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Capítulo V – As Válvulas de Escape

Nas legislações antitruste, há instrumentos que se destinam a evitar que a tutela


da concorrência desempenhe função oposta àquela desejada1. O texto normativo deve ser
adequado à realidade mutável em que ele se insere, principalmente quando se considera
o antitruste como instrumento de implementação de políticas públicas. A esses meios
técnicos que permitem à realidade permear o processo de interpretação/aplicação da Lei
Antitruste denominamos válvulas de escape.

5.1 – Primeira válvula de escape. Regra da razão, isenções e autorizações

Tanto a regra da razão, quanto as isenções e autorizações são técnicas para


viabilizar a realização de certa prática, ainda que restritiva de concorrência, afastando-se
barreiras legais à sua concretização. São as válvulas de escape mais utilizadas. Elas se
diferenciam conforme o método utilizado para viabilizar a sua concretização. O
afastamento de barreiras legais a uma determinada prática restritiva de concorrência se
dá, em geral: (a) nos EUA, pela chamada rule of reason (regra da razão). Também se
utiliza a técnica da isenção; (b) na UE, por meio da concessão de isenções; e (c) no Brasil,
pela concessão de autorizações, sem prejuízo de outras isenções.

5.1.1 – O sistema norte-americano: rule of reason

A análise da regra da razão deve partir do antitruste americano. Em primeiro lugar,


importante ressaltar que o Sherman Act não prevê em seu texto qualquer válvula de
escape. Assim, qualquer prática que restringisse a concorrência seria tida por ilícita. Isso
levaria à condenação de múltiplas práticas, ainda que os prejuízos delas advindos fossem
inferiores aos benefícios para a economia nacional ou para os consumidores.
Houve uma evolução jurisprudencial na Suprema Corte americana, até que, no
caso Standard Oil Co. of New Jersey vs United States, colocou-se a regra da razão de
forma clara. Pela regra da razão, somente são consideradas ilegais práticas que restrinjam
a concorrência de maneira desarrazoada. A contrario sensu, são permitidas as práticas
que não impliquem obstáculo desarrazoado ao livre comércio.

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Por exemplo, servindo como obstáculo ao crescimento da indústria nacional, ao aumento de seu grau de
competitividade ou à distribuição dos bens e serviços.
Juridicamente, a regra da razão faz com que não haja a composição do suporte
fático necessário para a incidência da norma que determinaria a ilicitude do ato. O suporte
fático não se completa sem o elemento de a prática restringir a concorrência de forma não
razoável. Não há incidência da norma, tampouco qualquer consequência. O resultado é a
licitude da prática.
A regra da razão não se identifica com a abordagem caso a caso das práticas
analisadas. O case by case approach é outra válvula de escape, segundo a qual cada caso
deve ser analisado individualmente, considerando-se suas particularidades, o contexto
econômico e os efeitos anticompetitivos produzidos no mercado relevante.

5.1.1.1 – O sistema norte-americano e as isenções em bloco

Nos EUA, vários setores da economia são imunes às regras antitruste por força de
isenções legais2 (legal exemptions). Igualmente, alguns atos ou atividades também são
isentados do antitruste. A isenção é utilizada para “afastar ou arrefecer o moto
concorrencial, possibilitando o funcionamento do setor de acordo com sua lógica
particular, não baseada exclusivamente no resguardo da competição”3. Elas são
permitidas em prol do interesse público. A isenção pode ser estatuída expressamente pelo
Congresso americano ou a sua existência pode decorrer da interpretação sistemática do
texto normativo.

5.1.2 – O sistema europeu. As isenções.

É comum que as leis antitruste determinem a ilicitude de práticas restritivas da


concorrência e, ao mesmo tempo, prevejam a legitimação de tais práticas pela concessão
de isenções. Essa técnica é utilizada pelo sistema antitruste europeu4. Na UE, as isenções
só podem ser utilizadas no caso de acordos restritivos de concorrências entre empresas.
Abusos de posição dominante não se incluem no âmbito da válvula de escape.

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As razões para uma isenção legal são variadas: lobby sobre o Congresso, monopólios naturais, tutela dos
consumidores, salvaguarda de um setor da economia etc.
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Por exemplo, em alguns setores, é inadequado se permitir que haja excessiva diminuição de custos
promovida pela concorrência, porque aspectos socialmente relevantes, como a segurança para o adquirente
ou a qualidade dos produtos, podem ser desprezados.
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O TFUE prevê a possibilidade de isenção desde que a restrição concorrencial acarrete a melhoria da
produção ou distribuição de bens, ou ainda o progresso técnico ou econômico.
O método das isenções parte de duas normas distintas: (a) uma, geral, que veda as
práticas restritivas da concorrência; e (b) outra, específica, que autoriza a prática quando
for concedida isenção. No caso da UE, o art. 101 (1 e 2) do TFUE prevê a nulidade de
todos os acordos que restrinjam a concorrência no mercado europeu. Já o art. 101 (3)
permite que sejam isentadas práticas que contribuam para melhorar a produção ou
distribuição dos produtos ou para promover o progresso técnico ou econômico.
Além disso, há, no sistema europeu, regulamentos que isentam em bloco algumas
categorias de acordos, cujas características mostram haver benefícios ao mercado
superiores aos prejuízos provocados à concorrência. Isso permite ao agente adequar a
prática à moldura determinada pela UE, para que faça jus à isenção automaticamente.
Outra possibilidade prevista no Regulamento 01/2003 da UE diz respeito à Comissão
determinar que o art. 101 do TFUE é inaplicável a um determinado acordo, seja por não
haver restrição à concorrência, seja por estarem presentes as condições de isenção. Por
fim, há a possibilidade de que determinados setores da economia sejam excluídos das
normas antitruste. São os setores especiais (special sectors), como carvão, aço, energia
nuclear e o setor militar.

5.1.3 – O sistema brasileiro. Risco jurídico e consultas.

No Brasil, uma prática é ilegal se implicar (a) prejuízo à livre concorrência ou à


livre iniciativa; (b) domínio de mercado relevante; (c) aumento arbitrário de lucros; ou
(iv) abuso de posição dominante. Quanto às concentrações, o art. 88 da Lei Antitruste
determina que devem ser apresentadas para autorização apenas “as concentrações que
atinjam o gabarito ali previsto”. Isso pode gerar insegurança jurídica, se os agentes
estiverem em dúvida quanto à licitude de um contrato ou de uma conduta. Por isso, é
possível formular consultas ao CADE e, igualmente, pode o CADE instruir as empresas
sobre as formas de infração à ordem econômica.

5.2 – As isenções antitruste em bloco no sistema brasileiro e seu fundamento


jurídico. Lei geral de defesa da concorrência e leis específicas (microssistemas
jurídicos)

Conforme já ressaltado, a concorrência é a regra geral. Outras escolhas políticas,


entretanto, podem ser consideradas e, nessa hipótese, prevalecerá a lei especial. No Brasil,
a Lei 12.529 de 2011 é a lei de caráter geral, que protege a concorrência de maneira geral,
isto é, levando-se em conta o mercado concorrencial como um todo. Importante frisar que
a Lei Antitruste será geral se comparada a diplomas que afastam a sua incidência em
determinados setores ou para determinadas práticas, submetendo-os a lógica diversa da
concorrencial plena (leis especiais). Há, assim, antinomias aparentes entre essas leis.
A própria Constituição da República, ao mesmo tempo em que pressupõe que a
livre concorrência deve imperar de maneira geral, permite que se sacrifique total ou
parcialmente a competição em determinados setores, submetendo-os a regramento
diverso. Logo, nossas isenções são leis específicas que autorizam restrições
concorrenciais, que prevalecem a regra geral. Evidentemente, por se constituírem
exceções à regra geral de livre concorrência, esses textos normativos devem ser
interpretados de forma estrita.

5.3 – Segunda válvula de escape. O conceito de mercado relevante.

O mercado relevante “é aquele em que se travam as relações de concorrência ou


atua o agente econômico cujo comportamento está sendo analisado”. É impossível
determinar a incidência de qualquer hipótese do art. 36 da Lei Antitruste sem a
identificação do mercado relevante. Deve-se definir de qual concorrência estamos
tratando. A busca pelo mercado relevante passa pela identificação das relações
concorrenciais de que participa o agente econômico. Dois aspectos devem ser analisados
para delimitar o mercado relevante: o mercado relevante geográfico e o mercado relevante
material, ou mercado do produto.

5.3.1 – O mercado relevante geográfico

Trata-se da área em que se trava a concorrência relacionada à prática que está


sendo considerada restritiva. Depende da localização do agente, da natureza do produto e
da conduta em análise. É a área na qual o agente “é capaz de aumentar os preços que
pratica sem (i) perder um grande número de clientes, que passariam a utilizar-se de um
fornecedor alternativo situado fora da mesma área ou (ii) provocar imediatamente a
inundação da região por bens de outros fornecedores que, situados fora dela, produzem
bens similares”.
Alguns aspectos são importantes para a delimitação do mercado relevante
geográfico:
(a) Hábitos dos consumidores: Deve-se verificar se o consumidor está disposto
a se afastar do local em que se encontra, a fim de adquirir outro produto ou
serviço similar ou idêntico. Com a Internet, alguns mercados passaram a ser
considerados de forma mais ampla. Deve-se ressaltar que a barreira do idioma
do consumidor pode segmentar o mercado relevante.
(b) Incidência de custos de transporte: O custo de transporte pode inviabilizar
que se comercialize um produto ou serviço em outra região e aproximar os
agentes de seus mercados de consumidores. Assim, tais custos podem fazer
com que produtores locais se encontrem em posição de independência e de
indiferença em relação a agentes econômicos localizados em áreas diversas.
(c) Características do produto: Um exemplo ilustra esse aspecto. Analisando
características dos bens, já se definiu que leite pasteurizado e leite fresco
ocupam mercados relevantes diversos.
(d) Incentivos de autoridades locais à produção ou comercialização: Atos
administrativos podem impedir que os agentes concorram entre si.
(e) Existência de barreiras à entrada de novos agentes econômicos no
mercado: Se agentes não conseguem entrar em uma área, provavelmente as
empresas que nela atuam não estarão sujeitas à concorrência externa. O
mercado relevante, portanto, será distinto. Fatores como a identificação de
importações atuais ou potenciais do setor e a presença atual ou potencial de
concorrentes estrangeiros ganham particular relevância nessa análise
(f) Taxa de câmbio praticada pelo país: Pode isolar o mercado relevante
geográfico (e.g., inviabilizando importações)

5.3.2 – O mercado relevante material

Trata-se do mercado em que o agente econômico enfrenta a concorrência,


considerado o bem ou serviço que por ele é oferecido.
Em primeiro lugar, deve-se considerar se o consumidor está normalmente disposto
a substituir o produto por outro(s). Se a resposta for afirmativa, ambos farão parte do
mesmo mercado relevante. O foco é na fungibilidade. Isso pode fazer com que produtos
aparentemente semelhantes ocupem mercados relevantes diversos e, ao mesmo tempo,
que produtos distintos ocupem o mesmo mercado.
Nem sempre é trivial determinar a intercambialidade entre os produtos. Um
indício é o fenômeno da elasticidade cruzada (cross elasticity), quando o aumento no
preço de um produto leva ao aumento da procura do outro. Pesquisas entre os
consumidores também são úteis para tal comprovação.
Nas defesas antitruste é usual a tentativa de se ampliar os limites do mercado
relevante material. O caso da aquisição da Mate Leão pela Coca-Cola, julgado pelo
CADE, é interessante para elucidar essa questão.
Além disso, também têm importância para delimitar o mercado relevante material
os sinais distintivos dos produtos, como marcas. Em regra, não se pode dizer que a
identificação de um produto com uma marca seria suficiente para caracterizar mercado
relevante distinto. O fundamental é observar os hábitos do consumidor. Se não o
consumidor não tem por hábito substituir o produto identificado pela marca por outro
semelhante, pode haver caracterização de vários mercados, por conta da infungibilidade.
Deve-se levar em consideração, ainda, a oferta, se o comportamento do agente
econômico for condicionado pela concorrência oferecida por outros produtores. Fala-se
em elasticidade cruzada da oferta, quando se quer referir à possibilidade de substituição
do fornecedor, isto é, à possibilidade de o fornecedor começar a produzir um produto, em
um curto período de tempo e sem maiores custos5. Para ser considerada, a possibilidade
de alteração deve ser fácil, rápida e provável6.

5.3.3 – A elasticidade do mercado relevante

O conceito de mercado relevante é outra válvula de escape da legislação antitruste


e, a depender da solução mais adequada para concretizar a política econômica, é possível
delimitar o mercado relevante de maneira instrumental. Com essa ferramenta, é possível
diluir o market power de determinado agente ou concentrá-lo, com a segmentação do
mercado. Logo, essa ferramenta permite que se flexibilize o texto normativo, a fim de

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Por exemplo, se um agente produz tintas do tipo X e outras produtoras de tintas do tipo Y puderem
rapidamente iniciarem a produção de tintas do tipo X, pode ser que todas essas empresas ocupem o mesmo
mercado relevante material.
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Inúmeros elementos se incluem nessa análise, como existência de know-how, pessoal e equipamentos para
iniciar a produção, custos afundados (sunk costs) da saída do mercado em eventual caso de insucesso,
barreiras à entrada, possibilidade de se atingir os adquirentes etc.
implementar a política econômica. Igualmente, os efeitos contrários à concorrência de
determinada prática ou operação podem ser maiores ou menores conforme a delimitação
do mercado relevante.

5.3.4 – Contraponto: notas críticas ao método tradicional para a delimitação do


mercado relevante

A definição do mercado relevante parte da necessidade do consumidor que é


atendida pelo produto. Se houver outros bens que supram essa necessidade, há disputa
entre eles. Diferentes métodos são utilizados em distintas jurisdições para definir o
mercado relevante.

5.3.5 – A delimitação do mercado relevante nos Estados Unidos. O teste do


monopolista hipotético e o risco de “falsos negativos”

Nos EUA, adota-se o critério do monopolista hipotético, de forma a se investigar


as consequências de um incremento reduzido, mas significativo no nível dos preços
praticados pelo agente.
Um primeiro cuidado ao se aplicar esse método diz respeito à falácia do celofane7.
Deve-se evitar uma definição excessivamente ampla do mercado, que possa levar à
conclusão de que não há poder econômico, quando na verdade se está diante de um abuso
de posição dominante. Por exemplo, se os preços no mercado de álcool estiverem
excessivos e os consumidores passarem a consumir produtos afins (e.g., limpa-vidros), a
elasticidade cruzada da demanda pode ser sinal de abuso de posição dominante. Deve-se
ter como ponto de partida, por conta disso, a utilização de preços competitivos. Outra
dificuldade é que o método acaba girando em torno do poder do agente, o que pode levar
a conclusões equivocadas. Em outra linha, apresenta-se problemática a aparente
segmentação do mercado que pode derivar da diferenciação do produto. Agentes
econômicos podem explorar veios peculiares das necessidades dos consumidores para
cativá-los. Assim, há menor grau de elasticidade da demanda e maior poder de mercado,
mas não há segmentação no mercado relevante. Esse último ponto é especialmente
relevante em setores nos quais a diferenciação das marcas é importante.

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Essa falácia é originária do caso Du Pont, julgado pela Suprema Corte norte-americana em 1956. Para
mais informações, ver páginas 232-233 do livro.
Recentemente, o método norte-americano vem sendo flexibilizado e já se admite
não ser necessário fixar rigidamente as fronteiras do mercado relevante se houver nítido
prejuízo concorrencial.

5.3.6 – A delimitação do mercado relevante na Europa

Na UE, a definição de mercado relevante se encontra mais atenta às relações


comerciais do que ao poder de mercado do agente econômico. As fórmulas matemáticas
utilizadas pela Comissão atuam enquadradas nos objetivos da política da concorrência,
levando-se em conta o caráter instrumental da delimitação do mercado relevante na UE.

5.3.7 – A delimitação do mercado relevante no Brasil e a influência do sistema


norte-americano

No Brasil, o mercado relevante do produto compreende todos os produtos ou


serviços considerados substituíveis entre si pelo consumidor, por conta de suas
características, preços e utilização. Adota-se expressamente o teste do monopolista
hipotético como critério para demarcar o mercado relevante, como se percebe no Guia
para Analise Econômica de Atos de Concentração Horizontal do CADE.

5.4 – Terceira válvula de escape. O jogo do interesse protegido.

A análise empírica das decisões antitruste demonstra que, a depender da solução


entendida como apropriada, determinado interesse é declarado como digno da tutela do
ordenamento jurídico. Há múltiplos interesses que reclamam proteção jurídica dentro do
texto normativo e a autoridade pode concretizar determinada política ao optar por tutelar
um desses interesses. Essa é mais uma válvula de escape: o jogo do interesse protegido.
Essa questão é complexa, na medida em que vários interesses8 se abrigam sob as normas
antitruste, o que pode levar a decisões em inúmeros sentidos, por vezes diametralmente
opostos.

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Por exemplo, interesse do mercado, interesse do consumidor, interesse nacional, bem comum, eficiência
alocativa, interesse público etc.
5.4.1 – Lei de tutela da concorrência ou lei de repressão ao abuso do poder
econômico?

A depender da maneira como nos referimos à Lei 12.529, de 20119, privilegia-se


a livre concorrência ou a repressão do poder econômico como bens maiores protegidos
pela Lei Antitruste. Considerando-se o teor do art. 173, § 4º da Constituição da
República10, não há dúvidas que a lei é de repressão ao abuso do poder econômico. Em
nossa lei antitruste, uma miríade de interesses dignos de tutela jurídica são encontrados,
como a livre concorrência, a função social da propriedade, a defesa dos consumidores e
a repressão ao abuso do poder econômico. Essa profusão de interesses não pode ser
ignorada pelo intérprete.

5.4.2 – Lei Antitruste, Lei da Propriedade Industrial e Código de Defesa do


Consumidor

No Brasil, há a tendência de se misturar áreas de incidência de diplomas diversos.


Há que se apartar esses diplomas para que sua aplicação seja eficaz.

5.4.2.1 – Concorrência desleal e lei antitruste

No campo da repressão à concorrência desleal, refere-se, normalmente, a duas


finalidades: a proteção dos concorrentes contra a concorrência desleal e a proteção da
coletividade encontra os excessos da concorrência.
Na proteção da concorrência leal – Lei n.º 9.279 de 1996 – o bem tutelado é a
proteção do concorrente. Não se trata do interesse coletivo, como ocorre nas normas
antitruste. Inexistindo infração à ordem econômica, não há violação antitruste que
ensejaria a aplicação da Lei nº 12.529, de 2011. Daí a diferença entre as normas antitruste
e as normas que reprimem a concorrência desleal. No caso das primeiras, o foco é no
mercado e o intérprete se atenta à concorrência e ao bom fluxo das relações econômicos.
Nas segundas, o foco é no concorrente, na boa relação entre os agentes econômicos.

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Lei de repressão ao abuso do poder econômico ou lei de tutela da livre concorrência.
10
§ 4º A lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da
concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros.
Os limites entre as duas disciplinas, na realidade, não são tão nítidos. A mesma
prática pode prejudicar o concorrente e, ao mesmo tempo, a concorrência. É natural que
haja dispositivos que liguem as duas legislações. Por exemplo, a prática de empregar meio
fraudulento para desviar clientela de outro em benefício próprio ou de outrem é vedada
tanto pela Lei Antitruste quanto pela Lei n.º 9.279, de 1996.

5.4.2.2 – Código de Defesa do Consumidor

Assim como no caso do Código da Propriedade Industrial, também pode haver


confusão entre o CDC e a Lei Antitruste. O mesmo suporte fático pode desencadear a
incidência de normas de ambos os diplomas normativos. No caso da Lei Antitruste,
entretanto, a tutela do consumidor é mediata, enquanto é imediata a proteção da livre
iniciativa e da livre concorrência.

5.5 – As válvulas de escape e a insegurança jurídica. O direito concorrencial


e a previsibilidade necessária à atuação dos agentes econômicos.

A utilização das válvulas de escape acaba por gerar insegurança jurídica, i. e.,
provocar a falta de generalidade e previsibilidade no processo de interpretação e aplicação
das normas antitruste. No caso do antitruste, é impossível estar o intérprete estreitamente
vinculado ao texto normativo. Por isso, é importante a busca por segurança jurídica. Há
doutrinas econômicas que acenam, por vezes, para um porto seguro. Fórmulas
matemáticas fixas e previsíveis poderiam ser utilizadas pelos intérpretes, de forma a gerar
a ilusão de segurança e de previsibilidade. Mas tais fórmulas são insuficientes para
acomodar a realidade disciplinada pelo antitruste.
Hoje, o entendimento do ordenamento jurídico como sistema de regras e
princípios parece ser solução para o problema da insegurança jurídica. Princípios gerais
de direito, na terminologia proposta por Eros Roberto Grau, são proposições descritivas,
por meio das quais os juristas referem o conteúdo e as grandes tendências do direito
positivo de maneira sintética. Os princípios jurídicos embasam as regras e são
hierarquicamente superiores a elas. Dworkin afirma que, quando os tribunais norte-
americanos criaram a regra da razão, permitiram que o art. 1º do Sherman Act
funcionasse, ao mesmo tempo, como regra e como princípio.
Forgioni afirma que o método interpretativo baseado em princípios não trará
segurança jurídica no nível que fosse desejado pelos agentes econômicos e pelos
operadores do direito. Nada disso tem a ver com arbitrariedade, mas com o fato de o
sistema jurídico admitir múltiplas soluções para um mesmo caso. As normas antitruste
são um sistema de princípios e, se os abandonarmos, estaremos num campo de pura
arbitrariedade. É necessário, para utilizá-los, que eles sejam identificados. Para haver um
grau de segurança e previsibilidade, portanto, é necessário que seja definida a política da
concorrência pelas autoridades competentes.

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