Você está na página 1de 10

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Registro: 2022.0000356440

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Remessa Necessária Cível


nº 1002661-39.2021.8.26.0279, da Comarca de Itararé, em que é recorrente JUÍZO
EX OFFICIO, é recorrida SUZANA APARECIDA DOMINGUES DE JESUS.

ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 11ª Câmara de


Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Não
acolheram o reexame necessário. V.U., de conformidade com o voto do relator, que
integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores RICARDO


DIP (Presidente sem voto), OSCILD DE LIMA JÚNIOR E AFONSO FARO JR..

São Paulo, 12 de maio de 2022.

JARBAS GOMES
relator
Assinatura Eletrônica
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

VOTO Nº 28.202/2022
11a Câmara de Direito Público
Reexame necessário n° 1002661-39.2021.8.26.0279
Recorrente: Juízo Ex Officio
Recorrida: Suzana Aparecida Domingues de Jesus
Interessado: Secretário Municipal de Saúde de Itararé

MEDICAMENTOS Fornecimento pelo Estado. A saúde


é direito de todos e dever do Estado, que deve oferecer
atendimento integral e irrestrito, não cabendo à
Administração Pública eximir-se desta obrigação por
qualquer justificativa. Assim, o fornecimento do
medicamento requerido, por ser o mais adequado às
necessidades do paciente, tem por finalidade dar efetividade
a um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito,
qual seja: a dignidade da pessoa humana (artigo 1º, inciso
III, da Constituição Federal), tutelando-se, por conseguinte,
os direitos à vida e à saúde dos cidadãos (artigo 5º, caput e
196).
REEXAME NECESSÁRIO NÃO ACOLHIDO.

Trata-se de mandado de segurança impetrado


por SUZANA APARECIDA DOMINGUES DE JESUS contra ato
do SECRETÁRIO MUNICIPAL DE SAÚDE DE ITARARÉ
objetivando assegurar direito líquido e certo ao fornecimento
gratuito do medicamento Evolocumabe.
A r. sentença de fls. 409-416, cujo relatório se
adota, concedeu a segurança para “determinar que a autoridade
impetrada forneça à impetrante SUZANA APARECIDA
DOMINGUES DE JESUS o medicamento Repatha 140 mg
(Evolocumabe), até o quinto dia de cada mês, conforme especificado no
receituário médico, de forma gratuita e ininterrupta durante todo o
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

período que for necessário para o tratamento, desde que apresentada


semestralmente prescrição médica ao órgão responsável pela entrega do
produto, sob pena de multa diária de R$ 500,00, até o limite de
R$10.000,00, observado o prazo concedido às folhas 405/408.”.
Ausentes recursos voluntários, os autos foram
remetidos à Instância Superior para apreciação do reexame
necessário.
A D. Procuradoria Geral de Justiça, por meio
do parecer de fls. 438-443, opinou pela confirmação da r. sentença.
É o breve relato.

Inicialmente, é oportuno destacar que no


julgamento do Recurso Especial nº 1.657.156/RJ - submetido à
sistemática dos recursos repetitivos (Tema 106), realizado em
25.04.2018 - o Superior Tribunal de Justiça fixou os parâmetros
para a concessão, pelo Poder Público, de medicamentos não
incorporados em atos normativos do Sistema Único de Saúde.
Na mesma ocasião, a Corte da Cidadania
modulou os efeitos do referido julgamento, em razão do disposto
no artigo 927, inciso III, do Código de Processo Civil, no sentido
de que “os critérios e requisitos estipulados somente serão
exigidos para os processos que forem distribuídos a partir da
conclusão do presente julgamento” (destaque no original).
No caso específico destes autos, o processo foi
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

protocolizado aos 17.12.2021.


Eis os parâmetros fixados pela mencionada
decisão:

“A concessão dos medicamentos não incorporados em


atos normativos do SUS exige a presença cumulativa dos
seguintes requisitos:
(i) Comprovação, por meio de laudo médico
fundamentado e circunstanciado expedido por médico que
assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do
medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da
moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS;
(ii) incapacidade financeira de arcar com o custo do
medicamento prescrito;
(iii) existência de registro na ANVISA do
medicamento”.

No caso específico dos autos, o processo foi


instruído com documentos suficientes para verificar a presença
dos referidos requisitos.
Conforme constou na r. sentença:

“(...) A imprescindibilidade do medicamento está


lastreada em prova documental, consubstanciada em
relatórios médicos juridicamente hígidos e que gozam de total
credibilidade à fls. 14/15.
A ineficácia dos fármacos fornecidos pelo Sistema
Único de Saúde ficou comprovada por meio do relatório
acostado aos autos à fl. 14 que salienta a necessidade expressa
do medicamento, esclarecendo que, diante das circunstâncias
da paciente, não há outro que possa substituir.
Considero suficientemente comprovada a
hipossuficiência financeira do impetrante de arcar com o
custo do medicamento.
Importante ressaltar que o fármaco possui registro na
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA).”.

Prosseguindo, nos termos previstos pelos


artigos 2º, 5º, 6º e 7º, da Lei nº 8.080/90, instituidora do Sistema
Único de Saúde (SUS), este tem como finalidade básica a
assistência e tratamento integral da saúde, abrangendo, inclusive,
o fornecimento de medicamentos e insumos.
Ainda a respeito do tema, o artigo 196, da
Constituição Federal, prevê que a saúde é direito de todos e dever
do Estado, que deverá oferecer atendimento integral, não cabendo
à Administração Pública eximir-se desta obrigação por qualquer
justificativa.
É bem verdade que o artigo 6º, da Constituição
Federal, que preconiza a saúde como direito social, deve ser
analisado à luz do princípio da reserva do possível, de modo que
os pleitos deduzidos em face do Estado sejam logicamente
razoáveis e, necessariamente, existam condições financeiras para
o cumprimento da obrigação (STJ, RMS 28962/MG, 1ª Turma,
Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, j. 25/08/2009, DJe
03/09/2009).
Porém os documentos apresentados não
permitem aferir que a providência requerida pela impetrante
comprometa a situação financeira do Ente Público no que tange à
continuidade dos serviços prestados à saúde dos cidadãos.
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Como se não bastasse, a Lei nº 8.666/93,


instituidora de normas para licitações e contratos com a
Administração Pública, em seu artigo 24, inciso IV, autoriza a
dispensa de licitação para a compra de medicamentos e,
consequentemente, insumos, em casos urgentes.
O medicamento prescrito ao paciente por
médico que acompanha o seu quadro clínico visa controlar e
amenizar os efeitos da doença que lhe acomete e, em decorrência
de seu elevado custo, não tem condições financeiras de adquiri-lo,
sendo irrelevante o fato de eventualmente não constar nas listas
padronizadas, uma vez que visa garantir bem maior, que é a vida
e à saúde.
Tem-se, ainda, que não cabe ao Poder Judiciário
ou ao Poder Executivo questionar a viabilidade do tratamento
indicado pelo profissional devidamente habilitado para exercer
este mister, porquanto possui conhecimentos de métodos
adequados e alternativos para o tratamento e de acordo com as
patologias diagnosticadas.
Deste modo, agiu com acerto o MM. Juízo a quo
ao imputar a responsabilidade à autoridade impetrada pelo
fornecimento do medicamento requerido, por ser o mais
adequado à necessidade da impetrante.
A providência tem por finalidade, ainda, dar
efetividade a um dos fundamentos do Estado Democrático de
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Direito, qual seja: a dignidade da pessoa humana (artigo 1º, inciso


III, da Constituição Federal), tutelando-se, por conseguinte, os
direitos à vida e à saúde dos cidadãos (artigo 5º, caput e 196).
E não é outro o posicionamento deste Egrégio
Tribunal de Justiça:

“MANDADO DE SEGURANÇA. Pretensão da


impetrante objetivando compelir o Estado a fornecer a
medicação e os insumos que lhe foram prescritos,
necessários ao tratamento de diabetes mellitus tipo I.
Segurança concedida corretamente em primeiro grau
Administração Pública que tem a obrigação de
assegurar o atendimento integral àqueles que não
ostentam condições econômicas para suportar o custeio
respectivo Incidência, no particular, do disposto nos
arts. 196 e 198, II, da CF. Reexame necessário
(pertinente na espécie) e apelo da autoridade coatora
não providos.”
(Apelação nº 0041134- 62.2011.8.26.0053 Relator
Desembargador Paulo Dimas Mascaretti).

A simples resistência do Poder Público em


fornecer medicamentos e insumos, por si só, não deixa dúvidas
de que a população doente e carente não está recebendo o
tratamento e o acompanhamento adequados e eficazes à saúde,
como determina a Constituição Federal.
E, não pode o necessitado, em face de sua
moléstia, sujeitar-se ao longo procedimento burocrático para
receber o medicamento ou o insumo de que necessita.
A propósito, o Colendo Superior Tribunal de
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Justiça, nos autos de REsp nº 127.604-RS, em v. acórdão da lavra


do eminente Ministro GARCIA VIEIRA, deixou assentado, como
razão de decidir, a seguinte citação do Dr. Moacir Guimarães
Morais Filho, SubProcurador-Geral da República:

“Os argumentos articulados pelo Estado do presente


recurso especial além de serem juridicamente inconsistentes,
demonstram com mais razão o descaso das autoridades
incumbidas pela saúde do cidadão, que se preocupam em opor-
se com teses jurídicas de difícil aceitabilidade para negar ao
recorrido o sagrado direito de sobrevivência.
A vida é direito subjetivo indisponível, tem
fundamento no Direito Natural, e o direito está
constitucionalmente assegurado ao cidadão, sendo este
líquido e certo.
No nosso entender, os argumentos deduzidos pelo
recorrente são de lana caprina, porque não se satisfazem com
o alcance e o sentido da norma maior nem com melhor exegese
das normas da legislação infraconstitucional alegado como
violada.
Assegurar-se o direito à vida a uma pessoa, propiciando-
lhe medicação específica que lhe alivia até mesmo sofrimentos
e a dor de uma moléstia ou enfermidade irreversível não é
antecipar a tutela jurisdicional através de medida cautelar,
mas garantir-lhe o direito de sobrevivência.
Parece-nos, antes de tudo, assegurar o primado da
hierarquia das normas jurídicas, fazendo com que os
instrumentos legais infraconstitucionais sejam, realmente
interpretados à luz dos princípios maiores do sistema jurídico
constitucional.
Aguardar licitação para atender às necessidades
prementes da vida de um ser humano é, sobretudo, conduta
desumana incompatível com o alcance e princípio de qualquer
regra jurídica e o hermeneuta e aplicador da lei tem o dever,
como Magistrado, de interpretar a norma atendendo aos fins
sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum,
segundo dispõe o artigo 5º da Lei de Introdução ao Código
Civil” (RSTJ, vol. 106/109).
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Em suma, a jurisprudência do Excelso Supremo


Tribunal Federal sobre a matéria é no seguinte sentido:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO


EXTRAORDINÁRIO. DIREITO À
SAÚDE.FORNECIMENTO DE FRALDAS
DESCARTÁVEIS. IMPRESCINDIBILIDADE.
AUSÊNCIA DE QUESTÃO CONSTITUCIONAL. ART.
323 DO RISTF C.C. ART. 102, III, § 3º, DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL. REEXAME DE MATÉRIA
FÁTICO-PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA
N. 279 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.
INVIABILIDADE DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO.
1. A repercussão geral pressupõe recurso admissível sob o
crivo dos demais requisitos constitucionais e processuais de
admissibilidade (art. 323 do RISTF). 2. Consectariamente, se
inexiste questão constitucional, não há como se pretender seja
reconhecida a repercussão geral das questões constitucionais
discutidas no caso (art. 102, III, § 3º, da CF). 3. Deveras,
entendimento diverso do adotado pelo Tribunal a quo,
concluindo que o fornecimento de fraldas descartáveis à ora
recorrida seria, ou não, imprescindível à sua saúde, ensejaria
o reexame do contexto fático-probatório engendrado nos
autos, o que inviabiliza o extraordinário, a teor do Enunciado
da Súmula n. 279 do Supremo Tribunal Federal, verbis:
“para simples reexame de prova não cabe recurso
extraordinário”. 4. In casu, o acórdão originariamente
recorrido assentou: “APELAÇÕES CÍVEIS. DIREITO
PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. SAÚDE PÚBLICA.
FORNECIMENTO FRALDAS DESCARTÁVEIS.
ILEGITIMIDADE PASSIVA DO MUNICÍPIO E DO
ESTADO. DESCAMENTO. RESPONSABILIDADE
SOLIDÁRIA. AUSÊNCIA DE RECURSOS DA
AUTORA. COMPROVAÇÃO. 1. Qualquer dos entes
políticos da federação tem o dever na promoção,
prevenção e recuperação da saúde. 2. A ausência da
inclusão de fraldas geriátricas nas listas prévias, quer
no âmbito municipal, quer estadual, não pode
obstaculizar o seu fornecimento por qualquer dos entes
federados, desde que demonstrada a
imprescindibilidade para a manutenção da saúde do
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

cidadão, pois é direito de todos e dever do Estado


promover os atos indispensáveis à concretização
do direito à saúde, quando desprovido o cidadão de
meios próprios. 3. É direito de todos e dever do Estado
promover os atos indispensáveis à concretização
do direito à saúde, tais como fornecimento
de medicamentos, acompanhamento médico e cirúrgico,
quando não possuir o cidadão meios próprios para
adquiri-los. 4. Comprovada a carência de recursos da
autora para arcar com o tratamento, compete ao
Estado fornecer os produtos imprescindíveis a sua
saúde. Apelações desprovidas.” 5. Agravo regimental a
que se nega provimento.(RE nº 668.724 AgR/RS, 1ª Turma,
Rel. Min. Luiz Fux, j. 24/04/2012, DJe 15/05/2012)

Isto posto, desacolhe-se o reexame necessário.


Eventual insurgência apresentada em face
deste acórdão estará sujeita a julgamento virtual, nos termos da
Resolução nº 549/2011 do Colendo Órgão Especial deste Egrégio
Tribunal de Justiça, ressaltando-se que as partes poderão, no
momento da apresentação do recurso, opor-se à forma do
julgamento ou manifestar interesse no preparo de memoriais. No
silêncio, privilegiando-se o princípio da celeridade processual,
prosseguir-se-á com o julgamento virtual, na forma dos §§ 1º a 3º
do artigo 1º da referida Resolução.

José Jarbas de Aguiar Gomes


Relator

Você também pode gostar