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O problema dos auxílios públicos é um problema europeu, pois pode afetar o bom
funcionamento do mercado interno.
O private enforcement consiste na invocação por particulares das regras de
concorrência para fazer valer os seus interesses, enquanto o public enforcement visa
sancionar práticas restritivas da concorrência.
O direito regulatório é muito recente porque deriva de uma necessidade muito recente:
por razões económicas e fruto do pensamento liberal, não havia necessidade de o
Estado intervir no mercado, que o encarava como uma questão exclusivamente privada.
Em meados do séc. XX, no segundo pós-guerra, a criação de sistemas de segurança
social, o crescimento de setores em que o Estado intervinha (ex: transportes) e o
crescimento dos meios de cooperação económica internacional levaram à publicização
de setores essenciais como a energia, os transportes, a banca e as comunicações. No
entanto, no início dos anos 70, a crise petrolífera levou ao surgimento do Estado
neoliberal, que desencadeou um processo de privatização de vários setores antes
reservados ao Estado, embora o Estado tenha preservado a sua posição de entidade
reguladora: logo, a nova função do Estado é proteger o mercado de concorrência de
abusos por operadores privados; por esta razão, alguns setores tinham de continuar a
ser explorados exclusivamente pelo Estado.
Assim, o direito da regulação pode ser definido como o conjunto de normas que visam
evitar que os operadores económicos adotem comportamentos lesivos de interesses
socialmente legítimos. O Estado faz isso através de autoridades de regulação e
supervisão, mas nem sempre é fácil fazer esse controlo, especialmente em relação a
grandes empresas, cuja influência social e política pode fazer do regulador dependente
de si, quer porque faltam os recursos necessários a um controlo devido, quer porque se
deixou corromper ou aderiu à filosofia delas (“captura do regulador”). Depois, apesar
do facto de os mandatos dos reguladores não coincidirem com os dos órgãos políticos,
a influência política pode continuar a existir. Por outro lado, o regulador não tem
legitimidade democrática, pois é nomeado pelos poderes públicos, mas esta relação põe
em causa a independência do regulador (acórdão Sped-Pro, do Tribunal Geral da UE).
Para garantir a separação de poderes, o regulador deve dar garantias de independência
face aos poderes públicos e às empresas objeto da regulação.
A Autoridade da Concorrência, que serve de regulador em Portugal, trata de prevenir e,
se necessário, sancionar as práticas lesivas das regras da concorrência. Portanto, ela só
atua quando essas práticas existem ou são iminentes, devendo deixar atuar o mercado
até lá. Já os reguladores setoriais não partem do mesmo princípio, sendo esse princípio
a correção das falhas dos setores económicos.
Pode acontecer que o regulador geral e os reguladores setoriais interpretem de modo
diferente a mesma prática económica, mas é difícil saber que interpretação deve
prevalecer, uma vez que a lei não estabelece hierarquias entre entidades. No entanto,
o Tribunal da Concorrência é relevante para resolver estes litígios, assim como eventuais
decisões do Ministério da Economia em discordância com o entendimento da AdC.
Existem situações que limitam a concorrência mas que não implicam a aplicação das
regras de concorrência, por serem competentes as normas de outro ramo do direito.
Por exemplo, a imitação intencional dos produtos de um concorrente para induzir os
consumidores em erro não invoca as regras da concorrência, mas sim as regras da
propriedade intelectual, embora o caso remeta para concorrência desleal. Outro
exemplo, a situação em que o ex-gerente de uma sociedade cria uma empresa
concorrente, roubando os clientes e os fornecedores, é regulada pelo direito societário
ao abrigo da proibição de concorrência com a sociedade. Em terceiro lugar, a cláusula
de não-concorrência acordada entre a empresa e o trabalhador é regulada pelo direito
laboral.
Em suma, o DdC não é chamado às práticas restritivas dentro de micromercados, só
quando as práticas são da autoria de empresas dominantes, pois são estas que afetam
o mercado no seu todo. A classificação de empresa dominante é binária, ou existe ou
não existe, e só as empresas dominantes estão proibidas de realizar práticas restritivas
da concorrência. A proibição não se estende às empresas não dominantes porque se
acredita que as práticas dessas empresas não desestabilizam o mercado.
Aula 2
A Comissão define numa orientação (por isso, a definição não vincula os tribunais) o
conceito de poder de mercado como “a capacidade de manter, de forma rentável, os
preços acima dos níveis concorrenciais durante um determinado período de tempo ou
de manter, de forma rentável, a produção, em termos de quantidade, qualidade e
diversidade do produto ou de inovação, abaixo dos níveis concorrenciais durante um
determinado período de tempo”. Este conceito remete para três critérios de avaliação
do poder de mercado: a identidade ou concorrência entre produtos, a dimensão
geográfica (o espaço geográfico de projeção da conduta de uma empresa) e a dimensão
temporal (saber durante quanto tempo a empresa consegue oferecer esses produtos
naquele espaço, de forma rentável).
O conceito de poder de mercado pode variar casuisticamente, mas a empresa pode ter
interesse numa definição de mercado mais estreita de modo a evitar a responsabilidade
por uma conduta potencialmente lesiva, ou numa definição mais ampla quando esteja
a ser avaliada a existência de uma posição dominante (de modo a diluir a sua influência
no mercado).
Aula 3
Exemplos de acordos por objeto, dados pelo art. 9º, nº1 LdC:
a) Acordos de fixação de preços: o primeiro caso julgado sobre esta matéria
envolvia a Sagres; a maior parte destes casos provém de promoções concertadas
entre os supermercados. Quase todos os acordos de fixação de preços são
proibidos, mas alguns acordos verticais são lícitos, como por exemplo um acordo
em que o fornecedor impõe ao retalhista um preço máximo (a fixação de preço
mínimo é um acordo vertical por efeito). Há que ter em conta os casos de
parasitismo, em que uma empresa se aproveita da estrutura criada por outra
para vender os seus produtos; neste caso, o parasitismo é melhor combatido
pelos acordos de fixação de preços mínimos, desde que não se demonstre a
produção de efeitos lesivos do mercado (esta é uma exceção à proibição de
acordos de fixação de preços nos EUA, mas não na UE, sem prejuízo da
possibilidade de as empresas envolvidas em acordos desses convencerem a
Comissão de que o acordo por si celebrado não lesa a concorrência). Os acordos
previstos na al. b) do art. 9º, nº1 LdC são exemplos de acordos de fixação de
preços.
b) Acordos de repartição de mercados: as empresas podem celebrar acordos de
divisão de espaço geográfico ou de carteiras de clientes entre si. Isto não só
representa uma abstenção de concorrer por parte das empresas envolvidas, mas
também uma cristalização da carteira de clientes para cada uma, o que permite
que cada empresa envolvida seja monopolista no seu mercado, isto é, estes
acordos têm como consequência a criação de pequenos monopólios
geograficamente delimitados dentro do mesmo mercado de produto. É claro que
o imperativo constitucional de proteção do mercado de concorrência não
permite estes acordos.
c) Boicotes organizados a concorrentes: os acordos entre concorrentes costumam
ser de exploração em vez de exclusão, na medida em que procuram um benefício
ilegítimo à custa dos consumidores e não dos concorrentes. Este tipo de acordo,
contudo, é um verdadeiro acordo de exclusão, que nunca pode ser tolerado por
causa da liberdade de iniciativa privada, que pressupõe o livre acesso ao
mercado por todos os operadores.
d) Licitações combinadas em concursos e contratação pública: o CCP tem no seu
art. 70º, nº4 uma norma de prevenção destas práticas, segundo a qual a
entidade adjudicante deve comunicar à AdC todos os indícios de práticas
restritivas da concorrência, mesmo que não provoquem a exclusão da proposta.
Tendo em conta o prejuízo causado ao interesse público, esta conduta é
considerada crime, aplicando-se, além da pena principal de prisão ou de multa,
uma sanção acessória de privação do direito de participar em certos
procedimentos pré-contratuais (art. 71º, nº1, al. b) LdC).
Práticas concertadas:
As coisas deixam de ser fáceis de definir, uma vez que a prova da sua existência é muito
difícil. Trata-se de uma prática semelhante por parte de concorrentes no mesmo
mercado, só que uma concertação de qualquer tipo faz disto um acordo entre empresas,
e não faz muito sentido insinuar com as práticas concertadas que quaisquer
comportamentos coincidentes são cartel, especialmente se os graus de informação
forem idênticos ou próximos. Assim sendo, não basta demonstrar a convergência de
práticas, é preciso provar que essa concertação teve por objetivo restringir a
concorrência (ver Guardian vs Comissão, Suiker Unie e Ahlstrom).
O facto de uma empresa permanecer no mercado depois de ter tido acesso a
informação sensível, presume-se que ela vai utilizar essa informação a seu favor (ver T-
Mobile).
O problema está quando as práticas não são concertadas diretamente entre os
concorrentes, utilizando um terceiro não concorrente (que costuma ser um fornecedor,
mas também pode ser um distribuidor) como intermediário – são os cartéis hub-and-
spoke; é um terceiro que distribui as informações aos concorrentes, facilitando o
alinhamento de comportamentos sem que as autoridades suspeitem, e é uma situação
problemática do ponto de vista da autoridade, porque é excessivo monitorizar todas as
conversas entre o intermediário e as entidades envolvidas. Perante a falta de provas, a
AdC tem de demonstrar que a empresa A transmitiu a informação ao fornecedor
contando que ela fosse transmitida por este à empresa B, sua concorrente, com o intuito
de restringir a concorrência.
A coordenação com recurso a algoritmos é um problema ainda maior e sem respostas,
visto que há uma concertação de preços através de um software comum, sem que exista
aproximação material nem contacto entre as entidades envolvidas. É pior ainda quando
o software usado é de utilização generalizada, criando dúvidas sobre quem deve ser
punido. Até ao momento, não foi adiantada nenhuma solução.
Decisões de associações de empresas:
Neste caso, as práticas restritivas da concorrência são feitas por entidades associativas
em que as empresas estão inseridas. As decisões tomadas por estas entidades são
equiparadas a acordos entre as empresas-membros, mesmo que sejam orientações não
vinculativas, uma vez que a associação é utilizada pelas empresas para iludir a lei. No
entanto, a Diretiva PE não considera estas decisões acordos, devido à dificuldade de
distinção entre decisões genuínas da associação e práticas concertadas encapotadas.
Aula 4
O art. 101º, nº3 TFUE prevê dois tipos de isenção do crivo do nº1: a isenção individual
consiste na análise concreta de um acordo que, se preencher 4 requisitos, dá um sinal
forte de que o balanço económico é globalmente positivo, mostrando-se pró-
concorrencial. Note-se que o objeto da norma é um acordo celebrado entre duas ou
mais entidades que em princípio seriam concorrentes, uma vez que, se o acordo for
imposto por uma empresa dominante sobre entidades economicamente subordinadas,
estamos perante um abuso de posição dominante, regulado pelo art. 102º.
a) “contribuir para melhorar a produção ou a distribuição dos produtos ou para
promover o progresso técnico ou económico”: a colaboração entre concorrentes
deve resultar num benefício estimável para a qualidade técnica dos produtos e
para a eficiência económica do setor;
b) “contanto que aos utilizadores se reserve uma parte equitativa do lucro daí
resultante”: o ganho mencionado anteriormente deve beneficiar igualmente as
empresas e os consumidores;
c) “não imponham às empresas em causa quaisquer restrições que não sejam
indispensáveis à consecução desses objetivos”: este requisito refere-se às
empresas no mercado que vão ser prejudicadas com as restrições do acordo, o
que significa que este tipo de acordo só é admissível se não existir uma forma
menos gravosa para o mercado de conseguir o mesmo benefício;
d) “não deem a essas empresas a possibilidade de eliminar a concorrência
relativamente a uma parte substancial dos produtos em causa”: o que se exige
é que se contrarie a formação de monopólios e oligopólios, ou seja, que o acordo
não coloque em risco a viabilidade dos concorrentes.
O art. 103º TFUE (e 10º LdC) refere que a concessão de isenção pode ser aplicada por
regulamento que fixe os requisitos cuja verificação dá uma isenção genérica aos acordos
que os verifiquem (“isenções em bloco”), assim como uma lista negra de cláusulas cuja
não verificação é o segundo requisito de concessão de isenção. Esta abordagem é
vantajosa porque permite a concessão de isenções de forma mais eficiente e rápida. No
entanto, cada regulamento dirige-se a um tipo específico de acordos.
É um exemplo dum regulamento de isenção o Regulamento nº330/2010, aplicável aos
acordos verticais. Estes acordos são intrinsecamente pró-concorrenciais, embora
possam apresentar certas cláusulas restritivas, podendo ser cláusulas da “lista negra”,
que tornam todo o acordo inválido, ou da “lista cinzenta”, que só exige a expurgação
das cláusulas ilícitas.
Outros exemplos são os acordos de cooperação horizontal (como acordos para
investigação e desenvolvimento) e os de transferência de tecnologia.
Aula 5
Os acordos de marca única são obrigações de não concorrência. O RIAV não inclui os
acordos de marca única, o que leva a que o acordo não possa ser considerado como um
todo contrário ao art. 101º TFUE, porque não se enquadra na “zona negra” nem na
“zona cinzenta”. No entanto, estes acordos podem, ainda assim, ser prejudiciais à
concorrência, e é por isso que o art. 5º, nº1, al. a) do RIAV limita a isenção aos acordos
com duração igual ou inferior a 5 anos, sendo a cláusula em contrário nula, para além
da possível aplicação de coima às entidades envolvidas, embora essa hipótese tenha
sido muito raramente aplicada, por causa dos efeitos geralmente limitados desses
acordos.
Na ótica do regulamento, estes acordos não podem ter efeitos posteriores ao fim da sua
vigência, ou seja, as obrigações de não concorrência não podem vincular as partes para
além da duração do acordo, salvo nos casos do art. 5º, nº3 RIAV. A mais importante das
condições é a indispensabilidade para a proteção do saber-fazer transferido do
fornecedor para o comprador, na medida em que visa prevenir um eventual parasitismo
por parte do comprador, que pode depois utilizar os conhecimentos adquiridos com
outro fornecedor, que se aproveita dessas informações sem qualquer investimento.
A Comissão admite nas suas orientações a renovação tácita dos acordos, desde que o
comprador/distribuidor possa renegociar o acordo e, se necessário, pôr-lhe termo.
Os abusos de exploração são feitos à custa dos consumidores finais a fim de manter a
quota de mercado. Este tipo de abusos só existe em mercados onde a procura é rígida,
uma vez que são os mercados em que a posição dominante pode ser usada para praticar
atos que, noutros mercados onde a procura é elástica, levariam os consumidores a
procurar alternativas.
A conduta mais frequente deste tipo é o preço excessivo, mas não é fácil apurar o que
constitui um preço excessivo, embora se saiba que se relaciona intimamente com o
crime de especulação, previsto no DL nº26/84, que consiste na prática de preços
superiores aos que seriam praticados se resultassem do normal exercício da atividade
de mercado. Como é geral no DdC, só são relevantes os casos de preços excessivos
capazes de alterar o mercado como um todo.
Por vezes, é difícil saber em que situações estamos perante restrições verticais e abusos
de posição dominante.
Por exemplo, nos casos em que o fornecedor dominante impõe preços mínimos de
revenda para vender mais caro ao distribuidor (caso Super Bock): a Super Bock foi
multada pela AdC por uma conduta destas, que foi subsumida à celebração de um
acordo vertical restritivo, mais concretamente um acordo de fixação de preços mínimos.
A dificuldade está em saber se existe realmente um acordo de vontades que pressupõe
o acordo vertical e, se a negociação foi meramente independente, esta conduta devia
ter sido classificada de abuso de posição dominante.
O mesmo se pode dizer dos restantes tipos de acordos verticais, sem contar com as
hipóteses em que há simultaneamente acordos verticais e abusos de exploração,
nomeadamente no caso das vendas subordinadas e agrupadas, que podem ter por fim
escoar o produto e aumentar os lucros, assim como no caso da recusa de venda, que
pode ter por fim a punição do cliente por se ter recusado a aceitar certas condições.
Objetivos:
6- Poder de mercado:
Uma vez que o DdC só intervém contra as condutas restritivas que podem
comprometer a concorrência de mercado como um todo, o DdC só é aplicável
aos atos das entidades com maior poder de mercado.
O poder de mercado é, segundo as orientações da Comissão, composto por 3
componentes: a substituibilidade dos produtos, o mercado geográfico e o
mercado temporal. Para avaliar a existência de poder de mercado, as instituições
europeias servem-se do teste SSNIP (aumento ligeiro mas significativo do preço),
que visa determinar a reação dos concorrentes e dos consumidores a um
aumento do preço; para avaliar a permutabilidade dos produtos, é necessário
precisar a elasticidade cruzada da procura entre os produtos em análise, sendo
o resultado ideal os consumidores procurarem uma alternativa na sequência do
aumento do preço e, se conseguirem, mostram que existe outro produto
suficientemente semelhante de modo a poder substituir o produto da empresa
dominante; o mercado geográfico define-se pela extensão territorial da
influência sobre os concorrentes e os consumidores das práticas da empresa
dominante; por fim, o mercado temporal avalia o tempo durante o qual as
condutas exploradoras da posição de domínio, mesmo sendo anticoncorrenciais,
são rentáveis.
O teste SSNIP tem também o nome de “teste do monopolista hipotético”, pelo
facto de esse teste visar ainda o impacto do aumento ligeiro mas significativo do
preço na rentabilidade da empresa e, com isso, determinar se, do ponto de vista
da empresa, vale a pena tentar monopolizar esse mercado.
Note-se que o conceito de mercado geográfico nada tem a ver com a
proximidade geográfica: o mercado geográfico é, segundo a Comissão, uma zona
onde os produtos oferecidos e as condições de mercado são relativamente
homogéneas. Outro aspeto importante é o da substituibilidade da oferta, isto é,
a capacidade de resposta dos concorrentes à perda de procura que o aumento
ligeiro do preço possa significar para a empresa que o faz, ou melhor, a
capacidade dos concorrentes de absorver a procura entretanto perdida pela
empresa com maior poder de mercado.
8- Acordos horizontais:
Os acordos horizontais são, à partida, anticoncorrenciais, porque representam
por parte das entidades envolvidas uma renúncia ao dever de concorrer entre si,
tentando assim evitar os riscos inerentes à participação no mercado e a que
todos os concorrentes se têm de sujeitar. Por isso, estão sujeitos ao crivo do art.
101º, nº1 TFUE.
No entanto, esses acordos horizontais podem excecionalmente ser permitidos,
desde que cumpram os requisitos do art. 101º, nº3 TFUE: primeiro, devem
contribuir para a melhor qualidade e eficiência do mercado em que se inserem;
segundo, os consumidores devem beneficiar do acordo na mesma medida que
as empresas envolvidas nele; terceiro, o acordo deve ser a única forma de
prosseguir os objetivos pretendidos, contanto que estes sejam lícitos; quarto,
não pode resultar do acordo a exclusão de concorrentes do mercado. Note-se
que estes requisitos são cumulativos e, se não estiverem preenchidos, não pode
a Comissão decidir pela não violação do art. 102º TFUE (Tele2/Polski). O TJUE
acrescenta ainda um quinto requisito, que é o caráter isolado destas condutas,
ou seja, que elas sejam suficientemente esporádicas para não criar a impressão
de um comportamento sistemático (AEG vs Comissão).
As isenções individuais da aplicação do nº1 são aferidas desta forma, mas as
isenções podem ser concedidas de forma coletiva, através das “isenções em
bloco”, em que a autoridade competente fixa um conjunto de requisitos, cuja
verificação atribui uma isenção automática à empresa que os cumprir.
Quando não cumpram esses requisitos cumulativos, os acordos são avaliados à
luz do art. 101º, nº1 TFUE. Neste âmbito, deve-se fazer a distinção entre acordos
por objeto, que cuja mera celebração é ilícita, e acordos por efeito, cuja ilicitude
requer a prova de efeitos nocivos concretos à concorrência.
A jurisprudência já se deparou com vários tipos possíveis de acordos horizontais:
9- Procedimentos de clemência:
É frequente num cartel uma empresa, vendo a descoberta do seu ilícito
iminente, denunciar os restantes envolvidos à AdC, na esperança de ver a sua
sanção atenuada ou extinta.
A LdC prevê o procedimento de clemência, mas com algumas complexidades, no
sentido de fazer depender a isenção total de coima dos requisitos cumulativos
previstos no art. 77º, nº2. Se algum não estiver preenchido, há mera atenuação
da coima, mas, ainda assim, o art. 78º, nº1 prevê dois requisitos adicionais para
que assim seja. Se várias empresas denunciarem, dá-se uma redução entre 30 e
50% para a primeira, uma redução entre 20 e 30% para a segunda e uma de 20%
para as restantes (art. 78º, nº2).
11/04/2023
A notificação deve ser feita nos termos do art. 37º, nº2 LdC – esta norma define
em que momento a notificação pode ser feita – produzindo efeitos a partir da
data de apresentação à AdC e a partir daí a operação fica suspensa (art. 40º, nº1
e 6 LdC), tendo a AdC um prazo prorrogável de 30 dias para chegar a uma decisão
final (art. 49º LdC).
A notificação deve ser efetuada em formulário próprio, conjuntamente pelas
partes em caso de fusão, criação de empresa comum ou aquisição de controlo
conjunto sobre a totalidade ou parte de uma ou várias empresas. Quando seja
uma empresa a adquirir o controlo exclusivo sobre a totalidade ou parte de uma
ou várias empresas, é sobre essa que recai a obrigação de notificação.
De acordo com o art. 49º LdC, a AdC pode tomar uma de 3 decisões (art. 50º,
nº1 LdC): pode entender que a situação não se encaixa no procedimento de
controlo de concentrações, pode autorizar a concentração, ou iniciar uma
investigação aprofundada. Sem notificação, a AdC pode iniciar oficiosamente
uma investigação aprofundada se tiver conhecimento de uma operação que
devesse ter-lhe sido notificada, mas não foi (art. 56º LdC).
A investigação aprofundada é um prazo adicional para a tomada de decisão
sobre a operação – 90 dias úteis a contar da notificação, prorrogáveis por mais
20 – ficando a operação suspensa em toda a duração deste processo. A falta de
decisão neste prazo vale como um deferimento tácito, ou seja, vale como uma
decisão de não oposição à operação de concentração.
Todas as decisões pressupõem audiência prévia, com exceção dos casos do art.
54º, nº3 LdC, e a falta de pronúncia dentro do prazo vale como deferimento
tácito da operação (arts. 51º, nº5 e 53º, nº5). Note-se que o processo não
depende de notificação, já que a AdC pode iniciar oficiosamente um
procedimento de controlo.
O critério essencial de decisão sobre a operação é a criação ou não de entraves
significativos à concorrência, designadamente a criação ou o reforço de uma
posição dominante (art. 41º, nº4), embora a existência de uma posição
dominante não seja um requisito fixo, como se vê no caso T-Mobile. Por outro
lado, há situações em que a Comissão aprovou a concentração em cerca de 90%,
como no caso da compra do Skype pela Microsoft, devido à natureza
duopolizada ou oligopolizada destes setores.
Na verdade, tanto a LdC como o Regulamento sobre as Concentrações no seu
art. 2º, nº2 e 3 priorizam o critério da criação de entraves à concorrência, sendo
a criação ou a consolidação de uma posição dominante secundária. Trata-se do
critério “substantial lessening of the competition”, segundo o qual pode ser
autorizada uma operação de concentração mesmo que ela leve à criação de uma
posição dominante, ou, pelo contrário, pode ser vetada mesmo que não crie uma
posição dominante.
A Comissão pode ser flexível nestes negócios, permitindo a sua celebração, na
condição de as empresas envolvidas assumirem determinados compromissos,
como a venda de participações sociais a concorrentes mais pequenos ou a
proibição de troca de informações sensíveis. O incumprimento destes
compromissos implica a aplicação de sanções: nos termos do art. 40º, nº1 LdC,
as empresas não podem avançar para a concretização de uma operação
relevante antes de notificarem a AdC ou a Comissão ou antes de uma decisão ter
sido tomada (“gun jumping”).
Além disso, o incumprimento das obrigações legais ou impostas pela AdC é
tipificado como contraordenação grave, punível com coima até 10% do volume
de negócios total (art. 68º, nº1, als. f) e g) LdC).
A decisão final pode ser de oposição à operação, de não oposição, ou de não
oposição mediante compromissos, fazendo a apresentação desses
compromissos suspender em 20 dias úteis o prazo de decisão. A decisão da AdC
que recuse os compromissos propostos pelas empresas só é suscetível de
reclamação (art. 52º, nº3 LdC).
Como se disse, cabe recurso da decisão da AdC para o Tribunal da Concorrência, sendo
esse recurso meramente devolutivo, no prazo geral de 30 dias. Havendo recurso para o
TCRS, ele tem jurisdição plena, o que significa que o montante da coima pode ser
reduzido ou aumentado. O visado, a AdC e o MP podem recorrer para o TRL, e essa
decisão é final, salvo em caso de reenvio prejudicial para o TJUE e de recurso para o TC
ou para o TEDH.
2-05-2023
Nesta matéria, o DUE optou pela harmonização de legislações e não pela sua unificação,
com a Diretiva 2014/104/UE, transposta pela Lei nº23/2018. Esta lei justifica-se pela
dificuldade de operacionalização deste tipo de ações, para as quais não bastam as regras
gerais do CC.
O primeiro tipo de ação de private enforcement é a ação follow-on, que é intentada na
sequência de uma decisão prévia da AdC na qual esta se tenha pronunciado sobre a
matéria.
Se não tiver havido pronúncia da AdC, não está impedido que seja intentada uma ação
stand-alone, embora seja mais complicada, devido à dificuldade adicional de prova dos
factos alegados.
Finalmente, pode acontecer que a AdC se tenha pronunciado somente dum modo
parcial sobre os factos. Cabe aos particulares avaliar a dimensão do dano causado por
esses factos. Há um fator importante: para além de as autoridades públicas gozarem de
mais poderes inquisitórios, elas estão disponíveis para iniciar procedimentos de
clemência.
Por causa da natureza dualista do DdC e do princípio do primado do direito comunitário,
é preciso delimitar os domínios de intervenção do direito nacional e do DUE. Aqui, o
problema tem uma dimensão diferente, porque não vão ser aplicadas as regras da
concorrência: essas são apenas fundamento para a aplicação das regras nacionais de
direito civil, comercial e processual civil. Portanto, o DUE regula tudo o que tenha a ver
com a configuração do direito que o autor pode fazer valer, o que inclui desde logo a
verificação dos requisitos de existência do dever de indemnização (com a diferença em
relação ao direito civil de que a violação de normas da concorrência se presume
culposa), a responsabilidade pela conduta (ter em atenção os conceitos de empresa e
de unidade económica), a identificação e quantificação dos danos a indemnizar (o DUE
não tem em consideração lucros cessantes).
De resto, cabe à legislação nacional fixar a forma como essas regras são aplicadas. Por
exemplo, cabe ao tribunal nacional determinar se um cartel causou ou não “umbrella
damages” a indemnizar. A competência dos tribunais nacionais também abrange o
modo de exercício dos direitos, mas com dois limites: a Diretiva de harmonização fixa o
prazo de prescrição em 5 anos, o que tem efeito direto sobre os Estados-membros, e
realça a inviolabilidade dos princípios da efetividade e da equivalência, que,
respetivamente, estipulam que o direito nacional não pode prejudicar a aplicação
efetiva do DdC comunitário, e que não pode prever para os direitos concedidos pelas
regras da concorrência um âmbito mais limitado do que estas.
A Lei nº23/2018 adiciona ao elenco de responsáveis do art. 3º, nº2 dos do art. 36º, nº3
LdC. Mais uma vez, em conformidade com a jurisprudência, a lei (art. 3º, nº3) presume
que há influência dominante, estendendo a responsabilidade à sociedade dominante se
o infrator for a dominada, se a primeira detiver sobre a segunda 90% ou mais do seu
capital social. Nestas situações, os agentes respondem solidariamente, a não ser que
uma das empresas seja uma PME e, nesse caso, só é responsável se preencher os
requisitos do art. 5º (mesmo assim, ela responde apenas pelos danos concretamente
causados).
Depois, a indemnização é calculada nos termos do art. 4º que, ao contrário do DUE,
abrange no cálculo da indemnização os lucros cessantes e os juros moratórios. O
problema está no art. 9º, nº1 que presume que os cartéis são responsáveis pelos danos
que causam, o que não faz sentido, porque transpõe mal o art. 17º, nº2 da Diretiva, que
presume antes que qualquer prática de cartel produz danos. Perante a dificuldade de
quantificação dos danos, o tribunal pode ficar convencido com o relatório apresentado
pelo autor e dispensar essas presunções, ou, estando convencido da existência de
danos, calcular sozinho o valor dos danos nos termos do art. 9º, nº2 e, em qualquer um
dos cenários, a presunção da Diretiva é inútil. Ela só é aplicável na prática se o tribunal
não estiver convencido da verificação de danos e a ré não apresentar prova suficiente
para afastar a existência de danos; os tribunais podem recorrer às orientações da
Comissão sobre a quantificação de danos, mas eles são cautelosos e preferem
quantificar os danos. Por essa razão, o art. 17º, nº1 da Diretiva garante o princípio da
efetividade, que pretende que o juiz disponha sempre de meios para, pelo menos,
apurar um valor aproximado dos danos causados; aliás, o art. 9º, nº2 permite que,
perante falta de instrumentos de cálculo, o valor seja uma estimativa.
Para efeitos de cálculo da indemnização, se o autor repercutiu o dano num cliente seu,
o réu pode invocar esse facto a título de exceção. O art. 8º, nº3 da Lei nº23/2018
estabelece uma presunção de repercussão sempre que se verifiquem os requisitos
cumulativos aí previstos.
O art. 6º, que transpõe o art. 10º da Diretiva, fixa um prazo de prescrição de 5 anos, a
contar da cessação da infração e do conhecimento pelo lesado da infração em causa, da
identidade do infrator e dos danos causados pela conduta. O prazo suspende-se se a
AdC iniciar uma investigação relacionada com a infração em causa, recomeçando no ano
seguinte à data da decisão administrativa definitiva, ou do trânsito em julgado da
decisão judicial, ou da conclusão do processo como um todo. A partir daí, o autor pode
intentar uma ação stand-alone para obter a indemnização. O prazo também se
suspende se as partes estiverem envolvidas num procedimento de resolução
extrajudicial de litígios.
O problema é o facto de o prazo genérico previsto no CC ser diferente deste prazo geral,
o que é relevante para factos ocorridos antes da entrada em vigor da Lei nº23/2018,
sendo necessária a compatibilização desses dois prazos: o que tem sido defendido é a
natureza substantiva da prescrição, que implica a não aplicação a situações já prescritas;
logo, o prazo de 5 anos aplica-se a situações formadas depois do prazo de transposição
e a situações que, apesar da sua constituição antes da vigência, continuem a produzir
efeitos depois do prazo de transposição e ainda não tenham prescrito.
O art. 19º permite a ação popular no domínio do DdC, remetendo para a lei da ação
popular. Em grande parte das infrações da concorrência, o dano, não justificando ações
individuais, só é ressarcível se a ação for intentada por um conjunto relativamente
grande de autores.
A nossa lei tem um sistema algo peculiar, na medida em que prevê um sistema
especialmente pró-consumidor: nos termos dos arts. 14º e 15º, os autores podem ser
representados por uma associação coletiva de defesa, sendo essa representação
definitiva perante o silêncio do autor individual.
Outra dificuldade é o investimento necessário para propor uma ação deste tipo que seja
minimamente credível. Perante a incerteza em relação ao resultado da ação e ao
montante indemnizatório, a única solução para a cobertura dos custos é o
financiamento por terceiros, que custeiam os pedidos e os restantes incidentes
processuais, a troco do excedente de indemnização pelos investimentos realizados. Têm
havido questões de inconstitucionalidade, alegando-se a comercialização da justiça, mas
não são de valorizar, uma vez que a inconstitucionalidade inviabilizaria a ação popular.
Objetivos: