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Direito Comercial I

1ª Frequência
Introdução
1.- Conceções do direito comercial
1.1- Evolução histórica do direito mercantil (breve menção)
O direito comercial, no sentido de corpo ou sistema normativo autónomo,
tendo como função regular a atividade mercantil, terá surgido apenas na época
medieval, no séc.XII em cidades italianas como Florença. Havia condições para os
mercadores gerarem um “direito especial do comércio”, dado que, tratava-se de uma
época de fraco poder político central e os comerciantes passaram a constituir a
classe económica dominante. Foi assim então criado um direito pelos mercadores,
para regular as suas atividades profissionais e por eles aplicado.
Nos últimos tempos, o direito comercial tem sofrido ainda grandes
desenvolvimentos, nomeadamente, tem havido a tendência ara a sua
internacionalização-uniformização. A contribuir para tal, foram diversas
convenções internacionais que têm unificado os sistemas jurídico-mercantis
nacionais em setores específicos. Além disto, os tratados constitutivos das OI’s de
integração e as normas emanadas dos respetivos órgãos vão unificando ou
harmonizando o direito comercial dos Estados-membros em vastos domínios. Por
outro lado, tem-se desenvolvido um direito uniforme de origem não-(inter)estadual,
sendo este um direito feito de usos e costumes do comércio internacional, de usos e
práticas comerciais.
1.2- Noção do direito comercial português
Podemos então definir o direito comercial, como o sistema jurídico-
normativo que disciplina de modo especial os atos de comércio e os comerciantes.
Atendendo ao primeiro artigo do Cód.Comercial, poderíamos ser tentados a
referirmo-nos apenas aos atos de comércio, contudo, a lei mercantil regula
fenómenos que não são atos comerciais. Por exemplo: obrigações especiais dos
comerciantes (firmas, escrituração mercantil) e organização interna das sociedades.
Há que também ver, que a lei apesar de apresentar uma conceção objetiva visa

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sobretudo os comerciantes: estabelece o seu estatuto, traça a sua organização,
regula os seus atos, etc.
É também inquestionável que o direito comercial se trata de um ramo do
direito privado, regulando este a organização dos sujeitos privados e as relações
estabelecidas entre eles, ou entre eles e entidades publicas atuando como
particulares.
 Nota: Apesar de tal, as leis comerciais também contém disposições de direito
público – basta pensar nas disposições penais incluídas em muitas delas.
O direito comercial está em todo o lado. Em todo o lado onde haja atividade
económica numa sociedade capitalista. Há uma lei das patentes: quem descobre ou
esta em vias de descobrir qualquer coisa vai ter a patente do produto e caso alguém
queira usar tem que pagar. É assim com as marcas. Só o titular da marca pode usá-
la.
O direito comercial disciplina atos de comércio e comerciantes, porém os
conceitos de comércio em sentido jurídico e de atos jurídico-comerciais podem não
coincidir com os correspondentes conceitos económicos. Temos três setores da
atividade económica:
 Setor primário- a agricultura, que acaba por abranger a pecuária (pesca)
e a silvicultura (caça);
 Setor secundário- Indústria;
 Setor terciário- serviços, compreendendo estes o comércio, transportes,
eletricidade, liberais, etc.
Ora, o comércio em sentido jurídico abarca não penas o comércio em sentido
económico (atividade de interposição na circulação de bens, ou de interposição de
trocas), mas também outras indústrias e serviços; e atos jurídico-mercantis não se
situam apenas nos domínios do comercio economicamente entendido. Claro que o
direito comercial não disciplina todas as atividades económicas, por exemplo, este
quase não entra nas industrias extrativas, nas industrias e serviços artesanais, nos
serviços profissionais, liberais, etc.

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1.3.- O problema de autonomia do direito privado
O problema da autonomia do direito comercial tem sido debatido sobretudo
nas aceções de autonomia formal ou legislativa e de autonomia substancial.
Ora, desde o sé c. XIX que se tem manifestado um forte movimento doutrinal
em prol da unificação do direito privado (fundindo-se o direito civil e o direito
comercial). A tradicional separação seria contrária à unidade da vida económica. Tal
homogeneização do sistema socioeconómico ir-se-ia afirmando no plano jurídico,
segundo os autores unitaristas. É , de facto, evidente a generalização/comunização
de institutos tradicionalmente jurídico-mercantis (ex.: seguros, letras de câmbio,
etc.). Vão-se incorporando no direito civil regras e caraterísticas ou princípios
tradicionais do direito mercantil. Esta “comercialização” do direito privado
representa, simultaneamente, o triunfo do direito comercial (que impõ e as suas
regras ao direito civil) e a morte do mesmo direito (que passa a integrar o direito
comum). Esta é uma tendência que se verifica sobretudo no domínio do direito das
obrigações.
Não obstante, vários autores têm visto nos últimos tempos sinais de
“reafirmação” da autonomia substancial do direito comercial enquanto direito
privado da empresa. Sobre esta questão, Coutinho de Abreu tece os seguintes
comentá rios:
✓ É aceitável a conceção do direito comercial como direito predominantemente
das empresas, mas no direito comercial português atual entram sujeitos e
atos não incluídos no domínio empresarial e nem todas as espécies de
empresas são acolhidas por este direito.
✓ Os contratos comerciais não podem ser inteiramente identificados com os
contratos de empresa, pois:
o Existem contratos comerciais sem que nenhuma das partes seja
empresário;
o Existem contratos não comerciais apesar de neles participarem
empresários.
✓ Alguns contratos unilateralmente de empresa têm disciplina autónoma não
enraizada nas lógicas da comercialidade (ex.: contrato de trabalho e contrato
de consumo).

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✓ Os contratos de empresa bilaterais nã o gozam de uma disciplina e ratio
unitário. Ex.: regime do abuso de dependência económica e da nulidade das
clausulas contratuais em transações comerciais entre empresas que
estabelecem prazos excessivos para o pagamento, por exemplo.
✓ O direito do consumo diferencia-se do direito das empresas, ainda que os
contratos de consumo possam ser qualificados como unilateralmente de
empresa.
✓ Nem todos os contratos de consumo têm como contraparte um empresário,
podendo tratar-se de um profissional autónomo não empresário (ex.: artesão
ou um profissional liberal sem empresa em sentido objetivo).
✓ Os contratos de consumo integram o direito comercial mas, como referido,
nem sempre pressupõem um empresário e gozam de regime diferente do
tradicional regime dos contratos de empresa unilaterais, pelo que não se
pode falar verdadeiramente numa “reautonomizaçã o” do direito comercial
como direito dos contratos de empresa.
✓ Os princípios e regras dos contratos comerciais alastraram-se para o direito
civil dos contratos patrimoniais.
✓ Os princípios e regras do direito do consumo também se alastram para o
direito civil.
Do que foi dito resulta que a harmonização do direito privado dos contratos é
um processo já em marcha e que pode culminar na unificação. Nesta linha, pensa-se
que a reafirmação da autonomia do direito comercial não passará pela configuração
do direito comercial como direito contratual das empresas.

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2.- Fontes do direito comercial português
2.1- Fontes externas e fontes internas
Desde já, fontes do direito comercial, tratam-se dos modos ou formas, por
que se constitui e manifesta o direito especificamente aplicável à matéria mercantil.
Dentro destas, convém distinguir as fontes externas e internas.
Fontes externas:

 Convenções internacionais, cuja Embora de valor infra-

importância se têm vindo a acentuar constitucional, as normas das

(artg.8º/2 CRP). generalidades das convenções e das

 Regulamentos e diretivas da Comunidade de “direito supranacional”

europeia (artg.8º/3 CRP). prevalecem sobre a lei ordinária


interna (anterior ou posterior)

Fontes internas:
 Leis- (comerciais) sendo que estas abarcam os “atos legislativos) (leis
constitucionais, leis, decretos-lei, decretos legislativos regionais) e
regulamentos do Governo, das RA e AL, etc.
 A CRP também contém algumas regras atinentes ao direito comercial, tais
como podemos ver no artg.61º - iniciativa económica privada.
 Código Comercial- a principal fonte do direito comercial, tendo sido
complementada por uma numerosa legislação extravagante.
 Jurisprudência e doutrina-
o As decisões judiciais também participam na criação e concretização
do direito: interpretam e concretizam normatividade jurídica
(importante nas clausulas gerais e conceitos indeterminados),
integram lacunas. Destas decisões vai-se inferindo normas, princípios
jurídicos e explicitações dogmáticas das intenções normativas.
o Já a doutrina, releve por complementar dogmaticamente e por ser
“heurístico-normativamente antecipante” do direito jurisprudencial”.
 Usos e costumes- Importa clarificar que usos se tratam de práticas sociais
estabilizadas, e os costumes são práticas sociais estabilizadas seguidas com
a convicção de serem juridicamente obrigatórias. Será que estas ainda devem
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ser consideradas fontes? A resposta é afirmativa para ambos, apesar de
terem a sua importância reduzida, a verdade é que ainda têm relevância
atualmente.
Também é direito comercial o regime dos negócios, os contratos, as bolsas, o
sistema financeiro, os cartões de crédito ou débito. Direito comercial tem uma vasta
realidade. Vamos estudar múltiplos aspetos desta realidade.
O nosso sistema assenta em pessoas criadas pelo direito, as pessoas coletivas
ou jurídicas (uma fundação, uma associação, as sociedades, o município, o estado,
etc.). Estas pessoas interagem entre si através de atos, como por exemplo, a
celebração de contratos.
2.2.- Aplicação da lei civil a matéria mercantil
O artg.3 Cód.Comercial refere que a lei civil é aplicável a questões comerciais.
É importante denotar que tal não significa que, a legislação civil possa ser fonte do
direito comercial. O direito comercial é um direito privado especial, e como assim é,
é logico que o direito civil, enquanto direito civil comum, intervenha na disciplina
de matérias mercantis quando o direito comercial se revela insuficiente para a
questão em causa.
 Nota: Também não seria correta a conclusão de que a legislação civil apenas entra
no campo comercial, para integrar lacunas da lei comercial. Nem todas as omissões
de regulamentação legal-mercantil são verdadeiras lacunas, isto porque, por
lacunas entende-se “imperfeições ou inacabamentos contrários ao plano da lei”.
Acontece que algumas dessas omissões estão de acordo com o plano da lei comercial
– ex.: caracterização legal dos tipos contratuais.

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Parte I – Atos de comércio, comerciantes, empresas,
sinais distintivos
Capítulo I- Dos atos de comércio em geral
Se nem tudo é DC o que é que é DC? Há muitos atos que são negócios típicos
do ponto de vista legal que tanto podem ser uma coisa como outra, talvez sim talvez
não: depende. Existem critérios, requisitos para que um determinado negócio seja
comercial, podendo não o ser. A compra e venda pode ser comercial? Pode mas
também pode não ser. O mesmo com o aluguer, o comodato, o transporte, uma
sociedade entre duas pessoas.
O regime é diferente conforme o ato seja comercial ou não e, portanto, o que
queremos saber é, qual é o regime a aplicar àquele ato e apenas podemos chegar a
isso, sabendo qualificar o ato como comercial ou não.
O artg.2º do Cód.Comercial diz-nos que “serão considerados atos de
comércio todos aqueles que se acharem especialmente regulados neste Código e,
além deles, todos os contratos e obrigações dos comerciantes, que não forem de
natureza exclusivamente civil, se o contrário do próprio ato não resultar”. Daqui
podemos retirar que seria impossível encontrarmos um conceito unitário,
homogéneo de ato do comércio.
Há certos atos que são considerados mercantis por estarem previstos na lei
comercial, segundo critério heterogéneos, e que podem em regra, ser praticados por
comerciantes ou não comerciantes. E também há certos atos, que são comerciais
porque o sujeito que o praticou é comerciante. Assim podemos dizer que a causa da
comercialidade do ato que foi praticado está na comercialidade do sujeito. Para que
alguém seja um sujeito mercantil (singular ou coletiva) há um requisito que tem a
ver com os atos que ele pratica – a causa da comercialidade do sujeito está nos atos,
é por causa da sua atividade que ele se torna comerciante.
Há quem defenda um conceito unitário de ato comercial, tendo-se em mente
três critérios: finalidade especulativa; interposição nas trocas ou na circulação das
riquezas; existência de uma empresa. Todavia, nenhum destes critérios possibilita
um conceito unitário de ato de comércio:

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 Existem atividades normalmente exercidas com intuito lucrativo e nem por
isso são qualificadas como comerciais – ex.: agricultura, atividade dos
profissionais liberais;
 O critério da interposição de trocas também acaba por ser insuficiente, visto
que o código considera determinados atos como comerciais, sendo que estes
não têm de realizar ou facilitar interposições nas trocas – ex.: penhor.
 Quanto à existência de uma empresa, já vimos que a comercialidade de atos
esporádicos ocasionais prescinde da sua existência.
Então afinal o que são atos de comércio? São sobretudo contratos. Porém,
também podem ser negócios jurídicos unilaterais (ex.: negócios constituintes de
sociedades comerciais unipessoais). Fora do domínio dos negócios, mas dentro
ainda dos factos jurídicos voluntários, é possível também encontrar simples atos
jurídicos (ex.: interpelações e avisos efetuados por sociedades mercantis a sócios
remissos). Por último, os próprios factos jurídicos ilícitos não estão excluídos na
qualificação, em certos casos, como atos comerciais – ex.: a abalroação culposa de
navios, artg.665, do CCom.
Dito isto, podemos então dizer que os atos comerciais são os factos jurídicos
voluntários especialmente regulados em lei comercial, e os que, realizados por
comerciantes, respeitem as condições previstas no artg.2º CCom.
3.- Atos de comércio objetivos e subjetivos
Na classificação objetiva dos atos de comércio podemos ter: objetivos ou
subjetivos. Utilizando o artg.2º do CCom.:
 Atos de comércio objetivos – “todos aqueles que se acharem especialmente
regulados neste Código”. Encontramos quatro critérios de identificação:
o Atos previstos no próprio CCom;
o Atos previstos em leis comerciais substitutivas ou revogatórias do
CCom;
o Atos previstos em leis que se auto-qualificam como comerciais;
o Atos análogos aos acima enunciados;
 Atos de comércio subjetivos- “todos os contratos e obrigações dos
comerciantes, que não forem de natureza exclusivamente civil, se o contrário
do próprio ato não resultar”. Requisitos cumulativos:
o Atos praticados por “comerciantes”
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o Natureza dos atos não exclusivamente civil;
o Atos não Auto classificados como não comerciais;
Os atos comerciais estão na origem e na consequência – há atos comerciais
causa da qualidade do comerciante e há atos consequência da qualidade do
comerciante. Os atos que estão na origem, na causa não são os mesmo que estão nas
consequências.
3.1.- Atos de comércio objetivos
Atos objetivos do comércio como atos na origem – atos cuja
comercialidade não depende do sujeito, e tem uma comercialidade imanente
objetiva, uma vez que está nos próprios atos, independentemente de quem o pratica
(artg.2º 1ª parte CCom).
3.1.1.- Interpretação da 1ª parte do artg.2 do CCom
Recorde-se que, na primeira parte deste artigo, encontrava-se uma definição
de atos de comércio objetivos por enumeração ou catálogo – “todos aqueles que se
acharem especialmente regulados neste Código”. Ex.: fiança (101º); mandato (231º
e ss.); empréstimo (394º e ss.); depósito (397º), etc.
Agora, não se tratam apenas de atos comerciais objetivos os “especialmente
regulados no Código”. Tal hipótese nem faria sentido, uma vez que estaríamos a
petrificar os atos comerciais segundo um código datado. Prevê-se assim três
hipóteses:
1) A lei substitui normas do CCom
Neste primeiro caso, a lei substituta será em princípio comercial, os atos nela
regulados serão mercantis. Nem faria sentido não os considerar comerciais, quando
previstos de modo mais desenvolvido e atualizado, mas com idêntica fisionomia, só
que fora do Código. Exemplos: Atos constitutivos das sociedades comerciais (Código
das sociedades comerciais); Contratos de seguro – DL nº72/2008; Contratos de
transporte de mercadorias por mar – DL nº352/86;
2) A lei qualifica direta ou indiretamente os atos como comerciais
Também por legislação dispersa, serão considerados como comerciais os
seguintes atos: Locação e trespasse de estabelecimento comercial (novo regime do
arrendamento urbano); atos objetos de sociedades comerciais (código das
sociedades comerciais); contrato constituinte de agrupamentos europeus de
interesses económicos com objeto mercantil - de regulamento (CEE) 2137-785.
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3) Quando nenhuma das hipóteses anteriores se verifica
Acontece que, na maioria dos casos, as leis não se auto-qualificam explicitamente
como comerciais, civis, etc. Então, como é que podemos saber se estamos perante
uma lei mercantil, prevendo atos objetivos de comércio? Desde já, podemos afirmar
que não seria suficiente ver se determinada disciplinava atos tendo em vista
satisfazer necessidades do comércio. Por um lado, não existe um conceito unitário
de comércio, o comércio em sentido jurídico abrange diversos setores da atividade
económica, com necessidades diferentes. Por outro lado, as leis comerciais regulam
também atos de comércio ocasionais.
Sendo assim, para vermos se as leis são comercias, teremos de ver se elas
disciplinam matéria análoga à disciplina no CCom, ou em outras leis classificadas
como comerciais. Mas este problema será tratado mais à frente.
3.1.2.- Significado do artg.230º no quadro dos atos de comércio
Art.230º Código Comercial – qualifica como comerciais as empresas que
singulares ou coletivas, que se propuserem:
1. Transformar, por meio de fábricas ou manufacturas, matérias-primas,
empregando para isso, ou só operários, ou operários e máquinas;
2. Fornecer, em épocas diferentes, géneros, quer a particulares, quer ao Estado,
mediante preço convencionado;
3. Agenciar negócios ou leilões por conta de outrem em escritório aberto ao
público, e mediante salário estipulado;
4. Explorar quaisquer espetáculos públicos;
5. Editar, publicar ou vender obras científicas, literárias ou artísticas;
6. Edificar ou construir casas para outrém com materiais subministrados pelo
empresário;
7. Transportar, regular e permanentemente, por água ou por terra, quaisquer
pessoas, animais, alfaias ou mercadorias de outrem.
Qual o alcance de a lei qualificar estas empresas de comerciais?
❖ Existe uma corrente doutrinária que defende que, as empresas aí vistas
significam o mesmo que “empresários”, ou mais concretamente
comerciantes. As empresas seriam as pessoas, singulares ou coletivas, que se
prepusessem a praticar os atos de comércio enumerados no artigo (José
Tavares, Barbosa de Magalhães).

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❖ O curso e o Dt. Coutinho de Abreu, defendem que o artigo refere-se aos atos
praticados na exploração daquelas empresas como atos de comércio
objetivos. As empresas são conjuntos ou séries de atos objetivamente
enquadrados organizatoriamente (atos praticados no quadro de
organizações de meios pessoais e/ou reais). O nº1 do artg.230 elenca atos de
comércio objetivos, sendo que a sua prática reiterada por uma determinada
organização permite classificá-la como empresa.
Daqui surge uma questão importante: todos os atos praticados no âmbito destas
empresas são comerciais ou apenas parte deles, em que o exercício da empresa
tipicamente se traduz? O curso e o Dt. Coutinho de Abreu entendem que se deve
considerar, como atos de comércio objetivo todos os atos praticados no
contexto das atividades empresariais:
 O artg.230º parece basear a tipificação de algumas empresas em factos não
jurídico-negociais (ex.: empresas transformadoras: transformar, por meio de
fábricas ou manufaturação, etc.);
 A visão orgânica dos diversos atos, em que o exercício das empresas se
traduz parece igualmente favorecer esta tese;
 Por último, as empresas podem ser exploradas por não comerciantes, o que
significa que não há lugar para atos de comércio subjetivos – artg.14º e 17º
CCom.
3.1.3 Qualificação de atos de comércio por analogia
A qualificação de atos de comércio por analogia é um problema que tem
dividido bastante a doutrina. Temos autores que recusam o recurso à analogia:
Guilherme Moreira, Alves de Sá; e a favor do recurso: Barbosa de Magalhães; Lobo
Xavier; Oliveira de Ascensão.
Desde logo, importa referir que o problema não se resolve recorrendo ao
artg.3º do CCom, visto que esta norma apenas admite recurso à analogia para
regular atos já qualificados como comerciais, e a nossa questão diz respeito a
lacunas de qualificação.
Ora, os defensores da tese da inadmissibilidade da qualificação de atos
mercantis por analogia invocam três argumentos principais:

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❖ A letra da lei – “que se acharem especialmente regulados neste Código e, além
deles (...)” – além dos subjetivos, apenas permitiria como atos comerciais os
especialmente regulados em lei mercantil.
❖ Razão história – A 1ª parte do nosso artg.2º foi inspirado no artg.2º do Código
Espanhol, e neste estava previsto o recurso à analogia. A parte final deste
paragrafo foi deliberadamente afastada da nossa lei.
❖ Certeza e segurança jurídica – dado o regime especial e as implicações dos
atos de comércio, seria atentar contra o valor jurídico da segurança permitir
a analogia na determinação dos atos mercantis.
A verdade é que esta acaba por ser uma argumentação insubsistente:
❖ A letra do artg.2º não é concludente, uma vez que, não diz que, além dos
subjetivos, são atos de comércio apenas os especialmente regulados em lei
comercial.
❖ Há muito que não se utiliza a conceção subjetivista-histórica da
interpretação de leis.
❖ O argumento da certeza jurídica já pesou muito mais do que agora e, porque,
o valor da justiça ou da razoabilidade há de prevalecer.
Estando assente que é legitimo qualificar atos comerciais através da analogia,
recorremos à analogia legis e/ou à analogia iuris? Segundo a perspetiva que
adotamos, não se levanta grandes dúvidas relativamente ao recurso à analogia legis.
Já o mesmo não se poderá dizer, à cerca da analogia iuris – a disciplina dos casos
omissos através da aplicação de “princípios gerais” obtidos através de induções
lógico-generalizadoras de uma série de normas legais. Se adotássemos um conceito
unitário de ato de comércio, aplicaríamos coerentemente, a analogia iuris. Contudo
essa não é a perspetiva que adotamos.
Contudo, o Dt. Coutinho de Abreu entende que é possível extrair diversos
princípios gerais de vários grupos de normas qualificadoras de diversos atos de
comércio, possibilitando deste modo o recurso à analogia iuris. Como é que se
concretizam estas ideias?
 Artg.230º/6 refere-se às empresas de construção, somente de “casas”.
Porém, não há razões substanciais para não se considerar comerciais, as
empresas construtoras de sentido mais amplo – a norma é estendida
analogicamente (analogia legis) àquelas outras empresas de construção.
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 DL no 148/90 » disciplina os Agrupamentos Europeus de Interesse
Económico – devem também ser considerados como atos de comércio os atos
constitutivos de Agrupamentos Complementares de Empresas, por analogia
legis, aos AEIE, sempre que tenham objeto comercial (nos termos da
legislação que os regula – Lei no 4/73 e DL no 430/73 – os ACE podem ter
objeto civil e comercial; daí a sua não classificação direta como atos de
comércio objetivos).
 O DL nº149/95, regula o contrato de locação financeira – contrato pelo o qual
uma das partes se obriga mediante retribuição, a ceder à outra o gozo
temporário de uma coisa móvel ou imóvel, adquirida ou construída por
indiciação desta e que o locatário poderá comprar, decorrido o período
acordado, por um preço nele determinado ou determinável pela simples
aplicação dos critérios nele fixados”. O decreto-lei refere também como atos
de comércio objetivo, a compra e venda de coisas móveis destinadas a
subsequente aluguer, o aluguer das coisas moveis adquiridas com esse
intuito e a compra e revenda de coisas imoveis – devem também ser
qualificados como atos comerciais os atos de compra de coisas imoveis para
o arrendamento – analogia legis.
 Art.230ºº/2 CCom, refere-se a empresas fornecedoras de géneros – devem
também considerar-se atos de comércio objetivo os atos praticados por
empresas fornecedoras de serviços. A este respeito importa distinguir duas
realidades diferentes que, por isso, convocam diversos raciocínios:
o Contratos de fornecimento de serviços (alguém obriga-se, mediante um
preço previamente estabelecido, a fornecer a outrem, em
determinadas épocas, serviços) – analogia legis – aquele preceito
aplica-se, exatamente, a contratos de fornecimento de bens.
o Contratos de prestação de serviços (alguém obriga-se a prestar um
serviço isolado a outrem, em contrapartida do pagamento de um
preço), aplica-se a analogia iuris – uma vez que na lei, considerou-se
comerciais variadas empresas de serviços, tal conduz-nos a esta
conclusão. Podemos identificar um princípio geral de direito
comercial segundo o qual as empresas de serviços são, em regra
comerciais (sejam elas empresas de fornecimento ou de prestação).
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 NRAU (Lei nº6/2006, de 27 de Fevereiro) - regula as figuras do trespasse e
locação de estabelecimento comercial – devem também considerar-se como
atos de comércio objetivo quaisquer outros negócios sobre empresas
comerciais (analogia iuris).
 DL nº178/86 – disciplina o contrato de agência – deve ver-se o contrato de
agência como ato de comércio objetivos, recorrendo-se à analogia iuris, pois
podemos discernir um princípio geral segundo o qual as atividades de
interposição nas trocas. pertencem ao comércio em sentido jurídico e o
agente exerce efetivamente uma atividade de intermediação nas trocas (de
intermediação entre a oferta e a procura dos bens).
 DL no 124/89 - regula as designadas “agências privadas de colocação” – as
atividades de intermediação de emprego devem também ser consideradas
atos de comércio objetivos, com base em igual fundamentação à expedida
para o contrato de agência (analogia iuris).
 Art.463º/4 CCom - aplicável às compras e vendas em geral, incluindo as
feitas por concessionários ou concedentes – devem considerar-se como ato
de comércio objetivo o próprio contrato de concessão porquanto ele é
pressuposto necessário de uma atividade de intermediação nas trocas (as
compras e vendas posteriormente realizadas) (analogia iuris).

Em conclusão, como podemos definir atos de comércio objetivos? Factos


jurídicos voluntários (ou os atos, simplesmente), previstos em lei comercial e
análogos.

3.2.- Atos de comércio subjetivos


A 2ª parte do artg.2º do CCom, diz-nos que atos de comércio subjetivo
tratam-se de “todos os contratos e obrigações de comerciantes, que não forem de
natureza exclusivamente civil, se o contrário do próprio ato não resultar”.
Os atos de comércio subjetivos têm alguns requisitos a considerar:
 1º requisito positivo: o sujeito ser comerciante.
 2º requisito negativo: o ato que praticar não dever ter natureza
essencialmente civil (o tipo negocial). Ex: a perfilhação. Não tem nada a ver
com o comercio, é um ato estritamente pessoal.

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 3º requisito negativo: do ato em concreto não pode resultar o contrário. O
sujeito comerciante continua a ter uma vida “não comerciante” (como se
tivesse duas facetas) e pratica atos fora da sua atividade comercial. Exemplo:
comprar um carro para oferecer à filha.
Para ser comercial: temos que juntar os 3 requisitos, cumulativamente. Faltando
um requisito o ato não pode ser subjetivamente comercial, mas pode ainda assim
ser objetivamente comercial.
Para entendermos então exatamente no que consistem atos de comércio
subjetivo, há que decompô-los em três partes, correspondendo essas aos seus
requisitos:
✓ O sujeito ser comerciante
Atos subjetivos de comércio começam por ser atos “dos comerciantes”. Atos
na consequência - atos de comércio subjetivos, só são de comércio porque o sujeito
que os pratica é comerciante. É condição necessária, mas não suficiente (art.2º
CCom 2ª parte).
O que são comerciantes? Veja-se o art.13º Código Comercial: “São
comerciantes: 1º as pessoas, que, tendo capacidade para praticar atos de comércio,
fazem deste sua profissão; 2º as sociedades comerciais”. Por sua vez, se um
determinado sujeito praticar profissionalmente atos de comércio esse sujeito vai ser
comerciante, porque a sua vida esta ligada a atos de comércio que lhe atribuem essa
qualidade. Uma vez que o sujeito é mercantil surge uma outra categoria de atos de
comercio, mas cuja comercialidade não é imanente, vem do sujeito que os pratica, é
comunicada – comercialidade subjetiva!
Por exemplo, quando é que a compra e venda esta sujeita ao Código
Comercial? Quando se compra algo para o revender. O critério depende do ato e não
da qualidade do sujeito. Compra objetivamente comercial. não importa se a compra
é um ato ocasional ou constante. Se o ato se praticar muitas vezes o “vírus” da
comercialidade afeta o sujeito e este ganha comercialidade, passa a ser comerciante.
✓ O Ato não pode ter natureza essencialmente civil
Segundo o entendimento tradicional, seriam de natureza exclusivamente civil os
atos apenas (“exclusivamente”) regulados na lei civil, ou seja, não estariam aí
incluídos atos regulado pelo CCom ou atos regulados pelo CCom e CC. Porém, este
não é o entendimento que nós seguimos:
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 O preceito refere-se aos atos que não forem de natureza exclusivamente civil,
não a atos que não esteja regulado exclusivamente na lei civil. Até porque não
é difícil imaginar atos apenas previstos na lei civil, mas que não sejam
essencialmente civis.
 Com este entendimento também se reduziria a norma a pouca utilidade, uma
vez que na 1ª parte do artg.2º já se referia os atos regulados na lei comercial.
 Além disso, há atos omissos, não regulados nem na lei civil, nem em
comercial, aos quais pode não repugnar a comercialidade.
 É razoável que o preceito pretenda sujeitar ao regime comercial atos
conexionáveis com o comercio profissional – mesmo que não estejam
previstos na lei mercantil.
Deste modo, no entendimento do Dt. Coutinho de Abreu, entende-se que serem
atos de natureza exclusivamente civil os que, por sua natureza ou essência, não
são conexionáveis com o exercício do comércio, não se concebendo (juridicamente)
nem dirigidos a auxiliar, promover ou levar a cabo o exercício do comercio, nem a
deste dependerem – por exemplo, casamento, perfilhação, designação de tutor dos
pais.
Contudo, existem alguns atos cuja natureza essencialmente civil tem sido
bastante discutida:
 Doações realizadas por comerciantes – entende-se que quando realizadas
com fins reclamísticos não serão atos de natureza puramente civil, sendo
atos de causa mercantil, promotores do exercício do comércio.
 Rendas perpétuas e vitalícias pagas pelo comerciante – não são atos de
natureza exclusivamente civil, na medida em que são conexá veis com o
comércio em geral. Ex.: um comerciante que adquire a um particular uma
pintura muito valiosa, obrigando-se a pagar, com “renda” determinada
quantia em dinheiro por tempo ilimitado (renda perpétua).
 Factos jurídicos ilícitos praticados pelo comerciante – geradores de
responsabilidade civil extracontratual – acontece com comerciante, no
exercício do respetivo comércio, lesarem ilicitamente terceiros, com dolo ou
mera culpa. Tais atos, não têm natureza exclusivamente civil, resultam do
exercício do comércio, podem ser atos subjetivamente mercantis.

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✓ Do ato em concreto não pode resultar o contrário
A nossa doutrina, na linha da doutrina italiana, tem feito o seguinte
entendimento do 3º requisito: “se do próprio ato não resultar a não ligação ou
conexão com o comércio”.
 Por exemplo, um merceeiro compra uma “mini-van” a um agricultor,
declarando que ela irá destinar-se ao transporte de mercadorias de e para a
sua mercearia – resulta daqui a ligação do próprio ato com o comércio, o ato
é comercial.
 Agora, se o merceeiro comprar a “mini-van” ao agricultor, mas não declarar
para que é que ela se vai destinar – não resulta do próprio ato a não ligação
com o comércio, por isso o ato também é comercial.
 Por sua vez, se o merceeiro comprar a “mini-van” ao agricultor e declarar que
a vai utilizar como caravana de férias – resulta do próprio ato a não ligação
com o comércio, o ato não é mercantil.
Atenção, que “próprio ato” significa não apenas o facto jurídico em si, mas as
circunstâncias concomitantes que auxiliem na sua compreensão. Por exemplo, o
merceeiro convida o agricultor a fazer uma proposta de venda da “mini-van” e
propõe que o contrato de compra e venda se realize através de escrito particular.
Aquando da conclusão do negócio, o meerceiro revela ao agricultor que necessita do
veículo para o utilizar como caravana, todavia do escrito nada consta desta
revelação. Se atendêssemos apenas ao ato negocial, o ato seria qualificado como
comercial. Como devemos atender às circunstâncias concomitantes, no caso ao
verdeiro uso da “mini-van, o ato há de ser qualificado como civil.
Por fim, tem sido discutido se a 2ª parte do artg.2º contém ou não uma
presunção legal?
❖ Há autores que consideram ser uma presunção iuris tantum – Barbosa de
Magalhães;
❖ Há autores que consideram ser uma presunção iuris et iure – Alves de Sá;
❖ Não há qualquer presunção – Dt. Coutinho de Abreu, sendo esta a posição
adotada. Do facto de se saber, que determinado sujeito é comerciante, não
se conclui que o ato por ele praticado é comercial. Aquela norma estabelece
a comercialidade dos atos que respeitem os três requisitos referidos, sendo
estes cumulativos.

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Por fim, para terminar, atos comerciais subjetivos tratam-se de factos jurídicos
voluntários dos comerciantes conexionáveis com o comércio em geral e de que não
resulte não estarem conexionáveis com o comércio dos seus sujeitos.

Caso 1- O caso da dívida que dividia os amigos


A e B, velhos amigos, compraram a C várias toneladas de fruta para revender a uma
empresa de conservas. Como o preço ainda não foi pago, C exige a A que pague a
totalidade do valor em dívida. Porém, A diz que só tem que pagar metade. Será
assim?
Resolução- Resolução: primeiro há que qualificar o ato: compra e venda e,
portanto, no caso dessa compra, há que ver se a dívida é ou não comercial. Se é uma
compra para vender, temo de saber se o código é regido por essa legislação.
Artigo 463- São consideradas comerciais as coisas moveis para revender em bruto
e revende-la, há uma interposição das trocas.
O artigo 100 diz que nas obrigações comerciais os comerciantes são
solidários
É evidente que a fruta é uma coisa móvel. Logo tendo em conta o que nos é
dito, estamos face uma venda comercial.
O nosso sistema jurídico dá importância a atos subjetivamente comerciais e
é necessário ser se comerciante para que haja um ato subjetivamente comercial,
porque é requisito para ser ato comercial subjetivo é necessário que haja
comerciante.
É necessário algum objetivismo (como é o caso) para entender o teologismo
(fim do ato ).
Não sabemos se C era comerciante ou não, mas estamos a tratar da obrigação
do A e B. HÁ aqui uma solidariedade das dívidas. Uma vez que o artigo 463 diz que
revender é um ato comercial, logo A e B estão como comerciantes.
Nós não temos dados para saber se o ato é bilateralmente comercial ou
unilateralmente comercial.
Caso 2- O caso do pai amigo
Manuel, dono e explorador de uma cervejaria, foi a uma loja de eletrodomésticos de
Zacarias comprar uma arca frigorífica que pretendia oferecer à filha na data do

2019/2020 Rita Nina – FDUC 18


casamento desta. Como Manuel ainda não pagou o preço, pretende-se saber se o ato
praticado é ou não objetivamente comercial. O que responderia?
Resolução- Uma vez que ainda não se realizou o pagamento pelo lado da
compra, o ato é ou não objetivamente comercial?? Do lado da venda é, artigo 463 n…
ou seja, é um ato objetivamente comercial, uma vez que o que dono da loja
eletrodoméstica, revende os eletrodomésticos que compra a outrem.
Para vermos se o ato é subjetivamente comercial, o que iriamos fazer?? Há
que ver a qualidade do sujeito, neste caso concreto apesar e Manuel ser comerciante,
a sua compra ele não agiu como tal, ele agiu como pai que quer dar uma prenda a
filha, desta forma se resultar do contrário, ou seja, se o ato nada tem haver com a
sua função como comerciante, o ato não é comercial, se o ato poder ser aproveitado
pelo comerciante, ai já temos um ato comercial, ou seja, há que provar que agiu como
consumidor e não como comerciante. Logo se se provou que a arca é para a filha, se
resultar que nada tem haver com o comercio di sujeito, uma vez que a arca poderia
servir para a cervejaria. Desta forma se se provar que ele agiu como consumidor, o
ato é unilateralmente comercial, caso contrário é bilateralmente comercial.
Caso 3- O caso do Circo que veio à cidade
Armando é dono e explorador de um circo em que emprega 15 pessoas. Armando,
depois de montar a tenda do circo na Guarda Inglesa, em Coimbra, foi comprar carne
para os leões a um talho da zona. O ato é objetivamente comercial?
Resolução- No caso das prestações de serviços temos de ver se realizada no
quadro de uma empresa ou não. Se estamos a falar que é a atividade praticada no
âmbito dessa empresa, prevista o artigo 230. Temos de justificar porque o artigo
230 serve para qualificar atos e não sujeitos, vejamos que o artigo 13 que surge
muito cá trás num artigo 2, classifica o comerciante. Este artigo 230 surge a atos
especiais do comércio. Surge para qualificar atos, o artigo 230 dá algumas indicações
do artigo 120. A compra de carne foi praticada no âmbito daquela exploração
comercial, daí ser um ato comercial.
Caso 4-O caso do Plasma
José, funcionário público afetado pelos cortes da última crise (anterior à próxima),
comprou à «Megadomésticos – Comércio de eletrodomésticos, Lda.» um «Plasma»
para impressionar os amigos. Como não tinha dinheiro suficiente para efetuar o
pagamento a pronto na totalidade, aceitou uma letra em que foi colocado o valor em
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dívida e pagável no dia 1 de abril de 2020. Os atos mencionados são ou não
comerciais?
Resolução – o princípio da verdade da firma: se aquela firma tem que ser um
comércio de eletrodoméstico, tem que ser aquilo.
Estamos face de uma comore e venda- é um ato objetivamente comercial.
Funcionário publico não comerciante, logo não é um ato comercial.
Como sabemos que de facto o comerciante é mesmo comerciante, porque se é LDA,
é uma sociedade por quotas, e está no artigo 200 das sociedades comerciais. Porque
é que é importante a qualificação de uma sociedade por quotas, artigo 1 n 2 do
código das sociedades comerciais.
Tem objeto comercial?? Artigo 10 n 2 do código das sociedades, ou seja, se há
um respeito pelo princípio da verdade, está lá contida.
Quanto ao terceiro requisito se o contrario não resulta ou seja, se aquele ato em
concreto, se dirige ao comércio que o sujeito se dedica, ou seja, que dessa venda
resultou alguma coisa que possa ser utilizada para o comércio em causa. Caso não
seja utilizado para o seu comércio, não é ato subjetivamente comercial apenas
comercial.
Artigo 278 e seguintes
Uma letra surgiu para a troca de moedas diferentes como instrumento para
fugir a detenção por usura, documento em papel, que comprovava que certa pessoa
tinha uma certa quantia de dinheiro, podendo levanta lo em qualquer letra. O saque
é o que dá origem a letra, o saque é uma ordem de pagamento. O sacador da letra vai
dar uma ordem de pagamento. Podendo depois transmitir a letra por endosso.
Depois temos o aceite e o abalo, mais dois negócios pecuniários. Estes negócios estão
contidos na ei uniforme que veio substituir alguns atos do código comercial.
Caso 5 (caso da Taxa de Juro)- a sociedade X, Lda. pequena empresa certificada
como tal, vendeu ao Supermercado Z, S.A. vários milhares de ovos embalados. O
empregado da X entregou à Z, S.A. os ovos no dia 1 de junho de 2019, acompanhados
da correspondente fatura. A guia de remessa foi assinada por representante de X e
por representante de Z, com a data da receção e menção de sujeição ao pagamento
ao regime de pagamento do DL 118/2010. Como a Z, S.A. ainda não pagou, a X Lda.
exige o pagamento à primeira e juros devidos. A Z, S.A. alega que não tem de pagar
quaisquer juros, pois tinha avisado a X que a prática da empresa é a de só pagar a 90
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dias e quaisquer juros serão devidos à taxa legal prevista no Código Civil. Será
assim?
Resolução 5: Ovos são produtos alimentares e o que aqui é relevante é o
facto de estes serem os definidos num determinado diploma (DL nº118/2010). O
artigo 1º determina, desde logo, o que são considerados como bens alimentares para
aquele regime. Este regime é, além do mais, vai aplicar-se a contratos de CV entre
empresas comerciais singulares ou coletivas. Aquele DL não resolve tudo, não é um
regime completo, por um lado vai supor o regime do código comercial, mas também
tem necessariamente de ser articulado com o regime do DL nº 62/2013- este diz
expressamente que não exclui o outro DL, mas ressalva-o. Este DL 118/2010 aplica-
se a contratos entre empresas comerciais, mas não determina o que considera como
empresas comerciais.
Todo este enquadramento é muito importante, pois é no DL de 2013 que
encontramos designações muito importantes. Empresa comercial vem, para este
regime, definida como aquela entidade que, não sendo entidade publica, desenvolva
atividade económica ou profissional de forma autónoma, incluindo pessoas
singulares. Assim, empresa surge como sujeito que desenvolve uma atividade
económica OU uma atividade profissional autónoma (liberal, por ex.).
No regime interno, aparece um conceito de empresa para entidades. No
entanto, este regime de 2013 vem a expor uma diretiva da U.E. (2011/7/UE). Na
diretiva também encontramos definições, nomeadamente outra definição de
empresa (artigo 2º/3): empresa é qualquer organização que não seja entidade
publica e desenvolva atividade económica ou profissional autónoma.
Duas alternativas se poem aqui na interpretação do regime interno: OU se
defende que o regime interno deve levar uma interpretação de acordo com a diretiva
OU a diretiva não é uma diretiva de harmonização máxima (não obriga a que o
legislador nacional vá seguir passo a passo o que está no seu conteúdo, pelo
contrário, no artigo 12º/3 determina-se que os E.M. podem manter disposições mais
favoráveis ao credor do que as necessárias para dar cumprimento à diretiva). Se nós
lermos o regime do direito interno com uma noção de empresa que vimos no DL nº
62/2013, temos um regime mais favorável ou credor ou menos? É mais favorável,
pois admite mais sujeitos tanto passíveis de serem credores como devedores. →
para se compreender porque este regime aparece, devemos entender que este

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regime apareceu em 2010, publicado há 6 anos, tal é relevante porque surge como
resposta à grande crise de 2007/2008. Esta crise gerou o crescer de desconfiança e
esta última trouxe uma perda de poder.
Acresce que estamos a falar de um regime que interessa particularmente a
quem vende em grandes superfícies. Os próprios fornecedores não estavam em
condições de pôr em tribunal pelo grau de dependência com estas grandes
empresas. O regime de 2010 tem um âmbito de aplicação que é bastante restrito
quanto aos credores que envolvem (DL 118/2010).
Depois, no artigo 2º/2, encontramos algumas situações em que o regime não
se aplica- como se a contraparte for uma pequena empresa (?). Aqui encontramos
várias normas que protegem estes credores que queremos proteger. No artigo 3º
temos um prazo de vencimento que é estabelecido de forma imperativa- um
devedor com forte poder negocial poderia procurar puxar para si todas as brasas.
O que, sobretudo, nos interessa é que o incumprimento da obrigação de preço no
prazo do vencimento do artigo 3º faz acrescer à taxa supletiva de juro moratório
fixado nos termos do Código Comercial o montante de 2%. Se nós pegarmos no
artigo 102º do Código Comercial, entre outras coisas, dispõe no nº4, que os “juros
moratórios e ___”.
Se a situação estiver abrangida pelo DL de 2010, aos 8% ainda se vão acrescer
mais 2% do DL de 2013- o que pode implicar muito dinheiro sobretudo para uma
micro ou pequena empresa.
Trata-se de uma sociedade que se pode considerar, enquanto sociedade que
é, como uma empresa para este efeito, apesar de para ser uma empresa tem de caber
na definição disposta no DL. Estamos perante um fornecimento (CV) de bens
alimentares, os ovos. Os atos ali mencionados estão previstos para o regime se
aplicar e, além disso, vendo o regime de 2013, vamos ver que é uma transação sujeita
à taxa de juro que se aplicaria o parágrafo 5º do artigo 102º do DL de 2010. O que
pode significar bastante dinheiro.
Outro aspeto importante neste caso é relativo ao prazo → o artigo 3º do DL 2010
determina que o vencimento tem de decorrer, imperativamente, até 30 dias apos a
entrega de bens e efetiva fatura. Evidentemente, se olharmos para o dia de hoje, é
evidente que em relação à data da entrega já passaram mais de 30 dias.

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Caso 6- O caso do reparador de automóveis
Alberto celebrou com a «Grafimpress – Impressões e Atividade Gráfica, S.A.», um
contrato pelo qual Alberto ficou obrigado a atuar como agente da «Grafimpress».
Diga se o contrato de agência referido é ou não um ato de comércio.
4.- Atos de comércio autónomos e atos de comércio acessórios
São atos de comércio autónomos os qualificados de mercantis, por si
mesmos, independentemente da ligação a outros atos ou atividades comerciais. Por
sua vez, são atos de comércio acessórios os que devem a sua comercialidade ao
facto de se ligarem ou conexionarem a atos mercantis.
O CCom prevê alguns atos acessórios: mandato (artg.231º - “dá-se mandato
comercial quando alguma pessoa se encarrega de praticar um ou mais atos de
comércio por mandado de outrem”); empréstimo (artg.394º - “para que o contrato
de empréstimo seja havido por comercial é imperativo que a coisa cedida seja
destinada a qualquer ato mercantil”); depósito (artg.403º - “para que o deposito seja
considerado mercantil é necessário que seja de géneros ou de mercadorias
destinados a qualquer ato de comércio”); fiança (artg.101º); penhor (artg.397º).
Tem-se questionado a possibilidade de qualificação como comerciais de atos
de não comerciantes, não especialmente regulados na lei mercantil, mas acessórios
de atos objetivamente comerciais. Ex.: uma pessoa comprou 10 kg de queijo da serra
para revender e, para transportar os queijos comprou caixas de madeira e utiliza
uma viatura dada em aluguer por um agricultor. O ato mercantil aqui em causa trata-
se da compra dos queijos para revender, mas será que a compra das caixas e o
aluguer da viatura, são qualificáveis como atos de comércio por serem acessórios de
um ato mercantil?
❖ Há quem entenda que sim, de acordo com a teoria do acessório, todo o ato de
um não comerciante efetivamente conexionado com ato objetivamente
mercantil é ato de comércio.
❖ A maioria da doutrina, por sua vez, entende que não. Na opinião do Dt.
Coutinho de Abreu, a “teoria do acessório” na sua máxima extensão, não deve
ser acolhida entre nós. De facto, a lei comercial prevê vários atos mercantis
por serem acessórios de outros atos de comércio. Contudo, dada a
diversidade da índole daqueles atos, não se afigura legítimo afirmarmos um
“princípio geral” segundo o qual, todo e qualquer ato de não comerciantes
2019/2020 Rita Nina – FDUC 23
seria mercantil quando conexionado com atos objetivos de comércio → não
há lugar para uma analogia iuris.
o Por outro lado, já nos parece legitimo qualificar de comerciais certos
aos de não comerciantes, por estes serem análogos a atos acessórios
de comércio previstos na lei – analogia legis.
5.- Atos formalmente comerciais (e atos substancialmente comerciais)
Atos formalmente comerciais, são os esquemas negociais que, utilizáveis
quer para a realização de operações mercantis, quer para a realização de operações
económicas que não são atos de comércio nem se inserem na atividade comercial,
estão, contudo, especialmente regulados na lei mercantil, merecendo, portanto, a
qualificação de atos do comércio. Ex.: letras de câmbio, estão previstas na lei
mercantil, sendo por isso atos do comércio (objetivos e autónomos), sendo por isso
a sua comercialidade “formal”, uma vez que a causa deles pode nada ter a ver com o
comércio.
Por sua vez, atos substancialmente comerciais, são atos especialmente
regulados na lei comercial, e que se integram ou estão ligados à atividade comercial.
 Nota: esta distinção tem hoje pouco relevo prático.
6.- Atos bilateralmente comerciais e atos unilateralmente comerciais
Atos bilateralmente comerciais, tratam-se de atos suja comercialidade se
verifica em relação a ambas as partes. Ex.: A celebra com C, a seguradora um
contrato de seguro relativo aos seus estabelecimentos mercantis (tanto pelo o lado
de A, como pelo o lado de C o contrato é objetivamente comercial). Atos
unilateralmente comerciais, são atos cuja comercialidade se verifica apenas em
relação a uma das partes – ex.: E, professor, compra a B um automóvel para o seu
uso e da sua família (a venda é objetivamente comercial, artg.463º/3).
Qual é o regime jurídico dos atos unilaterais? O artg.99º, diz-nos que os atos
unilateralmente comerciais estarão em regra, sujeitos à disciplina mercantil,
excetuando-se as disposições da lei comercial que “apenas forem aplicáveis àquele
ou àqueles por cujo respeito o ato é mercantil” – ex.: artg.100º CCom, em que a
solidariedade nas obrigações comerciais é apenas aplicável àquele ou àqueles por
cujo respeito o ato é mercantil.

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Porem, atente-se que quando o ato unilateralmente comercial seja um
contrato de consumo, aplica-se a ambos os contraentes as regras especiais das
relações de consumo.

Capítulo II – Dos Comerciantes


1.- A importância da qualificação de um sujeito como comerciante
Já sabemos que os sujeitos dos atos de comércio e das relações jurídico-
mercantis podem ser comerciantes e não comerciantes. Porém, os atores
determinantes no direito mercantil são os comerciantes. O papel do comerciante
tem assim, algum interesse prático.
➢ Os atos subjetivamente comerciais para o serem, como primeiro requisito,
têm de ser realizados por um comerciante – artg.2º 2ª parte.
➢ As dividas comerciais dos comerciantes casados presumem-se contraídas no
exercício dos respetivos comércios – artg.15º CCom.
➢ A prova de certos factos em que intervêm comerciantes é facilitada, ex.: a
prova do empréstimo mercantil entre comerciantes, artg.396º CCom.
➢ A prescrição de certos créditos de comerciantes (317º b) CC)
➢ Nos termos do artg.18º do CCom, os comerciantes estão obrigados a adotar
uma firma, a ter escrituração mercantil, a fazer inscrever no registo
comercial os atos a ele sujeitos, a dar balanço e a prestar contas.
Uma coisa importante a denotar, é que firmas são um sinal distintivo do
comércio, que inicialmente servia para identificar comerciantes, mas agora vamos
encontrar firmas com não comerciantes e denominações que identificam os
comerciantes. A verdade é que hoje muitas das exigências em matéria de
escrituração mercantil aos comerciantes, são exigências que por força de normas
fiscais e etc., estenderam-se a não comerciantes. O registo comercial hoje também
abrange atos de não comerciantes.
Há aspetos que hoje também já não têm importância que tinham no séc.XIX.
Desde logo, o código de insolvência e recuperação de empresas permite que um não
negociantes seja também considerado insolvente. E hoje também já não há uma
legislação própria para os comerciantes.

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2.- Sujeitos qualificáveis como comerciantes
2.1- O comerciante pessoa singular, e os critérios estabelecidos no
13º/1 CCom
O artg.13º diz-nos quem é comerciante: “pessoas que tendo capacidade para
praticar atos de comércio, fazem destes profissão”. Segundo este enunciado, para
ser comerciante é necessário ter capacidade para praticar atos de comércio. Discute-
se agora se, a capacidade exigida é a capacidade jurídica (capacidade de gozo de
direitos, é a suscetibilidade de ser titular de um círculo mais ou menos amplo de
direitos e obrigações), ou a capacidade de exercício (capacidade de agir, ou seja a
pessoa dotada desta capacidade age pessoalmente, portanto não carece de ser
substituída na prática de atos que movimentam a sua esfera jurídica e age
autonomamente, não carece de consentimento).
A doutrina tradicional e dominante lê esta capacidade como capacidade de
exercício, sendo esta também a leitura do curso, dado que estamos a falar de
praticar, logo de exercer. A prática de atos de comércio e a “profissão” mercantil hão
de se referir à capacidade de agir, e não à mera idoneidade de ser titular de direitos
e obrigações.
Sendo assim, os menores não emancipados e os maiores acompanhados, não
podem exercer por si o comércio (uma vez não terem a capacidade de exercício).
Um menor não emancipado, no entanto, poderá ainda assim adquirir a
qualidade de comerciante (tendo por sua vez também o estatuto de comerciante)
se for devidamente representado, por exemplo pelos pais, embora esses poderes de
representação não bastem, dado ser necessário a autorização do MP. O mesmo é
permitido, havendo a autorização do MP, ao tutor ou administrador de bens do
menor. Além disto, os atos praticados pelo menor terão de ser objetivamente
comerciais. Esta leitura é uma que parece aceitável ao curso.
O caso dos maiores acompanhados, levanta algumas dúvidas. Este regime
não inclui em certos casos, uma verdadeira incapacidade. O regime do maior
acompanhado encontra-se no CC, e este regime tem várias alternativas, conhece
várias modalidades. Há casos em que o regime permite uma solução mais ligeira. Há
situações em que temos claramente uma incapacidade, nos termos do artg.13º.
Embora este regime não fale de incapacidade, podemos ainda falar de uma

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incapacidade para atos de comércio. Se lermos o artg.145º, podemos ver várias
alternativas no nº2 b) e c) – o maior acompanhado pode necessitar de
representação; o acompanhante pode receber bens para administrar totalmente ou
parcialmente do maior acompanhado. Onde surge as maiores duvidas é em relação
a uma terceira possibilidade no artg.145º/2 d), que se prevê situações em que os
atos podem ser praticados pelo maior acompanhado, mas carece de uma
autorização prévia do acompanhante. Se há uma autorização prévia, há uma
qualidade de comerciante. Se praticar sem a autorização prévia, a ver do
professor, não há capacidade para a prática do exercício.
Também se pode discute quando é que se adquire a qualidade de
comerciante – quantos atos são necessários? Em primeiro lugar, não é a prática de
quaisquer atos de comércio que faz do respetivo sujeito, comerciante. Estão de fora
por isso os:
 Atos de comércio subjetivos – não atribuem a qualidade de comerciante,
supõem-na;
 Atos formalmente mercantis – a sua prática, mesmo que habitual, pode não
denotar um exercício de uma profissão. Ex.: um agricultor que recorre
sistematicamente ao crédito, aceitando por isso letras de câmbio, não exerce
uma profissão comercial, pelo facto de habitualmente praticar atos de
comércio cambiários.
 A doutrina dominante entende que os atos acessórios também estariam fora.
Contudo, na opinião do Dt. Coutinho de Abreu, estes atos podem fundar a
classificação de um sujeito como comerciante (ex.: uma pessoa que explora
um armazém onde são depositadas matérias para serem revendidas pelos
depositantes, 403º).
 Nem sempre a prática de atos de comercio objetivo, autónomos e
substantivos possibilita a qualificação de uma pessoa como comerciante. Ex.:
contas correntes, compras e participações sociais não destinadas à revenda,
etc.
o Mas, em conclusão, terão de ser atos de comércio objetivo!
Outro aspecto que merece referência, é a exigência de que o comerciante, faça
do comércio, profissão. Não tem de ser uma atividade única, nem uma que se faça
a tempo inteiro. Entendemos comércio aqui em sentido jurídico, portanto atividade

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qualificada por lei como comercial. E essa atividade traduz-se em atos, entre os quais
se encontram muitas vezes atos de comércio propriamente ditos. Além disso, apenas
são comerciantes quando exercem a atividade em nome próprio – é comerciante a
pessoa que exerce pessoalmente a título profissional o comercio ou em cujo nome ele
é exercido. São, portanto, comerciantes os menores e os maiores acompanhados e
não os seus representantes.
Uma outra questão é se, é correto dizer-se que os comerciantes são as pessoas
que exploram empresas comerciais? Ainda que tendencialmente assim o seja, não
podemos dizer que esta afirmação está inteiramente correta. É verdade que a larga
maioria dos comerciantes explora empresas comerciais, mas não todos. Não detêm,
em princípio, uma empresa, por exemplo, os vendedores ambulantes, os
especuladores, os agentes, etc.
Em suma, os quatro critérios necessários para a qualidade de comerciante são:
✓ Capacidade de exercício;
✓ Prática de atos de comércio objetivos;
✓ Profissionalidade;
✓ Atuação em nome e interesse próprio;
Chegados a este ponto, pergunta-se agora, a partir de que momento é que se
adquire a qualidade de comerciante? Nas lições dá-se o seguinte critério: atos que
revelam não só um propósito, mas também uma possibilidade de o sujeito se dedicar
ao exercício. De acordo com o curso, é de acordo com o número e, ou a
importância, na perspetiva de um terceiro médio (destinatário), revelam que esse
sujeito pretende dedicar-se ou efetivamente se dedicou ao comércio com caráter
profissional.
Esta questão apresenta maior relevo, a propósito dos comerciantes-
empresários. Tem-se entendido entre nós sobretudo com apoio no artg.95º CCom,
que uma pessoa passa a ser comerciante logo que abre um estabelecimento pronto
a funcionar. Por sua vez, Dt. Coutinho de Abreu vai mais longe, apoiando-se numa
corrente doutrinária italiana (minoritária) e na legislação alemã, considerando que
o sujeito deve ser considerado como comerciante a partir do momento em que
começa a praticar atos preparatórios da empresa.

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2.2.- Pessoas coletivas
2.2.1.- As Sociedades Comerciais
Prescreve ainda o artg.13º CCom, que são “comerciantes” as “sociedades
comerciais”. O que são as sociedades comerciais? Para tal temos de recorrer, ao
código das sociedades comerciais, que logo no artg.1º/2, estabelece a sua definição:
“são sociedades comerciais aquelas que tenham por objeto a prática de atos de
comércio e adotem o tipo de sociedade em nome coletivo, de sociedade por quotas,
de sociedade anónima, de sociedade em comandita simples ou de sociedade em
comandita por ações”.
Depois discute-se se uma sociedade que ainda não está registada no registo
comercial, mas que tem forma e objeto comercial, se já é considerada uma sociedade
comercial. O Dr. Coutinho de Abreu entende que sim, contudo o curso entende que
não, argumentando com o artg.5º. O artg.5º do CSC estipula que as sociedades
comerciais adquirem a qualidade de comerciantes, a partir do momento em que
adquirem personalidade jurídica.
Outra discussão que também surge, é a de saber se uma sociedade que só tem
objeto atos comerciais, mas não adotou um dos tipos de sociedade comercial, se essa
é também uma sociedade comercial – o curso entende que não pelo artg.2º.
2.2.2.- Outras pessoas coletivas (breve referência)
Além das sociedades comerciais, outras pessoas coletivas podem ser
comerciantes (quando tais tenham por objeto comercial):
 EPE (entidades públicas empresariais) –
 ACE (agrupamentos complementares das empresas) –
 AEIE (agrupamentos europeus de interesses económicos) –
 Cooperativas -
O artg.13º/1, aplica-se às pessoas singulares, pessoas humanas – quem será
considerado comerciante. O que se discute é se este artigo pode aplicar-se ou não a
outras pessoas coletivas que não sejam sociedades comerciais.
Alguns autores defendem que aquele no nº1 do art.13º CCom. ao utilizar a
palavra “pessoas” estaria a referir-se exclusivamente a pessoas singulares ou físicas.
Todavia, em rigor, as “pessoas”, em sentido jurídico, tanto podem ser singulares
como coletivas. Ademais, a própria lei optou por não adjetivar o substantivo

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(pessoas singulares), consagrando um conceito mais amplo no qual cabem pessoas
singulares e coletivas (pessoas). Uma outra via de exclusão das pessoas coletivas
(não sociedades comerciais) como comerciantes seria a ancorada na referência da
lei ao exercício da atividade comercial como “profissão”. Quais os argumentos
convocados a este respeito?
❖ Apenas as pessoas físicas exercem profissões (na linguagem corrente e nas
leis aquele conceito está ligado às pessoas humanas);
o Mas se caracterizarmos a profissão, como sendo uma atividade
exercida por pessoas jurídicas, teremos de incluir pessoas singulares
e coletivas.
❖ Ao exercício de uma profissão está necessariamente ligado um intuito
lucrativo (além da prática habitual ou regular de atos de comércio);
o Uma interpretação objetivo-atualista da norma (atendendo às novas
realidades económico-empresariais) afasta o intuito lucrativo como
nota essencial.
Em suma, não se poderá negar a legitimidade para serem comerciantes às
pessoas coletivas que não sejam sociedades comerciais.
3.- Sujeitos não qualificáveis como comerciantes
Comerciantes são os que exercem, ou que se propõem a exercer, com uma
profissionalidade atividades comerciais. Por conseguinte, não são comerciais os que
exercem atividades não mercantis. Quais são as atividades não mercantis?
Tratam-se das atividades não qualificadas legalmente de comerciais e as não
análogas às comerciais (sendo que a lei por vezes, exclui expressamente certos
setores da atividade económica do campo da comercialidade).
A. Atividade agrícola
Não são comerciantes as pessoas que exercem atividade agrícola. Vale aqui
um conceito amplo de agricultura, que compreende a atividade agrícola em sentido
estrito e tradicional (cultivo da terra para a obtenção de colheitas), a silvicultura, a
pecuária, e a ainda cultura de plantas e criação de animais sem terra ou em que esta
apresenta caráter acessório.
Em relação aos agricultores, é preciso atender a várias normas. Se vende no
mercado os produtos da terra, podem suscitar várias dificuldades. Interessa-nos
olhar para o artg.464º/2 diz o seguinte: não são considerados objetivamente
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comerciais as vendas que o proprietário ou explorador faça dos produtos da sua
propriedade. Não é o atirar uma semente à terra que é um ato objetivamente
comercial, por exemplo. Outra norma é no nº4 do mesmo artigo, “as compras e
vendas de animais não serão atos objetivamente comerciais” → a lei exclui a
agricultura dos domínios do comércio.
Cada vez mais é possível encontrar um empresário agrícola. No entanto, o
artg.230º trata das empresas comerciais e a verdade é que, num dos parágrafos está
disposto que “Não se haverá como compreendido no n.°1.º o proprietário ou o
explorador rural que apenas fabrica ou manufatura os produtos do terreno que
agriculta, acessoriamente à sua exploração agrícola, nem o artista, industrial, mestre
ou oficial de ofício mecânico que exerce diretamente a sua arte, indústria ou ofício,
embora empregue para isso, ou só operários, ou operários e máquinas”. Qual é a
razão de a agricultura ter sido assim excluída? O código tem uma circunstância
histórica, a verdade é que nessa altura, a nossa agricultura ainda era mais atrasada
do que era hoje, e entendeu-se que a agricultura deveria ser reservada como reserva
civil.
B. Artesanato
O mesmo vale para o artesanato, isto é, produtores qualificados que,
podendo embora servir-se das máquinas, utilizam predominantemente o seu
trabalho manual e, como instrumentos, ferramentas. É evidente que também pode
haver empresa artesanal, mesmo aqui, se formos ver o paragrafo 1º, se aquele
artesão exercer diretamente o seu ofício, mesmo que seja através de uma empresa,
aquela atividade não será comercial – assim o CCom/1 2ª parte e 464º/3, exclui do
comércio a atividade artesanal industrial-transformadora exercida diretamente
pelos artesões (ex.: sapateiro, ferreiro, costureira, etc.); por sua vez as atividades
artesanais de outro tipo (mais no domínio dos serviços), quando exercidas
“diretamente) (ex. eletromecânicos, cabeleireiros, esteticistas, etc.) também não são
comerciais, por serem análogas às previstas no 230º/1.
No estatuto do artesão, vamos encontrar um regime bastante desenvolvido e
complexo. O artg.12º desse estatuto refere-se apenas à forma de organizar a
atividade, não quanto à sua substância – considera como sociedade comercial na sua
vertente formal → é uma posição diferente das lições, que por sua vez entende que
a “sociedade comercial” referida no artigo, deve ser interpretada de um modo mais

2019/2020 Rita Nina – FDUC 31


restrito, ou seja, a sociedade (civil) poderá adotar um dos tipos de sociedade
comercial.
C. Profissionais liberais
Tratam-se de pessoas singulares que exercem de modo habitual e autónomo
atividades primordialmente intelectuais, suscetíveis de regulamentação e controlo
próprias (ex.: ordens), bem como os sujeitos coletivos cujo objeto consista numa
atividade profissional-liberal. Ex.: médicos, engenheiros, arquitetos, advogados, etc.
Além de os atos típicos das atividades respetivas não serem qualificados
legislativamente de mercantis, a asserção é confirmada por diversos atos
normativos. Exemplos: L 2/2013, de 10 janeiro (associações publicas profissionais)
artg.27º e a L 53/2015, 11 de junho (sociedades profissionais), artg.4º - as
sociedades de profissionais liberais são sociedades civis, podendo adotar formas ou
tipos comerciais.
Próximo destes profissionais liberais, são alguns trabalhadores autónomos
igualmente não comerciantes. É o caso dos escultores, pintores, escritores,
cientistas, músicos, etc – 230º/3.
D. Exercitantes de atividades comerciais que não são comerciantes
As pessoas coletivas públicas territoriais – Estado, RA, AL -, podem praticar atos
de comércio de forma habitual e sistemática, podem explorar diretamente empresas
comerciais, mas a lei veda-lhes a qualificação e o estatuto de comerciantes – artg.17º
CCom. Não se trata de uma incompatibilidade entre o exercício profissional do
comércio e o exercício de funções públicas. O Estado mencionado no artg.17º, vai
ser interpretado de modo extensivo, de modo a abarcar pessoas coletivas publicas
que prosseguem uma administração estadual indireta ou uma administração
autónoma.
Acresce que as associações e fundações de direito privado com fim
desinteressado e altruístico podem, nos limites das atribuições, praticar atos de
comércio, mas não adquirem a qualidade de comerciante. cd
4.- Sujeitos legalmente inibidos da profissão de comércio
4.1.- Entidades coletivas
O artg.14º CCom dispõe que “É proibida a profissão do comércio: 1º às
associações ou corporações que não tenham por objeto interesses materiais”
(princípio da especialidade do fim). Esta norma não pretende que as referidas
2019/2020 Rita Nina – FDUC 32
associações fiquem impossibilitadas de praticar atos de comércio. Respeitando os
tais limites, as associações, atuando através dos órgãos competentes, têm
capacidade de exercício para praticar atos mercantis. O intuito do preceito é de
então, vedar o estatuto de comerciante às citadas associações. Vejamos mais
concretamente:
 As associações de fim desinteressado ou altruístico.
 As associações de fim interessado ou egoístico mas ideal (associações
recreativas, desportivas, etc.). Estas associações podem praticar atos de
comércio, por exemplo, uma associação recreativa que entre outras coisas
explora um bar – exercício do comercio, por um meio mais indireto
(obtenção de recursos financeiros) para a prossecução de fins de natureza
ideal caracterizadoras das associações.
 As associações de fim interessado ou egoístico de cariz económico não
lucrativo (ex.: sindicais). Mesmo que exerçam uma atividade comercial, estas
associações continuam a não ser comerciantes, uma vez que, as atividades
comerciais por elas desenvolvidas são acessórias/instrumentais das
atividades e finalidades principais de caráter não mercantil.
Se alguma associação deste tipo assar a dedicar-se exclusivamente ao exercício
de uma atividade mercantil, não adquire por isso qualidade de comerciante. A
atividade de uma tal associação está fora da sua capacidade jurídica (160º/1 CC),
pelo que são nulos os respetivos atos. E não consegue adquirir a qualidade antes da
extinção, uma vez que essa qualidade não pode fundar-se na prática sistemática de
atos nulos.
4.2.- Pessoas singulares
4.2.1.- Os que por lei ou disposição comercial não podem comerciar
O artg.14º CCom, dispõe ainda no seu nº2 que é proibida a profissão do
comércio “aos que por lei ou disposição especiais não possam comerciar”. A
legislação comercial estabelece algumas incompatibilidades, sendo para este
efeito, a impossibilidade legal do exercício do comércio por um sujeito que
desempenhe certas funções ou que se encontre em determinada situação jurídica.
Podemos ver assim dois grupos:

2019/2020 Rita Nina – FDUC 33


Incompatibilidades de direito privado
➢ Gerentes – não podem comerciar em nome próprio, salvo com expressa
autorização do preponente (artg.253º CCom);
➢ Sócios de sociedades em nome coletivo – não podem exercer atividade
concorrente com a da sociedade que integram, salvo expresso consentimento
de todos os sócios (artg.180º/1 CSC);
➢ Gerentes de sociedades por quotas – não podem exercer atividade
concorrente com a da sociedade que integram, sem o consentimento dos
sócios (artg.254º/1);
➢ Administradores de sociedades anónimas – não podem, sem autorização,
exercer atividade concorrente com a da sociedade que integram (artg.254º/1
CSC);
➢ Sócios comanditados de sociedades em comandita simples – não podem
exercer atividade concorrente com a da sociedade que integram (artg.477º
CSC);

Estas incompatibilidades são todas relativas, isto é, removíveis mediante


autorização de certos sujeitos ou órgãos, e parciais, ou seja, não é proibida qualquer
atividade comercial, mas somente a concorrente (proibições legais de concorrência).
Incompatibilidades de direito público
➢ Magistrados judiciais – não podem desempenhar qualquer outra função
publica ou privada de natureza profissional, salvo a docência e a investigação
científica, ou funções diretivas em organizações sindicais da magistratura
judiciais (artg.13º/1 Lei nº21/85).
➢ Magistrados do MP – não podem desempenhar qualquer outra função
pública ou privada de natureza profissional, salvo a docência e a investigação
científica, ou funções diretivas em organizações sindicais da magistratura do
MP (artg.81º/1 Lei nº47/86).
➢ Militares – não podem exercer quaisquer atividades privadas relacionadas
com as funções militares, equipamento, armamento, infraestruturas, etc.
(art.14º/3 DL nº90/2015).

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➢ Titulares de órgãos de soberania, de outros cargos políticos e de altos cargos
públicos - não podem exercer quaisquer outras funções profissionais, salvas
algumas exceções (artg.4º Lei nº64/93).

Como podemos concluir, as incompatibilidades de direito público são,


maioritariamente absolutas (não relativas) e gerais (não parciais).
E se uma pessoa, proibida por lei de comerciar, violar essa proibição, é
considerada de comerciante?
❖ Não – Pinto Coelho; Oliveira de Ascensão.
❖ Sim – Ferrer Correia; Mário Figueiredo. É para aqui que propende a opinião
do Dt. Coutinho de Abreu, no sentido de que os requisitos do artg.13º/1 estão
preenchidos, uma vez que as pessoas têm capacidade para praticar atos de
comércio e fazem destes profissão. Além disto, as referidas
incompatibilidades visam possibilitar ou potenciar o desempenho efetivo e
eficiente de determinados cargos e funções. Daí que as sanções cominadas
para a violação, não afetem a validade e eficácia do exercício do comércio,
sendo assim de outra ordem: responsabilidade civil; destituição com justa
causa; penas disciplinares; perda de mandato, etc.
Caso 7- Caso do Empréstimo Mercantil - Acórdão enviado para o Infor.
Resolução-Artigo 334º do Código Comercial dá-nos os dados básicos acerca do
empréstimo mercantil. Os sujeitos eram, por um lado, um conjunto de herdeiros (os
réus nesta ação), e, por outro lado, o credor do falecido. O falecido, o que fazia, era,
por um lado, explorar uma regular casa de lavoura e, por outro lado,
profissionalmente, comprava pinhais para abater e depois vendia com outras que
comprava, já feitas para vender. É óbvio que o proprietário falecido da casa de
lavoura é comerciante.
É relevante para o caso ver o empréstimo em causa. Requisitos: (1) ser um ato
subjetivamente mercantil, (2) praticado por um comerciante, (3) não pode ser um
ato que repugne ao comércio em geral,
Caso 8- O caso do torno: Alberto é dono de um prédio urbano situado em Penela,
que herdou do seu pai, Bernardo. Como Alberto vive em Lisboa, arrendou aquele
prédio em janeiro de 2018 e Carlos, tendo este ali instalado uma oficina de
2019/2020 Rita Nina – FDUC 35
metalomecânica. Para o efeito, e entre outras coisas, Carlos adquiriu maquinaria
moderna e contratou vários empregados com formação que permitiam a Carlos
dedicar-se à dinamização de imagem comercial da oficina. Carlos, em novembro de
2018, comprou um torno mecânico para usar na oficina. Essa CV é ou não um ato
objetivo de comércio?
Resolução-Estamos perante uma atividade de transformação. Este tipo de
atividade pode ser exercido em termos artesanais ou não, exista ou não empresa não
é esse o critério. O que é relevante para saber se é artesanal ou não é ____.
Para alem de qualificar o ato, não nos podemos esquecer de qualificar os sujeitos.
4.2.2.- Insolvência
Insolvência atual
O que é afinal a insolvência? Encontra-se em situação de insolvência “o
devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas”
(artg.3º/1). Para haver a insolvência é porque a pessoa não tem meios para
cumprir as obrigações vencidas, meios que não tem, porque nem sequer consegue
obtê-los junto de terceiros. Para se provar que o devedor se encontra numa
impossibilidade de cumprir as obrigações vencidas, não tem de provar que o
devedor está impossibilitado de cumprir todas as obrigações. Basta provar que o
devedor não consegue cumprir as obrigações vencidas, que permitam inferir, por
presunção judicial, que aquele não tem possibilidade de cumprir as restantes. Este
critério aplica-se a todos os devedores, e é chamado critério do fluxo de caixa
(critério geral), o que interessa aqui para se tentar livrar da insolvência é tentar
arranjar fluxo de caixa, para conseguir cumprir com as obrigações.
No nº2 do artg.3º, temos o critério da folha de balanço – quando o passivo é
manifestamente superior ao ativo -, sendo que este já não vale para todos os
devedores! Apenas vai valer para um conjunto mais restrito de devedores. Tem de
se tratar de uma pessoa coletiva ou património autónomo, que não tenham
pessoas singulares a responderem pessoalmente. Nomeadamente, às sociedades
por quotas e anónimas e às sociedades em nome coletivo e em comandita, em que
respetivamente, todos os sócios (nas sociedades por quotas e anónimas) ou os
sócios comanditados (sociedades em nome coletivo e em comandita) sejam pessoas
coletivas de responsabilidade limitada. Aplica-se ainda o preceito às cooperativas
sem cooperadores de responsabilidade ilimitada, aos estabelecimentos individuais
2019/2020 Rita Nina – FDUC 36
de responsabilidade ilimitada, aos ACE e AEIE, cujos membros sejam somente
pessoas coletivas de responsabilidade limitada.
 Portanto, se for uma sociedade que tenha sócios, que possam responder
pessoalmente pelas dividas da sociedade, nesse caso, este critério não se
aplica. Estes são abrangidos pelo critério do nº1.
O preceito 3º/2, indica dever ser a avaliação do ativo e passivo do devedor
realizada segundo as normas contabilísticas aplicáveis – serão elas as constantes do
Sistema de Normalização Contabilística. No entanto, permite o nº3 do artg.3º CIRE
que se utilizem outros critérios de avaliação, a fim de ser feita prova de que o ativo
é afinal superior ao passivo
Insolvência iminente
No artg.3º, nº4 encontramos uma referência à insolvência meramente
iminente, que se equipara “à situação de insolvência atual a que seja meramente
iminente, no caso de apresentação pelo devedor à insolvência”. Este critério apenas
permite obter a declaração de insolvência quando é o próprio devedor que
apresenta a insolvência. Compreende-se que assim seja. Caso contrário, o devedor
poderia ficar sujeito a pressões injustificadas. Além disso, a liberdade de iniciativa
económica do devedor seria consideravelmente restringida. O devedor pode
apresentar-se à insolvência com base numa situação de insolvência iminente.
Não basta um medo ou pavor por parte do devedor. É preciso que se trate de
uma probabilidade objetiva. Daí que seja necessário efetuar um juízo de prognose,
que pode ser auxiliado pela elaboração de um estudo sobre a liquidez do devedor.
Será preciso averiguar qual a probabilidade de o devedor não pagar as obrigações
vencidas e as obrigações atuais não vencidas no momento em que se vencerem. Se
for previsível que isso venha a acontecer, há insolvência iminente.
O professor tem defendido, adaptando um pouco de autores alemães, em que
temos uma situação de insolvência iminente, quando concluímos que é mais
provável ser considerada uma situação de insolvência atual do que a hipótese de a
evitar – o pior cenário possível. O professor tem defendido este critério, uma vez
que, permite distinguir a insolvência iminente da mera existência de uma situação
económica difícil. O que é uma situação económica difícil? “dificuldade séria para
cumprir pontualmente as suas obrigações, designadamente por ter falta de liquidez
ou por não conseguir obter crédito” (17º-B), por sua vez, vai existir esta dificuldade

2019/2020 Rita Nina – FDUC 37


se a probabilidade de se verificar uma situação de insolvência não for superior à de
evitar.
Discute-se podemos tomar em conta apenas as obrigações vencidas neste
momento, ou as que ainda não foram constituídas, mas que se irão constituir. Os
autores alemães discutem o problema a propósito das obrigações iminentes.
Alguma cautela se impõe quanto a obrigações ainda não existentes. Mas a verdade
é que faz sentido, verificarmos se há probabilidade de o devedor não pagar as
obrigações vencidas e as atuais não vencidas, tendo também em conta as que ainda
não são atuais, mas que muito provavelmente serão contraídas e se vencem durante
o período a considerar.
E qual é esse período a tomar em consideração para se saber se estamos ou
não perante uma situação de insolvência iminente? Dependerá do devedor em causa
e da sua atividade e, quanto a esta última, deve ser prestada especial atenção aos
ciclos que seja possível identificar (quanto aos pagamentos e recebimentos, em
especial).
Outra dificuldade que o art.3º/4, coloca ao intérprete resulta de não indicar
qual é a situação de insolvência atual a que se equipara a de insolvência iminente.
As pessoas coletivas e patrimónios autónomos que podem ser declarados
insolventes nos termos do art.3º/2, também podem apresentar-se à insolvência.
Mas poderão fazê -lo nos casos em que estão na iminência de ver o seu passivo ficar
manifestamente superior ao seu ativo? A letra da lei não o exclui. E, com efeito, não
se pode afastar aquela possibilidade.
Questão também importante e discutida é a de saber se há dever de
apresentação à insolvência por parte do devedor que se encontra em situação de
insolvência iminente. Consideramos que não. O art.18º/1 do CIRE dispõe que “O
devedor deve requerer a declaração da sua insolvência dentro dos 30 dias seguintes
à data do conhecimento da situação de insolvência, tal como descrita no nº1 do
artigo 3º, ou à data em que devesse conhecê -la”. A situação de insolvência relevante
parece assim ser apenas a “descrita no nº 1 do artigo 3.º” e já não a de insolvência
iminente, pois esta encontra-se prevista no nº4 do art.3º
Mas o problema não fica assim resolvido. É que esse nº4 começa precisamente por
dizer que a insolvência iminente é equiparada a insolvência atual. Dir-se-ia então
que essa equiparação teria lugar para todos os efeitos: designadamente, quanto à

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existência de dever de apresentação à insolvência.
Ainda assim, esse argumento não nos parece suficientemente forte. O art.18º/1,
remete para o art.3º/1, de uma forma que não deixa margem para duvidas: o dever
existe nos casos em que há situação de insolvência “tal como descrita no nº1 do
artigo 3º”. A forma como a descrição da situação de insolvência é feita foi
considerada determinante pela lei.
A sentença de declaração de insolvência
A insolvência do devedor pode ser fortuita ou culposa. A insolvência é
considerada culposa “quando a situação tiver sido criada ou agravada em
consequência da atuação, dolosa ou com culpa grave, do devedor, ou dos seus
administradores, de direito ou de facto, nos três anos anteriores ao início do
processo de insolvência (artg.186º/1 CIRE). A insolvência fortuita, por sua vez, é a
que não é considerada culposa.
A insolvência pode vir a ser considerada culposa se for aberto um incidente
de qualificação da insolvência (pleno ou limitado) e nesse incidente for proferida
sentença que qualifique a insolvência como culposa. Porém, o incidente pode
também terminar com uma sentença de qualificação da insolvência como fortuita.
Se não for aberto o incidente de qualificação da insolvência, esta será́
considerada fortuita pelo juiz na decisão de encerramento do processo prevista no
art.230º do CIRE (art.233º/3, do CIRE). Como se vê, pode haver processo de
insolvência sem incidente de qualificação da insolvência.
O incidente de qualificação da insolvência pode ser aberto na sentença de
declaração de insolvência (art.36º, 1, i), do CIRE), mas não tem de ser assim. O
incidente pode também ser aberto mais tarde se verificados determinados
pressupostos.
É importante saber que pode ser declarado insolvente um comerciante ou
não comerciante; uma pessoa singular ou coletiva; por outro lado, podem ser
empresários ou não empresários. Se a insolvência for culposa há ainda que ver quem
vai ser considerado afetado por a insolvência culposa, e apenas esses é que vão ser
considerados inimigos para o exercício do comércio. Cód de insolvência artg.189º/2
c) – na sentença que qualifica a insolvência como culposa, por um lado, deve
identificar as pessoas que vão ser afetadas pela qualificação e declarar aquelas

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pessoas afetadas, inibidas para o exercício do comércio, durante um período de
2 a 10 anos.
Não parece que a inibição para o exercício do comércio seja qualificável como
uma incapacidade, visto que, ela não se funda em défices nas faculdades pessoais
dos afetados, e visa proteger o comércio e não os inibidos. Os sujeitos proibidos de
comerciar têm capacidade para praticar atos negociais, inclusive atos de comércio,
e a inobservância da inibição não provoca a invalidade dos atos correspondentes.
Deste modo, a inibição deve ser considerada como incompatibilidade (absoluta)
– impossibilidade legal do exercício de comércio por pessoa afetada pela
qualificação da insolvência como culposa. Agora, se a pessoa proibida de comerciar,
viola essa proibição, não se torna comerciante! Ela não deve poder ostentar o título
de comerciante e ter o correspondente estatuto de quem está legalmente impedido
(por razões de tutela do crédito e do comércio).
Em primeiro lugar isto serve para compreender que não é qualquer
insolvente que vai ser considerado inimigo para o exercício do comercio, será
apenas o insolvente considerado afetado pela insolvência culposa. Claro que, é
preciso ver se qualquer insolvente numa insolvência culposa é afetado por essa.
A sentença de declaração de insolvência não se confunde com a declaração de
insolvência culposa, a insolvência culposa apenas vai ter lugar se for aberto o
incidente de qualificação. Se não for aberto o incidente de qualificação, a insolvência
nunca será considerada culposa.
A insolvência é culposa quando (critérios) verificados determinados critério–
186º/1.

Caso 9-
Resolução - Em princípio, o facto de só uma das dívidas estar vencida, só por
si, não significaria que o devedor estaria numa situação de insolvência. O primeiro
critério é o da incapacidade : é de aplicação geral, quando o devedor se encontra
impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas.
Efetivamente, a questão que se coloca aqui é se o credor, pode pedir a
declaração de insolvência quando só o seu crédito está vencido. Quando dizemos
que pode eventualmente ser pedida a declaração de insolvência com base apenas
em algum crédito vencido, é na realidade porque justamente se entende que
2019/2020 Rita Nina – FDUC 40
eventualmente, a importância desse crédito pode precisamente revelar a
impossibilidade de cumprir também outras obrigações vencidas. O que está a dizer
poderia fazer sentido em relação às outras obrigações vencidas.
Temos de comparar duas situações: está uma obrigação vencida e as outras
não estão; e outra situação em que há mais obrigações vencidas, mas o credor só
mostra a impossibilidade de cumprir apenas uma parte das obrigações vencidas. Na
verdade, aquele credor é apenas titular de uma obrigação vencida e as outras não
estão vencidas. Assim, o que interessa para sabermos se estamos numa situação de
insolvência são as obrigações vencidas. Pode-se concluir, por presunção judicial,
que o facto de não se conseguir cumprir esta obrigação vencida, mas pela
importância dessa, que ele também não conseguiria cumprir as restantes obrigações
vencidas.
Como só temos uma obrigação vencida, isto é significativo para a situação de
insolvência. Isto porque, se o devedor não consegue cumprir essa, isso já por si é
fundamento para pedir a declaração de insolvência (já não precisamos de fazer
aquele juízo, uma vez que apenas temos uma obrigação vencida que o devedor não
consegue cumprir).
Para as entidades do artg.3/2 do Cód.Insolvência (pessoas coletivas e
patrimónios autónomos, por cujas dividas nenhuma pessoa singular responde por
forma direta ou indireta), se o critério do artg.3º/1 Cod.Insolvência também vale –
sim. Vamos supor a seguinte hipótese: sociedade em nome coletivo, que tem um
sócio, outro sócio, uma sociedade por quotas e uma sociedade anónima. A sociedade
em nome coletivo tem ativo 500 mil, e passivo tem 1000 milhões, temos uma
situação em que o ativo é manifestamente superior ao ativo, numa sociedade em
nome coletivo, os sócios, embora respondam subsidiariamente, eles respondem
pessoal e ilimitadamente pelas dividas da sociedade – não se aplica o artg.3º/1, pois
temos pessoas singulares a responderem.
Nas sociedades em comandita (“sócios comanditados são os que estão
tramados”), temos sócios, pessoas singulares, que respondem pelas dividas
indiretamente.
 Nota: Se nós tivéssemos uma sociedade em nome coletivo, que tivesse como
socio uma sociedade por comandita (que por sua vez só tivesse sociedades
por quotas de responsabilidade limitada). Na Alemanha, as sociedades por

2019/2020 Rita Nina – FDUC 41


comandita são muito utilizadas, não estão sujeitas às exigências de outras
sociedades (têm um regime muito mais flexível), mas podem fazem recair
responsabilidade ilimitada (qualquer sócio responde por qualquer dívida da
sociedade, mas apenas subsidiariamente) nos seus sócios que são sociedades
por quotas. Em Portugal, não são muito utilizadas, por ser um país pequeno
e não se justifica um investimento tão grande.
Voltando ao caso, há que distinguir a situação de impossibilidade da situação
de não querer. Se não é uma situação de impossibilidade verdadeira, não havia
situação de insolvência. Mas desde que aquele crédito esteja vencido e haja
impossibilidade de cumprir o crédito, pode-se pedir a declaração de insolvência
(mesmo que só seja um crédito).
Aqui um aspecto importante a realçar. Se o objetivo do credor é apenas para
permitir que o José vá conseguindo pagar, isto não é, só por si, fundamento para
pedir a declaração de insolvência. Assim, por exemplo, se não houvesse uma
verdadeira impossibilidade e se o credor apenas quisesse pedir a declaração para
que o José conseguisse ir pagando, não poderia pedir-se uma declaração de
insolvência.
Caso 10-
Resolução - José pretende saber se pode apresentar declaração de
insolvência tendo em conta que tem receio de não conseguir pagar a todos os
credores, à medida que as obrigações se vão vencendo. Para as pessoas singulares,
o artg.18º/2 do Cod.Insolvência, ele tem um direito de se apresentar à insolvência
nas hipóteses do artg.3º. Ele não está efetivamente numa situação de cumprir.
Nós temos uma situação de mero receio de ele não conseguir pagar a todos
os credores. A questão que se coloca aqui é a de saber se este devedor se está numa
situação de insolvência iminente. Nesses casos de insolvência iminente, o próprio
devedor pode-se apresentar à insolvência, temos é de saber se estamos
verdadeiramente perante essa situação. Um dos critérios utilizados é: quando a
probabilidade de se vir a encontrar numa situação de insolvência atual é mais
provável do que não se vir a encontrar. Por exemplo, se dissemos que num ano a
probabilidade de se encontrar numa situação de insolvência atual é de 30%, já não
estamos perante uma situação de insolvência iminente. É preciso ter em atenção
que, na insolvência iminente não há dever de apresentação (não é esta a opinião de
2019/2020 Rita Nina – FDUC 42
todos os autores), segundo o Dt. Soveral (18º/1). Sobretudo, um juiz que vá
apresentar o pedido, se há uma apresentação à insolvência, acaba por não fazer um
controlo tão apertado, devido ao prazo curto de declaração de insolvência (28º).
5.- Estatuto dos comerciantes
5.1.- Firmas e denominações
5.1.1.- Noção
Costuma-se dizer que firma, é o nome comercial dos comerciantes, o sinal que
os individualiza ou identifica. Só que esta é uma noção insuficiente. Tal porque, além
de identificar os comerciantes, a firma individualiza alguns não-comerciantes, e
alguns comerciantes são identificados não por uma firma, mas sim por uma
“denominação”.
O RRNPC, diploma que contém o atual regime geral das firmas e denominações
faz a distinção da seguinte forma:
 Firma – é o vocábulo preferido para designar o signo individualizador de
comerciantes;
 Denominação – designa preferencialmente o sinal identificador de não
comerciantes e pode nalguns casos ser composta por nome de pessoas.
5.1.2.- Composição
➢ Quanto à firma dos comerciantes individuais, o regime que interessa
sobretudo conhecer, é o regime nacional de pessoas coletivas, artg.38º trata
desde logo da composição da firma, que começa logo por estabelecer o
princípio da unidade da firma – em regra cada comerciante apenas tem uma
firma.
 Elementos obrigatórios: nome completo ou abreviados, conforme
seja necessário para a identificação da pessoa (não podendo, em
regra, a abreviação reduzir-se apenas a um vocábulo).
 Elementos facultativos:
o O nome pode ser antecedido por expressões ou siglas
“correspondentes a títulos académicos, profissionais ou
nobiliárquicos”.
o Pode aditar ao seu nome uma “alcunha ou expressão alusiva à
atividade exercida”.

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➢ Firma das sociedades comerciais:
 Firma de sociedades em nome coletivo-
o Elementos obrigatórios: de acordo com o artg.177º CSC
▪ Ou pelo nome (completo ou abreviado) ou firma de
todos os sócios;
▪ Ou pelo nome (completo ou abreviados) ou firma de um
deles, com o aditamento, abreviado ou por extenso, e
“Companhia” ou qualquer outro que indique a
existência de outros sócios (ex.: “Irmão”, “e Filhos”).
o Elementos facultativos: (apesar de o artg. não o dizer)
expressão alusiva ao objeto social (por analogia com o
artg.38º/1 do RRNPC), bem como siglas, iniciais, expressões de
fantasia ou composições (por analogia com o artg.42º/1
RRNPC).
 Firma das sociedades por quotas- artg.200º/1(o mesmo vale para
a firma das sociedades anónimas, artg.275º/1 CSC):
o Elementos obrigatórios:
▪ Nome (completo ou abreviado) ou firma, de todos ou
alguns dos sócios – firma-nome;
▪ Ou por uma denominação particular – firma-
denominação;
▪ Ou pela reunião de ambos os elementos – firma mista;
Em qualquer caso, a firma conterá o aditamento “Limitada” ou
“Lda”.
o Elementos facultativos: com ou sem sigla (vocábulo
constituído pelas iniciais ou outras letras de um nome ou
expressão).
 Firma das sociedades em comandita- artg.467º:
o Elementos obrigatórios:
▪ Nome (completo ou abreviado) ou firma de um, alguns
ou todos os sócios comanditados (sócios de
responsabilidade ilimitada);

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▪ Aditamento “em comandita” ou “& Comandita” –
sociedades em comandita simples; aditamento “em
Comandita por Ações” ou “& Comandita por ações” –
sociedades em comandita por ações.
o Elementos facultativos:
▪ Nome ou firma de sócios comanditários (sócios de
responsabilidade limitada) e de não sócios que tal
consintam expressamente – sendo que estes ficam
sujeitos às consequências estabelecidas nos nº3 e 4 do
artg.467º CSC.
▪ Expressões alusivas ao objeto social;
▪ Siglas, expressões de fantasia, etc.
➢ Firmas dos agrupamentos complementares de empresas:
o Elementos obrigatórios:
▪ Denominação particular ou nomes (abreviados ou
completos) ou firmas de todos os seus membros, ou
pelo menos, de um deles ou reunião de ambos esses
elementos (artg.3º/1 DL nº430/73 – regime de
funcionamento e constituição de ACE).
▪ Aditamentos “Agrupamento complementar de
empresas” ou “A.C.E”.
Como foi dito anteriormente, alguns comerciantes são identificados por uma
“denominação”:
 A denominação das entidades públicas empresariais deve integrar a
expressão “entidade pública empresarial” ou as iniciais “E.P.E” (artg.52º/2
RSPE).
 A denominação das cooperativas deve ser sempre seguida das expressões
“cooperativa”, “união de cooperativas”, “federação de cooperativas”,
“confederação de cooperativas” e ainda de “responsabilidade limitada” ou
“responsabilidade ilimitada”, ou das respetivas abreviaturas (artg.15º/1
CCoop).

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 A denominação dos agrupamentos europeus de interesses económicos deve
incluir como aditamentos “Agrupamento europeu de interesses económicos”
ou a abreviatura AEIE” (artg.5º a) do Regulamentos 2137/85).
5.1.3.- Princípios informadores da composição das firmas e
denominações
As firmas na sua composição estão sujeitas a vários princípios da composição
das firmas:
➢ Princípio da verdade
“Os elementos componentes das firmas e denominações devem ser verdadeiros
e não induzir em erro sobre a identificação, natureza ou atividade do seu titular”
(artg.32º/1 RRNPC).
As firmas não podem ser enganosas. Por exemplo, não se pode indicar um
objeto que não corresponde ao objeto de sociedade, não se pode pôr como objeto a
venda de eletrodomésticos se estivermos perante uma firma de venda de
automóveis. Outro exemplo, a firma dos comerciantes individuais deve conter o
nome deles e não o de outrem.
Quando por qualquer causa, deixe de ser associado ou sócio pessoa singular
cujo nome figure na firma ou denominação de pessoa coletiva, deve tal firma ou
denominação ser alterada no prazo de um ano (artg.32º/5 RRNPC). A alteração da
firma nestes casos é requerida pelo princípio da verdade, bem como pela tutela do
direito ao nome das pessoas humanas; e a possibilidade (havendo consentimento)
de a firma continuar inalterada constitui restrição ao mesmo princípio.
➢ Princípio da novidade e da exclusividade
“As firmas e denominações devem ser distintas e não suscetíveis de confusão ou
de erro com as registadas ou licenciadas no mesmo âmbito de exclusividade, mesmo
quando a lei permita a inclusão de elementos utilizados por outras já registadas, ou
com designações de instituições notoriamente conhecidas” (artg.33º/1 RRNPC).
Isto é, os titulares de firmas ou denominações validamente constituídas e
registadas definitivamente (35º/1/4) têm um direito exclusivo sobre elas em
determinado âmbito geográfico. Ora, isto significa que esse direito exclui que outros
criem firmas ou denominações idênticas ou confundíveis com aquelas. Sendo assim,
terão que ser firmas e denominações novas, ou seja, distintas e inconfundíveis.

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 As sociedades comerciais têm direito ao uso exclusivo das suas firmas em
todo o território nacional (37º/2).
 Os ACE, as EPE, as cooperativas e os AEIE, têm em princípio direito ao uso
exclusivo das firmas ou denominações em todo o território nacional, desde
que o seu objeto estatutário não “indicie a prática de atividades de caráter
essencialmente regional ou local”.
 No caso dos comerciantes em nome individual, temos uma diferença
importante, pois se o comerciante em nome individual só usa o seu nome
individual completo ou abreviado, não pode opor-se a que outro
comerciante em nome individual constitua uma firma com esse mesmo
nome. Ou seja, os comerciantes em nome individual apenas terão direito ao
uso exclusivo, caso não usem como firma apenas o nome completo ou
abreviado, sendo que, a proteção conferida não é no território nacional, mas
apenas no conselho – artg.38º/4, 40º/3.
 Nota: Segundo a opinião do Dt. Coutinho de Abreu, esta parece ser uma
solução controversa. Seria talvez preferível, a solução alemã de um
comerciante que tem o nome e o apelido iguais aos de um comerciante já
inscrito, ter de incluir na firma um aditamento através do qual ela se distinga
claramente da firma já registada – ficando ambas as firmas com âmbito de
exclusividade.
De qualquer modo, denota-se que um comerciante individual com firma
composta somente pelo seu nome, apesar de não se poder valer da tutela do
próprio direito à firma, ele pode reagir judicialmente contra outro
comerciante e não comerciante que, tendo o mesmo nome, tenha utilizado no
exercício da atividade profissional, através do direito ao nome (72º/2 CC).
Existe uma problemática relativa ao significado do princípio da
novidade/exclusividade relativamente às sociedades comerciais. O artg.33º/1
RRNPC entendia que as firmas ou as denominações apenas não poderiam ser
idênticas, de tal modo que a sua semelhança pudesse conduzir em erro; já o
artg.10º/2 CSC, dispunha que elas deveriam ser totalmente distintas. Como é que
interpretamos isto? Ora, entende-se pacificamente que no respetivo âmbito da
exclusividade, as firmas deveriam ser novas, inconfundíveis, não poderiam ser
idênticas ou de tal modo semelhantes que induzissem em erro. Deste modo, “firmas

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completamente distintas” podiam conter elementos comuns, contanto que o
conteúdo global de cada uma fosse diferenciado e inconfundível.
Quando é que se pode dizer que as firmas ou denominações não são “novas?
Quais são os critérios para avaliar a confundibilidade? Não é nova relativamente
a outra firma ou denominação quando, atendendo à:
✓ grafia das palavras;
✓ ao efeito fonético das expressões;
✓ ao núcleo caracterizante (“coração” da firma ou denominação);
✓ forma oficiosa dos signos;
✓ o público médio – público de normal capacidade, diligência e atenção;
Quando não as consegue distinguir, as confunde, tomando uma por outra e um
comerciante por outro ou, não as confundindo embora, crê erroneamente referirem-
se a comerciantes distintos, mas especialmente relacionados.
Põe-se a questão se valerá o princípio da exclusividade/novidade para
comerciantes não concorrentes, que exercem atividades diversas, ou se apenas
valerá para comerciantes concorrentes?
❖ Alguns autores têm defendido que não valerá o princípio para comerciantes
não concorrentes (Pinto Coelho; Nogueira Serens). Entendem que o risco de
confusão entre firmas é quase inexistente e apoiam-se ainda no artg.33º/2,
que dispõe que se deve ter em conta os juízos sobre a “afinidade ou
proximidade das suas atividades”.
❖ Para outros autores, o princípio valerá também para comerciantes não
concorrentes – Ferrer Correia, Oliveira de Ascensão; Remédio Marques;
Coutinho de Abreu. Por exemplo, duas sociedades por quotas com sede em
Coimbra, na mesma rua, uma com a firma “SVP – sociedade de viaturas e
peças, Comércio, L.da”, e outra com a firma “SVP – sociedade de vinhos do
Porto, Comércio, L.da”. Segundo os critérios atrás enunciados, estamos
perante firmas confundíveis, o público em geral poderia tomar uma firma por
outra, ou supor relações entre elas inexistentes, agravando-se o risco com
relação a fornecedores e financiadores, etc. Ou até a reputação de uma delas
poderia ficar posta em causa, pela publicitação do facto de a outra ser objeto
de um processo de insolvência.

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Além disso o 33º/2 RRNPC, não diz que a não identidade ou afinidade de
atividades exclui a suscetibilidade de confusão. Apenas dispõe que no juízo,
se deve atender àquele fator.
➢ Princípio da capacidade distintiva
Os sinais utilizados têm de ser suscetíveis de identificar o seu titular,
distinguindo de outros sujeitos. As firmas e as denominações, enquanto sinais
distintivos de comerciantes, hão de ser constituídos por forma a poderem
desempenhar a função diferenciadora.
Parece não haver grande problema quanto às firmas ou denominações que são
compostas pelos nomes de pessoas (comerciantes individuais ou
sócios/associados), visto que essas têm capacidade distintiva.
Haverá já que ter especial atenção a este princípio no caso de sociedades por
quotas, sociedades anónimas, ACE e EPE. Com efeito, sob pena de incapacidade
distintiva, as denominações ou firmas não podem aqui bastar-se com designações
genéricas, vocábulos de uso comum para designar atividades ou produtos,
topónimos ou indicações de proveniência (exs. de elementos não distintivos:
“Sociedade Bancária, S.A”, “Sociedade de Seguros, S.A”). Tais elementos, de per si não
distintivos, hão de ser associados a outros, de modo a que o conjunto seja capaz de
distinguir a firma ou designação concretamente em causa (ex.: “sociedade cavali de
seguros conimbricense”). Tudo isto decorre expressamente do 33º/2 RRNPC e do
art.10º/4 CSC.
➢ Princípio da unidade
O artg.38º/1 do RRNPC, dispõe que o “o comerciante individual deve adotar uma
só firma”. Vigora o mesmo princípio para as sociedades (artg.9º/1 c); 171º/1 CSC)
e para as restantes entidades coletivas que podem ser comerciantes. O comerciante
que adquirir a firma de outro, mesmo que passe a explorar duas ou mais
(autónomas) empresas, não poderá manter mais de uma firma: a originária com
aditamento.
❖ Há quem seja contra este princípio. A doutrina dominante na Alemanha,
defende a possibilidade de os comerciantes individuais adotarem vários
firmas quanto tenham várias empresas. Ferrer Correia defendeu uma
posição idêntica. Menezes Cordeiro, também condena este princípio.

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❖ Temos que entender que o tipo de discurso que condena este princípio, nesta
forma, é apropriado para a Alemanha, visto que aí a firma funciona sobretudo
como nome de empresa. A firma entre nós, é um sinal nominativo
basicamente indentificador do comerciante; os sinais identificadores do
estabelecimento são o nome e a insígnia de estabelecimento e podem ser os
logotipos.
Todavia, este princípio admite uma exceção: um comerciante individual que
exerça atividades mercantis no quadro de um estabelecimento individual de
responsabilidade limitada e também fora dele, terá duas firmas (art.40º/1 RRNPC).
➢ Princípio da licitude residual
Este é um princípio residual (fala-se de licitude residual também para marcar
que os outros princípios manifestam, igualmente requisitos de validade-licitude),
que significa um conjunto variado de requisitos (art.32º/4 b), c) e d) RRNPC):
✓ As firmas ou denominações não podem conter expressões proibidas por lei
ou ofensivas dos bons costumes;
✓ As firmas ou denominações não podem conter expressões incompatíveis com
o respeito pela liberdade política, religiosa ou ideológica;
✓ As firmas ou denominações não podem conter expressões que desrespeitem
ou se apropriem ilegitimamente de símbolos nacionais, personalidades,
épocas ou instituições cujo nome ou significado seja de salvaguardar por
razões históricas, patrióticas, científicas, institucionais, culturais ou outras.
5.1.4.- Transmissão
Normalmente a firma distingue não apenas o comerciante, mas também a
respetiva empresa, liga aquela a esta. Assim, a livre transmissibilidade de firmas,
sem a transmissibilidade de empresas daria aso a enganos e confusões. Por isso, o
artg.44º/1/4 RRNPC estabelece uma séria de requisitos para a transmissão inter
vivos da firma:
✓ A transmissão de uma firma tem de se fazer com a de um estabelecimento
comercial a que esteja ligada.
✓ É necessário o acordo de partes, devendo o consentimento do transmitente
da firma ser dado por escrito. Quando o transmitente seja uma sociedade ou
uma ACE, cuja firma contenha o nome do sócio, além da autorização daquele,
é ainda indispensável a do titular do nome (44º/2).
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✓ O adquirente deve aditar à sua própria firma menção de sucessão e a firma
adquirida (38º/2).
A transmissão da firma do comerciante individual pode dar-se também por
mortis causa – 44º/3.
Por último, o regime aqui explicitado, também se aplica à transmissão de
denominações de entes coletivos comerciantes.
5.1.5.- Tutela do direito à firma ou à denominação
O direito à exclusividade de uma firma ou denominação constitui-se com o
registo definitivo delas (artg.3º, 35º/1 RRNPC). Como é que se realiza a proteção das
firmas, para o correspondente âmbito de exclusividade?
Meios preventivos
Trata-se dos certificados de admissibilidade de firmas e denominações,
emitidos pelo Registo Nacional de Pessoas Coletivas, serviço a quem compete velar
pelo respeito dos requisitos de validade desses sinais. Estes certificados não serão
emitidos, quando as denominações ou firmas não seja idênticas ou suscetíveis de
confusão ou erro com as registadas no mesmo âmbito ou exclusividade. É através da
emissão de certificados de admissibilidade que há o controlo dos princípios.
Meios repressivos
Caso as firmas e denominações, mesmo que definitivamente registadas,
violem o princípio da novidade e da exclusividade, podem ser objeto de ações
judiciais de declaração de nulidade, anulação e revogação e estão sujeitas à
declaração pelo (RNPC) de perda do direito ao respetivo uso. Por outro lado, o uso
ilegal de uma firma ou denominação “confere aos interessados o direito a exigir a
sua proibição, bem como uma indemnização pelos danos emergentes, sem prejuízo
da correspondente ação criminal” (62º).
Em regra, as firmas podem ser tuteladas quando estejam registadas entre
nós, mas há casos em que a tutela da firma (meios preventivos e repressivos) entre
nós é possível, mesmo que essa não esteja registada – quando beneficia da
proteção da Convenção da União de Paris. Tratam-se dos nacionais dos países da
União Internacional para a Proteção da Propriedade Industrial, que constituam
validamente no estrangeiro firmas ou denominações também usadas em Portugal,
ou que aqui sejam notoriamente conhecidas. Ex.: se uma sociedade comercial
espanhola, por causa de negócios que realiza com portugueses, utiliza a sua firma cá
2019/2020 Rita Nina – FDUC 51
(apesar de não estar registada em Portugal), pode pedir judicialmente a proibição
do uso de firma idêntica (registada ou não) adotada posteriormente por uma
sociedade comercial portuguesa.
Há́ quem seja mais flexível e não exija, para o reconhecimento interno de um
nome comercial, o seu uso ou notoriedade no país. No entanto, estamos com
aqueles que consideram ser necessária, pelo menos, a notoriedade ou publicidade
da firma internamente, porquanto nos demais casos não se colocam os riscos de
confusão e erro que se pretendem obviar com o princípio da exclusividade e
novidade, pelo que não há necessidade de limitar (ainda mais) a liberdade dos
comerciantes na constituição das firmas e denominações.
O caso das cartas que nunca apareciam
A Armar – Montagem de cofragens para a construção civil, Lda., constituída em
1990, queixava-se ultimamente, com frequência, do desaparecimento de
correspondência que lhe era destinada. Feita a queixa junto dos CTT, veio a
descobrir que os carteiros deixavam as cartas para aquela na caixa do correio da
Armar – Transporte marítimo de mercadorias, S.A.. Como esta última foi constituída
em 2018, aquela primeira sociedade quer avançar com uma ação em tribunal para
exigir que a segunda altere a firma. Terá fundamentos para obter ganho de causa?

Caso 11- O caso do sócio que deixou de o ser


Armando Gambosino era o sócio-gerente da Armando Gambosino, Lda, sendo titular
de uma quota correspondente a 40% do capital daquela sociedade. Armando
Gambosino cedeu a sua quota a Juvenal Celestino em 1 de agosto de 2018. Hoje,
Armando Gambosino foi contactado por um funcionário de uma empresa de
cobranças difíceis que lhe veio dizer que a Armando Gambosino, Lda, devia muito
dinheiro e que alguém tinha de pagar. Armando Gambosino, incomodado com a
situação descrita, pretende saber se pode exigir que a Armando Gambosino, Lda,
altere a respetiva firma. O que lhe diria?
Caso 12- O caso do administrador que já não é mas que parece que é
Adalberto da Visitação foi designado em 1 de julho de 2017 administrador único da
Centrodesporto, Comércio de material desportivo, S.A.. Em assembleia geral que
teve lugar em 2 de abril de 2018, Adalberto foi destituído do referido cargo e foi
designado, em seu lugar, Juvenal da Costa. Porém, a destituição e a designação ainda
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não foram registadas. No dia 3 de maio de 2019, Adalberto recebeu uma carta que
lhe era dirigida na qualidade de administrador da Centrodesporto citando esta
sociedade para uma ação em que ela era Ré. Adalberto, sabendo que tinha sido
destituído, arrumou a carta numa gaveta e de nada tratou. O Tribunal condenou a
Centrodesporto a pagar a quantia pedida na ação, pois a falta de contestação levou
a que se considerassem provados os factos alegados pelo Autor. A Centrodesporto
recorreu da sentença, alegando, entre outras coisas, que não foi citada porque o
Adalberto já não era seu administrador quando a citação lhe foi dirigida. Terá razão?
Caso 13- A Centrodesporto acima referida transformou-se em sociedade por
quotas. Atualmente, está registada em nome de Antonino Ribeirinho uma quota no
capital daquela sociedade com o valor nominal de 30.000 euros. Josefina dos
Mártires pretende comprar essa quota e está tranquila, pois o seu contabilista disse-
lhe que não havia qualquer problema uma vez que o registo em nome do vendedor
era «definitivo» e nada o poderia alterar. Será assim?
5.2.- Escrituração e prestação de contas
5.2.1.- Noção de escrituração mercantil
A escrituração mercantil, consiste no registo ordenado e sistemático em
livros e documentos de factos relativos à atividade mercantil dos acontecimentos,
tendo em vista a informação deles e de outros sujeitos.
Tem de se ter em atenção que, apesar de a contabilidade ser bastante
importante, ela não esgota a escrituração. Esta compreende ainda, a documentação
da correspondência expedida pelo comerciante e as atas de reuniões de órgãos de
sociedades e outras entidades coletivas.
Outra das obrigações dos comerciantes é então, o de adotar uma escrituração
mercantil. No caso das sociedades comerciais, estas estão obrigadas a prestar o
balanço das contas, sendo estas apresentadas aos sócios. Em certos casos, a
sociedade vai ter um órgão de fiscalização que vai dar um parecer sobre o relatório
de contas da sociedade.
5.2.2.- Organização da escrituração
Por mais de um século, o artg.31º do CCom, prescreveu a obrigatoriedade de
quatro livros de escrituração para “qualquer comerciante”: livro do inventário e
balanços, diário, razão, copiador. Agora, todos esses livros deixaram de ser

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obrigatórios. Nos termos do artg.30º CCom “o comerciante pode escolher o modo de
organização da escrituração mercantil, bem como o seu suporte físico, sem prejuízo
do disposto no nº seguinte” (o artg.31º obriga as sociedades comerciais a ter livros
para atas).
É necessário ter em atenção uma coisa: o artg.30º não significa o puro
arbítrio do comerciante quanto ao quê e quanto ao como dos assentos escriturais.
Impõe-se verdade e clareza nos registos do que entra, do que sai e do que permanece
no património mercantil. Depois, fora do CCom, há lei que regula a escrituração
mercantil, designadamente:
 Legislação fiscal (CIRS, CIRC, etc.).
 Legislação contabilística:
o Planos oficiais de contabilidade (geral e setorial)
o Regimes especiais:
▪ Para as microentidades
▪ Para o setor não lucrativo
o Normas internacionais e de contabilidade
5.2.3.- O caráter não secreto da escrituração mercantil
Antigamente, dizia-se que o artg.41º do CCom, consagrava o caráter secreto
da escrituração mercantil (“o segredo é a alma do negócio”), visto que a norma
proibia o exame dos livros destinados a verificar se eles estavam ou não
devidamente “arrumados” – princípio do segredo. Contudo, atualmente, a afirmação
crescente das necessidades de informação se sujeitos diversos, privados e públicos,
tem vindo a acentuar o caráter não secreto da escrituração mercantil.
O artg.41º do CCom afirma agora a possibilidade de autoridades “analisarem
se o comerciante organiza ou não devidamente a sua escrituração mercantil.
 O artg.42º permite agora a exibição judicial por inteiro em questões de
“sucessão universal” (morrendo um comerciante, pode a exibição ser a favor
de um herdeiro, legatários e credores da herança); “comunhão” (o cônjuge
casado em regime de comunhão geral); “sociedade (em caso de dissolução de
sociedade ou de saída do sócio, quando haja que fixar o valor da liquidação
da participação social); e insolvência;
 O artg.43º/1, por sua vez, promete proceder a exame judicial limitado, nos
livros e documentos dos comerciantes, a requerimento das partes ou
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oficiosamente “quando a pessoa a quem pertençam tenha interesse ou
responsabilidade na questão em que tal apresentação foi exigida”.
Fora do CCom, existem várias normas que preveem a hipótese de a escrita a
comerciantes ser examinada ou publicitada. Exemplos:
 Os funcionários encarregues de fiscalização dos impostos podem examinar
os livros e documentos (sobretudo contabilísticos) dos comerciantes para o
apuramento dos respetivos impostos.
 No domínio do direito da defesa de concorrência, comunitário e nacional, têm
também as autoridades competentes o poder de examinar a escrita e
documentos profissionais;
 No âmbito do direito de informação dos sócios, estes têm a possibilidade de
consultar a respetiva escrita;
 Os documentos de prestação de contas da maioria das sociedades devem ser
depositados nas conservatórias do registo comercial e publicados;
 As comissões de trabalhadores têm o direito a ser informadas sobre a
“situação contabilística” das empresas.
5.2.4.- Prestação de contas
O nº4 do artg.18º dispõe que os comerciantes são obrigados a “dar balanço,
e a prestar contas”. O balanço é o documento onde se compara o ativo com o passivo
para revelar o valor do capital próprio ou situação líquida. Este é geralmente um dos
principais documentos de prestação (anual) de contas, acompanhado pela
“demonstração dos resultados por naturezas”, a “demonstração das alterações no
capital próprio”, “a demonstração dos fluxos de caixa pelo método direto” e o
“anexo”. E todos estes documentos são de escrituração (a maior parte das vezes
mercantil).
Há que ter em conta que, nem todos os comerciantes têm o dever de prestar
contas anualmente (como está estabelecido no artg.62º CCom), nomeadamente
através de balanço, como por exemplo, alguns comerciantes individuais pequenos.
A prestação de contas é relevante sobretudo no domínio das sociedades
comerciais (e civis de tipo comercial). Os membros do órgão de administração
devem elaborar e submeter anualmente aos órgãos competentes da sociedade
(normalmente, é à coletividade dos sócios), o relatório de gestão, as contas do
exercício e demais documentos de prestação de contas previstos na lei. Se os
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documentos da prestação de contas não forem apresentados atempadamente, pode
qualquer sócio requerer ao tribunal que se proceda a inquérito – 67º CSC.
5.2.5.- Conservação dos documentos de escrituração
Os comerciantes são obrigados a arquivar os documentos respeitantes à
escrituração mercantil, bem como a correspondência emitida e recebida, devendo
conservar tudo pelo período de 10 anos (art.40º CCom.). Todavia, liquidando-se
uma sociedade, o prazo de conservação é de 5 anos (vide: art.157º/4 CSC).
Falecendo o comerciante individual, será que se transmite a obrigaçã o de
conservar os documentos para os herdeiros? Uma vez que a obrigação não é de
natureza estritamente pessoal, e porque os documentos mantêm utilidade para a
reconstituição e prova dos factos anteriores à morte, por isso respondemos
afirmativamente.
5.3.- Inscrições no registo comercial
O registo comercial publicita certos factos respeitantes a determinados
sujeitos, tendo em vista a segurança do tráfico ou comércio jurídico (artg.1º CRCom).
O registo comercial destina-se a dar publicidade – princípio da publicidade sendo
densificado por um conjunto de normas:
➢ Princípio da tipicidade – os factos e entidades sujeitos a registo são os
previstos na lei (artg.1, 10º f) CRCom), destacando-se aqueles previstos nos
artg.10º a f).
Só entra no registo o que a lei prevê que pode estar registado (só é registado o
que é registável).
Nos termos do artg.18º/3 CCom, os comerciantes devem fazer inscrever no
registo comercial os atos a ele sujeitos. Mas vê-se que tal dever também incumbe a
não comerciantes – designadamente as sociedades civis sob a forma comercial,
cooperativas, EPE’s, ACE’s e AEIE sem objeto comercial.
No entanto, nem todos os factos previstos naquelas normas do CRCom têm de
ser registados. Os que estão sujeitos a registo obrigatório são os mencionados no
artg.15º (e eventualmente os do artg.16º e 17º). Resulta do artg.15º que os factos
relativos a comerciantes individuais (artg.2º) estão sujeitos a registo facultativo.
Contudo, certos factos do processo de insolvência relacionados com comerciantes
individuais devem obrigatoriamente ser registados – artg.9º CRCom i) e ss.
➢ Princípio da instância
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Depois da reforma de 2006, há duas formas registo:
 Registo por transcrição (ou por extrato) – “extractação dos elementos que
definem a situação jurídica das entidades sujeitas a registo constantes dos
documentos apresentados (artg.53º-A/2).
 Registo por depósito (artg.53º-A CRCom) – “mero arquivamento dos
documentos que titulam factos sujeitos a registo”. (artg.53º-A/3).
O registo efetua-se em regra, a pedido dos interessados (princípio da
instância), mas podem ser feitos excecionalmente oficiosamente – artg.28º/1
CRCom.
➢ Princípio da legalidade(zinha)
Apenas o pedido de registo da transcrição é que vai ser objeto de controlo de
legalidade (artg.47º). Hoje, o registo de depósito não é objeto de controlo de
legalidade, uma vez que há um título, a legalidade é pressuposta. Isto pode ser grave
porque há factos importantes que podem ser registados no registo de depósito – ex.:
o registo de quotas e de outras participações sociais se faz agora por depósito.
As decisões dos funcionários competentes recusando a prática do ato de registo
nos termos requeridos podem ser impugnadas hierárquica e contenciosamente, nos
termos do artg.101º e ss.
➢ O princípio da prioridade do registo
O facto registado em primeiro lugar é priorizado.
O caráter público do registo revela-se no facto de “qualquer pessoa” poder
“pedir certidões dos atos de registo e dos documentos arquivados, bem como obter
informações verbais ou escritas sobre o conteúdo de uns e de outros” (73º/1). Por
outro lado, alguns atos de registo são obrigatoriamente publicados (70º e ss.).
Efeitos do registo
O registo tem como efeitos:
 Efeito presuntivo – “o registo por transcrição definitivo constitui presunção
de que a situação existe e existe nos precisos termos em que é definida no
registo” (art.11º CRCom.).
o As presunções da exatidão derivadas do registo são em regra ilidíveis
– 350º CC.
 Efeito central do registo (declarativo) – o registo é , em princípio, requisito
de eficácia dos factos em relação a terceiros (art.13º/1 CRCom.). Significa
2019/2020 Rita Nina – FDUC 57
isto que o registo não influi sobre a constituição das situações jurídicas (regra
geral, não tem efeito constitutivo), limitando-se a conferir-lhes eficácia
perante terceiros. Antes do registo, os factos sujeitos a registo são válidos,
mas apenas são eficazes em relação às partes ou os seus herdeiros.
Consequentemente, antes do registo tais factos não são oponíveis a terceiros
(art.14º/1 e 2 CRCom.). Resumindo, os factos sujeitos a registo registados e
os factos sujeitos a registo e publicação obrigatórias registados e publicados
são oponíveis a terceiros!
o Terceiros para efeitos de registo comercial: é terceiro quem não seja
parte no facto sujeito a registo, seu herdeiro ou representante
(artg.13º/1, 14º/3). Por exemplo, numa sociedade de quotas, A era o
sócio-gerente e foi destituído. Entretanto B vendeu a C a sua quota,
que por sua vez, vendeu a D. A destituição e a venda a C não foram
registadas. Sendo assim, a sociedade ficou vinculada perante E, que
comprou mercadorias àquela:
▪ Representado por A enquanto gerente, uma vez que a
destituição não é oponível a E (terceiro);
▪ A titularidade de D sobre a quota prevalece em relação a C (a
transmissão da quota é inoponível a D, terceiro).
Há , no entanto, casos excecionais em que o registo assume natureza
constitutiva: nos casos previstos na lei o registo é condição de validade do
facto, não se constituindo isto enquanto não for registado (exs.: arts.13º/2
CRCom e arts.5º, 112º, 120º, 169º/2 CSC).
 Efeito sonante – alguns factos sujeitos a registo só podem ser declarados
nulos em virtude de determinados vícios. Significa isto que os demais vícios
que, em regra, conduziriam à nulidade do facto são inatendíveis e ainda que
a anulabilidade não se aplica. Note-se, porém, que este efeito, ainda que
decorrendo do registo, diz respeito ao próprio facto. Consequentemente,
ainda que não possa anular-se o facto ou declarar a sua nulidade com base
noutros vícios para alé m dos previstos na lei, sempre se poderá declarar a
nulidade do registo nos termos gerais. É este o regime consagrado no art.42º
CSC para os contratos de sociedade.

2019/2020 Rita Nina – FDUC 58


o O entendimento de que o referido preceito ao referir que “o contrato
só pode ser declarado nulo” afasta a possibilidade de se invocar a
anulabilidade nã o é consensual; todavia é o entendimento que melhor
se coaduna com o disposto na Diretiva da UE que este preceito vem
transpor.
5.4.- Responsabilidade por dívidas comerciais contraídas por cônjuge
comerciante
São da responsabilidade de ambos os cônjuges (quando casados sob o regime
da comunhão geral de bens ou de adquiridos), “as dívidas contraídas por qualquer
dos cônjuges no exercício do comércio, salvo se vigorar entre eles o regime da
separação de bens, salvo se provar que não foram contraídas em proveito comum
do casal” (1691º d) CC).
Decorre da alínea d) do nº1 do artg.1691º, que os credores podem fazer-se
valer do regime aí previsto desde que, provem que as dividas contraídas terem sido
no “exercício do comércio”. Apenas não terá de ser assim, quando seja um
comerciante a contraí-las. Para reforçar, vejamos o artigo 15º do Código
Comercial, que dispõe “as dívidas comerciais do cônjuge comerciante se presumem
contraídas no exercício do seu comércio.
É um regime primordialmente tutelador do comércio. É um regime que facilita
crédito do credor do comerciante, ou seja, aqueles casos em que o comerciante é o
devedor, desde logo porque não tem que provar que foi em proveito comum dos
cônjuges. Assim, facilitando a posição do credor do comerciante diz logo que este é
um regime do interesse dos comerciantes. Estranho, mas é assim. Mas acaba por não
ser assim tão estranho, pois existem dois momentos no financiamento dos
comerciantes:
1) Primeiro estamos a aceder ao financiamento, queremos que alguém nos
forneça o crédito. Neste momento, quanto mais forte for a posição do nosso
credor mais estará disponível a financiar-nos. Se eu der de garantia ao meu
credor não um, mas 100, se disser que é muito fácil ele executar se não
cumprir a dívida, ele vai facilitar o financiamento. Quanto mais forte for a
posição do meu credor, do meu financiador, melhor para mim, porquê?
Porque esse regime vai abrir-me portas. Vai tornar mais barato o meu acesso
ao crédito pois tenho menos riscos.
2019/2020 Rita Nina – FDUC 59
2) Eu negociante, que consegui financiamento, agora não estou a cumprir
perante o meu credor. Nestas situações, ele vai mobilizar esse regime contra
mim. Nesse momento, quisera eu que este momento não existisse.

Voltando ao regime do artg.15º, esta norma não tem um regime substantivo, mas
sim meramente presuntivo. Se as dívidas forem comerciais e se o devedor for
comerciante, então o credor goza da presunção que essas dívidas foram contraídas
no exercício do seu comércio. São muito claros os pressupostos da norma:

✓ Dívida Comercial - resultantes de atos de comércio, objetivos ou subjetivos,


ou de obrigações comerciais não derivadas de atos mercantis
✓ Dívida de um Comerciante

Além disto, há uma terceira nota, relativamente aos atos unilateralmente


comerciais. Há uma norma no Código Comercial, o artigo 99º, que determina, em
abstrato, que o regime dos atos de comércio aplica-se, ainda que o ato o seja apenas
relativamente a uma das partes. O que quer dizer que tanto se aplica o direito
comercial ao ato que é comercial dos dois lados, como ao ato que é comercial de um
só lado. Contudo, existem casos que não se serve de qualquer direito de
comercialidade e o artigo 15º é um desses, uma vez que, este artigo determinar que
tem de existir comercialidade do lado da dívida. Tem de ser uma dívida comercial
contraída no exercício do seu comércio.
De facto, em geral é mais fácil provar que um ato é comercial do que provar que
esse ato foi praticado no exercício do comércio do seu autor. Vejamos:

 Atos Formalmente Comerciais: designados como “cheque” e “livrança”.


Neste sentido, o que lhes dá comercialidade é aquela forma e o regime que
rodeia aquela forma, porque para que é que aquilo serve? Para dar uma
prenda, para pagar um carro que comprei para mim, para emprestar dinheiro
a alguém, para comprar um equipamento para a minha pastelaria, pagar
ordenados, etc. É um regime insensível à substância do ato ou do negócio para
o qual foi usado. Qualquer comerciante que pratique outros atos de comércio
e também atos formalmente comerciais pode estar a praticar esses atos fora
do “seu” comércio.

2019/2020 Rita Nina – FDUC 60


o Sou comerciante e no dia dos anos do meu filho, passei um cheque ao
meu filho- é um ato de comércio? Sim, formalmente. Mas na substância
não tem nada a ver com o meu comércio, foi praticado à margem
deste.
 Actos de Comércio Exclusivamente Civis: actos de natureza pessoal.

Os comerciantes é como se beneficiassem de um “manto” que torna como


comerciais muito mais atos do que aqueles que são efetivamente exercidos para a
sua atividade (por exemplo: quando eu vou com o carro do trabalho pôr gasolina?).
Há um conjunto vasto de atos praticados por comerciantes que são atos de comércio
e que, todavia, em concreto, não têm nada a ver com o seu comércio - são atos de
comércio, mas não inscritos de facto no seu comércio.
O comerciante que pratica atos de comércio porque é comerciante vai ter
uma espécie de presunção de comercialidade dos seus atos (se não forem
formalmente comerciais ou civis), mas no art.10.º diz que além de serem atos de
comércio ele faz presumir que são atos praticados no exercício do seu comércio:
➢ Por causa do regime de responsabilidade dos Cônjuge:
o Regime de Comunhão de bens:
▪ Adquiridos: vai relevar muito neste regime de bens. Quando A
se casa com B e tem o regime de comunhão de adquiridos, vai
haver um conjunto de bens comuns (A e B) e bens próprios de
A e bens próprios de B. Depois, as dívidas podem ser comuns
ou próprias. Nas dívidas próprias de cada um dos cônjuges,
vai responder aquilo que é de B e a meação deste dos bens
comuns. Por outro lado, quando a dívida é comum é
responsável pelo pagamento a totalidade do património do
casal- a totalidade dos bens comuns como dos bens de um e de
outro. Artigo 1691º do Código Civil. Se a dívida for comum
tomamos um caminho, se não for comum tomamos outro. →
Este é um aspeto essencial para a vida do credor, para a sua
segurança.
O artigo 15º ajuda à verificação de haver uma dívida contraída por
alguém no exercício do seu comércio. São comunicáveis as dívidas
contraídas no exercício do seu comércio. Se a dívida é comercial,
2019/2020 Rita Nina – FDUC 61
mesmo que não seja no exercício concreto das funções (formal, civil),
tem de ser o comerciante, e até o cônjuge do comerciante, a
explicar que aquela dívida não tenha sido praticada no exercício
da função - p.e. admitir que adquiriu aquele equipamento, mas não
para um fim comercial -. Para o credor comerciante a vida é facilitada,
tem de mostrar que (1) é credor comerciante, a (2) comercialidade da
dívida, assim funciona a presunção do art.15º.
▪ Para fugir a esta presunção, compete ao cônjuge do
comerciante, ou a ambos, ou a este, provar que o ato não
tem a ver com o comércio do sujeito e provar para que fim
foi utilizado. Sai da alínea d) e entra na alínea c)- daí ser um
regime que “enjaula” o cônjuge do comerciante → sai de uma
causa de comunicação da dívida comunicável para entrar
noutra causa, continuando assim com a dívida comunicável.

No dia em que se aplica esta norma, isto é bom para o comerciante? Não!
Porque neste dia, o comerciante vai ficar sem nada. Nesse momento o regime não
favorece o comerciante, mas favoreceu no dia em que andava à procura de
financiamento- porque se não fosse este regime ninguém lhe fornecia aquele
crédito. Os mecanismos legais que facilitam o crédito dos credores dos comerciantes
são muito agressivos para os devedores, mas até serem ativados são muito bons
para estes últimos. Pois, se nunca houver incumprimento, o regime foi só benéfico.

Caso 14- O caso do Alberto que estava a montar um estabelecimento e que foi
para um mosteiro zen
Alberto, casado com Beatriz no regime de comunhão de adquiridos, resolveu
dedicar-se à comercialização de pranchas de surf em Peniche. Para o efeito, tomou
de arrendamento uma loja a Carlos, contratou uma funcionária que abrisse a loja às
9 horas, comprou a crédito a um conhecido shaper material para revender e
celebrou um contrato de locação financeira que teve por objeto um veículo todo o
terreno que permitiria a Alberto andar pelas dunas a fazer publicidade à sua loja.
Porém, antes mesmo de abrir o referido espaço ao público, Alberto foi acometido
por intensa agitação espiritual que o levou a ir para um retiro de meditação na Índia.

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Agora, os credores estão a bater à porta de Beatriz exigindolhe o pagamento das
dívidas contraídas por Alberto com os atos acima referidos. Beatriz afirma que nada
tem a ver com essas dívidas, pois sempre dissera a Alberto que os negócios dele não
lhe diziam respeito. Terá razão?

2019/2020 Rita Nina – FDUC 63


Capítulo III – Os contratos comerciais
1.- Introdução
1.1.- Considerações iniciais
No entanto, independentemente de estarmos perante atos de comércio
bilaterais ou unilaterais, vamos aplicar o regime do Direito Comercial, por força do
art.99º CCom: embora o ato seja comercial apenas em relação a uma das partes, será
regulado pela lei comercial em relação a todos os contratantes. Está aqui patente
a ideia de que o Direito Comercial se pretende expandir, de modo a abranger áreas
que são “meio civil”.
Acontece que temos de ter em conta outra disposição: o direito do
consumidor (que não existia na altura em que o CCom foi criado – 1888). O direito
do consumidor foi-se estabelecendo como um 3º regime: não é direito comercial,
nem é direito civil; é um outro regime que olha apenas para as relações B2C. Isto
significa que podemos ter contratos comerciais que também estão sujeitos, pelo
menos em parte, a um outro regime (relações B2C que também são reguladas pelas
disposições do Direito do Consumidor).
Por força da entrada do Direito do Consumidor, hoje temos um regime muito
mais complexo, uma vez que este tripé de regime não tem critérios de aplicação
idênticos: para o Direito Comercial, o essencial é que o ato seja comercial; para o
Direito do Consumidor, o importante é saber se o comprador está no fim da linha
(no fim do circuito económico do bem); o Direito Civil irá abranger as hipóteses que
não cabem, nem no direito comercial, nem no direito do consumidor.
Assim um ponto importante é a interseção com o direito do consumidor e
a prevalência deste. A aplicação do Direito do Consumidor assenta na Lei do
Consumidor nº 94/1996. O critério de aplicação deste regime é o de haver um
profissional com atividade económica que visa a obtenção de benefícios. Apesar de
não ser o do comerciante, abrange obviamente estes, pois eles exercem a atividade
com o objetivo de obter um benefício. Nem todos os profissionais são
comerciantes, mas todos os comerciantes são profissionais. É assim em
diversos aspetos, na LDC:
 Na atuação do comerciante no mercado (lei das práticas comerciais desleais,
artg.1º/2);

2019/2020 Rita Nina – FDUC 64


 Em determinados tipos contratuais (como a compra e venda, sujeita a um
regime especial quando se trate de venda de bens de consumo – Decreto-Lei
nº67/2003);
 Em formas de negociação (como a contratação a distância e fora do
estabelecimento comercial (Decreto-Lei nº24/2014, de 14 de fevereiro, já
alterado), a contratação eletrónica, as vendas automáticas (a contratação
robotizada e computorizada) – a regulamentação do iter negocial, a sujeição
a forma de prestação de informações pré-contratuais, da declaração do
consumidor e do profissional);
 Em determinados setores de atividade (como o da banca e de serviços
financeiros) e na prestação de determinados bens ou serviços públicos
essenciais (água, energia elétrica, gás, telecomunicações e transportes
públicos);
Para o que nos interessa, vamos ter uma generalidade dos casos praticados
por comerciantes e vamos ter a aplicação deste regime- da Defesa do Consumidor.
É claro que isto não é direito comercial, pois este não defende os interesses das
empresas, dos comerciantes, mas defende sim os interesses do outro lado.
Há um entendimento que não é dominante que é o seguinte: a defesa do
consumidor é, na verdade, do interesse do comerciante, sobretudo de alguns
comerciantes. Há exemplos históricos muito importantes, como o “direito de
arrependimento” (ex: dar 15 dias para trocar uma peça de roupa, etc.). Isto é contra
os interesses do comerciante? O direito de arrependimento foi espontaneamente
criado pelo dono dos maiores centros comerciais de Nova Iorque, pois percebeu que
ao atribuir esse direito de arrependimento, as pessoas pensavam menos para
comprar algo, faziam mais compras repentinas. A generalidade dos comerciantes,
em muitas circunstâncias, motiva, desta forma, o consumidor a levar uma
determinada peça que até pode não “adorar” naquele momento. Então, concluímos
que ao proteger os interesses dos consumidores, tal não implica que estejamos a
desvalorizar os empresários e, obviamente, tem um efeito económico positivo, pois
até faz com que os consumidores consumam mais.

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1.2.- Caracterização e fontes dos contratos comerciais
A contratação comercial é “o sangue que corre nas veias da atividade
mercantil”. Não é necessário ser contrato para ser ato de comércio, mas a essência
que move o mundo comercial são os contratos.
Há um papel essencial da autonomia privada na celebração de contratos
comerciais, o que não é, logicamente, uma especificidade deste ramo – liberdade de
escolha da contraparte, do conteúdo do contrato, etc. Esta liberdade contratual é
particularmente importante no mundo comercial e projeta-se de diferentes modos:
 Existem contratos típicos, sendo esses contratos cujo regime está previsto
na lei.
o É o exemplo da compra e venda civil e compra e venda comercial;
o Empréstimo/mútuo – artg.364ºCCom e 1142ºss CC;
 Existem contratos legalmente atípicos, mas são socialmente típicos
contratos cuja regulamentação não se encontra na lei, mas os sujeitos
recorrem-se deles com frequência (como o franchising).
 Contratos nominados e atípicos – contratos relativamente aos quais o
legislador deu um nome, mas não estabeleceu o seu regime (ex.: swaps);
 Contratos legalmente e socialmente atípicos- contratos que não se
enquadram em nenhuma das categorias anteriores, nem estão previstos na
lei, nem são utilizados pelos sujeitos com grande frequência. Este tipo, é
importante em qualquer espaço do Direito Privado, porque significa a
possibilidade da pessoa moldar o contrato nas suas possibilidades e
interesses.

Estes contratos comerciais estão sujeitos aos limites à liberdade contratual e


onde é que encontramos esses limites? No regime da Cláusulas Contratuais
Gerais - estes não têm como base a natureza dos contratos, daí aplicarem-se a todos.
Os contratos a que se aplicam este regime não são todos, mas sim grande parte dos
contratos comerciais.
O que é que diz o regime das Cláusulas Contratuais Gerais? Tem duas
seções:

2019/2020 Rita Nina – FDUC 66


➢ uma que regula as relações entre comerciantes/empresas (artg.17º e ss) – as
clausulas absolutamente proibidas (artg.18º) e as clausulas relativamente
proibidas (19º).
➢ uma que se aplica para as relações com os consumidores finais (artigo 20º e
ss). Aplicam-se a estes últimos as proibições dos artigos anteriores e
acrescem ainda, por força do artg.20º, as clausulas absolutamente proibidas
(21º) e relativamente proibidas (22º) nas relações com consumidores finais.

Pergunta-se agora, quais são as fontes dos contratos comerciais?


Fontes internas
a) Autonomia privada
Todo o direito dos contratos, como é sabido, encontra-se dominado pelo
princípio da autonomia privada. Isso aparece logo consagrado pelo legislador
português no art.405º/1 CC. Esta ideia acabou por ter um papel fundamental na
evolução dos contratos e da contratação mercantis:
Por um lado, semelhante autonomia privada tem sido a principal responsável
pelo incessante movimento de renovação do próprio quadro dos contratos
comerciais singulares, seja através da modificação dos tipos contratuais
consagrados na lei, seja através da criação de novos modelos ou mesmo novos tipos
contratuais (ex.: franchising)
Por outro lado, há que ter em atenção que a autonomia privada tem ainda o
significado fundamental de que, serã o as partes a estabelecer o concreto conteúdo
das relações jurídicas, convertendo-se por isso, os direitos e obrigações validamente
constituídos ao abrigo de acordos entre si na chamada verdadeira “lex inter partes”.
b) Leis e regulamentos
Devemos por isso, ter em atenção, para a generalidade dos contratos:
 Normas do Código Comercial (incluindo as disposições gerais dos “contratos
especiais de comércio” – art.96º a 103º - e as normas especiais estabelecidas
a propósito de cada contrato comercial singular – arts.231º a 484º);
 Normas do Código Civil (nomeadamente, os preceitos relativos aos “negócios
jurídicos” – arts.217º a 294º - e aos contratos em especial – arts.824º a
1250º);
 Normas consagradas em legislação extravagante e em regulamentos,
nomeadamente:
2019/2020 Rita Nina – FDUC 67
o Código das Sociedades Comerciais
o Código do Mercado de Valores Imobiliários
o DL no 178/86 (que veio regular o contrato de agê ncia), etc.
c) Usos mercantis
Os usos mercantis (comportamentos ou práticas reiteradas no mundo dos
negócios, reveladores da observância uniforme e generalizada de regras de
conduta) são também uma importante fonte da regulação dos contratos. São, assim,
extremamente frequentes as remissões para os “usos” feitas pelas normas legais
sobre contratos comerciais. Exemplos: artg.231º/1; 382º; 399º CCom.
Por outro lado, mesmo no silêncio da lei, não está excluído que os usos
mercantis possam ter relevo jurídico como elementos auxiliares de interpretação e
integração dos contratos comerciais (ex.: clausula de boa cobrança).
Fontes internacionais
1) Direito Comercial Internacional e Europeu
O direito mercantil é muito dado a uma tendencial uniformização, pois facilita
muito a celebração de contratos entre comerciantes de países diferentes, pois ao ser
muito diferente iria fazer com que os comerciantes receassem celebrá-los por ter de
se submeter a um direito “desconhecido”. Tentou, assim, fazer-se uma lei que se
aplica independentemente do país do comerciante. A CCI esforçou-se por fazer leis-
modelo, um regime modelo que os empresários possam adotar, bem como tentou
fazer-se essa uniformização perante os usos. No Direito dos Contratos Comerciais,
nomeadamente os atípicos, é muito importante a exigência desta uniformização.
Não surpreende, assim, que uma das mais significativas linhas de evolução tenha
justamente consistido no aumento exponencial de normas jurídicas de origem
supraestadual que visam a uniformização, coordenação ou aproximação do direito
aplicável aos contratos mercantis.
Estão nesta situação, desde logo, diversas convenções internacionais de cuja
esmagadora maioria, Portugal é signatário:
 Convenção de Haia de 1964;
 Convenção de Viena de 1980;
 Convenção de Roma de 1980;
 Convenção de Otawa de 1988;
 Convenção de Nova Iorque de 1988, etc.

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Porventura, mais relevantes são ainda, em virtude da inserção portuguesa na UE,
as várias normas comunitárias de harmonização dos direitos europeus, as quais, em
grande parte, são dedicadas à matéria dos contratos mercantis.
b) “Lex Mercatoria”
A terminar, não poderia faltar uma referência àquela que constitui uma
“fonte” emergente do Direito Comercial, verdadeiramente única e distintiva da sua
natureza – a chamada “lex mercatoria”.
Com efeito, a referida internacionalização e globalização das transações
comerciais, foi sendo acompanhada pela criação e sedimentação de um acervo
estável de normas criadas pelas próprias empresas e aplicáveis às suas relações
contratuais transnacionais. Ora, tais normas materiais, uniformes e objetivas,
produto espontâneo da autoregulaçã o das partes contratantes à margem de uma
mediação estadual, representam hoje o típico “húmus” em cujo seio germina e se
desenvolve a contratação mercantil num mundo econó mico globa- lizado.
Entre as componentes mais relevantes desta emergente “lei universal dos
mercadores”, destacam-se os usos mercantis internacionais coligidos e aprovados
por organizações internacionais, os princípios gerais em matéria contratual
elaborados por peritos nacionais reunidos sob a égide de organizações
internacionais e os diversos modelos contratuais, leis-modelo e códigos de conduta,
aprovados por organismos cooperativos ou profissionais.
Exemplos de usos mercantis internacionais: “incoterms” (International
Commercial Terms – regras internacionais de interpretação uniforme da
terminologia contratual comercial).

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Tipos de contratos
2.- Contratos de troca
2.1.- Compra e venda (CV) (artg.463º CCom)
Relativamente aos contratos que são objeto de tipificação e de regulação do
CC, pressupõe-se a definição de direito civil e acrescenta-se as notas específicas de
comercialidade – características adicionais que tornam aquele contrato em contrato
comercial sujeito a disposições especiais. É o que acontece com o contrato de
compra e venda, cuja definição está presente no artg.463º CCom: contrato que
preenche os requisitos do artg.874º CC e que preenche ainda o requisito adicional
de comercialidade. Tendo em conta o disposto no artigo, a nota diferenciadora do
contrato comercial face ao civil, reside no intuito de revenda que subjaz ao momento
aquisitivo do negócio.
A compra e venda mercantil constitui, provavelmente, o contrato mais
relevante do elenco legal do Livro II do CCom – “é o contrato máximo do comércio –
é a sua mola impulsionadora “(Luiz Costa Gonçalves).
Requisitos
O artg.463ºCC qualifica como mercantil os seguintes negócios de compra e
venda:
 A compra de bens móveis para revenda ou aluguer (como estes foram
adquiridos ou “trabalhados”, no sentido de que o objeto das alterações não
poder ter alterado a essência do bem);
 A compra para a revenda de fundos públicos e títulos de crédito;
 A veda de bens móveis, fundos públicos e títulos de crédito, que tivessem sido
adquiridos para revenda;
 A compra, para a revenda, de bens imóveis, bem como as respetivas
revendas;
 A compra e venda de participações de sociedades comerciais;
Ora da letra do artigo em questão, resulta claramente, que o intuito de revenda
presente no momento da compra é condição necessária e suficiente da
comercialidade. A não concretização do intuito é irrelevante para a qualificação, do
mesmo modo de que, o intuito formado ulteriormente à compra é também
irrelevante. Tal é assim, uma vez que, as operações de aquisição ou de alienação das

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coisas são realizadas com vista a um emprego lucrativo ou especulativo
(normalmente, para revenda e aluguer) e já não com a finalidade de uso
privado/doméstico.
O intuito também não tem que estar revelado no ato (e muito menos no
documento em que ele estiver inscrito). O intuito pode ser provado com recurso a
elementos exteriores ao ato. Deve, porém, ser revelado pelo menos nas
circunstâncias que o rodeiam, em termos de ser percetível para a outra parte.
Ou seja, do que foi dito podemos concluir que um mesmo contrato pode ser
qualificado como civil por um lado, e comercial por outro. No entanto, mesmo em
casos mistos, a regra é de aplicação integral ao contrato do regime mercantil, exceto
quanto às disposições que apenas se verificam ao ato mercantil (99º).
Por último, o artg.464º também indicou as situações em que uma compra e
venda não é considerada comercial:
 Compras destinadas ao fim ordinário de uso pessoal ou familiar do
comprador ou, genericamente, qualquer outro fim ou emprego não lucrativo
da coisa comprada;
 Compra ou vendas relativas a atividades económicas agrícolas, pecuárias e
artesanais.
A tripla possibilidade de regime
Atualmente, temos três regimes a regular o contrato de CV. Três regimes que
significam o quê?
 Quando o senhor António vender ao Belmiro um automóvel velho que tem
na garagem, não é nenhum comerciante → logo, estamos perante uma
compra e venda civil.
 A tem um carro velho e vende a B que tem um stand- este último vai comprar
o carro para revender. O ato de comércio está do lado que vai comprar e não
vender- é um ato comercial unilateral. CV comercial
 A, dono de um stand, está a vender um carro a B, que tem uma fábrica. Neste
caso, temos dois lados comerciais, logo é uma CV comercial.
 A, dono de um stand, vende um carro a B que é um menor, não é comerciante,
nada. Esta é uma CV de bem de consumo. Pois está a ser feita por um
profissional a um consumidor, assim aplica-se é o regime desta CV. É o
terceiro regime.

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Modalidades
As modalidades especiais da compra e venda mercantil previstas no CCom são
a compra e venda para pessoa a nomear (art.465º CCom), de bens futuros, alheios e
incertos (art.467º), sobre amostra (art.469º), a contento (art.470º) e por conta, peso
e medida (art.472º).

A. Compra e venda de bens futuros

Um bem futuro, trata-se de um bem que materialmente ainda não existe; existe,
mas não na titularidade do vendedor; ou de existência ou de titularidade incerta.
Um bem é relativamente futuro quando ainda não existe na esfera jurídica do
exponente, mas ele tem a legítima expectativa de o adquirir. Uma bem é
absolutamente futuro quando não existe, mas é esperada. Um bem é alheio quando
já existe, mas na esfera jurídica de outrem e não há legítima expectativa de o vir a
adquirir.
Em geral, no âmbito das relações de direito privado, é permitida a compra e
venda de bens futuros, quer relativamente futuros, quer absolutamente futuros.
Existem, contudo, diferenças entre o direito civil e o direito comercial:

➢ A venda de bens relativamente futuros:


o No direito civil, apenas é válida, se no contrato ficar estabelecida que
“as partes os consideram nessa qualidade (de alheios” – 893º CC.
Sendo assim, será nula, por exemplo se o adquirente desconhecia que
o bem pertencia a terceiro na data do CV.
▪ Existe aqui apenas uma mera obrigação de meios, presente no
artg.880º: o vendedor tem de exercer as diligencias
necessárias para que o comprador adquira os bens. Apenas
haverá responsabilidade civil, se o ato for nulo, por ser uma
pura venda de bens alheios.
o Já no direito comercial, prevê-se a validade do contrato
independentemente de tal requisito (que o adquirente conheça a
qualidade do bem futuro). Isto porque, o trafico mercantil, assente na
rápida circulação de bens e vendas de grande risco, impõe a ampla
possibilidade de venda de bens futuros.

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▪ Porém o vendedor fica obrigado a convalidar o negócio e a
entregar a coisa ao comprador, sob pena de incorrer em
responsabilidade contratual (467º CCom) – se o resultado,
transmissão e entrega de bem, não se produzir. A sua
obrigação não é apenas de meios, mas de dare.
➢ Na venda de bens absolutamente futuros, não há especificidades: a lei
comercial permite-a, mas não lhe associa quaisquer efeitos de regime
especial. Funciona assim a regra do 880º/1.
B. A compra e venda de bens por designação de padrão ou amostra

Uma terceira modalidade especial é a compra e venda sobre amostra


(art.469º CCom). São também frequentes na atividade comercial os contratos em
que, no momento da celebração, o vendedor se limita a identificar o produto
mediante exibição de uma “amostra da fazenda” ou através de “qualidade conhecida
no comércio”.
Esta modalidade também encerra particularidades:

➢ No direito mercantil, a eficácia do negócio fica sujeita à condição suspensiva


da conformidade do bem entregue com a amostra apresentada ou qualidade
descrita – 469º CCom. Caso não se verifique a condição, o contrato não irá
produzir os seus efeitos.
➢ No direito civil, o negócio permanece eficaz, aplicando-se-lhe as regras da
venda de coisas defeituosas – 913º CCom.

Além disso, em homenagem aos interesses da segurança das transações


comerciais, tenha-se em conta que o negócio mercantil se torna perfeito sempre
que o comprador não tenha reclamado de eventual desconformidade da coisa
vendida no ato da respetiva entrega (caso as tenha examinado nesse momento) ou
no prazo de 8 dias (no caso de falta de exame ou de exame posterior) – art.471º
CCom.

C. Compra e venda a contento

A compra e venda também pode ser feita sobre coisas que não estejam à vista,
artigo 470º. Esta trata-se da compra e venda a contento, que consiste numa compra
2019/2020 Rita Nina – FDUC 73
e venda mercantil elaborada sob a condição de o bem vendido agradar ao
comprador. Por exemplo, eu vou comprar 10 caixas de pêra rocha – numa compra e
venda comercial, se eu não tiver a coisa à vista, se eu recebi a pera rocha e se elas
não tiverem sabor, ou forem demasiado pequenas, por exemplo, eu tenho o direito
de livremente renunciar ao contrato.
Esta modalidade não se confunde com a venda mercantil sobre amostra
(art.469º), diferenciando-se desta, fundamentalmente, pelo tipo de condição
negocial subjacente: ao passo que, na venda sobre amostra, o negócio fica sujeito à
condição suspensiva e objetiva da não reclamação de desconformidade do bem
(art.471º CCom), na venda a contento, o negócio encontra-se subordinado à
condição resolutiva e discricionária da aprovação do comprador.
Por outro lado, ela também não se confunde com a venda civil a contento
(arts.923º e 924º CC): com efeito, na figura comercial, quando esta tenha por objeto
coisas não à vista ou não determináveis por qualidade conhecida no comércio, a
condição vale automaticamente por força da própria lei, sendo ainda que o direito
de resolução se encontra sujeito ao regime do já citado art.471º CCom.
Especialidades do regime jurídico
Preço
É sabido que na compra e venda, tanto comercial como civil, o preço pode ser
determinado ou meramente determinável segundo critério fixado pelas partes ou
por terceiro designado (art.466º CCom e arts.400º e 883º CC).

➢ No direito civil, a falta absoluta de um modo de determinação do preço não


afeta a existência e a validade do contrato, sendo aquele obtido mediante
recurso aos critérios previstos no artg.833º/1 (em última instância vale o
preço fixado pelo tribunal).
➢ No direito comercial, a omissão da fixação do preço pelo terceiro designado,
tem como consequência supletiva a própria inexistência do contrato
(466º/2).

Entrega
Quanto ao prazo de entrega:
➢ No direito civil, a coisa vendida deve ser entregue ao comprador na data
acordada. Caso esta não seja estabelecido, o comprador querendo obter o

2019/2020 Rita Nina – FDUC 74


bem tem de fazer a chamada interpelação do vendedor para cumprir (por
exemplo, “dou-lhe 4 dias para me entregar o bem”).
➢ No direito comercial (artigo 473º):
o As coisas compradas à vista, devem ser entregues num prazo máximo
de 24 horas após a celebração do contrato – 473º CCom.
o As coisas não à vista, devem ser entregues no prazo que for
judicialmente fixado – 473º § único CCom.
A diferença de regime do civil para o comercial, justifica-se porque o regime
do civil mostrar-se-ia inadequado para as transações comerciais, onde a celeridade
e a segurança são importantíssimas.
O artg.475º acrescenta ainda que, nos casos de venda em feira ou de mercado,
aquela deve ser cumprida no próprio dia ou, o mais tardar, no dia seguinte ao da
conclusão contratual, havendo-se o contrato sem efeito se os prazos expirarem, sem
que qualquer dos contraentes tenha exigido o seu cumprimento.
Efeitos sobre terceiros
Vamos imaginar que A vende a B e faz uma venda em anónimo, isto porque o
bem não é de A. B tendo comprado a A, é agora desapossado do bem que adquiriu
de A. No plano de direito reais, a coisa não é de B, ele é desapossado. Quando isto
acontece é evidente que o valor que B pagou a A tem de ser ressarcido a B, este não
pode ficar sem a coisa e sem o dinheiro.
➢ No caso de direito civil, quando B passa por isto ele vai ter o direito de
receber o valor que pagou de A, ou seja, num contrato de compra e venda civil
B perde o bem para o verdadeiro proprietário, mas é a A que tem de exigir o
dinheiro que pagou. O B não tem de resolver as coisas com o proprietário (o
terceiro) porque a compra não foi feita a ele.
o O terceiro que adquire a non domino, caso tenha lugar a reivindicação
da coisa, terá de ser ressarcido pelo vendedor do montante que tiver
pago.
➢ No direito comercial, artigo 1301º, B tendo intervindo num ato de comércio,
está mais protegido. Se A não for o dono da coisa, B sujeita-se a perder a
coisa, mas recebe, em troca, do proprietário o valor da coisa. Eu, comprador
comercial, como comerciante, não corro o risco de ficar sem a coisa e sem o
dinheiro, ou fico com a coisa, ou fico sem a coisa, mas fico com o dinheiro.

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o O adquirente (de boa fé) de um bem a comerciante terá, em caso de
reivindicação da coisa por um terceiro, direito a receber deste o valor
pago ao comerciante (artg.1301º CC): aquele que adquiriu o bem ao
comerciante, ao ser desapossado, há-de receber o montante que
pagou pela aquisição, não correndo o risco de, perdendo o bem, não
lograr ser ressarcido pelo comerciante-vendedor.
Trata-se de uma norma onde afloram claramente os interesses da segurança e
da tutela da aparência do tráfico comercial: as compras e vendas subjetivamente
mercantis que incidam sobre bens cuja titularidade pertence a terceiro atribuem ao
comprador de boa-fé o direito legal a reaver o montante desembolsado diretamente
do titular, fazendo recair sobre este ú ltimo o correspondente ónus financeiro
transitório.
Notas distintivas da compra e venda de bens de consumo
Relativamente, aos CV de bens de consumo, estes têm um regime de direito
civil, mas são parcialmente comerciais porque do outro lado está um profissional.
Na compra e venda de consumo o legislador facilita a vida ao consumidor
porque estabelece uma presunção de não conformidade dos bens que compra.
Por exemplo, eu vou a uma loja e dizem-me que o bem é este, mas agora há uma
desconformidade, por exemplo, o material utilizado é diferente. Esta
desconformidade significa uma desconformidade essencial, presume-se que a
diferença que existe é uma diferença que atribui ao consumidor o direito de
extinguir a relação. No direito de consumo o bem que é apresentado ao consumidor
deve ser igual àquele que vai ser vendido. DL 167/2003, artigo 2º, nº2. (No direito
comercial a publicidade, nos termos da lei, integra o conteúdo contratual).
Quando há uma presunção de desconformidade há consequências: Em caso de
falta de conformidade, tem se o direito de exigir a reparação, a substituição, redução
do preço, ou a resolução do contrato. Estes direitos do consumidor não têm nada a
ver com o direito dos contratos, neste âmbito, o comprador tem direito ao
cumprimento contratual e se não houver este cumprimento, então, segue-se a
resolução do contrato.
Caso 15- O caso do agente sem poderes de representação
Em 1 de outubro de 2019 o mesmo Alberto foi contactado por Carlos, que lhe disse
ter celebrado com aquele um contrato de compra e venda de várias toneladas de
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sardinhas de conserva com molho de tomate e que as vinha buscar. Alberto, que
desconhecia o assunto de que lhe falava Carlos, foi confrontado com um documento
em que Bernardo atuara como tendo poderes de representação de Alberto e
concluíra, em nome deste, o mencionado contrato de compra e venda.
Como Alberto celebrara com Bernardo um contrato de agência sem poderes de
representação, recusa-se a entregar as conservas a Carlos, considerando que nada
tinha a ver com o referido contrato. «Vai ter com o Bernardo e ele que te arranje as
conservas», disse Alberto a Carlos.
Sucede, porém, que Carlos já antes celebrara outros contratos idênticos por
intermédio de Bernardo que foram depois cumpridos por Alberto. Tais contratos
foram, inclusivamente, celebrados nas instalações de Alberto e durante o horário de
expediente, à vista de todos. Foi, aliás, por Bernardo lhe dar a provar ali as conservas
que Carlos se deixara convencer.
Quem tem razão?
Resolução-Temos um contrato de compra e venda de conservas em que o
agente se arrogou de poderes de representação, apesar de não os ter. Vai produzir
efeitos? Vai vincular Alberto? À partida um contrato celebrado por um agente sem
poderes de representação é um contrato, como resulta do artigo 22º, fica sujeito ao
regime do artigo 221º CC. Os atos que pratica invocando essa qualidade de
representante são ineficazes. No entanto, o artigo 23º fala da representação
aparente – temos um regime que não existe para proteger o agente sem poderes de
representação, existe sim para proteger o terceiro, contudo, é um regime exigente.
Temos exigências relativas às circunstâncias em que o negócio foi celebrado, e são
também relevantes as circunstâncias relacionadas com a atuação do próprio
principal, é necessário algo do principal, isto é, que ele tenha contribuído para a
fundar a confiança do terceiro.
Antes de mais o contrato foi celebrado nas instalações de Alberto e isto só
por si é suscetível de formar alguma confiança no terceiro. Para além disto, também
já havia outros contratos celebrados nas mesmas circunstâncias e que Alberto
cumpriu. Neste caso, a confiança do terceiro teria razões objetivas para ser
protegida. Justamente porque o Alberto foi cumprindo esses contratos anteriores,
Alberto contribuiu para fundar essa confiança. Olhando para este regime até
podemos achar que nem era necessário, atendendo às circunstâncias relatadas

2019/2020 Rita Nina – FDUC 77


poderia invocar-se o regime do abuso do direito por Alberto. Este regime parece ser
aplicável a contratos que decorram em circunstâncias análogas.
Caso 16- As fechaduras que não fechavam
A X, Lda, comprou sobre amostra (e depois de verificar o correto funcionamento da
amostra), em 1 de setembro de 2019, para revender no seu estabelecimento, 200
fechaduras para portas que a Z, S.A. lhe vendeu depois de as ter importado da China,
tendo a mercadoria sido entregue à X, Lda., no dia 1 de outubro. Hoje de manhã, o
gerente da X, Lda, ao abrir as embalagens, verificou que as fechaduras mencionadas
tinham um defeito de fabrico que não permitia que a chave rodasse. Aquele gerente
pretende agora obter uma indemnização pelo incumprimento do contrato. O que lhe
diria?
Resolução - Temos aqui uma compra e venda comercial de coisas móveis –
compra para revenda de coisas móveis – e é uma compra sobre amostra. Artigo 469º
e 471º CCom – neste caso, ele não examinou as embalagens que foram entregues a
1 de outubro e não as examinando nessa data só tem um prazo de 8 dias para o fazer.
Hoje quando ele examinou as embalagens já nada pode fazer, o prazo já passou.
Contudo, pode haver circunstâncias extraordinárias que tornem impossível essa
examinação, podendo tornar razoável a prorrogação do prazo.
Caso 17- O consumidor desatento
A X, Lda, vendeu a Carlos, funcionário público, uma outra fechadura que este último
pretendia colocar na sua quinta da Beira. No feriado de 5 de outubro, Carlos foi à
terra e montou a fechadura. Porém, verificou que a mesma… Não fechava. No
primeiro dia útil seguinte, Carlos reclamou junto da X, Lda, exigindo a devolução do
dinheiro que pagara.
Porém, o gerente da X, Lda, recusa-se a satisfazer a pretensão de Carlos. Alega aquele
que:
a) Nada prova que a fechadura estivesse avariada quando foi comprada em 5 de
janeiro de 2019;
b) De qualquer modo, o prazo de seis meses para denunciar o defeito já passou
há muito;
c) Mesmo que assim não fosse, Carlos deveria primeiro pedir a reparação da
fechadura e só se tal reparação não fosse possível é que poderia pedir a
substituição.
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Será assim?
Resolução - A questão da prova é um dos grandes problemas com que os
consumidores se confrontam. Hoje em dia, grande parte da atividade das empresas
(de retalhe) está em contacto com os consumidores, assim lidam com o direito do
consumo, que introduz vários desvios ao direito comercial. Temos uma parte que
utiliza estratégias mais sofisticadas e outra parte que acaba por estar mais fraca,
também por ter menos informação (consumidor). Quem tem informação consegue
sempre estar um passo à frente na negociação.
Aqui estamos a falar de uma compra e venda, e como tal temos de lidar com
o decreto lei 67/2003.
 Primeiramente, temos de identificar o sujeito como consumidor, sendo que
o artg.1º diz que tem de adquirir, mas para uso não profissional, por isso
desde logo vemos o 1º requisito cumprido.
 Esta é uma sociedade por quotas, por isso vai ter por objeto uma atividade
económica (fim lucrativo). Está preenchido também este requisito.
a)
Relativamente à primeira objeção. O consumidor vai ter aqui alguma proteção.
O consumidor normalmente vai fazer a aquisição, sem se fazer acompanhar pelos
meios de prova que podem vir a ser uteis no futuro. Quem vai comprar um
computador, telemóvel, muitas vezes até é levado pelo impulso, por isso não faz a
aquisição rodeado com os meios de prova. O artg.3º, diz-nos que as faltas de
conformidade, que se manifestem no prazo de 2 (móveis) ou 5 anos (imóveis),
presume-se existentes já na data da entrega. Isto é importante, porque muitas vezes
o vendedor tem a tendência de não quererem assumir a responsabilidade do defeito.
Assim, temos esta presunção legal, funcionando como uma proteção dada ao
consumidor. Por isso, o vendedor é que tinha de provar que à data da entrega não
tinha o defeito (até porque muitas vezes o vendedor tem mais disponibilidade para
conseguir fazer essa prova, por exemplo, ele pode ter uma máquina calculada para
se acautelar) – isto é um exemplo da falta de igualdade de planos em que as partes
estão.
b)
Evidente que, podemos perguntar porque é que o vendedor vem indicar este
argumento (o prazo de 6 meses para denunciar o defeito já passou). Eventualmente,
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a razão apresentada poderia ser pelo artg.916º CC relativamente à compra e venda
civil, sendo que, a entrega do bem ocorreu a 5 de Janeiro de 2019, o prazo de 6 meses
de facto, já passou.
No entanto, também no DL estabelece no artg.5º, um prazo de garantia de 2 anos,
mas outra coisa é um prazo para denunciar o defeito, sendo este o prazo de 2 meses
a contar do momento em que se apercebeu do defeito (desde que dentro dos dois
anos de garantia). O prazo de 2 meses ainda não tinha passado, e ainda estava dentro
dos dois anos de garantia.
 Nota: Passado o prazo de 2 anos, tem-se o problema de provar que o defeito
ocorreu ainda dentro dos dois anos. Se fizer a denuncia dentro dos dois anos
está-se muito mais acautelado.
Atenção que a garantia de dois anos, poderá ser reduzida a um ano com o
acordo das partes (na verdade está-se a reduzir a proteção do consumidor).
c)
Ora, também isto é regulado no DL no artg.4º, sendo que este estabelece as
várias alternativas ao dispor do consumidor: por um lado pode pedir a reparação,
pode pedir a substituição ou a resolução do contrato (o consumidor pode exercer
qualquer destes direitos). Carlos ao pedir a devolução do dinheiro, não está
expressamente a pedir a resolução do contrato, mas implicitamente é isso que Carlos
tem que dizer.
2.2.- O contrato de permuta (ou escambo) – artg.463º CCom
Designa-se por troca mercantil ou escambo: o contrato pelo qual as partes
transferem reciprocamente a propriedade de coisas ou outros direitos destinados a
uma atividade comercial ou com intuito lucrativo, inexistindo qualquer pagamento
de um preço.
Esta figura contratual encontra-se exclusivamente prevista no CCom no
artg.480º, e o seu traço distintivo além da finalidade comercial ou lucrativa
subjacente, reside na ausência de um preço. A troca ou escambo esgota-se na mera
“permuta de utilidades” sem qualquer objeto de natureza monetária.
Ao fim ao cabo, a troca comercial, tratando-se do contrato mais antigo
conhecido, continua a ser bastante utilizadas no âmbito de atividades comerciais,
exemplos:

2019/2020 Rita Nina – FDUC 80


 Operações de “swap” –Esta trata-se de uma operação em que há troca de
posições quanto ao risco e à rentabilidade entre investidores. Por exemplo,
quando chove no algarve, os donos dos hotéis recebem muito menos, por sua
vez, a EDP recebe muito quando chove porque produz muita eletricidade. Se
estas duas partes fizerem um contrato de SWAP, quando chove muito a EDP
que está a receber muito dá uma determinada quantia aos donos dos hotéis,
que estão a receber muito pouco. Por outro lado, quando está sol, já são os
donos dos hotéis a receber muito e a EDP a ganhar pouco e, portanto, os
donos dos hotéis dão dinheiro à EDP.
 Operações de troca de valores mobiliários;
 Operações de “switch”;

O legislador omitiu um regime próprio para troca mercantil, limitando-se a


mandar-lhe aplicar remissivamente as normas sobre a compra e venda mercantil
(art.480º CCom). São assim aplicáveis, mutatis mutandis:

 Regras comuns que não pressuponham a contraprestação em dinheiro


(arts.874º e ss CC);
 Regras específicas relativas à obrigação de entrega (art.473º CCom) e ao
cumpri- mento contratual (arts.468º a 474º CCom).

2.3.- Locação mercantil


Designa-se por locação mercantil o contrato pelo qual uma das partes se
obriga a proporcionar à outra, mediante retribuição, o gozo temporário de uma
coisa móvel, imóvel ou “sui generis” destinada ou afeta ao exercício de uma
atividade comercial.
A figura da locação mercantil está prevista nos arts.481º e 482º CCom.
Contudo, esta previsão legal refere-se apenas ao aluguer mercantil, tendo sido
configurada de forma particularmente redutora:

 Apenas se refere à locação de coisas móveis (“aluguer”) e não de imóveis


(“arrendamento”);

2019/2020 Rita Nina – FDUC 81


 Aparece intimamente associada à compra e venda mercantil, na medida em
que a mercantilidade do aluguer pressupõe que a coisa alugada tenha sido
comprada com esse fim (arts.481º e 463º/1 in fine CCom);
 Não lhe foi tão-pouco associado um regime legal próprio, limitando-se o
legislador comercial a remeter para as disposições gerais aplicáveis
(art.482o CCom), ressalvando o caso particular de fretamento de navios.

Tal visão redutora foi ultrapassada pela evolução económica e legal:

 Por um lado, paralelamente ao aluguer mercantil do art.481º CCom, deve


ter-se em conta a existência de um número crescente de contratos de
aluguer atinentes ao tráfico comercial, sujeitos a regulação própria (ex.:
aluguer de cofre-forte ou a locação financeira);
 Por outro lado, devem hoje considerar-se igualmente como formas
relevantes de locação mercantil, para além do aluguer mercantil, o chamado
“arrendamento comercial” (contrato pelo qual o titular de prédio urbano ou
rústico, mediante retribuiçã o, concede temporariamente ao titular de uma
empresa o respetivo gozo para a exploração desta – arts.1108º a 1113º CC)
e a “locação empresarial” (contrato de transmissão temporária e onerosa do
gozo de uma empresa – art.1009º CC).

2.4.-Contrato de reporte
Designa-se por contrato de reporte o “contrato de compra a contado de títulos
de crédito, valores mobiliários ou outros instrumentos financeiros, e de revenda
simultânea a termos desses títulos ou valores, por preço determinado ou
determinável, sendo a compra e revenda feitas à mesma unidade”.
Por exemplo, eu tenho 1 milhão de ações numa sociedade, se eu der ao banco
em garantia as ações, eu continuo a ser sócio e elas são minhas, mas apenas estão
como garantia ao banco. O banco pode dizer que me empresta 1 milhão de euros e
para o banco as ações são garantia. Mas o banco pode querer comprar as ações por
1 milhão de euros e daqui a 2 anos (data em que eu teria de pagar o empréstimo) o
banco revende-me as ações por 1 milhão e 200 mil euros (valor do juro
correspondente ao empréstimo). Eu que tinha as ações e tinha financiamento, fiquei
com dinheiro, fiquei sem as ações durante 2 anos e daqui a 2 anos volto a tê-las
2019/2020 Rita Nina – FDUC 82
pagando ao banco aquele valor. Assim, o banco fica formalmente como proprietário
das ações naqueles 2 anos, em vez de ser apenas credor garantístico. O banco não é
credor penhoratício porque o credor penhoratício não fica com a coisa para si,
materialmente, eu faço uma alienação como garantia. Logicamente, que se eu não
tiver o dinheiro para pagar ao banco as ações, ao cabo de 2 anos, eu não fico com as
ações.
A figura encontra-se prevista nos artg.477º a 479º CCom e pode revestir
diversas modalidades:
➢ Quanto à natureza:
o Reporte bancário: realizado no mercado bancário por instituições
creditícias;
o Reporte financeiro: realizado no mercado de capitais por
intermediários financeiros;
➢ Quanto à sua função:
o Pode assumir finalidades creditícias (que o aproximam de um
empréstimo garantido);
o Finalidades especulativas (perseguindo o lucro resultante de
eventuais referenciais entre os preços de compra e revenda de títulos,
valores ou instrumentos);
o Finalidades protetoras (visando a cobertura do risco de oscilações
negativas do preço ou cotações dos títulos, valores ou instrumentos).
➢ Quanto ao prazo:
o Reporte diário: a revenda é feita no prazo de um dia;
o Reporte a termo certo: a revenda é feita num prazo superior a um dia
o Reporte aberto: a revenda é feita num prazo que se renova
diariamente.
➢ Quanto aos seus efeitos:
o Reporte em sentido estrito: o preço da retransmissão é mais elevado
do que o da sua transmissão;
o Deporte: o prelo da retransmissão é mais baixo do que o da
transmissão;
O regime legal do reporte caracteriza-se por vários traços fundamentais:

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 É um negócio complexo e unitário, constituído por operações simultâneas
de compra e venda a contado e a prazo em que uma das partes, o “reportador”
(aquele que dá o dinheiro e recebe os títulos), compra e revende firme a
prazo, enquanto que a outra, o “reportado” (que dá os títulos e recebe o
dinheiro), vende a pronto e recompra a termo.
 Apesar da referência restritiva do legislador (art.477º CCom), o objeto do
reporte pode consistir em títulos de crédito, valores mobiliários ou mesmo
instrumentos financeiros (ex.: ações, unidades de participação, obrigações de
caixa, etc.), em- bora a respetiva revenda deva ser feita em títulos, valores ou
instrumentos da mesma espécie.
 O reporte é um negócio real quanto à constituição, o que significa que a
sua validade está dependente da entrega real ou “traditio” dos títulos, valores
ou instrumentos (art.477º §ú nico), passando a caber ao reportador a
titularidade efetiva, embora temporária, do direito de propriedade sobre
estes (sendo-lhes, pois, lícito aliená -los, onerá -los ou dispor deles por
qualquer forma até à data da revenda) e dos respetivos direitos acessórios
(direitos sociais ou mobiliários, juros, ou outras vantagens inerentes aos
títulos, valores ou instrumentos reportados – art.478oCCom), exceto quando
exista convenção em contrário e ressalvados os limites gerais da lei.
Caso 18-
Resolução - Antes de mais, é necessário classificar o tipo de contrato em causa
– contrato a reporte. Está regulado nos artg.477º e ss. As compras a contado
opõem-se às contas a prazo. O reporte muitas vezes serve como garantia, ou seja, o
reporte pode funcionar como garante do empréstimo ao banco. Por isso é que depois
a revenda é feita não no preço inicial, mas a 12 euros.
Atenção que o reporte distingue-se dos “repurchase agreement”: a grande
diferença está no reporte no sentido estrito, em que temos em simultâneo uma
compra e venda e uma compra e venda a termos; no repurchase, temos uma compra
e venda a contado e celebra-se também um acordo para no futuro a termo,
celebrarmos a compra e venda de sentido contrário – neste momento não estão
celebrado as duas compras e vendas, há um acordo para a recompra (compra e
venda).

2019/2020 Rita Nina – FDUC 84


Diferente desta figura também é o chamado, empréstimo de valores mobiliários:
o empréstimo pode ser translativo da propriedade, porque normalmente
associamos ao empréstimo uma relação meramente obrigacional. Vamos supor que
alguém tem a expectativa, a previsão de que um determinado instrumento
financeiro, vai ver a sua cotação a descer. Quem tem essa expectativa ao futuro, pode
pedir emprestado valores dessa espécie, mas esta possibilidade do empréstimo ser
translativo da propriedade, vai-lhe permitir vender esses valores mobiliários. Como
ele prevê que a cotação vai descer, ele agora pede emprestado, mas como é
emprestado com translação da propriedade ele vende-os agora por 10, para ter de
comprar daqui a um mês por 5, para os devolver a quem o emprestou. Quando eu
peço um empréstimo, embora ele tenha a propriedade ele não ter de pagar a
totalidade do preço, porque quem empresta vai estar disposto a emprestar por um
valor muito inferior ao preço da compra. Isto permite a chamada “alavancagem”.
3.- Contratos de distribuição
No âmbito dos contratos de distribuição, vamos considerar apenas os
contratos de agência, de concessão e de franquia. Sublinhamos apenas porque eles
não esgotam as modalidades possíveis de contratos de distribuição. Constituem, em
todo o caso, as espécies mais frequentes e de maior relevo na atualidade.
Dos três contratos de distribuição em análise, só a agência dispõe de regime
jurídico próprio, consagrado no DL no178/86, de 3 de julho. Os contratos de
concessão e de franquia, pese embora a sua indiscutível tipicidade social,
permanecem como contratos legalmente atípicos.
Assim sendo, quanto ao seu regime, será de atender a vários fatores:
 As cláusulas acordadas pelos contraentes, desde que lícitas;
 Princípios gerais do direito dos contratos e do negócio jurídico,
designadamente, no que toca à capacidade dos sujeitos, à declaração
negocial, à formação do contrato, ao objeto, ao cumprimento e não
cumprimento e à conduta das partes;
 Disposições comunitárias atinentes à defesa da concorrência;
 Regime das cláusulas contratuais gerais (este é , em regra, o modus negocial
típico e adequado da formação destes contratos);
 Por último, ao regime do contrato de agência, que deve ser aplicado por
analogia, uma vez que é um contrato muito próximo daqueles.
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3.1.- Contrato de agência
O contrato de agência passou a definir-se como o “contrato pelo qual uma das
partes se obriga a promover por conta da outra a celebração de contratos, de modo
autónomo e estável, mediante retribuição, podendo ser-lhe atribuída certa zona ou
determinado círculo de clientes” - artg.1º DL nº178/86.
Este contrato é legalmente típico, ao contrário do franchising que é apenas
socialmente típico. Alguém se obriga a promover a celebração do contrato por
outrem e eu, agente, não contrato nada, eu, agente, tenho obrigação de promover a
celebração do contrato. Da definição do contrato, podemos ver os diversos
elementos dele que nos ajudam numa melhor compreensão do mesmo:
1) Obrigação de o agente promover a celebração do contrato
Esta é a obrigação fundamental do agente. Envolve toda uma complexa e
multifacetada atividade material, de prospeção do mercado, de angariação de
clientes, de difusão dos produtos e serviços, de negociação, etc., que antecede e
prepara a conclusão dos contratos, mas na qual o agente já não tem de intervir.
Não se trata de uma mera atividade publicitária, uma vez que a obrigação de
promover a celebração de contratos compreende um vasto e diversificado leque de
atos com o objetivo último de conquista e/ou desenvolvimento do mercado. É certo
que, o agente deve publicitar os bens e serviços do principal, mas também deve visitar
clientes, fornecer-lhes catálogos, encetar e prosseguir negociações, dirigir ao
principal encomendas e propostas negociais formuladas, etc.
O conteúdo desta obrigação terá de ser preenchido de acordo com a função que
cabe ao agente desempenhar, enquanto intermediário privilegiado para a
conquista do mercado. Para além disso, ter-se-á de ter sempre presente o espírito
de colaboração que preside à celebração deste contrato, assim como o dever do
agente de zelar pelos interesses do principal, o que faz dele um contrato de gestão
de interesses alheios, em ordem à realização plena do fim contratual (art.6º).
Em complemento com o que se acaba de dizer, observe-se que o contrato de
agência, por si só, não confere ao agente poderes para celebrar contratos com
terceiros (isto é , com os clientes), nem poderes para cobrar créditos. Quer a
celebração de contratos com terceiros, quer a cobrança de créditos estão sujeitas a
autorização do principal (arts.2º/1 e 3º/1). O contrato de agência não se confunde,
assim, com o mandato (art.1157oCC).
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Se o principal tiver conferido poderes ao agente para celebrar contratos, nos
termos do art.2º/1, este atuará em nome do primeiro. No entanto, esta atribuição de
poderes não conferirá ao agente poder de decisão (poder para decidir, por si só , se
o contrato é ou não celebrado e em que termos).
Caso o agente atue sem tais poderes, celebrando contratos ou cobrando
créditos sem estar autorizado, as consequências serão as seguintes:
 Os negócios serão ineficazes em relação ao principal, se não forem por eles
ratificados (art.268º/1 CC). A lei da agência considera, no entanto, que há
ratificação se o principal, tendo conhecimento da celebração do negócio e do
conteúdo essencial do mesmo, não manifestar ao cliente de boa fé, no prazo
de 5 dias a contar desse conhecimento, que se opõe ao negócio (art.22º/2).
 Quanto à cobrança de créditos não autorizada, ela será vista como uma
prestação do cliente a terceiro que, em princípio, não extinguirá a sua
obrigação em face do principal, nos termos do art.770ºCC, o art.3º/3 da lei
da agência ressalva o disposto no art.23º do mesmo diploma.
Relativamente à autorização do principal para o agente atuar em seu nome, há
um artigo muito importante que deve ser tido em conta: o art.23º da lei da agência
que trata da “representação aparente”. O problema da representação aparente
não é específico do contrato de agência, mas reveste-se de particular acuidade no
domínio da agência, razão pela qual o legislador interveio.
Quanto à representação aparente, o art.23º estipula uma solução que o negócio
concluído pelo agente, assim como a cobrança de créditos a que procedeu, serão
eficazes, pese embora a sua falta de poderes, “se tiverem existido razões ponderosas,
objetivamente apreciadas, tendo em conta as circunstâncias do caso, que
justifiquem a confiança do terceiro na legitimidade do agente, desde que o
principal tenha igualmente contribuído para fundar a confiança do terceiro”
(art.23º/1).
Na opinião de Pinto Monteiro, esta é uma solução que se afigura como justa e
equilibrada para as situações em que o agente, apesar da falta de poderes
representativos e/ou cobrança de créditos, atuou, no entanto, como se tivesse,
criando no cliente a aparência de estar a contratar ou a pagar a um agente munido
dos respetivos poderes.

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A proteção concedida por esta norma depende, pois, da ocorrência, cumulativa,
de requisitos objetivos e de requisitos subjetivos, facilitando uma solução a que, em
sede geral, talvez só pelo recurso ao instituto do abuso de direito se pudesse
eventualmente chegar.
Em princípio esta solução será de alargar a todos os contratos de cooperação ou
de colaboração, ou até , aos contratos de gestão em geral, na linha do que já vem sido
decidido pelos nossos tribunais.
Os contratos que o agente promove são normalmente contratos pelos quais o
principal irá vender os seus bens ou prestar os serviços que fornece, mas nada obsta
a que a promoção de contratos, a cargo do agente, seja dirigida à aquisição de bens
e serviços para o principal.
2) Atuação por conta do principal
No exercício da sua atividade e de acordo com a sua função, o agente atua sempre
por conta do principal. Isso significa, fundamentalmente, que os efeitos dos atos
que pratica se destinam ao principal, se repercutem ou projetam na esfera
jurídica deste. Esta é uma das notas que diferencia as várias modalidades
distribuidoras entre si, pois o concessioná rio e o franquiado atuam por conta
própria.
Discute-se se atuar por conta de outrem, não significará , ao mesmo tempo, atuar
no interesse desta pessoa. No que respeita ao agente, porém não há dúvida que ele
prossegue os interesses do principal e deve zelar pela defesa dos interesses deste
(art.6º).
3) Autonomia
Ao contrário do trabalhador, juridicamente subordinado à entidade patronal,
através de contrato de trabalho, ficando soba a autoridade e direção desta, o agente
é independente e atua com autonomia.
Contudo, a autonomia do agente, em face do principal, não é absoluta, pois ela
deve, designadamente, conformar-se com as orientações recebidas, adequar-se à
política económica da empresa e prestar regularmente contas da sua atividade. Mas
esta e outras obrigações do agente não devem prejudicar, no essencial, a sua
autonomia (a este respeito, é bem elucidativa o art.7º/a)).
Em conformidade com esta nota característica do contrato de agência, a lei
permite, salvo convenção em contrário, o recurso a subagentes (art.5º) e prevê, não

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havendo estipulação em sentido contrário, que as despesas exercício normal da sua
atividade fiquem a cargo do agente (art.20º).
4) Estabilidade
A característica da estabilidade reporta-se ao facto de o contrato de agência ser
um contrato que é celebrado tendo em vista a constituição de uma relação
contratual duradoura. A atividade do agente não se limita à prática de um ato
isolado, devendo tratar-se de uma atividade com continuidade, dentro do período
de tempo por que o contrato foi celebrado.
Os contraentes podem vincular-se por tempo determinado ou nada
convencionarem a tal respeito, sendo que, neste último caso, se presume que o
contrato de agência foi celebrado por tempo indeterminado (art.27º/1). Entretanto,
se o contrato continuar a ser cumprido após o prazo, considera a lei que ele se
“transformou” em contrato por tempo indeterminado (art.27º/2). Este art.27º/2
não terá aplicação no caso de as partes estipularem que o contrato se prorrogará
por um outro período, de igual ou diferente duração, salvo se alguma delas
comunicar à outra, com certa antecedência (por identidade de razão, deve respeitar
os prazos do art.28o), não desejar essa prorrogação.
O facto de o contrato ter sido celebrado por tempo indeterminado ou por tempo
determinado, releva quanto à s formas de cessação do mesmo (art.26º e 28º).
Este contrato pode terminar por caducidade, resolução, denúncia (esta causa
de extinção do contrato de agência vale para os contratos sem prazo, celebrados por
tempo indeterminado, que é uma projeção do princípio x. Também vale para os
contratos que, tendo prazo, renovam-se automaticamente, a não ser que ambas as
partes convencionem a não renovação. Nestes casos em que há direito a denúncia,
ela só pode ser exercida mediante aviso, não posso denunciar de um dia para o
outro, tenho de respeitar as expectativas da outra parte. O legislador, em função da
duração do contrato, estabelece o aviso, quanto mais tempo tiver durado o contrato,
maior será o aviso que tem de ser respeitado). Pode acontecer que o principal
dispense o agente. O agente pode ter direito a uma indemnização, tendo em
consideração o número de encomendas que o agente angariou.
5) Retribuição
A agência é um contrato oneroso. A retribuição determina-se,
fundamentalmente, com base no volume de negócios conseguido pelo agente. Este

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é remunerado em função dos resultados obtidos, assumindo, pois, um caráter
variável, sob a forma de comissão ou percentagem calculada sobre o valor dos
negócios alcançados.
É nos arts.15º a 18º que a letra da lei trata da retribuição do agente e,
designadamente, do direito à comissão. O art.16º estabelece quais os contratos que
conferem ao agente direito à comissão e o art.18º ocupa-se com o problema de saber
em que momento é que esse direito se adquire e se torna exigível o seu pagamento.
Quanto ao agente exclusivo, a lei assegura o seu direito à retribuição, em certos
termos, mesmo que se trate de um cliente que não tenha sido angariado nem de um
contrato por si promovido, desde que o contrato em causa haja sido concluído com
alguém pertencente à zona ou círculo de clientes que lhe foi reservado (art.16º/2).
A qualidade de agente exclusivo depende de acordo escrito das partes, ficando
o principal impedido de utilizar, dentro da mesma zona ou do mesmo círculo de
clientes, outros agentes para o exercício de atividades que estejam em concorrência
com as do agente exclusivo.
No silêncio do contrato, por conseguinte, o principal não está impedido de
utilizar, ainda que dentro da mesma zona ou círculo de clientes, outros agentes para
o exercício de atividades concorrentes. Já o agente, porém, continua a estar
impedido de exercer, por conta própria ou por conta de outrem, atividades
concorrentes.
Note-se que é no art.9º que a lei regula a obrigação de não concorrência após
a cessação do contrato, a qual confere ao agente direito a uma compensação
adicional (art.13º/g)).
Caso 19- O caso da resolução do contrato com o agente do fabricante de
conservas
Alberto e Bernardo celebraram em agosto de 2008 um contrato de agência.
Bernardo obrigou-se então a promover os negócios de Alberto, que era dono e
explorador de uma fábrica de conservas de peixe. O contrato foi celebrado pelo
prazo de 10 anos e mediante uma determinada retribuição. Em setembro de 2018
Alberto envia a Bernardo um cheque acompanhado de uma carta em que comunica
a Bernardo que lhe está a efetuar o pagamento das comissões a que tem direito até
ao fim do contrato, dá por terminada a relação contratual entre ambos e informa-o
que nada mais tem ou terá a receber.
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Bernardo, porém, entende que deveria ser indemnizado pelo facto de, por causa da
sua atuação, Alberto ter visto crescer a sua carteira de clientes para mais do triplo,
tendo dois terços dos novos clientes celebrado contratos de fornecimento com
Alberto que se mantiveram, pelo menos, até janeiro de 2019, envolvendo
pagamentos mensais avultados.
Alberto considera, por sua vez, que Bernardo não sofreu quaisquer prejuízos com a
cessação do contrato de agência e, por isso, nada há a indemnizar.
Quid iuris?
Resolução- Veja-se o artg.27º/2 do regime do contrato de agência – o
contrato de agencia caduca findo o prazo estipulado, mas se continuar a executar o
contrato eventualmente pode-se chegar a uma situação em que se pode dizer que o
contrato se transformou num contrato de agencia de duração indeterminada. O que
normalmente faz para se afastar este risco, é tomar uma posição clara e definitiva
sobre esta matéria.
Mas a questão central é que o bernardo acha que não tem só direito às
comissões devidas, ele entende ter direito também àquela indemnização. Alberto
entende por sua vez que bernardo não tem direito, por não ter sofrido quaisquer
prejuízos com a cessação do contrato.
Quanto à comissão não há dúvida, o agente tem direito ao pagamento dessas.
A questão está em saber se o agente tem ou não à indemnização de clientela do
artg.33º, olhando para a designação, a palavra de indemnização normalmente é
usada por sofrer prejuízo. Mas a palavra não está bem utilizada, pois a indemnização
de clientela na verdade não tem essa natureza de repor uma situação que
eventualmente tivesse sofrido algum prejuízo – daí o argumento de alberto não ter
cabimento. Temos requisitos cumulativos:
✓ O agente tem angariado outros clientes – efetivamente angariou novos
clientes;
✓ A outra parte venha beneficiar consideravelmente, após a cessação do
contrato, - pagamentos mensais avultados;
✓ Nada mais é devido sem ser a indemnização de clientela - Não se faz menção
a qualquer denominação adicional, justamente pelo agente após a cessação
do contrato.

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O artg.34º diz-nos que a indemnização é feita em termos quantitativos e dispõe
que tem um limite máximo (indemnização anual, a partir da media anual): o
contrato durou 10 anos, vamos ver os últimos 5 anos e quanto é que ele recebeu por
média no ano – não pode exceder este valor.
É necessário também ter em conta os prazos, sendo estes importantes. Ele tem
direito á indemnização, mas a questão está em ver se esse direito, entretanto não se
extinguiu. O contrato terminou em agosto de 2018, sendo que estamos em 16 de
outubro de 2019. Temos de ter em atenção que o bernardo entende que hoje, 16 de
outubro de 2019, deveria ser indemnizado. O que a lei diz é que este prazo de 1 ano
calcula-se a partir da cessação do contrato, portanto se o bernardo só está a
comunicar hoje ao alberto, este direito já se extinguiu.
Discute-se muito, se esta indemnização também tem lugar no caso de cessação
de um contrato de franchising, ou de um contrato de concessão comercial, na
prática. O contrato de concessão comercial e o de franquia não têm o mesmo regime
do contrato de agência. Para aplicarmos analogia, temos de ver se a atividade do
concessionário do franquiado é exercida em termos análogas à atividade exercida
de um agente típico – vai depender muito da posição concreta de cada contrato. Há
uma diferença essencial, entre o agente e o concessionário e o franquiado: o agente
o que faz é promover os negócios, ele não vai ser parte nas compras e vendas, nas
prestações de serviços, o agente típico nem sequer tem poderes de representação, e
se os tiver não celebra em seu nome, mas sim em nome do principal; Na franquia e
na concessão quem vai estar a celebrar compras e vendas, prestações de serviços,
vai ser o concessionário e o franquiado – vão atuar por nome e conta própria.
Por isso a situação é diferente, para aplicarmos a analogia vamos ter de
encontrar alguns aspetos que nos permitem dizer que há uma situação análoga. Mas
este é apenas o 1º passo, qual é o 2º? Temos d e ir ao regime do contrato de agência,
e ver se a norma em concreto, a sua razão de ser se justifica ou não a sua aplicação.
No caso da indemnização da clientela encontramos logo um obstáculo: tanto o
franquiado como o concessionário, vão exercer a atividade por conta própria,
quando acaba o contrato de concessão, o de franquia, há uma forte probabilidade de
não haver uma circulação de clientela para o franquiador/concedente. Se a clientela
não circula para o concedente/franquiador não faz sentido atribuir ao
concecionário/franquiado uma indemnização de clientela. Por isso é que apenas se

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justifica aplicar este regime quando se possa dizer que naquele concreto contrato
há cláusulas que asseguram que no final do contrato, a clientela vai circular – é mais
provável acontecer no contrato de franquia, uma vez que há uma maior integração,
e há uma maior capacidade da clientela de distinguir os sinais distintivos do
franquiador.
Caso 20- O caso do agente com expetativas goradas
A Kuaite Naice, Brindes e acessórios, Lda, tem um estabelecimento no Centro
Comercial Abóboda Celeste. A Kuaite Naice é agente do fabricante Duralex, Materiais
plásticos, S.A.. A Kuaite Naice resolveu o contrato de agência alegando que se verifica
uma forte diminuição da procura no Centro Comercial, apesar dos custos se
manterem constantes. Invoca ainda que a Duralex escolheu o espaço em que a
Kuaite Naice deveria instalar-se. Além disso, e ao contrário do que tinha sido
publicitado pela Duralex, só foram contratados entretanto 10 dos 50 agentes que
tinham sido calculados pela Duralex como necessários para Portugal, o que retira
visibilidade aos produtos.
A Duralex entende que a Kuaite Naice não tem razão, pois a diminuição da procura
é o resultado da crise mundial imprevisível, o espaço escolhido contava com
estimativas de procura fornecidas pela Abóboda Celeste que a Kuaite Naice conhecia
e o projeto de contratar os 50 agentes era apenas isso: um projeto. Logo, não havia
qualquer violação do contrato de agência que permitisse à Kuaite Naice resolver o
contrato, tendo já dado instruções aos seus advogados para processarem a agente e
levarem o caso «às últimas consequências, doa a quem doer».
Quem tem razão?
Resolução-Temos um litígio e o principal não se conforma porque acha que
o agente não tinha direito à resolução do contrato e, portanto, quer agora demandar
o agente. O principal argumenta que não houve violação do contrato de agência. O
regime do contrato de agência permite a resolução do contrato em situações em que
haja violação do contrato (mas não é qualquer violação que dá direito à resolução),
contudo, não está em causa apenas o caso da violação do contrato de agência, este
contrato pode extinguir-se quando há violação, mas também quando se verificam
situações de inexigibilidades previstas no artigo 30º, alínea b), que nada têm a ver
com a violação do contrato. Mesmo que não houvesse violação do contrato, poderia

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haver um fundamento para a resolução do contrato. Neste contrato o principal
obrigou-se a contratar 50 agentes, mas só contratou 10.
Do ponto de vista do Doutor há fundamento para a resolução – estamos a
falar de brindes e acessórios e, portanto, trata-se de uma atividade que depende
muito de quem passa por lá, logo, se diminui a frequência, é efetivamente de se
imaginar que a faturação irá diminuir. Para além disso, num centro comercial os
custos de quem ocupa as lojas são muito elevados. Quem é responsável pelo agente
estar a pagar estes custos? O principal porque foi ele que escolheu esse espaço. Além
disto, temos uma alteração superveniente das circunstâncias – crise mundial
imprevisível. Para além disso, a não contratação dos 50 agentes também é relevante
porque estamos a falar de produtos que dependem de alguma visibilidade. É
evidente que estamos a falar de situações em que há uma margem para surgirem
opiniões diversas.
3.2.- Contratos de concessão
Na definição de Pinto Monteiro, a concessão é “um contrato-quadro que faz
surgir entre as partes uma relação obrigacional complexa por força da qual uma
delas, o concedente, se obriga a vender à outra, o concessionário, e esta a comprar-
lhe, para revenda, determinada quota de bens, aceitando certas obrigações —
mormente no tocante à sua organização, à política comercial e à assistência a prestar
aos clientes — e sujeitando-se a um certo controlo e fiscalização do concedente”.
O contrato de concessão comercial é um contrato atípico, mas, apesar disso, é
já́ bastante significativa a jurisprudência relativa ao contrato de concessão, o que
revela a frequência com que a ele se recorre, no âmbito da distribuição comercial.
Como contrato-quadro, o contrato de concessão comercial funda uma relação
de colaboração estável, duradoura, de conteúdo múltiplo, cuja execução implica,
designadamente a celebração de futuros contratos entre as partes, pelos quais o
concedente vende ao concessionário, para revenda, nos termos previamente
estabelecidos, os bens que este se obrigou a distribuir.
Através desta definição, podemos encontrar 3 características fundamentais do
contrato de concessão, que permitem destacar esta figura:
 A concessão é um contrato em que alguém assume a obrigação de compra
para revenda, nele se estabelecendo, desde logo, os termos em que esses
negócios futuros serão feitos. Daí que, ao celebrarem, periodicamente, os
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contratos de compra e venda pelos quais o concessionário adquire do
concedente os bens para revenda, estarão ambas as partes a cumprir a
obrigação anteriormente assumida.
o Assim, a estes últimos contratos, podemos chamar de contratos de
execução, os quais se inserem no quadro definido pelo primeiro e o
complementam.
 O concessionário age em seu nome e por conta própria, assumido os riscos
da comercialização.
 No contrato de concessão, vinculam-se as partes a outro tipo de obrigações
(além da obrigação de compra para revenda), sendo através delas que,
verdadeiramente, se efetua a integração do concessionário na rede ou cadeia
de distribuição do concedente.

o Com estas obrigações visa-se, no fundo, definir e executar a política


comercial. Ou seja, procura-se definir regras de comportamento
através das quais se estabelecem laços de colaboração entre as partes
e se articula e coordena a atividade de todos no seio da rede de
distribuição (ex.: regas sobre a organização e as instalações do
concessionário; os métodos de venda; a publicidade; a assistência a
prestar aos clientes, etc.). Consagrasse, além disso, um certo controlo
do concedente sobre a atividade do concessionário.

É, aliás, este conjunto de características, que constituem e emergem da


integração, que explica, no fundo, a posição que vimos assumindo quanto à aplicação
a este contrato, em princípio, do regime de agência. No entanto, o facto de o
concessionário atuar seu nome e por sua conta, constitui uma nota diferenciadora
desta modalidade relativamente ao contrato de agência.
A obrigação de compra para revenda e o modo de atuação do concessionário
dificilmente chegariam, por si só, para justificar a aplicação de tal regime. É
fundamentalmente pela integração do revendedor na rede de distribuição do
concedente, com tudo o que isso implica e pressupõe em termos de colaboração
entre as partes e promoção dos bens distribuídos, que se aproximam os dois
contratos, o de agência e o de concessão, e, nessa medida, que mais se justifica o
recurso à disciplina da agência.

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É, ainda, a integração que torna mais fácil ao concedente impor a sua política
comercial e controlar a fase de distribuição, sendo certo, por outro lado, que o
concessionário também retira daí benefícios, mormente pela posição de privilégio e
a vantagem concorrencial que passa a ter.
Diferença entre o contrato de concessão e o contrato de agência

 Ao contrário do agente, o concessionário age em seu nome e por conta


própria;
 Diversamente do que acontece com o agente, o concessionário, em regra,
adquire a propriedade da mercadoria;
 É que, ao contrário do agente, o concessionário é um comerciante que
compra para revenda, estando muitas vezes obrigado a adquirir determinada
quota mínima de bens;
 Daí que o concessionário assuma o risco da comercialização, podendo o seu
prejuízo ser avultado, se não conseguir vender os bens que adquiriu ao
concedente.
 As obrigações do concessionário, perante o concedente, não cessam com a
alienação dos bens, estando igualmente vinculado a prestar assistência pós-
venda aos clientes, mediante pessoal especializado e meios técnicos idóneos.

Em suma, enquanto o agente é um colaborador autónomo da empresa, por conta


da qual se obriga a promover a celebração de contratos e, algumas vezes, a concluí-
los ele próprio, mas por conta e em nome do principal, já o concessionário atua em
seu nome e por conta própria, comprando ao fabricante ou ao fornecedor
mercadorias para revender a terceiros, comprometendo-se a observar
determinados requisitos e a satisfazer certas obrigações.
Regime Jurídico
Sendo a concessão um contrato legalmente atípico, surge naturalmente a
questão de saber que regime jurídico será de lhe aplicar (vale o que se disse nos
contratos de distribuição)
Há, no entanto, alguns aspetos que suscitam uma particular atenção: é o que
sucede com o problema de saber se o concessionário pode valer-se da indemnização
de clientela que a lei prevê a favor do agente; assim como é debatida a questão dos
bens em stock, no termo do contrato.
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Quanto à indemnização de clientela, esta também terá lugar no contrato de
concessão se for de lhe aplicar, por analogia, o disposto no art.33º do DL 178/86.
3.3.- Contrato de franquia (franchising)
O contrato de franchising surge numa linha de evolução em que sobressai
a crescente ingerência na atividade de distribuição. Ele constitui um
desenvolvimento do contrato de concessão e representa a mais estreita forma de
cooperação entre empresas independentes e o mais elevado grau de integração do
distribuidor (franquiado) na rede de outrem (franquiador), em termos de gerar no
público a convicção de ser o próprio fabricante, ou uma sua filial, a encarregar-se da
distribuição.
O intenso controlo a que se submete o franquiado, a acentuada dependência
em que fica perante o franquiador e a sua forte integração na “família” deste, já
levaram a falar de um “novo feudalismo”.
A designação da figura (“franchise” = a privilégio) evoca a ideia de que a
comercialização dos bens é direito ou “prerrogativa soberana” do produtor, o qual
poderá conceder a outrem o privilégio de os vender. O franquiado fica adstrito ao
plano delineado pelo produtor, executa-o e surge aos olhos do público, ao distribuir
os bens, com a imagem empresarial deste.
Como contrato de distribuição, podemos apresentar o “franchising” como:
contrato mediante o qual o produtor de bens e/ou serviços concede a outrem,
mediante contrapartidas, a comercialização dos seus bens, através da utilização da
marca e demais sinais distintivos do primeiro e em conformidade com o plano,
método e diretrizes prescritas por este, que lhe fornece conhecimentos e regula a
assistência.
Nesta linha, as vantagens para o franquiador são claras:

 Ele passa a controlar e a dirigir, através de empresas independentes, a


distribuição dos bens, como se fosse uma sua filial a agir, mas sem os pesados
custos e riscos inerentes a tal situação;
 Permite-lhe zelar pela qualidade dos serviços, uniformizar as condições de
venda e difundir o se nome, insígnias e a marca dos produtos;
 Recebe contrapartidas financeiras pela fórmula que criou e que vai assim
explorando.

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O franquiado, por sua vez, tem as seguintes vantagens:

 Beneficia da possibilidade de comercializar bens já conhecidos do público;


 Poupa investimentos que, de outro modo, teria de suportar, sem os riscos
sempre inerentes ao lançamento de produtos e/ou serviços;
 Beneficia da assistência técnica, dos conhecimentos e da experiência que lhe
são transmitidos pelo franquiador;
 Passa a fazer parte de um sistema de integração vertical, que lhe permite
beneficiar comercialmente do poderio e renome de uma grande empresa.

Mas é claro que o franchising não se esgota nem se reduz a um contrato de


distribuição. Em termos simples e englobantes, podemos, então, definir franchising
da seguinte forma: contrato pelo qual alguém (franquiador) autoriza e possibilita
que outrem (franquiado), mediante contrapartidas, atue comercialmente
(produzindo e/ou vendendo produtos ou serviços), de modo estável, com a fórmula
de sucesso do primeiro (sinais distintivos, conhecimentos, assistência…) e surja aos
olhos do público com a sua imagem empresarial, obrigando-se o segundo a atuar
nestes termos, a respeitar as indicações que lhe foram sendo dadas e a aceitar o
controlo e a fiscalização a que for sujeito.
Confronto com o contrato de concessão
O confronto com o contrato de concessão comercial facilita a compreensão
do contrato de franquia. Assim, começamos por notar que, do mesmo modo que o
concessionário, o franquiado é um comerciante que, “grosso modo”, compra para
revenda, assumindo os riscos da comercialização. Habitualmente, beneficia também
do direito de exclusivo e, em ambos os casos, se pode verificar uma obrigação de
assistência aos clientes, bem como uma interferência da contraparte
(franquiador/concedente) na sua organização.
As diferenças são, todavia, claras:

 A ingerência do franquiador na atividade do franquiado é muito mais


acentuada;
 O franquiado comercializa os bens mediante a utilização obrigatória da
marca e demais sinais distintivos de comércio pertencentes ao franquiador;
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 A licença de utilização destes sinais é, necessariamente, acompanhada do
fornecimento de “know-how”;
 É habitual, nos contratos de franquia, o pagamento, pelo franquiado, de
contrapartidas, pelos benefícios que resultam da utilização da marca e dos
conhecimentos e assistência que recebe: o Essas contrapartidas traduzem-
se, em regra, no pagamento inicial de certa importância (direito de entrada),
acrescida do pagamento de outras quantias periódicas (royalties).

Assim, pese embora o facto de possuírem algumas características comuns, são


significativas as diferenças que os separam, mostrando-se o franchising um meio
mais idóneo e adequado à política de integração vertical do produtor.
Regime jurídico
Tal como a concessão, também o franchising é um contrato legalmente
atípico, pelo que, no que diz respeito ao seu regime, valem as considerações tecidas
nos contratos de distribuição.
Quanto ao problema de saber se aproveitará ao franquiado a indemnização
de clientela prevista a favor do agente, tal como acontece no contrato de concessão,
esta indemnização terá lugar se forem de aplicar analogicamente ao contrato de
franchising as disposições do art.33º DL 178/86.
No entanto, relativamente ao regime jurídico do contrato de franchising,
poderá tomar-se em especial consideração o regime do contrato de licença
(designadamente a redução do contrato a escrito, por força do art.30º do CPI). Isto
porque o franchising é um contrato misto, em qua avultam as componentes do
contrato de gestão de interesses alheios e da licença de exploração de direitos de
propriedade industrial.
Tal como a concessão, também o franchising é um contrato-quadro que faz
surgir entre as partes uma relação duradoura, pautada por uma estreita colaboração
e apertados laços de confiança, o que não pode ser esquecido na determinação do
seu regime jurídico, nomeadamente para efeitos da resolução do contrato.
Por último, também ao contrato de franquia interessa, de modo particular, o direito
da concorrência.

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4.- Contratos de financiamento
O financiamento é algo crucial na vida das empresas. O centro do
financiamento é o sistema bancário, mas tal não impede que os comerciantes não se
financiem uns aos outros, vendendo a crédito. Por exemplo, uma loja de roupa
recebe roupa e só terá de pagar daqui a 90 dias – está a receber um financiamento
de 90 dias.
O crédito consiste genericamente na prestação atual de um bem em troca da
contraprestação futura de um bem análogo, usualmente mediante remuneração.
A modalidade clássica do contrato de financiamento é o contrato de empréstimo
bancário.
4.1.- Contrato de empréstimo/mútuo bancário
O mais importante contrato de financiamento é o empréstimo bancário,
constituindo este uma modalidade especial do empréstimo, artigo 394º e ss CCom e
1142º CC. Essa especialidade reside essencialmente no plano dos sujeitos
contratantes (o mutuante é uma empresa bancária), do objeto contratual (que
consiste em dinheiro legal ou escritural, investindo fundamentalmente o cliente
mutuário na propriedade da quantia mutuada) e da sua finalidade (ficando
frequentemente o mutuário obrigado a utilizar a quantia mutuada apenas para fins
legais ou contratuais predeterminados).
Ao contrário do que acontece no direito civil (em que não se presume
oneroso), o empréstimo presume-se oneroso, estamos a qualificar aquele contrato
como comercial, logo, será oneroso - as taxas de juro encontram-se atualmente
liberalizadas, sendo fixadas por acordo entre a instituição de crédito e o mutuário,
podendo ser variáveis ou fixas e podendo ser pagas numa única ou em várias
prestações.
Designa-se por empréstimo ou mútuo bancário o contrato pelo qual o
banco (mutuante) entrega ou se obriga a entregar uma determinada quantia em
dinheiro ao cliente (mutuário), ficando este obrigado a restituir outro tanto do
mesmo género e qualidade, acrescido dos correspondentes juros.
O regime deste contrato encontra-se disperso por um conjunto heterogéneo
de normas legais:
➢ Quanto à sua formação, os empréstimos bancários estão sujeitos à mera
forma escrita, qualquer que seja o seu valor (artigo único do DL nº32/765),
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sem prejuízo da exigência de forma especial em determinadas modalidades
especiais de mútuo.
➢ Quanto ao seu conteúdo, os empréstimos podem revestir diferentes
modalidades:
o Segundo o critério do vencimento:
▪ Curto prazo (vencem-se em prazo inferior a um ano);
▪ Médio prazo (vencem-se num prazo entre 1 e 5 anos);
▪ Longo prazo (vencem-se num prazo superior a 5 anos).
o Segundo o critério das garantias:
▪ Empréstimos caucionados: o empréstimo é assegurado por
garantias pessoais ou reais;
▪ Empréstimos a descoberto: o empréstimo não é assegurado
por garantias pessoais ou reais. o Segundo o critério do
número dos mutuantes:
▪ Empréstimos simples: são negociados apenas por um banco;
▪ Empréstimos sindicados: são negociados por vários bancos
(no caso de montantes particularmente elevados).
➢ No que diz respeito à sua extinção, a revogação do empréstimo bancário por
parte do cliente mutuário pressupõe a restituição da quantia mutuada ao
banco mutuante.
Covenants– eu emprestei 500 mil a B, que tem um imóvel valioso e eu tenho
receio que ele amanhã vá pedir a um banco outros 500 mil e dê esse imóvel como
garantia (cláusulas “negative pledge”, “affirmative pledge”, “pari passu”). No fundo,
servem para dar certeza aos credores que companhias que tomam crédito não vão
deixar de seguir algumas diretrizes explicitadas no contrato – compromisso se
contratos de empréstimos que servem para proteger os interesses dos credores. Ex.:
obrigar o devedor a prestar contas regularmente de factos relevantes.
4.2.- Contrato de antecipação bancária

É um financiamento feito em termos diferentes do empréstimo. Na


antecipação bancária ela é uma fração do valor total e, à medida que vou recebendo,
eu tenho de pagar ao banco.

2019/2020 Rita Nina – FDUC 101


4.3.- Abertura de crédito
Designa-se por abertura de crédito o “contrato pelo qual o banco
(creditante) se obriga a colocar à disposição do cliente (creditado) uma determinada
quantia pecuniária (acreditamento ou “linha de crédito”), por tempo determinado
ou não, ficando este obrigado ao reembolso das somas utilizadas e ao pagamento
dos respetivos juros e comissões.
Por exemplo, uma empresa negoceia a venda de parafusos e a empresa sabe
que não tem o valor suficiente para comprar 1 milhão de parafusos. Na abertura de
crédito o banco não empresta nada, promete-lhe emprestar, a empresa tem o direito
de se precisar, usar aquele dinheiro. A abertura de crédito é um contrato que vai dar
origem a outros contratos, os empréstimos que se vão fazer em consequência da
abertura de crédito, contratos esses que são necessariamente onerosos. Porém, a
abertura de crédito pode ser gratuita ou onerosa (sob o nome de comissão de
abertura, o banco ao dispor 500 mil euros já não pode dispor esses 500 mil a outra
empresa, daí que pode ser onerosa essa abertura).
Este contrato desempenha uma importante função prática, servindo os
interesses de ambas as partes:
 Para o creditado, ele assegura, de antemão, a disponibilização dos fundos
necessários para concretizar um determinado negócio em vista em
condições financeiras e operacionais mais vantajosas do que no caso de um
empréstimo bancário (que implicaria o pagamento imediato de juros, além
de lhe permitir mobilizar o montante disponibilizado na estrita medida das
suas necessidades).
 Para o creditante, ele assegura o encaixe de uma remuneração sem risco,
consistente na comissão de abertura de crédito acrescida, relativamente aos
fundos disponibilizados não utilizados, de uma comissão de imobilização.
Este contrato pode assumir diferentes modalidades:
➢ Segundo o critério da sua realização:
o Abertura simples: o crédito disponibilizado é mobilizável de uma só
vez;
o o Abertura em conta-correntes: o crédito disponibilizado é
mobilizável em tranches, incluindo a faculdade de renovação
automática do “plafond” de crédito, mediante entradas;
2019/2020 Rita Nina – FDUC 102
➢ Critério das garantias:
o Abertura caucionada: o cumprimento das obrigações do cliente
creditado é assegurado por garantias pessoais ou reais;
o Abertura a descoberto: o cumprimento das obrigações do cliente
creditado não é assegurado por garantias reais ou pessoais.
O contrato de abertura de crédito constitui um atípico (sem regime legal
próprio), embora nominado (art.362º CCom). Trata-se, todavia, de um contrato
socialmente típico, sedimentado na “praxis” comercial e bancária. Assim, quanto à
sua formação, muito embota não sujeito a qualquer exigência legal especial
(art.219º CC), a prática bancária subordina a sua celebração invariavelmente a
documento escrito ou mesmo, em certos casos especiais, a forma mais solene.
Quanto ao seu conteúdo, o contrato é fonte de determinados direitos e
deveres: entre estes, destacam-se a obrigação de disponibilização de uma soma
pecuniária por parte do banco creditante e a obrigação de pagamento de comissões
e de juros por parte do cliente creditado.

4.4.- Contrato de leasing (locação financeira)


Designa-se por leasing ou locação financeira o “contrato pelo qual uma das
partes (locador) se obriga, mediante remuneração, a ceder à outra (locatário) o gozo
temporário de uma coisa, móvel ou imóvel, adquirida para o efeito pelo primeiro a
um terceiro (fornecedor), ficando o último investido no direito de a adquirir em
prazo e por preço determinados.
É um contrato muito utilizado na prática. Ex.: carros, muitos condutores
destes automóveis não têm a propriedade do automóvel, têm dividas relativamente
às rendas pela utilização do automóvel. Este contrato pode ter mutações variadas,
na altura em que foi criado foi pensado para empresas, para aceder a bens de
equipamentos. Hoje o âmbito de utilização deste contrato é muito mais vasto,
podemos ter a locação de móveis, imóveis. Isto é assim, uma vez que este
alargamento serviu para estimular a economia, numa economia de mercado o
crédito é o oxigénio da economia, faz com que se produza muito mais.
O contrato de locação financeira é precisamente uma forma de obter
rendimento. Desde logo, uma das vantagens do contrato são de natureza fiscal.
Todos os instrumentos de concessão de crédito ao fim ao cabo servem para
alavancar (por exemplo, com 100 mil euros podemos ter acesso a bens que valem 1
2019/2020 Rita Nina – FDUC 103
milhão, é isto que significa alavancar). O dinheiro que a pessoa não gasta a comprar
o bem (uma vez que não o compra), vai servir para ter acesso a muitos mais bens.
Está-se a conceder crédito, sem perder a propriedade do bem. O locador na verdade,
não tem interesse no bem, ele está a entregar o bem como um instrumento para
conceder o crédito. Nos contratos de locação o locatário vai indicar ao locador, o bem
cujo gozo pretende. O locador financeiro então não tem interesse no bem, ele apenas
quer saber do bem na medida em que lhe serve de garantia, e nessa medida acautela
o risco. Acautela o locador perante o risco de insolvência do seu cliente. Se o
locatário ficar insolvente, pelo menos o locador tem o bem do lado dele.
Este instrumento apresenta uma série de vantagens:
 Para o locador: conservando a propriedade da coisa durante a vigência
contratual, beneficia de uma garantia superior àquelas que usufrui por regra
nas demais operações creditícias ativas;
 Para o locatário: representa uma forma de financiamento integral da coisa
utilizada sem endividamento direto, além das diversas vantagens
contabilísticas e fiscais associadas;
 Para o fornecedor: representa uma forma particularmente eficaz de
escoamento dos bens que produz ou comercializa.
Contudo, também acarreta alguns inconvenientes, salientando-se, desde
logo, o custo mais elevado em face de outras modalidades alternativas de crédito e
financiamento bancário (máxime, empréstimo bancário).
No que concerne à sua noção, este contrato constitui uma operação que,
celebrada entre um banco ou instituição creditícia especializada e uma pessoa
singular ou coletiva, é caraterizado pelos seguintes elementos definidores
fundamentais:
 A obrigação de o locador adquirir ao fornecedor a coisa imóvel ou móvel
indicada pelo locatário (mediante celebração do contrato de compra e
venda), concedendo temporariamente a este ultimo o gozo da mesma;
 A obrigação do locatário pagar ao locador uma “renda”, que funciona
simultaneamente como retribuição pelo serviço financeiro e amortização do
financiamento prestados;
 O direito do locatário comprar a coisa pelo respetivo preço residual no termo
do contrato.
2019/2020 Rita Nina – FDUC 104
Existe um problema que se coloca neste âmbito, relativamente às sociedades
anónimas (capital representado por ações). O problema que se discute é se uma
ação pode ser objeto de um contrato de locação financeira. Existem determinados
autores que entendem que não. Segundo o professor, não deveria ser objeto, porque
tal seria contrário ao regime das sociedades comerciais – a locação financeira
permite o gozo de uma coisa, e ao conceder o gozo de uma ação, tal significaria que
alguém que não é socio vai gozar dessa ação. Aliás há uma norma, que não permite
que alguém vá exercer os direitos dos acionistas, fazendo-se passar por acionista
(como o locatário não teria o direito de voto, na verdade ele iria estar a fazer-se
passar por acionista).
A locação normalmente não é apenas utilizada para os automóveis, para as
máquinas, etc. Pode haver locação financeira de rolls royce de aviões, de petroleiros,
porta-contentores. Por isso mesmo é que a lei prevê a possibilidade de surgirem
consórcios de locadores.
Podemos ter várias modalidades de contratos de locação financeira:
➢ Imobiliária ou mobiliária (se tem por objeto bens móveis ou imóveis);
➢ Material ou imaterial (incidindo sobre bens corpóreos ou incorpóreos);
➢ Empresarial ou consumista (consoante celebrada por empresa ou entidade
em conexão com a sua atividade profissional ou por consumidor);
➢ Total ou parcialmente amortizada (consoante a soma dos pagamentos
realizados pelo locatário cobre integralmente ou apenas parte do “preço” da
operação de financiamento);
➢ Normal ou restitutiva (consoante o bem objeto do contrato foi adquirido a
um fornecedor ou ao próprio locatário).
o O que é o leasing restitutivo? Temos um locador financeiro, temos
um locatário, e temos um mercador que vende o bem ao locador, por
exemplo, isto é um leasing normal. O leasing restitutivo (sale and lease
bank), o locatário começa por vender o bem ao locador, e ao vender
faz um encaixe do preço da venda e celebre o contrato de leasing desse
mesmo bem com o locador – no final se ele quiser pode voltar a
adquirir o bem que foi objeto do contrato de locação. Durante muito
tempo, discutiu-se na doutrina se este leasing era admitido, pois

2019/2020 Rita Nina – FDUC 105


poderia ser uma forma de contornar a proibição do pacto comissário.
Mas a tendência é cada vez mais de aceitar esta forma.
O que é ser um contrato internacional? Vai depender do critério da
internacionalidade, as convenções internacionais, as que regulam relações jurídicas
de carater internacional estabelecem um critério de internacionalidade. Hoje
distinguir o que é um contrato internacional e o que não é, é feito com base nesta
convenção internacional – convenção de viena de 1989 sobre a compra e venda de
mercadorias (apesar de amanhã poder surgir uma nova, que substitua o critério).
Regime jurídico
O contrato de locação financeira é um contrato nominado e típico, previsto e
regulado no DL nº149/95, sendo que o seu regime jurídico é significativamente
vasto. O contrato de locação financeira está sujeito à forma escrita e à competente
publicidade registral (art. 3º DL 149/95 e art. 2º/1/1 do CRPred).
A locação é um contrato com uma duração limitada de tempo. Por isso temos
um conjunto de regras no artg.6º do DL 149/95, e difere tratando-se de um imóvel
ou móvel.
 O que a lei também permite verificar é que as partes convencionem um prazo,
não podendo ser superior ao período da utilização da coisa móvel. Se nada
convencionem, as partes têm um prazo supletivo de 18 meses.
 Relativamente aos imóveis, não pode ser superior dos 30 anos, se houver
uma tal clausula, opera-se a redução. Se não é convencionado o prazo, tem-
se o prazo supletivo de 7 anos.
Relativamente à forma é documento particular, em relação às assinaturas, há
maiores exigências em relação aos imóveis comparativamente aos móveis:
 Imóveis: reconhecimento presencial das assinaturas ou assinatura na
presença do funcionário dos serviços de registo aquando do pedido de
registo; certificação da existência de licença de utilização ou construção, para
não estar em causa um imóvel de construção clandestina.
 Móveis: assinatura com indicação do nº do CC ou BI.
Relativamente ao conteúdo contratual, este abrange diversos direitos e
deveres, que se encontram exemplificativamente enunciados na lei (art.9º);.
Outro aspecto que merece referência, é relativo ao artg.13º do 149/95. O locador
não tem verdadeiramente interesse ao bem, a não ser como garantia do pagamento,
2019/2020 Rita Nina – FDUC 106
daí que faça sentido – pode exercer direitos que resultem do contrato de compra e
venda de empreitada.
Transmissão da posição contratual
Pode ser entre vivos voluntária -se forem bens de equipamento, temos de ver
se a posição do locatário financeiro está englobada em trespasse de estabelecimento
comercial, se assim for não precisa de consentimento do locador. Se a posição não
estiver englobada
Artg.11º/1, a contrario, diz que a transmissão por morte se apenas é
permitida ali, não será nas outras situações. A ver do professor, está a dizer que
poderá haver transmissão por morte desde que haja consentimento do locador.
Resolução por incumprimento
O contrato pode extinguir-se por caducidade e resolução, bem como nos
casos de dissolução, liquidação e insolvência do locatário (arts.17º/1 e 18º), sendo
de assinalar que, em caso de resolução com fundamento em incumprimento do
locatário (nomeadamente, por incumprimento da obrigação de pagamento da
renda), o legislador se bastou com a mera prova da respetiva comunicação para
efeitos do cancelamento do registo (art.17º/2 DL nº 149/95) e a “praxis” contratual
consagra frequentemente, para além do dever de restituição do bem locado, a
obrigação de pagamento das rendas vencidas até à efetiva restituição e ainda de
20% do valor das rendas vincendas – tem sido este o entendimento para a
controvérsia das cláusulas penais. Para cancelamento do registo basta prova de
comunicação de resolução à outra parte (17º/2).
O Artg.18º - a doutrina discute saber se este fundamento de resolução antes
da declaração de insolvência, como depois. A ver do professor, esta norma apenas
se aplica antes de produzir efeitos a declaração de insolvência, pois o código de
insolvência vai conter o regime.
O artg.102º é considerado o regime regra, apesar de não o ser bem. Se
tivermos um contrato bilateral, sendo que nenhuma das partes o incumpriu ainda,
se alguma delas declarar insolvência, este artigo dispõe que o cumprimento fica
suspenso – nenhuma das partes tem direito a exigir o que quer que seja da outra.
Até que o administrador de insolvência pode optar pela recusa de cumprimento do
contrato (não é bem incumprimento). O artg.104º, por sua vez, no nº1 diz que se o
bem objeto de locação financeira já está a ser utlizado pelo locatário, a possibilidade

2019/2020 Rita Nina – FDUC 107


de opção do 102º, já não se aplica (o locatário pode exigir o cumprimento do
contrato).
Quanto à insolvência do locatário, segundo o artg.104º - o tal prazo razoável
afixado pelo locador, não pode terminar antes daquele prazo, pois naquela
assembleia, os credores, tem todo o seu património recuperado ou se há
possibilidade de recuperar a empresa do devedor.
Caso 21 - O caso do locatário financeiro que invoca vícios da coisa locada para
não pagar ao locador financeiro
Cecília é dona e exploradora de um salão de hairdressing em que emprega 15
cabeleireiras, ocupando-se apenas da gestão do estabelecimento. Para renovar o
equipamento, Cecília celebrou um contrato de locação financeira com a Superloc,
Sociedade de Locação Financeira, SA, pelo qual a Superloc se obrigou a comprar o
material desejado por Cecília à Impex – Importação e exportação de material para o
comércio, Lda. O novo equipamento foi escolhido por Cecília depois de analisar as
respetivas qualidades nas instalações da Impex.
A compra e venda entre a Superloc e a Impex deu lugar à entrega do equipamento
pela Impex diretamente a Cecília, que o recebeu. Porém, Cecília apenas pagou à
Superloc as cinco primeiras prestações devidas em execução do contrato de locação
financeira.
Perante isto, a Superloc enviou de imediato uma carta a resolver o contrato de
locação financeira alegando grave incumprimento e exigindo a imediata restituição
do equipamento. No entanto, Cecília recusa-se a fazê-lo alegando que não tinha de
pagar mais rendas enquanto não fossem reparados os defeitos do material: os
secadores de cabelo não secam, os elevadores das cadeiras não elevam, as máquinas
de frisar não frisam, as máquinas de cortar não cortam. Disso deu, aliás, imediato
conhecimento à Impex.
A Superloc quer intentar uma ação contra Cecília para pedir que seja considerado
bem resolvido o contrato de locação financeira e para obter a condenação de Cecília
a restituir o material, mas os respetivos administradores pretendem saber se há
fundamento jurídico para tal. O que diria aos representantes da Superloc?
Resolução- Artigo 12º do contrato de locação financeira – se houver vícios
as rendas têm de continuar a ser pagas. O locatário poderia era demandar quem
vendeu o material porque nós vimos justamente que esse é um dos direitos que o
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locatário tem. Pode desde logo usar todos estes direitos previstos no artigo 10º e,
além disso, têm o artigo 13º. Se é uma compra e venda de uma coisa defeituosa, esse
regime está previsto no CC. Esta é uma compra e venda comercial, portanto, temos
de ver se os vícios são notificados a tempo.
O que também é relevante, nas relações com o locador, é o regime do artigo
17º (“nos termos gerais”) – a simples mora, em regra, não dá direito à resolução dos
contratos. Para dar direito a essa resolução, a mora tem de ser convertida em
incumprimento definitivo – isso é feito nos termos gerais de acordo com o artigo
808º CC: ou o credor perde o interesse (neste caso é difícil perder interesse nas
rendas), ou se a prestação não for realizada no prazo razoavelmente fixada pelo
credor. O credor tem de converter a mora, fixando um novo prazo razoável para que
agora o devedor pague de vez (esta data convém ser clara, fixar o dia concreto). Se
o devedor não cumprir mais uma vez, então, dá-se por não cumprida a obrigação e
está aberta a possibilidade de resolver o contrato. Não foi isso que a locadora fez e,
portanto, a resolução não tem fundamento legal. Portanto, a locadora tem de fixar
um novo prazo e se a locatária não cumprir, então, há conversão da mora.
4.5.- Contrato de factoring/cessão financeira
Vai permitir financiamento das empresas através de um negócio de cessão
de créditos ou através de um contrato adequado para a cessão de créditos. Na
realidade não temos bem uma noção deste contrato na lei – vamos apenas encontrar
a noção numa convenção internacional na qual, Portugal não faz parte. Nem todos
os autores se entendem acerca de quais são os conteúdos mínimos que entram.
Proposta do professor da noção de contrato de financiamento: contrato pelo
qual uma das partes, designada cedente financeiro ou “aderente”, cede, se obriga a
ceder, ou tenha a possibilidade de ceder à outra, designado cessionário financeiro
ou “fator”, créditos a curto prazo, derivados da venda de produtos ou da prestação
de serviços, obrigando-se o fator à boa gestão dos créditos transacionados e às ações
complementares de colaboração, sendo o fator renumerado pela atividade
desenvolvida.
 Qual é o mínimo a que o fator se obriga para entrar nesta noção? A ver
do professor, não é necessário que seja conferido ao fator o poder de cobrar
os créditos. Não é necessário que se tenha esses poderes para cobrar o
crédito.
2019/2020 Rita Nina – FDUC 109
o Há quem diga que é necessário que seja conferido tais poderes.
Se convencionar que o fator vai cobrar o aderente vai pagar uma comissão
de cobrança.
Tal como a locação, a cessão financeira é um mecanismo jurídico de
financiamento bancário extremamente divulgado, pese embora alguns
inconvenientes: os custos inerentes às comissões de cobrança e garantia e a perda
de autonomia da gestão financeira e comercial do aderente. No entanto, apresenta
algumas importantes vantagens para o aderente:
 Desempenha uma função de financiamento (ao permitir a transformação
imediata de créditos em fundos líquidos);
 De segurança (mormente no factoring próprio ou sem recurso, ao permitir a
transferência para o “fator” do risco do incumprimento ou insolvência dos
devedores);
 De simplificação (libertando-o de tarefas e custos acessórios relacionados
com a gestão e cobrança dos créditos).
O contrato de cessão financeira é um contrato legalmente atípico, embora
nominado e socialmente típico. O legislador português, no âmbito da disciplina das
chamadas sociedades de “factoring” prevista no DL nº179/95, limitou-se a delimitar
genericamente o objeto (mediante definição de atividade de cessão financeira ou
factoring – art.2º/1) e a estabelecer alguns aspetos mínimos de regime jurídico
daquele contrato (arts.7º e 8º).
Embora muito próximo da figura geral da cessão de créditos, cujas regras lhe
são, em princípio, supletivamente aplicáveis (arts.577º e ss CC), este contrato exibe
características distintivas próprias: no essencial, encontramo-nos
predominantemente diante de um contrato-quadro, celebrado entre um banco ou
instituição creditícia especializada e uma empresa, que regula e baliza a celebração
futura de uma multiplicidade de contratos individuais de cessão de créditos entre
um cedente e cessionário financeiros.
Modalidades
➢ Nacional ou Doméstico/internacional - consoante o aderente se obriga a
ceder ao “fator” créditos decorrentes de contratos celebrados com um sujeito
do mesmo ou de outro Estado;

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➢ Incompleto (maturity factoring)/Completo (conventional factoring) -
consoante o “fator” apenas se dispõe a prestar ao aderente os seus serviços
de cobrança e gestão de créditos, ou também um serviço de financiamento,
concedendo-lhe antecipações sobre o valor nominal dos créditos cedidos;
o Factoring incomplete – o pagamento apenas será feito no vencimento
(maturidade do crédito)
o Conventional factoring – não se espera pela maturidade do crédito,
recebe-se o valor antes do vencimento
➢ Próprio (ou sem recurso)/Impróprio (com recurso) - também designada sem
ou com recurso, consoante o “fator” assume o risco de incumprimento dos
devedores cedidos ou não;
➢ Aberto/fechado - consoante postula ou não a notificação do devedor cedido
pelo adquirente.
(o restando do contrato não vai ser perguntado uma vez que não foi dado)
Caso 22- O caso do contrato de factoring em que o devedor não pagou e o
aderente também não quer pagar
A Semprabrir – Transporte de encomendas, S.A., celebrou com a Real Factor –
Sociedade de Factoring, S.A., um contrato de factoring. Em cumprimento desse
contrato, a Semprabrir cedeu à Real Factor o crédito que tinha sobre a Sólido –
Construção de Molhes, Lda. Por sua vez, a Real Factor fez à Semprabrir o pagamento
antecipado do crédito cedido.
Como a Sólido nunca pagou o que devia, tendo sido declarada insolvente e liquidada,
a Real Factor vem agora exigir da Semprabrir o pagamento. Esta última recusa-se a
pagar alegando que nada ficou convencionado quanto a isso no contrato celebrado.
A Semprabrir invoca o facto de ter feito a cessão do crédito e, por isso, ser agora a
Real Factor que é titular do mesmo. Logo, deveria ter obtido o pagamento da Sólido.
Terá razão?
Resolução- Para resolver este caso temos de distinguir o factoring com
recurso e sem recurso. O contrato de factoring não envolve necessariamente o
chamado recurso, não envolve a possibilidade de o factor poder exigir do aderente
o valor do crédito se o devedor não pagar. O próprio devedor inclusivamente foi
declarado insolvente e foi liquidado. Temos de convocar o regime da cessão de
créditos (artigo 587º, nº2 CC) – é evidente que na prática os contratos de factoring
2019/2020 Rita Nina – FDUC 111
vão conter essa cláusula, em alguns casos com clientes especiais podem admitir um
contrato de factoring sem recurso, mas as comissões, nestes casos, sobem porque a
sociedade de factoring está a correr um risco muito maior.
Não havendo convenção a garantir a insolvência do devedor, teremos aqui
um contrato celebrado sem recurso, logo, não pode exigir agora esse valor.
5.- Contratos de intermediação financeira
Denominam-se contratos de intermediação financeira os “negócios jurídicos
celebrados entre um intermediário financeiro e um cliente (investidor) relativos à
prestação de atividades de intermediação financeira”.
Relacionam-se com as atividades de intermediação financeira (ex.: serviços e
atividades de investimento em instrumentos financeiros). O facto de uma atividade
ser integrada numa destas classificações, segue-se uma série de obrigações, deveres.
Na prática dos “big players”, tudo é um jogo de gato e rato, por isso se fala de
inovação financeira.
Estes contratos encontram-se previstos e regulados autonomamente nos
arts. 321º a 343º do CVM e apresentam as seguintes características:
 Categoria contratual autónoma: os diferentes tipos contratuais previstos nos
arts.325º e ss CVM representam um conjunto ou classe de contratos
financeiros que se encontram subordinados a um regime jurídico mínimo
comum.
 Contratos comerciais: não apenas os contratos jusfinanceiros em geral
tiveram a sua origem histórica no CCom, como os contratos de intermediação
em particular representa hoje verdadeiros “contratos de empresa”, na
medida em que são (quase) exclusivamente celebrados por “empresas”
constituídas sob a forma de instituições de crédito, de empresas de
investimento e de sociedades gestoras de fundos de investimento mobiliário.
 Quanto aos sujeitos, estes contratos caracterizam-se por serem
necessariamente concluídos, em regra, entre intermediários financeiros
(art.289º/2 CVM) e investidores ou clientes, que podem agrupar-se em duas
grandes categorias: investidores qualificados e investidores não qualificados
(art.30º CVM).
 Quanto ao seu objeto, estes contratos exibem duas notas fundamentais:

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o Têm por objeto imediato a prestação de serviços de intermediação,
sendo, por isso, reconduzíveis, na sua maioria, à categoria mais geral
dos contratos de prestação de serviços;
o Têm por objeto mediato qualquer tipo de instrumento financeiro
(art.2º/2 CVM):
▪ Valores mobiliários (ações, obrigações, unidades de
participação, etc.);
▪ Instrumentos monetários (bilhetes do tesouro, papel
comercial, obrigações de caixa, etc.);
▪ Instrumentos derivados (futuros, opções, swaps, etc.)
Espécies
Servindo-nos da classificação legal das atividades de intermediação
financeira (art.289º/1 CVM), poderemos agrupar os contratos de intermediação
financeira em dois grandes conjuntos: os contratos de investimento e os contratos
auxiliares.
➢ Contratos de investimento – têm por objeto a prestação de serviços de
investimento em instrumentos financeiros (art.290º CVM):
o Contratos relativos a ordens para a realização de operações sobre
estes (art.325º a 334º CVM); o Contratos de colocação (arts.338º,
340º a 342º CVM); o Contratos de tomada firme (art.339º CVM); o
Contratos de gestão de carreira (arts.335º e 336º CVM);
o Contratos de consultoria para investimento (arts.294º, 301º e 320º
CVM); o Negócios por conta própria (ex.: arts.348º e 349º CVM)
➢ Contratos auxiliares – têm por objeto a prestação de serviços auxiliares dos
contratos de investimento (art.291º CVM): o Contratos de assistência
(art.337º CVM);
o Contratos de recolha de intenções de investimento (art.342º CVM); o
Contratos de registo e depósito (art.343º CVM); o Contratos de
empréstimo (art.350º CVM); o Contratos de consultoria empresarial
(art.291º/d CVM); o Contratos de análise financeira (arts.12º-A e ss,
304º-D CMV).

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Regime jurídico
Os contratos de intermediação financeira encontram-se sujeitos dois
regimes:
 Um regime jurídico geral do exercício da atividade de intermediação
financeira, onde se incluem os vários deveres gerais que impendem sobre os
intermediários financeiros: deveres de categorização de investidores
(arts.30º, 110º-A, 317º a 317º-D CVM), deveres de boa-fé, diligência,
lealdade, transparência e segredo profissional (art.304º CVM) e os deveres
de organização empresarial (arts.305º a 316º CVM).
 Um regime específico ou próprio:
o No que concerne aos contratos de intermediação celebrados com
investidores não qualificados, o legislador prescreve a forma escrita
(art.4º e 321º/1 CVM), impõe a existência de um conteúdo contratual
mínimo (art.321º-A CVM) e consagra a admissão de contratos de
adesão (com a equiparação dos investidores não qualificados a
consumidores para efeitos do regime jurídico das cláusulas
contratuais gerais – art.321º/2 a 4 CVM). o No que diz respeito a
contratos de intermediação celebrados fora do estabelecimento,
consagrou-se um direito de arrependimento ou desistência
contratual dos investidores não qualificados durante um prazo de 3
dias após a conclusão do contrato, no caso de inexistir anterior
relação de clientela (ar.322º CVM).
o Relativamente à generalidade dos contratos e clientes, foram ainda
previstas regras próprias em sede de informação (arts.323º a 323º-C
CVM), de responsabilidade contratual (art.324º/1 CVM) e de
prescrição (art.324º/2 CVM).

Quanto aos intermediários financeiros, hoje em relação a certas entidades


é admissível a representação por agentes vinculados. Isto é importante, uma vez que
as vezes ao lidar com intermediários financeiros, pensamos que tem poder para
atuar, mas na verdade não tem – importante fazer a distinção. Também é importante
distinguir investidores profissionais, não profissionais, contrapartes ilegíveis – vão
mudar deveres, obrigações, etc. Acontece que muitas vezes os intermediários
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financeiros podem justamente ter interesse próprio em canalizar os investidores
para certos investimentos porque se os levarem para ali vão ganhar dinheiro por
isso mesmo, por terem levado esses investidores para ali, mas vão ganhar dinheiro
de quem de alguma forma tem também algo a ganhar com esse investimento. O
intermediário pode só estar a ganhar por causa dos contratos que tem, mas também
pode ganhar pela entrada desses novos investidores. Os incentivos podem não ser
só dinheiro, podem ser viagens, informações, etc.
Nota: Contrato celebrado fora de estabelecimento, consagra direito de
arrependimento.
Caso 23
Resolução - Este Carlos é o chamado investidor não profissional, e numa
situação destas, o banco tem deveres acrescidos. E o primeiro dever é o dever de
conhecer o seu cliente. Por isso, o banco não pode vir argumentar aquilo. Na
realidade, o banco tem o dever de conhecer o seu cliente (317º), e este cliente é um
não profissional, perante isto o intermediário financeiro (banco) tem deveres de
informação, mais intensos do que aqueles que temos na consultadoria para
investimento. E o que nós aqui temos é uma consultadoria para investimento, este
dever de prestar informação e de revelar ao cliente se o ato é ou não aconselhável
para aquele cliente, recaia sobre o banco. O banco tem o dever de categorizar aquele
cliente, de conhecê-lo, e neste caso ia categoriza-lo como investidor não profissional
(categoria residual) e nessa medida tem o dever de alertar o Carlos para não se
adequar aquela operação ao perfil daquele investidor.
Uma coisa é ilicitude (este banco portou-se de forma ilícita) outra coisa é
provar os requisitos da responsabilidade (especificamente, o nexo causal). O banco
cometeu um ilícito.

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