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CIDADE(ES), 00 DE MÊS DE 2022.

PARECER JURÍDICO

PARECER Nº: 01/2021


CONSULENTE: XXXXXXXX

ASSUNTO: POSSIBILIDADE DE TRANSFERÊNCIA DE BENS DA HERANÇA AINDA EM VIDA.


TRANSMISSÃO DE BENS. PARTILHA EM VIDA. (IN)COMUNICABILIDADE DE BENS PELO REGIME DE
UNIÃO ESTÁVEL

EMENTA: DIREITO DE FAMÍLIA. DIREITO DE HERANÇA. DIREITO


SUCESSÓRIO. TRANSMIÇÃO DE BENS. PARTILHA EM VIDA.
USUFRUTO. POSSIBILIDADE. NÃO COMUNICABILIDADE DE BEM
OBJETO DE HERANÇA COM O COMPANHEIRO. TRANSMISSÃO EM
VIDA DIFERENTE DA TRASMISSÃO PÓS-MORTE.

I - DA CONSULTA.

Trata-se de consulta formulada pela NOME COMPLETO, nacionalidade, estado civil,


profissão, residente e domiciliada à xxxxxxxxxx, nº 000, Bairro xxxxxxxxx, Cidade/UF, com o objetivo
de analisar, a possibilidade de realização de transferência de bens de sua titularidade adquiridos por
força de herança, diretamente a suas filhas, de forma a não ofender o direito de meação de seu
companheiro, haja vista, ter adquirido com àquele, vários bens na constância da união estável,
querendo assim, deixar reservado a suas filhas, que são frutos de outro casamento, o respaldo da
sua cota parte da herança.

Em atendimento, realizado alguns questionamentos foram levantados, sendo estes os


relatos que a NOME COMPLETO nos trouxe, os quais aqui parafraseio a seguir: “1) Os
apartamentos do Bairro Marista, todos tem escritura? Sim, todos os imóveis têm escritura; 2)
Quando do falecimento de seu pai, fora realizado o processo de inventário? Não; 3) Todos
os dois apartamentos do Bairro Marista estão no nome da sua mãe? Os apartamentos ainda
continuam no nome do papai e da mamãe. Esses dois apartamentos, eu gostaria de doar para minhas
filhas deixando usufruto para mim; 4) Quando você começou a conviver com o seu
Companheiro, o apartamento onde moravam, já estava construído ou ele ajudou
financeiramente com alguma coisa? Sim, os apartamentos já existiam, mas, a construção do
terraço e as melhorias no apartamento onde morávamos, teve a ajuda dele; 5) A partir da
constância da união estável, quais bens vocês adquiriram juntos? E quais possuem
escritura ou documento particular? E destes bens, quais estão em seu nome ou no nome
dele? Na constância da união estável, adquirimos um lote na rua xxxxxx, no bairro xxxxxxxx, que se
encontra no nome da minha mãe. Construímos a casa onde residimos, que se encontra no nome do
meu companheiro.

Por fim, a NOME COMPLETO nos trouxe, mais alguns questionamentos finais, os quais
aqui também parafraseio: ”6) Iremos comprar um apartamento localizado no bairro Vila Nova, que
será da mamãe para ela morar. Assim, sendo este de propriedade dela, gostaria de ver a
possibilidade de realizarmos a doação em vida, pra mim. Caso seja possível, meu companheiro terá
direito? 7) Caso nessa doação se já passássemos direto para minhas filhas, eu posso colocar usufruto
para mim? 8) Outro ponto seria, fazermos a partilha dos bens, de tudo o que eu e meu companheiro
adquirimos na constância da união estável, pois gostaria de deixar dividido em 03(três) partes iguais,
minhas duas filhas e a filha dele. Neste caso, sei que entraria a possibilidade de doação de até 50%
do que é dele por direito, sendo neste ponto minha dúvida, quanto a eu ser meeira dele e não ser
herdeira. Porque pelo que me falaram, se ele morrer de uma hora para outra, tudo que é nosso,
passará 50% (cinquenta por cento) para a filha dele, eu não tenho nada da parte dele porque eu já
sou meeira.”

Esse é o relatório.

Estudada a matéria, passo a opinar.

II - DO REGIME DA UNIÃO ESTÁVEL: A COMUNICAÇÃO E A MEAÇÃO DOS BENS


ADQUIRIDOS ONEROSAMENTE E HERDADOS PELOS CONVIVENTES

Inicialmente, se faz necessário tecer breves comentários a respeito da união estável, que
reflete sobre a partilha de bens.
Hoje já é caso superado na doutrina e na jurisprudência, que a união estável, se
equipara ao casamento e, não tendo sido elaborado contrato de união estável, esta se enquadrará ao
regime geral de casamento, qual seja, o regime de comunhão parcial de bens, que traz aos
companheiros o direito de dividirem os bens adquiridos onerosamente na constância da união.

Contudo, um detalhe que merece atenção é, quando adentramos no tema de partilha de


bens, teremos que analisar três vertentes. A partilha quando da morte dos
cônjuges/companheiros; a partilha quando da separação dos cônjuges/companheiros e a
partilha quando em vida por meio de doação da sua cota parte disponível ou de seus bens
particulares.

Dessa forma, o companheiro(a) no caso de união estável, na ótica de separação, é


meeiro (a), ou seja, tem direito, portanto, à metade de todos os bens comuns adquiridos
onerosamente na constância da união. Assim não se fala, em herança desses bens comuns
adquiridos onerosamente, pois o cônjuge/companheiro já é detentor de parte desse montante,
diante do esforço comum de ambos para adquirir tal patrimônio, portanto a lei quis apará-lo.

Noutra toada, quando falarmos sobre a ótica de falecimento de um dos


companheiros(as), diante de uma união estável, a divisão ocorre de maneira um pouco
diferente, haja vista que os bens comuns adquiridos onerosamente na constância do
casamento, se dividirão por meação conforme mencionado acima, e ainda, caso tenha o
companheiro(a) falecido deixado bens particulares, o companheiro(a) sobrevivente terá
direito na partilha de bens, juntamente com os herdeiros(as) necessários(as) na linha de sucessão
hereditária, respeitados os limites legais.

E quando falarmos sobre a ótica de doação de bens, diante de uma união estável, o
companheiro(a), pode realizar a transmissão de seus bens particulares a outras pessoas,
sejam elas filhos(as) ou não, exercendo sua livre vontade, haja vista que os bens particulares
de um companheiro(a) quando ainda em vida, não se comunicam com o outo
companheiro(a), não necessitando de sua anuência para o realizar tal doação, por tanto
poderá este transmitir seus bens para quem o quiser. Contudo, no caso do companheiro(a), ter
filhos(as) deverá respeitar sua parte disponível, caso seja doado para pessoa que não seja
seus herdeiros(as), ou então sendo a transmissão realizada aos filhos(as), seja dívida como
antecipação da legitima em cota partes iguais. Agora, quando estivermos diante de uma
doação de bens comuns do casal, para a validade e legitimação do ato, além de respeitar os limites
disponíveis, deverá ter a anuência de seu companheiro(a).

No presente caso, nota-se que o ponto chave para análise está ligado ao regime de bens
em que vive o casal, sendo objeto de análise maior o que tange aos bens particulares, para que
assim, possamos passar a uma detida apreciação de seus efeitos na comunicação dos bens dos
conviventes, sejam eles adquiridos após a união, por herança ou doação antes ou durante ela.

III – DA POSSIBILIDADE DE TRANSMISSÃO DOS BENS DIANTE DO REGIME DE BENS E


DO DIREITO DE SUCESSÃO.

Estamos aqui discutindo, a possibilidade de partilha de bens, para que se possa ter
resguardado o direito das filhas de ambos os conviventes não sendo comuns ao casal, sendo duas da
Consulente e uma do Companheiro.

A Consulente, busca descobrir a possibilidade de melhor realizar as transmissões dos


bens ainda em vida, para que não saiam as filhas em prejuízo, diante do que fora adquirido por força
de herança e o que foi adquirido onerosamente pelo casal.

Assim, se faz necessário adentrarmos um pouco mais a respeito do regime de união


estável e da partilha e sucessão de bens.

A lei dispõe, no artigo 1.723 do Código Civil, que é reconhecida como entidade familiar a
união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e
estabelecida como objetivo de constituição de família. Ressalva-se que, para assegurar o direito de
igualdade e liberdade, em 2011 pela decisão do STF, ampliou essa concepção de entidade familiar,
como as diversas pluralidades de relações de afetos, que tem como o intuito a constituição de família.

Dessa forma, estando diante de uma união estável, salvo a existência de contrato escrito
entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime de comunhão
parcial de bens, conforme redação do artigo 1.725 do Código Civil.

O artigo 1.658 do Código Civil, nos traz que no regime de comunhão parcial de bens,
comunicam-se os bens que sobrevierem ao casal, na constância do casamento, aqui também por
equiparação a união estável, com a exceção do rol previsto no artigo 1.659 do mesmo diploma.
Este artigo 1.659 do Código Civil, relaciona que se excluem da comunhão: I) os bens
que cada cônjuge possuir ao casar, e os que lhe sobrevierem, na constância do
casamento/união estável, por doação ou sucessão, e os sub-rogados em seu lugar; II) os bens
adquiridos com valores exclusivamente pertencentes a um dos cônjuges em sub-rogação dos bens
particulares; III) as obrigações anteriores ao casamento/união estável; IV) as obrigações
provenientes de atos ilícitos, salvo reversão em proveito do casal; V) os bens de uso pessoal, os
livros e instrumentos de profissão; VI) os proventos do trabalho pessoal de cada
cônjuge/companheiro; VII) as pensões, meios-soldos, montepios e outras rendas semelhantes.

Já o artigo 1.660 também do Código Civil, nos traz a relação do que entram na
comunhão: I) os bens adquiridos na constância do casamento/união por título oneroso,
ainda que só em nome de um dos cônjuges; II) os bens adquiridos por fato eventual, com o
sem concurso de trabalho ou despesa anterior; III) os bens adquiridos por doação, herança ou
legado, em favor de ambos os cônjuges/companheiros; IV) as benfeitorias em bens
particulares de cada cônjuge/companheiro; V) os frutos dos bens comuns, ou dos particulares
de cada cônjuge, percebidos na constância do casamento/união, ou pendentes ao tempo de
cessar a comunhão.

Dessa forma, teremos a transmissão de bens, por meio da sucessão por causa mortis,
por força de lei ou por vontade do falecido, através de testamento e ainda podendo ser feito por
doação em vida. Entretanto como já mencionamos, havendo herdeiros necessários, poderá doar
apenas a metade de seus bens quando. Essa imposição legal, quis ao assegurar a metade dos bens
aos herdeiros necessários, trazer em evidência a proteção à família como garantia constitucional
regida pelo artigo 226.

Um ponto importante em lembrar é que herança é todos os bens deixados por pessoa
falecida. Portanto, o recebimento de determinada herança só será consolidado com a morte. Por isso
que, não existe herança de pessoa viva. Porém, enquanto viva, a pessoa pode dispor da
integralidade de seus bens.

Portanto, quando ainda em vida, o companheiro(a) que tenha o interesse em doar seus
bens particulares a quem lhe interessa, tem total direito de o fazer, sem correr o risco de estar
prejudicando seu companheiro(a).
Caso não queria, ainda em vida realizar um planejamento sucessório de maneira mais
segura e eficiente, vindo este(a) a faltar, o companheiro(a) sobrevivente, terá direito em partilha com
os herdeiros, nos bens particulares, conforme dispões o artigo 1.829, inciso I do Código Civil.

IV – DA ANÁLISE DOS QUESTIONAMENTOS APRESENTADOS.

Passada as considerações acima, buscaremos responder e fazer considerações aos


questionamentos trazidos na consulta.

O primeiro passo a ser tomado é a regularização dos apartamentos do bairro Marista,


pois não tendo sido feito o inventário em época, teremos agora que realizá-lo, podendo ser feito na
via extrajudicial que é a mais célere. Este inventário hoje, ficará ainda mais caro, devido a aplicação
de multa pelo atraso. Nesse mesmo inventário, poderemos realizar as doações e a instituição do
usufruto, porém, deveremos confirmar se no cartório consta a ampliação do terraço.

Quanto a ajuda do companheiro, na construção do terreno e as benfeitorias realizados no


apartamento, será necessário, a anuência deste para a realização de doação as filhas, informando que
está dispondo de sua parte disponível.

Os bens que foram adquiridos onerosamente pelo casal, mesmo que esteja alguns em
nome de um apenas, estes são do casal. Assim, desde que ambos estejam de acordo, poderão
realizar a divisão destes bens em três partes iguais, haja vista que o seu companheiro estaria doando
para as filhas da consulente, parte da sua metade disponível, deixando assim a cota parte da filha
exclusiva, acima no mínimo legal que é 50% da parte legal companheiro.

Quanto ao apartamento que será comprado pela mãe da consulente, para evitar custos
maiores, de realizar uma escritura para mãe e depois uma para a consulente, poderá ser lavrada a
escritura diretamente em nome da consulente, deixando instituído o usufruto em nome da Sra. sua
mãe. Contudo, dessa maneira, no caso de morte da consulente, por ser o bem particular, o
companheiro terá direito na partilha juntamente com as filhas da consulente. Outra alternativa seria,
lavra a escritura, já passando o apartamento para o nome das filhas da consulente, com usufruto em
seu nome.

Quanto dúvida em ser meeira e não herdeira de seu companheiro, reforçando o que já
dissemos acima, no caso da morte do companheiro, quanto aos bens que construíram e adquiriram
juntos, você é meeira e tem direito a metade de tudo, a outra metade vai para os herdeiros (as)
necessários(as) dele. Agora, caso tenha ele deixado bens particulares, ou seja, outros bens sem ser
os adquiridos por vocês, como herança e etc., você entrará concorrendo na partilha da herança com a
herdeira necessária dele.

Por fim, cabe ressaltar que quanto as doações que serão realizadas, nelas podem constar
cláusulas, que tem a finalidade legal de proteger os bens, os beneficiários e resguardar a vontade real
do doador(a).

Como exemplo de cláusulas a serem usadas temos: 1) Cláusula de reversão: com esta
cláusula, caso ocorra o falecimento do donatário(a), o bem doado, volta ao patrimônio do doador, não
se convertendo a herança do falecido; 2) cláusula de incomunicabilidade: nesta
independentemente do regime de casamento, aquele bem doado, não se comunicar com os bens do
cônjuge presente ou futuro; 3) cláusula de inalienabilidade: proíbe que o donatário(a), venda o
bem doado; 3.1) inalienabilidade relativa: fica permitida a venda, somente a determinadas
pessoas ou então restrita a determinadas pessoas; 3.2) inalienabilidade vitalícia: fica
condicionada a toda a vida do donatário(a), se extinguindo com seu falecimento; 3.3)
inalienabilidade temporária: quando a proibição de venda fica fixada por um tempo certo e
determinado, ou seja: 10 anos, até atingir 30 anos ou até se casar etc.; 4) cláusula de
impenhorabilidade: com ela o bem imóvel não pode ser alcançado ou satisfeito qualquer dívida,
não podendo ser objeto de penhora de dívidas contraídas pelo donatário(a), dentre outras que podem
ser ajustadas.

Por tanto, é possível a realização da transmissão dos bens particulares e comuns, com a
inclusão de cláusulas em escrituras a instituição de usufruto, para melhor resguardar os bens e as
donatárias.

V - DA CONCLUSÃO.

Diante do exposto, concluímos que:

A) os bens que se enquadrarem na relação de bens particulares, da NOME COMPLETO,


poderão ser doados a suas filhas, sem qualquer tipo de impedimento, respeitando a efetiva
compensação ao companheiro de eventual benfeitoria realizado nestes mesmos imóveis.
B) os bens que forem em comum do casal, poderão ser partilhados em três partes iguais
as filhas, haja vista que a porcentagem que o companheiro estará dispondo as filhas da consulente,
está enquadrada na sua parte limite disponível.

C) os bens que ficarem em usufruto da consulente, sendo de titularidade de suas filhas,


não se comunicarão com o seu companheiro, no caso de sua falta na hora da partilha de bens.

Por fim, lembra-se que para a realização destes atos, a consulente, irá dispor de um
montante financeiro bastante significativo devido as doações, escrituras, instituição de condomínio,
usufruto, inventário e demais emolumentos e taxas.

Sem mais para o momento, encerro o presente parecer.

Aproveitamos, para deixar nossos mais altos votos de estima e consideração.

Cordialmente,

NOME COMPLETO
ADVOGADO
OAB/UF 00.000

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