Você está na página 1de 7

3/17/22, 11:03 AM jurisprudência.

pt - Pesquisa de jurisprudência Portuguesa

jurisprudência.pt

Tribunal da
Relação de Lisboa
Processo

0056172
Relator

SILVA PEREIRA
Sessão

01 Julho 1993
Votação

UNANIMIDADE
Meio Processual

APELAÇÃO.
Decisão

REVOGADA A
SENTENÇA.
ORDENADO O
PROSSEGUIMENTO DO
PROCESSO.

Ver versão dgsi.pt

Obter PDF

INVENTÁRIO MACAU PARTILHA

LEI APLICÁVEL

Sumário
À partilha da herança, no relativo a bens imóveis
sitos em Macau, aberta por óbito de cidadão chinês
residente em Macau é aplicável a Lei portuguesa,
como Lex domicilii por devolução da lei chinesa
para a qual remetera a norma de conflitos
Portuguesa.

https://jurisprudencia.pt/acordao/100905/ 1/7
3/17/22, 11:03 AM jurisprudência.pt - Pesquisa de jurisprudência Portuguesa

Texto Integral
I - (L), viúva, de nacionalidade chinesa e residente
na Rua (K), em Macau requereu no Tribunal Judicial
da Comarca de Macau o presente inventário
obrigatório, que veio a ser distribuído ao 2 Juízo,
para partilha dos bens deixados pelo seu falecido
marido, ele também de nacionalidade chinesa.

O inventário foi instaurado como obrigatório por


ser interessado na partilha o filho do casal, (N), ao
tempo, menor.

A requerente foi nomeada cabeça de casal e o


processo prosseguiu, vindo a ser relacionadas e
descritas, sob o activo, três verbas
correspondentes a bens imóveis, e, sob o passivo,
duas dívidas em dinheiro.

Na devida oportunidade, procedeu-se à


conferência de interessados, que deliberou:
aprovar o passivo descrito, pelo seu valor;
adjudicar, em comum e partes iguais, à cabeça de
casal e a (N), as verbas do activo, pelo seu valor; e
cometer à cabeça de casal a responsabilidade pelo
pagamento do passivo.

Em cumprimento do disposto no artigo 1373 do


Código de Processo Civil, a cabeça de casal, a fls.
65, e o Digno Magistrado do Ministério Público, a
fls. 66 a 67, deram a forma à partilha, aquela
segundo a lei chinesa e este nos termos da lei
sucessória portuguesa.

Foi depois de proferido despacho que mandou


proceder à partilha pela forma apontada pela
cabeça de casal.

Elaborado o mapa da partilha, proferiu-se


sentença que homolegou a partilha constante do
respectivo mapa e condenou a cabeça de casal no
pagamento do passivo aprovado.

Da sentença apelou o Ministério Público, que, na


sua douta alegação, forlula as seguintes
conclusões:

1- Até 1930, data do ínicio da vigência do Código


Civil na Républica Popular da China, as relações de
família e sucessórias regiam-se pelo código de
usos e costumes chineses de 17/06/1909;

2- Na tentativa de acompanhar as alterações


https://jurisprudencia.pt/acordao/100905/ 2/7
3/17/22, 11:03 AM jurisprudência.pt - Pesquisa de jurisprudência Portuguesa

derivadas do Código Civil Chinês de 1930 o


legislador português pôs em vigor o Decreto n.
36987, de 24/07/1948, que, manifestamente, fazia
aplicar a lei portuguesa aos "chinas" naturais de
Macau e que tivessem o seu nascimento inscrito no
registo civil (Decreto régio de 3/11/1905);

3- Quanto aos restantes, pelos artigos 1 e 2 daquele


Decreto n. 36987, embora naturais de Macau,
portugueses de nacionalidade (por força do art. 18
n. 1 e 2 do Código Civil de 1867), mas cujo
nascimento naõ se encontrava inscrito no registo
civil, aplicava-se o Código Civil Chinês de 1930;

4- O Código Civil Português de 1966 estabelece um


regime jurídico de direito de conflitos, que
consagra o princípio da aplicação da lei pessoal à
generalidade das relações de família e sucessões
(artigos 49 e seg.) sendo, a lei pessoal, nos termos
deste Código, a da respectiva nacionalidade (art. 31
n. 1);

5- Este regime não revogou o art. 2 do Decreto n.


36987, porque o n. 3 da Portaria n. 22689, de
4/09/1967, que tornou extensivo ao Ultramar o
Código Civil de 1966, ressalvou a legislação
privativa de natureza civil vigente em cada
Província Ultramarina;

6- Na verdade, quer se considere a secção das


"normas de conflitos" do Código Civil de 1966 como
de direito internacional privado ou de outra
natureza, sempre ficaria ressalvado o regime do
Decreto n. 36987: é que a não ser direito civil, não
seria abrangido pela revogação da alínea 1) do n. 3
da Portaria n. 22689, mas se o for, sempre
beneficiaria da da ressalva da sua alínea 2);

7- Assim, sustentar-se-ia que o Código Civil Chinês


de 1930 era aplicável, mesmo após a entrada em
vigor do Código Civil Português de 1966, aos
chineses naturais de Macau sem nascimento
inscrito no registo civil, isto por força do disposto
no artigo 2 do Decreto n. 36987;

8- No entanto, agora a lei civil chinesa é


constituída pela Lei das Sucessões, aprovada em
10/04/1985 no 6 Congresso Nacional Popular, e
pelos Princípios Gerais do Código Civil, aprovados
em 12/04/1986 no mesmo Congresso;

https://jurisprudencia.pt/acordao/100905/ 3/7
3/17/22, 11:03 AM jurisprudência.pt - Pesquisa de jurisprudência Portuguesa

9- Nos termos do artigo 36 dessa Lei de Sucessões


e do artigo 149 dos Princípios Gerais do Código
Civil, à sucessão legal da propiedade móvel aplica-
se a lei do domicílio, ao passo que à da propriedade
imóvel se aplica a lei da sua localização;

10- Deste modo, dá-se o reenvio para a Lei


portuguesa (de Macau), aliás, admitido pelo artigo
18 do Código Civil, quanto à propriedade móvel ou
imóvel situada em Macau ou em Portugal;

11- E, mantendo-se em vigor o Decreto n. 36987,


será aplicável aos óbitos chineses (etnicamente),
naturais ou não de Macau, que não tenham a
nacionalidade potuguesa, a Lei de Sucessões e os
Príncipios Gerais do Código Civil aprovados no 6
Congresso Nacional Popular;

12- Consequentemente, por força do mencionado


reenvio, aplica-se a lei sucessória portuguesa
constante do Código Civil de 1966, na redacção que
lhe foi dado pelo Decreto-Lei n. 496/77, de 25 de
Novembro;

13- A decisão recorrida violou o artigo 1 do Decreto


de 3/11/1905, artigo 2 do Decreto n. 36987, de
24/07/1948, os artigos 18 e 31 do Código Civil de
1966 e ainda os Princípios Gerais do Código Civil
adoptados no 6 Congresso Nacional Popular, razão
por que deve ser revogada e ordenar-se que a
partilha se efectue de acordo com a lei sucessória
Portuguesa.

Não houve Contra-alegação.

Estando o processo já pendente nesta Relação, o


interessado (N) perfez 18 anos de idade, adquirindo,
assim, a plena capacidade de exercício dos seus
direitos, quer face à lei portuguesa, quer face à lei
chinesa.

E, resultando dos autos a nacionalidade chinesa do


(N), sendo aplicável, no caso, a lei chinesa, por ser
a lei pessoal, julgou-se findo o presente inventário,
visto ter cessado a razão que determinava a sua
obrigatoriedade.

Notificados os interessado dessa decisão, veio a


cabeça de casal requerer a continuação do
processo como inventário facultativo, o que foi
deferido ao abrigo do artigo n. 4 do Código de
Processo Civil.

https://jurisprudencia.pt/acordao/100905/ 4/7
3/17/22, 11:03 AM jurisprudência.pt - Pesquisa de jurisprudência Portuguesa

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e


decidir.

Como flui do exposto a questão a solucionar a de


saber se à partilha em causa é aplicável a lei
sucessória portuguesa ou a lei sucessória chinesa.

II - Tem-se por provada a seguinte matéria de


facto:

1- O inventariado (U) era de Nacionalidade chinesa;

2- (U), que residia em Macau, faleceu em Son Tak


na Repúplica Popular da China, em 23/09/1990,
onde regressara para tratamento que se revelou
ineficaz;

3- (U) não deixou testamento ou qualquer outra


disposição de última vontade;

4- Por casamento celebrado em 30/08/68, o de


cujus era casado com a cabeça de casal, (L), em
primeiras e únicas núpcias de ambos, segundo os
usos e costumes chineses e sem convenção
antenupcial;

5- Desse casamento existe um único filho, (N),


nascido em 12/10/74;

6- O activo da herança é constituído por duas


fracções autónomas (verbas n. 1 e n. 2 da descrição
de bens) e pela metade indivisa de uma fracção
autónoma (verba 3 da mesma descrição),
localizadas em prédios sitos em Macau;

7- O passivo é constituído por uma dívida em


dinheiro ao Banco da China, garantida por hipoteca
que onera as aludidas verbas n. 1 e n. 2, e por uma
dívida, também em dinheiro, ao Banco Tai Fung,
garantida por hipoteca sobre a verba n. 3 do activo.

III - Dispõe o artigo 2 do Decreto n. 36987, de


24/07/1948, que os indivíduos de nacionalidade
chinesa ficam sujeitos às leis civis chinesas em
tudo o que se refere a direitos de família e
sucessórios.

Esta disposição mantem-se em vigor nos termos


da Portaria n. 22689, de 4/09/1967, que, ao tornar
extensivo ao Ultramar o Código Civil de 1966,
ressalvou a legislação privativa de natureza civil
vigente em cada Província Ultramarina.

Por isso, e dada a cidadania do (U), a norma de


conflitos a ter em atenção é a do art. 2 do Decreto
n. 36987.

https://jurisprudencia.pt/acordao/100905/ 5/7
3/17/22, 11:03 AM jurisprudência.pt - Pesquisa de jurisprudência Portuguesa

Daqui decorre que, no caso, a lei aplicável à


sucessão é a lei chinesa.

À mesma solução nos levariam os artigos 25, 62 e


31 n. 1 do Código Civil de 1966, mas, atenta a
natureza de direito especial do Decreto n. 36987,
aqui só há que aplicar o art. 2 deste Decreto.

A lei chinesa aplicável é constituída pela Lei das


Sucessões, aprovada no 6 Congresso Nacional
Popular, promulgada em 10/04/1985, e em vigor a
partir de 1/10/1985, e pelos Princípios Gerais de
Direito Civil, aprovados pelo mesmo Congresso,
promulgados em 12/04/1986, e em vigor a partir de
1/01/1987.

O art. 36 da referida Lei de Sucessões dispõe que,


para fins de herança de cidadão chinês fora da
República Popular da China, tratando-se de bens
móveis, será aplicada a lei do último domicílio do
autor da herança

(em inglês, "decendent", o que significa "falecido" e


não "descendente", como erradamente consta da
tradução junta), e tornando-se de bens imóveis,
será aplicável a lei do lugar da situação desses
bens.

Quer dizer, a norma de conflitos chinesa, consagra


um sistema de fraccionamento da herança para
efeitos de determinação da lei aplicável à sucessão
por morte (em oposição à unidade da sucessão,
como ensina o Prof. J. Baptista, in "Lições de
Direito Internacional Privado",

4 Edição, 433), porque a sucessão de bens móveis


é regulada pela lei do lugar da situação desses
bens.

Por outro lado, estabelece o art. 149 dos Princípios


Gerais de Direito Civil que, no caso de sucessão
legal de património, os bens móveis ficam sujeitos
à lei do último lugar de residência do autor da
herança (assinala-se aqui o mesmo erro de
tradução acima assinalado), ao passo que os bens
são sujeitos à lex rei sitae.

Assim, também no domínio do estatuto sucessório,


a lei chinesa prevê a aplicação de leis diferentes,
consoante os bens em causa sejam móveis ou
imóveis.

No caso em apreço, recorde-se, o de cujus era


https://jurisprudencia.pt/acordao/100905/ 6/7
3/17/22, 11:03 AM jurisprudência.pt - Pesquisa de jurisprudência Portuguesa

cidadão chinês, residia em Macau e os bens a


partilhar são imóveis situados em Macau.

Por aplicação do normativo indicado tem de


concluir-se que a lei chinesa, para a qual a lei
portuguesa remetera a competência para regular a
sucessão de (U), reenviou para a lei portuguesa
essa competência reenvio esse que é aceite na
nossa ordem jurídica por força do art. 18 do Código
Civil.

Com efeito , embora a norma de conflitos


portuguesa mande aplicar às sucessões a lei
chinesa, esta devolve por forma directa a
competência para a lei portuguesa.

E, sendo a lei chinesa a lei pessoal, este reenvio é


por alei portuguesa ser lex domicilii.

Portanto, e resumindo, a herança do falecido (U)


deve ser partilhada segundo a lei sucessória
portuguesa, afinal pela forma apontada
oportunamente pelo Ministério Público.

Procedem, pois, as conclusões do Digno


Magistrado recorrente.

IV - Pelas razões expostas, revoga-se a sentença


apelada, o que acarreta a revogação do despacho
determinativo da forma da partilha de que aquela é
consequência, bem como a anulação do processo
subsequente a esse despacho, e ordena-se que a
partilha se efectue conforme o douto apontamento
do Ministério Público a fls. 66 e 67.

Custas pelos interessados, na proporção do que


haverão de receber, nos termos do art. 446 n. 1,
primeira parte, e 1383 n. 2, ambos do Código de
Processo Civil.

Lisboa, 1/07/1993.

https://jurisprudencia.pt/acordao/100905/ 7/7

Você também pode gostar