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ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

MINISTÉRIO PÚBLICO
PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA FAZENDA PÚBLICA E DOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS DE PORTO ALEGRE
Procedimento nº 00843.001.558/2023 — Recurso Inominado Cível

Processo Judicial  5002598-50.2021.8.21.0160 


Comarca de Porto Alegre 
4ª Relatoria da 2ª Turma Recursal da Fazenda Pública
Polo ativo: Estado do Rio Grande do Sul, CNPJ nº 87.934.675/0001-96

Polo passivo: Alcenira Machado, Br, CPF nº 884.806.580-53

PARECER PELO MINISTÉRIO PÚBLICO

Colenda Turma Recursal:

Trata-se de recurso inominado interposto contra a sentença proferida no Juizado

Especial da Fazenda Pública que julgou procedente ação que busca condenar o ente

público acima mencionado ao fornecimento do medicamento FORTEO (Teriparatida)

250mcg/dia.

O ente público recorrente, em razões de irresignação, refere, em suma, que o

medicamento postulado é de responsabilidade da União Federal por não figurar em

lista do SUS, consoante aplicação do Tema 793 do STF.

Foi oportunizada resposta ao recurso inominado.

Vieram os autos com vista ao Ministério Público para parecer.

É o sucinto relatório.

Av. Aureliano de Figueiredo Pinto, 80 - 6º Torre Norte, Bairro Praia de Belas, CEP 90050-190, Porto Alegre, Rio Grande do Sul
Tel. (51) 32951559 ramal 1559 — E-mail coordfp@mprs.mp.br
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1.   Juízo de admissibilidade.

Encontram-se preenchidos os pressupostos de admissibilidade recursal.

O recurso interposto é adequado à espécie de acordo com o previsto nos artigos

3º e 4º da Lei n° 12.153/09, que dispõe sobre os Juizados Especiais da Fazenda Pública

no âmbito dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, pois busca

a reforma de sentença judicial.

Apresenta regularidade formal e é tempestivo. O recorrente é parte legítima para

sua interposição e possui interesse na reforma da decisão, uma vez sucumbente.

Há hipótese de dispensa de preparo recursal em razão da qualidade da parte.

 Assim, o recurso inominado é de ser conhecido.

2. Mérito.

                                  Sobre a matéria acima mencionada, reza o Tema 793 do

Supremo Tribunal Federal:

“Os entes da federação, em decorrência da competência comum, são


solidariamente responsáveis nas demandas prestacionais na área da
saúde, e diante dos critérios constitucionais de descentralização e
hierarquização, compete à autoridade judicial direcionar o cumprimento
conforme as regras de repartição de competências e determinar o
ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro.”

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No julgamento dos Embargos de Declaração, ocorrido em 16 de abril de 2020, o

Ministro Edson Fachin, uma vez designado para redigir o acórdão, delimitou seis

conclusões.

         Destaca-se a 4ª conclusão:

              “se o ente legalmente responsável pelo financiamento da


obrigação principal não compuser o polo passivo da relação
jurídico-processual, sua inclusão deverá ser levada a efeito pelo
órgão judicial, ainda que isso signifique deslocamento de
competência; [grifos acrescidos]

           Na 5ª conclusão, aponta:

                  “se a pretensão veicular pedido de tratamento,


procedimento, materiais ou medicamentos não incluídos nas
políticas públicas, a União comporá necessariamente o polo
passivo, considerando que o Ministério da Saúde detém
competência para a incorporação, exclusão ou alteração de novos
medicamentos, produtos, procedimento, bem como constituição ou
alteração de protocolo clínico ou diretriz terapêutica. De modo que
recai sobre ela (União) o dever de indicar o motivo ou as razões da
não padronização, e eventualmente iniciar o procedimento de
análise de inclusão”. [grifos acrescidos]

                        Ainda, o Ministro Fachin afirmou que a forma como vinha sendo

interpretada a fixação da tese de solidariedade somente aumentou a judicialização em

matéria de saúde, com o correlato aumento dos gastos públicos, mas sem a

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correspondente melhora no sistema público de saúde, ou seja, o sistema está gastando

mais e atendendo pior.

                          Destacou o Ministro um estudo comparativo que demonstra os

Municípios como aqueles que mais gastam com saúde, seguido dos Estados e por fim

da União, conforme abaixo se percebe:

             “A propósito, um estudo comparativo mencionado por Renato


Luís Dresch (Federalismo Solidário: a responsabilidade dos entes
federativos na área da saúde. In SANTOS, Lenir; TERRAZAS, Fernanda
(org). Judicialização da Saúde no Brasil. Campinas: Saberes, 2014. p. 31)
permitiu concluir: “Os Municípios ainda são os mais sacrificados com os
gastos com saúde. Com base em dados do ano de 2012 constata-se que
os Municípios gastaram em média 21,45% de receitas próprias, os
Estados membros investiram em média 12,69%, enquanto a União
gastou apenas 3,9% do PIB”.

           Ademais, discorre o Ministro que:

                  “Como visto, Estados e Municípios (em especial os


economicamente mais débeis) são os mais atingidos pela
inobservância das leis e pactos do SUS, pois são compelidos por
ações judiciais a custear medicamentos e tratamentos que não
estão e sequer estariam sob sua responsabilidade, segundo as
normas legais (e pactuadas, nos termos da lei) de distribuição de
competências”. [grifos acrescidos]

          E, por fim, conclui o Ministro Fachin que:

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         "De todo o exposto, é possível concluir que, em minha óptica, a


solidariedade tal como interpretada - “irrestritamente” (ou seja:
conferindo poder ilimitado de escolha ao cidadão e impossibilitando a
adequada discussão e defesa por parte do ente político legalmente
responsável; a) tem aprofundado as desigualdades sociais e não as
diminuído; b) tem piorado a prestação da saúde mais básica: retirado
recursos inclusive de medidas preventivas, como do saneamento básico e
da vacinação infantil, da atenção à saúde dos idosos; c) tem
desestruturado o sistema de saúde e orçamentário dos entes políticos; d)
tem aumentado exponencialmente gastos sem a correlata melhora na
prestação de saúde; e ainda: e) tem retirado do campo próprio – do
Legislativo, ao desrespeitar as normas legais de regência e do Executivo,
ao retirar-lhe a escolha e a gestão – os poderes de planejar, executar e
gerir políticas públicas – atribuições constitucionalmente definidas. Em
face desse quadro, visualizo, por meio do aprimoramento da
jurisprudência quanto à solidariedade, a possibilidade de dar um passo à
frente para racionalizar o sistema do SUS, conferir-lhe eficiência,
incluindo a economia (com menos recursos, obter melhores resultados)."

           Verifica-se, dessa maneira, que o Supremo Tribunal Federal reafirmou a

regra da responsabilidade solidária entre os entes federativos no tocante à garantia do

direito à saúde. No entanto, impõe ao julgador que avalie qual ente público é o

responsável para integrar o polo passivo da ação, mesmo que decorra da declinação de

competência para a Justiça Federal, que serão naqueles casos em que a União for a

responsável pela dispensação do fármaco.

            Nesse sentido, recente decisão do E. Tribunal de Justiça do RS:

               APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO À SAÚDE. FORNECIMENTO DE


MEDICAMENTO. CRIZOTINIBE 250MG. TEMA 793 DO STF.
SOLIDARIEDADE DOS ENTES PÚBLICOS NOS SERVIÇOS DE SAÚDE.

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FÁRMACO NÃO INTEGRANTE DA LISTA DE DISPENSAÇÃO DO


SUS. NECESSIDADE DE INCLUSÃO DA UNIÃO. 1. O fármaco
postulado - Crizotinibe 250mg – não integra as listas do SUS,
tampouco está inserido nos protocolos estabelecidos pelos Cacon’s,
cujo custeio se dá por meio de verbas orçamentárias federais. 2. Ao
julgar os embargos de declaração no RE 855.178, Tema nº 793/STF, o
Ministro Edson Fachin, dentre outros conclusões, estabeleceu que “Se
o ente legalmente responsável pelo financiamento da obrigação
principal não compuser o polo passivo da relação jurídico processual,
sua inclusão deverá ser levada a efeito pelo órgão julgador, ainda que
isso signifique deslocamento de competência” e “Se a pretensão
veicular pedido de tratamento, procedimento, material ou
medicamento não incluído nas políticas públicas (em todas as suas
hipóteses), a União necessariamente comporá o polo passivo”. 3. Na
espécie, há dois fatores que determinam a inclusão da União no
polo passivo: é a responsável legal pelo financiamento da
obrigação principal e o medicamento postulado não está incluído
nas políticas públicas do SUS. SENTENÇA DESCONSTITUÍDA. APELO
PREJUDICADO. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70083918490, Vigésima
Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Felipe
Silveira Difini, Julgado em 17/04/2020) [grifos acrescidos]

                De resto, necessário é consignar que o direito deve ser analisado com

a situação fática atual (e não do que passou), a qual tem mostrado que todo o Sistema

Único de Saúde está organizado para atender a população e implementar as diretrizes

para incorporação e fornecimento de medicamentos.

                          Entender de forma diversa levará o Sistema Único de Saúde a sua

desestruturação, com a tendência de acarretar a sua falência, conforme discorreu o

Ministro Fachin no julgamento Embargos de Declaração do Tema 793, in verbis:

           “a compreensão de que qualquer cidadão pode demandar


qualquer pessoa política, independentemente do que prevê a lei e

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as pactuações no âmbito do SUS sobre a respectiva atribuição,


aliada ao fato de não se admitir o chamamento (do ente correto)
aos processo, tende a acarretar a falência do SUS em médio ou
longo prazo”. [grifos acrescidos]

             Partindo-se de tais premissas, bem assim diante das conclusões citadas

(vide 4ª conclusão alhures destacada) pelo Ministro Edson Fachin, no julgamento dos

Embargos de Declaração ocorrido em 16 de abril de 2020, considerando-se que o

fármaco ora postulado faz parte do grupo de medicamentos cuja aquisição é

centralizada pelo Ministério da Saúde, sendo tal órgão público federal competente, de

forma privativa, de fazer integrar ou não em lista das substâncias alcançadas pelo SUS,

acertada é a inclusão da União Federal no polo passivo da lide, com remessa dos autos

a Justiça Federal, competente para a análise da matéria por regra de natureza absoluta.

              Destarte, o recurso inominado enseja provimento sendo pertinente, até

reexame a cargo da Justiça Federal, manutenção de providência provisória, em sede de

tutela de urgência, caso deferida.             

                        Ante o exposto, o Ministério Público é de parecer no sentido do

conhecimento e provimento do recurso, reformando-se a sentença, nos termos acima

elencados.

Porto Alegre, 17 de janeiro de 2023.


 
Andréa Cecim Fortes,
Promotora de Justiça.
 

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