixas derivadas da comunidade. Na prática as
queixas oficiais sobre a atuação de funcionários encarregados pela aplicação da lei, podem
influenciar de maneira determinante nas estratégias e planos de aplicação da lei.
No processo de prestação de contas, deve-se ter em conta todos os interessados que
formam o entorno da aplicação da lei.
ROVER (2005) afirma que os governos e as organizações encarregadas da aplicação
da lei deverão estabelecer procedimentos eficazes de comunicação e revisão aplicáveis a
todos os incidentes em que:
 morte ou ferimento forem causados pelo uso da força e armas de fogo pelos
encarregados da aplicação da lei;
 os encarregados da aplicação da lei fizerem uso de armas de fogo no
desempenho de suas funções.
Nível 3 - Prestação de contas no plano interno das organizações encarregadas pela
aplicação da lei: Diz respeito à responsabilidade individual de cada integrante dessas
organizações relativo às ações licitas ou ilícitas, que tenham relação com o desempenho de
suas funções. Inclusive quando cumprem ordens de seus superiores, os funcionários são
responsáveis pelos seus atos.
Caso um funcionário encarregado pela aplicação da lei constate que uma ordem é
manifestamente ilegal e tem a possibilidade razoável, por mínima que seja, de negar-se a
acatá-la, e não está obrigado a cumpri-la.
Em qualquer caso, os superiores que dão a determinação ou ordem manifestamente
ilegal são plenamente responsáveis se sabem ou deveriam saber que os agentes sob seu
comando recorrem a práticas ilícitas ou arbitrárias.
Em tais casos, os superiores têm a obrigação de tomar todas as medidas à sua
disposição para impedir, eliminar ou denunciar essas práticas.
Responsabilização dos Encarregados da Aplicação da Lei
Os governos e as organizações da aplicação da lei deverão assegurar que os
profissionais em posição de mando, chefia, comando, sejam responsabilizados, caso fique
provado ou presumido terem tido conhecimento de que encarregados sob o seu comando
estão, ou tenham estado, recorrendo ao uso ilegítimo de força e armas de fogo, e não
tenham tomado todas as providências a seu alcance a fim de impedir, reprimir ou comunicar

49
tal uso. (Princípio Básico 24)
Os governos e as organizações de aplicação da lei deverão assegurar que não seja
imposta qualquer sanção criminal ou disciplinar a encarregados da aplicação da lei que ao
atuarem de acordo com o Código de Conduta e esses princípios se recusarem a cumprir uma
ordem [ilegal] para usar força ou armas de fogo ou comuniquem tal uso [ilegal] realizado
por outros encarregados.
Obediência a ordens superiores não será nenhuma justificativa quando os policiais:
 Tenham conhecimento de que uma ordem para usar força e armas de fogo
que tenha resultado em morte ou ferimento grave de alguém foi
manifestamente ilegítima; e
 Tiveram oportunidade razoável para se recusar a cumpri-la.
Importante!
Nessas situações, a responsabilidade caberá também ao superior que tenha dado
as ordens ilegítimas.
O que é deixado claro pelos Princípios Básicos sobre o Uso da Força e de Armas de
Fogo pelos funcionários encarregados pela aplicação da lei é que a responsabilidade cabe
tanto aos encarregados, envolvidos em um incidente particular com o uso da força e armas
de fogo, como a seus superiores. Esses princípios afirmam que os chefes têm o dever de zelo
sem que isso retire a responsabilidade individual dos encarregados por suas ações.
A relação existente entre essas disposições e as disposições sobre o uso indevido de
força e armas de fogo (PB 7 e 8) deve ser compreendida pelos encarregados da aplicação da
lei.
Mecanismos de Queixa
Os cidadãos que consideram que foram vítimas de procedimentos arbitrários ou
abusivos por parte de um funcionário encarregado pela aplicação da lei, devem ter a
possibilidade de apresentar uma queixa.
O artigo 9.5 do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos estabelece que as
vítimas têm direito de reparação.
Muitos países possuem mecanismos e recursos para tratar das queixas de seus
cidadãos. Esses recursos vão desde as comissões internas de revisão até serviços especiais.
Sejam quais forem os mecanismos existentes em um país, as queixas sobre o trabalho dos
funcionários encarregados pela aplicação da lei são sempre um assunto delicado. Para um
agente não é fácil encarar críticas de um cidadão. A resistência coletiva por parte dos agentes

50
de uma determinada organização em receber queixas oriundas dos cidadãos é muito comum
em geral e, as vezes, vê-se estas reclamações de modo muito questionável, fruto de um
corporativismo natural.
Por essa razão, os superiores em função de chefia, comando ou direção devem levar
em conta todas as queixas, registrá-las e investigá-las de maneira pronta, completa e
imparcial. Além disso, devem orientar seus subordinados que todos os cidadãos têm direito
de apresentar queixas. Diz-se que a organização ainda é digna de crédito quando os cidadãos
a procuram para resolver seus problemas e esperam uma resposta aceitável.
Como você já estudou, em um sistema democrático as organizações encarregadas
pela aplicação da lei devem prestar contas sobre suas atividades. Isso é agir com
transparência.
Ao final deste tema cabe apresentar os Princípios Orientadores para a Aplicação
Efetiva do Código de Conduta para os Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei

(24/5/1989) adotado por ocasião da 15a sessão plenária do Conselho Econômico e Social
das Nações Unidas, que prevê uma série de providências, dentre as quais se destacam:
Seleção, educação e formação.
Deve ser dada uma importância primordial à seleção, educação e formação dos
funcionários responsáveis pela aplicação da lei. Os Governos devem igualmente promover a
educação e a formação através da frutuosa troca de ideias a nível regional e inter-regional.
Remuneração e condições de trabalho. Todos os funcionários responsáveis pela
aplicação da lei devem ser satisfatoriamente remunerados e se beneficiar de condições de
trabalho adequadas.
Disciplina e supervisão.
Devem ser estabelecidos mecanismos eficazes para assegurar a disciplina interna e o
controle externo assim como a supervisão dos funcionários responsáveis pela aplicação da
lei.
Queixas de particulares. Devem ser adotadas disposições especiais, no âmbito dos
mecanismos previstos pelo parágrafo 3, para o recebimento e tramitação de queixas
formuladas por particulares contra os funcionários responsáveis pela aplicação da lei, e a
existência destas disposições será dada a conhecer ao público.

AULA 2 - INVESTIGAÇÃO DE VIOLAÇÕES DE DIREITOS HUMANOS


2.1. O Estado e as violações dos Direitos Humanos
As violações aos direitos humanos são violações das normas pertinentes ao direito
51
penal (nacional) e/ou do direito internacional dos direitos humanos.
Em um sentido legal restrito, os direitos humanos são violados somente quando o
ato ou omissão é imputável ao Estado.
O Instituto Interamericano de Direitos Humanos (IIDH) afirma que se produz uma
violação dos direitos humanos cada vez que o Estado (entenda-se: Poder Executivo, Poder
Legislativo e Poder Judiciário, assim com os governos municipais ou locais) não cumprem
com as obrigações que sobre esta matéria lhe impõe o ordenamento jurídico vigente.
Veja o que prescrevem os artigos 1º e 2º da Convenção Americana de Direitos
Humanos (Pacto de San José).
Artigo 1°: Obrigação de Respeitar os Direitos
Os Estados-Partes nesta Convenção comprometem-se a respeitar os direitos e
liberdades nela reconhecidos e a garantir seu livre e pleno exercício a toda pessoa que esteja
sujeita à sua jurisdição, sem discriminação alguma por motivo de raça, cor, sexo, idioma,
religião, opiniões políticas ou de qualquer outra natureza, origem nacional ou social, posição
econômica, nascimento ou qualquer outra condição social.
Para os efeitos desta Convenção, pessoa é todo ser humano.
Artigo 2° Dever de Adotar Disposições de Direito Interno
Se o exercício dos direitos e liberdades mencionados no artigo 1 ainda não estiver
garantido por disposições legislativas ou de outra natureza, os Estados-Partes
comprometem-se a adotar, de acordo com as suas normas constitucionais e com as
disposições desta Convenção, as medidas legislativas ou de outras natureza que forem
necessárias para tornar efetivos tais direitos e liberdades.
Como funcionário encarregado pela aplicação da lei, você deve oferecer proteção e
assistência a todas as vítimas de delitos. Entretanto, isso não se limita a situações em que
cidadãos são vítimas de outros cidadãos. Deve-se levar em conta que os funcionários
encarregados pela aplicação da lei, em virtude de suas atividades profissionais, e os poderes
que desempenham, podem potencialmente incorrer em abuso de poder e, em consequência
disso, cometer graves violações de direitos humanos.
As vítimas de violações de direitos humanos merecem atenção especial já que a
responsabilidade de seus atos recai sobre o Estado.
Vale dizer que as violações cometidas por um funcionário público comprometem a
relação entre o Estado e a comunidade. Até eventos e fatos isolados podem comprometer a
imagem de toda uma organização. É necessário considerar que se os cidadãos não confiam
na polícia, não irão prestar seu apoio e assistência aos funcionários encarregados pela
52
aplicação da lei quando necessário. Portanto a prevenção destes incidentes é de grande
importância.
Quando se constatam violações de Direitos Humanos, os superiores em função de
chefia, comando e direção têm a obrigação de dar uma atenção especial às vítimas e
assegurar para que haja uma investigação completa, pronta e imparcial.
Os Estados partes têm obrigação de garantir que toda pessoa cujos direitos tenham
sido violados possa interpor recurso efetivo, principalmente quando tal violação tenha sido
cometida por pessoas que atuavam em exercício de suas funções oficiais.
Os Estados têm a obrigação de submeter tais atos ou omissões a um controle judicial,
assim como de proteger as vítimas dos mesmos. Caso essas violações de direitos humanos já
estejam previstas na legislação penal nacional, as medidas devem ser tomadas no âmbito da
jurisdição nacional.
Alguns países adotam mecanismos de controle externo para captação de queixas
através de um Defensor do Povo, também conhecido como “ombudsman” ou “ouvidor”,
que recebem as reclamações individuais e podem atuar como mediador imparcial e pode
propor medidas às organizações encarregadas pela aplicação da lei.
Alguns Estados também tem um acompanhamento e controle sobre as violações de
direitos humanos feitas através do Poder Legislativo, onde comumente se instalam
comissões específicas sobre a matéria.
No plano internacional os Estados podem ter que responder pelas suas práticas no
campo dos direitos humanos, através de uma larga variedade de mecanismos jurídicos,
quase-jurídicos, e políticos, incluindo processos de queixas individuais estabelecidas ao
abrigo de alguns tratados sobre Direitos Humanos.
No Sistema Interamericano de Direitos Humanos os dois principais órgãos de
monitoramento são a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e a Corte
Interamericana de Direitos Humanos, ambos instituídos pela Convenção Americana ("Pacto
de São José").
A Comissão Interamericana
Ao desempenhar suas atribuições, a Comissão - no que se relaciona a direitos humanos
- pode requerer informações específicas aos Estados-partes da Convenção Americana sobre o
modo como estes, pela legislação interna, asseguram a efetiva aplicação dos direitos
assegurados pelo instrumento. Igualmente, a Comissão deve elaborar relatório anual, a ser
submetido à Assembleia Geral da OEA, no qual são analisados os progressos obtidos, bem
como são recomendados países em que se faz necessária atenção especial, dado o seu grave
53
quadro de violações. O relatório também comunica casos de denúncias recebidas e
investigações realizadas.
A Comissão é competente para receber petições de indivíduos, grupos de pessoas ou
organizações não governamentais, desde que legalmente reconhecidos em pelo menos um
país membro da OEA. A petição deve referir-se a uma provável violação de um direito
protegido pela Convenção, ou a uma provável violação da Declaração, quando se tratar de
Estados-membros que não sejam parte da Convenção.
Note-se que a Comissão tem jurisdição sobre todos Estados-membros da OEA, mas
aqueles que não aderiram à Convenção Americana, são supervisionados segundo a
Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem.
A Corte Interamericana
A Corte tem competência para resolver disputas referentes à violação de direitos
humanos por um Estado (competência contenciosa), bem como para interpretar dispositivos
da Convenção Americana de Direitos Humanos e demais instrumentos relativos à matéria
(competência consultiva).
A Corte somente pode receber casos submetidos pela Comissão ou Estados
signatários. Por isso, indivíduos ou grupos necessariamente terão que primeiro provocar a
Comissão e, se esta decidir, envia o caso à Corte, privilegiando-se assim a solução amistosa
dos conflitos.
A Corte, com sua decisão, pode exigir o restabelecimento do direito ou liberdade
violados, a reparação do dano e o pagamento de justa indenização à vítima. Suas decisões
são definitivas, não cabendo recursos, devendo ser fundamentadas. Quando publicadas, as
decisões são remetidas a todos os Estados signatários, e o controle de sua execução cabe à
Assembleia Geral da OEA, que anualmente recebe relatório com os casos julgados pela
Corte.
No que se refere à função consultiva da Corte, esta pode ser provocada por qualquer
Estado-membro da OEA, mesmo que não seja signatário do Pacto, ou mesmo por outros
órgãos internos deste organismo.
Recursos no sistema das Nações Unidas
No âmbito das Nações Unidas existem dois tipos básicos de mecanismos para
verificação da implementação e controle das questões de direitos humanos:
Mecanismos Convencionais: são aqueles baseados e previstos expressamente no
conteúdo das convenções e tratados de direitos humanos para monitorar sua
implementação;
54
Caso algum Estado não tenha condições ou não demonstre a vontade em punir os
abusos contra os direitos humanos cometidos em seu território, existem mecanismos e
procedimentos na ONU que permitem que estes abusos sejam denunciados.
Mecanismos Extraconvencionais: são aqueles baseados na Carta da ONU.
“Procedimentos Especiais" é o nome genérico dado aos mecanismos estabelecidos pelo
Conselho de Direitos Humanos para tratar de situações em países específicos ou questões
temáticas em todas as partes do mundo.
Os procedimentos especiais do Conselho de Direitos Humanos são especialistas
independentes de direitos humanos com mandatos para informar e aconselhar sobre os
direitos humanos a partir de uma perspectiva temática ou específica de cada país.
Os Procedimentos Especiais são desempenhados tanto por indivíduos (chamados
"Special Rapporteur“ (relator especial), "Special Representative of the Secretary-General“
(representante especial do Secretário Geral)
, "Representative of the Secretary-General" or "Independent Expert“ (especialista
independente) ou um grupo de trabalho normalmente composto de 5 membros (um de cada
região do mundo).
O sistema de Procedimentos Especiais é um elemento central da estrutura
administrativa das Nações Unidas de direitos humanos e abrange todos os direitos humanos:
civis, culturais, econômicos, políticos e sociais.
Com o apoio do Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos
Humanos (Office of the High Commissioner for Human Rights), os Procedimentos Especiais
têm por incumbência realizar visitas aos países ; atuar em casos individuais e nos assuntos
de natureza estrutural mais ampla através do envio de comunicações aos Estados e outros
em que eles tenham notícia de supostas violações ou abusos. Também têm como missão
realizar estudos temáticos e convocar consultas com especialistas, contribuir para o
desenvolvimento de normas internacionais de direitos humanos, se envolverem na defesa
das vítimas, sensibilizar a opinião pública e dar conselhos para a cooperação técnica.
Os Procedimentos especiais emitem um relatório anual ao Conselho de Direitos
Humanos e na maioria dos mandatos também é feito um relato à Assembleia Geral da ONU.
O dever das organizações de aplicação da lei
As organizações de aplicação da lei têm um dever, baseado no direito nacional e nas
obrigações e responsabilidade assumidas pelos Estados, em face dos instrumentos
internacionais, de investigar prontamente as violações dos direitos humanos rapidamente,
completamente e imparcialmente.
55
O estabelecimento de procedimentos de controle e de revisão é indispensável para
garantir que os funcionários que aplicam as leis possam prestar contas individualmente.
Vianna (2000) afirma que:
A importância de assegurar o fim dos abusos de poder no uso da força precisa ser
enfatizada. A violência policial, no entanto, pode resultar em sérias violações do direito à
vida. Além disso, ela exacerba as dificuldades e os perigos do policiamento, já bastante difícil
e perigoso em si mesmo, por causa das reações imediatas e de longa duração que provoca.
A violência policial ilegítima pode levar a uma séria desordem pública, à qual a polícia
tem, então, que responder, podendo assim expô-la a situações perigosas e desnecessárias,
fazendo com que ela se torne mais vulnerável aos contra-ataques, conduzindo a uma falta de
confiança na própria polícia por parte da comunidade – o que se torna prejudicial a um
policiamento efetivo.

56
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