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Liga Acadêmica de Direito Sumaúma

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OS SISTEMAS DE PROTEÇÃO AOS DIREITOS HUMANOS

Rebeca Santos Queiroz

Um sistema de proteção aos direitos humanos compõe-se, como qualquer outro, de


instrumentos normativos e de mecanismos de implementação. Em função da diversidade de
culturas, ideologias e formas de organização socioeconômica representadas no seio da ONU,
assim como dos embates políticos da comunidade internacional, e, sobretudo, das alianças e
antagonismos estratégicos do período da Guerra Fria, a construção de cada um dos elementos
desta proteção realizou-se sempre em meio a grandes dificuldades, exigindo flexibilidade e
conciliações.

O marco normativo fundamental é a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de


1948. Em seus 30 artigos, a Declaração fixou, pela primeira vez em nível internacional, os
direitos humanos até então constantes de declarações e outros instrumentos existentes apenas
nas esferas nacionais. Define ela os direitos pessoais, como à vida, à nacionalidade, ao
reconhecimento perante à lei, à proteção contra punições cruéis e degradantes e contra
discriminações

Além disso, define os direitos judiciais, como o acesso a remédios contra violações, a
presunção da inocência, a garantia de processo justo e imparcial, a irretroatividade das leis
penais, a proteção contra detenção, prisão ou exílio arbitrários. Também conta com as
liberdades civis de pensamento, consciência e religião, de opinião e expressão, de movimento
e residência, de reunião e associação pacífica.

Ainda, há os direitos de subsistência, particularmente à alimentação e a um padrão de


vida adequado. Os direitos econômicos, que discorrem sobre o direito ao trabalho, ao repouso
e ao lazer, à segurança social e à propriedade. Os direitos sociais e culturais, especialmente os
direitos à instrução e à participação na vida cultural da comunidade. E, por fim, os direitos
políticos, principalmente os de tomar parte no governo e a eleições legítimas, com sufrágio
universal.
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A rapidez com que se verificou a elaboração da Declaração Universal nas três
primeiras sessões da Comissão dos Direitos Humanos, e sua aprovação pela III Sessão da
Assembléia Geral, em 10 de dezembro de 1948, tende a encobrir as profundas divergências
ideológicas entre os participantes. Estes estavam divididos entre as linhas da Guerra Fria,
com visões conflitantes entre o liberalismo individualista ocidental, o coletivismo
economicista dos socialistas e o coletivismo cultural e religioso asiático.

Na verdade, a rapidez da elaboração deveu-se, essencialmente, ao caráter declaratório,


em princípio não-obrigatório, do documento. Ainda assim foi este aprovado sem consenso,
por votação, com 48 a favor e 8 abstenções (África do Sul, Arábia Saudita, Bielorrússia,
Iugoslávia, Polônia, Tchecoslováquia, Ucrânia e União Soviética).

Em contraste com a rapidez da Declaração, a elaboração e a adoção dos instrumentos


jurídicos que deveriam conferir obrigatoriedade aos direitos por ela consagrados levaram 20
anos. O Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e o Pacto
Internacional de Direitos Civis e Políticos foram adotados pela Assembléia Geral em 10 de
dezembro de 1966. E as 35 ratificações necessárias à entrada em vigor de cada um somente
foram conseguidas dez anos depois, em 1976.

Entre as múltiplas dificuldades observadas na preparação dos Pactos, uma das mais
significativas dizia respeito aos mecanismos de implementação ou controle. A ideia de
constituição de um Comitê dos Direitos Humanos, formado por peritos, como órgão de
monitoramento do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, sofreu ferrenha oposição
dos países socialistas. Sua inclusão no texto somente foi factível em função da ausência dos
delegados da União Soviética e da Ucrânia na sessão de 1950 da Comissão dos Direitos
Humanos.

Quanto ao Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, dado o


caráter progressivo da consecução dos direitos por ele tratados, o acompanhamento de sua
implementação foi atribuído ao ECOSOC. Em ambos os casos o monitoramento ocorre,
essencialmente, através do exame de relatórios periodicamente submetidos pelos
Estados-partes.

Ademais, a Declaração Universal dos Direitos Humanos e os dois Pactos constituem,


em conjunto, o que se convencionou chamar de Carta Internacional dos Direitos Humanos,
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tendo o Brasil ratificado os dois Pactos Internacionais em 1992. Essa breve contextualização
histórica denota o surgimento do então chamado sistema global de proteção aos direitos
humanos, que se estabelece no âmbito da Organização das Nações Unidas. Contudo, além
deste, existem outros três sistemas regionais de proteção: o interamericano, o europeu e o
africano.

Dessa forma, o sistema global visa à difusão da proteção a direitos da pessoa humana
por todo o mundo, independentemente da região habitada ou etnia, no sentido de que cada
Estado signatário deve respeitar os tratados e convenções pactuados, compreendendo, além
da Carta das Nações Unidas, da Declaração Universal dos Direitos Humanos, do Pacto
Internacional de Direitos Civis e Políticos e do Pacto Internacional de Direitos Econômicos,
Sociais e culturais, os seguintes tratados e/ou convenções internacionais:

a) Convenção de Genebra.

b) Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio.

c) Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados.

d) Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial.

e) Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a


Mulher.

f) Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos


ou Degradantes.

g) Convenção sobre os Direitos da Criança.

h) Declaração e Programa de Ação de Viena; Regras Mínimas das Nações Unidas


para o Tratamento de Presos.

i) Protocolo de Prevenção, Supressão e Punição do Tráfico de Pessoas,


especialmente Mulheres e Crianças, complementar à Convenção das Nações Unidas
contra o Crime Organizado Transnacional.

j) Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.

k) Convenção Internacional para a Proteção de Todas as Pessoas contra o


Desaparecimento Forçado.

l) Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores


Migrantes e dos Membros das suas Famílias.

Porém, no campo regional de proteção dos direitos humanos, será certo grupo de
países regionalmente limítrofes. O primeiro deles é o sistema europeu, sendo o sistema
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regional de proteção de Direitos Humanos mais antigo, servindo de base para os sistemas
regionais subsequentes, como o Interamericano. Este surgiu no contexto da 2ª Guerra
Mundial após a criação do Conselho da Europa, em 1949, que tinha como objetivo a
integração política e econômica da Europa, com três diretrizes indispensáveis: Direitos
Humanos, democracia e Estado de Direito.
Com isso, em 1951 há a elaboração da Convenção Europeia de Direitos Humanos e
Liberdades Fundamentais (Convenção EDH), que entrou em vigor em 1953, focando em
liberdades fundamentais, especialmente nos âmbitos civil e político. A Convenção EDH é um
documento de assinatura obrigatória para a entrada no Conselho da Europa e foi o primeiro
documento vinculante em matéria de Direitos Humanos na Europa.
Por conseguinte, se estabeleceu o sistema americano ou interamericano de proteção
aos direitos humanos, que estruturou-se a partir da Carta da Organização dos Estados
Americanos (OEA) e com a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem de
1948. Contemporaneamente, a Convenção Americana de Direitos Humanos ou Pacto de São
José da Costa Rica, incorporada ao direito positivo brasileiro por meio do Decreto nº 678,
apresenta-se como principal ordenamento normativo protetivo a esses direitos.
O Pacto Internacional é composto de direitos civis, políticos, econômicos, sociais e
culturais. Os últimos direitos, de segunda geração, constam da Carta da Organização dos
Estados Americanos, devendo os Estados parte, de acordo com o artigo 26,
comprometerem-se a:
[...] adotar providências, tanto no âmbito interno como mediante cooperação
internacional, especialmente econômica e técnica, a fim de conseguir
progressivamente a plena efetividade dos direitos que decorrem das normas
econômicas, sociais e sobre educação, ciência e cultura, constantes da Carta da
Organização dos Estados Americanos, reformada pelo Protocolo de Buenos Aires,
na medida dos recursos disponíveis, por via legislativa ou por outros meios
apropriados.

Desse modo, incumbe à Comissão Interamericana e à Corte Interamericana a proteção


aos direitos humanos no território interamericano. Por fim, o sistema africano, que é o mais
recente dos sistemas regionais em vigor, atuando sob a égide da União Africana (UA), que
busca o desenvolvimento socioeconômico dos Estados membros, o fortalecimento de suas
soberanias e a proteção de sua integridade territorial.
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O seu principal documento é a Carta Africana de Direitos Humanos e dos Povos
(Carta de Banjul), aprovada pela Assembleia da então Organização da Unidade Africana
(OUA) em 1981 e em vigor desde 1986. A Carta trabalha com a ideia da indivisibilidade dos
direitos, tratando em igual medida os direitos econômicos, sociais e ambientais dos direitos
civis e políticos que abrangem os Direitos Humanos.
Vale ressaltar que uma das questões centrais da Carta de Banjul é a luta contra o
colonialismo e o racismo, fazendo referências diretas ao direito à independência. Aliás, a UA
substituiu a OUA apenas no ano de 2001, após uma reformulação da organização, que
resultou na criação da Comissão Africana dos Direitos do Homem e do Povo, no mesmo ano.
Assim, podemos concluir que a aplicabilidade dos Direitos Humanos após o
estabelecimento do Sistema Global de Proteção de Direitos Humanos ganhou novos meios,
principalmente com a elaboração e assinatura dos tratados e convenções internacionais sobre
o tema por parte dos países. Porém, os mecanismos previstos em âmbito global não seriam
suficientes para conseguir lidar com todas as nações do mundo ao mesmo tempo.
Dessa necessidade, se configuram os Sistemas Regionais de Proteção de Direitos
Humanos, atuando sob a tutela do sistema ONU e servindo como um amparo jurídico mais
próximo da realidade dos países que fazem parte de determinada região. Com isso, a garantia
de direitos fundamentais como o direito à vida e à liberdade são fortalecidas, exigindo cada
vez mais que os Estados consigam implementar os seus preceitos internamente para a sua
população.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Os sistemas regionais de proteção dos direitos


humanos: uma análise comparativa dos sistemas interamericano, europeu e africano.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011 (Coleção Direito e ciências afins, v. 9).

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