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O Direito à Saúde entre o Poder Judiciário e a Administração Pública: do

ativismo judicial às medidas administrativas

Artigo classificado em 2º lugar na XVI Jornada de Iniciação Científica de Direito UFPR 2014

Luzardo Faria1

Resumo: O presente trabalho tem por objetivo demonstrar que a excessiva judicialização da
saúde, que se observa atualmente no Direito Público brasileiro, é insuficiente e desmedida na
tarefa de realizar uma concretização igualitária do referido direito. Por mais que, sob a égide
da Constituição Federal de 1988, o direito à saúde possa ser encarado como um direito
público subjetivo oponível ao Estado, deve-se conhecer os problemas advindos do ativismo
judicial exagerado e identificar os limites jurídicos impostos às concessões judiciais de
prestação de saúde. Para ilustrar o cenário problematizado nesse trabalho, portanto, realizou-
se uma pesquisa empírica acerca da jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 4ª Região
dos casos de judicialização do direito fundamental social à saúde em que havia o pedido para
concessão judicial de medicamento para tratamento de Hepatite C Crônica. Por fim, busca-se,
entre as ferramentas do Direito Administrativo, soluções para a problemática apresentada,
tendo em vista que no paradigma do Estado Democrático e Social de Direito somente a
Administração Pública, quando em uma atuação espontânea, é competente para a
implementação do direito à saúde de modo igualitário.

Palavras-chave: Direito à saúde; Judicialização; Ativismo judicial; Medidas administrativas.

28
Introdução
Em abril de 2014, o Bloomberg, portal norte-americano especializado em política e
economia, realizou um levantamento da eficiência dos serviços públicos de saúde de 48 países
de todo o mundo. O Sistema Único de Saúde, serviço instituído pela Constituição Federal de
1988 em seu artigo 196, foi alocado na última colocação desse ranking, constando um fato
que pouco surpreende os cidadãos brasileiros.2 Cerca de um mês depois, o Tribunal Regional
Federal da 3ª Região, condenou a União Federal ao custeio de uma cirurgia de transplante
múltiplo de órgãos em Miami, nos Estados Unidos, em favor de uma recém-nascida portadora
de uma rara e grave doença.3 Estima-se que o tratamento custará algo em torno de um milhão
de dólares, além da multa diária de 100 mil reais, imposta em caso de descumprimento da
decisão judicial.4
Os episódios relatados acima demonstram a peculiar conjuntura na qual está inserida a
saúde pública no Brasil, caracterizada por uma sensível perturbação. Nas palavras de Luís
Roberto Barroso, o direito público brasileiro, de modo geral, – mas principalmente nas
questões relativas ao direito à saúde – está passando por um fenômeno que o transpõe,
abruptamente, “da falta de efetividade à judicialização excessiva”. Para o Ministro do
Supremo Tribunal Federal, se, em um primeiro momento, a saúde brasileira sofreu com a
carência de políticas públicas eficazes e bem planejadas – o que a levou às péssimas
condições em que se encontra hoje; em outro cenário, com a força normativa da Constituição,
judicializou-se excessivamente esse problema, induzindo a concessões judiciais arrazoáveis,
seja por seu alto custo ou pela sua falta de essencialidade.5
Apesar de que se entenda, consoante lição do constitucionalista português Jorge
Miranda, que os direitos fundamentais vinculam positivamente os órgãos jurisdicionais à sua
máxima efetivação possível,6 deve-se entender que, em alguns casos, a via judicial não é o
caminho mais adequado para a satisfação das necessidades relativas à saúde dos cidadãos.

1
Acadêmico do 3º ano do curso de Direito da UFPR. Pesquisador-bolsista CNPq.
2
Os demais dados obtidos e o método utilizado na pesquisa podem ser verificados em:
<http://www.bloomberg.com/visual-data/best-and-worst/most-efficient-health-care-countries>. Acesso em 06
jul. 2014.
3
BRASIL. Tribunal Regional Federal da 3ª Região. Agravo de Instrumento nº 2014.03.00.008424-5. Terceira
Turma. Relator Desembargador Federal Márcio Morais. D.E. 29.05.2014.
4
Maiores informações sobre o caso podem ser obtidas em: <http://g1.globo.com/jornal-
hoje/noticia/2014/05/justica-determina-que-governo-pague-tratamento-de-bebe-nos-eua.html>. Acesso em 06
jul. 2014.
5
BARROSO, Luís Roberto. Da falta de efetividade à judicialização excessiva: direito à saúde, fornecimento
gratuito de medicamentos e parâmetros para a atuação judicial. In: SOUZA NETO, Cláudio Pereira de;
SARMENTO, Daniel (Coords.). Direitos sociais: fundamentos, judicialização e direitos sociais em espécie. Rio
de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p. 875-903.
6
MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. vol. IV, 2. ed., Coimbra: Coimbra, 1993. p. 283-284.
29
Lista-se, para isso, três básicos motivos: (i) o acesso ao Poder Judiciário é limitado às classes
média e alta da população – deixando ao relento àqueles que mais precisariam da tutela
judicial; (ii) a maior parte das ações judiciais que tem por objeto prestação de saúde é de
cunho individual e não coletivo; (iii) o planejamento de políticas públicas, voltadas ao
atendimento de todas as esferas da sociedade, compete à Administração Pública.7
Desse modo, aqui se reconhece – como não se poderia deixar de fazer – a crucial
importância de um Judiciário voltado à concretização dos mandamentos constitucionais. O
ativismo judicial descomedido, no entanto, pode ser tão prejudicial ao Estado Democrático e
Social de Direito quanto a omissão judicial. A solução dessa problemática, portanto, parece
extrapolar os limites da atuação jurisdicional, convocando a Administração Pública a operar
em um campo onde, atualmente, descansa em sua passividade.

1. Regime jurídico-constitucional do direito à saúde


O primeiro ponto que merece ser levado em consideração para a construção do
presente trabalho é o de tratar a disciplina jurídica relegada pela Constituição Federal de 1988
ao direito à saúde. Sem dúvida, é um regime jurídico diferenciado, especial. Nota-se uma
proteção maior a este direito no que tange às ações e as omissões caracterizadas pelo Poder
Público nesta seara.
A posição de centralidade dos direitos fundamentais é típica e essencial de um Estado
Democrático de Direito. Por muito tempo, no entanto, foram considerados direitos
fundamentais apenas aqueles que exigiam uma abstenção do Estado, os chamados direitos
fundamentais de primeira geração, característicos do pensamento liberal-burguês que
dominava o Direito no século XVIII. Considerados direitos do indivíduo contra o Estado,
podem ser exemplificados pelos direitos à vida, à liberdade, à propriedade privada, etc.8
Superado o paradigma do Estado Liberal, agregaram-se às Constituições direitos
fundamentais de caráter social, os quais foram considerados essenciais para o
desenvolvimento de uma vida digna, tanto para o indivíduo, como para toda a sociedade,

7
HACHEM, Daniel Wunder. A maximização dos direitos fundamentais econômicos e sociais pela via
administrativa e a promoção do desenvolvimento. Revista Direitos Fundamentais & Democracia
(UniBrasil),v. 13, n. 13, Curitiba, p. 340-399, jan./jul. 2013. p. 353.
8
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais
na perspectiva constitucional. 11. ed. rev. atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012. p. 46-7.

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visando a redução das desigualdades materiais.9 São conhecidos por direitos fundamentais de
segunda geração e denotam uma posição intervencionista do Estado nas relações privadas. 10
Apesar da eficácia jurídica reforçada11 conferida aos direitos fundamentais pela
própria Constituição Federal, persistem discussões acerca da extensão e do conteúdo que eles
podem assumir, ainda mais quando analisados os direitos sociais. Para se compreender o
principal motivo que leva parte da doutrina e da jurisprudência a considerar a suposta
indeterminabilidade do direito à saúde como um empecilho à sua aplicabilidade, deve-se
analisar a estrutura da norma constitucional em questão.
É imprescindível, nesse momento, a compreensão de que os direitos fundamentais
estão assentados na Constituição brasileira de modo a possuírem uma natureza
principiológica12.13 Sendo assim, deve-se entender que o fato de os direitos sociais terem sido
dispostos de maneira aberta não foi mera atividade leniente do constituinte de 87/88, mas uma
opção juridicamente fundamentável, tendo em vista que esses direitos, por natureza,
pressupõem a necessidade de uma redação mais flexível, para que possam ser aplicados ainda
que sob a influência de fatores dificultantes. O direito à saúde, nesse quesito, encontra-se
cercado de inúmeras imprevisibilidades, tais quais os avanços tecnológicos que acarretam em
tratamentos mais modernos e eficientes e o surgimento de epidemias que reclamam respostas
velozes da Administração Pública.14

9
ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os direitos fundamentais na constituição portuguesa de 1976. Coimbra:
Almedina, 2001. p. 110
10
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia… Op. Cit. p. 47-8.
11
SARLET, Ingo Wolfgang. Idem. p. 73.
12
Nesse ponto, apesar de não ser o foco deste trabalho, é imperioso ressaltar a diferença entre os conceitos de
“princípio” e de “regra”. Basicamente, Robert Alexy definia os princípios como mandados de otimização, ou
seja, normas que determinam que o direito em questão deva ser aplicado na maior medida possível, tendo em
vista sempre o contexto jurídico-social que o envolve. Alexy entendia que as normas principiológicas não
impõem condutas gerais e pré-determinadas, mas tão somente prima facie, o que significa que nem sempre sua
efetividade será total, podendo sofrer com a incidência de outros fatores não previstos. ALEXY, Robert. Teoría
de los derechos fundamentales, 2. ed., 2. tir. Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2012. p.
67-69. Por outro lado, um direito que possua a qualidade de regra deve representar um comando definitivo,
sendo indiscutivelmente aplicado quando se satisfizerem os pressupostos de sua existência. Nesse sentido, em
teoria desenvolvida por Ronald Dworkin, as regras seguem a lógica do “tudo-ou-nada”: ou uma regra é válida e,
por tal motivo, deve-se aceitar todos os seus efeitos jurídicos ou não o é, e não se pode exigir nenhuma das
consequências que prevê. DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério, 3. ed., São Paulo: Martins Fontes,
2010. p. 39. Por fim, faz-se a ressalva, sempre necessária, de que não se olvida ou menospreza outras
classificações de princípios e normas jurídicas, que existem com objetivos também diferentes. Para maior
aprofundamento no assunto: SILVA, Virgílio Afonso da. Princípios e regras: mitos e equívocos acerca de uma
distinção. In:Revista Latino-Americana de Estudos Constitucionais, nº1, Belo Horizonte: Del Rey, p. 607-
629, jan./jun., 2003.
13
SILVA, Virgílio Afonso da . O conteúdo essencial dos direitos fundamentais e a eficácia das normas
constitucionais. In: Revista de Direito do Estado, v. 4, p. 23-51, 2006. p. 24-26.
14
PIVETTA, Saulo Lindorfer. Direito fundamental à saúde: regime jurídico-constitucional, políticas públicas e
controle judicial. Curitiba, 2013. 270 f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Programa de Pós Graduação em
Direito, Universidade Federal do Paraná. f. 51

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Posto isto, faz-se essencial a demonstração da jusfundamentalidade do direito à saúde.
A despeito de teorias contrárias,15 aqui se defende que o direito à saúde está absolutamente no
mesmo patamar hierárquico de qualquer outro direito fundamental.
O direito à saúde é considerado um direito fundamental, tanto material – sua
efetivação é imprescindível para a concretização da dignidade da pessoa humana –quanto
formalmente – na Constituição Federal de 1988 o direito à saúde (art. 6º) está disposto no
Título II, o qual é denominado “dos direitos e garantias fundamentais”. José Afonso da Silva,
nessa linha, destaca que consiste em severa violação ao princípio da dignidade da pessoa
humana uma sociedade na qual preponderam grandes desigualdades sociais, econômicas e
culturais.16 Dessa forma, é incabível se falar em vida digna em uma comunidade na qual
milhões de homens e mulheres são diariamente torturados pela falta de condições básicas de
saúde (medicamentos, hospitais, saneamento básico, etc.). Está inserido, portanto, no rol de
direitos que compreendem os valores básicos e as decisões axiológicas mais relevantes da
sociedade brasileira.17
A Constituição Federal, em seu art. 5º, §1º, confere a todos os direitos fundamentais a
condição de serem aplicados imediatamente, ou seja, sem depender de legislação
infraconstitucional regulamentadora para serem efetivados. Com isto, os direitos
fundamentais – dada a sua suma importância para a realização dos objetivos fundamentais da
República – prescindem de regulamentação para poderem gerar efeitos na ordem jurídica,
podendo, inclusive, ser requeridos em juízo. Vinculam, ainda, todo o Poder Público – e
também a sociedade civil – à sua efetivação.
Há, no entanto, parte da doutrina que entende que o instituto da aplicabilidade
imediata não deveria ser estendido aos direitos sociais – ao menos não em seu conteúdo
integral. Dentre os argumentos utilizados para rebater a tese de que os direitos sociais são

15
A jusfundamentalidade dos direitos sociais não é tema pacífico na doutrina constitucional. Apesar de esta
problemática não ser o foco deste trabalho, pode-se, sistematicamente, ressaltar três linhas de pensamento
contrárias àquela ora defendida: (i) uma que defende que os direitos sociais são juridicamente fundamentais
apenas em sua parcela necessária para a participação do processo democrático (Cf. NINO, Carlos Santiago. La
constitución de la democracia deliberativa. Barcelona: Editorial Gedisa, 1997.); (ii) uma para qual a
jusfundamentalidade dos direitos sociais acompanha tão somente o seu conteúdo de mínimo existencial (Cf.
TORRES, Ricardo Lobo. O direito ao mínimo existencial. Rio de Janeiro: Renovar, 2009.);(iii) e, por fim, a
que defende ainaplicabilidade do regime jurídico dos direitos fundamentais individuais, civis e políticos aos
direitos sociais (Cf. GEBRAN NETO, João Pedro. A aplicação imediata dos direitos e garantias individuais:
a busca de uma exegese emancipatória. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.).
16
SILVA, José Afonso da. Poder Constituinte e Poder Popular. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 106
17
HACHEM, Daniel Wunder. Tutela administrativa efetiva dos direitos fundamentais sociais: por uma
implementação espontânea, integral e igualitária. Curitiba, 2014. 614 f. Tese (Doutorado) – Programa de Pós
Graduação em Direito, Universidade Federal do Paraná. f. 67.

32
imediatamente aplicáveis em sua integralidade18 o mais fortemente suscitado é aquele de que
os direitos sociais, por serem, em tese, direitos que exigem uma prestação do Estado, não
poderiam ser integralmente aplicados de modo imediato – tampouco pleiteados judicialmente
– tendo em vista a exigência de altos custos financeiros à maquina estatal.19
Aqui não se está pretendendo que o Estado concretize os anseios e as aspirações de
todos os cidadãos em sua integralidade. Em um país de dimensões continentais como o Brasil,
é inegável a impossibilidade fática de se assegurar a toda a população as perfeitas condições
de saúde, moradia, educação, segurança, etc. Os recursos financeiros estatais são, indiscutível
e obviamente, escassos. No entanto, em respeito ao art. 5º, §1º da Constituição, bem como ao
princípio da máxima efetividade constitucional, a reserva do financeiramente possível não
pode ser aceita como um obstáculo genérico à aplicabilidade dos direito sociais, mas como
um direcionador da forma pela qual deverão ser alocados os recursos públicos.20
Além disso, quando se está falando de ativismo judicial e judicialização da saúde,
deve-se lembrar da existência de outras duas reservas legais oponíveis à efetivação dos
direitos sociais pela via judicial: (i) a reserva imanente de ponderação e (ii) a reserva do
politicamente oportuno ou adequado. Segundo lições de Jorge Reis Novais, a primeira
caracteriza-se pelo dever incondicional do juiz de ponderar o direito à saúde com os mais
diversos outros direitos que estiverem em conflito no caso concreto.21 Afinal, como lembra o
constitucionalista alemão Martin Borowski, "os direitos garantidos como princípios são
direitos limitáveis"22. A segunda, objetiva o respeito às decisões legislativas e administrativas,
tomadas após longos debates, realizados com os membros eleitos pela população para geri-la.
Ocorre, todavia, que a própria Constituição impõe limites até mesmo à aplicação
dessas reservas legais. A partir do instituto do mínimo existencial, diversos constitucionalistas

18
Além do analisado argumento da insuficiência econômico-fincanceira do Estado para garantir os direitos
sociais a todos (principalmente àqueles que os pleiteassem pelas vias do Poder Judiciário), podem ser observados
outras três principais contestações: (i) a questão da organização da disposição do texto constitucional: o §1º do
art. 5º diria respeito somente aos direitos fundamentais expressos naquele artigo, (ii) a influência da Constituição
Federal Portuguesa de 1976, que, na visão dos críticos, instituiu regimes diferentes para os chamados “direitos,
liberdades e garantias” e os “direitos econômicos, sociais e culturais”, (iii) a dependência de regulamentação em
razão da indeterminabilidade do conteúdo jurídico dos direitos sociais. Para uma aprofundada refutação de todos
esses argumentos, ver: HACHEM, Daniel Wunder. Tutela administrativa… Op. Cit. f. 71-74.
19
Essa posição é defendida, por exemplo, em: PISARELLO, Gerardo. Los derechos sociales y sus garantías:
elementos para una reconstrucción. Madrid: Trotta, 2007. p. 60.
20
CLÈVE, Clèmerson Merlin. Para uma dogmática constitucional emancipatória. Belo Horizonte: Fórum,
2012. p. 29.
21
NOVAIS, Jorge Reis. Direitos sociais: teoria jurídica dos direitos sociais enquanto direitos fundamentais.
Coimbra: Coimbra, 2003. p. 273.
22
“Los derechos garantizados mediante principios son derechos limitables”. BOROWSKI, Martin. La
restriccíon de los derechos fundamentales. Revista Española de Derecho Constitucional, año 20, num. 59,
Mayo-Agosto 2000. p.40.

33
de respeito, como Ana Paula de Barcellos, Clèmerson Merlin Clève, Ingo Wolgang Sarlet,
Ricardo Lobo Torres,23 entre outros, vêm defendendo a tese de que não cabem quaisquer
alegações de restrição aos direitos fundamentais, quando se está buscando a efetivação de seu
núcleo essencial. Enquanto se tratar dessa parcela, a doutrina, de modo praticamente pacífico,
entende existir a incidência de um direito público subjetivo oponível ao Estado,24
caracterizado pela possibilidade de requerimento judicial.
O mínimo existencial, como ficou conhecido esse instituto de proteção do núcleo
essencial dos direitos fundamentais, pode ser entendido como um reforço teórico a efetivação
do direito à saúde. Fundamentado no princípio da dignidade da pessoa humana, no direito à
vida e nos próprios alicerces do Estado Democrático e Social de Direito, tornou-se
imprescindível na busca pela realização dos objetivos fundamentais da República. Dessa
forma, ficou definido, nas palavras de Ana Paula de Barcellos, como o “núcleo material do
princípio da dignidade humana”25. Sendo assim, por mais que o direito à saúde possa ser
efetivado em menor ou maior grau, a depender das especificidades fático-jurídicas do caso
concreto, é inadmissível sua concretização em uma linha inferior a da mínima dignidade
humana.26
Apesar de se entender que o conteúdo jurídico da parcela mínima do direito à saúde
pode variar em razão do momento histórico, da localização geográfica e do desenvolvimento
econômico, social e cultural da comunidade analisada,27 pode-se listar, com base nos estudos
de Victor Abramovich e Christian Courtis, algumas condições básicas de saúde, que parecem
ser universais, tais quais: (i) o acesso indiscriminado (principalmente aos mais carentes) a
bens, centros e serviços de saúde; (ii) o alcance a uma alimentação nutritiva e de qualidade,
que não acarrete em problemas de saúde; (iii) o acesso a um lar com condições sanitárias

23
BARCELLOS, Ana Paula de. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais: o princípio da dignidade da
pessoa humana. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2011. p. 280; CLÈVE, Clèmerson Merlin. Para uma
dogmática… Op. Cit. p. 27-28; SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos… Op. Cit. p. 411-414; TORRES,
Ricardo Lobo. O direito ao mínimo existencial. Rio de Janeiro: Renovar, 2009. p. 87-89.
24
Sobre a noção de direito público subjetivo: “Cuando un ciudadano se ve perjudiciado em su ámbito material o
moral de intereses por actuaciones administrativas ilegales adquiere, por la conjuncíon de los elementos de
perjuicio y de la ilegalidade, um derecho subjetivo a la eliminacíon de esa actuacíon ilegal, de modo que se
defienda y se restablezca la integridad de sus intereses”. GARCÍA DE ENTERRÍA, Eduardo; FERNÁNDEZ,
Tomás-Ramón. Curso de Derecho Administrativo. 11ª ed., vol. II. Madrid: Thomson-Civitas, 2008. p. 34-54
25
BARCELLOS, Ana Paula de. A eficácia jurídica… Op. Cit. p. 247.
26
HACHEM, Daniel Wunder. Tutela administrativa… Op. Cit. f. 90.
27
LEAL, Rogério Gesta. Condições e possibilidades eficaciais dos direitos fundamentais sociais: os desafios
do Poder Judiciário no Brasil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009. p. 93.

34
básicas e fornecimento de água potável; (iv) a obtenção de medicamentos essenciais,
conforme determinar os protocolos do SUS e as portarias do Ministério da Saúde.28
Com isto posto, entende-se que a insuficiência financeira não exime o Estado de
efetivar o direito à saúde em sua parcela relativa ao mínimo existencial. A aplicabilidade
imediata do referido direito, no entanto, deve ir além dessa mínima fração. A mudança de
entendimento, nesse ponto, é cabível porque, como parece terem se olvidado os críticos -
crentes das tais gerações históricas de direitos fundamentais citadas acima -, o direito à saúde
não é apenas um direito de ordem prestacional.
O primeiro argumento para demonstrar essa tese é o fato de que, atualmente, a mais
moderna dogmática constitucional versa no sentido oposto à rígida separação dos direitos
fundamentais em gerações históricas pré-determinadas. Acredita-se, pois, na teoria da
multifuncionalidade dos direitos fundamentais.
Dizer que um direito fundamental é dotado de multifuncionalidade é, como doutrinou
Robert Alexy, entender que cada direito fundamental é um feixe de posições jurídicas
jusfundamentais. Assim, deve-se analisar o “direito fundamental como um todo”, observando
que cada posição jurídica advinda deste feixe pode assumir uma função diferente,
contrariando a doutrina clássica.29 Seguindo esse raciocínio, aceita-se que as funções dos
direitos fundamentais podem ser divididas, em um primeiro momento, em dois grandes
blocos: (i) direitos de defesa, em uma dimensão negativa, abstencionista do Estado, que visa a
garantir uma esfera jurídica de liberdade e (ii) direitos a prestação, que são caracterizados por
uma posição intervencionista do Estado.
Quando se diz da dimensão negativa do direito à saúde, alude-se a sua posição
enquanto direito de defesa, ou seja, da proteção estatal a um bem jurídico fundamental contra
a agressão de terceiros, inclusive do próprio Estado (ex: possibilidade de escolha de um plano
de saúde privado). A faceta prestacional do direito à saúde, por outro lado, implica na
intervenção do Estado na sociedade. Deve o poder público, portanto, prestar a todos os
cidadãos condições reais de acesso e usufruto da saúde. É uma dimensão ampla e que, por tal
motivo, pode ser subdivida em outras três funções: (ii.a) função de prestação em sentido
estrito: caracterizada por uma modificação no mundo material (ex: construção de hospitais e
fornecimento de medicamentos); (ii.b) função de prestação normativa de proteção: própria de
sua dimensão objetiva, ou seja, do dever público de proteção contra ações de terceiros (ex: art.

28
ABRAMOVICH, Víctor; COURTIS, Christian. Los derechossociales como derechosexigibles. 2.ed. Madrid:
Trotta, 2004. p. 89-90;HACHEM, Daniel Wunder. Tutela administrativa… Op. Cit. f. 93.

35
129 do Código Penal, que tipifica a lesão corporal, isto é, a ofensa à saúde de outrem); (ii.c)
função de prestação normativa de organização e procedimento: dever de produzir normas
jurídicas que criem estruturas organizacionais e procedimentais que possibilitem o acesso à
saúde (ex: Lei nº 8080/90, a Lei Orgânica da Saúde, que regulamenta a organização e os
procedimentos do Sistema Único de Saúde).
Além de o direito à saúde possuir diversas funções que não acarretam custos ao Estado
- como se comprovou acima - sua judiciabilidade não pode ser negada por motivos
financeiros porque, como demonstraram Stephan Holmes e Cass Sunstein, até mesmo os
direitos de liberdade - tradicionalmente concebidos como direitos plenamente subjetivos -
implicam a realização de despesas públicas à maquina estatal para que sejam desfrutáveis pela
população.30 Com isso, as escusas em se aceitar o direito à saúde como um direito público
subjetivo tornam-se, por si, infundadas.
Com todo o exposto, fica demonstrado que o direito à saúde é um direito
integralmente fundamental, sofrendo, portanto, as consequências do §1º do art. 5º da
Constituição Federal. Em observância a tal dispositivo e ao princípio da máxima efetividade
das normas constitucionais, entendeu-se, ao se analisar a teoria da multifuncionalidade do
direito à saúde, bem como o conteúdo da sua parcela relativa ao mínimo existencial, que o
referido direito, em sua dimensão subjetiva, pode ser pleiteado pelos cidadãos junto ao Poder
Judiciário, quando o Legislativo e o Executivo forem omissos ou insuficientes em suas ações.

2. Os problemas do ativismo judicial: limites às concessões judiciais de prestação de


saúde
Até a Constituição Federal de 1988, o ordenamento jurídico brasileiro não previa
meios proveitosos de efetivação dos direitos sociais. Seu conteúdo era considerado
meramente programático. Não passavam, portanto, de enunciados recordativos ao Poder
Legislativo, que deveria regulamentar tais normas, para que então pudessem ser efetivadas. 31
Em 1988, a ordem jurídico-constitucional brasileira sofre uma transição
paradigmática. Instituído o Estado Social e Democrático de Direito, o Poder Judiciário não
mais necessita – aliás, nem deve – aguardar a produção legislativa ordinária para buscar a

29
Para uma análise aprofundada da teoria da multifuncionalidade dos direitos fundamentais, ver: ALEXY,
Robert. Teoría… Op. Cit. p. 163-249.
30
HOLMES, Stephan; SUNSTEIN, Cass. The cost of rights: Why Liberty Depends on Taxes. New York: W.
W. Norton & Company, 1999. p. 43.
31
Essa ordem passiva, que, ao encarar os direitos sociais como normas programáticas, esperava a atuação
legislativa concretizante, é criticada em: BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. Processo Administrativo

36
efetivação dos direitos sociais. Seguindo essa lógica, a Constituição prevê um direito
fundamental direcionado exatamente à tutela judicial efetiva (art. 5º, XXXV), bem como
meios de intervenção judicial para assegurar a eficácia desses direitos, ainda que diante de
uma lacuna legislativa. É o caso, por exemplo, do mandado de segurança (art. 5º, LXIX), do
mandado de injunção (art. 5º, LXXI) e da ação direta de inconstitucionalidade por omissão
(art. 103, §2º). Luís Roberto Barroso assinala, sobre essas transformações estruturais, que "a
Carta brasileira é [...] desconfiada do legislador"32.
Com estes elementos, além da utilização dos fundamentos tratados no tópico anterior e
do apoio de boa parte da doutrina, o Poder Judiciário passa a assumir, nesse novo formato da
organização e separação dos poderes, um inédito papel de importância na concretização e
efetivação dos direitos sociais. Nesse contexto, Oscar Vilhena Vieira, criticando a excessiva
judicialização da política e o consequente ativismo judicial exacerbado, diz estarmos vivendo
em uma “supremocracia”33. Daniel Wunder Hachem, referindo-se a esta problemática, afirma
que o Judiciário se tornou uma “porta das esperanças”34 daqueles que não recebem da
Administração Pública a tutela de seus direitos sociais.
Para ilustrar o cenário ao qual aqui se refere, realizou-se uma pesquisa jurisprudencial
no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (Justiça Federal do Paraná, de Santa Catarina e do
Rio Grande do Sul) a respeito dos casos que versavam sobre a concessão judicial de
medicamento para tratamento de Hepatite C. Ao todo, foram analisadas as 89 ações julgadas
naquele tribunal com esse objeto entre os anos de 2007 e de 2014.
Para realizar tal levantamento, buscou-se, no sistema eletrônico de pesquisa de
jurisprudência do TRF4, pelas variáveis (i) “medicamento”, “hepatite c” e “individual” e (ii)
“medicamento”, “hepatite c” e “coletivo”, resultando em mais 400 ações. Dessas, apenas 89
casos realmente tratavam no mérito do tema dessa pesquisa. Separou-se, então,
sistematicamente os julgados a partir das seguintes perguntas: (i) o pedido foi realizado pela
via individual ou coletiva? (ii) o pedido foi concedido? (iii) quais foram os motivos que

Disciplinar. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 152; CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata da
constitucionalidade no direito brasileiro. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 22
32
BARROSO, Luis Roberto. Judicialização, ativismo judicial e legitimidade democrática. In: COUTINHO,
Jacinto Nelson de Miranda; FRAGALE FILHO, Roberto; LOBÃO, Ronaldo (Orgs.). Constituição & Ativismo
Judicial - Limites e Possibilidades da Norma Constitucional e da Decisão Judicial. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2011. p. 279.
33
VIEIRA, Oscar Vilhena. Supremocracia. In: Revista Direito GV8. São Paulo. vol. 4. n. 2. p. 441-463.
jul./dez. 2008.
34
HACHEM, Daniel Wunder. Tutela administrativa… Op. Cit. f. 48-54.

37
levaram à negativa da concessão?35 (iv) qual era a eficácia do tratamento postulado? (v) foi
analisada a situação socioeconômica do requerente? Se sim, isso foi relevante para a decisão?
Desse modo, primeira constatação relevante que se tira é a comprovação de que, na
maior parte dos casos, a demanda judicial de prestação de saúde é realizada individualmente.
Nas ações analisadas, percebeu-se que 95,5% dos casos se tratavam de um pedido individual.
O cenário é grave: além de inflar a máquina judiciária, esse número tão grande de ações
individuais – que poderiam ser substituídas por algumas poucas na via coletiva -, acarreta um
tratamento desigual aos cidadãos, por parte do Poder Público. Por mais que a jurisprudência
sobre esse tema já esteja bem desenvolvida e praticamente pacificada, a individualização
excessiva de prestações de saúde acaba por dar preferencia àqueles que possuem as condições
financeiras e os conhecimentos necessários para acessar o Judiciário, excluindo dos benefícios
as classes menos abastadas, que vem a ser exatamente a parcela da população brasileira que
mais precisa do fornecimento gratuito daqueles medicamentos. Como se não bastasse, existe
ainda outro problema: em demandas individuais o juiz não se preocupa com todo o contexto
econômico, jurídico e social que o envolve. Buscando apenas a realização de uma micro
justiça, não raramente condena o Estado ao dispêndio de altos valores, o que pode inviabilizar
o bom planejamento financeiro das políticas públicas de saúde.
Os quatro casos de demanda coletiva, vale ressaltar, foram julgados improcedentes,
pelo motivo de não se poder fazer uma concessão ampla e genérica dos medicamentos
postulados, visto que diferentes genótipos (níveis) da doença de Hepatite C requerem
diferentes tratamentos. Sendo assim, na visão dos magistrados responsáveis por essas
decisões, a via individual seria a mais correta para a tutela desse direito. 36 Todos esses juízes,
vale citar, concederam o pedido de concessão do medicamento em outras oportunidades,
quando requerido individualmente. O problema, no entanto, é que, apesar de não se poder
fazer uma concessão ampla a ponto de abranger todos os genótipos de Hepatite C de uma só
vez, deve-se, ao menos, conceder coletivamente o medicamento para os cidadãos que se

35
Optou-se pela pergunta referente aos argumentos que negaram o pedido pelo motivo de que, de modo geral, as
decisões procedentes baseavam-se nos seguintes argumentos centrais: (i) na Constituição Federal de 1988 o
direito à saúde, bem como todos os outros direitos sociais, foram elevados à categoria de direitos integralmente
fundamentais, devendo ser efetivado imediatamente e podendo ser requerido junto ao Judiciário; (ii) pela
inerente relação que guarda com o direito à vida e com o princípio da dignidade da pessoa humana, o direito à
saúde deve ser efetivado pelo Estado, não importando as reservas que condicionam a sua efetivação.
36
São essas as ações de pedido de tutela coletiva analisadas na pesquisa: TRF4, AG 5021220-97.2012.404.0000,
Terceira Turma, Relator Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, juntado aos autos em 18/12/2012; TRF4, EINF
2006.70.00.000547-6, Segunda Seção, Relator Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, D.E. 25/06/2010; TRF4,
AC 0005010-02.2003.404.7201, Quarta Turma, Relatora Marga Inge Barth Tessler, D.E. 24/05/2010; TRF4,
MCI 2009.04.00.046142-0, Quarta Turma, Relator Sérgio Renato Tejada Garcia, D.E. 15/01/2010.

38
encontrarem nas mesmas situações daqueles que recebem uma resposta positiva do Judiciário
quando o procuram pela via individual.
A judicialização da saúde é tema recorrente no Direito brasileiro. Já é de algum tempo
que se percebe o aumento das ações judiciais postulando o fornecimento gratuito de
medicamentos. Para acompanhar esse avanço, doutrina e jurisprudência desenvolveram-se e
adaptaram-se a essa nova realidade. O Supremo Tribunal Federal, nesse contexto, ao julgar a
STA 175 no ano de 2010, determinou parâmetros para orientar os juízes nesses casos. 37 Mais
recentemente, em maio de 2014, o Conselho Nacional de Justiça promoveu a I Jornada
Nacional de Direito da Saúde, aprovando 45 enunciados interpretativos sobre essa
problemática.38 Com base nisso, impera-se uma análise da observância desses parâmetros e
enunciados nos julgamentos dos casos concretos.
Nessa esteira, uma interessante análise que pode ser realizada é sobre a proporção de
(im)procedência dos pedidos. Das 85 ações individuais, em 71 ocasiões o medicamento foi
fornecido, sendo justificado, em grande parte das vezes, que o direito à saúde, por sua
jusfundamentalidade e pela relação inerente que mantém com o direito à vida, deve ser
efetivado pelo Poder Público, cabendo ao Judiciário essa função, quando a Administração se
fizer omissa. Para julgar improcedente o pedido, diversos foram os argumentos adotados nos
outros 18 casos, como fica ilustrado no gráfico a seguir:

Motivação 2,25% 2,25%


1,12%

3,37% 1,12%
79,78% 20,22%
1,12%

7,87% 1,12%

79,98% - Procedente: 71
7,87% - (i) Inexistência de prova médica judicial produzida por médico habilitado e imparcial: 7
3,37% - (ii) Autor não se enquadra nas características estabelecidas pelo SUS para fornecimento: 3
2,25 - (iii) Existência de medicamento semelhante fornecido pelo SUS: 2
2,25% - (iv) Autor não passou por médico do SUS: 2
1,12% - (v) Foi concedido medicamento similar ao postulado e mais barato: 1
1,12% - (vi) A concessão de medicamentos foge da competência do Judiciário: 1
1,12% - (vii) Medicamento em fase experimental: 1
1,12% - (viii) O SUS passou a fornecer o medicamento durante o processo: 1

37
Esses parâmetros são explicados sistematicamente em: MENDES, Gilmar Ferreira; GONET BRANCO, Paulo
Gustavo. Curso de direito constitucional. 8 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 639-642.
38
Os enunciados podem ser conferidos pelo site:
<http://www.cnj.jus.br/images/eventos/I_jornada_forum_saude/_ENUNCIADOS%20APROVADOS%20NA%2
0JORNADA%20DE%20DIREITO%20DA%20SADE%20-%20PLENRIA%2015-5-
14_revisado%20Carmem%203.pdf> Acesso em 17 de jun. de 2014.

39
Evidencia-se, assim, que nos casos em que foi julgado improcedente o pedido,
observou-se, de modo praticamente pacífico,39 os parâmetros e enunciados citados acima: (i) a
prova pericial médica sobre a necessidade do medicamento é medida que se impõem, visto
que seria irracional o Judiciário determinar o fornecimento de um medicamento ineficaz ou
desnecessário;40 (ii) o respeito as características determinadas pelos Protocolos Clínicos e
Diretrizes Terapêuticas (PCDT) estabelecidos pelo SUS demonstra um apreço às decisoes
administrativas previamente tomadas;41 (iii e v) o fornecimento de medicamento semelhante,
mas igualmente eficaz, já distribuído pelo SUS, é mais uma demonstração de respeito às
decisões administrativas;42 (iv) a consulta com médico habilitado do SUS justifica-se pela
intencionada imparcialidade desses profissionais;43 (vi) a proibição de concessão de
medicamento em fase experimental é medida necessária para garantir a própria segurança
física dos cidadãos.44
Resta, ainda, todavia, dúvidas sobre a observância dessas orientações nos casos em
que foi concedido o pedido, visto que os magistrados não passam por todos esses pontos
durante a fundamentação de seu voto. Percebeu-se, por exemplo, que em apenas 14 casos foi
citado o fato de o autor ter sido avaliado por médico habilitado do SUS.
Uma certa desobediência a esses critérios pode ser observada na questão da análise da
eficácia do tratamento postulado. A eficácia e a necessidade do medicamento são, como

39
O caso em que se justificou a não concessão do medicamento pelo motivo de interferência ilegítima na
competência da Administração é o único que destoa desse cenário.
40
Essa lição pode ser apreendida dos Enunciados de nº 12 (“A inefetividade do tratamento oferecido pelo
Sistema Único de Saúde (SUS), no caso concreto, deve ser demonstrada por relatório médico que a indique e
descreva as normas éticas, sanitárias, farmacológicas (princípio ativo segundo a Denominação Comum
Brasileira) e que estabeleça o diagnóstico da doença (Classificação Internacional de Doenças), tratamento e
periodicidade, medicamentos, doses, e fazendo referência também à situação do registro na Anvisa”), de nº 14
(“Não comprovada a inefetividade ou impropriedade dos medicamentos e tratamentos fornecidos pela rede
pública de saúde, deve ser indeferido o pedido não constante das políticas públicas do Sistema Único de Saúde.”)
e de nº 16 (“Nas demandas que visam ao acesso a ações e serviços da saúde diferenciada daquelas oferecidas
pelo Sistema Único de Saúde (SUS), o autor deve apresentar prova da evidência científica e também a
inexistência, inefetividade ou impropriedade dos procedimentos ou medicamentos constantes dos protocolos
clínicos do SUS”).
41
É o que se denota do Enunciado nº 4: “Os Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) são elementos
organizadores da prestação farmacêutica, e não limitadores. Assim, no caso concreto, quando todas as
alternativas terapêuticas previstas no respectivo PCDT já tiverem sido esgotadas ou forem inviáveis no quadro
clínico do paciente usuário do Sistema Único de Saúde (SUS), pelo princípio do art. 198, III, da CF, pode ser
determinado judicialmente o fornecimento, pelo SUS, do fármaco não protocolizado.”
42
MENDES, Gilmar Ferreira; GONET BRANCO, Paulo Gustavo. Curso de… Op. Cit. p. 641.
43
Essa orientação pode ser interpretada a partir do Enunciado nº 13: “Nas ações de saúde, que pleiteiam do
poder público o fornecimento de medicamentos, produtos ou tratamentos, recomenda-se, sempre que possível, a
prévia oitiva do gestor do Sistema Único de Saúde (SUS), com vistas a, inclusive, identificar solicitação prévia
do requerente à Administração, competência do ente federado e alternativas terapêuticas”
44
A precaução é sinalizada no Enunciado nº 6: “A determinação judicial de fornecimento de fármacos deve
evitar os medicamentos ainda não registrados na Anvisa, ou em fase experimental, ressalvadas as exceções
expressamente previstas em lei.”

40
citado acima, dois requesitos essenciais para que se admita a concessão judicial, devendo-se
sempre, ao apreciar a situação do demandante, verificar a possibilidade de substituição por
medicamento já fornecido pelo SUS. Essa questão, entretanto, só foi sucitada em 64 casos
(75%); existindo, portanto, outras 21 decisões (25%) proferidas sem sequer ter-se feito
menção à eficácia do medicamento pleiteado. Tomando-se por base aqueles casos em que se
analisou a eficácia do medicamento pleiteado, chega-se ao seguinte gráfico:

Eficácia do tratamento
Indispensável/insubstituível
2% 14%

Melhoria em relação ao tratamento ofertado pelo


SUS
47%
Eficaz, mas sem fazer relação com os
23% tratamentos ofertados pelo SUS

Não possuia eficácia comprovada, mas, durante


o trâmite do processo, se mostrou eficaz
14%
Perícia não realizada, baseou-se no médico
assistente

Conclui-se desses números que em 34 casos o medicamento concedido não era


indispensável à vida do autor ou insubstituível por outro remédio já fornecido pelo SUS.
Nessas situações, denota-se uma indevida interferência por parte do Poder Judiciário nas
competências da Administração Pública, que, por meio da Portaria 863/2002 do Ministério da
Saúde, já determinou quais medicamentos serão ofertados gratuitamente para o tratamento de
Hepatite C, bem como as características nas quais deve se encontrar o paciente para esse
recebimento. Fica claro, portanto, que nesses casos não se observou as reservas legais de
ponderação e do politicamente oportuno ou adequado, tratadas anteriormente. Além disso, em
23% dos casos o juiz apenas acatou a comprovação de medicamento postulado, sem fazer
qualquer comparação com aqueles ofertados pelo SUS para o tratamento da mesma moléstia.
Evidencia-se, ainda, outro grave problema: em 14% dos casos o medicamento foi
concedido sem ter sido realizada perícia judicial por médico habilitado e imparcial, o que vai
contra os parâmetros e enunciados citados acima. O magistrado, em plena realização de um
serviço estatal e determinando a destinação de verbas públicas, não pode, jamais, deixar de
tomar todos os cuidados existentes – e aos quais é orientado – para que a sua decisão seja a
mais benéfica para a população.

41
Ainda sobre a eficácia do tratamento, percebeu-se, durante a pesquisa, mais um
exemplo da falta de respeito dos magistrados com as decisões previamente planejadas e
tomadas pela Administração: a Portaria do Ministério da Saúde apontada supra determina que
os medicamentos “interferon peguilado” e “interferon-alfa” serão fornecidos a todos os
cidadãos que se encaixarem nas características ali definidas, com exceção daqueles que já
tiverem feito tratamento anterior com “interferon”, não tendo obtido sucesso na cura da
doença, pelo motivo de o retratamento ser considerado, pelo SUS, como possivelmente lesivo
à saúde. Em 13 dos analisados casos, entretanto, os peritos médicos deixaram claro que o
autor já tinha feito tratamento com interferon, mas que, na sua concepção, o mais indicado
seria fazer um novo tratamento, com pelo menos um daqueles medicamentos citados acima.
Os juízes, em todas essas situações, seguiram as orientações periciais, sem relevar a posição
tomada pelo SUS.
O ativismo judicial nesse cenário, portanto, parece não conhecer limites. Em apenas 9
decisões os juízes trataram da possibilidade da incidência das reservas legais impossibilitarem
a concessão. Em todos os votos, no entanto, foi dispensada a ponderação, visto que o
medicamento pleiteado estava integrado, na visão do magistrado, ao mínimo existencial.
Infelizmente, em nenhuma ocasião tratou-se ao menos do que significava esse mínimo
existencial.
Poder-se-ia citar mais inúmeras conclusões obtidas com a pesquisa realizada. O que se
intencionou demonstrar, no entanto, é que o Judiciário (também) falha quando busca a
efetivação do direito à saúde. Não se pode, portanto, pensar que a judicialização seria a
solução para os problemas enfrentados pela saúde pública no Brasil. A via judicial, aliás, deve
ser entendida como a ultima ratio dessa problemática. Afinal, pensar exclusivamente na
satisfação individual do direito à saúde para cada cidadão, como é feito nas ações judiciais,
acarreta em problemas estruturais para a Administração Pública, impossibilitando-a de
cumprir com todas os deveres constitucionais (e não só aquele relativo ao fornecimento de
medicamento).
O que se necessita, então, é a identificação de alternativas mais eficientes e eficazes,
capazes de realizar uma justiça social igualitária e que coloquem a máquina estatal nos trilhos
que leverão à concretização dos objetivos intentados pela Constituição.

3. A administrativização do Direito Constitucional e as medidas administrativas

42
Compreendido o regime jurídico-constitucional do direito à saúde (ponto 1), que o
configura como um direito público subjetivo oponível ao Estado e que faz com que se observe
uma excessiva judicialização da saúde no Direito brasileiro atualmente, e os problemas que
esse ativismo judicial descabido traz para todo o Poder Público e também para a sociedade
civil (ponto 2), deve-se agora buscar algumas soluções para o problema que se demonstrou
acima. Conforme se citou ao longo do texto, existem incontáveis contribuições bibliográficas
de qualidade sobre o tema da judiacilização da saúde. Limitam-se, entretanto, no mais das
vezes, ao campo do Direito Constitucional, tratando – ora mais genérica, ora mais
especificamente – dos assuntos trabalhados nos dois pontos anteriores desse trabalho. No
entanto, por mais que toda a justificativa jurídica para a judiciabilidade do direito à saúde (e
dos seus limites) se funde em bases constitucionais, a decisão dos tribunais, quando favorável
aos cidadãos – e é assim na maioria dos casos, como demonstrou-se acima –, deverá ser
cumprida pelo Poder Executivo, incumbindo-o de um dever de prestação. Deve-se, dessa
forma, com foco na atuação da Administração Pública, estudar novos meios de se resolver
esse problema.
Para isso deve-se, inicialmente, entender os motivos que ocasionaram esse certo
“rechaço” existente com a utilização e o estudo do Direito Administrativo no tema da
judicialização da saúde. O Direito Administrativo e o Direito Constitucional possuem em sua
origem um fenômeno em comum: a instituição do Estado de Direito, entre os séculos XVIII e
XIX.45 Com a submissão do poder estatal à ordem jurídica, primou-se em estudar a estrutura,
o funcionamento e o regime jurídico dessa nova organização submetida à lei, bem como os
motivos teóricos e os objetivos práticos advindos dessa submissão.
Sebastian Martín-Retorillo leciona que, apesar da origem comum, com o passar do
tempo foram acentuando-se as distinções e as separações das referidas matérias. Para o autor
espanhol, o Direito Administrativo experimentou uma fuga do Direito Constitucional,
causada, em grande parte, pela descontinuidade histórica e pela falta de força jurídica das
normas constitucionais, em detrimento da perpetuidade das práticas burocráticas. 46 Alfredo
Gallego Anabitarte, tratando do direito espanhol, mas em lição que também caberia
perfeitamente às instituições brasileiras, diz que esse afastamento levou “a um Direito

45
A origem histórica do Direito Administrativo é tratada em: MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de
Direito Administrativo. 31. ed., rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2014. p. 38-43. Quanto à do Direito
Constitucional, ver: BARROSO, Luis Roberto. Curso de Direito Constitucional: os conceitos fundamentais e a
construção do novo modelo. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 32-55.
46
MARTÍN-RETORILLO BAQUER, Sebastian. El Derecho Civil en la Genesis del Derecho Administrativo
y de sus Instituciones. 2. ed. Madrid: Editorial Civitas, 1996. p. 215.

43
Administrativo espanhol acéfalo, por causa de sua escassa relação com o Direito
Constitucional, e anacrônico, por sua ruptura com uma consciência histórico-jurídica
própria”47.
No Brasil, a Constituição Federal de 1988, todavia, erigiu-se para transformar essa
lógica. Apesar de ainda trazer entre os princípios constitucionais que regem a Administração
Pública (art. 37, caput) o da legalidade, seu sentido é diverso daquele emanado das outras
Constituições. Atualmente, não se fala mais apenas de uma legalidade estrita, que vincula a
atividade administrativa somente aos mandamentos positivos da lei ordinária e formal. “O
princípio da legalidade transmuda-se, assim, [...] em princípio da juridicidade,
compreendendo sua subordinação à Constituição e à lei, nessa ordem”48.
Sendo assim, com o advento da Constituição de 1988, toda a Administração Pública
passa a estar vinculada à efetivação dos direitos fundamentais e a concretização da dignidade
da pessoa humana, ainda que para isso deva atuar contra ou à margem da lei formal. Jaime
Rodríguez-Arana Munoz, nessa linha, é efusivo ao determinar que o Direito Administrativo
Constitucional está voltado à maximização dos direitos fundamentais. Isso porque no
paradigma do Estado Social de Direito, o interesse público, cuja supremacia sobre o interesse
privado é princípio norteador da atividade administrativa, é revestido pela satisfação dos
direitos fundamentais (principalmente, nesse contexto, os de caráter social, econômico e
cultural).49
O desenvolvimento da Administração Pública, portanto, deve acompanhar as
mudanças ocorridas no Direito Constitucional, adaptando-se, cada vez, à nova realidade
constitucional que se impõe. No tema da judicialização da saúde, porém, esse
acompanhamento parece não ter sido realizado. O que impera atualmente nesse cenário é uma
noção de direito público subjetivo nascida no século XIX, quando o Direito Administrativo
era estudado a partir de uma lógica liberal-individualista. Nesse contexto, não havia grandes
problemas em o Judiciário determinar que a Administração se abstivesse ou se afastasse de
determinada situação, afinal, eram tutelados apenas direitos fundamentais de liberdade.

47
“[...] a un Derecho Administrativo español acéfalo por su escasa conexíon com el Derecho Constitucional y
ahistórico por su ruptura com uma conciencia histórico-jurídica própria.” GALLEGO ANABITARTE,
Alfredo. Derecho Administrativo: programa, sistemática y guia para su estudio. Santiago de Compostela:
Universidad de Santiago de Compostela, 1973. p. 35.
48
BARROSO, Luis Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do Direito. In: Revista de Direito
Administrativo, Rio de Janeiro, v. 240, p. 1-42, 2005. p. 31-32.
49
RODRÍGUEZ-ARANA MUÑOZ, Jaime. Los derechos fundamentales en el Estado social y el Derecho
Administrativo Constitucional. Revista Argentina del Régimen de la Administración Pública, año XXV, nº
293, Buenos Aires, Ediciones RAP, p. 15-22, feb. 2003. p. 17.

44
No Estado Social de Direito, entretanto, o Judiciário impõe à Administração deveres
positivos de prestação. Esse fenômeno, entretanto, pode gerar consequências pejorativas: na
busca quase cega pela efetivação do direito à saúde, decisões pouco racionalmente
fundamentadas determinam prestações arrazoáveis e desproprocionais. A tutela de direitos
sociais, todavia, exige não só o valor gasto para a satisfação daquele determinado direito, mas
também todo um planejamento político prévio, a fim de que as finanças públicas possam estar
bem distribuídas.
O que tem se observado, desse modo, é uma descaracterização da função principal dos
direitos sociais, que é, como já se disse, a redução das desigualdades materiais. Com tantas
ações judiciais individuais condenando a Administração Pública ao fornecimento de
medicamentos e à prestação de operações cirúrgicas de custo elevado, a efetivação do direito
à saúde pela via judicial traz consigo um efeito colateral: se, em um primeira análise, satisfaz
a pretensão jurídica de determinado cidadão, em uma visão mais ampla, percebe-se um
aumento das diferenças sociais e um prejuízo para a saúde pública brasileira.
Sendo assim, reconhece-se a importância do Judiciário como um balizador dos desvios
cometidos pela Administração. Aquele só deve ser acionado para a concessão de prestações
de saúde, portanto, quando esta se fizer omissa, ou seja, como última alternativa. Insta-se,
desse modo, pensar meios administrativos de maximização da eficácia do direito à saúde.
Nesse sentido, Daniel Wunder Hachem alerta que, realizada a constitucionalização do Direito
Administrativo, faz-se necessária, agora, a “administrativização” do Direito Constitucional,
isto é, a busca de ferramentas administrativas voltadas para a concretização dos objetivos
constitucionais.50
Se a lógica subjetivista se mostra insuficiente, seja pelas ofensas que causa ao
princípio da igualdade, pois priviligia aqueles que podem lograr acesso ao Judiciário, seja
pelo caos que pode causar ao planejamento financeiro público, o primeiro passo parece ser,
portanto, o de explorar a dimensão objetiva do direito à saúde, a fim de que sua tutela abranja
toda a coletividade, de modo igualitariamente satisfatório. José Carlos Vieira de Andrade,
tratando da dimensão objetiva dos direitos fundamentais, adverte que eles “não podem ser
pensados apenas do ponto de vista dos indivíduos, enquanto faculdade ou poderes de que
estes são titulares”, mas também sob uma ótica comunitarista, “como os valores ou fins que
esta [a comunidade] se propõe a seguir”51.

50
HACHEM, Daniel Wunder. Tutela administrativa efetiva… Op. Cit. f. 56-65.
51
ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os direitos fundamentais… Op. Cit. p. 144-145.

45
Como ensina Jaime Rodríguez-Arana Muñoz, o Direito Administrativo deve contribuir
para a efetividade dos direitos fundamentais, ainda que não exista uma pretensão subjetiva por
parte dos cidadãos. Como os direitos fundamentais comportam a estrutura básica de todo o
ordenamento jurídico, o Direito Administrativo, pela relação que guarda com o Direito
Constitucional, se encontra direcionado à realização desses direitos, a tal ponto que essa tarefa
deve ser o primeiro e último fim da atividade administrativa.52
Por óbvio, seriam necessárias grandes mudanças estruturais para que o direito à saúde
pudesse passar a ser tutelado objetiva e coletivamente, por meio de políticas públicas
democráticas, como aqui se pretende. O presente trabalho, no entanto, não é tão ambicioso em
suas considerações e visa tão somente à indicação de soluções que podem ser tomadas ainda
na atual conjuntura. Sabendo que a excessiva judicialização da saúde é uma realidade
atualmente e que não será extinta tão cedo, o melhor a se fazer, por ora, é trabalhar,
exatamente, com essas decisões.
O primeiro meio para se maximizar a efetividade do direito à saúde é o respeito aos
precedentes administrativos e judiciais que existem nessa área. Quanto aos precedentes
administrativos parece evidente que a Administração, ao conceder, de ofício, por exemplo,
determinado medicamento em repetidas situações, deve manter a mesma postura com todos
aqueles cidadãos que possuírem as mesmas características, sob pena de afrontar o princípio da
impessoalidade, cuja essência, segundo Fernando Dias Menezes de Almeida, “está no fato de
o tratamento dado por agentes estatais a casos individuais e concretos estar fundamentado
numa decisão anterior geral e abstrata”53.
Os precedentes, frisa-se, para serem respeitados, além de repetidos, devem ter sido
proferidos legalmente e estarem voltados à promoção do direito à saúde, aumentando a esfera
jurídica dos cidadãos requerentes.54 Seria concedida, dessa forma, uma efetiva tutela
administrativa do direito à saúde, com abrangência igualitária.
Depreende-se da pesquisa jurisprudencial realizada, entretanto, que os cidadãos pouco
buscam as vias administrativas para a satisfação de seus direitos sociais – ou, ao menos, para
o recebimento gratuito de medicamentos. Segundo os dados coletados na pesquisa, em apenas
12 das 85 ações individuais analisadas (aproximadamente 14%) o juiz ou as partes citaram a

52
RODRÍGUEZ-ARANA MUÑOZ, Jaime. Derecho Administrativo y Constitución. Granada: CEMCI, 2000.
p. 120.
53
ALMEIDA, Fernando Dias Menezes de. Princípio da impessoalidade. In: MARRARA, Thiago (Org.).
Princípios de Direito Administrativo: legalidade, segurança jurídica, impessoalidade, publicidade, motivação,
eficiência, moralidade, razoabilidade, interesse público. São Paulo: Atlas, 2012. p. 114.
54
HACHEM, Daniel Wunder. Tutela administrativa efetiva… Op. Cit. f. 475.

46
existência de um requerimento administrativo prévio ao pedido judicial. Ao que tudo indica,
há uma preferência pela via judicial, já que, nesse âmbito, o ganho de causa é muito provável
– e que com isso a Administração é forçada a conceder o medicamento.
Essa força vinculante das decisões judiciais é o que desdobra a sugestão aqui
assinalada de respeito aos precedentes judiciais. Quando a jurisprudência estiver pacificada,
portanto, o melhor que a Administração pode fazer – desde que o posicionamento dos
tribunais esteja conforme o Direito, obviamente – é mais do que aceitar a decisão judicial por
força de sua imposição jurídica: é internalizar esse posicionamento e passar a adotá-lo como
orientação. De outro modo, estar-se-ia remando contra maré, gastando os escassos recursos e
o primoroso tempo de trabalho dos Poderes Executivo e Judiciário, que, em última análise,
pertencem a toda a população.
Deve-se, assim, na opinião de Daniel Wunder Hachem, expedir atos administrativos
gerais determinando que: (i) os órgãos públicos concedam os medicamentos pleiteados na via
administrativa; (ii) os procuradores públicos não mais contestem as ações judiciais que se
ajustem a esse molde firmado pela jurisprudência pacificada; (iii) os advogados públicos
deixem de recorrer de decisões que condenem a Administração e estejam de acordo com o
entendimento consolidado pelo tribunal.55 Sobre o assunto, Clèmerson Merlin Clève lembra
que é perfeitamente possível a emissão de regulamentos administrativos de execução que
operem contra legem, ultra legem e praeter legem, desde que com respaldo direto nas normas
constitucionais, visando, sempre, à sua máxima efetividade.56
Desse modo, com a atuação administrativa voltada à promoção da dimensão objetiva
dos direitos sociais, tender-se-á a uma universalização das prestações (ora individuais) de
saúde, eliminando, com isso, ao menos, o problema do tratamento desigual e anti-isonômico
protagonizado pelas decisões judiciais. Coexistirão, ainda, inevitavelmente, diversos outros
problemas relacionados à efetivação do direito à saúde, seja pela via judicial, seja pela via
administrativa, que demandarão estudos específicos, sempre movidos pela intenção de dar
mais efetividade aos direitos fundamentais sociais.

55
HACHEM, Daniel Wunder. Vinculação da Administração Pública aos precedentes judiciais: mecanismo de
tutela igualitária dos direitos sociais. In: Luiz Alberto Blanchet; Daniel Wunder Hachem; Ana Claudia Santano
(Org.). Estado, Direito e Políticas Públicas: Homenagem ao Professor Romeu Felipe Bacellar Filho. Curitiba:
Íthala, 2014. p. 232-233.
56
CLÈVE, Clèmerson Merlin. Poder normativo da Administração Pública. In: __________ (Coord.). Direito
constitucional brasileiro: volume II: organização do Estado e dos poderes. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2014. p. 538.
47
Conclusão
Não é recente o desenvolvimento de pesquisas e o surgimento de ações judiciais que
comprovem o ativismo judicial e a judicialização da saúde no direito público brasileiro. Com
a força jurídico-normativa dos mandamentos impostos pela Constituição Federal de 1988 e a
imperiosa ascensão do Poder Judiciário nos últimos anos, inúmeros problemas sociais, que
anteriormente eram tratados apenas no âmbito político, passaram a ser analisados sob a ótica
do Direito. A saúde, ao ser elevada nessa nova ordem jurídica à condição de direito
fundamental, sofreu, inevitavelmente, essas consequências.
De fato, como se procurou demonstrar no primeiro ponto do presente trabalho, é
juridicamente justificável a sublevação jusfundamental do direito à saúde, reconhecendo-lhe,
inclusive, a característica de judiciabilidade. Esse socorro judicial para a concretização do
direito à saúde é, aliás, em determinadas situações, mais do que possível: faz-se necessário.
Sendo assim, comprovou-se que essa judicialização, por ser constitucionalmente aceitável e
devida, não pode ser totalmente rechaçada.
Deve-se, no entanto, identificar seus limites. Afinal, conforme as análises tratadas no
segundo ponto, o ativismo judicial imoderado é prejudicial para todo o Estado Democrático e
Social de Direito. Atualmente, entretanto, os magistrados superam sua dificuldade
contramajoritária57 sem as devidas e esperadas argumentações e ponderações. Decisões
judiciais condenam a Administração Pública a prestações de altíssimo custo e nem sempre
essenciais, inviabilizando o bom planejamento de utilização das finanças públicas.
Para ilustrar esse cenário, realizou-se uma pesquisa jurisprudencial no Tribunal
Regional Federal da 4ª Região acerca de concessões judiciais de medicamentos para o
tratamento de Hepatite C. Com o exame empírico, provou-se que o receio da doutrina quanto
à excessiva judicialização da saúde é prudente. Observou-se com frequência que a atividade
judicial não é exercida com a devida parcimônia, desrespeitando, muitas vezes, o conjunto de
opções legislativas e administrativas desenvolvidas sobre o tema da saúde. Além disso,
demonstrou-se que a maior parte das ações (95,5%) são de natureza individual, acarretando
em um tratamento desigual entre aqueles cidadãos que possuem os conhecimentos e as
condições financeiras necessárias para acionar o Poder Judiciário e os que não possuem.
Restou evidente, nesse ponto, que o atual método para a satisfação dos interesses
individuais e coletivos referentes à saúde deve ser repensado. Não se pode admitir que, como

57
O termo é cunhado pelo constitucionalista norte-americano Alexander Bickel para retratar o problema advindo
da falta de legitimidade democrática do Poder Judiciário para a tomada de decisões com consequências político-

48
regra, o Judiciário tome o posto da Administração Pública e conceda desigual e
imparcimoniosamente prestações de saúde. A primeira solução que se insurge para a
resolução dessa problemática parece ser uma maior atuação administrativa de ofício nesses
casos.
Em vista de identificar algumas medidas administrativas que podem ser tomadas para
ajudar a melhorar esse cenário, demonstrou-se que o Direito Administrativo brasileiro já
sofreu um processo de constitucionalização. O contrário (a “administrativização” do Direito
Constitucional), no entanto, ainda espera por ser realizado. O que se pretendeu, portanto, foi a
identificação de ferramentas do Direito Administrativo para a solução desse imbróglio que se
desenvolve no seio do Direito Constitucional.
O primeiro problema constado foi que as ações judiciais de direito à saúde ainda são
regidas por uma lógica liberal-individualista, desenvolvida no século XIX. Naquele momento
histórico, a dimensão subjetiva dos direitos fundamentais era suficiente para a sua satisfação,
vez que não passavam, em sua maior parte, de direitos “de defesa” ou “de liberdade”,
exigindo apenas uma posição abstencionista da Administração Pública. Com a instauração do
paradigma do Estado Social de Direito, em meados do século XX, todavia, essa lógica
anacrônica se demonstrou insuficiente. Para a tutela dos direitos fundamentais sociais – que,
de modo geral, exigem da Administração Pública prestações fáticas –, necessita-se de maior
atenção à sua dimensão objetiva, que reclama, sem carecer da espera de decisões judiciais,
uma atuação administrativa igualitária.
O principal objetivo desse trabalho, portanto, foi a demonstração de que a atuação
jurisdicional, apesar de necessária em certos casos, não é suficiente para solucionar os
problemas advindos do paradigma jurídico vigente. A verdade é que a Administração Pública
nunca – desde o início de sua instituição nos séculos XVIII e XIX até os dias atuais –
desfrutou da autonomia necessária para a concretização espontânea e igualitária do direito à
saúde. Sempre esteve presa: em um primeiro momento, à inflexibilidade das amarras da lei
formal; e, atualmente, ao rigor do cumprimento das decisões judiciais. Isto posto, o caminho
aqui indicado para ser seguido para uma maior satisfação do interesse público relativo à saúde
é o de uma atuação administrativa mais autônoma e espontânea, para permitir a concessão de
prestações mais justas e igualitárias.

sociais. BICKEL, Alexander. The last dangerous branch: the Supreme Court at the bar of politics.

49
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52
Apêndice
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Quadros da Silva, juntado aos autos em 02/05/2014
TRF4, AC 5020836-52.2013.404.7000, Quarta Turma, Relatora p/ Acórdão Vivian Josete
Pantaleão Caminha, juntado aos autos em 02/05/2014
TRF4, APELREEX 5001137-54.2013.404.7007, Quarta Turma, Relatora p/ Acórdão Vivian
Josete Pantaleão Caminha, juntado aos autos em 22/04/2014
TRF4, APELREEX 5018555-42.2012.404.7200, Terceira Turma, Relatora p/ Acórdão Marga
Inge Barth Tessler, juntado aos autos em 10/04/2014
TRF4, APELREEX 5001379-32.2012.404.7109, Terceira Turma, Relatora p/ Acórdão Marga
Inge Barth Tessler, juntado aos autos em 10/04/2014
TRF4, APELREEX 5003134-83.2010.404.7102, Terceira Turma, Relatora p/ Acórdão Marga
Inge Barth Tessler, juntado aos autos em 03/04/2014
TRF4 5018094-54.2013.404.7000, Quarta Turma, Relator p/ Acórdão Luís Alberto
D'azevedoAurvalle, juntado aos autos em 01/04/2014
TRF4, AG 5001381-18.2014.404.0000, Terceira Turma, Relatora p/ Acórdão Marga Inge
Barth Tessler, juntado aos autos em 14/03/2014
TRF4, AG 5024106-35.2013.404.0000, Terceira Turma, Relator p/ Acórdão Nicolau Konkel
Júnior, juntado aos autos em 27/02/2014
TRF4, AG 5019441-73.2013.404.0000, Terceira Turma, Relator p/ Acórdão Nicolau Konkel
Júnior, juntado aos autos em 20/02/2014
TRF4, AC 5003076-88.2012.404.7109, Quarta Turma, Relatora p/ Acórdão Vivian Josete
Pantaleão Caminha, juntado aos autos em 20/02/2014
TRF4, AC 5001273-66.2013.404.7002, Quarta Turma, Relatora p/ Acórdão Vivian Josete
Pantaleão Caminha, juntado aos autos em 18/11/2013
TRF4, AC 5000507-77.2013.404.7207, Quarta Turma, Relatora p/ Acórdão Vivian Josete
Pantaleão Caminha, juntado aos autos em 11/11/2013
TRF4, AC 5006867-86.2012.404.7102, Terceira Turma, Relatora p/ Acórdão Marga Inge
Barth Tessler, juntado aos autos em 24/10/2013
TRF4, AG 5024106-35.2013.404.0000, Terceira Turma, Relator Fernando Quadros da Silva,
juntado aos autos em 15/10/2013
TRF4, AG 5014596-95.2013.404.0000, Terceira Turma, Relator p/ Acórdão Fernando
Quadros da Silva, juntado aos autos em 11/10/2013
TRF4, AG 5017596-40.2012.404.0000, Quarta Turma, Relator p/ Acórdão Candido Alfredo
Silva Leal Junior, juntado aos autos em 04/10/2013
TRF4, AC 5003720-52.2012.404.7102, Terceira Turma, Relatora p/ Acórdão Marga Inge
Barth Tessler, juntado aos autos em 19/09/2013
53
TRF4, EINF 5016939-50.2012.404.7000, Segunda Seção, Relator p/ Acórdão Luís Alberto
D'azevedoAurvalle, juntado aos autos em 17/09/2013
TRF4, AG 5006052-21.2013.404.0000, Quarta Turma, Relator p/ Acórdão Candido Alfredo
Silva Leal Junior, juntado aos autos em 30/08/2013
TRF4, AG 5019441-73.2013.404.0000, Terceira Turma, Relator Fernando Quadros da Silva,
juntado aos autos em 29/08/2013
TRF4, AG 5014596-95.2013.404.0000, Terceira Turma, Relator Fernando Quadros da Silva,
juntado aos autos em 09/07/2013
TRF4, AG 5007239-64.2013.404.0000, Quarta Turma, Relator p/ Acórdão Luís Alberto
D'azevedoAurvalle, juntado aos autos em 28/05/2013
TRF4, APELREEX 5001996-86.2012.404.7207, Quarta Turma, Relatora p/ Acórdão Vivian
Josete Pantaleão Caminha, juntado aos autos em 22/05/2013
TRF4, AG 5003534-58.2013.404.0000, Terceira Turma, Relator p/ Acórdão Fernando
Quadros da Silva, juntado aos autos em 09/05/2013
TRF4, AC 5002639-20.2012.404.7215, Quarta Turma, Relatora p/ Acórdão Vivian Josete
Pantaleão Caminha, juntado aos autos em 24/04/2013
TRF4, AG 5007239-64.2013.404.0000, Quarta Turma, Relator Luís Alberto
D'azevedoAurvalle, juntado aos autos em 12/04/2013
TRF4, AG 5020207-63.2012.404.0000, Terceira Turma, Relatora p/ Acórdão Maria Lúcia
Luz Leiria, juntado aos autos em 20/03/2013
TRF4, AG 5015471-02.2012.404.0000, Quarta Turma, Relator p/ Acórdão Candido Alfredo
Silva Leal Junior, juntado aos autos em 19/12/2012
TRF4, AG 5021162-94.2012.404.0000, Quarta Turma, Relator Luís Alberto
D'azevedoAurvalle, juntado aos autos em 18/12/2012
TRF4, AG 5021220-97.2012.404.0000, Terceira Turma, Relator Carlos Eduardo Thompson
Flores Lenz, juntado aos autos em 18/12/2012 (coletivo)
TRF4, AG 5016344-02.2012.404.0000, Terceira Turma, Relatora p/ Acórdão Maria Lúcia
Luz Leiria, juntado aos autos em 17/11/2012
TRF4 5017049-97.2012.404.0000, Terceira Turma, Relator p/ Acórdão Carlos Eduardo
Thompson Flores Lenz, juntado aos autos em 16/11/2012
TRF4, AG 5016063-46.2012.404.0000, Quarta Turma, Relator p/ Acórdão Luís Alberto
D'azevedoAurvalle, juntado aos autos em 16/11/2012
TRF4, AG 5015928-34.2012.404.0000, Terceira Turma, Relatora p/ Acórdão Maria Lúcia
Luz Leiria, juntado aos autos em 09/11/2012
TRF4, AG 5013331-92.2012.404.0000, Terceira Turma, Relator p/ Acórdão Fernando
Quadros da Silva, juntado aos autos em 08/11/2012

54
TRF4, AG 5011860-41.2012.404.0000, Quarta Turma, Relator p/ Acórdão Luís Alberto
D'azevedoAurvalle, juntado aos autos em 05/09/2012
TRF4, AC 5001558-69.2012.404.7204, Terceira Turma, Relatora p/ Acórdão Maria Lúcia
Luz Leiria, juntado aos autos em 18/07/2012
TRF4, APELREEX 5022983-22.2011.404.7000, Terceira Turma, Relator p/ Acórdão
Fernando Quadros da Silva, juntado aos autos em 05/07/2012
TRF4, AC 0007721-70.2009.404.7200, Quarta Turma, Relator Luís Alberto
D'azevedoAurvalle, D.E. 15/05/2012
TRF4, AG 5004093-49.2012.404.0000, Terceira Turma, Relator Carlos Eduardo Thompson
Flores Lenz, juntado aos autos em 19/03/2012
TRF4, AG 5004059-74.2012.404.0000, Terceira Turma, Relator Carlos Eduardo Thompson
Flores Lenz, juntado aos autos em 19/03/2012
TRF4, AC 5020679-84.2010.404.7000, Quarta Turma, Relatora p/ Acórdão Vivian Josete
Pantaleão Caminha, juntado aos autos em 16/03/2012
TRF4, AG 5002890-52.2012.404.0000, Quarta Turma, Relator Vilson Darós, juntado aos
autos em 29/02/2012
TRF4, AG 5015226-25.2011.404.0000, Terceira Turma, Relator Carlos Eduardo Thompson
Flores Lenz, juntado aos autos em 18/10/2011
TRF4, AC 5002886-26.2010.404.7003, Terceira Turma, Relatora p/ Acórdão Maria Lúcia
Luz Leiria, juntado aos autos em 06/10/2011
TRF4, APELREEX 5000650-58.2011.404.7200, Terceira Turma, Relator p/ Acórdão Carlos
Eduardo Thompson Flores Lenz, juntado aos autos em 29/07/2011
TRF4, AG 5005621-55.2011.404.0000, Terceira Turma, Relatora p/ Acórdão Maria Lúcia
Luz Leiria, juntado aos autos em 28/07/2011
TRF4, AG 5002264-67.2011.404.0000, Quarta Turma, Relatora p/ Acórdão Marga Inge Barth
Tessler, juntado aos autos em 11/05/2011
TRF4, APELREEX 0001825-56.2008.404.7208, Quarta Turma, Relatora Silvia Maria
Gonçalves Goraieb, D.E. 18/05/2011
TRF4, AGVAG 5000621-74.2011.404.0000, Terceira Turma, Relatora p/ Acórdão Maria
Lúcia Luz Leiria, juntado aos autos em 14/04/2011
TRF4, AC 5004613-11.2010.404.7200, Quarta Turma, Relatora p/ Acórdão Marga Inge Barth
Tessler, juntado aos autos em 08/04/2011
TRF4, AG 5010122-86.2010.404.0000, Terceira Turma, Relatora p/ Acórdão Maria Lúcia
Luz Leiria, juntado aos autos em 06/04/2011
TRF4, AG 5000022-38.2011.404.0000, Terceira Turma, Relatora p/ Acórdão Maria Lúcia
Luz Leiria, juntado aos autos em 06/04/2011

55
TRF4, AG 5010117-64.2010.404.0000, Terceira Turma, Relatora Maria Lúcia Luz Leiria,
juntado aos autos em 15/03/2011
TRF4, AG 5000621-74.2011.404.0000, Terceira Turma, Relatora Maria Lúcia Luz Leiria,
juntado aos autos em 14/03/2011
TRF4, AG 5006548-55.2010.404.0000, Terceira Turma, Relatora p/ Acórdão Maria Lúcia
Luz Leiria, juntado aos autos em 28/01/2011
TRF4, AC 0001453-10.2008.404.7208, Quarta Turma, Relatora Silvia Maria Gonçalves
Goraieb, D.E. 17/12/2010
TRF4, AG 5002962-10.2010.404.0000, Quarta Turma, Relator p/ Acórdão Sérgio Renato
Tejada Garcia, juntado aos autos em 22/09/2010
TRF4, AG 2009.04.00.019290-1, Terceira Turma, Relator Fernando Quadros da Silva, D.E.
06/09/2010
TRF4, AG 5001431-83.2010.404.0000, Quarta Turma, Relatora p/ Acórdão Marga Inge Barth
Tessler, juntado aos autos em 13/09/2010
TRF4, APELREEX 0012288-07.2005.404.7000, Quarta Turma, Relatora Marga Inge Barth
Tessler, D.E. 08/09/2010
TRF4, AG 5002962-10.2010.404.0000, Quarta Turma, Relatora Marga Inge Barth Tessler,
juntado aos autos em 13/07/2010
TRF4, EINF 2006.70.00.000547-6, Segunda Seção, Relator Carlos Eduardo Thompson Flores
Lenz, D.E. 25/06/2010
TRF4, AG 5001431-83.2010.404.0000, Quarta Turma, Relatora Marga Inge Barth Tessler,
juntado aos autos em 08/06/2010
TRF4, AC 0005010-02.2003.404.7201, Quarta Turma, Relatora Marga Inge Barth Tessler,
D.E. 24/05/2010
TRF4, AC 0004161-85.2007.404.7202, Terceira Turma, Relator Carlos Eduardo Thompson
Flores Lenz, D.E. 19/05/2010
TRF4, APELREEX 2005.71.00.025270-2, Terceira Turma, Relator Carlos Eduardo
Thompson Flores Lenz, D.E. 26/04/2010
TRF4, AC 0004161-85.2007.404.7202, Terceira Turma, Relator Carlos Eduardo Thompson
Flores Lenz, D.E. 06/04/2010
TRF4, AG 2009.04.00.013667-3, Terceira Turma, Relatora p/ Acórdão Maria Lúcia Luz
Leiria, D.E. 14/04/2010
TRF4, MCI 2009.04.00.046142-0, Quarta Turma, Relator Sérgio Renato Tejada Garcia, D.E.
15/01/2010
TRF4, AG 2009.04.00.018197-6, Terceira Turma, Relatora Silvia Maria Gonçalves Goraieb,
D.E. 20/01/2010

56
TRF4, AG 2009.04.00.016826-1, Terceira Turma, Relatora Silvia Maria Gonçalves Goraieb,
D.E. 20/01/2010
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D.E. 20/01/2010
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