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O direito da concorrência é um direito regulatório transversal, pois abrange empresas

de todos os setores, de modo a aproximar o mercado como um todo do modelo de


concorrência perfeita. Esse ramo trabalha com um conceito de empresa muito diferente
e muito mais abrangente do que o conceito adotado pelo direito comercial, uma vez
que todas as empresas, por pouco complexas que sejam em termos organizacionais,
têm impacto no mercado (mesmo que mínimo) e, como tal, devem estar sujeitas às
regras da concorrência.
O abuso de dependência económica é uma forma de abuso relativo de posição
dominante, na medida em que se dirige a uma empresa em específico e não ao mercado.

Avaliação: 1º teste na 7ª semana (27 de março) e 2º teste na 12ª semana (final do


semestre).

O problema dos auxílios públicos é um problema europeu, pois pode afetar o bom
funcionamento do mercado interno.
O private enforcement consiste na invocação por particulares das regras de
concorrência para fazer valer os seus interesses, enquanto o public enforcement visa
sancionar práticas restritivas da concorrência.

O direito regulatório é muito recente porque deriva de uma necessidade muito recente:
por razões económicas e fruto do pensamento liberal, não havia necessidade de o
Estado intervir no mercado, que o encarava como uma questão exclusivamente privada.
Em meados do séc. XX, no segundo pós-guerra, a criação de sistemas de segurança
social, o crescimento de setores em que o Estado intervinha (ex: transportes) e o
crescimento dos meios de cooperação económica internacional levaram à publicização
de setores essenciais como a energia, os transportes, a banca e as comunicações. No
entanto, no início dos anos 70, a crise petrolífera levou ao surgimento do Estado
neoliberal, que desencadeou um processo de privatização de vários setores antes
reservados ao Estado, embora o Estado tenha preservado a sua posição de entidade
reguladora: logo, a nova função do Estado é proteger o mercado de concorrência de
abusos por operadores privados; por esta razão, alguns setores tinham de continuar a
ser explorados exclusivamente pelo Estado.
Assim, o direito da regulação pode ser definido como o conjunto de normas que visam
evitar que os operadores económicos adotem comportamentos lesivos de interesses
socialmente legítimos. O Estado faz isso através de autoridades de regulação e
supervisão, mas nem sempre é fácil fazer esse controlo, especialmente em relação a
grandes empresas, cuja influência social e política pode fazer do regulador dependente
de si, quer porque faltam os recursos necessários a um controlo devido, quer porque se
deixou corromper ou aderiu à filosofia delas (“captura do regulador”). Depois, apesar
do facto de os mandatos dos reguladores não coincidirem com os dos órgãos políticos,
a influência política pode continuar a existir. Por outro lado, o regulador não tem
legitimidade democrática, pois é nomeado pelos poderes públicos, mas esta relação põe
em causa a independência do regulador (acórdão Sped-Pro, do Tribunal Geral da UE).
Para garantir a separação de poderes, o regulador deve dar garantias de independência
face aos poderes públicos e às empresas objeto da regulação.
A Autoridade da Concorrência, que serve de regulador em Portugal, trata de prevenir e,
se necessário, sancionar as práticas lesivas das regras da concorrência. Portanto, ela só
atua quando essas práticas existem ou são iminentes, devendo deixar atuar o mercado
até lá. Já os reguladores setoriais não partem do mesmo princípio, sendo esse princípio
a correção das falhas dos setores económicos.
Pode acontecer que o regulador geral e os reguladores setoriais interpretem de modo
diferente a mesma prática económica, mas é difícil saber que interpretação deve
prevalecer, uma vez que a lei não estabelece hierarquias entre entidades. No entanto,
o Tribunal da Concorrência é relevante para resolver estes litígios, assim como eventuais
decisões do Ministério da Economia em discordância com o entendimento da AdC.

Desde os anos 70 que existem regras de controlo da concorrência. Porém, o primeiro


corpo coerente de regras disciplinadoras da concorrência surgiu em 1890, nos EUA, com
o Sherman Act, e depois em 1914 com o Clayton Act. A partir dos anos 20, alguns setores
testemunharam o crescimento gradual de certos operadores económicos, o que obrigou
à expansão da legislação da concorrência.
Na Europa, a legislação deste tipo destinava-se sobretudo a proteger os interesses
públicos, prevenindo práticas lesivas da concorrência. Além da Lei da Concorrência,
também são importantes o direito comercial e o direito do trabalho (neste caso, são
relevantes os “no pouch agreements”, em que as partes se comprometem a não
contratar trabalhadores uma da outra), assim como o direito da propriedade intelectual
e industrial (o manuseamento destas regras pode criar monopólios) e o direito penal
(muitos dos ilícitos concorrenciais são crimes).

Acima de tudo, o Direito da Concorrência serve como um mecanismo de salvaguarda do


modelo de organização económica defendido pela CRP – economia de mercado e de
concorrência – e como uma concretização do princípio da subordinação do poder
económico ao político (art. 80º, al. a) CRP); a tutela constitucional do DdC continua com
o art. 81º, al. f), que faz tarefa fundamental do Estado proteger a economia de
concorrência de mercado, e com o art. 99º, onde se salienta a importância da
“concorrência salutar dos agentes mercantis” e o “combate às atividades especulativas
e às práticas comerciais restritivas”. Ao contrariar o crescimento desmesurado de certas
empresas, a lei garante o equilíbrio entre os poderes económico e político, evitando a
criação de “empresas-estado”, cujo poder rivaliza com o do Estado. Mesmo sem estas
empresas, pode formar-se um monopólio pelo funcionamento espontâneo do mercado
(ex: a exploração de um setor está monopolizado numa empresa por causa das
condições de mercado favoráveis, coisa que o Estado não pode reprimir, mas já pode
reprimir condutas que evidenciem abuso dessa posição, como a vedação do mercado a
novos concorrentes e a cobrança de preços excessivos). Logo, existem várias falhas do
mercado, cuja exploração pelos operadores económicos deve ser evitada pelo poder
político, que deve procurar aproximar o mercado como um todo do modelo de
concorrência perfeita.
Assim se conclui que o Direito da Concorrência é um ramo altamente intrusivo no
exercício de certos direitos fundamentais, nomeadamente a liberdade de iniciativa
privada e o direito de propriedade. Essa intrusão não é apenas de fins preventivos,
devendo o poder político criar condições que permitam um exercício verdadeiro da
liberdade de empresa, de modo a proteger a participação dos concorrentes mais
pequenos, tal como os próprios consumidores.
A UE participa neste processo enquanto motor da integração económica de todos os
operadores no mercado interno, tendo proibido a formação de cartéis e os abusos de
posição dominante. De facto, o art. 3º TFUE dá à União a competência exclusiva de
“estabelecimento das regras de concorrência necessárias ao funcionamento do
mercado interno” (os Estados não estão impedidos de criar as suas próprias regras da
concorrência, mas estas limitam-se às práticas que não têm impacto significativo sobre
o mercado interno, caso em que prevalecem as regras comunitárias). Os princípios
gerais do DUE da concorrência estão previstos nos arts. 101º a 109º TFUE, que são
depois densificados por regulamentos, diretivas, decisões da Comissão e jurisprudência
do TJUE. Por exemplo, no ano passado foi transposta a diretiva SN+, que visava atribuir
mais poderes às autoridades nacionais de concorrência.

A conjugação entre as regras da concorrência nacionais e europeias dão ao


ordenamento da concorrência uma natureza dupla. Por isso se torna necessário
delimitar o âmbito de aplicação de cada grupo de regras, distribuir as competências
entre as autoridades nacionais e a Comissão e definir a esfera de competência dos
tribunais nacionais face ao TJUE. No último caso, torna-se importante garantir alguma
uniformidade nas decisões sobre os mesmos factos.
Os tribunais e autoridades nacionais devem aplicar as regras de concorrência previstas
no TUE – arts. 3º, 5º e 6º do Reg. nº 1/2003. Em Portugal, cabe ao Tribunal de
Concorrência, um tribunal de competência especializada, dirimir os litígios sobre a
concorrência, sem prejuízo da competência dos tribunais comuns para determinadas
ações. Muitas vezes, estas questões são resolvidas pelos tribunais comuns, o que está
longe de ser a solução ideal, uma vez que o juiz cível olhará para este caso como um de
direito privado e não um de concorrência. Ainda assim, o Tribunal da Relação de Lisboa
tem instâncias especializadas para servir de tribunal de recurso das decisões tomadas
pelo Tribunal da Concorrência (art. 89º LdC), mas já não o STJ.
Ao nível processual, os tribunais nacionais e as autoridades nacionais da concorrência
são competentes para aplicar as regras comunitárias sobre a concorrência, o que inclui
tanto o direito derivado como a jurisprudência dos tribunais europeus e a prática da
Comissão. Em caso de conflito entre uma futura decisão da Comissão e uma sentença
dum tribunal nacional emitida na sequência de uma ação intentada com base nos
mesmos factos, o tribunal deve suspender a instância e aguardar pela decisão da
Comissão.
O Regulamento nº1/2003 estabelece a regra de que a legislação nacional não pode ser
mais restritiva do que a comunitária em matéria de práticas coletivas ou de acordos.
Esta regra já não se aplica em matéria de práticas restritivas individuais (art. 3º, nº2) e,
se não existir unificação nesta regulamentação, podem existir conflitos de regulação que
comprometem o combate aos cartéis formados por essas práticas restritivas. Os Estados
podem ainda punir condutas que não são punidas pelo DUE, o que deu origem ao abuso
de dependência económica.

Legislação: regime da concorrência, regime da indemnização por infração da


concorrência, TFUE, Regulamento nº1/2003. Além dos tratados, são fontes de DdC as
comunicações e orientações da Comissão, a prática decisória da Comissão em ações
condenatórias e a jurisprudência do TJUE e do TG (e, por vezes, os pareceres dos
Advogados-Gerais).

Existem situações que limitam a concorrência mas que não implicam a aplicação das
regras de concorrência, por serem competentes as normas de outro ramo do direito.
Por exemplo, a imitação intencional dos produtos de um concorrente para induzir os
consumidores em erro não invoca as regras da concorrência, mas sim as regras da
propriedade intelectual, embora o caso remeta para concorrência desleal. Outro
exemplo, a situação em que o ex-gerente de uma sociedade cria uma empresa
concorrente, roubando os clientes e os fornecedores, é regulada pelo direito societário
ao abrigo da proibição de concorrência com a sociedade. Em terceiro lugar, a cláusula
de não-concorrência acordada entre a empresa e o trabalhador é regulada pelo direito
laboral.
Em suma, o DdC não é chamado às práticas restritivas dentro de micromercados, só
quando as práticas são da autoria de empresas dominantes, pois são estas que afetam
o mercado no seu todo. A classificação de empresa dominante é binária, ou existe ou
não existe, e só as empresas dominantes estão proibidas de realizar práticas restritivas
da concorrência. A proibição não se estende às empresas não dominantes porque se
acredita que as práticas dessas empresas não desestabilizam o mercado.

Aula 2

O conceito de empresa, no direito da concorrência, é genérico o suficiente para


abranger todas as entidades que exerçam uma atividade económica, como comprova a
redação atual do art. 3º, nº1 da Lei da Concorrência (na qual não se enquadram os
sindicatos, as regiões de turismo e as direções gerais), em transposição da
jurisprudência do TJUE (sem prejuízo da Diretiva ECN+). Por conseguinte, este conceito
abrange igualmente entidades singulares e coletivas, públicas e privadas, comerciais ou
não comerciais, incluindo federações e confederações desportivas, bem como
cooperativas e associações. Qualquer unidade económica do ponto de vista do objeto
do acordo em causa é considerada uma empresa, mesmo que, na realidade, seja
composta por várias pessoas singulares e coletivas distintas.
O DdC é um direito de vocação macroeconómica, ou seja, aplica-se apenas às empresas
com o poder de influenciar o mercado com as suas práticas. Por outro lado, só intervém
quando as práticas restritivas da concorrência afetem empresas dentro do mesmo
mercado ou mercados conexos.
Ver: Christiani & Nielsen (1969) e ICI vs Comissão (1972).

A maior dificuldade sobre o conceito de empresa para efeitos de direito da concorrência


é saber o que acontece nas relações de grupo e de domínio, cujo tratamento é ausente
no direito comunitário.
O art. 3º, nº2 da LdC tem uma conceção de empresa, que se apura através de uma série
de critérios, coisa que o DUE não tem, pelo que o fio condutor deve ser a jurisprudência
do TJUE. Assim, o TJUE entende que existe uma relação de domínio quando existe por
parte da empresa-mãe o poder de determinar a conduta da empresa-filha no mercado,
um poder que deve ser efetivamente exercido (assim é porque, nesses casos, as filiais
não têm autonomia de decisão sobre as suas ações no mercado, praticando apenas
aquelas que a empresa-mãe lhes ordena). Adensando, o TJUE criou a presunção ilidível
de existência dessa relação nos casos em que a mãe detém 90% ou mais de capital da
filial, pois se entende que, com essa relação, parece impossível a filial escapar dos
poderes de controlo da mãe, não havendo ónus de produção de prova adicional imposto
à Comissão (ver: AEG vs Comissão, Stora Kopparbergs vs Comissão e Aristrain Madrid vs
Comissão). Também há unidade económica quando as empresas dependam do mesmo
centro de decisão.

Para efeitos de classificação da relação de filiação de empresas, o TJUE não encara o


exercício pelas empresas de atividade em mercados diferentes nem a separação de
pessoal, contabilidade e instalações como obstáculos à existência dessa relação. Daí
que, no acórdão Knauf Gips vs Comissão, o TJUE considerou que eram a mesma entidade
sociedades que não tinham participações uma da outra, nem eram maioritariamente
subordinadas à mesma sociedade-mãe, mas que eram compostas pelos mesmos sócios,
incluindo sócios-gerentes, o que para o mercado criou a impressão de que se tratava da
mesma entidade.
Se concluirmos que há uma unidade económica entre várias entidades, devemos
concluir de seguida que as empresas que fazem parte dessa unidade. Por não haver
concorrência entre elas, não são punidas por cartelização, mas a sociedade-mãe é
chamada a responder solidariamente pela prática de atos contrários à concorrência pela
qual a filha seja condenada, sem prejuízo da atenuação da responsabilidade dentro de
certas circunstâncias, como a ação da filial oposta às instruções da sociedade-mãe (ver
BMW Belgium vs Comissão, Plasterboard, etc.). No acórdão Sumal, o TJUE admitiu a
responsabilização da filial pela conduta da empresa-mãe, independentemente do seu
papel nessa conduta, salvo se a filial demonstrar a inexistência duma unidade
económica com a empresa-mãe, ou, se houver unidade, a desconexão total entre a
atividade da filial e a conduta condenada da empresa-mãe.
No que toca ao montante da coima a aplicar, é preciso ter em conta o volume de
negócios da empresa-mãe ou do grupo na base da unidade económica (ver Akzo Nobel
vs Comissão), uma vez que esta é sempre a beneficiária da conduta condenatória em
última instância. Aplica-se um limite de 10% (1% para as condutas menos graves) do
volume de negócios da empresa infratora, no ano anterior ao da prática (art. 15º, nº1
da Diretiva ECN+). Note-se que, quando a sociedade-mãe seja responsabilizada pela
conduta da filial, o volume de negócios a ter em conta é o da sociedade-mãe, ou, indo
mais longe, da unidade económica no seu todo.
No entanto, essa não é a prática da Autoridade da Concorrência portuguesa, que limita
a responsabilidade à empresa infratora, independentemente da sua posição no grupo,
tendo em conta apenas o seu volume de negócios; não se sabe o que levou a AdC a
assumir essa posição, devido à elevada confidencialidade dos seus processos, mas
podemos inferir que se trata de uma interpretação estrita do regime dos ilícitos de mera
ordenação social, mas a Diretiva ECN+ deu lugar à redação atual do art. 69º, nº4 LdC,
que estende a sanção ao volume de negócios de todo o grupo.

No DdC, é muito importante o conceito de mercado relevante, o que significa que,


dentro do mercado global, para cada caso é preciso determinar o mercado relevante
com base no produto e na área geográfica em causa. Por outras palavras, é preciso
determinar 3 coisas: se os produtos oferecidos por diferentes empresas são
semelhantes o suficiente para competir entre si, até que ponto geográfico consegue o
comportamento de uma empresa fazer sentir a sua influência, e durante quanto tempo
as empresas conseguem oferecer os seus produtos dentro do espaço que o faz. É
preciso, pois, determinar a influência do operador no mercado.
Este juízo depende de alguma sensibilidade ao caso concreto. Por exemplo, tanto o
azeite como a banha de porco podem ser sucedâneos do óleo para fritar alimentos, mas
não parece que sejam produtos substituíveis, nem que os respetivos mercados sejam
mutuamente influenciáveis, pelo que não há concorrência.

A Comissão define numa orientação (por isso, a definição não vincula os tribunais) o
conceito de poder de mercado como “a capacidade de manter, de forma rentável, os
preços acima dos níveis concorrenciais durante um determinado período de tempo ou
de manter, de forma rentável, a produção, em termos de quantidade, qualidade e
diversidade do produto ou de inovação, abaixo dos níveis concorrenciais durante um
determinado período de tempo”. Este conceito remete para três critérios de avaliação
do poder de mercado: a identidade ou concorrência entre produtos, a dimensão
geográfica (o espaço geográfico de projeção da conduta de uma empresa) e a dimensão
temporal (saber durante quanto tempo a empresa consegue oferecer esses produtos
naquele espaço, de forma rentável).

O conceito de poder de mercado pode variar casuisticamente, mas a empresa pode ter
interesse numa definição de mercado mais estreita de modo a evitar a responsabilidade
por uma conduta potencialmente lesiva, ou numa definição mais ampla quando esteja
a ser avaliada a existência de uma posição dominante (de modo a diluir a sua influência
no mercado).

Um dos aspetos mais importantes para avaliar a existência de produtos concorrentes é


a sua substituibilidade, sobretudo da parte da procura, atendendo às características, ao
preço e à utilização geral desses produtos. Isto envolve muita avaliação qualitativa, mas
também uma avaliação quantitativa focada no preço, e os tribunais têm aplicado esse
critério através do teste SSNIP (aumento ligeiro mas significativo e permanente do
preço). Segundo esse teste, o aumento do preço de alguns produtos tem reflexos na
procura; os economistas tentam avaliar, portanto, de que modo o aumento do preço de
um produto implica o aumento da procura de outro, isto é, avaliam a elasticidade
cruzada da procura desses produtos concorrentes. O teste também é designado como
o teste do monopolista hipotético, na medida em que avalia o impacto do aumento
ligeiro do preço na rentabilidade da empresa (se os clientes são suficientemente fiéis
para não recorrerem imediatamente à concorrência face ao aumento do preço) e na
expansão da área geográfica da influência da empresa. É importante salientar esse
aspeto do SSNIP, porque determina se, do ponto de vista da empresa, vale ou não a
pena tentar monopolizar aquele mercado.

A substituibilidade também é relevante do lado da oferta, estando em causa saber se os


concorrentes, perante o aumento do preço do produto de A, têm capacidade produtiva
para responder à mudança de estratégia deste em tempo útil de modo a cativar a
procura que se perdeu do produto de A. Se os concorrentes não conseguirem reagir de
forma rápida e eficaz para atrair os clientes perdidos, significa que eles não exercem
pressão concorrencial e, como tal, a empresa tem mais poder de mercado, e este
aumenta quanto mais deficitária for esta capacidade de resposta.

Já a noção de concorrência potencial apela à entrada de novos concorrentes no


mercado, o que pode ser influenciado pelas práticas das empresas presentes no
mercado, vendo a perda de clientes dessas empresas como lacunas que podem ser
exploradas. Pode acontecer que certas empresas recorram a práticas de vedação do
mercado a novos concorrentes, como a celebração de acordos de exclusividade.

O conceito de mercado geográfico também já foi densificado pela Comissão, sendo


definido como “a área em que as empresas em causa fornecem produtos ou serviços,
em que as condições da concorrência são suficientemente homogéneas e que podem
distinguir-se de áreas geográficas vizinhas devido ao facto, em especial, de as condições
da concorrência serem consideravelmente diferentes nessas áreas.” Certas
circunstâncias podem determinar uma quebra na homogeneidade das condições de
concorrência, tais como os custos de transporte, os impostos alfandegários, as
preferências dos consumidores e a própria lei. Porém, o crescimento do mercado de
produtos digitais ou de distribuição digital acaba por fazer com que o conceito de
mercado geográfico perca alguma importância.

Para que um comportamento seja considerado anticoncorrencial tem de ter


suscetibilidade de afetar o comércio entre os Estados-membros da UE ou, no caso
português, de impedir, falsear ou restringir a concorrência no mercado nacional ou em
parte dele. Também esta capacidade de influência sobre o mercado é apreciada de
forma quantitativa: a “comunicação de minimis” da Comissão vem esclarecer que os
acordos entre empresas só são relevantes se ocuparem uma larga percentagem do
mercado relevante. Note-se que esta comunicação somente se aplica a acordos entre
empresas e não a situações de abuso de posição dominante, porque nos acordos não
existe posição dominante, enquanto no abuso de posição dominante deve existir uma
influência tão grande no mercado que qualquer ação o afeta. Os acordos podem ser
celebrados entre pequenas empresas e, nesse caso, o seu impacto no mercado
relevante é tão pouco (limiar de 10% para os acordos horizontais e 15% para os acordos
verticais) que não vale a pena invocar as regras da concorrência. Esta diferença de
limiares explica-se pelo facto de os acordos horizontais serem, em regra, ilícitos,
enquanto os acordos verticais são por regra lícitos (os acordos horizontais são
celebrados entre concorrentes, o que aponta para uma possível concertação de preços).

Na última revisão da comunicação de minimis, a Comissão procurou integrar a doutrina


do TJUE no acórdão Expedia, relativamente aos acordos contrários à concorrência pelo
seu objeto: estes acordos podem ser sancionados pela sua mera celebração (ex: acordos
de preços), pelo que não se lhes aplica a comunicação de minimis. Mas, a verdade é que
a Comissão não intervém na maioria desses acordos, por causa dos custos de
investigação desproporcionados em relação ao reduzido impacto dos acordos.

Aula 3

Hoje vamos tratar de práticas horizontais, e não exatamente de acordos horizontais,


porque as primeiras são mais abrangentes do que os segundos.
Os acordos horizontais são um alinhamento entre concorrentes, ou empresas que se
situam no mesmo patamar de valor, que produzem bens idênticos ou semelhantes e
que, por isso, estão no mesmo mercado. O art. 101º TFUE proíbe a celebração de
acordos e práticas concertadas que afetem a concorrência no mercado interno e que
tenham por objetivo restringir ou falsear a concorrência.
A primeira distinção a fazer é entre acordos horizontais e verticais: se é perfeitamente
indispensável para o mercado a celebração de acordos entre empresas (não
concorrentes), não se percebe que empresas concorrentes interajam entre si de outra
forma que não a competição.

A questão dos acordos horizontais tem raiz na liberdade de empresa/iniciativa


económica privada prevista no art. 61º CRP e concedida a todas as empresas que
queiram entrar no mercado. A proibição dos acordos horizontais é uma compressão
justificada pelo interesse público de promover a “concorrência salutar”, que inclui a
possibilidade de entrada de pequenas empresas no mercado. Porém, a Comissão já
considerou determinadas condutas deste tipo lícitas, como os acordos celebrados pelas
farmacêuticas para desenvolver a vacina da covid-19, uma vez que, perante
circunstâncias sem precedentes como a pandemia, as considerações sobre a
concorrência tiveram de passar para segundo plano.

O preço que é considerável aceitável para o mercado é determinado através do


equilíbrio de Nash, o ponto em que o custo marginal passa a ser superior ao rendimento
marginal. Assim é porque é a partir deste ponto que o concorrente no topo da hierarquia
obriga os outros a inovar e a praticar preços mais competitivos.
O objetivo dos acordos horizontais é, pois, eliminar o risco inerente à participação no
mercado e arrecadar mais rendimentos à custa dos consumidores. Que riscos são esses?
Nomeadamente, o risco de não arrecadar receitas suficientes para compensar o
investimento feito pelo empresário nos custos de produção, cuja principal causa
costuma ser a existência de ofertas mais atrativas por parte dos concorrentes. Assim, os
acordos horizontais destinam-se a evitar que existam essas ofertas atrativas, restando
apenas as suas.
No entanto, raramente os cartéis se destinam diretamente a excluir os concorrentes do
mercado, sendo mais abusos de exploração (sobre os consumidores) do que de exclusão
(sobre os concorrentes).
Um acordo entre empresas é sempre restritivo da concorrência. Logo, o que é preciso
determinar é se a restrição excessiva ou eliminação da concorrência é uma
consequência inerente, ou pelo menos expectável, do acordo (ver caso Chicago Board
of Trade vs USA).
Os acordos horizontais podem revestir a forma de acordos horizontais por objeto ou por
efeito: no primeiro caso, o objeto do acordo basta para este ser punido, enquanto no
segundo é precisa a produção de um dano ilícito à concorrência para que haja punição.
Naturalmente que a denominação de acordo por objeto está reservada aos acordos
mais nocivos ao mercado de concorrência, nomeadamente aos “cartéis hardcore” (nos
EUA, a distinção é feita entre acordos per se e acordos puníveis pela rule of reason,
embora ela seja funcionalmente idêntica às nomenclaturas portuguesas), que são
punidos, independentemente do dano que produzam em concreto. Pelo contrário, os
acordos horizontais por efeito só o são se for demonstrada a existência de efeitos
negativos concretos sobre a concorrência, o que deve ser avaliado pela autoridade da
concorrência, mas, antes, deve estabelecer se há um acordo por objeto.

Exemplos de acordos por objeto, dados pelo art. 9º, nº1 LdC:
a) Acordos de fixação de preços: o primeiro caso julgado sobre esta matéria
envolvia a Sagres; a maior parte destes casos provém de promoções concertadas
entre os supermercados. Quase todos os acordos de fixação de preços são
proibidos, mas alguns acordos verticais são lícitos, como por exemplo um acordo
em que o fornecedor impõe ao retalhista um preço máximo (a fixação de preço
mínimo é um acordo vertical por efeito). Há que ter em conta os casos de
parasitismo, em que uma empresa se aproveita da estrutura criada por outra
para vender os seus produtos; neste caso, o parasitismo é melhor combatido
pelos acordos de fixação de preços mínimos, desde que não se demonstre a
produção de efeitos lesivos do mercado (esta é uma exceção à proibição de
acordos de fixação de preços nos EUA, mas não na UE, sem prejuízo da
possibilidade de as empresas envolvidas em acordos desses convencerem a
Comissão de que o acordo por si celebrado não lesa a concorrência). Os acordos
previstos na al. b) do art. 9º, nº1 LdC são exemplos de acordos de fixação de
preços.
b) Acordos de repartição de mercados: as empresas podem celebrar acordos de
divisão de espaço geográfico ou de carteiras de clientes entre si. Isto não só
representa uma abstenção de concorrer por parte das empresas envolvidas, mas
também uma cristalização da carteira de clientes para cada uma, o que permite
que cada empresa envolvida seja monopolista no seu mercado, isto é, estes
acordos têm como consequência a criação de pequenos monopólios
geograficamente delimitados dentro do mesmo mercado de produto. É claro que
o imperativo constitucional de proteção do mercado de concorrência não
permite estes acordos.
c) Boicotes organizados a concorrentes: os acordos entre concorrentes costumam
ser de exploração em vez de exclusão, na medida em que procuram um benefício
ilegítimo à custa dos consumidores e não dos concorrentes. Este tipo de acordo,
contudo, é um verdadeiro acordo de exclusão, que nunca pode ser tolerado por
causa da liberdade de iniciativa privada, que pressupõe o livre acesso ao
mercado por todos os operadores.
d) Licitações combinadas em concursos e contratação pública: o CCP tem no seu
art. 70º, nº4 uma norma de prevenção destas práticas, segundo a qual a
entidade adjudicante deve comunicar à AdC todos os indícios de práticas
restritivas da concorrência, mesmo que não provoquem a exclusão da proposta.
Tendo em conta o prejuízo causado ao interesse público, esta conduta é
considerada crime, aplicando-se, além da pena principal de prisão ou de multa,
uma sanção acessória de privação do direito de participar em certos
procedimentos pré-contratuais (art. 71º, nº1, al. b) LdC).

A LdC, em conformidade com o art. 101º TFUE e em transposição da Diretiva Private


Enforcement, prevê como tipos de práticas restritivas da concorrência acordos entre
empresas, práticas concertadas e decisões de associações de empresas, e não é por
acaso que a lei nacional troca a ordem das práticas, já que as duas primeiras são
consideradas práticas indiciárias de um cartel.
A Diretiva PE define no art. 2º, nº14 um cartel como “um acordo ou prática concertada
entre dois ou mais concorrentes com o objetivo de coordenar o seu comportamento
concorrencial no mercado ou influenciar os parâmetros relevantes da concorrência,
através de práticas tais como, entre outras, fixar ou coordenar os preços de aquisição
ou de venda ou outras condições de transação, inclusive em relação aos direitos de
propriedade intelectual, atribuir quotas de produção ou de venda, repartir mercados e
clientes, incluindo a concertação em leilões e concursos públicos, restringir as
importações ou exporta ções ou conduzir ações anticoncorrenciais contra outros
concorrentes”. Em caso de existência de danos que possam ser imputados ao cartel,
este presume-se autor deles, o que é uma transposição deficiente do art. 17º, nº2 da
Diretiva PE, que presume que as infrações praticadas pelo cartel (independentemente
da natureza) causaram danos ao mercado, sendo essa presunção ilidível.

Acordos entre empresas:


O mero acordo de vontades entre concorrentes no sentido de alinhar as suas práticas
de mercado com o objetivo de restringir a concorrência constitui um cartel.

Práticas concertadas:
As coisas deixam de ser fáceis de definir, uma vez que a prova da sua existência é muito
difícil. Trata-se de uma prática semelhante por parte de concorrentes no mesmo
mercado, só que uma concertação de qualquer tipo faz disto um acordo entre empresas,
e não faz muito sentido insinuar com as práticas concertadas que quaisquer
comportamentos coincidentes são cartel, especialmente se os graus de informação
forem idênticos ou próximos. Assim sendo, não basta demonstrar a convergência de
práticas, é preciso provar que essa concertação teve por objetivo restringir a
concorrência (ver Guardian vs Comissão, Suiker Unie e Ahlstrom).
O facto de uma empresa permanecer no mercado depois de ter tido acesso a
informação sensível, presume-se que ela vai utilizar essa informação a seu favor (ver T-
Mobile).
O problema está quando as práticas não são concertadas diretamente entre os
concorrentes, utilizando um terceiro não concorrente (que costuma ser um fornecedor,
mas também pode ser um distribuidor) como intermediário – são os cartéis hub-and-
spoke; é um terceiro que distribui as informações aos concorrentes, facilitando o
alinhamento de comportamentos sem que as autoridades suspeitem, e é uma situação
problemática do ponto de vista da autoridade, porque é excessivo monitorizar todas as
conversas entre o intermediário e as entidades envolvidas. Perante a falta de provas, a
AdC tem de demonstrar que a empresa A transmitiu a informação ao fornecedor
contando que ela fosse transmitida por este à empresa B, sua concorrente, com o intuito
de restringir a concorrência.
A coordenação com recurso a algoritmos é um problema ainda maior e sem respostas,
visto que há uma concertação de preços através de um software comum, sem que exista
aproximação material nem contacto entre as entidades envolvidas. É pior ainda quando
o software usado é de utilização generalizada, criando dúvidas sobre quem deve ser
punido. Até ao momento, não foi adiantada nenhuma solução.
Decisões de associações de empresas:
Neste caso, as práticas restritivas da concorrência são feitas por entidades associativas
em que as empresas estão inseridas. As decisões tomadas por estas entidades são
equiparadas a acordos entre as empresas-membros, mesmo que sejam orientações não
vinculativas, uma vez que a associação é utilizada pelas empresas para iludir a lei. No
entanto, a Diretiva PE não considera estas decisões acordos, devido à dificuldade de
distinção entre decisões genuínas da associação e práticas concertadas encapotadas.

Aula 4

O art. 101º, nº3 TFUE prevê dois tipos de isenção do crivo do nº1: a isenção individual
consiste na análise concreta de um acordo que, se preencher 4 requisitos, dá um sinal
forte de que o balanço económico é globalmente positivo, mostrando-se pró-
concorrencial. Note-se que o objeto da norma é um acordo celebrado entre duas ou
mais entidades que em princípio seriam concorrentes, uma vez que, se o acordo for
imposto por uma empresa dominante sobre entidades economicamente subordinadas,
estamos perante um abuso de posição dominante, regulado pelo art. 102º.
a) “contribuir para melhorar a produção ou a distribuição dos produtos ou para
promover o progresso técnico ou económico”: a colaboração entre concorrentes
deve resultar num benefício estimável para a qualidade técnica dos produtos e
para a eficiência económica do setor;
b) “contanto que aos utilizadores se reserve uma parte equitativa do lucro daí
resultante”: o ganho mencionado anteriormente deve beneficiar igualmente as
empresas e os consumidores;
c) “não imponham às empresas em causa quaisquer restrições que não sejam
indispensáveis à consecução desses objetivos”: este requisito refere-se às
empresas no mercado que vão ser prejudicadas com as restrições do acordo, o
que significa que este tipo de acordo só é admissível se não existir uma forma
menos gravosa para o mercado de conseguir o mesmo benefício;
d) “não deem a essas empresas a possibilidade de eliminar a concorrência
relativamente a uma parte substancial dos produtos em causa”: o que se exige
é que se contrarie a formação de monopólios e oligopólios, ou seja, que o acordo
não coloque em risco a viabilidade dos concorrentes.

O TJUE já esclareceu que a verificação destes quatro requisitos é condição necessária e


suficiente para a concessão da isenção. No entanto, é precisa uma pronúncia formal por
parte da Comissão, pronúncia essa que tem efeito direto, vinculando as autoridades
nacionais de concorrência e os tribunais nacionais.
As ANC costumam ter receio de aplicar o art. 101º, nº3 TFUE, devido à escassez de
jurisprudência e à incerteza por parte das empresas quanto aos acordos que podem
caber na norma. Além disso, quando a ANC conclua que estão preenchidos os requisitos
de concessão da isenção, ela não pode tomar decisão que conclua pela não violação do
art. 102º TFUE (ver Tele2/Polski). Portanto, quando verifique o preenchimento dessas
condições, a ANC não tem alternativas senão conceder a isenção ou abster-se de decidir.

O art. 103º TFUE (e 10º LdC) refere que a concessão de isenção pode ser aplicada por
regulamento que fixe os requisitos cuja verificação dá uma isenção genérica aos acordos
que os verifiquem (“isenções em bloco”), assim como uma lista negra de cláusulas cuja
não verificação é o segundo requisito de concessão de isenção. Esta abordagem é
vantajosa porque permite a concessão de isenções de forma mais eficiente e rápida. No
entanto, cada regulamento dirige-se a um tipo específico de acordos.
É um exemplo dum regulamento de isenção o Regulamento nº330/2010, aplicável aos
acordos verticais. Estes acordos são intrinsecamente pró-concorrenciais, embora
possam apresentar certas cláusulas restritivas, podendo ser cláusulas da “lista negra”,
que tornam todo o acordo inválido, ou da “lista cinzenta”, que só exige a expurgação
das cláusulas ilícitas.
Outros exemplos são os acordos de cooperação horizontal (como acordos para
investigação e desenvolvimento) e os de transferência de tecnologia.

O procedimento de clemência é uma questão processual que só se coloca em causa em


relação às restrições coletivas. Trata-se da circunstância em que uma das entidades
envolvidas no ato ilícito denuncia as outras, ficando isenta ou vendo substancialmente
reduzida a coima aplicável, pelo que levanta questões éticas difíceis de superar, embora
elas tenham sido postas em segundo plano devido ao problema da proliferação dos
cartéis. Na verdade, a maioria dos casos de cartéis resolvidos pela Comissão e pelas ANC
provém de procedimentos de clemência.
Este regime funciona de forma preventiva porque, quando uma empresa sabe que
qualquer uma das envolvidas pode confessar, ela estará cética em participar num cartel
e, participando, minimizá-la no tempo, e ainda de forma repressiva para as ANC.
Hoje em dia, os arts. 75º LdC e o Regulamento nº1/2013, assim como a Comunicação da
Comissão 2006/C 298/1 são exemplos de normas que preveem esta possibilidade.
O problema é que, quando haja uma denúncia, a empresa denunciante corre o risco de
se confrontar com vários pedidos de indemnização por parte de clientes lesados,
causadores de prejuízos iguais ou piores do que a coima aplicável, além da perda de
reputação (embora esta preocupação seja relativa). Por isso, a nível processual, prevê-
se a isenção total de coima, desde que se preencham os requisitos do art. 77º LdC; se
essas condições não estiverem cumulativamente preenchidas, há redução da coima se
a empresa apresentar provas de valor adicional significativo (o nível de redução é de 30
a 50% para a primeira, 20 a 30% para a segunda e 20% para as restantes, podendo o
primeiro denunciante fazer uma “pré-reserva de imunidade”, comunicando à AdC ou à
Comissão a existência de um cartel, mesmo não existindo provas disso, desde que se
comprometa a arranjá-las no futuro).
As pessoas singulares podem igualmente ser sancionadas por práticas restritivas da
concorrência e participar em procedimentos de clemência (art. 76º, al. b) LdC).

As restrições verticais são cláusulas restritivas da concorrência integradas em acordos


verticais, que são tendencialmente pró-concorrenciais. Esses acordos são celebrados
entre empresas não concorrentes e situadas em planos diferentes da cadeia de
produção e distribuição.
Esses acordos podem conter cláusulas que prejudicam os consumidores ou os
concorrentes, quer na distribuição, quer na produção. Estamos perante acordos, que
pressupõem a vontade convergente das entidades envolvidas, não estando elas
obrigadas a aceitá-los. Às vezes, não é fácil saber quando começa e acaba uma relação
coletiva em relação a uma de domínio, e esta distinção é necessária devido ao princípio
ne bis in idem. No acórdão AEG vs Comissão, o TJUE entendeu que havia um acordo de
preços prévio ilegal, do qual uma das empresas envolvidas se serviu abusivamente, por
ter excluído um distribuidor da sua rede, pelo facto de não ter praticado o preço mínimo
por si recomendado. Já no acórdão Bayer vs Comissão, o TJUE estabeleceu que as
empresas não podem proibir os distribuidores de reexportarem as mercadorias que
importaram, pois tal ofenderia a liberdade de circulação de mercadorias; o tribunal
considerou que era uma infração individual, condenando apenas a empresa que impôs
essa proibição, a Bayer.

As restrições verticais estão reguladas apenas no DUE, enquanto a legislação nacional


não tem normas especiais que se dirijam a esses casos, ocupando-se com elas apenas
tangencialmente. Por isso, aplica-se igualmente o regime das isenções para os acordos
horizontais, com os mesmos requisitos, nos termos do Regulamento da Comissão
2022/720 (RIAV).
A primeira condição genérica para que o acordo seja isento é quantitativa, na medida
em que o art. 3º, nº1 proíbe que tanto o vendedor como o comprador tenham mais de
30% da quota do mercado em que os bens e serviços em causa são comercializados;
esta quota de mercado é calculada nos termos do art. 8º, mas deve ser feita a
especificação de que, se as partes tinham menos de 30% da quota de mercado e
ultrapassam o limiar na sequência do acordo, elas podem, ainda assim, beneficiar da
isenção nos dois anos civis seguintes. Como nos acordos horizontais, a segunda condição
de isenção é a não verificação de cláusulas da “lista negra” que excluem o acordo como
um todo da possibilidade de isenção (art. 4º), sem contar com as cláusulas da “lista
cinzenta” que devem ser expurgadas. Mesmo que estas condições estejam reunidas, a
Comissão pode decidir em regulamento que certos acordos, por representarem mais de
50% de um mercado numa rede de restrições verticais paralelas, não estão sujeitos ao
Regulamento e, por isso, a isenção está vedada a todo o mercado, que passa a ser
disciplinado pelos critérios gerais do art. 101º TFUE (isso não faz desses acordos ilícitos,
mas tão só que não beneficiam de isenção).

Acordos de marca única:


São acordos pelos quais o distribuidor se obriga a distribuir apenas os produtos do
fornecedor. Por outras palavras, o distribuidor obriga-se a limitar pelo menos 80% das
suas compras aos produtos de certo fornecedor. Obviamente que este acordo levanta
problemas de concorrência, apesar de trazer vários benefícios às partes envolvidas:
desde logo, o fornecedor garante o escoamento do produto e consegue planear melhor
a sua rede de distribuição, bem como os seus investimentos, enquanto o distribuidor
pode contar com o apoio logístico do fornecedor e com o seu abastecimento garantido;
já o consumidor beneficia de redes de distribuição mais eficientes, em resultado de um
melhor planeamento, tal como preços melhores. O problema é que aos concorrentes
está vedado pelo menos um distribuidor, criando potencialmente uma barreira à
entrada no mercado através do bloqueamento de redes de distribuição.
As restrições inter-marca limitam a concorrência entre os fornecedores, uma vez que o
fornecedor beneficiário detém um monopólio sobre o distribuidor vinculado. Com a
diminuição de concorrentes (à entrada), dá-se uma consolidação do mercado e, por
conseguinte, é facilitada a criação de cartéis.
Estes acordos podem prejudicar o mercado único europeu, visto que, se o distribuidor
não pode comprar bens e serviços a fornecedores concorrentes, também não os pode
importar de outros Estados da UE, promovendo-se a nacionalização das economias.

Aula 5

Os acordos de marca única são obrigações de não concorrência. O RIAV não inclui os
acordos de marca única, o que leva a que o acordo não possa ser considerado como um
todo contrário ao art. 101º TFUE, porque não se enquadra na “zona negra” nem na
“zona cinzenta”. No entanto, estes acordos podem, ainda assim, ser prejudiciais à
concorrência, e é por isso que o art. 5º, nº1, al. a) do RIAV limita a isenção aos acordos
com duração igual ou inferior a 5 anos, sendo a cláusula em contrário nula, para além
da possível aplicação de coima às entidades envolvidas, embora essa hipótese tenha
sido muito raramente aplicada, por causa dos efeitos geralmente limitados desses
acordos.
Na ótica do regulamento, estes acordos não podem ter efeitos posteriores ao fim da sua
vigência, ou seja, as obrigações de não concorrência não podem vincular as partes para
além da duração do acordo, salvo nos casos do art. 5º, nº3 RIAV. A mais importante das
condições é a indispensabilidade para a proteção do saber-fazer transferido do
fornecedor para o comprador, na medida em que visa prevenir um eventual parasitismo
por parte do comprador, que pode depois utilizar os conhecimentos adquiridos com
outro fornecedor, que se aproveita dessas informações sem qualquer investimento.
A Comissão admite nas suas orientações a renovação tácita dos acordos, desde que o
comprador/distribuidor possa renegociar o acordo e, se necessário, pôr-lhe termo.

Acordos de distribuição exclusiva:


A definição está no art. 1º, nº1, al. h) RIAV. A razão pela qual estes acordos podem lesar
a concorrência é o facto de os distribuidores vinculados ao acordo estarem vedados aos
fornecedores fora dele. Este acordo, que forma um exclusivo sobre determinada zona,
impede que o fornecedor intervenha nas outras zonas. Ainda assim, o distribuidor goza
de um poder de mercado mais significativo, uma vez que consegue um grupo fiel de
clientes sozinho ou em concorrência limitada, o que lhe permite aumentar a margem de
lucro. Para o consumidor, os acordos podem levar a um sistema de distribuição mais
eficiente com produtos de melhor qualidade e preços mais favoráveis, mas pode ocorrer
o efeito inverso e, perante a falta de incentivo a melhorar o produto por causa da
detenção de um monopólio dentro da zona abrangida pelo acordo, a qualidade do
produto pode piorar e o preço aumentar. O TJUE ressalvou que esse problema só é
preocupante se a concorrência inter-marca for fraca (ver Visma vs Konkurences).
Existem casos em que a mesma empresa é distribuidora de várias marcas, o que facilita
a colusão, especialmente sob a forma de acordos hub and spoke, nos quais o fornecedor
serve como o elemento de ligação entre os distribuidores. Por outro lado, estes acordos
acabam por criar, da parte dos distribuidores, vários oligopólios em diferentes zonas, o
que pode levar à discriminação entre consumidores ao nível do preço, porque os
distribuidores estão livres de fixarem o preço que quiserem no seu espaço geográfico.
O prejuízo desta discriminação é discutível, visto que esse resultado pode ser
importante na prevenção dos custos de peso morto, em que o monopolista produz
quantidade a menos sem satisfazer parte da procura; assim, para motivar a produção
de maiores quantidades e a redução do preço, o monopolista pode aumentar os preços
nas zonas onde haja mais procura, causando um aumento geral do bem-estar. Por estas
razões, a Comissão já estabeleceu que os acordos de distribuição exclusiva múltipla
retiram a isenção do art. 2º RIAV aos respetivos contratos, mesmo que as empresas
envolvidas continuem a ter uma quota de mercado inferior a 30%.
Outra desvantagem dos acordos de distribuição exclusiva é que podem constituir uma
barreira ao comércio entre os EM, na medida em que os fornecedores podem estar
impedidos de exportar, nacionalizando as economias, o que cria uma grande
possibilidade de um acordo com este teor ser restritivo por objeto (ver
Consten/Grundig).
Um acordo que proíbe um distribuidor de aceitar vendas passivas, ou vendas não
solicitadas, é automaticamente sujeito ao art. 101º TFUE, mas é permitida a cláusula
que proíbe o distribuidor de vender bens que permitam criar outros bens iguais ou
semelhantes aos produzidos pelo fornecedor, dada a intenção de prevenir a contrafação
(ver Ceahr vs Comissão). Também é permitida a cláusula que proíba o distribuidor de ter
página web com domínio estrangeiro ou onde a língua do fornecedor não seja falada.

Acordos de distribuição seletiva:


O fornecedor estabelece uma série de requisitos prévios, e só os distribuidores que
preenchem esses requisitos estão autorizados a distribuir os seus produtos (art. 1º, nº1,
al. g) RIAV). Além da fixação de requisitos em vez da abordagem direta, estes acordos
distinguem-se dos de distribuição exclusiva por não serem geograficamente limitados
nem se dirigirem a um leque específico de clientes. São acordos muito menos
problemáticos, que dão ao distribuidor maior poder de mercado, sem se preocupar com
parasitismo por parte de outros que não preencham os requisitos fixados pelo
fornecedor.
Estes acordos nunca foram exaustivamente tratados pelo RIAV, mas as condições
essenciais de admissibilidade foram desenvolvidas pela jurisprudência no acórdão
Metro: o sistema de distribuição seletiva só se justifica para determinados produtos que
justifiquem um cuidado maior com a sua distribuição, tendo o TJUE especificado os
produtos de luxo (para proteger a imagem do produto, já que vendê-los em qualquer
mercado pode fazer os consumidores desconfiar da sua veracidade, por exemplo) e os
produtos dotados de complexidade técnica ou tecnológica (são produtos que requerem
preparação técnica por parte do vendedor).
O TJUE também ressalva que os requisitos fixados pelo fornecedor nestes acordos
devem ser qualitativos e objetivos, de modo a que a seleção dos distribuidores seja
imparcial e não arbitrária, nem podem ir além do necessário para cumprir os seus
objetivos. Note-se que é uma ressalva de difícil prática, até porque o TJUE e a Comissão
já se contradisseram na qualificação de certas cláusulas. O TJUE é, contudo, coerente ao
considerar os acordos de distribuição seletiva que não reúnam essas condições ilegais
por objeto, pelo facto de aplicarem condições desiguais a prestações equivalentes,
colocando certos parceiros comerciais em desvantagem (arts. 101º, nº1, al. d) TFUE e
9º, nº1, al. d) LdC).

Cláusulas de melhor preço:


As partes podem equiparar as condições do seu contrato àquelas que o fornecedor
vinculado vai praticar com outros distribuidores, podendo o distribuidor vinculado exigir
ao fornecedor a aplicação dessas cláusulas se forem mais favoráveis. O problema disto
é que tende a criar termos mais favoráveis para todos os distribuidores ou nenhuns, o
que, de qualquer forma, é desfavorável ao fornecedor, que perde dinheiro, e ao
consumidor, que tem um preço pior do que aquele que teria se houvesse negociação
entre o fornecedor e os vários distribuidores.
Nas cláusulas de banda estreita, o fornecedor compromete-se a não praticar condições
melhores apenas dentro do seu canal de distribuição, enquanto as cláusulas de banda
larga abrangem as plataformas concorrentes.
O RIAV chama a estas cláusulas “cláusulas de paridade” e fazem parte da “lista cinzenta”,
o que significa que essas cláusulas não comprometem o acordo como um todo, embora
tenham de ser expurgadas. As cláusulas de nação mais favorecida são um exemplo
clássico, sendo proibidas quando respeitem à intermediação online, o que, na lei
portuguesa, é uma causa autónoma de ilicitude do acordo, mas apenas na indústria
hoteleira, segundo o art. 9º, nº1, al. e) LdC.

Acordos “resale price”:


O fornecedor impõe ao distribuidor os preços a praticar ou limiares de preços: a pura
fixação de preços e a fixação de preços mínimos são infrações por objeto. Já a fixação
de preço máximo e a recomendação de preços (esta recomendação tem de ser uma
verdadeira recomendação, sem vir acompanhada de sanções acessórias que façam dela
uma imposição) são permitidas e, mesmo que as recomendações sejam imposições
disfarçadas, são permitidas, desde que o distribuidor tenha aceite essa imposição, com
a possibilidade de recorrer a alternativas no mercado e vantagens que o incentivem a
seguir a imposição. Portanto, não pode ser uma pura e simples imposição unilateral.
Estes acordos são a melhor forma de combater o parasitismo. Por essa razão, nos EUA,
os acordos de “resale price” foram reconduzidos aos ilícitos por efeito (ver caso Leegin).
Por outro lado, a concorrência não é comprometida, mas terá de seguir outros critérios
que não o preço. Já o fornecedor pode encarar estes acordos como convenientes para
criar campanhas de promoção uniformes, atraindo clientela de forma mais consistente.

ABUSOS DE POSIÇÃO DOMINANTE

O conceito clássico de abuso de posição dominante abrange os casos em que várias


empresas, em conjunto, abusam do seu poder de mercado em seu favor (o que não se
confunde com um cartel), assim como aqueles em que o fornecedor/distribuidor se
aproveita do seu poder relativo de mercado para impor as cláusulas que entender aos
distribuidores/fornecedores que dele dependem.
A existência de uma posição dominante não é por si ilícita, até porque se pressupõe que
essa posição é reflexo da qualidade e da eficiência da empresa dominante; a ilicitude
requer que tenha havido abuso dessa posição. Embora a CRP imponha no art. 81º, al. f)
que o Estado contrarie a formação de monopólios e reprima os abusos da posição
dominante, a lei não condena a existência de posições dominantes nem de monopólios:
o que acontece é que incide uma responsabilidade adicional sobre a empresa que está
nessa posição, porque serve como modelo para as restantes empresas no mercado e
como referência para os consumidores. A empresa deve dar o exemplo e ser
especialmente responsável, o que deve ser fiscalizado pelo Estado, para prevenir
eventuais abusos, e esses abusos são melhor combatidos por um mercado competitivo,
já que, perante o abuso de um distribuidor, os fornecedores e os consumidores podem
negociar com empresas concorrentes, não estando obrigadas a aceitar os termos da
empresa abusadora.
Os abusos de posição dominante são mais frequentes em mercados de bens com baixa
elasticidade da procura, devido à falta de bens alternativos ou sucedâneos para que a
procura se possa desviar em caso de abuso, o que significa que esses bens são de
primeira necessidade e, seja qual for o preço, a procura mantém-se.
A liderança no mercado não é sinónima de posição dominante, uma vez que o líder está
obrigado a melhorar e a inovar continuamente o seu produto, sob pena de perder a
liderança, enquanto a empresa dominante não precisa de o fazer (pelo menos não
imediatamente), furtando-se à concorrência efetiva.
Quanto à determinação da existência de uma posição dominante, a Comissão já
adiantou que, em regra, uma quota de mercado inferior a 40% torna pouco provável
que exista posição dominante, a não ser que o mercado relevante seja de tal forma
disperso que não exista nenhuma empresa com quota que rivalize a da dominante (ver
British Airways). Por outro lado, uma quota de 50% aponta para uma enorme
probabilidade de existir posição dominante (ver Hoffmann-LaRoche); mesmo assim,
houve casos em que a Comissão considerou que uma empresa com quota de mercado
de 80 e 90% não era entrave à concorrência naquele mercado (caso Microsoft/Skype),
o que costuma acontecer em mercados muito voláteis, onde a posição dominante
facilmente se reverte a favor de outra empresa. Estamos perante presunções ilidíveis
que funcionam com muitas variáveis, nomeadamente a dispersão das quotas de
mercado, o poder negocial das contrapartes, a existência de obstáculos à entrada de
novos concorrentes ou à expansão dos presentes, a própria organização da empresa
(uma empresa que controle todos os estádios de produção e distribuição atinge mais
facilmente a posição dominante porque não depende de nenhuma outra e, por isso, não
incorre em custos de transação) e a detenção de vantagens tecnológicas importantes
ou direitos de propriedade industrial (ex: abusos de patente).

A posição dominante coletiva é um caso especial de abuso de posição dominante em


que várias empresas com uma posição importante no mercado trabalham em conjunto
para abusar das suas posições, o que pressupõe uma conduta racionalmente uniforme
entre as empresas envolvidas. Não estamos perante cartéis porque, ainda assim, são
práticas individuais reguladas pelo art. 102º TFUE e não pelo 101º. No entanto, acaba
por ser uma forma de cartelização agravada, porque a posição dominante não é
necessária à existência de um cartel, o que faz dessa prática uma infração por objeto.
Sucede, porém, que é preciso comprovar o cumprimento de 3 requisitos, densificados
pelo TJUE (ver Airtours vs Comissão e Piau vs Comissão): primeiro, as empresas devem
conseguir conhecer as estratégias umas das outras para poderem concertar as suas
condutas; segundo, a manutenção no tempo da coordenação tácita, com incentivos a
não quebrar essa linha de conduta, incluindo represálias económicas no caso de haver
essa quebra; terceiro, a resposta previsível dos concorrentes e dos consumidores não
deve comprometer a estabilidade da linha de ação comum.
Aula 6

Os abusos de dependência económica são relativos pois se restringem a mercados


internos, na medida em que ocorrem entre empresas em relação de direta dependência
económica, normalmente sem que haja consequências para os consumidores. O campo
preferencial de aplicação desta figura, embora não único, está nas relações verticais,
entre fornecedor e distribuidor, exercendo muitas vezes o primeiro dominância sobre o
segundo.
Devido ao seu caráter interno, os abusos de dependência económica não são suscetíveis
de afetar o comércio entre os Estados-membros, pelo que o DUE não prevê essa figura.
A dependência económica define-se pela falta de alternativa equivalente em relação à
empresa relativamente dominante (relativamente porque é dominante em relação a
certa empresa, não em relação ao mercado). Para ajudar as empresas em situações
destas, o art. 12º, nº2, al. b) LdC acrescentou ao art. 11º, nº2 a rutura injustificada de
relações comerciais ao elenco de indícios de existência de abuso de dependência
económica.

Recorde-se a distinção entre abusos de exclusão e de exploração: um abuso de exclusão


é toda a conduta que vise excluir concorrentes do mercado, enquanto o abuso de
exploração é o conjunto de comportamentos que visa aumentar os lucros que a empresa
já tem à custa dos consumidores ou dos fornecedores, comportamentos esses que só
são possíveis a partir dessa posição de dominância.
Os abusos de exploração são menos frequentes porque é mais difícil a empresa
aumentar a margem de lucro junto dos consumidores e dos fornecedores do que tentar
expulsar concorrentes do mercado.

Alguns exemplos de abusos de exploração:

a) Dumping: é o exemplo clássico de uma prática abusiva, que se traduz na venda


a preços excessivamente baixos, sem conseguir cobrir os custos de produção e
criando prejuízo, mas de modo a que os concorrentes não consigam praticar o
mesmo preço, eliminando-os porque não conseguem acompanhar, o que é pior
se o concorrente que fecha portas vende o negócio à empresa dominante. A
prática de dumping só é punível se a empresa é dominante, porque é nessas
condições que para ela faz sentido ter essas práticas. A gravidade desta conduta
vem precisamente da tentativa de estrangular economicamente os concorrentes
por esta conduta.
b) Recusa de venda: a empresa dominante num mercado a montante e ativa no
mercado a jusante se recusa a fornecer aos concorrentes a jusante para que
estes não possam competir consigo nesse mercado, o que é mais frequente com
empresas integradas em mais do que um mercado do processo de produção. O
TJUE tem usado os seguintes critérios de determinação da obrigação de
fornecimento das empresas a jusante pela dominante, baseada na ideia de
indispensabilidade desse fornecimento à manutenção da viabilidade dessas
empresas no mercado a jusante: a impossibilidade de fornecimento do mesmo
bem ou serviço por outro fornecedor (ver Sealink/B&I); a impossibilidade legal
decorrente do não licenciamento de direitos de autor ou de propriedade
intelectual (ver Magill); a inviabilidade económica da exploração do mercado
secundário, por os custos sem o fornecimento por parte da empresa a montante
se tornarem demasiado altos (ver Oscar Bronner). Além do critério da
indispensabilidade, o TJUE tem utilizado mais 3 critérios: a recusa ser de molde
a impedir o aparecimento de um novo produto com potencial procura, o
impedimento de uma concorrência efetiva a jusante e a inexistência de uma
causa justificativa da recusa. O art. 11º, nº2, al. e) LdC tipifica a recusa de acesso
a uma rede ou a outras infraestruturas por si controladas, em especial para
abranger os casos de algumas grandes empresas que, na sequência da sua
privatização, viram a sua rede de distribuição financiada, em parte ou no total,
por capital público, na medida em que o auxílio estadual cria uma vantagem
injusta para a empresa dominante.
c) Esmagamento de margens: é uma forma menos grave da recusa de acesso,
representando uma tentativa de desviar os lucros do mercado secundário a favor
da empresa dominante. Esta conduta está pensada para as empresas que estão
integradas em vários setores de diferentes fases da produção, uma vez que a
empresa-mãe visa beneficiar a filial com preços mais favoráveis e aumentar os
preços ou mantê-los de modo a fazer reduzir a margem de lucro das
concorrentes, sem que estes consigam obter fornecimento alternativo. Note-se,
porém, que é um comportamento de muito difícil prova, especialmente a
intenção por parte da empresa-mãe de esmagar os lucros dos concorrentes; por
isso, foi criado o teste AEC (“as-efficient competitor”), de acordo com o qual se
tenta comprovar que a viabilidade económica da empresa concorrente foi
comprometida com esse comportamento abusivo, através de um teste que
determina se um concorrente que é tão eficiente como a dominante a montante
consegue acompanhar (ver Deutsche Telekom e Slovak Telekom).
d) Descontos de fidelização: um desconto de quantidade não ameaça a
concorrência, uma vez que faz sentido que o cliente queira beneficiar de um
preço mais favorável, a não ser que o desconto vise discriminar um cliente em
prol de outro (ver Portugal vs Comissão). Já os descontos de fidelidade, que são
atribuídos quando o cliente se abastece exclusivamente (ou com uma
percentagem elevada do seu stock) junto de um fornecedor, podem ser abusos
de posição dominante. O TJUE refere-se a um terceiro tipo de descontos sem
grande caracterização (ver Michelin II). A ideia destes descontos é que eles são
abusivos porque pressupõem um elevado grau de fidelização por parte do
cliente (ver Intel), ou seja, a empresa dominante veda certos descontos especiais
aos seus clientes atrás de um nível elevado de fidelização, garantindo clientela e
que ela fuja para um concorrente. Esta prática foi, durante muito tempo,
considerada uma prática restritiva por objeto.
e) Tying/bundling: o quinto exemplo de abuso de posição dominante é a tentativa
por parte da empresa dominante de obrigar o cliente ou concorrente a comprar
bens ou serviços de que não precisa, para depois poder comprar aqueles que
necessita, ou, permitindo a compra em separado dos bens necessários,
disponibiliza-os a um preço muito mais elevado. Esta conduta pode vir sob a
forma de vendas subordinadas, em que se vende bens funcionalmente conexos
e que são utilizados em conjunto, ou sob a forma de vendas agrupadas (ver Hilti).
Este comportamento só é abuso de exclusão se visar expulsar concorrentes do
mercado subordinado.
f) Abusos de patente: consistem no prolongamento excessivo do prazo de validade
da patente ou na tentativa fraudulenta de obter benefícios de exploração da
patente. Neste âmbito, eram muito frequentes as situações em que, quando a
patente estava perto de expirar, o seu proprietário introduzia alterações
superficiais ao produto e criava outra patente (“evergreening”); outra conduta
em voga é pagar diretamente aos concorrentes para não explorarem a patente
perto de expirar, ou “pay for delay” (o que é muito frequente na indústria
farmacêutica, não só porque pequenas empresas podem usar a patente para
criar medicamentos genéricos, mas também porque as patentes farmacêuticas
têm uma duração geral de 25 anos, mais 5 anos do que o resto das patentes,
sendo do interesse da empresa dominante maximizar a exploração da sua
patente); finalmente, casos há em que a empresa dominante deixa a patente
original expirar e cria uma patente posterior que é necessária para que a
primeira seja devidamente utilizada (“patent ambushes”), defraudando a
concorrência porque obriga os concorrentes a pagar-lhe royalties para a sua
patente ser viável (ver Rambus, EUA).
g) As killer acquisitions são aquisições de empresas mais pequenas que criam
produtos concorrentes com os da adquirente, a fim de acabar com esse
desenvolvimento. O problema destas aquisições é que, como as empresas
compradas são sobretudo pequenas e médias empresas, não tem de haver
notificação prévia, pelo que não há controlo prévio sobre este tipo de negócios.
Por isso, não têm sido adiantadas grandes soluções, salvo a imposição de multas.

Os abusos de exploração são feitos à custa dos consumidores finais a fim de manter a
quota de mercado. Este tipo de abusos só existe em mercados onde a procura é rígida,
uma vez que são os mercados em que a posição dominante pode ser usada para praticar
atos que, noutros mercados onde a procura é elástica, levariam os consumidores a
procurar alternativas.
A conduta mais frequente deste tipo é o preço excessivo, mas não é fácil apurar o que
constitui um preço excessivo, embora se saiba que se relaciona intimamente com o
crime de especulação, previsto no DL nº26/84, que consiste na prática de preços
superiores aos que seriam praticados se resultassem do normal exercício da atividade
de mercado. Como é geral no DdC, só são relevantes os casos de preços excessivos
capazes de alterar o mercado como um todo.

Por vezes, é difícil saber em que situações estamos perante restrições verticais e abusos
de posição dominante.
Por exemplo, nos casos em que o fornecedor dominante impõe preços mínimos de
revenda para vender mais caro ao distribuidor (caso Super Bock): a Super Bock foi
multada pela AdC por uma conduta destas, que foi subsumida à celebração de um
acordo vertical restritivo, mais concretamente um acordo de fixação de preços mínimos.
A dificuldade está em saber se existe realmente um acordo de vontades que pressupõe
o acordo vertical e, se a negociação foi meramente independente, esta conduta devia
ter sido classificada de abuso de posição dominante.
O mesmo se pode dizer dos restantes tipos de acordos verticais, sem contar com as
hipóteses em que há simultaneamente acordos verticais e abusos de exploração,
nomeadamente no caso das vendas subordinadas e agrupadas, que podem ter por fim
escoar o produto e aumentar os lucros, assim como no caso da recusa de venda, que
pode ter por fim a punição do cliente por se ter recusado a aceitar certas condições.

Objetivos:

1- O direito da concorrência como um direito regulatório transversal:


O direito da concorrência considera-se um direito regulatório transversal, na
medida em que é aplicável a todos os setores económicos. A concorrência de
mercado é um valor que deve ser protegido em toda a economia, de modo a
preservar a liberdade de empresa e iniciativa económica (art. 61º CRP), o que se
faz através de mecanismos que visem evitar a exploração das lacunas ou das
brechas do mercado pelos operadores económicos, aproximando o mercado o
mais possível do modelo de concorrência perfeita.
No entanto, o objeto do DdC não é assim tão amplo, uma vez que as suas normas
não se aplicam a quaisquer práticas restritivas da concorrência, mas tão só
àquelas que comprometem a integridade do mercado de concorrência.

2- Papel das entidades reguladoras:


A entidade reguladora presente em Portugal é a Autoridade da Concorrência.
A presença de uma entidade reguladora é, desde logo, justificada pela tarefa
fundamental atribuída ao Estado de evitar a formação de monopólios e
oligopólios, assim como de prevenir e reprimir abusos de posição dominante
(art. 81º, al. f) CRP), reforçada pelos objetivos assumidos no art. 99º CRP de
promover a “concorrência salutar” (al. a)), combater a especulação e as práticas
restritivas (al. c)), com o objetivo de proteger os consumidores (al. e)).
A AdC é uma entidade reguladora independente, o que significa que, apesar de
os seus membros serem nomeados pelos poderes públicos, são independentes
destes. A independência destas entidades é essencial para assegurar a proteção
imparcial do mercado concorrencial, mas essa independência tem de ser
ambivalente, quer em relação aos poderes públicos (o TJUE, no acórdão Sped-
Pro vs Comissão, entendeu que a nomeação dos membros da AdC nacional pelos
poderes públicos pode comprometer as garantias de independência daquela),
quer em relação aos poderes privados (para evitar situações de “captura do
regulador”), tudo em execução do princípio da subordinação do poder
económico ao poder político (art. 80º, al. a) CRP).
Além da AdC, o ordenamento português prevê um Tribunal da Concorrência
autónomo, embora não existam no momento instâncias de recurso
especializadas, especialmente ao nível do STJ, apesar de o TRL ter feito
progressos nesse sentido. Outro problema é o facto de os litígios sobre a
concorrência serem muitas vezes reconduzidos aos tribunais comuns, que
costumam estar impreparados para as questões de DdC suscitadas.
3- Natureza dual do DdC:
O DdC é um direito de natureza dual, pois nele convivem o direito nacional e o
DUE. O princípio do primado do DUE, devido à necessidade de proteger o
mercado interno, obriga a que a União tenha competência exclusiva para criar
as normas de DdC necessárias ao bom funcionamento do mercado interno (art.
3º, al. b) TFUE), mas não impede que o direito nacional crie normas próprias
sobre o direito da concorrência em tudo quanto não colida com a competência
exclusiva da UE, podendo inclusive considerar ilícitas certas condutas que o DUE
não considera, com a ressalva de o direito nacional não poder ser mais restritivo
do que o DUE em relação a práticas restritivas e a acordos, mas já pode sê-lo em
relação a práticas restritivas individuais.
Os tribunais, por sua vez, devem aplicar as regras de DdC previstas no TUE, por
força do Regulamento nº1/2003.

4- Interseção do DdC com outros ramos do direito:


O DdC, apesar de crescer enquanto ramo autónomo, é ainda muito pequeno em
dimensão e, mais do que isso, o seu objeto envolve situações para cuja regulação
são competentes outros ramos do direito.
Por exemplo, o direito comercial fornece ao DdC vários conceitos essenciais
(incluindo o de empresa, embora o conceito adotado no DdC seja muito mais
abrangente por causa da sua natureza transversal), enquanto o direito do
trabalho é competente para regular a obrigação de não concorrência estipulada
entre o trabalhador e o empregador. O direito da propriedade intelectual e
industrial é chamado para certas situações que parecem prender-se ao DdC,
como a criação de uma empresa com logótipo e marca semelhantes a outra já
existente, induzindo os consumidores em erro. Por último, o direito penal está
claramente envolvido, visto que a maior parte das condutas anticoncorrenciais
também constituem crime.

5- A conceção de empresa no DdC:


O conceito de empresa no DdC é muito abrangente, de modo a abranger
qualquer entidade, pública ou privada, com ou sem personalidade jurídica, que
exerça uma atividade económica e que seja capaz de adotar condutas que
possam afetar a concorrência de mercado como um todo (art. 3º, nº2 LdC).
Além da abrangência, a empresa no DdC não tem de ser uma entidade individual,
sendo de destacar a noção de unidade económica, que é um conjunto de
empresas que, devido a uma relação especial entre elas (tendencialmente de
domínio ou de grupo), são consideradas como uma só empresa para efeitos de
DdC.
Um exemplo clássico de unidade económica é a relação de domínio que, para
determinar a existência de uma unidade económica, exige que a sociedade-mãe
tenha e efetivamente exerça o poder de influenciar a tomada de decisão da
sociedade-filha. A propósito, presume-se que há unidade económica quando
uma sociedade detém pelo menos 90% do capital de outra, porque se pressupõe
que a segunda não tem autonomia suficiente para tomar as suas decisões sem
influência da primeira, embora esta presunção seja ilidível. A precisão dos
termos destas relações é importante para determinar a responsabilidade da
sociedade-mãe pelos atos da filial: havendo unidade económica, a sociedade-
mãe é responsabilizada pelos atos da filial, mesmo que esta tenha personalidade
jurídica e pessoal distintos, a não ser que a sociedade-mãe prove que a filial
atuou contra as suas orientações (caso ICI vs Comissão). Ao invés, a filial também
é responsabilizada pelos atos da sociedade-mãe, sendo indiferente pedir
indemnização a uma ou a outra, salvo se a filial provar que exerce uma atividade
económica distinta da sociedade-mãe e que, por isso, não podia participar na
tomada de decisão de praticar um ato restritivo (caso Sumal).
A tendência do TJUE é a de interpretar o conceito de unidade económica de
forma cada vez mais ampla: no acórdão Knauf Gips vs Comissão, o TJUE
entendeu que duas entidades independentes que exerciam atividades
económicas completamente distintas faziam parte de uma unidade económica
pelo facto de terem os mesmos sócios, capital social e administradores.
O mecanismo sancionatório mais utilizado para estas situações é a coima, que,
em princípio, pode ser indiferentemente exigida a qualquer entidade parte da
unidade económica. Em regra, a coima equivale a 10% dos rendimentos de toda
a unidade económica (caso Akzo Nobel vs Comissão) e 1% nos casos menos
graves, mas a AdC tem por referência apenas a entidade infratora
individualizada.

6- Poder de mercado:
Uma vez que o DdC só intervém contra as condutas restritivas que podem
comprometer a concorrência de mercado como um todo, o DdC só é aplicável
aos atos das entidades com maior poder de mercado.
O poder de mercado é, segundo as orientações da Comissão, composto por 3
componentes: a substituibilidade dos produtos, o mercado geográfico e o
mercado temporal. Para avaliar a existência de poder de mercado, as instituições
europeias servem-se do teste SSNIP (aumento ligeiro mas significativo do preço),
que visa determinar a reação dos concorrentes e dos consumidores a um
aumento do preço; para avaliar a permutabilidade dos produtos, é necessário
precisar a elasticidade cruzada da procura entre os produtos em análise, sendo
o resultado ideal os consumidores procurarem uma alternativa na sequência do
aumento do preço e, se conseguirem, mostram que existe outro produto
suficientemente semelhante de modo a poder substituir o produto da empresa
dominante; o mercado geográfico define-se pela extensão territorial da
influência sobre os concorrentes e os consumidores das práticas da empresa
dominante; por fim, o mercado temporal avalia o tempo durante o qual as
condutas exploradoras da posição de domínio, mesmo sendo anticoncorrenciais,
são rentáveis.
O teste SSNIP tem também o nome de “teste do monopolista hipotético”, pelo
facto de esse teste visar ainda o impacto do aumento ligeiro mas significativo do
preço na rentabilidade da empresa e, com isso, determinar se, do ponto de vista
da empresa, vale a pena tentar monopolizar esse mercado.
Note-se que o conceito de mercado geográfico nada tem a ver com a
proximidade geográfica: o mercado geográfico é, segundo a Comissão, uma zona
onde os produtos oferecidos e as condições de mercado são relativamente
homogéneas. Outro aspeto importante é o da substituibilidade da oferta, isto é,
a capacidade de resposta dos concorrentes à perda de procura que o aumento
ligeiro do preço possa significar para a empresa que o faz, ou melhor, a
capacidade dos concorrentes de absorver a procura entretanto perdida pela
empresa com maior poder de mercado.

7- Acordos horizontais e verticais:


Os acordos horizontais são celebrados entre entidades concorrentes, enquanto
os acordos verticais são tipicamente entre entidades situadas em diferentes
fases do processo de produção (normalmente entre fornecedores e
distribuidores), portanto, não concorrentes.
É por causa da relação entre as entidades envolvidas no acordo que as
instituições europeias têm abordagens diferentes face aos dois tipos de acordos:
nos acordos verticais, em princípio, a concorrência não está comprometida
porque as entidades não concorrem entre si, sendo, pelo contrário, necessários
à estabilidade das cadeias de produção, mas os acordos horizontais são
celebrados entre concorrentes, o que significa que eles se furtam à obrigação de
concorrer para colaborar entre si, habitualmente com fins contrários aos do
mercado.
Disto resulta que os acordos horizontais se presumem anticoncorrenciais,
enquanto os acordos verticais se presumem pró-concorrenciais. Mesmo assim,
nada impede que certos acordos horizontais se revelem em concreto pró-
concorrenciais, nem que certos acordos verticais contenham cláusulas
atentatórias da concorrência. Independentemente do tipo de acordo, o art.
101º, nº1 TFUE proíbe qualquer um que vise restringir ou falsear a concorrência.
Estes acordos podem ser de exclusão ou de exploração. Os abusos de exclusão
visam excluir concorrentes do mercado, ao passo que os abusos de exploração
têm em vista o aumento dos lucros à custa dos concorrentes ou dos
consumidores, através da exploração da posição mais favorável pela empresa.
Os abusos mais frequentes são os de exclusão, já que a maior parte dos
mercados têm procura elástica, o que significa que a maioria das empresas não
consegue implementar práticas abusivas como cobrar preços excessivos sem
perder rentabilidade.

8- Acordos horizontais:
Os acordos horizontais são, à partida, anticoncorrenciais, porque representam
por parte das entidades envolvidas uma renúncia ao dever de concorrer entre si,
tentando assim evitar os riscos inerentes à participação no mercado e a que
todos os concorrentes se têm de sujeitar. Por isso, estão sujeitos ao crivo do art.
101º, nº1 TFUE.
No entanto, esses acordos horizontais podem excecionalmente ser permitidos,
desde que cumpram os requisitos do art. 101º, nº3 TFUE: primeiro, devem
contribuir para a melhor qualidade e eficiência do mercado em que se inserem;
segundo, os consumidores devem beneficiar do acordo na mesma medida que
as empresas envolvidas nele; terceiro, o acordo deve ser a única forma de
prosseguir os objetivos pretendidos, contanto que estes sejam lícitos; quarto,
não pode resultar do acordo a exclusão de concorrentes do mercado. Note-se
que estes requisitos são cumulativos e, se não estiverem preenchidos, não pode
a Comissão decidir pela não violação do art. 102º TFUE (Tele2/Polski). O TJUE
acrescenta ainda um quinto requisito, que é o caráter isolado destas condutas,
ou seja, que elas sejam suficientemente esporádicas para não criar a impressão
de um comportamento sistemático (AEG vs Comissão).
As isenções individuais da aplicação do nº1 são aferidas desta forma, mas as
isenções podem ser concedidas de forma coletiva, através das “isenções em
bloco”, em que a autoridade competente fixa um conjunto de requisitos, cuja
verificação atribui uma isenção automática à empresa que os cumprir.
Quando não cumpram esses requisitos cumulativos, os acordos são avaliados à
luz do art. 101º, nº1 TFUE. Neste âmbito, deve-se fazer a distinção entre acordos
por objeto, que cuja mera celebração é ilícita, e acordos por efeito, cuja ilicitude
requer a prova de efeitos nocivos concretos à concorrência.
A jurisprudência já se deparou com vários tipos possíveis de acordos horizontais:

a) Acordos de fixação de preços – uma empresa pode combinar com outra a


fixação de preços máximos ou mínimos, ou optar pela pura fixação de um
preço concreto. É estabelecido que a pura fixação de preços e os preços
mínimos são acordos por objeto, embora nos EUA sejam acordos por efeito,
devido à sua eficácia no combate ao parasitismo.
b) Repartição geográfica do mercado – num dado mercado geográfico, os
concorrentes deixam de concorrer entre si e repartem o mercado, formando
vários micromercados geograficamente delimitados em que cada empresa é
monopolista no seu mercado.
c) Boicote organizado a concorrentes – certas empresas combinam entre si
práticas restritivas de modo a expulsar ou fazer um concorrente abandonar
o mercado. O abuso de exclusão por excelência.
d) Licitações no âmbito de procedimentos pré-contratuais de contratação
pública – esta conduta, além de anticoncorrencial e geradora de coima, é
crime, com sanção acessória de proibição de participação em futuros
procedimentos concursais públicos durante 2 anos (art. 71º, nº2 LdC).
Quando se depare com uma conduta deste tipo, a entidade adjudicante deve
notificar a AdC sobre potenciais práticas restritivas (art. 70º, nº4 CCP).

9- Procedimentos de clemência:
É frequente num cartel uma empresa, vendo a descoberta do seu ilícito
iminente, denunciar os restantes envolvidos à AdC, na esperança de ver a sua
sanção atenuada ou extinta.
A LdC prevê o procedimento de clemência, mas com algumas complexidades, no
sentido de fazer depender a isenção total de coima dos requisitos cumulativos
previstos no art. 77º, nº2. Se algum não estiver preenchido, há mera atenuação
da coima, mas, ainda assim, o art. 78º, nº1 prevê dois requisitos adicionais para
que assim seja. Se várias empresas denunciarem, dá-se uma redução entre 30 e
50% para a primeira, uma redução entre 20 e 30% para a segunda e uma de 20%
para as restantes (art. 78º, nº2).

10- Restrições verticais:


As restrições verticais são acordos restritivos da concorrência celebrados entre
empresas situadas em diferentes mercados (normalmente entre distribuidores
e fornecedores), não sendo por isso concorrentes. Por causa da importância
destes acordos no fluxo de trocas comerciais, os acordos verticais são, em regra,
pró-concorrenciais, mas casos há em que eles contêm cláusulas restritivas.
Mesmo assim, o RIAV prevê um regime de isenção da aplicação do art. 101º, nº1
TFUE aos acordos verticais, desde que preencham certas condições. Desde logo,
nenhuma das empresas envolvidas pode deter mais de 30% da quota dos
mercados em que se encontram, mas, se as empresas deterem menos de 30% e
passarem a tê-lo em resultado da celebração do acordo, a isenção aplica-se por
um período de 2 anos (art. 3º, nº1 RIAV). Mesmo quando nenhuma destas
hipóteses se verifique, a Comissão já decidiu excluir um acordo vertical da
isenção, devido à existência de redes de acordos paralelos entre as mesmas
entidades que ocupavam mais de 50% da quota de mercado, e assim fez para
evitar fraude aos critérios do RIAV.
O RIAV faz ainda a distinção entre cláusulas da “lista negra” e cláusulas da “lista
cinzenta”: enquanto as primeiras tornam todo o acordo inválido, aplicando-se
automaticamente o art. 101º, nº1 TFUE (art. 4º), as segundas requerem apenas
a sua expurgação, sendo o acordo válido em todo o resto (art. 5º).

A jurisprudência já se deparou com vários tipos de restrições verticais:


a) Acordos de marca única – o distribuidor compromete-se a vender apenas os
produtos facultados pelo fornecedor, ou a ter pelo menos 80% do seu stock
proveniente daquele fornecedor. Se é verdade que o fornecedor ganha com
este acordo uma plataforma viável de escoamento dos seus produtos e o
distribuidor fornecimento garantido, também é verdade que estes acordos
excluem um distribuidor do mercado, sobre cujos serviços de distribuição
mantém o fornecedor em causa um monopólio. O RIAV chama a estes
acordos obrigações de não concorrência e estabelece uma duração máxima
de 5 anos (art. 5º, nº1, al. b)), sob pena de a cláusula ser nula, a não ser que
se verifique a situação prevista no art. 5º, nº2.
b) Acordos de distribuição exclusiva – o fornecedor compromete-se a autorizar
apenas um determinado distribuidor a revender os seus produtos em certa
zona geográfica. O problema destes acordos é que o distribuidor, tendo o
monopólio sobre a zona que lhe cabe, pode incorrer em práticas típicas de
um abuso de posição dominante, fazendo estagnar a inovação e a qualidade
do produto e aumentar os preços. No entanto, o TJUE considera que esse
risco só é real se a concorrência inter-marca for fraca, uma vez que isso
significa que nenhum concorrente consegue reagir a tempo à perda de
procura que essas práticas podem causar (Visma vs Konkurences).
c) Acordos de distribuição seletiva – um fornecedor fixa uma série de requisitos
prévios, e só os distribuidores que os preenchem estão autorizados a
distribuir os produtos dele. O TJUE (Metro) fixou três requisitos para a
admissibilidade deste tipo de acordos: primeiro, os critérios fixados devem
ser objetivos, qualitativos e não arbitrários, isto é, não podem ter como
objetivo eliminar determinados concorrentes do mercado; segundo, os
critérios não podem ir além do necessário para a prossecução dos objetivos
do fornecedor; terceiro, a fixação de requisitos só faz sentido nos setores dos
produtos de luxo (para proteger a imagem social desses produtos) e dos
produtos de alta complexidade técnica e tecnológica (para defender o
consumidor no caso de ele precisar de assistência na utilização ou na
reparação do produto). Em todos os outros casos, estes acordos são nulos.
d) Cláusulas de melhor preço: nestes acordos, uma empresa obriga-se perante
outra a, na hipótese de celebrar um acordo mais favorável com um terceiro,
praticar com ela os mesmos termos desse acordo. Estas cláusulas fazem
parte da lista cinzenta, porque desincentivam as empresas a celebrar
acordos mais competitivos, para não terem de repetir os mesmos termos
com todos os concorrentes.
e) Acordos de resale price: são acordos de fixação de preços a nível horizontal.
Estes acordos podem consistir na pura fixação de preços, na fixação de um
preço máximo, na fixação de um preço mínimo e na mera recomendação de
preço. Os acordos que fixam preços certos ou preços mínimos são restritivos
por objeto (embora nos EUA a fixação de preços mínimos seja uma infração
por efeito, por causa da sua eficácia no combate ao parasitismo), enquanto
os preços máximos e a recomendação de preços são admissíveis.
As recomendações devem ser, no entanto, verdadeiras recomendações e
não imposições disfarçadas. Na verdade, podem ser imposições, desde que
não sejam unilaterais e que exista para o obrigado um incentivo a aceitar a
imposição, sempre com a alternativa de recorrer à concorrência.

11- Abuso de posição dominante:


Os abusos de posição dominante consistem em situações em que uma ou mais
empresas em posição dominante num mercado se aproveitam da posição para
impor unilateralmente aos concorrentes e/ou aos consumidores condições
desfavoráveis.
Tal como o DdC só intervém contra as práticas restritivas que põem em causa
toda a concorrência de mercado, também não é proibida a existência de uma
posição dominante, especialmente quando ela derive da excelência ou da
qualidade dos bens e serviços da empresa dominante, sendo a intenção evitar
que a empresa dominante se sirva da sua posição para tomar atitudes disruptivas
do mercado. Assim, o interesse em evitar a formação de posições dominantes
ou de monopólios parte da presunção de que a empresa, quando recebe
informações sobre os seus concorrentes, as vai utilizar a seu favor (T-Mobile).
A Comissão estabeleceu que uma quota de mercado inferior a 40% torna
improvável a existência de posição dominante, salvo quando o mercado seja tão
disperso que nenhum dos concorrentes tem uma quota de mercado próxima
(British Airways), e que uma quota superior a 50% torna muito provável a
existência de uma posição dominante, sem responder aos casos em que a quota
se situa entre 40 e 50%. Apesar destes critérios, a Comissão já considerou que
não existia posição dominante de uma empresa com 80 ou 90% da quota de
mercado, devido à natureza extremamente volátil causada pela constante
inovação de certos mercados (Microsoft vs Comissão).
12- Abusos de posição dominante coletiva:
A posição dominante pode ser detida por mais do que uma empresa. Para que
exista uma situação destas, o TJUE (Piau vs Comissão) fixou três condições: as
empresas envolvidas têm de conhecer ou estar em condições de conhecer as
estratégias umas das outras, deve haver incentivos a manter o alinhamento de
condutas (as represálias económicas consideram-se incentivos nesse sentido) ou
pelo menos não haver dissuasores a esse alinhamento, e a resposta previsível
dos consumidores e dos concorrentes não deve pôr em causa o alinhamento.

13- Abusos de dependência económica:


Os abusos de dependência económica são de âmbito mais restrito do que os
abusos de posição dominante, na medida em que se traduzem num abuso
exercido pela empresa dominante face a outra diretamente dependente dela.
Portanto, em vez de o abuso afetar todo o mercado como faz o abuso de posição
dominante, os efeitos do abuso de dependência económica circunscrevem-se à
relação entre essas duas empresas, sem que tenha reflexos sobre os
concorrentes e os consumidores.

14- Exemplos de abusos de posição dominante:


Normalmente, estas práticas abusivas são de exclusão, na medida em que visam
excluir concorrentes do mercado, sem prejuízo de pontuais abusos de
exploração como a prática de preços excessivos.

a) Dumping – a empresa dominante pratica preços muito baixos, a ponto de


darem prejuízo por não conseguirem cobrir os custos de produção, na
expectativa de que os concorrentes não consigam suportar as perdas
resultantes da tentativa de acompanhar esses preços, obrigando-os a
abandonar o mercado.
b) Recusa de venda – a empresa dominante que tem volume de negócios nos
mercados a montante e a jusante veda o mercado a montante aos
concorrentes para os eliminar no mercado a jusante. O exemplo clássico é o
da empresa dominante que domina o mercado das matérias-primas de
fabrico de tinta e que se recusa a vendê-las aos concorrentes para os impedir
de fabricar a sua tinta, obrigando-os a sair do mercado.
A jurisprudência considera que este tipo de práticas só é ilícito se existir uma
obrigação de fornecimento para com os concorrentes. Essa obrigação é
aferida por 4 requisitos: a indispensabilidade desse fornecimento à
viabilidade económica dos concorrentes (quer por impossibilidade de
fornecimento junto de outra empresa, quer por problemas derivados de
exploração de direitos de propriedade intelectual e industrial, quer por
impossibilidade de expansão do concorrente para o mercado a montante –
acórdãos Magill e Oscar Bronner), o caráter injustificado da recusa, a
finalidade de eliminar a concorrência a jusante e a eliminação de um novo
produto com potencial procura.
c) Esmagamento de margens – a empresa dominante no mercado a jusante cria
uma filial a montante e pratica com ela termos muito mais favoráveis, de
modo a reduzir a margem de lucro dos concorrentes. O TJUE afere a ilicitude
desta prática através do teste AEC, que visa determinar se um concorrente
tão eficiente como a empresa dominante conseguiria sobreviver nas
condições de mercado impostas por essa conduta.
d) Descontos de fidelização: a empresa dominante veda aos clientes descontos
consideráveis atrás de um alto grau de fidelização (Intel).
e) Tying/bundling: a empresa dominante obriga o cliente a comprar bens de
que não precisa junto com ou antes dos bens de que ele efetivamente
necessita (Hilti).
f) Abusos de patente: a empresa dominante adota condutas de exploração
abusiva das patentes registadas a favor dos seus produtos. Neste sentido,
perante a iminência do termo do prazo de validade da patente, pode
introduzir alterações não essenciais ao produto e registar nova patente
(evergreening), pode pagar aos concorrentes para não explorar a patente
expirada durante certo período de tempo (pay for delay), ou pode ainda criar
uma nova patente da qual a patente antiga depende, tornando a exploração
desta inviável sem o pagamento de royalties à empresa dominante (patent
ambushes – Leegin).
g) Killer acquisitions: a empresa dominante adquire uma concorrente com o
único intuito de fazer cessar a sua atividade ou a produção de um produto
que possa rivalizar o seu.

15- Confusão entre abusos de posição dominante e restrições verticais.


Muitas vezes, as duas figuras confundem-se e a mesma situação pode subsumir-
se a ambas. Por exemplo, o tying e o bundling são exemplos de abuso de posição
dominante, mas podem constituir restrições verticais se tiverem tido a intenção
de impor ao distribuidor o escoamento de produtos que, de outra forma, não
seriam escoados. Do mesmo modo, a recusa de venda pode justificar-se pela
punição de um cliente que não seguiu os termos da empresa dominante.

11/04/2023

As operações de concentração não são, em geral, práticas restritivas, mas,


embora não o sejam, estão sujeitas a controlo público, uma vez que uma das
incumbências do Estado é contrariar a formação de monopólios. Estas operações
não costumam criar monopólios, mas podem favorecer a concentração do
mercado em certas empresas.
Uma operação de concentração pode ser definida como uma operação que visa
submeter a controlo único duas ou mais empresas que, até lá, atuavam de forma
autónoma e independente no mercado. O nº1 do art. 36º LdC define-a como
uma “mudança duradoura de controlo sobre a totalidade ou parte de uma ou
mais empresas”. O art. 36º LdC também estipula uma série de situações
subsumíveis à concentração de empresas, nomeadamente a fusão entre
concorrentes, a aquisição do controlo da totalidade ou de partes do capital
social, e a criação de uma empresa comum autónoma, em que as empresas
concentradas estejam integradas.
Estes negócios de concentração podem não ser acordos horizontais nem
verticais, tendo eles o nome de concentrações conglomerais, porque abrangem
mercados que não concorrem entre si. Ver caso Brisa. Ainda assim, têm por
efeito secundário a restrição da concorrência, uma vez que desaparecem sempre
um ou mais centros autónomos de tomada de decisão sob a forma de empresas,
mesmo que não seja essa a intenção; pelo contrário, as empresas costumam ver
estas operações como formas de otimizar o processo produtivo, minimizar
custos e reduzir a dependência em relação ao exterior.
Os conglomerados podem ser de três tipos: de extensão de mercado, quando as
empresas concentradas comercializam o mesmo produto em mercados
geográficos diferentes, visando o conglomerado ampliar o mercado geográfico
comum; de extensão de produto, quando as empresas comercializam produtos
complementares ou que usam as mesmas cadeias de distribuição; e de
diversificação, quando os produtos comercializados pelas empresas não têm
qualquer conexão.
É abusivo o alargamento da empresa dominante no mercado por via da compra
de pequenas empresas (ver Continental Can e Philip Morris). Além disso, as
operações de concentração podem ser motivadas por razões de agenda política
(ver caso Siemens/Alstom). Por essa razão, as operações de concentração não
estavam previstas nos arts. 85º e 86º do Tratado de Roma, atuais 101º e 102º
TFUE. Atualmente, a Comissão e o TJUE fazem uma interpretação extensiva
dessas normas, de modo a incluir esse tipo de operações.
A primeira forma de as instituições europeias abordarem a questão do caráter
restritivo das operações de concentração, recorrendo a essa interpretação
extensiva, é através do abuso de posição dominante.

Os arts. 36º e ss. LdC, em consonância com o Regulamento 139/2004, exigem a


garantia de um sistema de controlo prévio, um controlo controlado e rápido, não
obstante as sanções que possam ter sido aplicadas. Por outro lado, a lei prevê
um regime especial que atribui o ónus à AT para a obrigação de notificar a AdC
ou a Comissão das operações que preencham os requisitos comunitários. É um
regime de controlo ex ante, na medida em que atua antes de concluída a
operação de concentração (antes deste regime, devido à jurisprudência fixada
no acórdão Continental Can, a atuação da AdC era ex post). As operações que
não preenchem qualquer requisito são consideradas irrelevantes para o DdC.
As normas descritas não se aplicam a todas as operações de concentração, já
que o direito nacional e o DUE fixam critérios de relevância: no direito nacional,
relevam as operações previstas no art. 37º, nº1 LdC, bastando que se preencha
um dos critérios previstos nessa norma para que a operação seja relevante. Esta
norma admite dois critérios: a quota de mercado (als. a) e b)) e o volume de
negócios (als. b) e c)). Se o resultado económico da operação de concentração
indiciar a existência de uma posição dominante, ela deverá ser sempre notificada
e, mesmo sem esses indícios, uma operação de concentração que ocupe uma
quota superior a 50% do mercado tem de ser notificada. O problema é que o
critério da quota de mercado muitas vezes não elucida sobre a delimitação do
mercado relevante, sem prejuízo da possibilidade do oposto. No entanto, a
empresa não consegue calcular a sua própria quota, nem pode delegar essa
competência noutra entidade, e pode também não conhecer a quota ocupada
pelos seus concorrentes, o que torna difícil definir o mercado afetado e a quota
resultante da operação terá de ser calculada por aproximação, contrariando o
rigor imposto pela lei.
O DUE, no art. 1º do Regulamento 139/2004, estipula critérios assentes no
volume de negócios, ao contrário da legislação nacional, deixando claro que os
negócios relevantes são aqueles que envolvem empresas que realizam negócios
em mais do que um Estado-membro e que possuem um volume de negócios
mínimo de 2500 milhões de €. São um sistema muito mais claro do que o
português, e por isso mais transparente e fácil de fiscalizar, embora deixe de fora
certas operações que têm impacto no mercado de concorrência, pelo facto de
não terem atingido os limiares comunitários.
Um exemplo de situação desse tipo é a aquisição de participações minoritárias,
já que a empresa, embora não controle aquela de cujas participações é
proprietária, tem uma posição privilegiada no conhecimento das operações da
empresa participada, o que é especialmente relevante se forem concorrentes. A
solução passa pela aplicação do regime das práticas concertadas, sendo proibida
a troca de informações que comprometam a concorrência, ou seja, que
permitam a combinação de práticas entre elas.
As killer acquisitions são um caso ainda mais grave, já que a empresa que
procede à concentração tem como única finalidade eliminar o concorrente ou a
produção (e investigação) de um produto que possa concorrer com o seu. Muitas
vezes, os alvos destas aquisições são pequenas empresas com baixo volume de
negócios, contornando a obrigatoriedade de notificação. O TJUE permite que
essas condutas sejam punidas enquanto abusos de posição dominante de modo
a apanhar condutas que não correspondam aos critérios do volume de negócios
e da quota de mercado. Outra hipótese é a imposição de coimas pesadas, com
obrigações acessórias de comportamento. Outra opção é a adoção do valor de
transação como critério adicional.

A notificação deve ser feita nos termos do art. 37º, nº2 LdC – esta norma define
em que momento a notificação pode ser feita – produzindo efeitos a partir da
data de apresentação à AdC e a partir daí a operação fica suspensa (art. 40º, nº1
e 6 LdC), tendo a AdC um prazo prorrogável de 30 dias para chegar a uma decisão
final (art. 49º LdC).
A notificação deve ser efetuada em formulário próprio, conjuntamente pelas
partes em caso de fusão, criação de empresa comum ou aquisição de controlo
conjunto sobre a totalidade ou parte de uma ou várias empresas. Quando seja
uma empresa a adquirir o controlo exclusivo sobre a totalidade ou parte de uma
ou várias empresas, é sobre essa que recai a obrigação de notificação.
De acordo com o art. 49º LdC, a AdC pode tomar uma de 3 decisões (art. 50º,
nº1 LdC): pode entender que a situação não se encaixa no procedimento de
controlo de concentrações, pode autorizar a concentração, ou iniciar uma
investigação aprofundada. Sem notificação, a AdC pode iniciar oficiosamente
uma investigação aprofundada se tiver conhecimento de uma operação que
devesse ter-lhe sido notificada, mas não foi (art. 56º LdC).
A investigação aprofundada é um prazo adicional para a tomada de decisão
sobre a operação – 90 dias úteis a contar da notificação, prorrogáveis por mais
20 – ficando a operação suspensa em toda a duração deste processo. A falta de
decisão neste prazo vale como um deferimento tácito, ou seja, vale como uma
decisão de não oposição à operação de concentração.
Todas as decisões pressupõem audiência prévia, com exceção dos casos do art.
54º, nº3 LdC, e a falta de pronúncia dentro do prazo vale como deferimento
tácito da operação (arts. 51º, nº5 e 53º, nº5). Note-se que o processo não
depende de notificação, já que a AdC pode iniciar oficiosamente um
procedimento de controlo.
O critério essencial de decisão sobre a operação é a criação ou não de entraves
significativos à concorrência, designadamente a criação ou o reforço de uma
posição dominante (art. 41º, nº4), embora a existência de uma posição
dominante não seja um requisito fixo, como se vê no caso T-Mobile. Por outro
lado, há situações em que a Comissão aprovou a concentração em cerca de 90%,
como no caso da compra do Skype pela Microsoft, devido à natureza
duopolizada ou oligopolizada destes setores.
Na verdade, tanto a LdC como o Regulamento sobre as Concentrações no seu
art. 2º, nº2 e 3 priorizam o critério da criação de entraves à concorrência, sendo
a criação ou a consolidação de uma posição dominante secundária. Trata-se do
critério “substantial lessening of the competition”, segundo o qual pode ser
autorizada uma operação de concentração mesmo que ela leve à criação de uma
posição dominante, ou, pelo contrário, pode ser vetada mesmo que não crie uma
posição dominante.
A Comissão pode ser flexível nestes negócios, permitindo a sua celebração, na
condição de as empresas envolvidas assumirem determinados compromissos,
como a venda de participações sociais a concorrentes mais pequenos ou a
proibição de troca de informações sensíveis. O incumprimento destes
compromissos implica a aplicação de sanções: nos termos do art. 40º, nº1 LdC,
as empresas não podem avançar para a concretização de uma operação
relevante antes de notificarem a AdC ou a Comissão ou antes de uma decisão ter
sido tomada (“gun jumping”).
Além disso, o incumprimento das obrigações legais ou impostas pela AdC é
tipificado como contraordenação grave, punível com coima até 10% do volume
de negócios total (art. 68º, nº1, als. f) e g) LdC).
A decisão final pode ser de oposição à operação, de não oposição, ou de não
oposição mediante compromissos, fazendo a apresentação desses
compromissos suspender em 20 dias úteis o prazo de decisão. A decisão da AdC
que recuse os compromissos propostos pelas empresas só é suscetível de
reclamação (art. 52º, nº3 LdC).

A decisão da AdC admite recurso para o Tribunal da Concorrência e deste para o


TRL e para o STJ (arts. 92º e 93º).
18/04/2023

Há infrações de que a Comissão trata e outras que cabem às autoridades nacionais,


havendo uma sobreposição de jurisdições, o que obriga à sua delimitação. A autoridade
da concorrência pode abrir um inquérito e condenar a empresa por danos já praticados
ou que venham a ser produzidos, assim como emitir um parecer sobre os potenciais
efeitos da prática em causa sobre o mercado de concorrência. No fim das contas, o
public enforcement consiste na administração da justiça concorrencial pelas entidades
administrativas independentes, cuja principal função é assegurar o cumprimento das
regras do DdC; as AdC de todos os EM constituem a ECN (Rede Europeia da
Concorrência).
O public enforcement europeu engloba os auxílios de Estado. As AdC nada podem fazer
para impedir a prestação desses auxílios, limitando-se a avisar os Estados dos possíveis
efeitos desses auxílios. Por princípio, qualquer auxílio é ilegal do ponto de vista do DUE,
mas não do ponto de vista nacional. O que fazem, então, as AdC? Elas previnem a
formação de operações de concentração ilegais, e tratam da investigação e do
sancionamento de práticas restritivas. Das decisões da AdC cabe recurso para o Tribunal
da Concorrência, e daí para o Tribunal da Relação de Lisboa, enquanto as decisões da
Comissão permitem recurso para o Tribunal Geral e daí para o TJUE.

Qualquer processo administrativo junto da AdC inicia-se pela abertura de um inquérito.


Tendo a AdC notícia de uma prática anticoncorrencial (por denúncia ou confissão), ela
decide-se pela abertura ou não de um inquérito, desde que o direito competente para
decidir sobre a questão seja o nacional, caso contrário, a competência para iniciar o
inquérito é da Comissão.
O TC já esclareceu que a AdC, na fase de inquérito, está autorizada a praticar as
diligências previstas nos arts. 18º a 20º LdC, com a autorização do JIC da comarca de
Lisboa, salvo quando esteja em causa alguma diligência das als. a) e b) do art. 18º, nº1
LdC (acórdão nº175/2021). Algumas dessas diligências são a realização de inquirições e
a solicitação de documentos que entenda necessários ao apuramento da verdade. A
abertura do inquérito deve guiar-se pelas necessidades do interesse público e da
prossecução da justiça concorrencial.
No fim do inquérito, nos termos do art. 24º LdC, pode terminar numa das seguintes
formas: a LdC verifica a insuficiência de indícios de existência da prática restritiva,
devendo, em caso de denúncia, a decisão ser comunicada ao denunciante, para que este
teça observações se for caso disso (assim é por causa da necessidade de acautelar o
interesse do denunciante por trás da denúncia) e, se tiver interesse nisso, recorrer da
decisão para o Tribunal da Concorrência. Em segundo lugar, a AdC pode decidir o
arquivamento do inquérito, a troco da imposição de condutas ou compromissos, o que
é mais adequado quando os efeitos do comportamento da empresa ainda não se
tenham produzido e sejam reversíveis, sem prejuízo da sua impugnabilidade por
qualquer interessado. Em terceiro lugar, depois de um período de conversações, a
empresa aceita parcialmente ou totalmente os comportamentos que lhe são imputados,
aceita o pagamento de uma coima, mas a AdC pode decidir a redução da coima por
causa da colaboração da empresa, cumulável com o processo de clemência; a empresa
pode recusar os termos oferecidos pela AdC e, nesse caso, segue o processo
contraordenacional, embora os elementos da minuta não possam ser utilizados nesse
processo. Em quarto lugar, o inquérito segue para a fase de instrução, destacando-se a
confidencialidade dos dados, porque o processo mexe com informação comercial
sensível e, por isso, as empresas tentam ocultar ao máximo as condutas de que são
acusadas, o que as leva a negociar com a AdC a informação que é publicada. Além disso,
a empresa negoceia para prevenir que os interessados prejudicados pela sua conduta
peçam uma indemnização correspondente ao valor real do dano. Apesar disso, o
processo é público.
A instrução termina com uma de 4 decisões: arquivamento puro e simples,
arquivamento com compromissos, condenação mediante transação e decisão final de
condenação com pagamento de multa.

Ao nível da condenação, as sanções são distintas das medidas corretivas. As sanções


visam prosseguir objetivos de prevenção geral e especial, não finalidades retributivas.
Integram essas sanções as coimas, que, sendo aplicáveis às infrações mais graves,
podem ir até 10% do volume de negócios realizado no ano anterior ao da condenação
(art. 69º, nº4 LdC), na medida em que constituem contraordenação grave. Pode
acontecer que a AdC entenda que o benefício económico obtido pela empresa com a
infração foi superior ao da coima e, nesse caso, pode agravar até 1/3 o montante da
coima.
Os administradores, os diretores e os membros dos órgãos de fiscalização das empresas
condenadas são responsáveis pelos atos ilícitos praticados em representação da
empresa e pela omissão das medidas necessárias à prevenção da infração que
conhecessem ou devessem conhecer (art. 73º, nº6 LdC). É uma medida muito mais
utilizada nos ordenamentos anglo-saxónicos, mas não quer dizer que não seja utilizada
em Portugal: aliás, as sociedades e os sócios podem intentar uma ação de
responsabilidade contra essas pessoas nos termos gerais do art. 72º CSC.
O volume de negócios visado pela coima é relativo aos bens e serviços diretamente
relacionados com a infração, mas pode a AdC referir-se ao montante total se entender
que os elementos relativos àqueles bens e serviços em concreto não sejam fiáveis, ou
se existir manifesta desproporção entre o benefício económico da infração e o volume
de negócios. Sendo utilizado o primeiro critério, é tido em conta até 30% do volume de
negócios alegado. Relativamente às infrações mais graves (cartéis e abusos de exclusão),
a AdC prevê a possibilidade de incluir uma fração adicional de entre 15 e 25% (45-55%)
do volume de negócios relacionados com a infração, em vez dos tradicionais 30%.
Estabelecido o montante-base, devem ser apreciadas circunstâncias agravantes e
atenuantes, a fim de reajustamento do montante da coima.

Além da coima, é possível aplicar a sanção acessória de participação em concursos


públicos, nos termos do art. 71º, nº1, al. b) LdC. Esta sanção só é aplicável se a empresa
tiver praticado a infração no âmbito de um procedimento de contratação pública.

Como se disse, cabe recurso da decisão da AdC para o Tribunal da Concorrência, sendo
esse recurso meramente devolutivo, no prazo geral de 30 dias. Havendo recurso para o
TCRS, ele tem jurisdição plena, o que significa que o montante da coima pode ser
reduzido ou aumentado. O visado, a AdC e o MP podem recorrer para o TRL, e essa
decisão é final, salvo em caso de reenvio prejudicial para o TJUE e de recurso para o TC
ou para o TEDH.
2-05-2023

O private enforcement consiste na aplicação privada das regras da concorrência, o que


deve ser visto como um complemento do public enforcement. A par de existirem formas
de as autoridades públicas reprimirem certas práticas restritivas da concorrência, as
empresas vivem com algum receio de que, para além das coimas que podem ser
obrigadas a pagar, sejam condenadas a pagar indemnizações a concorrentes e a
consumidores lesados, o que é uma parte importante mas não total do private
enforcement.
As regras de direito privado relevantes, em especial as do direito contratual, atuam em
conjunto com as normas da concorrência, assim como o direito administrativo no caso
de alguma das entidades intervenientes ser uma entidade pública. São parte
fundamental deste domínio as ações intentadas com o objetivo de obter uma
indemnização ou a invalidade do contrato com base na violação de regras da
concorrência; são ações especialmente interessantes nos acordos verticais, na medida
em que permitem às partes defender os seus interesses. O acórdão Metro é um bom
exemplo do que se afirmou, a propósito dos requisitos de validade de um acordo de
distribuição seletiva.
As ações referidas também podem ter por causa de pedir o incumprimento de
obrigações de prestação positivas ou negativas. O acórdão Oscar Bronner foi um
exemplo de uma ação assim: o autor não pediu nenhuma indemnização, ele pretendia
que o tribunal obrigasse a ré a conceder-lhe acesso ao mercado de distribuição de
jornais. Os abusos de recusa de venda e as obrigações de não concorrência são exemplos
de obrigações de prestação negativas que podem fundamentar uma ação de private
enforcement.
Por outro lado, não têm de ser fundamento da ação condutas por parte das empresas.
Devido ao secretismo associado às condutas anticoncorrenciais, o pedido pode ser o
acesso a documentos.

Nesta matéria, o DUE optou pela harmonização de legislações e não pela sua unificação,
com a Diretiva 2014/104/UE, transposta pela Lei nº23/2018. Esta lei justifica-se pela
dificuldade de operacionalização deste tipo de ações, para as quais não bastam as regras
gerais do CC.
O primeiro tipo de ação de private enforcement é a ação follow-on, que é intentada na
sequência de uma decisão prévia da AdC na qual esta se tenha pronunciado sobre a
matéria.
Se não tiver havido pronúncia da AdC, não está impedido que seja intentada uma ação
stand-alone, embora seja mais complicada, devido à dificuldade adicional de prova dos
factos alegados.
Finalmente, pode acontecer que a AdC se tenha pronunciado somente dum modo
parcial sobre os factos. Cabe aos particulares avaliar a dimensão do dano causado por
esses factos. Há um fator importante: para além de as autoridades públicas gozarem de
mais poderes inquisitórios, elas estão disponíveis para iniciar procedimentos de
clemência.
Por causa da natureza dualista do DdC e do princípio do primado do direito comunitário,
é preciso delimitar os domínios de intervenção do direito nacional e do DUE. Aqui, o
problema tem uma dimensão diferente, porque não vão ser aplicadas as regras da
concorrência: essas são apenas fundamento para a aplicação das regras nacionais de
direito civil, comercial e processual civil. Portanto, o DUE regula tudo o que tenha a ver
com a configuração do direito que o autor pode fazer valer, o que inclui desde logo a
verificação dos requisitos de existência do dever de indemnização (com a diferença em
relação ao direito civil de que a violação de normas da concorrência se presume
culposa), a responsabilidade pela conduta (ter em atenção os conceitos de empresa e
de unidade económica), a identificação e quantificação dos danos a indemnizar (o DUE
não tem em consideração lucros cessantes).
De resto, cabe à legislação nacional fixar a forma como essas regras são aplicadas. Por
exemplo, cabe ao tribunal nacional determinar se um cartel causou ou não “umbrella
damages” a indemnizar. A competência dos tribunais nacionais também abrange o
modo de exercício dos direitos, mas com dois limites: a Diretiva de harmonização fixa o
prazo de prescrição em 5 anos, o que tem efeito direto sobre os Estados-membros, e
realça a inviolabilidade dos princípios da efetividade e da equivalência, que,
respetivamente, estipulam que o direito nacional não pode prejudicar a aplicação
efetiva do DdC comunitário, e que não pode prever para os direitos concedidos pelas
regras da concorrência um âmbito mais limitado do que estas.

A Lei nº23/2018 adiciona ao elenco de responsáveis do art. 3º, nº2 dos do art. 36º, nº3
LdC. Mais uma vez, em conformidade com a jurisprudência, a lei (art. 3º, nº3) presume
que há influência dominante, estendendo a responsabilidade à sociedade dominante se
o infrator for a dominada, se a primeira detiver sobre a segunda 90% ou mais do seu
capital social. Nestas situações, os agentes respondem solidariamente, a não ser que
uma das empresas seja uma PME e, nesse caso, só é responsável se preencher os
requisitos do art. 5º (mesmo assim, ela responde apenas pelos danos concretamente
causados).
Depois, a indemnização é calculada nos termos do art. 4º que, ao contrário do DUE,
abrange no cálculo da indemnização os lucros cessantes e os juros moratórios. O
problema está no art. 9º, nº1 que presume que os cartéis são responsáveis pelos danos
que causam, o que não faz sentido, porque transpõe mal o art. 17º, nº2 da Diretiva, que
presume antes que qualquer prática de cartel produz danos. Perante a dificuldade de
quantificação dos danos, o tribunal pode ficar convencido com o relatório apresentado
pelo autor e dispensar essas presunções, ou, estando convencido da existência de
danos, calcular sozinho o valor dos danos nos termos do art. 9º, nº2 e, em qualquer um
dos cenários, a presunção da Diretiva é inútil. Ela só é aplicável na prática se o tribunal
não estiver convencido da verificação de danos e a ré não apresentar prova suficiente
para afastar a existência de danos; os tribunais podem recorrer às orientações da
Comissão sobre a quantificação de danos, mas eles são cautelosos e preferem
quantificar os danos. Por essa razão, o art. 17º, nº1 da Diretiva garante o princípio da
efetividade, que pretende que o juiz disponha sempre de meios para, pelo menos,
apurar um valor aproximado dos danos causados; aliás, o art. 9º, nº2 permite que,
perante falta de instrumentos de cálculo, o valor seja uma estimativa.
Para efeitos de cálculo da indemnização, se o autor repercutiu o dano num cliente seu,
o réu pode invocar esse facto a título de exceção. O art. 8º, nº3 da Lei nº23/2018
estabelece uma presunção de repercussão sempre que se verifiquem os requisitos
cumulativos aí previstos.

O art. 6º, que transpõe o art. 10º da Diretiva, fixa um prazo de prescrição de 5 anos, a
contar da cessação da infração e do conhecimento pelo lesado da infração em causa, da
identidade do infrator e dos danos causados pela conduta. O prazo suspende-se se a
AdC iniciar uma investigação relacionada com a infração em causa, recomeçando no ano
seguinte à data da decisão administrativa definitiva, ou do trânsito em julgado da
decisão judicial, ou da conclusão do processo como um todo. A partir daí, o autor pode
intentar uma ação stand-alone para obter a indemnização. O prazo também se
suspende se as partes estiverem envolvidas num procedimento de resolução
extrajudicial de litígios.
O problema é o facto de o prazo genérico previsto no CC ser diferente deste prazo geral,
o que é relevante para factos ocorridos antes da entrada em vigor da Lei nº23/2018,
sendo necessária a compatibilização desses dois prazos: o que tem sido defendido é a
natureza substantiva da prescrição, que implica a não aplicação a situações já prescritas;
logo, o prazo de 5 anos aplica-se a situações formadas depois do prazo de transposição
e a situações que, apesar da sua constituição antes da vigência, continuem a produzir
efeitos depois do prazo de transposição e ainda não tenham prescrito.

Os procedimentos de “discovery” consistem em procedimentos de acesso pelos lesados


a documentos em posse do visado. São procedimentos normalmente anteriores à ação
principal, através dos quais os lesados tentam determinar a probabilidade de
procedência da ação e a quantificação dos danos. Tendencialmente, os lesados negam
esse acesso com fundamento em segredo de negócio.
Note-se que este procedimento tem de ser compatibilizado com os procedimentos de
clemência, isto é, o procedimento não deve inutilizar a clemência, o que justifica a
proibição de produção de prova dos itens previstos no art. 14º, nº5 da Lei nº23/2018.

O art. 19º permite a ação popular no domínio do DdC, remetendo para a lei da ação
popular. Em grande parte das infrações da concorrência, o dano, não justificando ações
individuais, só é ressarcível se a ação for intentada por um conjunto relativamente
grande de autores.
A nossa lei tem um sistema algo peculiar, na medida em que prevê um sistema
especialmente pró-consumidor: nos termos dos arts. 14º e 15º, os autores podem ser
representados por uma associação coletiva de defesa, sendo essa representação
definitiva perante o silêncio do autor individual.
Outra dificuldade é o investimento necessário para propor uma ação deste tipo que seja
minimamente credível. Perante a incerteza em relação ao resultado da ação e ao
montante indemnizatório, a única solução para a cobertura dos custos é o
financiamento por terceiros, que custeiam os pedidos e os restantes incidentes
processuais, a troco do excedente de indemnização pelos investimentos realizados. Têm
havido questões de inconstitucionalidade, alegando-se a comercialização da justiça, mas
não são de valorizar, uma vez que a inconstitucionalidade inviabilizaria a ação popular.
Objetivos:

1- O que são operações de concentração?


Operações de concentração são operações que submetem empresas com
atuação autónoma no mercado (concorrentes ou não) a um centro de controlo
comum. O art. 36º, nº1 LdC estabelece três situações exemplificativas dessas
operações: a fusão entre empresas, a aquisição total ou parcial das participações
ou do capital social de uma empresa por outra e a criação de uma empresa
comum.
As operações de concentração podem não ser operações verticais nem
horizontais, denominando-se esse terceiro grupo de concentrações
conglomerais. Estas podem realizar-se entre empresas que comercializam o
mesmo produto em mercados geográficos diferentes (operações de extensão do
mercado), entre empresas que comercializam produtos complementares ou se
situam na mesma rede de distribuição (extensão do produto) e entre empresas
que ocupam posições distintas no mercado, sem relação entre as suas atividades
(operações de diversificação).
Em regra, as operações de concentração não são contrárias à concorrência, pelo
contrário, são essenciais para a eficiência do mercado. No entanto, estas
operações resultam, inevitavelmente, na limitação da concorrência, porque
desaparecem do mercado centros de decisão autónomos.

2- Como são reguladas as operações de concentração?


As operações de concentração devem ser reguladas, porque limitam a
concorrência, mas não há previsão legislativa que trate delas diretamente.
Assim, elas são integradas de duas formas: por um lado, o TJUE faz uma
interpretação extensiva do conceito de abuso de posição dominante do art. 102º
TFUE de modo a incluir as operações de concentração; por outro lado, a lei prevê
um procedimento de controlo destas operações.
Na LdC, está previsto um procedimento normalmente iniciado por notificação
prévia à AdC. Porém, essa notificação só é devida para determinadas operações,
nomeadamente as que preencham alguma das condições do art. 37º, nº1 LdC:
esta norma utiliza os critérios da quota de mercado e do volume de negócios, ao
contrário do DUE, que se limita ao critério do volume de negócios, o que não é
por acaso, devido às desvantagens que o critério da quota de mercado levanta,
desde logo a impossibilidade de cálculo exato pela empresa da sua quota ou da
dos seus concorrentes, o que desvirtua as percentagens rígidas previstas na lei,
assim como a sua inoperacionalidade em mercados voláteis em que a quota é
facilmente reversível (caso Microsoft/Skype). Logo, o critério do volume de
negócios é mais fiável, porque se sustenta em dados objetivos e concretos,
sendo de mais fácil controlo, mas isso não significa que esteja isento de
problemas: muitas operações que deviam ser notificadas por causa do seu
impacto concreto na concorrência não o são devido ao não preenchimento do
limiar, como as killer acquisitions de PME e a aquisição de participações
minoritárias em pequenas empresas. Enquanto as killer acquisitions destinam-
se a remover diretamente concorrentes do mercado, a aquisição de
participações minoritárias dá ao adquirente informações privilegiadas sobre os
seus concorrentes, cuja utilização se presume segundo a jurisprudência
comunitária.
Note-se que a AdC pode iniciar oficiosamente um procedimento caso se dê conta
de uma operação que devia ter sido notificada e não foi (art. 56º LdC), e que há
sempre obrigação de notificação, independentemente da verificação dos
critérios legais, quando a operação cria ou reforça uma posição dominante.

3- Como funciona o procedimento de controlo?


Após a notificação ou o início oficioso do procedimento, a AdC tem um prazo de
30 dias para tomar uma decisão (art. 49º, nº1 LdC). Essa decisão pode ser num
de três sentidos: a AdC pode entender que a operação em causa não se encaixa
no objeto do procedimento e abster-se de decidir, pode autorizar sem mais a
operação ou pode iniciar uma investigação aprofundada (art. 50º, nº1 LdC). Se
optar pela investigação aprofundada, a operação suspende-se e a AdC tem um
prazo de 90 dias úteis, prorrogável por mais 20 dias, para chegar a uma conclusão
(art. 52º, nº1 e 3 LdC). Se decorrer o prazo sem ter havido uma decisão, dá-se
uma decisão tácita de não oposição.
No decurso da investigação, a AdC pode decidir a não oposição, a pura e simples
oposição, ou a oposição mediante compromissos. Neste último caso, o prazo
suspende-se por mais 20 dias.
A violação dos compromissos, assim como a concretização da operação antes de
proferida a decisão final (“gun jumping”), têm como consequência uma coima
nos termos do art. 68º LdC.

4- O que é o “public enforcement”?


O “public enforcement” consiste no conjunto de regras públicas, quer de DUE,
quer de direito nacional, que se destinam a prevenir e a sancionar práticas
restritivas da concorrência.

5- Como funciona o procedimento nacional de public enforcement?


Na configuração deste processo, o DUE optou pela harmonização das legislações
nacionais, em vez da criação de um regime unificado supranacional. Em Portugal,
o procedimento é regulado pelos arts. 58º e ss. LdC, que estipulam, desde logo,
o início do procedimento com a abertura de inquérito.
Na fase de inquérito, a AdC pode tomar uma de quatro opções possíveis: pode
determinar que há indícios insuficientes de uma prática restritiva, arquivando o
processo; pode arquivar mediante a assunção pela empresa de compromissos,
se o dano causado pela conduta ainda não se tiver consumado ou for reversível;
pode negociar com a empresa o montante da coima, se esta assumir a
responsabilidade pela sua conduta; ou pode mandar seguir o processo para
instrução (art. 24º, nº2 LdC).
Na fase de instrução, a LdC, após audiência oral, pode decidir de 4 maneiras (art.
29º, nº2 LdC): pode arquivar o processo sem imposição de quaisquer condições,
pode arquivar mediante compromissos assumidos pela empresa (art. 28º), pode
transigir com a empresa uma coima (art. 27º), ou, na falta de acordo na transição
e perante a conclusão de existência de uma infração, pode condenar a infratora
ao pagamento de uma multa.
Da decisão da AdC cabe recurso para o Tribunal da Concorrência, que conhece
de toda a causa, podendo aumentar ou reduzir o montante de multa, e dele cabe
recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa.

6- Que papel desempenha o “private enforcement”?


O “private enforcement” atua como um complemento ao procedimento de
“public enforcement”, na medida em que, além da sanção pública, os
particulares lesados pela conduta ilícita da empresa também são compensados
pelos danos sofridos.

7- Qual é a relação entre o direito nacional e o DUE no “private enforcement”?


Por causa da natureza dualista do DdC, é preciso delimitar o âmbito das
jurisdições. Por isso, considera-se que o DUE, através da Diretiva do Private
Enforcement, define o objeto e os contornos do direito de que o particular se
pode fazer valer, incluindo os pressupostos da responsabilidade (a culpa
presume-se) e a identificação/quantificação dos danos (os lucros cessantes não
são indemnizáveis). Por outro lado, o direito nacional, na Lei nº23/2018, que
transpõe a DPE, define o modo de exercício do direito e a aplicação das regras
comunitárias sobre esta matéria.
Há que notar que a regulação nacional tem dois grandes limites: o prazo de
prescrição dos direitos concedidos pelo DUE é sempre de 5 anos e a legislação
nacional deve respeitar os princípios da efetividade (a aplicação efetiva do DUE
não pode ser prejudicada) e da equivalência (o direito nacional não pode prever
para esses direitos um âmbito mais limitado do que o DUE).

8- Que ações podem ser propostas no âmbito do “private enforcement”?


Os tipos de ações que podem ser propostas relacionam-se com a existência ou
não de pronúncia prévia da AdC: as ações “follow-on” são propostas na
sequência de uma decisão da AdC sobre a mesma conduta geradora de
responsabilidade; as ações “standalone” são propostas sem que exista essa
decisão; os particulares podem ainda propor ações em resposta a uma pronúncia
parcial da AdC sobre a conduta.
É permitida a ação popular, cujo regime, no art. 19º da Lei nº23/2018, remete
para a lei da ação popular, com a particularidade de a falta de pronúncia da parte
individual sobre a possibilidade de representação por uma associação de defesa
dos interesses dos lesados implicar um assentimento tácito dessa
representação.

9- Como se resolve a divergência entre o prazo geral da prescrição previsto no art.


498º CC e o prazo da DPE?
O art. 498º CC prevê um prazo geral de prescrição de 3 anos, enquanto a DPE
prevê um prazo de 5 anos. Para resolver esta divergência, o prazo de prescrição
deve ser encarado na sua natureza substantiva, o que significa que o prazo de 5
anos apenas se aplica às situações formadas depois do prazo de transposição da
DPE e àquelas que, embora se tenham formado antes, ainda produzem efeitos
depois do prazo de transposição. Logo, todas as restantes hipóteses ficam
abrangidas pelo prazo de 3 anos do CC.
10- O que são procedimentos de “discovery”?
Os procedimentos de “discovery” consistem em procedimentos que visam
conceder ao autor lesado o acesso a documentos do visado, a fim de determinar
a viabilidade de uma ação contra este.
Estes procedimentos são especialmente importantes nas ações “standalone”,
uma vez que, na ausência de decisão prévia da AdC, levantam-se muitas
dificuldades de prova, dado o secretismo típico das condutas ilícitas no DdC.
Todavia, este acesso é restrito, de modo a assegurar a viabilidade dos
procedimentos de clemência, daí que seja vedado ao lesado o acesso a certos
documentos que possam comprometer excessivamente a posição da empresa
denunciante.

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