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DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO

FONTES DO DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO

O art. 38 do estatuto da corte internacional de justiça

1. Fontes do direito internacional público

1.1. Conceito de fonte

Fonte do direito é um dos capítulos mais importantes da teoria geral do direito.


De fato, a expressão fonte do direito é uma metáfora. Essa expressão quer
tratar, em verdade, dos canais pelos quais uma norma pode ingressar
na ordem jurídica. Desta forma, a fonte jurídica seria o meio do qual emana
uma determinada norma jurídica.

Como se faz para identificar se uma norma é jurídica ou não? É necessário


identificar se ela foi produzida por uma fonte do Direito.

Dentro das fontes do Direito Internacional, analisaremos alguns aspectos


muito interessantes, os quais se seguem.

2. Hierarquia das fontes

Tradicionalmente, os autores de direito internacional entendem que não há


hierarquia entre as fontes do direito internacional público. Por exemplo,
Francisco Rezek afirma que somente um fator extrajurídico, um fator político,
poderia justificar a prevalência de uma fonte sobre outra. Porém, a verdade é
que muitos autores e a própria Corte Internacional de Justiça já têm
reconhecido pelo menos a existência de duas exceções a essa regra da
inexistência de hierarquia entre as fontes. Existem dois casos de normas que
são superiores: jus cogens e a Carta das Nações Unidas.

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O jus cogens, que veremos mais aprofundadamente em breve, pode ser
definido como o conjunto de normas internacionais dotadas de superioridade
hierárquica, inderrogáveis e que somente podem ser modificadas por normas
da mesma natureza. Esse conceito pode ser extraído dos arts. 53 e 64 da
Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados:

Art. 53

Tratado em Conflito com uma Norma Imperativa de Direito Internacional Geral


(jus cogens)

É nulo um tratado que, no momento de sua conclusão, conflite com uma


norma imperativa de Direito Internacional geral. Para os fins da presente
Convenção, uma norma imperativa de Direito Internacional geral é uma norma
aceita e reconhecida pela comunidade internacional dos Estados como um
todo, como norma da qual nenhuma derrogação é permitida e que só pode
ser modificada por norma ulterior de Direito Internacional geral da mesma
natureza.

Art. 64

Superveniência de uma Nova Norma Imperativa de Direito Internacional Geral


(jus cogens)

Se sobrevier uma nova norma imperativa de Direito Internacional geral,


qualquer tratado existente que estiver em conflito com essa norma torna-se
nulo e extingue-se.

A partir desses dois dispositivos transcritos, podemos concluir que as normas


jus cogens têm superioridade sobre as outras, seja porque nenhum tratado
pode ser aprovado se incompatível com o jus cogens, seja porque, se
sobrevier alguma norma de jus cogens incompatível com o tratado, este é
extinto. Existe uma hierarquia, sendo certo que o jus cogens tem
superioridade sobre as demais normas de Direito Internacional. Igualmente, a
Carta das Nações Unidas também é uma norma dotada de superioridade. O
art. 103 da Carta afirma que os compromissos oriundos da Carta das Nações
Unidas prevalecem sobre qualquer outra fonte do Direito Internacional. Desse
modo, se houver um compromisso firmado nas Organizações das Nações
Unidas (ONU) – uma resolução do Conselho de Segurança, por exemplo –,

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vai prevalecer sobre tratados internacionais eventualmente firmados entre as
partes. Assim, a Carta das Nações Unidas e as obrigações dela decorrentes
detêm superioridade hierárquica sobre as demais fontes do direito
internacional.

Assim, no que tange às fontes do direito internacional público, falamos a


respeito do conceito de fonte (meios pelos quais emanam as normas jurídicas
internacionais) e sobre hierarquia (tradicionalmente, inexiste hierarquia de
fontes do DIP). Todavia, repise-se, existem duas exceções à regra de
inexistência de hierarquia. A primeira delas seria o jus cogens (“fonte” dotada
de superioridade hierarquia), enquanto a segunda seria especificamente a
Carta das Nações Unidas (de acordo com o art. 103, também seria dotada de
superioridade hierárquica).

Visto isso, vamos continuar a análise das fontes do DIP, iniciando a leitura do
art. 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça. Essa é a norma
essencial quando se fala em fontes do direito internacional público. É
importante que se memorize este artigo, na medida em que ele é muito
cobrado em provas. Muitas questões são resolvidas apenas com o
conhecimento do art. 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça. O
examinador tem muita criatividade em retirar perguntas desse artigo. Portanto,
é importante ler e reler esse artigo até conseguir declamá-lo com bastante
tranquilidade.

A Corte, cuja função é decidir de acordo com o direito internacional as


controvérsias que lhe forem submetidas, aplicará:

a. as convenções internacionais, quer gerais, quer especiais, que estabeleçam regras


expressamente reconhecidas pelos Estados litigantes;

b. o costume internacional, como prova de uma prática geral aceita como


sendo o direito;

c. os princípios gerais de direito, reconhecidos pelas nações civilizadas;

d. sob ressalva da disposição do Artigo 59, as decisões judiciárias


e a doutrina dos juristas mais qualificados das diferentes nações, como meio
auxiliar para a determinação das regras de direito. A presente disposição não

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prejudicará a faculdade da Corte de decidir uma questão ex aequo et
bono, se as partes com isto concordarem.

Atenção!

Encontram-se grifadas no texto transcrito expressões e palavras que o examinador


costuma explorar em suas perguntas. Com essas palavras que se encontram
destacadas muitas questões de prova objetiva da Magistratura Federal e do
Ministério Público Federal já podem ser respondidas. Ainda, ex
aequo et bono significa equidade.

3. Classificação das fontes do direito internacional público

Primeiro critério: de acordo com a previsão estatutária.

Atenção!

O art. 38 não esgota todas as fontes do direito internacional público, porquanto


existem fontes mais modernas. Esse Estatuto da Corte Internacional de Justiça foi
elaborado primeiro em 1917, depois reelaborado em 1945 (que copia o texto de
1917). Esse artigo não esgota as fontes do direito internacional público, razão pela
qual a doutrina elaborou esses critérios de classificação.

As fontes estatutárias são aquelas previstas no art. 38 do Estatuto da Corte Internacional de


Justiça, quais sejam: convenções internacionais, costumes, princípios gerais de direito,
doutrina, jurisprudência e equidade. Temos, ainda, as fontes extraestatutárias, as quais não
se encontram arroladas no art. 38, mas que toda a doutrina reconhece: atos unilaterais dos
Estados, decisões das Organizações Internacionais, jus cogens, soft law.

As fontes estatutárias subdividem-se em principais e auxiliares. Lembrem-se de que o art. 38


fala em doutrina e jurisprudência como sendo meios auxiliares para a determinação das
regras de direito. Com base nessa disposição, a doutrina afirma que convenções
internacionais, costumes e princípios gerais de direito são fontes principais.

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No entanto, doutrina e jurisprudência seriam fontes auxiliares. Em outras palavras, o art. 38
alberga duas categorias de fontes: as principais e as auxiliares.

Segundo critério: de acordo com a vontade das partes, temos as fontes convencionais e não
convencionais. As fontes convencionais levam em consideração a vontade das partes, o
consentimento e a anuência (o exemplo principal que temos são os tratados).

As fontes não convencionais são aquelas que independem da anuência das partes
(praticamente todas as demais fontes são não convencionais, pois elas não se baseiam em
acordo de vontades).

4. Fontes em espécie

4.1. Tratados

O que é preciso saber, inicialmente, é que tratados são acordos escritos, concluídos
por pessoas internacionais e regidos pelo Direito Internacional.

4.2. Costume internacional

O que é o costume internacional?

(i) Conceito: o costume internacional é a prática geral e reiterada aceita como sendo Direito. O
próprio art. 38 já traz essa definição, quando afirma que costume é “uma prática geral
aceita como sendo direito”. Esse é o conceito de costume.

(ii) Elementos dentro desse conceito: é possível que sejam extraídos os elementos que
compõem o costume: elemento material ou objetivo e elemento psicológico ou subjetivo. O
elemento material ou objetivo nada mais é do que a prática geral e reiterada. Desse modo,
quando as pessoas internacionais, em sua generalidade, adotam uma prática e começam a
reiterar essa prática, esse é o elemento material ou objetivo. O elemento psicológico ou
subjetivo é a crença na obrigatoriedade dessa prática. Para ser costume é preciso ter esses
dois elementos.

(iii) Costume x Uso: quando falta o elemento subjetivo, não temos o costume, mas passamos
a ter o uso. O uso é exatamente um costume destituído do seu elemento psicológico ou
subjetivo. O uso é apenas uma prática geral e reiterada destituída da crença na sua

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obrigatoriedade. O uso não é fonte do direito internacional – o costume sim. Vimos, quando
estudamos a relação entre direito internacional e direito interno que as normas internacionais
precisam de incorporação para vincular no ambiente interno. O costume, entretanto, não
precisa de incorporação. Se um Estado se vale de determinadas práticas nas suas relações
internacionais, isso já o vincula internamente, independentemente de incorporação. Isso é o que
a doutrina afirma.

(iv) Teoria do objetor persistente ou persistent objector: essa teoria sustenta que a
pessoa internacional que se opuser expressamente a um costume desde a sua formação, não
está vinculada a ele. Sobre essa teoria, existem duas coisas a serem destacadas.

Primeira: a Corte Internacional de Justiça já acolheu em um precedente essa teoria do objetor


persistente, no caso das pescarias. A questão dizia respeito ao limite da plataforma continental
ou do mar territorial na Noruega. A Corte reconheceu que a Noruega nunca admitiu
determinada regra costumeira, razão pela qual ela não estaria vinculada. Esse é um exemplo
de caso de acolhimento da teoria do objetor persistente perante a Corte Internacional de
Justiça, no entanto, trata-se de tema polêmico. O que é necessário saber aqui é que a doutrina
considera esse exemplo (caso das pescarias) como sendo um exemplo de acolhimento da
teoria do objetor persistente.

Embora essa teoria já tenha sido aplicada, atualmente, doutrina e jurisprudência não costumam
aceitá-la, isso porquanto prevalece hodiernamente a Teoria da Escola Objetivista – os sujeitos
internacionais são vinculados por normas que independem da sua vontade, não tendo a
objeção persistente o condão de liberá-las de obrigações impostas a todos os sujeitos
internacionais.

Segunda: a doutrina afirma que a teoria do objetor persistente não se aplica em caso de
normas de jus cogens – somente teria aplicabilidade sobre outras normas internacionais.

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4.3. Princípios gerais de direito

São normas dotadas de maior grau de generalidade e abstração, acolhidas pela grande maioria
das ordens jurídicas do mundo. É possível perceber que quando estamos falando em princípios
gerais de Direito, não estamos falando sobre princípios do Direito Internacional. Estamos
falando sobre princípios do direito interno, mas que são tão respeitados no mundo todo que
são considerados fonte do direito internacional. Se voltarmos ao art. 38 do Estatuto da Corte
Internacional de Justiça, veremos que se afirma expressamente que os princípios de direito
interno precisam ser reconhecidos pelas nações civilizadas.

Atenção!

É importante que os princípios gerais de direito não sejam confundidos com


princípios gerais do direito, na medida em que os princípios gerais do direito
são princípios do direito internacional.

Exemplos de princípios gerais de direito: pacta sunt servanda, coisa julgada, vedação ao
enriquecimento ilícito. Tais princípios são adotados por praticamente todas as ordens jurídicas
e, por isso, são considerados fontes do direito internacional. Por outro lado, temos como
exemplos de princípios do direito internacional: autodeterminação dos povos, não intervenção
nos negócios internos dos Estados (princípio da não intervenção), princípio da igualdade dos
Estados.

Concluindo, é muito importante que saibamos que o que está mencionado no art. 38 do
Estatuto da Corte Internacional de Justiça são princípios gerais de direito. Estes não se
confundem com os princípios gerais do direito, que são princípios do direito internacional.

4.4. Jurisprudência internacional

Trata-se do conjunto de decisões reiteradas dos tribunais internacionais. Aqui há uma questão
importante: A jurisprudência internacional vincula as normas jurídicas internacionais? Em outras
palavras: o fato de se ter decisões reiteradas vincula as pessoas internacionais?

Não. Por esse motivo, pode-se afirmar que a jurisprudência internacional não é uma genuína
fonte do Direito Internacional, sendo apenas um meio persuasivo. No entanto, não chega a ser
uma fonte, pois da jurisprudência internacional não saem normas jurídicas.

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A sentença da Corte Internacional de Justiça não é um pronunciamento de efeito erga
omnes, pois, conforme estabelece o art. 59 do seu Estatuto, sua decisão “só será
obrigatória para as partes litigantes e a respeito do caso em questão”.

Assim, não estaríamos diante de uma fonte do Direito, nos termos do conceito que estudamos.
Desse modo, jurisprudência, que é entendida como o conjunto das decisões reiteradas dos
Tribunais, não pode ser considerada uma fonte do direito internacional, a despeito de estar
prevista no art. 38 do Estatuto da Corte Internacional.

Ainda, importante ater-se de que a doutrina internacionalista entende ser a jurisprudência das
Cortes internas relevante ao direito internacional, estando incluídas na referência do art. 38.

4.5. Doutrina

A doutrina é o conjunto das opiniões dos estudiosos do direito. Será que doutrina, apesar de
prevista no art. 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça, é fonte do direito internacional
público?

Para boa parte dos doutrinadores, a doutrina não é fonte do direito internacional público,
porquanto da doutrina não emanam normas jurídicas – a doutrina tem apenas uma força
persuasiva. Por isso, diante de uma questão objetiva, é necessário verificar, inicialmente, se o
que o examinador quer saber é se o candidato sabe que a doutrina se encontra mencionada no
art. 38. Se o leitor perceber que o examinador quer isso, deve-se dizer que doutrina é fonte.
Agora, se perceber que o examinador quer saber se o candidato tem conhecimento de que os
autores não consideram a doutrina uma fonte do direito internacional público, então é possível
afirmar que a doutrina não é fonte. Logo, irá depender desse sentimento que o candidato terá
na hora em que for resolver a questão. O importante é saber o seguinte: a doutrina é
mencionada no art. 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça como fonte auxiliar, mas a
própria doutrina afirma que não se trata de fonte do direito internacional público, tendo em vista
que não há produção de normas jurídicas.

4.6. Equidade

A equidade consiste na aplicação da justiça ao caso concreto. Seria, em uma linguagem


aristotélica, o mesmo que “aparar as arestas da lei”. Vimos que a equidade é mencionada no
art. 38, mas que somente poderá ser aplicada em caso de concordância das partes.

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Assim, havendo concordância, a Corte poderá julgar com base na equidade (aplicação da
justiça ao caso concreto). Aqui também surge uma questão: A despeito de mencionada no art.
38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça, a equidade é uma fonte do direito internacional
público?

A doutrina tem dito que a equidade é, na verdade, um mecanismo de integração. A equidade


é aplicada nas hipóteses em que falta uma norma específica para regular um dado caso.
Quando há uma lacuna, julga-se por equidade. Por essa razão, a equidade não seria uma fonte
do direito internacional público, mas, sim, um mecanismo integrativo de lacunas.

4.7. Analogia

Trata-se de uma fonte que também é bastante polêmica. Analogia é a aplicação a um caso
concreto de uma norma que foi feita para regular outro caso. Aplica-se uma norma que, a
princípio não regeria uma determinada situação, a um caso análogo. A analogia pode ser
resumida no seguinte raciocínio: não existe uma norma para o caso, mas aplica-se uma norma
que rege outro caso semelhante.

Apesar de alguns autores citarem a analogia como fonte do direito internacional público, a
maioria da doutrina entende que, tecnicamente, a analogia não é fonte do direito internacional
público – também seria um mecanismo integrativo de lacunas, pois a técnica é utilizada quando
inexiste norma capaz de regular um caso. A analogia não é um meio pelo qual as normas
jurídicas entram na ordem jurídica. Analogia é um raciocínio; é um mecanismo de integração
de lacunas.

4.8. Atos unilaterais dos Estados

Aqui, sim, estamos diante de uma verdadeira fonte do direito internacional. O que são atos
unilaterais dos Estados? São manifestações de vontade dos Estados que geram efeitos
jurídicos. Portanto, emanam normas jurídicas desses atos unilaterais e, por essa razão, os atos
unilaterais dos Estados podem ser considerados fonte do Direito. Os atos unilaterais dos
Estados podem ser expressos ou tácitos.

Expressos são aqueles manifestados verbalmente, seja pela forma oral ou escrita. Os atos
tácitos, por outro lado, são aqueles que decorrem do comportamento dos Estados. São
exemplos de atos unilaterais dos Estados: promessa, reserva, renúncia, denúncia,
reconhecimento de Estado e reconhecimento de governo.

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O reconhecimento de Estado, que é um ato pelo qual o Estado reconhece que outro Estado
existe, pode ser expresso (via declaração ou nota) ou tácito (envio de uma representação
diplomática para o novo Estado).

4.9. Decisões das Organizações Internacionais

São as manifestações de vontade das Organizações Internacionais, que possuem efeitos


jurídicos externos a elas. Por exemplo, as resoluções das Organizações Internacionais.

Dessa maneira, tem-se como exemplo uma resolução do Conselho de Segurança da ONU.
Também existem atos das ORGs (Organizações Internacionais), que
são chamados de decisões e produzem efeitos para os Estados. Essas decisões também
constituem fonte do Direito Internacional.

Obra coletiva do Curso Ênfase produzida a partir da análise estatística de incidência dos temas
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