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Superior Tribunal de Justiça

AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 404.165 - PE (2013/0332902-3)


RELATOR : MINISTRO NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO
AGRAVANTE : DYAL DISTRIBUIDORA YAPOTAN DE ALIMENTOS - MASSA
FALIDA
REPR. POR : BARTOLOMEU DE CARVALHO NUNES - ADMINISTRADOR
ADVOGADO : EWERTON KLEBER DE CARVALHO FERREIRA E
OUTRO(S)
AGRAVADO : FAZENDA NACIONAL
ADVOGADO : PROCURADORIA-GERAL DA FAZENDA NACIONAL

DECISÃO
AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. TRIBUTÁRIO. PRESCRIÇÃO.
AUSÊNCIA DE CITAÇÃO EM TEMPO HÁBIL. FALHA ESTATAL CUJO
ÔNUS NÃO DEVE RECAIR SOBRE O CIDADÃO. REPARTIÇÃO INTERNA
DE ATRIBUIÇÕES QUE NÃO ALTERA A UNIDADE DO ESTADO E QUE
TORNA IRRELEVANTE O FATO DE A RESPONSABILIDADE SER
PREPONDERANTEMENTE DE UM OU DE OUTRO PODER ESTATAL.
NEMO AUDITUR PROPRIAM TURPITUDINEM ALLEGANS.
TEMPERAMENTO DA SÚMULA 106 DO STJ. AGRAVO DE DYAL
DISTRIBUIDORA YAPOTAN DE ALIMENTOS (MASSA FALIDA) PROVIDO.

1. Agrava-se de decisão que negou seguimento a Recurso


Especial interposto por DYAL DISTRIBUIDORA YAPOTAN DE ALIMENTOS
(MASSA FALIDA) contra acórdão do Tribunal Federal da 5a. Região assim
ementado:

AGRAVO REGIMENTAL. TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL.


PRESCRIÇÃO. INOCORRÊNCIA. AJUIZAMENTO DO PEDIDO DENTRO
DO LUSTRO PRESCRICIONAL. RECURSO IMPROVIDO.

1. O prazo prescricional teve início com a constituição do


débito, ocorrido em 30.04.1997, com a entrega da declaração de rendimentos
pelo contribuinte, considerando que, por se tratar de tributo sujeito a
lançamento por homologação, a constituição definitiva ocorre na data
seguinte ao vencimento ou da entrega da declaração pelo contribuinte, o que
for posterior.

2. In casu, a parte agravada protocolou petição inicial,


promovendo executivo fiscal, em 29.03.2001, ou seja, dentro do lustro
prescricional.

3. O fato de a citação somente ter sido realizada em 18 de

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março de 2008 não sucedeu por desídia da exequente, mas sim por
deficiência de tramitação inerente ao mecanismo judiciário, sendo de notar o
elevadíssimo acúmulo de feitos existente nas varas de execução fiscal.

4. Assim, tem lugar a orientação consagrada pela Súmula 106


do Superior Tribunal de Justiça, de modo que o ajuizamento tempestivo do
pedido afastaria a prescrição, sem que se possa cogitar de ofensa ao art.
174, parágrafo único, I do CTN.

5. Agravo regimental improvido (fls. 105).

2. Os Embargos de Declaração foram rejeitados (fls. 132).

3. Em seu Apelo Nobre, fundado no art. 105, III, a da


Constituição Federal, a recorrente alega ofensa ao art. 543-C do CPC, sustentando
que o acórdão recorrido divergiria de entendimento consolidado mediante o rito dos
recursos repetitivos, e ao art. 174 do CTN, afirmando que o transcurso de mais de
cinco anos de inércia da exequente impõe o reconhecimento da prescrição.

4. Apresentadas as contrarrazões (fls. 157/159), o Recurso


Especial foi inadmitido na origem (fls. 161).

5. É o relatório. Decido.

6. A instância de origem considerou não estar prescrita a


pretensão da Fazenda Pública exequente, tendo sido o crédito tributário constituído
em 30.04.1997 e a petição inicial da execução ajuizada em 29.03.2001, com citação
apenas em 18.03.2008.

7. Assim fez o Tribunal, acrescentando que o estado de paralisia


dos feitos não seria resultado de situação excepcional, mas previsível e
absolutamente natural , dado o elevadíssimo acúmulo de feitos existente nas Varas
de execução fiscal (fls. 102).

8. Diante dessa exposição, impõe-se reconhecer que a


jurisprudência desta Corte efetivamente dá guarida à tese de que uma falha
procedimental imputável exclusivamente ao Poder Judiciário, como no caso de

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demora para citar o requerido, não pode prejudicar direito da parte autora. Essa
orientação foi consagrada pela Corte Especial na Súmula 106, que a ora recorrente
invoca em seu favor, com a seguinte redação: Proposta a ação no prazo fixado para
o seu exercício, a demora na citação, por motivos inerentes ao mecanismo da
Justiça, não justifica o acolhimento da arguição de prescrição ou decadência .

9. Tal entendimento faz absoluto sentido caso ambas as partes


da causa sejam particulares. Nessas hipóteses, a literalidade da referida orientação
jurisprudencial não exige ressalvas, pois impede que se responsabilize o
jurisdicionado por falha à qual não deu causa, em respeito aos mais comezinhos
princípios da Modernidade, no sentido de reconhecer a irracionalidade de se
responsabilizar alguém por fato em relação ao qual não tinha controle.

10. Ocorre que, no caso destes autos, a demora de mais do que


excessivos sete anos, depois de ajuizada a petição inicial, para que se realizasse a
citação, decorre de falha imputável ao Judiciário da União, e é a própria União a
autora da demanda, peculiaridade essa que reclama reflexões mais detidas sobre a
matéria.

11. De fato, torna-se relevante perceber que a União é, a despeito da


repartição interna de funções, o responsável tanto pela sua Justiça quanto pela sua
Administração, e que, ao falhar em uma de suas funções, não deve ser protegida,
como se a falha fosse de um terceiro, ou não lhe dissesse respeito ou ao seu
serviço.

12. Nesse sentido, vem a calhar o brocardo romano nemo auditur


propriam turpitudinem allegans , no sentido de que a ninguém deve ser dado alegar
em proveito próprio a sua negligência . Sim, pois a Fazenda Nacional, ao alegar que
a Justiça Federal teria demorado excessivamente, e que por isso deveria ser
afastada a prescrição, pretende tornar imprescritíveis, ou quase, seus créditos
tributários.

13. Com alguma licença poética, discutir se a culpa é da


Procuradoria ou do Judiciário, para fins de aferir se está ou não configurada a

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prescrição, pode ser comparado a um embate entre mão esquerda e mão direita,
pois ambos, embora distanciados e especializados, e é imprescindível que sejam
assim, constituem o mesmo Ente Federativo, que culpado se verá, de uma forma ou
de outra, pela inocorrência tempestiva da citação.

14. Não é demasiado, portanto, afirmar que a recorrida se viu


beneficiada (com a imprescritibilidade do crédito tributário) em razão de conduta
indesejada e reprovável (a ineficiência dos Tribunais).

15. Ademais, a multicitada Súmula 106 foi editada no já longíquo dia


26.05.1994 pela Corte Especial, composta por Ministros evidentemente cultíssimos
e ilustrados, mas que não necessariamente tiveram em mente a situação versada
nestes autos, muito específica do Direito Público e, ainda assim, rara.

16. O que se pretende demonstrar, portanto, é que a separação e a


independência entre os Poderes Estatais, enquanto pressuposto do Estado de
Direito, é uma garantia que tem o Cidadão como destinatário, e não o próprio
Estado. Não é por acaso a sua previsão no art. 2o. da CF/88, no Título dos
Princípios Fundamentais da República, de modo que afastar a prescrição, aqui,
significaria desvirtuar a proteção, invertendo o seu sentido, pois seria ela usada em
detrimento do Cidadão, o seu original destinatário.

17. Chancelar o entendimento exposto no acórdão recorrido equivale


a recusar que o Estado pode falhar, e que ele falha, devendo ser responsabilizado
pela suas condutas, como submisso que é, no Estado de Direito , às leis que ele
próprio formulara.

18. Essa fundamentação, já suficiente, deve ainda ser conjugada


com o princípio da razoável duração do processo, que, embora inserido no inciso
LXXVIII do art. 5o. da CF/88 pela EC 45, de 2004, podia ser extraído do princípio da
eficiência desde a EC 19, de 1998, e, antes disso, do princípio da dignidade da
pessoa humana, a dizer que o Cidadão não deve ser mantido indefinidamente
sujeito à vontade estatal.

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19. Também sob outro prisma, o da segurança jurídica, é inviável
conceber uma sociedade próspera e dinâmica em que se possa ser surpreendido
por cobrança após passado longos anos desde o ajuizamento da demanda, sem
que dela se tenha sequer tido conhecimento.

20. Por todo vértice que se observe a questão, portanto, deve ser
repudiada com veemência a tentativa de fazer recaírem sobre o Cidadão os ônus do
mau funcionamento do Estado.

21. Em arremate, esclareça-se ainda que, no julgamento do REsp.


1.120.295/SP, proferido sob o rito do art. 543-C do CPC, comumente invocado para
respaldar o direito que as Fazendas Públicas alegam, não houve transcurso de mais
de cinco anos, sem que houvesse citação, depois do ajuizamento da inicial.
Confira-se:

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO


DE CONTROVÉRSIA. ARTIGO 543-C, DO CPC. TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO
FISCAL. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO DE O FISCO COBRAR
JUDICIALMENTE O CRÉDITO TRIBUTÁRIO. TRIBUTO SUJEITO A
LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO. CRÉDITO TRIBUTÁRIO
CONSTITUÍDO POR ATO DE FORMALIZAÇÃO PRATICADO PELO
CONTRIBUINTE (IN CASU, DECLARAÇÃO DE RENDIMENTOS).
PAGAMENTO DO TRIBUTO DECLARADO. INOCORRÊNCIA. TERMO
INICIAL. VENCIMENTO DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA DECLARADA.
PECULIARIDADE: DECLARAÇÃO DE RENDIMENTOS QUE NÃO PREVÊ
DATA POSTERIOR DE VENCIMENTO DA OBRIGAÇÃO PRINCIPAL, UMA
VEZ JÁ DECORRIDO O PRAZO PARA PAGAMENTO. CONTAGEM DO
PRAZO PRESCRICIONAL A PARTIR DA DATA DA ENTREGA DA
DECLARAÇÃO.

(...).

12. Consequentemente, o prazo prescricional para o Fisco


exercer a pretensão de cobrança judicial da exação declarada, in casu,
iniciou-se na data da apresentação do aludido documento, vale dizer, em
30.04.1997, escoando-se em 30.04.2002, não se revelando prescritos os
créditos tributários na época em que ajuizada a ação (05.03.2002).

13. Outrossim, o exercício do direito de ação pelo Fisco, por


intermédio de ajuizamento da execução fiscal, conjura a alegação de inação

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do credor, revelando-se incoerente a interpretação segundo a qual o fluxo do
prazo prescricional continua a escoar-se, desde a constituição definitiva do
crédito tributário, até a data em que se der o despacho ordenador da citação
do devedor (ou até a data em que se der a citação válida do devedor,
consoante a anterior redação do inciso I, do parágrafo único, do artigo 174 do
CTN).

(...).

19. Recurso Especial provido, determinando-se o


prosseguimento da execução fiscal. Acórdão submetido ao regime do artigo
543-C do CPC e da Resolução STJ 08/2008 (REsp. 1.120.295/SP, Rel. Min.
LUIZ FUX, DJe 21.05.2010).

22. Conforme se depreende do voto-condutor desse acórdão, a


petição inicial foi ajuizada em 05.03.2002, antes da prescrição, que ocorreria em
30.04.2002, sobrevindo o despacho inicial e a citação em junho daquele ano. Não é,
portanto, entendimento em que possa ser subsumido o caso ora sob exame, em
que a citação nunca ocorreu, contando-se muito mais de cinco anos após o
despacho da petição inicial.

23. Ante o exposto, dou provimento ao Agravo em Recurso Especial


interposto por DYAL DISTRIBUIDORA YAPOTAN DE ALIMENTOS (MASSA
FALIDA) para reconhecer a ocorrência da prescrição, invertendo os ônus da
sucumbência e fixando a verba honorária em R$ 2.000,00 (dois mil reais), haja vista
que, por se tratar de exceção de pré-executividade julgada improcedente, não havia
sido ela arbitrada pelas instâncias ordinárias.

24. Publique-se. Intimações necessárias.

Brasília (DF), 30 de outubro de 2014.

NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO


MINISTRO RELATOR

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