Você está na página 1de 13

TEORIA GERAL DOS CONTRATOS

INTRODUÇÃO: o contrato existe desde a civilização antiga, sendo um dos institutos mais antigos da
humanidade. No sistema primitivo, o contrato não tinha tanta importância, pois havia uma
autossuficiência, de modo que as pessoas providenciavam as suas necessidades (Harari). Porém, mesmo
nas sociedades mais antigas, a partir do neolítico, iniciam-se as trocas, que decorrem de um excedente de
produção. A partir do momento em que há um excesso de produção, há trocas. Ex.: Produzo maças e
preciso de sapatos, que o meu vizinho produz. Com a criação do dinheiro, as trocas se multiplicam e se
facilitam – quanto mais a sociedade evolui, menos a pessoa consegue promover suas necessidades sem
troca.

O ápice da liberdade contratual ocorreu na Revolução Francesa, pois o mote “liberdade, igualdade e
fraternidade” influenciaram os contratos. Em seguida, os franceses editaram o 1º CC da História, que foi
o CC francês de 1804. Em razão de sermos todos livres e todos iguais, temos ampla autonomia da
vontade. É o período da maior liberdade contratual. Se somos livres e iguais, o Estado, por meio do juiz,
não pode se intrometer no conteúdo contratual. A possibilidade de intervenção judicial sobre o contrato
era mínima (basicamente controle de incapacidades e ilicitude do objeto). Era o “laissez faire, laissez
passer”.

Com a Revolução Industrial na Inglaterra, ocorre a massificação das relações e, com isso, o Estado passa
a intervir para limitar o poder de contratar. Após a Revolução Industrial, a ideia de igualdade é relida, já
que há partes evidentemente mais fracas. A massificação dos contratos exige intervenção do Estado sobre
o seu conteúdo. Entre o fraco e o forte, a Lei protege e a liberdade oprime (Lacordaire). A reação do
sistema jurídico é de intervenção judicial sobre o conteúdo do contrato e a vontade entra em crise.

A 1ª mudança se dá pela criação de microssistemas, ou seja, leis especiais que concedem ao juiz poder de
invalidar cláusulas contratuais. No Brasil, a partir dos anos de 1930, esse movimento se acelera (GV) com
a criação da CLT, com a proibição da usura (Decreto 22.626/33), com a proteção do comprador de lotes
(Decreto 58/37) e a antiga Lei de Luvas (já revogada).

O CC/02 representa a conclusão de um processo histórico de possibilidade de intervenção judicial sobre o


conteúdo do contrato. É por isso que, além das hipóteses de invalidade (nulo e anulável), o CC cria
cláusulas gerais que abrem o sistema, permitindo ao juiz utilizar dos princípios para intervir no conteúdo
do contrato. A função social e a boa-fé permitem que se deslumbre uma fraternidade contratual e o art.
2.035 do CC1 deixa claro que se trata de norma de ordem pública, que pode gerar nulidade, anulabilidade
ou ineficácia do contrato, caso a função social seja desrespeitada.

CONCEITO: o contrato é um negócio jurídico bi- ou plurilateral que cria, modifica ou extingue relações
jurídicas (direitos e deveres). O contrato necessita de conteúdo patrimonial? O CC italiano de 1942
expressamente exige. No Direito Brasileiro, a doutrina clássica também menciona o conteúdo
patrimonial. Contudo, a escola do Direito Civil Constitucional (Tepedino, Fachin e Paulo Lôbo) diz que o
contrato pode ser meramente existencial, sem deslocamento de patrimônio (ex.: contrato de guarda e
visita de filhos). Álvaro Villaça de Azevedo dá o exemplo de pais que se separam de fato e celebram um
contrato para definirem a guarda e o regime de visita sem a intenção de levar a questão ao Judiciário.

Nota: Antônio Junqueira de Azevedo conceitua contrato existencial de maneira distinta. Para ele, contrato
existencial envolve necessidades básicas e mínimo existencial. Ex.: fornecimento de luz, de água, etc.

Todo contrato é negócio jurídico, mas nem todo negócio jurídico é contrato, pois há os negócios jurídicos
unilaterais, como o testamento, a promessa de recompensa, a oferta, a aceitação, etc. Quanto ao momento
da formação, temos: a) NJ unilateral: existe a partir de uma única vontade (ex.: testamento, proposta,
aceitação da proposta, promessa de recompensa)2.
1
Art. 2.035: “A validade dos negócios e demais atos jurídicos, constituídos antes da entrada em vigor deste Código, obedece
ao disposto nas leis anteriores, referidas no art. 2.045, mas os seus efeitos, produzidos após a vigência deste Código, aos
preceitos dele se subordinam, salvo se houver sido prevista pelas partes determinada forma de execução”.
2
A aceitação e a recusa de herança não são NJ, pois são incondicionados, não dá para terem elementos acidentais.
b) NJ bilateral: para se formarem são necessárias 2 vontades (ex.: contratos). No momento de produção
de efeitos, os contratos podem ser unilaterais, em que só há prestação para uma das partes (ex.: doação
simples3, mútuo4 e comodato), e bilaterais, quando há prestação e contraprestação (ex.: compra e venda,
locação, permuta, etc.).

O contrato não se confunde com o seu instrumento. O contrato é abstrato, é uma ideia, caso se materialize
na forma escrita, temos um instrumento. Ex.: troca de e-mails entre 2 empresas com 2 oks ao final. A
regra é que não se contrata consigo mesmo. O sócio não contrata consigo mesmo quando empresta para a
PJ. Há, contudo, uma exceção no direito mobiliário, que é o “mandato em causa própria”: o mandante dá
poderes ao mandatário para que transfira seus bens para o próprio mandatário ou para terceiros. Obs.: é o
instrumento para a aquisição de imóvel que tenha problema junto à matrícula (registo de imóveis). Logo,
difere do mandato, pois é irrevogável, não se extingue com a morte nem com a incapacidade das partes e
não gera dever de prestar contas. Como se autoriza uma transferência de propriedade, deve-se pagar ITBI.
No fundo, ele tem mais a cara de um contrato de compra e venda do que de mandato.

PRINCÍPIOS DOS CONTRATOS: pode-se dividir em princípios tradicionais e sociais. Antes, contudo,
é necessário destacar os princípios estruturais do CC:

As bases dos princípios sociais são 3 princípios norteadores e estruturantes da codificação (Miguel
Reale):

(i) operabilidade: é a clareza necessária ao sistema para permitir a sua aplicação correta. Ex.: regulação da
prescrição e da decadência, distinção entre sociedade e associação, porém foi inoperável no livro do
Direto das Sucessões.

(ii) socialidade: se opõe ao individual. O CC/16, baseado nas ideias da Revolução Francesa, era voltado
ao indivíduo (para o “eu”). O CC prestigia o interesse da sociedade quando em conflito com o interesse
do indivíduo. Ex.: redução drástica dos prazos de usucapião (antes era de 30 anos o maior prazo de
usucapião de imóveis e agora o maior é de 15 anos, havendo a possibilidade de ser de 2 anos, no caso de
usucapião familiar quando há o abandono do lar) o que prejudica o proprietário (interesse individual),
mas prestigia a coletividade (interesse social). Inclusive, quando há função social da propriedade, a
usucapião exige apenas 10 anos.

(iii) eticidade: valorização da ética, através da qual se adotam cláusulas gerais que representam a abertura
do sistema. Os juízes deixam de ser boca da lei para resolver a questão à luz de valores éticos. Ex.:
redução de indenização por equidade (art. 928 e 944, p. u. do CC).

Conclusão: a boa-fé objetiva (art. 422) nasce da eticidade e a função social do contrato (art. 421) nasce da
socialidade.

A) TRADICIONAIS:

(i) autonomia privada: autonomia significa a “própria regra”. É o poder de contratar das pessoas. A
vontade está presente na formação do contrato (pode haver a vontade de não contratar) e quanto ao
estabelecimento do conteúdo. O termo “autonomia da vontade” também está correto, destacando o
elemento volitivo, e é utilizado por alguns autores, especialmente os clássicos, mas quando se usa
“autonomia privada” está-se valorizando o atual momento que limita de forma sistemática o elemento
volitivo. O termo “autonomia privada” ressalta que a vontade não é absoluta, sofrendo restrições pelos
preceitos de ordem pública, o que se verifica com a função social do contrato e a boa-fé objetiva.
Decorrência:
- O contrato é lei entre as partes (pacta sunt servanda – “os contratos devem ser cumpridas”). Como os
contratos obrigam, quem descumpre o contrato, paga indenização. Como se trata de um princípio, não há
previsão expressa, mas no CC francês está no art. 1.134.

3
É NJ bilateral, porque exige aceitação. Ex.: doação de copo de água bebido ao meio.
4
O mutuante não tem a obrigação de dar o dinheiro, a entrega do dinheiro é pré-contratual. O contrato se nasce com a entrega
do dinheiro, é uma hipótese de contrato real, que se perfaz com a entrega da coisa.
(ii) relatividade dos efeitos do contrato (res inter alios acta): o contrato só vincula os próprios
contratantes, não beneficiando nem prejudicando terceiros. Ex.: locador vende o imóvel e não observa a
preferência do locatário. Este pode cobrar do locador perdas e danos. Para que o contrato de locação
atinja terceiro, deve ser registrado junto à matrícula do imóvel e, se isso ocorrer, o locatário pode
depositar o preço e tomar o imóvel do comprador (art. 33 da L. 8.245) – trata-se da ação de adjudicação
do imóvel.

Obs.: o STJ editou a Súmula 529, que se funda no princípio da relatividade dos efeitos do contrato (“ no
seguro de responsabilidade civil facultativo, não cabe o ajuizamento de ação pelo terceiro prejudicado
direta e exclusivamente em face da seguradora do apontado causador do dano”).

Atenção: entre os princípios clássicos, a doutrina costuma apontar o consensualismo, que, na verdade, não
é um princípio, mas sim uma característica dos contratos no Brasil. A regra no Brasil é a de que o
contrato passa a existir no exato momento em que as partes entram em acordo acerca de seus elementos
essenciais. Como exceção, existem os chamados contratos reais, que são aqueles em que, além do
consenso, se exige a entrega da coisa (res) para que exista. A doutrina é unânime ao entender como reais
os seguintes contratos: comodato, mútuo, depósito e estimatório (= venda com consignação – ex.: banca
de jornal e revista). Ex.: Art. 579: perfaz-se (= torna-se perfeito, acabado) com a tradição.

B) SOCIAIS: São princípios que relativizam os tradicionais e permitem uma releitura, como um prisma
com a luz do Sol. Os princípios sociais permitem uma releitura, uma relativização, um abrandamento dos
princípios tradicionais. Os princípios sociais não revogam os tradicionais. Os princípios sociais,
diferentemente dos anteriores, estão positivados expressamente no CC.

Art. 421 e p. u. do art. 2.035: este último dispositivo afirma expressamente que a função social é norma
de ordem pública (juiz pode conhecer a violação de ofício e as partes não podem afastar a sua incidência).
O art. 421 estabelece que a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do
contrato. Antônio Junqueira de Azevedo criticou duramente a redação do dispositivo, pois a liberdade de
contratar é exercida em razão da autonomia privada, e não da função social.

Atenção: há boatos de que será editada MP, alterando alguns artigos do CC, dentre os quais o art. 421,
que receberá um p. u. para afirmar que a intervenção nos contratos deve ser mínima. Atualmente, a
doutrina reconhece 2 eficácias à função social:

a) Eficácia interna: esta eficácia é também conhecida como princípio do equilíbrio das prestações ou
ainda justiça contratual. O contrato deve assegurar trocas úteis e justas entre os contratantes – Enunciado
22 do CJF. A regra é a de que o Estado não intervenha nos contratos para reequilibrá-los, a não ser que
tenha havido uma causa de desequilíbrio prevista em lei como inadmissível. O CC contém 4 regras contra
o desequilíbrio, sendo 2 no plano da validade (lesão e estado de perigo) e 2 no plano da eficácia (art. 317
e art. 478). Com relação à ideia de utilidade das prestações, o princípio da função social pode servir como
fundamento teórico para a admissão da “Teoria da perda da base objetiva” (= é chamada quando a
prestação não é mais onerosa, ela é possível, mas ela se torna rigorosamente inútil – ex.: alugar varanda
para ver a coroação do rei e cancelamento do evento de coroação; o aluguel da varanda se torna inútil
para quem contratou). Ou seja, há lesão ao princípio da função social executar um contrato inútil.

b) Eficácia externa: segundo a doutrina, o contrato deve ser bom para as partes e para a sociedade. Em
regra, o contrato é socialmente útil, pois é fonte de criação e circulação de riquezas (ex.: contrato para
João Cabral de Melo Neto para escrever um poema e ele escreveu “Morte e Vida Severina”). O contrato,
por si só, tem função social. Por isso, o que é vedado é contrato disfuncional, p. ex., que cause aumento
abusivo de preços, concorrência desleal, dano ambiental insuportável, concentração ilícita de mercados,
etc.

Boa-fé objetiva (arts. 113 e 422 do CC): a boa-fé subjetiva é o estado de quem está violando o direito,
mas não sabe que está fazendo isso (ex.: não sabe que causou com a irmã). A boa-fé objetiva também
chamada boa-fé conduta ou boa-fé no sentido ético consiste em agir com lealdade, honrar a palavra dada.
Muitos juristas remetem a boa-fé à chamada “regra de ouro”, que consiste em comportar-se da maneira
que gostaria que os outros se comportassem. A boa-fé objetiva desenvolve inúmeras funções no
ordenamento jurídico, sendo que as principais reconhecidas pela doutrina e pela jurisprudência são as
seguintes:

(i) função interpretativa (art. 113 do CC): interpretar de boa-fé consiste em pelo menos retirar do negócio
os interesses objetivos das partes. O objetivo é extrair os interesses objetivos das partes no NJ.
(ii) função supletiva, ativa ou integradora: a boa-fé objetiva gera deveres anexos ou laterais aos
contratantes. Esses deveres decorrem da própria boa-fé e não necessitam de previsão expressa em lei ou
em contrato. Não há no CC um rol dos deveres anexos. Por que não chamar tais deveres de acessórios ou
secundários? Porque dever lateral é uma tradução do alemão “Nebenpflichtung”, sendo termo consagrado
na doutrina estrangeira, como na portuguesa com Menezes Cordeiro. Não são acessórios, pois o acessório
segue a sorte do principal e os anexos prosseguem mesmo na fase pós-contratual (post pactum finitum) –
ex.: dever de sigilo do advogado. Não são secundários, pois não há hierarquia valorativa e os efeitos de
descumprir o dever lateral é idêntico ao descumprimento da prestação central: pagamento de perdas e
danos. Se ocorrer na fase pré-contratual, chama-se culpa in contrahendo (Ihering) – ex.: CICA, que dava
sementes, e plantadores de tomate. A CICA distribuía as sementes, os plantadores plantavam e, depois, a
CICA comprava dos plantadores. Um dia, a CICA disse que não ia comprar a safra.

Exs. doutrinários de deveres anexos:

1) Dever de segurança: cabe ao contratante garantir a integridade dos bens e do outro contratante. Ex.:
placa com a informação de “chão escorregadio”. Ex. 2: informar que a comida está quente. Ex. 3: casa de
jogos, onde quem estava jogando bilhar acertou pessoa que estava jogando carta. Ex. 4: algo que pode
causar dano não pode ser guardado em prateleira no alto. Ex. 5: caso do atirador do cinema – o STJ
entendeu que se tratava de força maior. Há limites no conhecimento médio do consumidor (ex.: colocar o
gato no micro-ondas para secá-lo).

2) Dever de informação: o contratante é obrigado a comunicar a outra parte os fatos relevantes ainda que
isso lhe seja prejudicial. Ex.: os rótulos dos produtos. Ex. 2: necessidade de informar o paciente (médico)
ou o cliente (advogado) sobre os riscos de uma operação ou de uma ação.

3) Dever de cooperação: pressupõe auxílio recíproco para que se atinjam os fins do contrato. Ex.: dever
de cooperar com a obtenção de certidões

4) Dever de lealdade: dever do contratante de agir de modo a não prejudicar a contraparte. O principal é o
duty to mitigate the loss. Ex.: o banco demorava para cobrar a dívida para que os juros se acumulem. A
consequência é um efeito caducificante, isto é, exclui-se a cobrança dos juros.

(iii) função reativa: é a boa-fé usada como defesa para repelir uma pretensão injusta do outro contratante.
Serve, assim, como um escudo de proteção.

a) exceptio doli (a exceção do dolo): é defesa pela qual o devedor repele conduta torpe do credor. A
conduta dolosa não pode produzir efeitos. Ex.: o comprador deixa de pagar o preço, pois a coisa vendida
tem vício.

b) tu quoque: haja com o outro como você gostaria que agissem com você (“equity must come with clean
hands”). Não se pode exigir do outro quem não fez a sua parte. É contrário à lealdade. Ex. 1: A exceção
do contrato não cumprimento tem ideia de tu quoque. Ex. 2: direito de retenção – enquanto o proprietário
não paga, o possuidor não devolve a coisa sobre a qual tem posse.

c) venire contra factum proprium: é voltar-se contra a própria conduta. Significa a proibição de um
comportamento contraditório. No venire, há 2 condutas: (i) o factum proprium e (ii) o venire contra,
sendo que as condutas são incompatíveis entre si. O Enunciado 362 do CJF diz que a mudança de
comportamento fere a confiança das partes. Trata-se de uma conduta sub-repetícia (= de surpresa). Ex.:
CICA e plantadores de tomate – a empresa distribuía sementes de tomate e depois adquiria a safra. Certo
ano, tendo distribuído as sementes, se recusou a comprar a safra. O TJRS condenou a empresa a pagar
indenização por quebra da boa-fé objetiva, pois houve comportamento contraditório. Obs.: pode-se ter
condutas omissiva e comissiva e vice-versa.

d) suppressio (Verwirkung): é o abandono de uma posição jurídica em razão do seu não exercício, ou
seja, quem abandona a posição perde o direito de exercê-la. Ex.: o contrato prevê que a data do
vencimento é todo dia 5 do mês. Contudo, na prática, o pagamento sempre ocorria no dia 6. A relação
fática substitui a relação contratual avençada por uma questão de boa-fé. Ex. 2: dívida quesível, mas que
por prática passa a ser opção do devedor em quesível ou portável. O Direito protege a confiança das
partes. Ex. 3: conduta tolerada por anos por uma das partes contratuais. Ex. 4: cláusula da convenção de
condomínio que determina que deve haver sorteio para a vaga de estacionamento, mas isso não ocorre há
muitos anos. O costume substitui a convenção condominial.

Obs.: a suppressio é um desdobramento do venire contra factum proprium. Portanto, para ter suppressio,
necessariamente exige-se uma omissão anterior. A 1ª diferença é que na venire o factum proprium pode
ser omissão ou comissão, ao passo que na suppressio é sempre omissão. A 2ª diferença é que o venire
pode ser imediato, mas a suppressio exige um certo lapso temporal.

e) surrectio (Erwirkung): é a aquisição da posição jurídica que decorre da suppressio. Por isso, ambas as
figuras são faces de uma mesma moeda.

Adimplemento substancial (“substantial performance”): tem fundamento na boa-fé objetiva e na função


social do contrato. Significa que o devedor não cumpriu totalmente a prestação, mas a cumpriu em grande
parte de maneira quase completa e, portanto, o credor fica impedido de resolver o contrato. O
adimplemento substancial mutila o art. 475. O credor só pode cobrar as prestações devidas. Essa
discussão surge no contrato de alienação fiduciária em garantia de compra e venda de carro. O STJ
entendeu pela aplicação do adimplemento substancial, com reafirmação no REsp 1.200.105. Ocorre que,
como se trata de cláusula geral, cabe ao juiz analisar caso a caso se houve adimplemento substancial. A
doutrina admite que o adimplemento substancial seja qualitativo, além de quantitativo. Ou seja, o
adimplemento substancial impede a resolução do contrato.

Obs.: o STJ, no REsp 1.622.555, entendeu que a figura não se aplica no contrato de alienação fiduciária
em garantia. Fundamentos: 1) Trata-se de lei especial e a figura não se aplicaria à lei especial (o Prof.
entende que é um argumento risível, pois há aplicação da lei geral e dos princípios em qualquer negócio e
há aplicação em certos NJs – ex.: locação); 2) O Decreto da alienação fiduciária é voltada à proteção do
credor ou do garantidor, ao passo que o adimplemento substancial é voltada à proteção do devedor. Para o
Prof., o julgado não se sustenta juridicamente, é puro lobby dos bancos (assim como a Súmula que veda
exame de cláusulas de contratos bancários).

FORMAÇÃO DO CONTRATO: divide-se em fases:

1. Negociações preliminares: trata-se da fase de debates prévios (pontuação). Não há proposta nessa fase
ainda, há trocas de e-mails. O rompimento imotivado das negociações preliminares pode gerar
indenização quando a parte fez investimentos. Não se dá para indenizar o contrato que não teve nem
proposta, mas as despesas que foram gastas nas negociações preliminares. A doutrina tem uma tendência
em entender essa quebra das negociações preliminares como violação da boa-fé objetiva e, portanto,
contratual (MHD, porém, entende ser extracontratual). O fundamento dessa responsabilidade é: a)
extracontratual para a doutrina tradicional (MHD - art. 186) e b) para alguns autores, trata-se de quebra da
boa-fé objetiva na fase pré-contratual, logo a responsabilidade é contratual. O Prof. já defendeu essa tese,
mas hoje em dia está mais alinhado à doutrina tradicional. Para ele, neste ponto, parece que Miguel Reale
estava certo quando dizia que a boa-fé do art. 422 se aplicaria à celebração e execução do contrato, e não
como dizia Junqueira de Azevedo, que defendia que se aplicaria também à fase pré-contratual.

2. O contrato só passa a existir quando as partes manifestam consentimento sobre seus elementos
essenciais.
Obs.: a exceção são os “contratos reais”, cuja formação exige, além do consenso, a entrega da coisa (res).

A proposta tem natureza jurídica de NJ unilateral e, portanto, vincula o proponente. Para que a proposta
vincule, ela deve conter todos os elementos essenciais do NJ. Do contrário, poderá ser mero chamado à
negociação. Dois exemplos: (i) “eu gosto de caneta antiga e acho a sua linda. Você tem interesse de
vender?” - trata-se de um mero chamado à negociação; (ii) “quer me vender esta sua caneta por R$ 2k?”
– trata-se de uma proposta.

O art. 427 estabelece que a proposta não obrigará, se contiver cláusulas de que não é obrigatória ou se a
natureza do NJ (ex.: apólice do contrato de seguro, que pode ser modificada posteriormente) ou as
circunstâncias do caso retirarem a obrigatoriedade.

O art. 429 estabelece que a oferta ao público equivale à proposta, quando contém os requisitos essenciais
do contrato, salvo se o contrário resultar das circunstâncias ou dos usos. Embora costumeiramente a oferta
ao público ocorra em contratos de consumo, nada impede que ocorra em contratos interempresariais, p.
ex., a oferta pública para se tornar franqueado de determinada sociedade empresária.

A aceitação consiste no NJ unilateral pelo qual a parte adere integralmente aos termos da proposta (trata-
se de um NJ declarativo). A aceitação fora do prazo, com adições, restrições ou modificações importará
nova proposta. O CC começou a ser elaborado na década de 70 e, portanto, ainda tinha como modelo a
contratação epistolar para os contratos entre ausentes.

Obs. O e-mail ainda é considerado contratação entre ausentes.

O CC dispõe que os contratos entre ausentes tornam-se perfeitos desde que a aceitação é expedida. É por
isso que se afirma que o CC adotou a teoria da agnição na subteoria da expedição. Há 3 subteorias
(declaração: desde o momento em que se redige; recepção: em que se pode combinar formas de receber; e
expedição). Exceções:
1) se, antes da aceitação ou com ela, chegar a retratação do aceitante.
2) se o proponente tiver se comprometido a esperar a resposta.
3) se a aceitação não chegar no prazo convencionado.
Duas notas: (i) o Enunciado 173 do CJF estabelece que, nos contratos entre ausentes, celebrados por meio
eletrônico, a contratação se completa com a recepção da aceitação pelo proponente. Este Enunciado
contraria o texto do art. 434.

O art. 435 estabelece que reputar-se-á celebrado o contrato no local em que foi proposto. O art. 9º da
LINDB dispõe em seu caput que, para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se
constituírem. O § 2º dispõe que a obrigação resultante do contrato reputa-se constituída no local em que
residir o proponente. Pergunta-se: é válida a cláusula contratual que estabelece a aplicação de direito
estrangeiro no Brasil? O art. 376 do CPC estabelece que cabe à parte que o alegar a prova do teor e da
vigência do Direito estrangeiro. Prevalece o entendimento, inclusive na jurisprudência, de que a cláusula
não é válida, pois o direito nacional é de aplicação indeclinável. Com relação às normas de ordem
pública, isso é pacífico, mas, em tese, não haveria óbice à aplicação do direito estrangeiro dispositivo. Na
arbitragem, pode-se inserir cláusula de aplicação do direito estrangeiro.

PRINCIPAIS CLASSIFICAÇÕES DO CONTRATO: é lugar comum afirmar que as classificações


não são certas ou erradas, mas sim úteis ou inúteis 5. No Brasil, a classificação tradicional dos contratos é
feita com base na maior ou menor proximidade de seus regimes jurídicos 6. As principais classificações
têm os seguintes critérios:

(i) Quanto à existência de prestações para ambas ou para apenas uma das partes:

5
Dogmática (parte de pontos de partidas inegáveis, como a lei) x zetética (problematiza os pontos de partida).
6
Natureza jurídica: como o Direito qualifica aquele instituto x Regime jurídico: conjunto de normas que disciplina um
instituto. Normalmente, 1º se define a natureza jurídica, para se chegar ao regime jurídico, para enfim aplicar ao caso concreto.
a) bilateral ou sinalagmático: é aquele em que a prestação de uma das partes é causa da prestação da
outra. Ex.: no contrato de compra e venda, a causa da prestação de transferir a coisa é a obrigação do
comprador de transferir o preço (causa de um, causa de outro).

b) unilateral: só há obrigação para uma das partes. Ex.: comodato, em que só o comodatário tem
obrigação, qual seja, a de restituir a coisa. Eventualmente, um contrato unilateral pode ensejar obrigação
para a contraparte, caso em que a doutrina fala em “contrato unilateral imperfeito”. O contrato de
mandato, em regra, é gratuito e, portanto, unilateral. Somente o mandatário tem obrigações, que são as de
atender os interesses do mandante. Porém, se para a execução do mandato o mandatário teve gastos, o
mandante será obrigado a pagar. Esta obrigação surge por um fato superveniente (os gastos), e não como
causa direta dos serviços do mandatário.

(ii) Quanto à existência ou não de regime jurídico positivado:

a) típicos: são aqueles que contam com regime jurídico positivado, p. ex., contrato de compra e venda,
cujo regime jurídico vem positivado nos arts. 481 a 532. Os contratos são positivados normalmente
quando adquirem relevância econômica, com o objetivo de assegurar segurança jurídica na sociedade.

b) atípicos: são aqueles não com regime jurídico positivado. Há os contratos socialmente típicos e os
nominados e inominados. Estes contratos derivam da autonomia privada das partes, nos termos do art.
425, segundo o qual é lícito às partes estipular contratos atípicos, observadas as normas gerais fixadas no
CC (o Prof. diz que se fosse fazer uma modificação na redação, ele iria modificar para “normas de ordem
pública”).

A doutrina, por influência dos Direitos Português e Italiano, reconhece a categoria dos chamados
contratos socialmente típicos, que são aqueles que, em razão da sua reiteração no mercado, contam com
normas de uso e com orientações jurisprudenciais. Os contratos não surgem de juristas, mas das
necessidades dos mercados e, não sendo leoninos, podem ser celebrados.

A doutrina costumava apontar como exemplo o contrato de locação em shopping center. Porém, pelo fato
de a Lei 8.245/91 estabelecer uma ou outra regra sobre esse tipo de contrato, parte da doutrina passou a
entender que o contrato é típico. O Prof. discorda, porque só com a lei não é possível resolver os conflitos
que surgem desse contrato (ex.: lojistas tem que compartilhar parte do seu lucro, a locação de lojas
próximas das lojas âncoras é mais cara, etc.). Atualmente, pode-se considerar um contrato socialmente
típico e que os juízes já estão habituados com as suas regras, pois foram frutos de muitas manifestações
do Judiciário.

Cuidado: Contratos típicos e atípicos não se confundem com contratos nominados e inominados. Todo
contrato típico tem nome e, portanto, é nominado, mas nem todo contrato nominado é típico – Ex.: “Built
to suit” (ao invés de adquirir e imobilizar o patrimônio da sua empresa, o empresário fornece dinheiro
adiantado, o proprietário faz as modificações no imóvel e depois o empresário alugar o imóvel por longo
período e com preços acima do mercado), “Turn key” (entrega de parque industrial pronto para ser usado
e transferência de know how sobre como usar o parque industrial), Compra e venda de participação
societária, etc7.

(iii) Quanto à formação (quanto à efetiva participação das partes na elaboração do conteúdo contratual)

a) Paritário: as partes têm efetivo poder de determinar o conteúdo do contrato. Costuma-se utilizar a
expressão “contrato negociado”.

b) Por adesão: não é um tipo autônomo de contrato, mas sim uma forma de contratação, que tem por
objetivos, entre outros, agilizar e padronizar a contratação e a prestação de serviços. Por esta contratação,
um dos contratantes, chamado “predisponente”, predispõe o clausulado do contrato, cabendo à outra parte

7
De forma extremamente resumida, no contrato “built to suit” uma empresa contrata com outra a construção e posterior
aluguel de um estabelecimento. No contrato “turn key” uma empresa transfere para outra um negócio já pronto para
funcionamento.
optar por aderir ou não. O problema que a doutrina aponta na contratação por adesão é a assimetria entre
predisponente e aderente, pois há uma tendência natural do predisponente a abusar da sua posição de
força.

O CC estabelece 2 regras fundamentais de proteção do aderente:

1) Nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia antecipada do aderente a
direito resultante da natureza do NJ.
Obs.: vale lembrar a distinção entre elementos essenciais e acidentais do NJ – essenciais: elementos que
dão a essência e a configuração do NJ; acidentais: elementos secundários que só existem se
convencionados pelas partes. Além disso, há ainda os elementos naturais que existem pela natureza do
NJ, isto é, aqueles elementos que, mesmo não convencionados pelas partes, existem em razão da evolução
histórica. Ex.: vendedor respondendo pelo vício da coisa vendida. Logo, se o predisponente, p. ex.,
estabelece que o aderente renuncia ao direito de garantia, essa cláusula será nula. Portanto, conclui-se que
a renúncia aos elementos naturais é possível em qualquer NJ, salvo nos contratos de adesão.

2) Quando houver no contrato de adesão cláusulas que gerem dúvida quanto à sua interpretação, será
adotada a mais favorável ao aderente (art. 423, com a redação dada pela MP da liberdade econômica).

Obs.: Contrato de consumo e contrato por adesão não são sinônimos: nem todo contrato de consumo é por
adesão. Ex.: A contrata cirurgião para um implante capilar, negociando amplamente os termos da
contratação: é um contrato de consumo, não é por adesão. Nem todo contrato por adesão é de consumo, p.
ex., contrato de franquia.

Atenção: a MP da liberdade econômica incluiu o p. u. ao art. 423. Nos contratos não-atingidos pelo
disposto no caput, exceto se houver disposição específica em lei, a dúvida na interpretação beneficia a
parte que não redigiu a cláusula. Essa disposição legal se aplica aos contratos paritários, isto é, nos
contratos que não são por adesão. Fala-se em interpretação “contra proferentem” (= contra quem redigiu).
Problema prático: saber, no caso concreto, quem redigiu a cláusula. O Prof. passa a colocar nos contratos
que as cláusulas foram redigidas por ambas as partes – isso não terá problema se a cláusula for
considerada como regra dispositiva.

(iv) Quanto à distribuição dos riscos entre as partes

a) Comutativo: tradicionalmente, a doutrina afirma que o contrato comutativo é aquele em que as partes
sabem, de antemão, quais são as prestações e as contraprestações. Porém, trata-se apenas de uma questão
de “alocação de riscos”, ou seja, no comum dos casos, os riscos pelo inadimplemento, isto é, pela não
realização da prestação, são suportados pelo devedor. Se o credor não obtém aquilo que ordinariamente se
obtém com aquele tipo de contrato, pode compelir o devedor judicialmente. Ex.: a compra e venda de um
imóvel na planta implica riscos, designadamente o de o imóvel não vir a existir. Porém, estes riscos não
são suportados pelo comprador que, em caso de inadimplemento, poderá exigir o equivalente mais perdas
e danos. Em outras palavras, o devedor suporta os riscos do seu próprio inadimplemento. O risco, por sua
prestação, corre por quem deve prestar, isto é, a parte é responsável pela sua efetiva prestação.

b) Aleatório: a palavra aleatório tem origem em alea, que significa sorte, acaso ou fortuna. Neste tipo de
contrato, as partes distribuem os riscos inerentes ao contrato de maneira diversa da comum, seguindo uma
lógica econômica: quanto mais riscos assumo, maiores são as vantagens que posso obter. Ex.: contrato
para que a pessoa invente uma solução técnica por certo valor, em troca do direito de patente no futuro.
O CC estabelece que o contrato pode ser aleatório por:

(i) Dizer respeito a coisas ou fatos futuros, cujo risco de não virem a existir um dos contratantes assuma
(emptio spei – compra da esperança – acredito que virá). Neste caso, ainda que a coisa não venha a
existir, a outra parte terá direito ao pagamento integral do preço, se não agiu com culpa ou dolo. Ex.:
compra de descoberta futura de uma pesquisadora que está com grandes avanços na cura da diabetes. Ex.
2: compra de safra futura (nem toda venda de safra futura é aleatória, deve haver previsão, pois não se
presume a aleatoriedade). Neste caso, pode ser interessante ao produtor, pois ele vende a safra futura por
um valor menor, mas diminui ou zera o seu risco de ela não vir a existir no futuro.

(ii) Por dizer respeito à existência da coisa em qualquer quantidade (emptio rei speratae – compra da
coisa esperada). Se não houver culpa ou dolo, deverá haver o pagamento integral, desde que a coisa exista
em alguma quantidade.

(iii) Se o contrato for aleatório por dizer respeito a coisas sujeitas à risco. Neste caso, ainda que o risco se
verifique, haverá direito ao recebimento integral do preço. Ex.: na época da colonização, não se tinha
certeza se o navio voltaria com as mercadorias. Assim, contratos aleatórios eram celebrados, pagando-se
pelo risco de o navio não retornar.

Atenção: o contrato poderá ser anulado se o alienante sabia que o risco já havia se consumado (não há
mais aleatoriedade, isto é, não há distribuição do risco).

Ex.: compra e venda de salvados: o prédio pega fogo e a seguradora vende para alguém o que está dentro
do prédio.

Atenção: o enunciado 440 do CJF8 dispõe que é possível a revisão ou resolução dos contratos aleatórios
por onerosidade excessiva quando o evento imprevisível e extraordinário não se relacionar com a álea
assumida no contrato, cf. o art. 478. Ex.: a álea assumida é uma praga específica, mas o MST invade a
plantação e acaba com tudo. A parte prejudicada pode pedir revisão e resolução contratual.

GARANTIAS DO ADQUIRENTE

O CC protege o adquirente contra dois tipos de vício: o vício redibitório (art. 441 a 446) e o vício
conducente à evicção (art. 447 a 457). Pontes de Miranda demonstrou que o vício redibitório é o vício ou
defeito na coisa e, portanto, deve estar na coisa. Já a evicção consiste na perda da coisa em razão de um
vício no direito. O adquirente perde a coisa, porque não tinha o direito de estar com ela. Ex.: uma moto
antiga com um motor que não pertence a ela e que leva à sua apreensão - é caso de evicção, pois o vício
não está na coisa, mas no seu direito de estar com a coisa.

VICÍO REDIBITÓRIO: é o vício ou defeito oculto na coisa que torna a coisa imprópria ao uso a que se
destina ou lhe diminui o valor.

Requisitos para que se possa reclamar por vícios redibitórios:

(i) O contrato deve ser comutativo ou tratar-se de doação com encargo. Ex.: se recebeu uma casa por
doação, não pode reclamar da goteira; se recebeu uma casa por doação para cuidar de uma tia idosa, pode
reclamar.

(ii) O vício deve necessariamente ser oculto. Se for aparente, não se pode reclamar (ex.: outlet).

(iii) O vício deve necessariamente existir antes da transferência da propriedade, pois, se surgir depois,
quem sofre o prejuízo é o dono (res perit domino).

Ações que cabem ao adquirente: são as chamadas ações edilícias (pois são frutos dos “éditos romanos”):

1) Ação redibitória: por esta ação, o adquirente enjeita (rejeita/devolve) a coisa recobrando o preço mais
as despesas do contrato.

2) Ação estimatória ou quanti minoris: o adquirente fica com a coisa, mas requer abatimento no preço
(estimativa da desvalorização que aquele defeito causou na coisa).

8
É possível a revisão ou resolução por excessiva onerosidade em contratos aleatórios, desde que o evento superveniente,
extraordinário e imprevisível não se relacione com a álea assumida no contrato.
Atenção: somente serão cabíveis perdas e danos se o alienante conhecia o vício ou defeito. Ex.: compra
de um animal que possui uma doença oculta e que mata todo o rebanho do adquirente. Se o vício oculto
não for conhecido do alienante, ele será condenado a pagar só as despesas; caso contrário, as perdas e
danos.

Prazos: o CC estabelece regras quanto aos prazos no art. 445. Após um vacilo inicial, prevalece hoje o
entendimento de que os prazos são de decadência.

Regra: se a coisa for móvel, é de 30 dias. Se for imóvel, é de 1 ano. Em ambos os casos, os prazos são
contados da entrega efetiva da coisa.
Atenção: só o adquirente – não o mero comprador – pode reclamar por vício redibitório, porém, seu prazo
só começa de quando houver efetiva disponibilização da posse.

No caso de coisas móveis, se houver tradição da coisa pela cláusula do constituto possessório (cláusula
constituti) não começará a correr o prazo, ou seja, é aquela situação em que o sujeito possuía a coisa
como dono e passa a possuir como possuidor direto. Ex.: taxista, que precisa de dinheiro, vende seu táxi a
um colega e celebra um contrato de locação com ele para continuar trabalhando. O possuidor indireto é o
novo dono e ainda não consegue ver os defeitos da coisa. Tampouco começará a correr o prazo no caso da
tradição simbólica (ex.: a entrega de chaves).

Obs.: o contrato “traditio brevi manu” – tradição a mão curta – envolve a situação oposta: já era
possuidor direto e passou a possuir como dono. No constituto possessório – a pessoa era dono e passou a
possuir como possuidor direto.

Notas:

(i) se o adquirente já estava na posse do bem, o prazo começará a correr da alienação, porém, será
reduzido pela metade.

(ii) se o vício, por sua natureza, só puder ser conhecido mais tarde (espécie de um “vício mais que
oculto”), o prazo começará a correr da ciência do adquirente, porém, serão respeitados os limites
máximos de 180 dias para bens móveis e 1 ano para bens imóveis. Quando o CC entrou em vigor,
surgiram 2 correntes:

a) minoritária: uma vez ciente do defeito, o adquirente terá 180 dias para reclamar se a coisa for móvel e
terá 1 ano para reclamar se a coisa for imóvel (Simão e Tartuce). A crítica que se faz é que a garantia
assim pode ser eterna.

b) majoritária: adotada pelo STJ. Os prazos de 180 dias e 1 ano são prazos de revelação, ou seja, se for
móvel, o vício deve aparecer em até 180 dias e do seu aparecimento o adquirente terá 30 dias. Se a coisa
for imóvel, o vício deverá aparecer em até 1 ano e então o adquirente terá mais 1 ano para propor a ação
(Enunciado 174 do CJF9).

(iii) os vícios relativos a animais terão os prazos estabelecidos em leis especiais. Na sua falta, pelos usos
locais e, na falta de ambos, pelo art. 445, § 1º (180 dias para aparecer e 30 dias para reclamar).

Atenção: durante os prazos contratuais de garantia, não correm os prazos legais. Porém, o adquirente deve
comunicar o vício ao alienante dentro de 30 dias do seu conhecimento, sob pena de decadência.

Obs.: diferença de adquirente e comprador: só é adquirente quando ocorre a tradição ou o registro do bem
móvel ou imóvel. O comprador não é adquirente, pois ele faz jus a uma obrigação que o vendedor aliene
o bem.

9
Em se tratando de vício oculto, o adquirente tem os prazos do caput do art. 445 para obter redibição ou abatimento de preço,
desde que os vícios se revelem nos prazos estabelecidos no § 1º, fluindo, entretanto, a partir do conhecimento do defeito.
EVICÇÃO: é a perda total ou parcial da coisa em virtude de ato do poder público (sentença ou ato
administrativo), que se fundamenta em razão de direito. O adquirente perde a coisa, porque não tinha o
direito de estar com ela. Para que se possa reclamar por evicção, a alienação deve ser onerosa ou tratar-se
de doação em contemplação de casamento com certa e determinada pessoa (art. 552).

Sujeitos da evicção:
a) Evicto: é o adquirente que vem a perder o bem.
b) Alienante: é quem transfere o bem ao evicto.
c) Evictor: é o terceiro reivindicante a quem se reconhece melhor direito sobre a coisa.

O evicto terá direito de cobrar “indenização” do alienante. Os valores devidos pelo alienante ao evicto
têm dupla finalidade, quais sejam: (i) evitar o enriquecimento injustificado e (ii) propriamente indenizar o
evicto. O caput do art. 450 trata de evitar o enriquecimento injustificado (“verba restituitória”), enquanto
os incisos do art. 450 tratam das verbas indenizatórias. O art. 448 estabelece que, desde que por cláusula
expressa, as partes podem reforçar, diminuir ou excluir a responsabilidade pela evicção.

Eficácia da cláusula de exclusão da garantia por evicção: a simples existência da cláusula implica a
exclusão da responsabilidade pelas verbas indenizatórias previstas nos incisos do art. 450. Porém, ainda
assim, o alienante deverá restituir ao evicto o preço que recebeu. Para que o alienante não responda por
nada é fundamental que o adquirente seja informado dos riscos da evicção e expressamente os assuma.

Atenção: o adquirente também não poderá reclamar pela evicção se sabia que a coisa era alheia ou
litigiosa (nesse caso, celebra contrato aleatório).

Estrutura da responsabilização por evicção: A – B – C – D – E (E está com a coisa). F é proprietário e


entra com uma ação contra E que denuncia da lide para D. Historicamente, as normas materiais e
processuais determinavam que o adquirente denunciasse da lide ao alienante imediato, tornando tal
denunciação obrigatória, isto é, a sua falta acarretava a perda do direito do evicto de ser ressarcido. Era o
que dispunha o CC/16, o CPC/73 e o CC. A jurisprudência já havia mitigado essa exigência, de modo a
permitir que o evicto ajuizasse ação autônoma contra o alienante. O CPC/15 pôs fim à divergência,
tornando a denunciação da lide sempre facultativa. Se a evicção for parcial, só caberá direito à
indenização pela parte perdida, mas, se for considerável, o adquirente poderá optar pela resolução do
contrato ou pela restituição do desfalque sofrido.

Evicção considerável: a expressão “considerável”, em regra, diz respeito à quantidade perdida. Porém,
nada impede que uma perda parcial que, objetivamente, não é quantitativamente relevante, seja
qualitativamente considerável – ex.: em uma área rural perde-se parte do terreno agricultável, sendo a
demais área reservada à proteção ambiental.

EXTINÇÃO DOS CONTRATOS

A forma ordinária de extinção dos contratos é pelo adimplemento. A doutrina, baseada especialmente em
Orlando Gomes, agrupa as demais situações em causas “anormais” de extinção dos contratos e a divide
em:

I) Causas anteriores ou contemporâneas à formação dos contratos: estas causas dizem respeito a vícios na
formação dos contratos, ou seja, o contrato se forma (existe), mas de maneira viciada. Trata-se da
invalidade e, em regra, a sentença que a decreta retroage. A nulidade produz efeitos e a sentença busca
desconstituí-los. Ex.: tanto isso é verdade, que a lei declarada inconstitucional produziu efeitos até então,
podendo o STF modular os seus efeitos.

II) Por causas posteriores:

II.1) Por manifestações de vontade: se ambas as partes resolvem pôr fim ao contrato fala-se em distrato,
que deve ter a mesma forma exigida para o contrato (se tiver forma livre, pode ser celebrado e desfeito
por qualquer forma). O contrato é produto da manifestação de vontade de pelo menos 2 pessoas, por isso,
é excepcional que apenas uma delas possa pôr fim ao contrato. Isso será possível quando as partes ou a
própria lei, expressa ou implicitamente, permita. O contrato pode ser extinto por uma das partes, p. ex., no
caso do mandato. Excepcionalmente, a doação também poderá ser revogada por ingratidão e por
inexecução do encargo. Tacitamente, permite-se a extinção unilateral no caso de contratos por tempo
indeterminado.

Parágrafo único do art. 473: nos casos em que a lei admite a resilição unilateral, se em razão da natureza
do contrato uma das partes houver feito investimentos consideráveis, a denúncia unilateral só produzirá
efeitos depois de transcorrido prazo compatível com a natureza e vulto dos investimentos. Com base neste
artigo, alguns autores como Paulo Dóron Araújo e Rogério Cruz e Tucci defendem a possibilidade de se
prorrogar compulsoriamente contrato com prazo.

II.2) Por inadimplemento: em termos amplíssimos, o inadimplemento é o estado de incumprimento da


obrigação. A legislação e a doutrina diferenciam o inadimplemento imputável (“com culpa”) e o
inadimplemento inimputável (“sem culpa”). Quando a lei utiliza a expressão inadimplemento (arts. 389 a
420), ela trata fundamentalmente do inadimplemento culpável. Quando a obrigação se torna impossível,
ela se resolve e se o devedor não teve culpa não pagará perdas e danos. Os arts. 474 e 475 disciplinam a
chamada cláusula resolutiva que se refere ao inadimplemento imputável. Caracterizado o
inadimplemento, a parte lesada pode pleitear a resolução ou o cumprimento, podendo exigir, em qualquer
dos casos, perdas e danos. O art. 474 estabelece uma classificação da cláusula resolutiva em: a) Expressa:
as partes estabelecem expressamente que o inadimplemento imporá a extinção do contrato. b) Tácita: todo
contrato bilateral contém cláusula implícita de extinção para o caso de inadimplemento. A distinção entre
elas consiste em que a expressa opera de pleno direito e a tácita depende de interpelação judicial.

Resolução por onerosidade excessiva: arts. 478 a 480. O CC de 1916 não previa a possibilidade de
extinção de um contrato por onerosidade excessiva. A parte que pretendesse a resolução deveria se valer
da doutrina e da jurisprudência.

Obs.: Cláusula rebus sic stantibus: Contratos de trato sucessivo ou que dependa do futuro devem ser
interpretados permanecendo as coisas como estavam. Inteligência é ler por dentro. Cláusula rebus é
origem remota de todas as revisões por fato superveniente. O CC adotou a teoria da onerosidade
excessiva.

O art. 478 estabelece os requisitos para que se possa pleitear a resolução por onerosidade excessiva:
i) O contrato deve ser de execução continuada ou diferida, ou seja, é fundamental que a relação jurídica
contratual se protraia no tempo;
ii) Deve ocorrer um fato imprevisível e extraordinário;
iii) Que em razão deste fato imprevisível e extraordinário a prestação de uma das partes se torne
excessivamente onerosa e a da outra extremamente vantajosa.

Notas: a imprevisibilidade e a extraordinariedade podem dizer respeito não ao evento em si, mas às suas
consequências. Neste sentido, o enunciado 175 do CJF: “A menção à imprevisibilidade e à
extraordinariedade, insertas no art. 478, deve ser interpretada não somente em relação ao fato que gere o
desequilíbrio, mas também em relação às consequências que ele produz”. Ex.: greve dos caminhoneiros.

Em uma interpretação literal, só seria possível resolver contrato se houvesse extrema vantagem para a
outra parte, mas a doutrina também mitigou essa exigência, ou seja, se houver excessiva onerosidade,
ainda que sem extrema vantagem para a outra parte, é possível resolver. Neste sentido, o enunciado 365
do CJF: “A extrema vantagem do art. 478 deve ser interpretada como elemento acidental da alteração das
circunstâncias, que comporta a incidência da resolução ou revisão do negócio por onerosidade excessiva,
independentemente de sua demonstração plena”.

Condutas que podem ser adotadas pelo credor (réu da ação): Ele poderá simplesmente contestar a
presença dos requisitos ou de maneira principal ou subsidiária apresentar oferta de modificação equitativa
das condições do contrato, p. ex.: diminuição do preço, da taxa de juros, do parcelamento, etc. A doutrina
majoritária entende que o autor (devedor) pode já na inicial apresentar a oferta de modificação e o juiz
pode decidir por modificar. A doutrina minoritária, de maneira mais radical, defende que o juiz possa, de
ofício, alterar o contrato. As defesas baseiam-se no princípio da conservação do contrato.

Você também pode gostar