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EXMO. SR.

PRESIDENTE DA TURMA RECURSAL DO JUIZADO ESPECIAL


DO DISTRITO FEDERAL E TERRITÓRIOS

Processo nº …

Serena van der Woodsen, brasileira, estudante, RG nº 111.222, CPF nº


055.846.114-52, residente e domiciliada na Quadra 13, conjunto 6, Lote 14, São
Sebastião-DF, telefone (61) 99999-9997 e endereço eletrônico
garota.fofoqueira@gmail.com. vem, respeitosamente, à presença de Vossa
Excelência, através da Defensoria Pública do Distrito Federal, com fulcro no
1
art. 1.015, I, do Código de Processo Civil e em observância ao art. 80, I , da
Resolução nº 20/2021 do Regimento Interno da Turmas Recursais dos juizados
especiais do Distrito Federal e dos Territórios, interpor

AGRAVO DE INSTRUMENTO COM PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DA


TUTELA RECURSAL

em face da r. decisão de fls. XXX, prolatada pelo Exmo. Juiz de Direito do 1º


Juizado Especial da Fazenda Pública do Distrito Federal, que indeferiu o
pedido de tutela de urgência formulado para compelir o Distrito Federal a
fornecer o medicamento Unhatelax 500mg durante o prazo de 2 anos.

Termos em que pede deferimento.


Brasília/DF, 27 de julho de 2023.

DEFENSOR PÚBLICO
Matrícula

1
Art. 80. É cabível o agravo de instrumento contra decisão:
I - que deferir ou indeferir providências cautelares ou antecipatórias de tutela, nos juizados especiais da
fazenda pública;
I. DA TEMPESTIVIDADE
Considerando o disposto no art. 1.003, §5º, do CPC, tem-se que o prazo para
interposição de agravo de instrumento é de 15 (quinze) dias. No entanto, deve-se
levar em conta o disposto no art. 186 do mesmo diploma, que determina que a
Defensoria Pública dispõe de prazo em dobro para suas manifestações. Assim, o
prazo in casu é de 30 (trinta) dias úteis.
Assim, uma vez que a Defensoria recebeu os autos no dia 15.06.23, com prazo
devolvido integralmente, o recurso encontra-se tempestivo.

II. DA DISPENSA DO PREPARO


Cumpre ressaltar, ainda, que, em sendo a parte beneficiária da gratuidade de
justiça, o preparo é dispensado nos exatos termos do art. 1.007 c/c artigos 98 e 99, do
CPC.

III. DOS FATOS


A Defensoria Pública do Distrito Federal e Territórios ajuizou ação de
obrigação de fazer com pedido de tutela de urgência, a fim de obrigar o Distrito
Federal a fornecer o Unhatelax 500 mg durante o prazo do tratamento médico (2
anos) para a Autora, que foi acometida com comorbidade rara denominada
onicocriptose e atualmente encontra-se em estado de incapacidade temporária.
O medicamento em questão foi receitado para tratamento de urgência sob
pena de danos irreversíveis, e não possui registro na Agência Nacional de Vigilância
Sanitária, embora exista pedido de registro do medicamento no Brasil pendente de
análise há mais de um ano, com protocolo em 15/02/2022. Ademais, em razão do alto
custo do medicamento (R$6.500,00 mensais) e da condição financeira atual em que se
encontra Autora, é inviável o custeio particular do tratamento.
Previamente ao ajuizamento da ação, também foi encaminhado Ofício para a
Secretaria de Saúde do Distrito Federal, pleiteando o fornecimento do medicamento,
contudo este foi respondido no sentido de já haver processo licitatório em
andamento para analisar a possibilidade de compra do medicamento, o que teria
previsão para conclusão em 2025.
Ocorre que o 1º Juizado Especial da Fazenda Pública do Distrito Federal, ao
analisar o pleito da Agravante, indeferiu a tutela de urgência e declinou a
competência, sob os seguintes fundamentos:

(i) não haveria obrigação de o Distrito Federal fornecer medicamentos off-label e sem
registro na ANVISA, notadamente porque existe pedido de registro pendente de
análise, o que demanda análise técnica que não pode ser substituída por
determinação judicial;
(ii) o deferimento da liminar violaria a reserva do possível, uma vez que o
medicamento possui custo significativo e que o Distrito Federal não possui
orçamento para custeio de pedidos de saúde de toda a população;
(iii) em razão de a parte autora ser momentaneamente incapaz, a ação deveria ser
ajuizada em uma das Varas de Fazenda Pública do DF, pois o art. 8º da Lei nº 9.099/95
veda a participação de incapazes em Juizados;
(iv) considerando o valor do fármaco e o prazo do tratamento, o valor da causa
superaria R$60.000,00, o que inviabilizaria a apreciação do pedido pelo Juizado
Especial da Fazenda Pública, o que demanda declínio da competência para uma das
Varas de Fazenda do DF;
(v) sem prejuízo da competência primordial da Vara de Fazenda, o pedido de
medicamento não registrado na ANVISA deveria ser, obrigatoriamente, proposto
contra a União, o que atrairia a competência da Seção Judiciária da Justiça Federal do
DF, situação que deveria ser analisada pela Vara de Fazenda no momento da
redistribuição.
Entretanto, com a devida vênia, a decisão agravada merece ser reformada,
como se demonstrará a seguir.

IV. DAS RAZÕES PARA A REFORMA DA DECISÃO AGRAVADA

IV.I. DA NECESSIDADE DE REFORMA DA DECISÃO AGRAVADA E


CONCESSÃO DA TUTELA RECURSAL DE URGÊNCIA
A decisão agravada indeferiu a tutela de urgência da Agravante, sob os
fundamentos que (i) não haveria obrigação de o DF fornecer medicamentos off-label
e sem registro na ANVISA e (ii) o deferimento da liminar violaria a reserva do
possível, uma vez que o medicamento possui custo significativo e que o Distrito
Federal não possui orçamento para custeio de pedidos de saúde de toda a população.
Contudo, ao fazê-lo, a decisão ignorou a demonstração, na Petição Inicial da
Agravante, do perigo da demora e da probabilidade do direito, elementos aptos a ensejar
o deferimento da tutela, nos moldes do art. 300 do CPC/2015.
No caso em questão, o perigo da demora mostra-se comprovado pelo laudo
técnico constante nos autos, que registrou a urgência do tratamento em questão, sob
pena de danos irreversíveis. Nesse sentido, o risco de dano irreparável ou de difícil
reparação é manifesto, tendo em vista o perigo de agravamento do quadro clínico da
Agravante, dada a natureza rara da comorbidade que acometeu, conhecida como
onicocriptose.
Ademais, quanto à probabilidade do direito, não merece prosperar o
argumento utilizado pela decisão agravada de que o Distrito Federal não possui a
obrigação de fornecer medicamento off-label, sem registro da ANVISA, ainda que
haja pedido em análise no órgão.
Isso, porque de acordo com o decidido pelo Supremo Tribunal Federal em
sede de Repercussão Geral (Tema 500), é “possível a concessão judicial de medicamento
sem registro sanitário, em caso de mora irrazoável da ANVISA em apreciar o pedido”,
desde que cumpridos os seguintes requisitos:
(i) a existência de pedido de registro do medicamento no Brasil (salvo
no caso de medicamentos órfãos para doenças raras e ultrarraras);
(ii) a existência de registro do medicamento em renomadas agências
de regulação no exterior; e
(iii) a inexistência de substituto terapêutico com registro no Brasil.
(RE 657718, Relator(a): MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão:
ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, DJe: 09/11/2020)

No presente caso, o cumprimento de todos requisitos acima já foram


demonstrados pelos documentos nos autos, que comprovam que foi realizado o
pedido de registro do medicamento no órgão responsável, há o registro do
Unhatelax 500 mg em importantes agências de regulação estrangeiras e não há,
no Brasil, substituto terapêutico registrado para o medicamento.
Ademais, a mora irrazoável da Agência Nacional de Vigilância Sanitária é
evidente, dado que já se passou mais de um ano da realização do pedido de registro
do medicamento - protocolado no dia 15/02/2022, prazo muito superior ao de 90 dias
previsto na Lei 13.411/2016, que regula o assunto.
Logo, ao negar o pedido de fornecimento do Unhatelax 500 mg, a decisão
agravada inobservou o Tema 500 do STF, indo de encontro ao disposto nos arts. 926 e
927, III do CPC/2015, veja-se:
“Art. 926. Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e
mantê-la estável, íntegra e coerente.

Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão:


III - os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de
resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos
extraordinário e especial repetitivos”
Outrossim, também não merece prosperar o argumento de que a concessão da
tutela violaria o princípio da reserva do possível.
O conceito de “reserva do possível” foi criado pela doutrina alemã para prever,
basicamente, que os direitos já previstos nas constituições só podem ser garantidos
2
quando há recursos públicos. Ante à grande quantidade de ações pleiteando o acesso
a tratamentos de saúde, alguns tribunais têm adotado essa interpretação para
restringir a atuação do poder judiciário no cumprimento de políticas públicas,
principalmente nos casos em que o orçamento público do ente federativo é limitado.
Ocorre que, ao estabelecer requisitos objetivos para a concessão dos
tratamentos, o STF buscou equilibrar a relação entre o cumprimento da garantia do
direito à saúde pelo Estado e seu orçamento disponível, de modo a definir que
somente em casos excepcionais, nos quais os pacientes não conseguem arcar com os
custos do tratamento, o Estado deverá prestar o auxílio e fornecer determinado
medicamento.
Desse modo, não cabe aplicar, ao caso, a teoria da reserva do possível para
afastar o direito à saúde da Agravante, uma vez que é comprovado o dever do Distrito
Federal de fornecer o medicamento diante da situação excepcional do caso, em que
não há tratamento similar disponível e não há possibilidade de custeio do
medicamento de maneira individual.
Ademais, a utilização do princípio da reserva do possível como justificativa ao
descumprimento do direito à saúde previsto no art. 196 da Constituição só se faz
válida mediante a demonstração efetiva pelo ente federado de que não há
possibilidade financeira de se cumprir a ordem judicial, uma vez que, no Estado
Democrático de Direito, o direito subjetivo inalienável da parte, constitucionalmente

2
LIMA, Flávia Danielle. EM BUSCA DA EFETIVIDADE DOS DIREITOS SOCIAIS
PRESTACIONAIS: CONSIDERAÇÕES SOBRE O CONCEITO DE RESERVA DO POSSÍVEL.
garantido, deve se sobrepor ao interesse financeiro do Estado. Nesse sentido, explica
o Ministro Celso de Mello, ao apreciar a Pet. 1.246-SC do STF:
“(...) entre proteger a inviolabilidade do direito à vida e à saúde, que
se qualifica como direito subjetivo inalienável assegurado a todos
pela própria Constituição da República (art. 5º, caput e art. 196), ou
fazer prevalecer, contra essa prerrogativa fundamental, um interesse
financeiro e secundário do Estado, entendo - uma vez configurado
esse dilema - que razões de ordem ético-jurídica impõem ao julgador
uma só e possível opção: aquela que privilegia o respeito indeclinável
à vida e à saúde humana.” (Pet 1246, Relator(a): Min. Celso de
Mello, Decisão Monocrática, Dje: 01/03/1999)

Portanto, cumpridos todos os requisitos estipulados pelo STF em sede de


repercussão geral e demonstrada a excepcionalidade da situação, não merece
prosperar o fundamento da decisão agravada para negar o direito da Autora ao
fornecimento do medicamento, sob pena de violação aos arts. 5º e 196 da CF/88.
Diante do exposto, demonstrada a presença do perigo da demora e da
probabilidade do direito no caso concreto, faz-se necessária a reforma da r. decisão e
concessão da tutela recursal, nos moldes do art. 1.019 do CPC, para que o Distrito
Federal forneça o Unhatelax 500 mg durante o prazo do tratamento médico de 2
anos.

IV.II. DA COMPETÊNCIA DO JUIZADO ESPECIAL DA FAZENDA


PÚBLICA DO DISTRITO FEDERAL
a) Da suposta competência de uma das Varas de Fazenda do Distrito Federal
Ao analisar o pedido liminar, o juízo a quo declinou sua competência a uma
das Vara de Fazenda Pública do DF, sob os argumentos de que: (i) o art. 8º da Lei nº
9.099/95 veda a participação de incapazes em Juizados e (ii) considerando o valor do
fármaco e o prazo do tratamento, o valor da causa superaria R$60.000,00, o que
inviabilizaria a apreciação do pedido pelo Juizado Especial da Fazenda Pública.
Ocorre que, ao discutir a competência para o julgamento de ações propostas
em desfavor do Distrito Federal e relacionadas ao fornecimento de medicamentos e
internação hospitalar em leitos de UTI, o Incidente de Resolução de Demandas
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Repetitivas (IRDR) nº 2016.00.2.024562-9 sedimentou que, nos casos que envolvam
pedido de internação em leito de UTI ou fornecimento de medicamento, eventual incapacidade
temporária daquele que esteja acometido de alguma patologia, não afasta a competência dos
Juizados Especiais da Fazenda Pública.)

De igual modo, este Eg. Tribunal entendeu, no Acórdão supracitado, que


“considerando que as ações que têm como objeto o fornecimento de serviços de saúde, inclusive o
tratamento mediante internação, encartam pedido cominatório, o valor da causa, fixado de

forma estimativa, é irrelevante para fins de definição da competência”, de modo que também

não se sustenta o afastamento da competência do Juizado Especial em razão do valor


do tratamento (R$ 60.000,00), como alegado na decisão agravada.
E ainda que assim não o fosse, para afastar a competência do Juizado Especial
seria necessário que o valor da causa ultrapassasse a quantia de R$79.200,00,
correspondente à 60 salários mínimos (art. 2º da Lei 12.153/2009), o que não ocorre no
caso em discussão.
Assim, ainda que a Agravante se encontre incapaz temporariamente e o juízo
a quo entenda que o valor da causa estaria acima da competência do Juizado Especial,
cabe a este julgar a presente ação, conforme disposto na lei e na jurisprudência do
TJDFT.

b) Da impossibilidade de declinação da competência para a Justiça Federal


Com relação a competência para julgamento da presente ação, o juízo a quo a
declinou para a Seção Judiciária da Justiça Federal do Distrito Federal, sob a

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Acórdão 1023716, 20160020245629IDR, Relator: GILBERTO PEREIRA DE OLIVEIRA, Câmara de
Uniformização. DJE: 12/6/2017.
justificativa de que o pedido de medicamento não registrado na ANVISA deveria ser,
obrigatoriamente, proposto contra a União.
Não obstante a ausência de registro do Unhatelax advir da mora da Agência
Nacional da Vigilância Sanitária em apreciar o pedido, a responsabilidade entre os
entes federados pelo dever de prestar assistência à saúde é solidária. Nesse
sentido, concluiu o Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Tema 793 da Repercussão
Geral:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL E


ADMINISTRATIVO. DIREITO À SAÚDE. TRATAMENTO
MÉDICO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES
FEDERADOS. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA.
REAFIRMAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA.
O tratamento médico adequado aos necessitados se insere no rol dos
deveres do Estado, porquanto responsabilidade solidária dos entes
federados. O polo passivo pode ser composto por qualquer um
deles, isoladamente, ou conjuntamente. (RE 855178 ED,
Relator(a): LUIZ FUX, Relator(a) p/ Acórdão: EDSON FACHIN,
Tribunal Pleno, DJe: 16/04/2020.

Assim, tendo em vista que no caso concreto já há processo licitatório em

andamento na Secretaria de Saúde da Justiça do Distrito Federal para analisar a

possibilidade de compra do medicamento - como se verifica no Ofício da Secretaria

colacionado aos autos (doc. XX) - e em observância aos princípios da efetividade

processual e da razoável duração do processo, que norteiam o funcionamento dos

Juizados Especiais (art. 2º da Lei 9.099/95) e o direito processual brasileiro em sua

inteireza (art. 5º, XXXV e LXXVIII da CF/88), faz-se necessária a manutenção da

competência da Justiça Estadual no processo, ao contrário do disposto na decisão

agravada.
V. DOS PEDIDOS

Ante as razões de fato e de direito demonstradas, requer:

a) a isenção do pagamento das despesas de preparo, na forma do art. 18 da Lei de n.

7.347/85;

b) a concessão pelo relator, na forma do art. 1.109, inciso I, do CPC/2015, de

antecipação dos efeitos da tutela recursal, haja vista demonstração da fumaça do bom

direito e do perigo da demora, para que o Distrito Federal forneça o medicamento

Unhatelax 500 mg durante o prazo do tratamento médico de 2 anos.

c) a intimação do Procurador Geral do Distrito Federal, para, querendo, apresentar

contrarrazões no prazo legal;

d) a notificação do representante do Ministério Público, para, nos termos do art. 6º

da Lei 7.347/85 e art. 921, VII, do CPC, atuar como fiscal da ordem jurídica;

e) o RECEBIMENTO e PROVIMENTO do presente recurso, para reformar a decisão

agravada, para que seja determinado ao Distrito Federal forneça o medicamento

Unhatelax 500 mg durante o prazo do tratamento médico de 2 anos.

f) a intimação pessoal do membro da Defensoria Pública, contando-se-lhe em dobro

todos os prazos (art. 128, I da Lei Complementar no. 80/94).

g) a juntada dos documentos obrigatórios, nos termos do art. 1.107 do CPC/2015.

Nesses termos, pede deferimento

Brasília/DF, 27 de julho de 2023.

DEFENSOR PÚBLICO
Matrícula

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