Você está na página 1de 5

Trata-se de AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER proposta por JOÃO SOARES DE

AQUINO em desfavor do ESTADO DE GOIÁS, ambos devidamente qualificados na


exordial.

Narram os autos que "A parte autora é portadora de neoplasia maligna de fígado estágio
Tipo IV (localmente avançado) – HEPATOCARCINOMA, com indicação para uso do
medicamento SORAFENIBE.

Salienta que o medicamento é registrado na ANVISA, contudo, não incorporado ao


SUS, o que motivou o ajuizamento da ação frente a desídia do requerido.

Requereu a concessão da medida liminar para disponibilização do fármaco


SORAFENIBE.

Em sede de mérito pediu a procedência do pedido, determinando-se aos Réus o


fornecimento e custeio do tratamento integral.

Fez os demais pedidos de estilo e anexou documentos.

Parecer do NATJus acostado aos autos.

Devidamente citados, os requeridos apresentaram contestação destacando a ausência do


direito alegado.

Pediram a improcedência dos pedidos iniciais.

Contestações Impugnadas.

Parecer do Ministério Público.

Após a devida instrução processual, os autos vieram-me conclusos para prolação de


sentença.

É, em síntese, o relatório.

Passo a decidir.

Primeiramente, ressalto que os autos encontram-se suficientemente instruídos para a


prolação da sentença, não havendo necessidade de produção de mais provas, vez que a
matéria colocada em discussão é meramente de direito, encontrando-se no bojo
processual a documentação pertinente, razão pela qual, presentes os requisitos do artigo
355, inciso I do Código de Processo Civil, passo ao julgamento antecipado da lide.

Pelo que verifico do álbum processual, mercê dos documentos colacionados, o autor é
portador de neoplasia maligna de fígado estágio Tipo IV (localmente avançado) –
HEPATOCARCINOMA, com a necessidade de utilização de fármaco específico para
prosseguir com o tratamento indicado e necessário à preservação da sua saúde.
Em proêmio, cinge-se a questão acerca da responsabilidade do requerido no
fornecimento de medicamentos não incorporados ao SUS. Pois bem. Diante da
dificuldade do equacionamento entre a máxima efetividade do direito fundamental à
saúde e a barreira intransponível oriunda da reserva do possível, o Superior Tribunal de
Justiça, em sede de julgamento de recurso especial repetitivo (Tema 106), fixou três
parâmetros objetivos que conferem validade à exigência de medicamentos não
incorporados em atos normativos expedidos pelo Sistema Único de Saúde:

a) “comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido


por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do
medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos
fornecidos pelo SUS”;

b) “incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito”;

c) “existência de registro na ANVISA do medicamento”

Assim sendo, a necessidade do medicamento é deduzida através de Laudo Médico


assinado ao passo que a efetividade do mesmo é confirmada pelo Parecer do NATJus. A
incapacidade financeira evidencia-se frente ao alto custo do fármaco, enquanto o
registro perante o ente de fiscalização sanitária é fato incontroverso nos autos, razão
pela qual o reconhecimento da obrigação do Estado em fornecer o medicamento
pretendido é medida que se impõe.

De início é bom ressaltar que o direito à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível,
assegurada a todas as pessoas indistintamente pela própria Constituição da República,
independente da condição financeira, conforme dispõe o artigo 196, in verbis:

A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e


econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso
universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

Por sua vez, o artigo 198 da CF, que trata das ações e serviços públicos de saúde, informa,
em seu inciso II, que o atendimento deverá ser integral, com prioridade para as atividades
preventivas, sem prejuízo dos serviços sociais.

A Constituição do Estado de Goiás também dispõe sobre a prestação da assistência


médica integral em seus arts. 152 e 153, inciso IX, nos seguintes termos, litteris:

Art. 152 - A saúde é direito de todos e dever do Estado, assegurada mediante políticas
sociais e econômicas que visem à eliminação do risco de doenças, à prevenção de
deficiências e a outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e aos serviços
para a sua promoção, proteção e recuperação.

Art. 153 - Ao sistema unificado e descentralizado de saúde compete, além de outras


atribuições:
............................................................

IX - Prestar assistência integral nas áreas médica, odontológica, fonoaudiológica,


farmacêutica, de enfermagem e psicológica aos usuários do sistema, garantindo que
sejam realizadas por profissionais habilitados; (grifou-se)

Ao discorrer acerca da garantia constitucional à saúde, o ilustre constitucionalista José


Afonso da Silva, in Curso de Direito Constitucional Positivo, 23ª edição, Malheiros, explica:

É espantoso como um bem extraordinariamente relevante à vida humana só agora é


elevado á condição de direito fundamental do homem. E há de informar-se pelo princípio
de que o direito igual à vida de todos os seres humanos significa também que, nos casos
de doença, cada um tem o direito a um tratamento condigno de acordo com o estado atual
da ciência médica, independentemente de sua situação econômica, sob pena de não ter
muito valor sua consignação em normas constitucionais. O tema não era de todo estranho
ao nosso Direito Constitucional anterior, que dava competência à União para legislar sobre
defesa e proteção à saúde, mas isso tinha sentido de organização administrativa de
combate às endemias e epidemias. Agora é diferente, trata-se de um direito do homem
(páginas 307/308).

Dessarte, as ações e serviços na área da saúde têm por diretriz o atendimento integral do
indivíduo, onde se inclui, sem sombra de dúvida, a realização do procedimento cirúrgico
necessário à preservação da saúde e da vida.

Cumpre salientar que o núcleo essencial aqui defendido é a proteção da Dignidade da


Pessoa Humana, princípio que atua no sistema jurídico brasileiro, potencializando os
direitos fundamentais e o Estado Constitucional.

Clenio Jair Shulze (p.29, 2015) leciona que “a necessidade de concretização dos direitos
fundamentais sociais como promessa da (pós) modernidade, a crise do estado-legislador e
a crise do Estado-administrador, o excesso de burocratismo são alguns dos fatores que
ensejam a ascensão institucional do Poder Judiciário brasileiro nos últimos vinte anos”.

De fato, não pode o Poder Judiciário se abster de proteger direitos constitucionalmente


previstos. Para o jurisdicionado, ele apresenta-se como catalisador no tocante a tutela dos
referidos direitos. Por esse motivo, experimenta-se a judicialização da saúde, tendo em
vista a plasticidade encontrada no Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, que é um
princípio relativo, devendo ser regido por outro princípio ou valor constitucional para
embasar sua fundamentação jurídica.

No caso em análise, os princípios alicerces ao supramencionado, são: o mínimo


existencial em saúde, a vedação do retrocesso social e o dever de progresso em saúde. A
respeito do primeiro, o Supremo Tribunal Federal em sede de Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental n° 45 reconheceu a estrutura do mínimo
existencial, que por sua importância cito:
ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. A QUESTÃO DA
LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DO CONTROLE E DA INTERVENÇÃO DO PODER
JUDICIÁRIO EM TEMA DE IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS, QUANDO
CONFIGURADA HIPÓTESE DE ABUSIVIDADE GOVERNAMENTAL. DIMENSÃO
POLÍTICA DA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL ATRIBUÍDA AO SUPREMO TRIBUNAL
FEDERAL. INOPONIBILIDADE DO ARBÍTRIO ESTATAL À EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS
SOCIAIS, ECONÔMICOS E CULTURAIS. CARÁTER RELATIVO DA LIBERDADE DE
CONFORMAÇÃO DO LEGISLADOR. CONSIDERAÇÕES EM TORNO DA CLÁUSULA DA
“RESERVA DO POSSÍVEL”. NECESSIDADE DE PRESERVAÇÃO, EM FAVOR DOS
INDIVÍDUOS, DA INTEGRIDADE E DA INTANGIBILIDADE DO NÚCLEO
CONSUBSTANCIADOR DO “MÍNIMO EXISTENCIAL”. VIABILIDADE INSTRUMENTAL
DA ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO NO PROCESSO DE CONCRETIZAÇÃO DAS
LIBERDADES POSITIVAS (DIREITOS CONSTITUCIONAIS DE SEGUNDA GERAÇÃO)

A argumentação utilizada pelo Ministro Celso de Melo, gira em torno da


omissão do Estado que deixa de cumprir, em maior ou em menor extensão, a imposição
ditada pelo texto constitucional - qualifica-se como comportamento revestido da maior
gravidade político-jurídica, eis que, mediante inércia, o Poder Público também desrespeita
a Constituição, também ofende direitos que nela se fundam e também impede, por
ausência de medidas concretizadoras, a própria aplicabilidade dos postulados e princípios
da Lei Fundamental.”(RTJ 185/794-796, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno)

Nesse diapasão, as denominadas teorias do “mínimo existencial” e da


“reserva do possível” não se prestam para negar efetividade à Constituição Federal, bem
como aos direitos fundamentais à saúde e à vida nele anunciados, principalmente num
contexto brasileiro de corrupção e má gestão de recursos públicos.

Em confluência com o exposto, o Ministro Luís Roberto Barroso, em


Audiência Pública realizada em 2009, defende:

Parece-me fora de dúvida que, se alguém vai a juízo postular um determinado


medicamento ou procedimento, simplesmente porque não existe política pública em
relação aquela necessidade, ou a política pública é manifestamente inadequada, o
Judiciário deve agir. E acho que o Judiciário deve agir não apenas atendendo à postulação
individual, mas, onde não exista política pública, o judiciário deve ser responsável por
deflagrar um diálogo institucional e compelir a autoridade pública a ter alguma política
articulada em relação àquela demanda. Portanto, onde não haja um mínimo de atuação
razoável, acho que a judicialização é possível e desejável não apenas para atender à
postulação individual, mas para contribuir para a criação de alguma política pública.

É certo, que o Judiciário deve prestar vigilância para que não incorra nos
extremos, de um lado a rejeição da mera programaticidade, e de outro, a banalização das
decisões de fornecimento de medicamento sem passar anteriormente por um crivo de
razoabilidade e proporcionalidade.

Desse modo, é imperiosa à conclusão de que as provas apresentadas


pela Requerente subsidiam o direito de se exigir dos Requeridos que receba o tratamento
prescrito pelo médico que lhe assiste, notadamente a disponibilização do leito vascular.

Nessa linha de raciocínio, a demora no fornecimento do leito requerido fere os direitos à


saúde e à vida, bem como o princípio da dignidade da pessoa humana, tendo em vista que
impede que a Requerente tenha melhora na sua qualidade de vida e o expõe à sorte da
evolução de sua enfermidade.

Ante ao exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido vestibular, determinando aos


Requeridos o fornecimento e custeio do fármaco SORAFENIBE, enquanto necessário
para o tratamento.

Com fulcro no artigo 85, § 3º, inciso I, combinado com o § 8º do Código de Processo Civil,
condeno o requerido ao pagamento de honorários advocatícios que arbitro em 10% (dez
por cento) sobre o valor da causa.

Transcorrido o prazo para a interposição do recurso voluntário, arquivem-se os autos com


a devidas cautelas.

Sentença não sujeita ao Duplo Grau de Jurisdição.

P.R.I.

Você também pode gostar