O ESTADO DE COISA INCONSTITUCIONAL E A PROTEÇÃO DE
DIREITOS MÍNIMOS NO BRASIL VISANDO O CUSTO ORÇAMENTÁRIO
1. Conceito de estado de coisa inconstitucional:
No âmbito brasileiro, refere-se a uma situação em que os poderes públicos falham em garantir os direitos fundamentais previstos na Constituição Federal, resultando em uma realidade social e econômica marcada pela violação desses direitos. A origem do ECI está relacionada à histórica desigualdade social e à corrupção endêmica que persistem há décadas. Muitas vezes, as políticas públicas adotadas pelo Estado para enfrentar esses problemas são insuficientes ou mal executadas, gerando uma perpetuação da situação de violação dos direitos fundamentais. Essa situação pode ser identificada em diversas áreas, como saúde, educação, moradia, segurança pública e meio ambiente, entre outras. São exemplos de estado de coisas inconstitucional no Brasil a falta de acesso adequado à saúde, a precariedade das escolas públicas em muitas regiões do país, a violência urbana, a degradação ambiental em áreas urbanas e rurais e a situação dos presídios em âmbito nacional. A ideia do estado de coisas inconstitucional no Brasil surgiu no contexto de julgamentos do Supremo Tribunal Federal, que reconheceram a existência desse fenômeno em casos como o da crise do sistema prisional brasileiro e a demora na realização de julgamentos pela Justiça brasileira. A partir desses casos, tem-se visto a necessidade de adoção de medidas mais efetivas para solucionar os problemas decorrentes do estado de coisas inconstitucional, como a implementação de políticas públicas mais eficientes, a ampliação de recursos orçamentários destinados a áreas críticas e a reforma de instituições que não estejam cumprindo adequadamente suas funções. É um mecanismo utilizado com a finalidade de resolver situações de vulnerabilidade dos direitos humanos de caráter geral e atingem diversas pessoas e cujas causas são de caráter estrutural, exigindo assim uma solução conjunta do Poder Público. O reconhecimento do estado de coisas inconstitucional por parte do Supremo Tribunal Federal é uma medida importante para exigir dos poderes públicos a adoção de medidas concretas para resolver esses problemas e garantir os direitos fundamentais previstos na Constituição.
2. Análise do artigo escolhido: "UNCONSTITUTIONAL STATE OF AFFAIRS AND
THE PROTECTION OF MINIMUM RIGHTS IN BRAZIL” (referenciado no final)
A visão trazida é a respeito do estado de coisas inconstitucional supracitado e o
custo orçamentário envolvido nessa situação, examinando se existe no Brasil uma violação dos direitos humanos mínimos em relação a alguns direitos, problematizando a questão dos custos dos direitos e sua relação com a proteção de direitos mínimos que dependem de escolhas orçamentárias para sua efetivação. Argumenta-se durante todo o trabalho desenvolvido pelas autoras a questão de como até mesmo os direitos mais comuns do nosso ordenamento jurídico, como o direito a liberdade e o direito a segurança, mesmo que eles não funcionem da mesma maneira que os direitos sociais, geram custos para a máquina pública, se tornando uma obrigação para o Estado, e em segundo plano, para a toda a sociedade por meio da tributação, chegando a conclusão que só existem direitos onde os custos permitem. Como consequência principal, temos a situação de que implementar direitos na nossa sociedade, dependem completamente da alocação de recursos. Com esse viés de pensamento, "o desperdício de recursos públicos, em um universo de escassez, gera injustiça com aqueles potenciais destinatários que deveriam ser atendidos”, para atender melhor essa questão, é necessário ter uma visão consolidada a respeito do dogma da escassez. O dogma da escassez é uma crença comum na economia que afirma que os recursos são limitados em relação às necessidades humanas ilimitadas. Isso implica que a escassez é uma condição inevitável da existência humana e que, como resultado, as pessoas devem tomar decisões sobre como alocar recursos limitados de maneira eficiente. Em um cenário de escassez de recursos, é comum que os governos priorizem áreas como segurança e infraestrutura em detrimento de áreas como educação, saúde e assistência social, que são fundamentais para a garantia dos direitos humanos básicos. Além disso, a corrupção, a má gestão e a falta de transparência na administração pública também contribuem para a precarização dos serviços públicos e para a perpetuação do estado de coisas inconstitucional. Para enfrentar esse desafio, é preciso fortalecer as instituições e garantir o acesso à Justiça, a fim de que as vítimas de violações de direitos tenham meios efetivos de reivindicar seus direitos. Também é necessário investir em políticas públicas que garantam o acesso igualitário aos serviços básicos, promovam a inclusão social e combatam a desigualdade. Guido Calabresi e Philip Bobbit esclarecem a questão das escolhas trágicas, com foco no argumento de que a distribuição de certos bens acarreta grande sofrimento ou pode até causar a morte. Quando judicializado, o argumento da escassez de recursos como restrição ao reconhecimento do direito social é denominado genericamente de "cláusula da reserva do possível’. A cláusula de reserva do possível é um princípio jurídico que reconhece que o Estado não pode ser obrigado a realizar todas as despesas que são reivindicadas pelos cidadãos, especialmente quando se trata de garantir direitos sociais, como saúde, educação e moradia. Essa cláusula reconhece que o Estado tem recursos limitados e que, portanto, deve priorizar seus gastos e escolher onde alocar seus recursos. Essa cláusula é geralmente aplicada quando o Estado é acionado judicialmente para fornecer algum serviço ou benefício social que não está previsto em seu orçamento ou que não pode ser disponibilizado no momento por falta de recursos financeiros. Nesses casos, o Estado pode alegar a cláusula de reserva do possível para justificar sua impossibilidade de cumprir a demanda. No entanto, é importante destacar que a cláusula de reserva do possível não pode ser usada como um argumento para justificar a omissão do Estado em garantir direitos fundamentais dos cidadãos, nem para justificar a falta de efetividade das políticas públicas. O Estado deve sempre buscar atender às necessidades da sociedade e garantir os direitos fundamentais previstos na Constituição. Na perspectiva de Ingo Wolfgang Sarlet e Mariana Figueiredo Filchtiner, "é preciso dar tríplice dimensão à reserva do possível: a) a efetiva disponibilidade fática de recursos para a efetivação dos direitos fundamentais; b) a disponibilidade legal de recursos materiais e humanos, que está intimamente ligada à distribuição de receitas e poderes fiscais, orçamentais, legislativos e administrativos, entre outros; c) a proporcionalidade do benefício, em especial quanto à exigibilidade e razoabilidade" (SARLET; FILCHTINER, 2008). A ideia principal a ser defendida, deve ser de que o Estado, em todas as situações, deve prezar pela proteção aos direitos constitucionais para todos os cidadãos, tendo em vista proteger os direitos e garantias mínimas para a existência em sociedade. O sistema prisional Brasileiro, pode ser usado como principal exemplo da violação de direitos humanos mínimos, causando um estado de coisas inconstitucional em todo o território nacional, pois o mesmo não garante a sobrevivência digna das pessoas que estão encarceradas, sendo que a respeito desse assunto, o Superior Tribunal Federal, já decidiu que essa situação é causa por responsabilidade solidária de vários órgãos. O mesmo pode ser dito a respeito do direito a saúde e a educação. Conclui-se que, é impossível dissociar a proteção aos direitos mínimos da questão da alocação de recursos, visto que a violação dos mesmos tem um caráter político, judiciário e econômico.
Referência:
MACHADO, Clara; PAIXÃO SILVA OLIVEIRA, Liziane. UNCONSTITUTIONAL STATE OF
AFFAIRS AND THE PROTECTION OF MINIMUM RIGHTS IN BRAZIL. Revista Jurídica UniCuritiba, v. 4, n. 53, p.166 - 184 (2018). Disponível em <http://revista.unicuritiba.edu.br/ index.php/RevJur/article/view/3275/371371783>