A evolução histórica do conceito de contrato e sua origem
Publicado por Stephany Akie Nakamori ano passado 3.325 visualizações
O presente texto trata do histórico e do conceito do contrato, em
razão da necessidade de entender a figura do contrato em nosso ordenamento jurídico e em nosso diaadia, pois é por meio desta espécie de negócio jurídico bilateral que o homem deixou de utilizar a força e a violência para conquistar suas metas, de forma que passou a “imprimir estabilidade às relações jurídicas que pactuava, segundo, é claro, os seus próprios propósitos”[1]
Aliás, conforme ensina Arnoldo Wald, não há instituto jurídico
que se manteve durante tanto tempo e que até hoje vem se adaptando a tantas mudanças sociológicas[2]. E, apesar de não sabermos precisamente, com relação ao período de existência do contrato, quando se deu o seu surgimento, quanto ao local onde se originou, a discussão já encontra-se superada.
Acreditava-se que o contrato surgiu em Roma, tendo em vista que
Gaio foi o primeiro a relacionar as fontes das obrigações. Porém, conforme ensinam Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, ao citar Orlando Gomes, “não é no direito romano que se deve buscar a origem histórica da categoria que hoje se denomina contrato”[3].
Por mais que muitos institutos jurídicos que conhecemos tenham
nascido em Roma, cada sociedade com o passar do tempo contribuiu um pouco para que de fato formasse o contrato que conhecemos atualmente. Neste sentido, Ronnie Herbert Barros Soares e Josué Modesto Passos trazem a análise feita por Ebert Chamoun[4]:
Os romanos não construíram uma teoria geral do ato
jurídico. Foram os juristas do século XIX, e, sobretudo, os Pandectistas, que a formularam. Os romanos encaravam o ato jurídico mais como uma atividade do que como uma vontade. Desvalorizando os elementos abstratos, limitaram-se a expor os requisitos particulares e os vários tipos de ato jurídico. Contudo, sua contribuição é, sem dúvida alguma, o fundamento da moderna teoria do ato jurídico.
Verifica-se que tanto no direito romano como no Código de
Napoleão o contrato era uma espécie de convenção, embora tivesse como objetivo apenas a aquisição de propriedade no diploma elaborado na Revolução Francesa. Já para o direito italiano, o contrato dizia respeito apenas aos acordos cujo objetivo era criar, modificar ou extinguir as relações patrimoniais. Entretanto, o mais próximo do conceito que conhecemos hoje foi o disposto no código alemão, que considerou o contrato como um negócio jurídico[5].
O jurista romano Ulpiano o definia como sendo “o mútuo
consenso de duas ou mais pessoas sobre o mesmo objeto”[6].
Cabe ressaltar que o conceito de contrato atualmente utilizado no
direito pátrio e acompanhado por diversos doutrinadores é o de Clóvis Beviláqua[7], qual seja:
(...) o acordo de vontade de duas ou mais pessoas com a
finalidade de adquirir, resguardar, modificar ou extinguir direito.
E, embora as leis venham a passar por diversas modificações, tendo
em vista a constante transformação da sociedade, o conceito de contrato atualmente conhecido e utilizado não será alterado tão cedo, conforme entende Fábio Ulhoa Coelho[8]:
A rigor, enquanto se revelar operacional o conceito
unitário de contrato, fundado direta ou indiretamente na noção de acordo de vontades, mesmo no tratamento de relações obrigacionais derivadas de fato jurídico em que não há grandes negociações entre os obrigados, não será justificável a introdução de conceito novo na tecnologia jurídica.
Convém trazer, também, o conceito elaborado por Maria Helena
Diniz[9], vez que o faz com excelência:
Contrato é o acordo de duas ou mais vontades, na
conformidade da ordem jurídica, destinado a estabelecer uma regulamentação de interesses entre as partes, com o escopo de adquirir, modificar ou extinguir relações jurídicas de natureza patrimonial. Com relação a função do contrato, a mais marcante é a econômica. Entende o doutrinador italiano Enzo Roppo[10] que o contrato não pode ser entendido apenas como um conceito jurídico, mas deve “sempre remeter – explícita ou implicitamente, direta ou indiretamente – para a ideia de operação econômica”. Acompanha este mesmo pensamento Ricardo Luis Lorenzetti[11]:
O contrato é um instrumento para a realização de
atividades econômicas, é uma relação entre partes no processo de programação de trocas no futuro. Para que ele seja possível, o Direito deve subsidiá-lo concedendo ações para que essas promessas sejam executáveis. (tradução nossa)
Com o aperfeiçoamento da sociedade industrial no século XIX,
surgiu um novo modelo de sociedade, chamado de sociedade do consumo, que alterou o modo de elaboração do contrato, de forma que este deixou de ser pessoal, onde as partes podiam discutir livremente as cláusulas, e passou a ser por adesão, com cláusulas já predeterminadas, tornando mais rápida e objetiva a forma de contratar[12].
O objetivo a ser perseguido através do contrato é a circulação da
riqueza, de forma que o contrato possui, então, uma função econômica. Entretanto, não é a única função, exigindo-se também o cumprimento da função social, sendo que, por se tratar de cláusula geral, “o juiz poderá preencher os claros do que significa essa função social, com valores jurídicos, sociais, econômicos e morais”, conforme observa Nelson Nery Junior[13].
Sobre a função social do contrato, decorrente dos princípios
constitucionais dos valores da solidariedade e da construção de uma sociedade mais justa, da função social da propriedade e do valor social da livre iniciativa, previstos nos art. 3º, I, arts. 5º, XXIII, e 170, III, e art. 1º, IV, todos da Constituição Federal de 1988, o civilista Carlos Roberto Gonçalves discorre sobre a importância do sentido social que deve ser observado no contrato, disposto no art. 421 do Código Civil Brasileiro[14], e que tem como principal finalidade restringir a liberdade contratual. Vejamos:
É possível afirmar que o atendimento à função social pode
ser enfocado sob dois aspectos: um, individual, relativo aos contratantes, que se valem do contrato para satisfazer seus interesses próprios, e outro, público, que é o interesse da coletividade sobre o contrato. Nessa medida, a função social do contrato somente estará cumprida quando a sua finalidade – distribuição de riquezas – for atingida de forma justa, ou seja, quando o contrato representar uma fonte de equilíbrio social.[15]
Diferente dos negócios jurídicos unilaterais, que se formam a partir
da manifestação da vontade de uma pessoa, para que o contrato exista é necessário que as duas partes discutam as cláusulas e concordem, tratando-se, portanto, de negócio jurídico bilateral ou plurilateral[16]. Assim observa o jurista Orlando Gomes:
Contrato é, assim, o negócio jurídico bilateral, ou
plurilateral, que sujeita as partes à observância de conduta idônea à satisfação dos interesses que regulam. (...) O contrato e seus tipos esquematizados na lei serão estudados como instrumentos jurídicos para a constituição, transmissão e extinção de direitos na área econômica.[17]
Entende-se por negócio jurídico a realização de condutas
humanas intencionais cujo propósito seja a realização de uma determinada consequência delineada na norma jurídica[18]. Aliás, conforme explica Fábio Ulhoa Coelho, “não há contrato sem a intenção característica dos negócios jurídicos”[19].
E, por se tratar de um negócio jurídico, o contrato é gerador de
obrigações negociais. Todavia, não necessariamente essas obrigações negociais produzem obrigações para todos os contratantes, podendo estabelecer obrigações para apenas e tão somente uma das partes[20]. Neste sentido, Nelson Nery Junior traz de forma acertada a diferença, apresentada por Gurgel, dos contratos unilaterais e bilaterais, também conhecidos por sinalagmático e não sinalagmático respectivamente: “Quando se fala de contratos unilaterais, emprega-se a palavra num outro sentido; pensa-se então, não em sua formação, mas em seus efeitos”[21]. E complementa Caio Mário da Silva Pereira:
É pacífico que nos contratos bilaterais as obrigações das
partes são recíprocas e interdependentes: cada um dos contraentes é simultaneamente credor e devedor um do outro, uma vez que as respectivas obrigações têm por causa as do seu cocontratante, e, assim, a existência de uma é subordinada à da outra parte.[22]
Conclui-se, portanto, que o contrato é um negócio jurídico que
resulta da vontade de duas ou mais pessoas, podendo gerar obrigações para uma ou ambas as partes, de maneira que não se restringe ao direito das obrigações, fazendo parte de outros ramos do direito privado, como no caso do casamento que é um contrato de direito de família, e do direito público, quando a Administração Pública celebra contratos.
O Contrato no Código Civil de 2002.
Conforme analisado anteriormente, o contrato é um negócio jurídico entre duas partes, sendo este um dos fatos humanos que constitui a obrigação[23].
Conforme vimos anteriormente, Clóvis Beviláqua ensinava que o
contrato é “o acordo de vontades para o fim de adquirir, resguardar, modificar ou extinguir direitos”[24]. Entretanto, para que referido acordo exista e prevaleça de modo que predomine a vontade das partes, é necessária a existência de regras. Em nosso ordenamento jurídico, o Código Civil de 2002 trata dos contratos em dois títulos, quais sejam, o Título V, que define os Contratos em Geral, e o Título VI, que traz as Várias Espécies de Contratos.
Para que o contrato possa ser considerado válido, deve atender os
requisitos à validade do negócio jurídico previstos no art. 104 do Código Civil, in verbis:
Art. 104 do CC/02. A validade do negócio jurídico requer:
I – agente capaz;
II – objeto lícito, possível, determinado ou determinável;
III – forma prescrita ou não defesa em lei.
Não obstante as exigências estabelecidas pelos artigos supracitados,
cada contrato também apresenta suas peculiaridades. No caso do contrato de seguro, o parágrafo único do art. 757 do diploma civil traz que somente pode ser parte, como segurador, entidade para tal fim legalmente autorizada.
Além dos contratos legalmente preestabelecidos, o Código Civil
de 2002 também permite a criação de negócios atípicos, ocasionando uma declaração negocial livre que também está sujeito às normas jurídicas[25], consoante estabelece seu art. 425:
Art. 425. É lícito às partes estipular contratos atípicos,
observadas as normas gerais fixadas neste Código. Por fim, os contratos podem ser divididos em típicos ou nominados e atípicos ou inominados, sendo os primeiros os que possuem nomen iuris e as regras para a sua existência estão preestabelecidas no Código Civil e em outras normas legais. Em contrapartida, os contratos inominados ou atípicos são aqueles celebrados livremente, seguindo o princípio da autonomia privada e agregando componentes de diversos contratos em apenas um[26].
O Contrato no Direito do Consumidor e
no Direito Administrativo. Após discorrermos sobre o contrato no Código Civil de 2002, trataremos de forma breve dos contratos dispostos no Código do Consumidor e aquele cuja parte vem a ser a Administração Pública.
Diferente do contrato disciplinado pelo Código Civil de 2002, o
contrato de consumo previsto no Código de Defesa do Consumidor, mais especificamente em seus artigos 46 a 60, é aquele realizado em virtude de alguma atividade empresarial, e que tem como partes os produtores e prestadores de serviço e os consumidores[27].
O parágrafo 2º do art. 3º traz que a atividade securitária fornecida
no mercado de consumo se enquadra no conceito de serviço. Portanto, estará sujeito às regras que regulam as relações relativas ao consumo.
Entretanto, existem algumas diferenças entre o contrato de
consumo e o contrato de seguro, de modo que este será posteriormente analisado em um capítulo à parte, enquanto que o contrato de consumo possui as seguintes características[28]: a) predisposição unilateral, pois é o prestador do serviço que estabelece os termos do ajuste, independentemente da participação do consumidor; b) generalidade, porque não se encontra nesse tipo de contrato especificações relativas para cada consumidor contratante; c) inalterabilidade, uma vez que discordando de alguma das cláusulas não tem força o contratante para modificá-la ou retirá-la do contrato e d) adesão, pois o contratante deve se vincular expressamente aos termos do contrato elaborado de forma unilateral pelo prestador de serviços.
Com relação ao contrato regulado pelo Direito Administrativo, não
há melhor definição que a trazida por Hely Lopes Meirelles, explanado por Nelson Nery Junior[29], que entendia que o contrato administrativo era o:
(...) ajuste que a Administração Pública, agindo nessa
qualidade, firma com particular ou outra entidade administrativa para a consecução de objetivos de interesse público, nas condições estabelecidas pela própria Administração.
Diferente do contrato de seguro e do consumidor, o contrato
administrativo é subordinado a Lei Federal nº 8.666/93, sendo de competência da União.
Conclusão
Como pudemos observar, o contrato é um negócio jurídico bilateral,
que surge a partir da vontade de duas ou mais pessoas com o objetivo de adquirir, resguardar, modificar ou extinguir direitos, podendo gerar obrigações para uma ou ambas as partes.
Preliminarmente, nos aprofundamos no histórico e no conceito do
contrato, para que pudéssemos analisar brevemente o contrato nos âmbitos do direito civil, do consumidor e administrativo. Cumpre, por fim, perceber que o conceito histórico e a origem do contrato é fundamental para entendê-lo contemporaneamente, haja vista o desenvolvimento da sociedade e, por isso, a necessidade em estudá-los.
[1] GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil, volume 4:
contratos, tomo I: teoria geral/Pablo Stolze Gagliano, Rodolfo Pamplona Filho. 9. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 39.
[2] WALD, Arnoldo. O Contrato: Passado, Presente e Futuro.
Revista Cidadania e Justiça. Rio de Janeiro, 2000: Publicação da Associação dos Magistrados Brasileiros. p. 43. apud. GAGLIANO, Pablo Stolze. 2013. p. 39.
[3] GAGLIANO, Pablo Stolze. 2013. p. 41.
[4] TOLEDO, Armando Sérgio Prado de. Negócio Jurídico/Coord.
Armando Sérgio Prado de Toledo. São Paulo: Quartier Latin, 2013. p. 33.
[5] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, vol. 3:
contratos e atos unilaterais. 12 ed. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 23.
[6] Texto “Teoria Geral dos Contratos”, retirado do endereço
[7] BEVILÁQUA, Clóvis. Código Civil Anotado. vol. 4. Rio de
Janeiro: Francisco Alves, 1916. p. 245.
[8] COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Civil, 3:
contratos/Fábio Ulhoa Coelho. 7 ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 34 [9] DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. vol. 3. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 30.
[10] ROPPO, Enzo. O Contrato. Coimbra: Almedina. p. 8.
[11] LORENZETTI, Ricardo Luiz. Tratado de los Contratos: Parte
General. 1ª ed. Santa Fé: Rubinzal-Culzoni, 2004. Tomo I. p. 19.
[12] Texto “A Evolução Histórica do Conceito de Contrato: em busca
de um modelo democrático de contrato”, retirado do endereço eletrônico: <http://www.ambito-jurídico.com.br/site/? n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=11306>; Acessado em: 15/12/2016.
[13] NERY JUNIOR, Nelson. Manual de Direito Civil: Contratos/
Nelson Nery Junior, Rosa Maria de Andrade Nery, Ana Luiza Nery. 1 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014. p. 35.
[14] Art. 421 do CC. A liberdade de contratar será exercida em razão
e nos limites da função social do contrato.
[15] GONÇALVES, Carlos Roberto. 2015. p. 26.
[16] GONÇALVES, Carlos Roberto. 2015. p. 23.
[17] GOMES, Orlando. Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p.
10.
[18] COELHO, Fábio Ulhoa. 2014. p. 34.
[19] COELHO, Fábio Ulhoa. 2014. p. 34.
[20] COELHO, Fábio Ulhoa. 2014. p. 35.
[21] NERY JUNIOR, Nelson. 2014. p. 27.
[22] PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. v. 3. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 67.
[23] GONÇALVES, Carlos Roberto. 2015. p. 21.
[24] BEVILÁQUA, Clóvis. Código Civil dos Estados Unidos do
Brasil, v. IV. apud. GONÇALVES, Carlos Roberto. 2015. p. 22.
[25] NERY JUNIOR, Nelson. 2014. p. 19.
[26] NERY JUNIOR, Nelson. 2014. pp. 25 e 26.
[27] NERY JUNIOR, Nelson. 2014. p. 32.
[28] Texto “O Contrato de seguro e o direito das relações de
O contrato é o negócio jurídico bilateral, ou plurilateral (acordo das partes e sua manifestação externa), pois depende de mais de uma declaração de vontade, que sujeita as partes à observância de… Eline Luque Teixeira Paim Artigos • há 8 anos
O princípio da Função Social do Contrato
Sumário: Introdução; 1. O Contrato, 1.1 Conceito e validade, 1.2 Aspectos históricos; 2. O Princípio da Função Social dos Contratos, 2.1 Análise histórica, 2.2 Aspectos gerais; 3. Natureza Jurídica e…
Maria Laura Uliana
Artigos • há 6 anos
Direito Civil. Contratos. Princípios contratuais: dos
princípios tradicionais aos modernos INTRODUÇÃO O presente trabalho visa a análise dos princípios contratuais existentes na história do Direito Civil, dos mais clássicos aos mais modernos, todos essenciais para as relações jurídicas por…
Alexandre Sigabinazze Artigos • há 6 anos
A Evolução do Direito Contratual
1 INTRODUÇÃO Sempre que nos propomos a estudar um assunto tão abrangente como a história ou a origem de alguma coisa, nos deparamos com o risco eminente de o abordarmos com tamanha profundidade que…
Cláudia Mara de Almeida Rabelo Viegas
Artigos • há 3 anos
A evolução do Direito Contratual Brasileiro
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS Indiscutivelmente, o contrato é um dos institutos jurídicos mais utilizados no meio social, de tal sorte que vem atravessando os séculos e acompanhando a sociedade, desde a…
O princípio da função social dos contratos empresariais: as características fundamentais e principais controvérsias que envolvem a delimitação da função social do contrato