COMARCA DE ITUMBIARA AUTOR: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS RÉUS: SECRETÁRIO DE SAÚDE DO MUNICÍPIO DE ITUMBIARA E OUTRO RELATOR: DES. LEOBINO VALENTE CHAVES
EMENTA: REEXAME NECESSÁRIO. MANDADO DE
SEGURANÇA. OMISSÃO DO MUNICÍPIO. DISPONIBILIDADE DE TRATAMENTO MÉDICO COM USO DE BOLSAS DE COLOSTOMIA. CUSTEIO. RESPONSABILIDADE. DIREITO LÍQUIDO E CERTO. SAÚDE. 1. A saúde é direito de todos e foi alçado à categoria de direitos fundamentais pelo Constituinte e reafirmado no art. 196 da CF. 2. Ofende direito líquido e certo o ato omissivo da Administração Pública que deixa de fornecer ao cidadão, os meios necessários ao tratamento médico indispensável à saúde, admitindo, assim, correção via mandamus, por ser dever das autoridades públicas, como representantes do Estado, assegurarem a todas as pessoas, indistintamente, o direito à vida e à saúde, conforme preconizado no artigo 196 da Constituição Federal. REEXAME NECESSÁRIO CONHECIDO E DESPROVIDO.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos da Remessa Necessária nº
5699652.93.2019.8.09.0087, acordam os componentes da Primeira Turma Julgadora
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Votaram, além do Relator, o Desembargadores Walter Carlos Lemes e o Dr.
Fernando de Castro Mesquita, em substituição aos e Zacarias Neves Coêlho.
Presidiu a sessão o Desembargador José Carlos de Oliveira.
Como representante da Procuradoria-Geral de Justiça, a Dra. Márcia de
Oliveira Santos.
Goiânia, 08 de março de 2021.
DES. LEOBINO VALENTE CHAVES
Relator
VOTO
A Lei do Mandado de Segurança (n. 12.016/2009) conta com regra cujos
efeitos são imperativos, condicionando-o, em seu § 1º do art. 14, ao duplo grau de jurisdição obrigatório, a fim de que seja reexaminada a matéria abarcada no writ. Assim, quando os pressupostos de admissibilidade encontrarem-se preenchidos, imprescindível faz-se o REEXAME NECESSÁRIO. Inicialmente, convém consignar que o Constituinte brasileiro alçou a saúde a um direito e garantia fundamental, destacando-o dentre os Direitos Sociais (caput do art. 6º da CF/88). Não bastasse, no Título VIII da Constituição da República, o qual cuida “Da Ordem Social”, no Capítulo II, destinado à Seguridade Social, o direito à saúde garantido pelo Poder Público também restou devidamente assegurado, consoante se vê, especialmente, no art. 196, cuja Seção II destina-se exatamente a esse tema, in verbis:
“Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante
políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de
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Depreende-se, portanto, que a saúde é um direito de todos, devendo o
Estado garanti-la às pessoas mediante políticas sociais e econômicas, primando pelos princípios da universalidade e igualdade, diretrizes extraídas da Constituição Federal. Ressumbra da norma elaborada pelo Constituinte Federal ser indubitável o dever do Estado (lato senso) que proíbe quaisquer óbices ao cumprimento desse mister, sobretudo pelo fato de que o direito em testilha, qual seja, à saúde, é consectário lógico e indissociável do direito à vida. Há, ainda, nessa gama de documentos legislativos que priorizam a saúde, a Lei 8.080/1990, que dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a qual assim prescreve em seu § 1º do art. 2º:
“Art. 2º A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado
prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício.
§ 1º O dever do Estado de garantir a saúde consiste na formulação e execução
de políticas econômicas e sociais que visem à redução de riscos de doenças e de outros agravos e no estabelecimento de condições que assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e recuperação.”
O Pretório Excelso já pronunciou-se sobre o tema asseverando que o Estado
(lato senso) não pode se eximir do dever de propiciar os meios necessários ao gozo do direito à saúde, sendo, inclusive, direito da parte interessada pleiteá-lo de qualquer um dos entes públicos solidários:
“AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO À SAÚDE.
MENOR PORTADOR DE DOENÇA GRAVE. FORNECIMENTO PELO PODER PÚBLICO DE FRALDAS DESCARTÁVEIS. INEXISTÊNCIA DE OFENSA AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. SOLIDARIEDADE DOS ENTES FEDERATIVOS. PRECEDENTES. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é firme no sentido de que, apesar do caráter meramente programático atribuído ao art. 196 da Constituição Federal, o Estado não pode se eximir do dever de propiciar os meios necessários ao gozo do direito à saúde dos cidadãos. O Poder Judiciário pode, sem que fique configurada violação ao princípio da separação dos Poderes, determinar a implementação de políticas públicas nas questões relativas ao direito constitucional à saúde. Trata-se de obrigação solidária de todos os entes federativos, podendo ser pleiteado de qualquer deles, União, Estados, Distrito Federal ou Municípios. Ausência de argumentos capazes de infirmar a decisão agravada. Agravo regimental a que se
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O Superior Tribunal de Justiça também possui posicionamento alinhado com
o Supremo Tribunal Federal:
“ADMINISTRATIVO. DIREITO À SAÚDE. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS
ENTES FEDERATIVOS PELO FUNCIONAMENTO DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE.INEXISTÊNCIA DE LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO. LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM DO ESTADO. LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. CERCEAMENTO DE DEFESA. REVISÃO. SÚMULA 7/STJ.1. A presente divergência (legitimidade passiva do Estado para integrar a lide e legitimidade ativa do Ministério Público, que pretende o fornecimento de medicamentos à menor cuja provedora não dispõe de recursos para custear o tratamento médico) não guarda similitude com a matéria submetida ao procedimento do art. 543-C do CPC no REsp 1.102.457/RJ.2. O funcionamento do Sistema Único de Saúde é de responsabilidade solidária da União, dos Estados e dos Municípios, de modo que qualquer um desses entes tem legitimidade ad causam para figurar no polo passivo de demanda que objetiva a garantia do acesso a medicamentos para tratamento de problema de saúde. Precedentes. 3. O Ministério Público possui legitimidade ativa para ajuizar ação civil pública que visa ao fornecimento de medicamento a pessoa que não tem condições financeiras de arcar com o tratamento médico, por se tratar de direito indisponível. Precedentes. 4. Reavaliar a necessidade, ou não, da prova pericial requerida, a fim de verificar a existência de cerceamento de defesa, exige análise de provas e fatos, o que atrai para o recurso especial o óbice da Súmula 07/STJ. 5. Agravo regimental não provido” (AgRg no REsp 1297893/SE, Rel. Ministro Castro Meira, SEGUNDA TURMA, julgado em 25/06/2013, DJe 05/08/2013). – Grifei.
“ CONSTITUCIONAL. RECURSO ORDINÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA
OBJETIVANDO O FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO (RILUZOL/RILUTEK) POR ENTE PÚBLICO À PESSOA PORTADORA DE DOENÇA GRAVE: ESCLEROSE LATERAL AMIOTRÓFICA - ELA. PROTEÇÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS. DIREITO À VIDA (ART. 5º, CAPUT, CF/88) E DIREITO À SAÚDE (ARTS. 6º E 196, CF/88). ILEGALIDADE DA AUTORIDADE COATORA NA EXIGÊNCIA DE CUMPRIMENTO DE FORMALIDADE BUROCRÁTICA. 1 - A existência, a validade, a eficácia e a efetividade da Democracia está na prática dos atos administrativos do Estado voltados para o homem. A eventual ausência de cumprimento de uma formalidade burocrática exigida não pode ser óbice suficiente para impedir a concessão da medida porque não retira, de forma alguma, a gravidade e a urgência da situação da recorrente: a busca para garantia do maior de todos os bens, que é a própria vida. 2 - É dever do Estado assegurar a todos os cidadãos, indistintamente, o direito à saúde, que é fundamental e está consagrado na Constituição da República nos artigos 6º e 196. 3 - Diante da negativa/omissão do Estado em prestar atendimento à população carente, que
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Outro não é o entendimento desta Corte goiana de Justiça, senão aquele
consolidado pelos Tribunais Superiores:
"MANDADO DE SEGURANCA. REMESSA OBRIGATORIA. APELACAO
LEGITIMIDADE DO MINISTERIO PUBLICO. DIREITO LIQUIDO E CERTO. SAUDE. ATO OMISSIVO DO SECRETARIO MUNICIPAL DE SAUDE. 1 - O Ministério Público é órgão legítimo para requisitar o medicamento em sede de procedimento administrativo e impetrar mandado de segurança como substituto processual. 2 - Ofende direito líquido e certo o ato omissivo da Administração Pública em propiciar os meios necessários ao tratamento médico indispensável à saúde do paciente substituto, admitindo correção via mandamus, eis que é dever das autoridades públicas assegurar a todos os cidadãos, indistintamente, o direito a saúde, conforme preconizado no artigo 196 da Constituicao Federal. 3 - Estando o mandamus em referência consubstanciado em prova robusta dos fatos sobre que assentou a pretensão, tem-se que a ação atendeu ao requisito da prova pré-constituída. 4 - Se o processo não contém nulidades que devam ser declaradas de ofício e a sentença submetida a reexame esta alicerçada na lei e no direito, impende a sua confirmação pelo Tribunal. Remessa e Apelação conhecidas e improvidas. Sentença confirmada." (TJGO, DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO 14523-6/195, minha relatoria, 1ª CÂMARA CÍVEL, julgado em 19/06/2007, DJe 15041 de 13/07/2007)
Imperioso consignar, ainda, que não restam dúvidas quanto a
responsabilidade das autoridades públicas municipais na hipótese vertente, conforme previsão do artigo 198, inciso I, da Carta Magna de 1988, ipsis litteris:
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I - descentralização, com direção única em cada esfera de governo;
Evidente, portanto, com fulcro na jurisprudência colacionada, bem como por
força das regras constitucionais e infraconstitucionais, que a autoridade pública municipal é, também, responsável pelo tratamento médico daqueles que necessitam. No caso dos autos, restou comprovado que o substituído necessita de tratamento com uso de bolsas de colostomia e equipamentos, portanto, indene de correção a sentença exarada pelo Magistrado a quo. Assim, na hipótese vertente, o reexame necessário deve ser desprovido, de acordo com os fundamentos constitucionais e legais acima alinhavados, do mesmo modo que por força da jurisprudência consolidada nesta Corte goiana e nos Tribunais Superiores.
ANTE O EXPOSTO, conheço do reexame necessário, porém, desprovejo-o
para manter incólume a sentença concessiva da segurança.
Sem custas nem honorários, nos termos da lei.
É o voto.
Goiânia, 08 de março de 2021.
Des. LEOBINO VALENTE CHAVES
Relator LNE
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