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GUIA PRÁTICO

SOBRE INVENTÁRIO
POR ESCRITURA
PÚBLICA
Por Rubem Valente
O que é um inventário?
O inventário é o meio pelo qual se promove, em regra, a efetiva
transferência da herança aos respectivos herdeiros, embora, no
plano jurídico, a transmissão do acervo de bens hereditários se
opere, automaticamente, por força de lei (art. 1.784 do CCB) no exato
instante do falecimento do de cujus, aquele de quem a sucessão se
trata. Nesse sentido, diz-se que a abertura da sucessão ocorre com
morte da pessoa natural (autor da herança).
É importante mencionar que o momento de abertura da sucessão
enseja várias consequências práticas como a definição da lei
aplicável à sucessão ou mesmo com relação a legitimidade dos her-
deiros para promoverem ações possessórias ou reivindicatórias
ainda na fase de inventário ou antes de sua abertura.

O que é herança?
A herança é o conjunto relações jurídicas de caráter patrimonial, uma universalidade jurídica forma-
da com o falecimento do de cujus. A herança é representada judicialmente e extrajudicialmente pelo
espólio, que constitui um ente despersonalizado. Portanto, não se trata de uma pessoa jurídica.
Nesse aspecto, o estatuto processual civil, por exemplo, reconhece a legitimidade ativa ao espólio,
devidamente representado pelo inventariante (art. 75, inc. VII, do CPC/2015). Importante mencionar
que o direito à herança constitui bem imóvel por determinação legal, conforme art. 80, inc. II, do CCB,
mesmo se a herança for composta apenas por bens móveis, como dinheiro e veículos.

Quais são as modalidades de inventário


possíveis no direito brasileiro?
São quatro as modalidades de inventário previstas no ordenamento jurídico brasileiro. Três judiciais e o
inventário por escritura pública (extrajudicial):
i- Inventário judicial (pelo procedimento tradicional), arts. 610 a 658 do CPC/2015;
ii-Inventário judicial pelo rito do arrolamento sumário (art. 659 do CPC/2015), cabível na hipótese de
todos os interessados serem maiores e capazes, envolvendo bens de quaisquer valores;
iii –Inventário judicial pelo rito do arrolamento comum (art. 664 do CPC/2015), sendo cabível, apenas,
quando os bens do espólio forem de até determinado valor - mil (1000) salários mínimos;
iv- Inventário extrajudicial (art. 610, § 1º e 2º do CPC/15), quando os interessados forem capazes e
concordes quanto a partilha. Em linha de princípio, a lei processual veda o inventário extrajudicial
quando há testamento, contudo, essa exigência tem sido flexibilizada em algumas situações especiais.
Quando é possível fazer um
inventário por escritura pública?
Sobre o tema, os §§ 1o e 2o do art. 610 da lei processual dispõem:

“Art. 610. Havendo testamento ou interessado incapaz, proceder-se-á ao inventário judicial. § 1o Se


todos forem capazes e concordes, o inventário e a partilha poderão ser feitos por escritura pública, a
qual constituirá documento hábil para qualquer ato de registro, bem como para levantamento de
importância depositada em instituições financeiras. § 2o O tabelião somente lavrará a escritura pública
se todas as partes interessadas estiverem assistidas por advogado ou por defensor público comum, cuja
qualificação e assinatura constarão do ato notarial”.

Nesse sentido, o inventário extrajudicial pode ser elaborado (por escritura pública) quando os herdeiros
forem maiores, capazes e estiverem de acordo quanto à divisão patrimonial. Importante saber que o
inventário e a partilha extrajudiciais não infringem o direito de ação, pois seu uso não é obrigatório, mas
faculdade conferida aos herdeiros do de cujus, que podem preferir não instaurar o processo de
inventário no seu modo tradicional, realizando a divisão do patrimônio do autor da herança em cartório,
através de escritura pública, sem as angústias que cercam a tramitação dos processos de inventário,
especialmente com relação ao tempo de duração.

Importante mencionar, ainda, que a escritura pública de partilha, como documento público, é título
hábil para garantir a transferência patrimonial em favor do herdeiro beneficiado pela divisão, devendo
ser registrada junto ao Cartório de Imóveis competente (quando a divisão recair em bem imóvel), ao
DETRAN – DEPARTAMENTO DE TRÂNSITO (quando a divisão recair em automóvel) etc., possibilitando
registro e transferência definitiva, após a satisfação das obrigações fiscais. Em conformidade com a
Resolução 35 do CNJ, aponta-se que as escrituras públicas de inventário, como anunciado, não depen-
dem de homologação judicial e são títulos hábeis para o registro civil e o registro imobiliário, para a
transferência de bens e direitos, bem como para a promoção de todos os atos necessários à materiali-
zação das transferências de bens e levantamento de valores (art. 3.º da Resolução 35 do CNJ).

Sobre a questão de ser possível a realização de inventário extrajudicial mesmo havendo testamento, o
enunciado 600 do CJF, na mesma linha, do Enunciado n. 16 do IBDFAM, aponta que: “mesmo quando
houver testamento, sendo todos os interessados capazes e concordes com os seus termos, não havendo
conflito de interesses, é possível que se faça o inventário extrajudicial”. Nessa linha de intelecção, em
2019, o STJ fixou orientação no sentido de admitir a realização de inventário extrajudicial, mesmo haven-
do testamento, desde que a sua abertura seja feita anteriormente, quando o testamento já tiver sido ho-
mologado no âmbito judicial (STJ, Recurso Especial n. 1.808.767/RJ, Relator Ministro Luis Felipe Salomão,
julgado em 15 de agosto de 2019).

Também será permitido o inventário extrajudicial, importante dizer, quando o testamento for caduco ou
declarado inválido por sentença transitada em julgado.

Por fim, destaque-se, ainda, que a escritura é título executivo extrajudicial, possibilitando execução
forçada, sobretudo quando um dos herdeiros não observar os termos da divisão, permanecendo na
posse de bem atribuído a outrem. Os herdeiros devem recolher todos os tributos incidentes na operação,
com destaque para o imposto de transmissão causa mortis, obtendo guia expedida pela Secretaria da
Fazenda do Estado, como condição para a formalização da partilha extrajudicial.

Existem outras situações, além daquelas


concernentes ao inventário extrajudicial, em
que o inventário judicial não é obrigatório?
O procedimento judicial não é instaurado: i)quando o herdeiro ou beneficiário apenas solicitar o levantamento de
saldos das contas de FGTS e de PIS-PASEP do autor da herança, com fundamento na Lei no 6.858/80, que autoriza
a realização do saque de forma direta, por parte dos dependentes habilitados perante a Previdência Social (art.
1o), ou, não havendo dependentes, pelos sucessores previstos na lei civil, através de alvará; ii)quando o herdeiro ou
beneficiário pretende apenas efetuar o saque das restituições relativas ao Imposto de Renda e outros tributos
recolhidos por pessoa física (autor da herança), além de saldos bancários e de contas de caderneta de poupança
e fundos de investimento de valor até 500 OTNs, nas mesmas condições indicadas na letra anterior (art. 2o da
mencionada lei).
Quais as
vantagens e desvantagens
do inventário extrajudicial?
Os principais objetivos da Lei 11.441/2007, que introduziu a possibilidade de inventário extrajudicial no ordenamento
jurídico brasileiro, reafirmados pelo CPC/2015, foram as reduções de burocracias e de formalidades para os atos de
transmissão hereditária, bem como a celeridade, na linha da tendência atual de desjudicialização das demandas.
Então, sem dúvida, a vantagem principal de se realizar o inventário extrajudicial é a celeridade. Outra vantagem diz
respeito ao fato de que o inventário por escritura pública não segue as regras de competência. É livre a escolha do ta-
belião para lavrar a escritura de inventário, não havendo competência territorial para tanto (art. 1.º da Resolução 35
do CNJ). Nesse sentido, o art. 8º da Lei nº 8.935/94, que dispõe sobre Serviços Notariais e de Registro, estipula ser livre
a escolha do tabelião de notas, qualquer que seja o domicílio das partes ou o lugar da situação dos bens objeto do
ato ou do negócio. O que, na prática, traz dificuldades para os credores do falecido reunir a documentação necessária
à transmissão da herança. Por outro lado, as partes podem eleger a via judicial pela segurança que apresenta e/ou
pelo desejo da venda de bens ou levantamento de importâncias pendentes no inventário.

Existe prazo para instauração e de


conclusão do processo de inventário?
O art. 611 do CPC/15 disciplina que o processo de inventário e de partilha deve ser instaurado dentro de 2
(dois) meses, a contar da abertura da sucessão, devendo ser concluído nos 12 (doze) meses subsequentes,
podendo o juiz prorrogar esses prazos, de ofício ou a requerimento de parte. O decurso desses prazos, sem
a prática dos atos (instauração e conclusão do processo de inventário), acarreta a incidência de multa,
definida por cada Estado da federação (Súmula 542 do STF), fixada por ocasião do cálculo do imposto de
transmissão causa mortis e dos emolumentos judiciais. Na prática, prazo de 2 meses, não raro, é exíguo
para a lavratura da escritura de inventário por conta da necessidade de apresentação da documentação
exigida e o pagamento do imposto devido. A depender da Unidade da Federação, a apresentação do
plano de partilha perante a Secretaria de Finanças do Estado para expedição das guias para pagamento
do imposto de transmissão deverá prevenir o prazo de abertura.
E se o autor da
herança não deixar bens,
mas deixou débitos?

Pode-se realizar o inventário negativo por escritura pública (art. 28 da Resolução 35 do CNJ). Nesse aspecto,
disciplina o 1.792 do CCB: “O herdeiro não responde por encargos superiores às forças da herança; incumbe-lhe,
porém, a prova do excesso, salvo se houver inventário, que a escuse, demonstrando o valor dos bens herdados”.
Importante lembrar que o patrimônio dos herdeiros não responde pelas dívidas do falecido. Estas deverão ser
pagas pelas forças da herança. Contudo, é necessário que os herdeiros comprovem a inexistência de bens da
herança ou que os mesmos sejam insuficientes para o pagamento das dívidas. Se o inventariado não deixou
qualquer bem a inventariar, mas dívidas, necessário promover-se a abertura do inventário negativo comuni-
cando o óbito ao juiz, declarando a inexistência de bens a inventariar, evitando, assim, que os bens dos her-
deiros respondam pelas dívidas do falecido.

Qual a documentação necessária para a


abertura de um inventário extrajudicial?
Deverão ser apresentados documentos que seguem

i) certidão de óbito do autor da herança;


ii) documento de identidade oficial e CPF das partes e do autor da herança;
iii) certidão comprobatória do vínculo de parentesco dos herdeiros;
iv) certidão de casamento do cônjuge sobrevivente e dos herdeiros casados e pacto antenupcial, se
houver;
v) certidão de propriedade de bens imóveis e direitos a eles relativos;
vi) documentos necessários à comprovação da titularidade dos bens móveis e direitos, se houver;
vii) certidão negativa de tributos;
viii) certificado de Cadastro de Imóvel Rural (CCIR), se houver imóvel rural a ser partilhado (art. 22 da
Resolução 35 do CNJ). Importante saber que os documentos apresentados no ato da lavratura da
escritura devem ser originais ou em cópias autenticadas, salvo os de identidade das partes, que
sempre serão originais (art. 23 da Resolução 35 do CNJ). Na hipótese de haver um só herdeiro, maior
e capaz, com direito à totalidade da herança, não haverá partilha, lavrando-se a escritura de
inventário e adjudicação dos bens (art. 26 da Resolução 35 do CNJ).

Se já houver um inventário judicial em


trâmite, há possibilidade de convolação
de ritos?
Há a possibilidade de convolação de ritos. Uma vez iniciado o inventário pelo rito de arrolamento ou ordinário,
desde que não tenha havido recolhimento do imposto, poderá ser convolado e feito por escritura pública. No rito
de arrolamento, por outro lado, se tiverem sido apresentadas as declarações de bens e herdeiros com a partilha e
respectivas certidões fiscais, não existe razão para a convolação. Já no rito ordinário, o entendimento dominante é
que não poderá haver convolação de ritos, caso tenha sido efetuado o pagamento do imposto. Nesse sentido, as
partes deverão comunicar ao juiz que pretendem fazer o inventário por escritura, requerendo a baixa na dis-
tribuição do inventário judicial. Vale lembrar que o inventário extrajudicial não é obrigatório, mas facultativo.
Nesse aspecto, cabe registrar, ainda, que pode ser requerida, a qualquer momento, a suspensão, pelo prazo de
trinta dias, ou a desistência da via judicial, para promoção da via extrajudicial (art. 2.º da Resolução 35 do CNJ).
MODELO DE PEÇA
PRÁTICO-PROFISSIONAL:

MODELO DE ESCRITURA DE INVENTÁRIO ESCRITURA PÚBLICA DE INVENTÁRIO E PARTILHA, na forma


abaixo: Saibam quantos esta virem, que aos XX (XXXXXXX) dias do mês de XXXXXXX do ano XXX, nesta
Cidade de XXX, Estado do Rio de XXX, República Federativa do Brasil, perante mim ____________, Tabelião,
compareceram, XXX, brasileira, viúva, do lar, inscrita no CPF ..................., residente e domiciliada nesta cidade à
XXX e XXX, casada com XXX, do lar, portadora da carteira de identidade nº ............, expedida pelo IFP, inscrita
no CPF sob o nº ..........................., respectivamente, na qualidade de viúva meeira e única herdeira dos bens deixa-
dos pelo finado XXX, falecido nesta cidade, no dia 27 de maio de 2005. Todos os presentes são maiores e ca-
pazes, reconhecidos e identificados como os próprios por mim, pelos documentos ora exibidos, estando
assistidos pelo Dr.___________, brasileiro, casado, advogado, inscrito na OAB/XX sob nº XXX, com escritório na
Av. XXX, e que ficam arquivados neste Serviço Notarial, do que dou fé; bem como da presente será enviada
nota ao competente distribuidor, dentro do prazo da Lei. E pelos outorgantes me foi dito que desejavam, de
conformidade com o disposto no artigo 610, do Código de Processo Civil, fazer o inventário e partilha do bem
abaixo descrito deixado pelo finado XXX, pelos que fazem as seguintes declarações: 1 – Autor da herança: xxx,
brasileiro, inscrito no CPF sob o nº ................., portador da carteira de identidade expedida sob o nº..................,
falecido nesta cidade XXX, no dia XXX, onde era residente e domiciliado, no estado civil de casado pelo
regime da comunhão universal de bens, sem deixar testamento, deixando viúva meeira, herdeiros e bens.
2 – Viúva meeira – XXX, brasileira, viúva, do lar, inscrita no CPF ......................, residente e domiciliada nesta cidade
no endereço acima mencionado, que foi casada com o autor da herança pelo regime de comunhão universal
de bens. Filha única – XXX, casada pelo regime da comunhão universal de bens com XXX, acima qualificada.
Da inexistência de testamento ou herdeiros menores: Declara a viúva meeira que o autor da herança não
deixou testamento ou herdeiros menores e incapazes. Bem imóvel – o imóvel objeto da presente escritura é:
1/5 (um quinto) da casa assobradada construída no lote de terreno nº 65 (sessenta e cinco) XXX, na cidade de
XXXX, Estado XXX, cujas metragens, confrontações e forma de aquisição são as constantes da matrícula nº
12.331 constante na certidão do Cartório do 1º Ofício da comarca de XXX, ora apresentada, que fica integran-
do a presente, ao qual se atribui o valor de R$ 1.000,00. Partilha amigável – Monte inventariado – R$ 1.000,00
– Meação da viúva – R$ 500,00 – Meação do inventariado que constitui a herança da herdeira – R$ 500,00 –
Pagamento que se faz à herdeira XXXX, casada pelo regime da comunhão universal de bens com XXX, de sua
legítima no valor de R$ 500,00 – HAVERÁ: a) 1/10 (um décimo) da casa assobradada construída no lote de
terreno nº 65 (sessenta e cinco) da rua XXX, na cidade XXX no valor de R$ 500,00. Total: R$ 500,00. Pagamen-
to que se faz à viúva meeira XXX, brasileira, viúva, do lar, de sua meação no valor de R$ 500,00. HAVERÁ: a)
1/10 (um décimo) da casa assobradada construída no lote de terreno nº 65 (sessenta e cinco) da rua XXX, na
cidade de Corumbá, Estado XXX no valor de R$ 500,00. Total: R$ 500,00. E por esta forma, têm por concluída
a presente escritura de inventário e partilha amigável. Declaração da inexistência de outros bens: Declaram
os outorgantes não existir outros bens de seu conhecimento, a inventariar. As certidões negativas do falecido
foram apresentadas. E, de como assim o disse, me pediu e lhe lavrei a presente que feita e achada conforme,
outorgam, aceitam e assinam

Bibliografia Recomendada.
DIAS, Maria Berenice. Manual das Sucessões. Salvador: Ed. Juspodivm.
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil,
Vol. 7, São Paulo: Ed. Saraiva
HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes; PEREIRA, Rodrigo da Cunha (coord.). Di-
reito das Sucessões e o novo Código Civil, Belo Horizonte: Del Rey/IBDFAM.
OLIVEIRA, Euclides de; AMORIM, Sebastião. Inventário e Partilhas: Teoria e Prática. São
Paulo: Ed. Saraiva.
ROSENVALD, Nelson; FARIAS, Cristiano Chaves de. Curso de Direito Civil. Vol. 7.
Sucessões, Salvador: Ed. Juspodivm.
TARTUCE, Flávio. Direito Civil: Direito das Sucessões. Vol.6, São Paulo: Ed. Forense.
WALD, Arnoldo. Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito das Sucessões, São Paulo:
Ed. Saraiva.

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