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SOUSA, Marcelo Rebelo9'.

,jde; MATOS, André Salgado de (2008) -


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Direito Administrativo Geral - Tomo I - Introdução e Princípios


Fundamentais (3.ª ed.). Alfragide: Publicações D. Quixote, pp.
desrinado a colocá-la ao abrigo dos regimes igualirários do direito pri-
63-73;
Estado e da sociedade, devendo antes arribuir-se ao direito adminisrrativo
vado (infia, 4-10). Nesta medida, acentuava-se a essência autoritária uma função verdadeiramente mista, objectiva e subjecriva.
da actuação adminisrrativa e o carácter exorbitante dos poderes que a . A visão puramente objectiva é insustentável perante a consagração
ordem jurídica lhe conferia: a função do direito administrativo seria de direitos fundamentais dos particulares (art. 268.° CRP), que encon-
precisamente a de possibilitar o exercício de poderes de autoridade rram concretização e desenvolvimenro em normas legislativas ordinárias
pela administração pública, de modo a permitir-lhe impor os interesses de direito administrativo (por ex., arts. 61.°-70.° e 124.°-126.° CPA) e
públicos que visasse prosseguir sobre os interesses privados que com ele perante o estabelecimento da vinculação da administração pública aos
concreramente se confrontassem. No Estado social de direito, tal Con- direitos fundamentais em geral, designadamente aos direiros, liberdades e
cepção, primeiro pré-democrática, depois antidemocrática e autorirária, garantias e aos direitos de natureza análoga (am. 17.° e 18.°, 1 CRP), que
deve considerar-se afastada pela configuração do estatuto constitucional acarreta, nomeadamenre, a nulidade dos acros adminisrrativos que violem
da adminisrração pública e pela consagração de inúmeros direitos funda- o seu conteúdo essencial [arr. 133.0, 2, d) CPA; ir/fia, r. 111, 19-214].
mentais dos cidadãos oponíveis à administração, conducentes a uma ine- A visão puramente subjectiva deixa na sombra a ideia fundamental de
vitável relativização do interesse público. Modernamente, os defensores prossecução do interesse público, inerente à função administrativa, e
de reorias objec.tivistas afirmam que, embora naturalmente com respeito comete o erro de ver a adminisrração pública democraricamenre legiti-
pelas posições jurídicas subjecrivas dos particulares, o direito adminis- mada do Estado social de direito como um prolongamento da adminis-
rrarivo visa primacialmenre conferir à administração pública os meios tração autoritária e antidemocrática do Estado liberal. O direito admi-
necessários para que ela prossiga da melhor forma os interesses públicos nistrativo não é, assim, apenas da administração ou apenas dos cidadãos,
que lhe são cometidos. Tais meios poderão ou não implicar o exercício de mas de ambos; a sua função é a de permitir a prossecução do interesse
poderes de autoridade, bem como implicar limites específicos tendentes público no respeito das posições jurídicas subjectivas dos particulares (cfr.
a manter a actuação da administração pública dentro das fronteiras tidas arr. 266.°, 1 CRP e art. 4.° CPA).
por desejáveis.
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Pelo contrário, os autores que sustentam reses subjectivistas conside-
ram que a função do direiro administrativo é a de garantir a preservação II. Fontes do direito administrativo
das posições jurídicas dos particulares peranre a acruação adminisrrativa,
à qual - para além da supremacia que lhe é prototipicamente reconhecida A expressão «fontes de direito» é polissémica e, utilizada no sentido tra- 20
por lei, em homenagem aos interesses públicos que prossegue _ se associa, dicional que a faz equivaler aos modos de produção e revelação do direiro,
por vezes, uma tendência quase imanente para a adopção de comporta- não muito rigorosa. Hoje, é objecro de consenso praticamente universal
me.n~os autorirários, limitadores das esferas individuais e nas franjas da que a norma jurídica não se confunde com o seu rexro e que a esrrurura
jUfldlCldade. As reses subjectivistas surgem historicamente como reacção da normatividade se constitui a partir de uma concorrência do rexro da
contra as posições objectivistas tradicionais.
norma e da realidade concrera que se reconduz ao seu espaço semântico
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Os termos da clivagem entre objectivistas e subjectivistas não têm (infia, 3-87); assim, fonte de direi(() não seria apenas o facro gerador do
sido mU,ito esclarecedores, com objectivistas a imputarem a subjectivis- texto normativo mas todo e qualquer facto constiruinte da normatividade,
ras a defesa de um liberalismo demagógico e os últimos a assacarem aos mesmo na decisão de casos concretos. Por comodidade de expressão, uti-
primeiros a preservação de uma visão arcaica do direito administrativo liza-se de seguida a expressão fonte de direiro no sentido resrriro, e apenas
sob a aparência de maior democraticidade. Na verdade, a discussão está parcial, de modo de produção de enunciados normativos.
inquinada por novos e velhos fantasmas acerca das posições recíprocas do
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I. Constituição
o núcleo essencial do direito administrativo integra a Constituição não
21 apenas formal mas também material, cuja proeminência substancial na
A relevância da Constituição para o direito administrativo do Estado
. ordem' jurídica portuguesa é ainda maior [art. 288.°, d), f), n), o) CRP].
liberal não era signitlcativa: para além da inexistência de uma verdadeira
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parametricidade dos textos constitucionais, estes disciplinavam essencial- i
mente apenas o estatuto e os mecanismos de inter-relação dos órgãos poli-
2. Direito internacional
ricos do Estado, bem como alguns direitos fundamentais dos indivíduos,
cuja oponibilidade ao Estado era ainda limitada pela visão das pessoas
A CRP consagrou um sistema de recepção aUfOmafIca e plena do 24
corno substancialmente subordinadas ao poder (infra, 4-10).
22 direito internacional na ordem interna portuguesa e, implicitamente, o
No Esrado social, a Constituição é a primeira das fontes de direito e,
primado do direito internacional sobre o direito ordinário interno (art. 8.°
também, a primeira das fontes do direito administrativo. Não só o núcleo
CRP); é discutida na doutrina a eventual supremacia de determinadas
ess~ncial do direito administrativo está sediado na Constituição, como
normas de direito internacional, designadamente as de jus cogem, sobre o
mUI[O poucas são as normas constitucionais sem relevância para o direito
próprio direito constitucional (infra, 3-37).
administrativo; e ~xistem mesmo diversas partes e títulos da CRP que
As normas de direito internacional, criadas por costume ou conven- 25
praticamente só contêm normas de direito administrativo (vejam-se, por
ção internacionais ou por decisão de organização internacional, podem
exemplo, a Parte 11 sobre organização económica e os Títulos VIII, IX e X
disciplinar directamente o exercício da função administrativa na ordem
da Pane UI, relativa à organização do poder político, respectivamente inci-
interna. Noutros casos, essa disciplina é apenas indirecta: das normas de
dindo sobre o poder local, a administração pública e a defesa nacional).
23 direito internacional que vinculam o Estado português decorre a imposi-
Assim, a Constituição acolhe os princípios fundamentais de natu-
ção de os seus órgãos internamente competentes adoptarem actos norma-
reza organizativa e funcional (art. 267.° CRP), bem como relacional
tivos de direito administrativo.
(am. 266.°, 268.° CRP), do direito administrativo. Para além disto,
estabelece de forma directa a estrutura global da administração pública Por exemplo, a CVRD e a CVRC contem diversas disposições directamente aplicá~eis nas
portuguesa [art. 199.°, d) CRP], regulando também a composição, o fun- °
ordens internas dos Estados signatários com relevância para exercício daS respectivas funções
cionamento, a natureza, a função, as competências e o estatuto dos titula- administrativas. designadamente relativas à definição dos poderes das auwridades públicas
perante as missões diplomáticas e os POStos consulares. Já as Convenções ll.'~ 150 (1978,
res de diversos órgãos administrativos (Governo: arts. 182.0-201.0 CRP; aprovada para ratificação pelo Decreto n.O 58/80, de 30 de Julho) e 151 (1978, aprovada pela
Provedor de Justiça: art. 22.° CRP; Ministério Público: art. 219.0-220.0 Lei n.O 17/80. de 15 de Julho) da OIT apenas adstringem os Estados que nela sejam partes
CRP; órgãos das regiões autónomas: arts. 225.°-234.0 CRP; órgãos das à adopção de determinadas medidas legislacivas re!acivas, respenivameOle, às actividades da
administração pública no domínio da polícica nacional do crabalho e à procecção dos direItos
autarquias locais: arts. 235.°-262.° CRP). Estabelece também o estatuto
e condições de emprego dos funcionários públicos.
dos particulares perante a administração, designadamente as suas garan-
tia..~ jurisdicionais (art. 268.°, 4, 5 CRP). Para além do mais, convém
ter em conta que os preceitos constirucionais sobre direitos, liberdades e
3. Direito comunitário
garantias e direitos análogos a estes vinculam todas as entidades públicas
e, logo, a administração (arts. 17.° e 18.°, 1 CRP) e que é esta que vem
Dentro do direito de fonte internacional, o direito comunitário tem 26
a ser chamada, após concretização legislativa, a desenvolver as actividades
assumido especial relevância, pelo volume de produção normativa, pela
tendentes à satisfação da generalidade dos direitos económicos, sociais e
culturais (Título III da Parte I CRP). extensão e importância das matérias que regula e pelo seu elevado grau de
institucionalização, abrangendo mecanismos efectivos de garantia.
Ydrre I - Introouçao a administração pública e ao direito administrativo §3- o direito administrativo

Na parte geral do direito administrativo portuguCs aClu:\I, éSle fenómeno faz-se selHir
Algumas disposiçóes de direito comunitário originário podem consi- sobrelUdo na disciplina das relações entre o Estado e as empfl'S:lS pl,blicas (o DecretO- Lél n."
derar-se fontes de direito administrativo interno, nos termos já explicita- 558/99, de 17 de Dezembro, alterou mesmo o conceito de émpresa pública até eIH50 vigente
dos a propósito do direito internacional em geral (por exemplo, os arts. na legislação porlUguesa de modo a adequá-lo ao conceito comunitário), na ultrapassagem do
conceito de serviço público pelo de serviço de interesse geral (l. II). na dlsclplllla da concorrén-
87.°-93.° TCE). No entanto, muito maior relevância tem assumido,
cia em geral (Lei n. O 18/2003, de 11 de Junho) e no regime da contratação púbhc.1 (o regllTI.e
para estes efeitos, o direito comunitário derivado. O TCE previu como procedimental da contratação pública constante do CCP tem origem em directivas comunlta-
fonte de dircito comunitário derivado directamente aplicável nas ordens rias ou é por elas fortemente condicionado). Alguns sectOres do dlf<:I~o adnllnlsrratlvo especial
já sofreram também uma forte influência comunitária: é o caso do direito do ambiente.
jurídicas internas dos Estados-membros o regulamento (arr. 249. 0 , § 2
TCE), tcndo a directiva apenas o alcance de obrigar os Estados-membros
;1, adopção de actos normativos de direito interno que tornassem efecti-
vos os fins por ela estabelecidos (art. 249. 0 , § 3 TCE) e sendo a decisão 4. Lei
(an. 249.0, § 4 TCE), apesar de dotada de aplicabilidade directa, um
tipo de acto individual e concreto. Todavia, as decisões têm na prática Em termos estatÍsticos, a principal fonte primária do direito adminis- 28
Jssumido por vezes conteúdo normativo; e a jurisprudência do TJCE, trativo português é indubitavelmente a lei (abrangendo a lei da Assembleia
:lcompanhada pela generalidade dos tribunais nacionais dos Estados- da República, o decreto-lei e o decreto legislativo regional: arr. 112. ~,
-membros, desenvolvcu a teoria do efeito directo (vertical, nas relações 1 CRP). É a lei que concretiza e desenvolve os interesses púbhcos Pri-
entre Estado e cidadãos; em certas situaçóes, horizontal, nas relações entre mariamente definidos na Constituição e estabelece os termos concretos
cidadãos) e até, mais raramente, da aplicabilidade directa das directivas da sua prossecução; mais precisamente, é a lei que confere à administra-
suficientemente claras e precisas que não tenham sido atempadamente ção a habilitação normativa de que ela necessita para poder agir (infra,
transpostas pelos Estados-membros [Ac. TJCE 4/12/1974 (Van Duyn), 8-18 ss.). A estruturação e as competências dos órgãos do Estado e dos
Rec. 1974, 1337 (12), e jurisprudência posterior]. À luz dos termos ine- outrOS milhares de pessoas colectivas administrativas, o estatuto dos seus
quívocos do art. 249. 0 TCE e do art. 8.°, 3 CRP, as decisões normativas trabalhadores, funcionários e agentes, a disciplina do procedimento admi-
e as directivas com efeito directo teriam, à primeira vista, uma cober- nistrativo, da contratação pública e da responsabilidade civil adminis-
tura jurídica no mínimo duvidosa, o que não impediu a generalização trativa, o regime administrativo do exercício de um enorme número
da sua aceitação: ao fim e ao cabo estar-se-ia perante a relevância, sem de actividades privadas (construção civil, comércio, turismo, circulação
precedente na maioria das ordens jurídicas europeias continentais, do automóvel, caça, etc.), constam de normas legais. Algumas dessas normas,
papel da jurisprudência, particularmente do TJCE, na criação do direito mas não todas, e nem sequer a maioria (supra, 3-15), esrão codificadas
comunitário. A grande parte dos regulamentos, directivas com efeito ou (por exemplo, no CPA e em diversos códigos de ramos de direito adminis-
Jplicabilidade directos e decisões normativas diz respeito ao exercício da trativo especial). A maior parte das normas de direito administrativo é de
função administrativa dos Estados-membros, pelo que constitui fonte de fonte legal; e grande parte da legislação em vigor dá certamente respeito
direito administrativo. a matérias de direito administrativo.
27 A retorma, eventualmente próxima, do direito constitucional euro-
peu só poderá vir confirmar uma realidade já hoje indesmentível: a
incidência do direito comunitário nos direitos administrativos dos 5. Regulamentos
Estados-membros é de tal monta que vários autores falam já numa
vcrdadeira «comunitarização» ou «europeização» dos direitos adminis- Os regulamentos são actos normativos emitidos por órgãos adminis- 29
lLltivos nacionais. trativos no exercício da função administrativa; na medida em que tenham

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cfidcia exrerna vinculariva consriruem, ponamo, fomes de direiro. Podem


de direiro. No entanro, existem acros jurisdicionais dorados de força de
li mirar-se a complemenrar, desenvolver, execurar ou concrerizar acros
lei, como os acórdãos com força obrigatória geral do Tribunal Constitu-
legislarivos ameriores; mas rambém podem comer disciplinas normarivas
cio~al (art. 282.° CRP), aos quais é forçoso reconhecer o papel de fome
inovacórias, como sucede paradigmaricameme com os regulamemos inde-
(negativa) de direito. O Tribunal Constitucional declarou inconsritucional
pendemes, aurónomos e auron6micos Unfra, r. III, 20-24, 25). Em rodo
com força obrigatória geral a norma do an. 2.° Cc, na medida em que
o caso, não incorporam decisões essenciais para a colenividade polírica, o
permitia a emissão de assentos com eficácia externa (Ac. TC 743/96,
que os apana da lei (supra, 3-28); e esrão sujeiros ao princípio da legali-
DRl, 18/7/1996); por este motivo não podem considerar-se actualmente
dade, o que significa que rêm que se fundamemar numa lei habiliranre e
como verdadeira fonte de direiro os acórdãos proferidos pelos rribunais
que rêm como limires a Consriruição, o direiro imernacional e comunirá-
superiores para uniformização de jurisprudência quanro à interpreração de
rio e a lei, que não podem conrrariar (infra, 8).
normas jurídicas, que são modificáveis e dorados de eficácia meramenre
interna (am. 732. 0 -A, 732. 0 -B CPC, am. 437.°-448.° CPP, are. 148.°
CPTA). No entanto, estes acórdãos são publicados na I série do DR (os
6. Cosrume
dos TCA na II série) e assumem enorme imponância prática pois, embora
não constituindo precedente, permirem aos destinatários das normas por
30 Numa definição clássica, o cosrume consisre numa pranca reirerada
si interpretadas conhecer o sentido provável com que os rribunais as apli-
com convicção de juridicidade. A sua imponância varia consoanre os
carão no futuro.
sisremas de direito: nos sisremas de marriz romano-germânica, por muiro
Algo de semelhante se passa, no domínio da administração, em rdação 32
imensa que seja a profissão de fé reórica na relevância do costume, é redu-
ao vulgarmente chamado «direiro circulat6rio», composro por anos (com
zida a sua relevância prárica Unfra, 4-29). No emamo, não se exclui a sua
denominações diversas: ofícios, circulares, ofícios-circulares) mediante os
admissibilidade enquamo fome de direiro e, em consequência, como fome
quais os superiores hierárquicos t1xam, vincularivamente para os subal-
de direiro adminisrrarivo. O cosrume pode rer grau consrirucional, infra-
remos, o semido do exercício da margem de livre decisão adminisrrativa
consrirucional e, denrro desre, mesmo infralegal (não se excluindo, por-
em casos tipificados (aurovinculação: infra, 9-29) ou.a imerpreração de
ramo, a relevância de um cosrume em paridade hierárquica com o regula-
normas no âmbiro de vinculação jurídica (infra, 8-40). Mesmo quando
memo adminisrrarivo).
são objecro de publicitação (o que só acomece, nonnalmenre, com os cha-
Se a relevância do cosrume em geral na ordem jurídica ponuguesa é
mados ofícios-circulares), por força do art. 112.°, 5 CRP, estes anos têm
facricamenre reduzida - excepro quando de origem imernacional-, muiro
mera eficácia imerna e não constituem parâmerros de legalidade externa
mais o será no direiro adminisrrarivo: por força do princípio da legalidade
da actuação administrativa (embora possam consrituir parâmetros da sua
(infla, 8-18 ss.), o cosrume não pode servir como fundamenro da acruação
legalidade interna, designadamente para efeitos disciplinares: infra, e. lI);
adminisrrariva, pelo que a sua operatividade se circunscreve a aspecros
não são, ponanto, fontes de direiro. Mas a sua relevância prárica pode
periféricos.
ser fundamental no planeamemo do futuro por parte dos paniculares
a quem as normas em causa possam afecrar: especialmente no domínio
da administração de massas (exemplos: administrações fiscal, registai e
7. Jurisprudência, «direito circulatório» e dourrina
notarial) o «direiro circulatório» tem especial dimensão e é frequente que
o funcionário que em concreto aplica a lei a conheça apenas através do
31 Como se sabe, ao comrário do que sucede no sistema de common law,
despacho pelo qual o superior hierárquico o vinculou a adoptar determi-
na ordem jurídica ponuguesa a jurisprudência não é normalmeme fonte
nada interpretação normativa.

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9 j - v atreito itunlU,,~uauYU
Parte I - Introdução à administração pública e ao direito administrativo

33 '1 ambém a doutrina não é, no sistema jurídico português, fonte de normas" (are. 282.°, 1 CRP) e só admite um recuo quanto à inconstitu-
direito. A sua importância prática varia em função da sua capacidade cionalidade orgânica ou formal, por violação de disposição constitucional
de influenciar a jurisprudência, a administração e até o legislador. Directa nã~ fundamental, de tratados regularmente ratitlcados, desde que as suas
ou indirectamente, o direito administrativo do Estado Novo foi, no essen- normas sejam aplicadas na ordem jurídica da outra parte (are. 277.°,
cial, obra de Marcello Caetano, cujas concepções doutrinais fundamentais 2 CRP).
reproduzia; a sua influência sobre a jurisprudência dos tribunais adminis- Abaixo da Constituição situam-se as fontes de direito internacional, 36
trativos era esmagadora, o que assegurava, em regra, a aplicação do direito cuja prevalência sobre as fontes de direito interno (primado do direito
0

administrativo nos termos em que tinha sido gizado pelo seu autor ou internacional) decorre do art. 8. 0 CRP. A partir de 2004, o art. 8. , 4
inspirador materiaL Actualmente, não pode afirmar-se que o direito admi- CRP passou a referir-se expressamente ao direito comunitário, originário
nistrativo português seja produto das concepções doutrinais de um ou e derivado, determinando a sua aplicação na ordem interna nos termos
outro autor, o pluralismo da literatura jus-administrativa é muito maior definidos no direito da União. Existe, portanto, um primado do direito
c J permeabilidade jurisprudencial à doutrina muito menor. O modo comunitário sobre o direito interno, sucessivamente afirmado desde o
mais directo, mas mesmo assim mediato, de influência da doutrina na célebre acórdão Costa contra Enel [Ac. TJCE 151711964, Rec. 1974,
interpretação e aplicação do direito administrativo é a junção aos autos 1141]. A dependência do primado em relação aos «termos definidos
processuais de pareceres de jurisconsultos que sustentam a posição de no direito da união» (are. 8. 0 , 4 CRP) torna problemática a aceitação
uma das partes e a atestam com a autoridade académica dos seus autores da relevância das decisões normativas e do efeito directo das directivas
(possibilidade genericamente admitida na lei portuguesa: are. 525.° CPc, (supra, 3-26). De entre as fontes de direito internacional, é geralmente
('X vi do art. Lo CPTA para os tribunais administrativos). O are. 88.° CPA
aceite a primazia do jus cogens (arts. 53. 0 , 64. 0 CVDT) , bem como a
permite também genericamente a junção de pareceres no contexto de pro- dos tratados constitutivos de organizações internacionais sobre os actos
cedimentos administrativos. dos seus órgãos (o que abrange a prevalência do direito comunitário
originário sobre o derivado). O problema das relações entre as várias
fontes de direito internacional e o direito comuni~ário não está ainda
H. A hierarquia das fontes de direito administrativo satisfatoriamente resolvido (contudo, o princípio pacta sunt servanda, é
aceite implicitamente pelo art. 300. 0 TCE).
34 As fontes de direito administrativo (como as fontes de direito em geral) Recentemente, o TJCE afirmou a prevalência do direito comunitário 37
nao coexistem em abstracção mútua. A unidade da ordem jurídica pos- sobre o próprio direito constitucional dos Estados-membros, o que os
tula uma hierarquia das fOntes de direito. Trata-se de uma hierarquia dos tribunais constitucionais de alguns destes têm aceite com maior ou menor
modos de produção de enunciados normativos e não de uma hierarquia reticência, desde que assegurado o respeito dos direitos e princípios cons-
de normas; mas, em todo o caso, a sua consequência é a da prevalência das titucionais fundamentais (é o caso dos tribunais constitucionais federal
normas produzidas por uma fonte de hierarquia superior sobre as normas alemão e italiano); e alguma doutrina tem também sugerido a prevalência
0

produzidas por uma fonte de hierarquia inferior. sobre a Constituição das normas de jus cogens internacional. () art. 8.
35 No topo da hierarquia das fontes de direito administrativo está a Cons- CRP (na versão da revisão constitucional de 2004) parece, quanto ao pri-
tituição. A prevalência da Constituição sobre todas as restantes fontes de mado do direito comunitário, ir nesse sentido, na medida em que remete
direiro interno resulta do art. 3.°, 3 CRP. A prevalência da Constituição a resolução da questão para o próprio direito da União, desde que salva-
sobre as fontes de direito internacional decorre da competência do Tri- guardado o respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito
bunal Constitucional para fiscalizar a constitucionalidade de «quaisquer democrático.

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t'arte I - Introduçao à administraçào pública e ao direito administrativo §3- o direito administrativo

.38 D(: c·ntn: as fontes internas infraconstitucionais, a lei (abrangendo as damento de validade dos actos jurídicos da outra, a consequência é a
ki~ da Assembleia da República, os decretos-leis e os decretos legislativos mera ineficácia.
regionais: art. 112.°, 1 CRP) é hierarquicamente superior. A superioridade '. Note-se que a hierarquia e a prevalência das fontes de direito, bem
hierárquica das leis em relação aos regulamentos administrativos decorre como a depreciação sofrida pelos actos que violem actoS hierarquicamente
directamente do princípio da legalidade, designadamente na sua dimensão superiores ou prevalentes, nada diz acerca da competência para fixar as
de prdcrência de lei (am. 3.°, 2, 266.°, 2 CRP; infta, 8-10 ss.). consequências de tal violação. Assim, por exemplo, uma lei inconstitu-
39 ;)ubordinados às leis estão os regulamentos administrativos. De entre cional é inválida, mas daí não se segue necessariamente que ela possa ser
os múltiplos regulamentos administrativos, aqueles emitidos por órgãos desaplicada pela administração (infta, 8-15 ss.).
supraordenados prevalecem sobre aqueles emitidos por órgãos infraorde-
nados; aqueles emitidos por órgãos de pessoas colectivas que prossigam
atribuições geograficamente mais vastas prevalecem sobre aqueles emitidos III. O direito administrativo na ordem jurídica
por órgãos de pessoas colectivas que prossigam atribuições geografica-
mente menos vastas; dentre os regulamentos emitidos pelo mesmo órgão, 1. O direito administrativo e o direito público
prevalecem os de forma mais solene (sobre os critérios de hierarquização
d()~ r(:gulamentos, v. t. III, 20-10 ss.). a) Direito constitucionaL
40 Quanto ao costume, a sua hierarquia será aquela correspondente ao Direito constitucional e direito administrativo são dois ramos de 43
grau de dignidade da matéria sobre o qual incide (supra, 3-30), pani- direito público, pelo que têm inevitavelmente pontos de contactO. Mais:
lhando da correspondente força normativa. o critério de delimitação do âmbito do direito administrativo (as normas
41 A hierarquia das fontes de direito não é susceptível de resolver todas as que disciplinam o exercício da função administrativa) é de índole material,
possíveIs antinomias normativas que possam ocorrer na ordem jurídica. enquanto o critério de delimitação do âmbito do direito constitucional (as
Assim, as leis de revisão constitucional têm o mesmo grau hierárquico da normas que pertencem à Constituição formal) é eminentemente formal;
Constiruição originária, mas estão-lhe subordinadas, mercê da existência assim, uma vez que a Constituição contém as norn.1aS fundamentais de
de limites materiais de revisão constitucional (alguns dos quais explicita- todos os sectores da ordem jurídica - e, logo, também do direito adminis-
dos no art. 288." CRP). As leis de desenvolvimento e os decretos-leis auto- trativo - existem inúmeras normas de direito constitucional que também
rizados estão subordinados, respectivamente, às leis de bases e às leis de são normas de direito administrativo (supra, 3-21 ss.). Este conjunto de
:ll1torização legislativa (art. 112.°, 2). As leis reforçadas prevalecem sobre normas é geralmente designado por direito constitucional administrativo
as leis ordinárias comuns (art. 112.°, 3 CRP). Em todos estes casos são ou «Constituição administrativa».
rJZôe~ de forma ou de função, mas não de hierarquia, que justificam as A atitude científica moderna perante as relações entre direito adminis- 44
relações de prevalência e subordinação. trativo ordinário e direito constitucional está sintetizada na expressão de
42 No plano da vigência dos actos jurídicos, a consequência das rela- Fritz Werner: o direito administrativo é direito constitucional concreti-
çôe~ de prevalência entre fontes de direito não é uniforme. Quanto ao zado, o que significa que pode, em última análise, reconduzir-se à concre-
direito interno, a hierarquia das fontes, bem como as restantes relações tização de opções constitucionais. Por vezes, tais opções assumem a forma
de prevalência, acarretam, em princípio, a invalidade do acto jurí- de imposições específicas de legislação, como sucede quando o art. 267.°,
geno de hierarquia inferior (quanto à inconstirucionalidade, art. 3.0, 5 CRP impõe a existência de uma lei sobre procedimento administra-
:-) CRP). Quando estejam em causa fontes de ordens jurídicas distintas tivo; outras vezes, operam através de limites estabelecidos à actividade
(interna e internacional), uma vez que nenhuma delas constitui fun- legislativa, como os decorrentes do art. 268.°, 4, 5 CRP em matéria de

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