Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
1
Por exemplo, servindo como obstáculo ao crescimento da indústria nacional, ao aumento de seu grau de
competitividade ou à distribuição dos bens e serviços.
Juridicamente, a regra da razão faz com que não haja a composição do suporte
fático necessário para a incidência da norma que determinaria a ilicitude do ato. O suporte
fático não se completa sem o elemento de a prática restringir a concorrência de forma não
razoável. Não há incidência da norma, tampouco qualquer consequência. O resultado é a
licitude da prática.
A regra da razão não se identifica com a abordagem caso a caso das práticas
analisadas. O case by case approach é outra válvula de escape, segundo a qual cada caso
deve ser analisado individualmente, considerando-se suas particularidades, o contexto
econômico e os efeitos anticompetitivos produzidos no mercado relevante.
Nos EUA, vários setores da economia são imunes às regras antitruste por força de
isenções legais2 (legal exemptions). Igualmente, alguns atos ou atividades também são
isentados do antitruste. A isenção é utilizada para “afastar ou arrefecer o moto
concorrencial, possibilitando o funcionamento do setor de acordo com sua lógica
particular, não baseada exclusivamente no resguardo da competição”3. Elas são
permitidas em prol do interesse público. A isenção pode ser estatuída expressamente pelo
Congresso americano ou a sua existência pode decorrer da interpretação sistemática do
texto normativo.
2
As razões para uma isenção legal são variadas: lobby sobre o Congresso, monopólios naturais, tutela dos
consumidores, salvaguarda de um setor da economia etc.
3
Por exemplo, em alguns setores, é inadequado se permitir que haja excessiva diminuição de custos
promovida pela concorrência, porque aspectos socialmente relevantes, como a segurança para o adquirente
ou a qualidade dos produtos, podem ser desprezados.
4
O TFUE prevê a possibilidade de isenção desde que a restrição concorrencial acarrete a melhoria da
produção ou distribuição de bens, ou ainda o progresso técnico ou econômico.
O método das isenções parte de duas normas distintas: (a) uma, geral, que veda as
práticas restritivas da concorrência; e (b) outra, específica, que autoriza a prática quando
for concedida isenção. No caso da UE, o art. 101 (1 e 2) do TFUE prevê a nulidade de
todos os acordos que restrinjam a concorrência no mercado europeu. Já o art. 101 (3)
permite que sejam isentadas práticas que contribuam para melhorar a produção ou
distribuição dos produtos ou para promover o progresso técnico ou econômico.
Além disso, há, no sistema europeu, regulamentos que isentam em bloco algumas
categorias de acordos, cujas características mostram haver benefícios ao mercado
superiores aos prejuízos provocados à concorrência. Isso permite ao agente adequar a
prática à moldura determinada pela UE, para que faça jus à isenção automaticamente.
Outra possibilidade prevista no Regulamento 01/2003 da UE diz respeito à Comissão
determinar que o art. 101 do TFUE é inaplicável a um determinado acordo, seja por não
haver restrição à concorrência, seja por estarem presentes as condições de isenção. Por
fim, há a possibilidade de que determinados setores da economia sejam excluídos das
normas antitruste. São os setores especiais (special sectors), como carvão, aço, energia
nuclear e o setor militar.
5
Por exemplo, se um agente produz tintas do tipo X e outras produtoras de tintas do tipo Y puderem
rapidamente iniciarem a produção de tintas do tipo X, pode ser que todas essas empresas ocupem o mesmo
mercado relevante material.
6
Inúmeros elementos se incluem nessa análise, como existência de know-how, pessoal e equipamentos para
iniciar a produção, custos afundados (sunk costs) da saída do mercado em eventual caso de insucesso,
barreiras à entrada, possibilidade de se atingir os adquirentes etc.
implementar a política econômica. Igualmente, os efeitos contrários à concorrência de
determinada prática ou operação podem ser maiores ou menores conforme a delimitação
do mercado relevante.
7
Essa falácia é originária do caso Du Pont, julgado pela Suprema Corte norte-americana em 1956. Para
mais informações, ver páginas 232-233 do livro.
Recentemente, o método norte-americano vem sendo flexibilizado e já se admite
não ser necessário fixar rigidamente as fronteiras do mercado relevante se houver nítido
prejuízo concorrencial.
8
Por exemplo, interesse do mercado, interesse do consumidor, interesse nacional, bem comum, eficiência
alocativa, interesse público etc.
5.4.1 – Lei de tutela da concorrência ou lei de repressão ao abuso do poder
econômico?
9
Lei de repressão ao abuso do poder econômico ou lei de tutela da livre concorrência.
10
§ 4º A lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da
concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros.
Os limites entre as duas disciplinas, na realidade, não são tão nítidos. A mesma
prática pode prejudicar o concorrente e, ao mesmo tempo, a concorrência. É natural que
haja dispositivos que liguem as duas legislações. Por exemplo, a prática de empregar meio
fraudulento para desviar clientela de outro em benefício próprio ou de outrem é vedada
tanto pela Lei Antitruste quanto pela Lei n.º 9.279, de 1996.
A utilização das válvulas de escape acaba por gerar insegurança jurídica, i. e.,
provocar a falta de generalidade e previsibilidade no processo de interpretação e aplicação
das normas antitruste. No caso do antitruste, é impossível estar o intérprete estreitamente
vinculado ao texto normativo. Por isso, é importante a busca por segurança jurídica. Há
doutrinas econômicas que acenam, por vezes, para um porto seguro. Fórmulas
matemáticas fixas e previsíveis poderiam ser utilizadas pelos intérpretes, de forma a gerar
a ilusão de segurança e de previsibilidade. Mas tais fórmulas são insuficientes para
acomodar a realidade disciplinada pelo antitruste.
Hoje, o entendimento do ordenamento jurídico como sistema de regras e
princípios parece ser solução para o problema da insegurança jurídica. Princípios gerais
de direito, na terminologia proposta por Eros Roberto Grau, são proposições descritivas,
por meio das quais os juristas referem o conteúdo e as grandes tendências do direito
positivo de maneira sintética. Os princípios jurídicos embasam as regras e são
hierarquicamente superiores a elas. Dworkin afirma que, quando os tribunais norte-
americanos criaram a regra da razão, permitiram que o art. 1º do Sherman Act
funcionasse, ao mesmo tempo, como regra e como princípio.
Forgioni afirma que o método interpretativo baseado em princípios não trará
segurança jurídica no nível que fosse desejado pelos agentes econômicos e pelos
operadores do direito. Nada disso tem a ver com arbitrariedade, mas com o fato de o
sistema jurídico admitir múltiplas soluções para um mesmo caso. As normas antitruste
são um sistema de princípios e, se os abandonarmos, estaremos num campo de pura
arbitrariedade. É necessário, para utilizá-los, que eles sejam identificados. Para haver um
grau de segurança e previsibilidade, portanto, é necessário que seja definida a política da
concorrência pelas autoridades competentes.