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AULA 1

DIREITO SOCIETÁRIO

Prof. Érico Eleuterio da Luz


CONVERSA INICIAL

Nesta aula, você terá contato com os conceitos iniciais, porém


fundamentais para uma compreensão mais ampla e técnica do direito societário,
suas características e principais elementos formadores. É sabido que os conceitos
relativos à legislação societária afetam de forma significativa as análises e
decisões dos profissionais envolvidos com a dinâmica de negócios. Mais
precisamente, a área de contabilidade, auditoria e controle exigem dos seus
profissionais um conhecimento legislativo razoável acerca do tema que ora se
apresenta.
O conhecimento do direito societário é imprescindível em muitos aspectos,
notadamente na interpretação dos seus institutos para uma devida compreensão
do seu impacto no mundo dos negócios.
Os conceitos aqui apresentados são de fácil compreensão, até porque são
enunciados que estão diretamente relacionados com a atuação dos profissionais,
advogados ou não, que atuam em qualquer área de negócios.
Boa leitura e aproveite!

TEMA 1 – DIREITO SOCIETÁRIO: ORIGEM E EVOLUÇÃO

É consenso entre economistas e historiadores que o crescimento


econômico provoca sistematicamente a necessidade de que outras áreas do
conhecimento acompanhem sua evolução, na medida em que há a necessidade
de adaptação de seus conceitos aos novos tempos trazidos pelo crescimento. E
não é diferente com o direito societário, cujo surgimento, estruturação e evolução
acompanha a dinâmica econômica das nações. O crescimento econômico não se
sustenta tão somente com o esforço e os investimentos das pessoas naturais,
surgindo, portanto, a necessidade das pessoas se associarem para a execução
de negócios que necessitam de investimentos de maior vulto e com elevado risco.
Dessa associação, surge a sociedade empresária que deve proporcionar o grau
de segurança necessário para os investimentos. Cabe ao Estado organizar sua
estrutura, inclusive legislativa, de modo a aprimorar os controles e facilitar os
negócios. Surge aí a legislação societária com vistas a, ao mesmo tempo, coibir
e punir os maus empresários, como também incentivar aqueles que pretendem
exercer uma atividade econômica com zelo e retidão. Para Bertoldi e Ribeiro
(2020, p. 27), “o direito comercial, surge, no entanto, como ramo autônomo do

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direito depois da queda do Império Romano, na idade média, com o objetivo de
dar maior segurança à atividade mercantil”. Veja-se que o direito societário
compõe o direito comercial (este mais amplo, porque trata de todos os elementos
que impactam na atividade negocial).
No Brasil, pode-se considerar que a norma que marcou o início e o
desenvolvimento do direito societário foi o código comercial de 1850, fortemente
influenciado pelos Códigos Francês, Espanhol e Português.
Graficamente, Bertoldi e Ribeiro (2020, p. 32) oferecem um resumo do
surgimento e evolução do direito societário, aqui considerado como direito
comercial.

Direito romano

Origem do direito comercial Idade média

Era dos descobrimentos

Código Napolêonico de
Teoria dos atos de comércio
1807

1822 – Independência – Lei da Boa Razão

Direito comercial do Brasil

1850 – Código Comercial Brasileiro

Código Civil italiano - 1942

Teoria da empresa

Código Civil brasileiro - 2002

Fonte: Bertoldi e Ribeiro (2020, p. 32).

Os autores ensinam que a Lei da Boa Razão, datada do Século XVIII,


determinava a aplicação subsidiária, no Brasil, das leis comerciais vigentes nas

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nações cristãs, iluminadas e polidas, que com elas estavam resplandecendo na
boa, depurada e sã jurisprudência. Com isso, segundo ainda os ilustres
doutrinadores (2020), eram aplicadas aqui a legislação comercial francesa e
espanhola.
O Código Civil Brasileiro, Lei n. 10.406/2002, que entrou em vigor em
janeiro de 2003, trouxe significativas mudanças no Direito das Empresas e na
regulamentação das sociedades em geral, inclusive seus tipos societários; dentre
eles, a Sociedade Limitada, Conta de Participação, Nome Coletivo, Comandita
Simples, Sociedade Anônima e Comandita por Ações.
A revogação da primeira parte do Código Comercial (Lei n. 556/1850), que
adotava a Teoria dos Atos do Comércio, com a introdução do Direito de Empresa
pelo já citado Código Civil, representou um considerável avanço, pois classifica
juridicamente o comerciante como “empresário”, ou seja, aquele exerce a
empresa, sinônimo de atividade econômica, e que estrutura todo o conceito legal
de empresário e sociedade empresária. É o que define o art. 966 da Lei n.
10.406/2002, como se vê:

Art. 966. Considera-se empresário quem exerce profissionalmente


atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de
bens ou de serviços.
Parágrafo único. Não se considera empresário quem exerce profissão
intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o
concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da
profissão constituir elemento de empresa.

Ou seja, modernamente, aquele que exerce atividade econômica e que se


enquadre no tipo legal específico (art. 966, acima) será considerado empresário,
independente de se enquadrar como um “comerciante”. É a teoria da empresa em
substituição à teoria dos atos de comércio, que vigorou até a entrada do Código
Civil.

TEMA 2 – TEORIAS DOS ATOS DE COMÉRCIO E TEORIA DA EMPRESA

Pela teoria dos atos de comércio, eram comerciantes aqueles que


executavam atividade de indústria e comércio, famosa atividade comercial. Para
J. X. Carvalho de Mendonça, citado por Bertoldi e Ribeiro (2020), devia-se levar
em conta, para caracterizar os atos de comércio, três classes de atos, quais
sejam:

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a) Atos de comércio por natureza comerciais ou profissionais, que são
aqueles negócios jurídicos referentes diretamente ao exercício normal da
indústria mercantil;
b) Atos de comércio por conexão ou dependência, que são aqueles atos
praticados pelo comerciante no interesse e em virtude do exercício do seu
comércio, mesmo que de forma graciosa;
c) Atos de comércio por força ou vontade da lei, que são todos aqueles atos
que, independentemente de sua essência ou da qualidade da pessoa que
o pratica, é tido como comercial porque assim a Lei determina.

Comerciante seria então aquele, de forma profissional, pratica a


intermediação entre o produtor e consumidor. Isto porque, pelo aumento das
atividades mercantis, desde o denominado renascimento mercantil, era
necessário que fosse estabelecido um regime jurídico especifico para regular
essas atividades. Nesse sentido, Ramos (2020, p. 4) explica que “a doutrina
francesa criou a teoria dos atos de comércio, que tinha como uma de suas funções
essenciais a de atribuir, a quem praticasse os denominados atos de comércio, a
qualidade de comerciante”. Isso era pressuposto básico para a aplicação das
normas do código comercial.
Isto posto, importavam para o direito comercial as relações jurídicas que
envolvessem os atos praticados atinentes às atividades de comércio. Aquelas
atividades que não envolviam a prática desses atos eram reguladas pela
legislação civil.
Não era tarefa fácil, portanto, saber como enquadrar os atos que não se
caracterizavam como de comércio. Aqueles que exerciam profissão
regulamentada (advogados, contadores e outros) eram considerados de atividade
civis. O problema se dava com o enquadramento das atividades de serviços
gerais, pois não se enquadravam em nenhum dos conceitos.
Entretanto, como a entrada em vigor da Lei n. 10.406/2002, pode-se
assegurar que o Brasil adotou a teoria da empresa como diretriz para se qualificar
a atividade econômica. Ao adotar a teoria da empresa, o código civil rompe com
a teoria dos atos de comércio. Desaparece a figura do comerciante e surge em
seu lugar o “empresário”. Embora não tenha conceituado juridicamente o vocábulo
“empresa”, a nova Lei de 2002 estabeleceu o conceito de empresário, em seu art.
966.

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Graficamente, pode-se compreender as características da teoria dos atos
de comércio conforme a exposição do professor André Santa Cruz:

Todos os que
praticassem
algum dos Sujeição ao regime
atos de jurídico comercial
comércio
Teoria dos Adoção de critério
Atos do formal para
Comércio enquadramento dos Exceção:
agentes econômicos Prestadores
de Serviços e Não sujeição ao regime
Negociadores jurídico comercial
de Imóveis

Fonte: Ramos, 2020, p. 36.

Fica claro, portanto, que, na teoria dos atos de comércio, havia uma certa
restrição ao enquadramento de atividades cuja natureza não fossem direta ou até
mesmo indiretamente classificadas como comerciais.
Esse era um aspecto que, ao longo do tempo, levou a uma crescente crítica
por parte de especialistas do direito e de empreendedores em geral.

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Graficamente, um resumo da teoria da empresa:

Art. 966 CC
Regra: Adoção de  Profissionalmente
critério material para
 Atividade econômica
enquadramento dos
agentes econômicos  Organizada

 Produção/circulação de
bens e serviços
Teoria da
Empresa
Regra

Exceção: Adoção de Profissionais


outros critérios para intelectuais
determinados Exceção: Quando
agentes econômicos o exercício da
profissão
específicos
constitui
elemento de
empresa

Atividade Regra
rural

Exceção: Quando
optar por
registro na junta
comercial

Cooperativas

Sujeição ao
regime jurídico
Sociedades empresarial
por ações

Não sujeição ao
Sociedades regime jurídico
de advogados empresarial

Fonte: Ramos, 2020, p. 36.

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Embora possa parecer mais complexa, ao adotar a teoria da empresa, o
legislador brasileiro trouxe conceitos já há tempos adotados em outros países e,
ao privilegiar a atividade econômica como marco de classificação, pacificou as
controvérsias existentes.

TEMA 3 – CONCEITO DE EMPRESA E EMPRESÁRIO

Já se afirmou anteriormente que o Código Civil não conceitua a empresa,


mas sim estabelece o conceito de empresário, que é aquele que exerce, como
profissão, atividade econômica organizada para produzir ou fazer circular bens ou
serviços. O parágrafo segundo do artigo 966 excetua do conceito de empresário
“aquele que exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou
artística, mesmo tendo colaboradores ou auxiliares, salvo se o exercício constituir
elemento de empresa”.
Com efeito, o citado art. 966 não deixa dúvidas com relação ao conceito de
empresário, fazendo-o com clareza e objetividade:

Art. 966. Considera-se empresário quem exerce profissionalmente


atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de
bens ou de serviços.
Parágrafo único. Não se considera empresário quem exerce profissão
intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o
concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da
profissão constituir elemento de empresa.

Ramos (2020, p. 15) cita jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça,


que corrobora com a compreensão de que empresa deve ser entendida como
“atividade econômica”, como segue:

(...) 2. O novo Código Civil Brasileiro, em que pese não ter definido
expressamente a figura da empresa, conceituou no artigo 966 o
empresário como ‘quem exerce profissionalmente atividade econômica
organizada para a produção ou circulação de bens ou de serviços’ e, ao
assim proceder, propiciou ao intérprete inferir o conceito jurídico de
empresa como sendo ‘o exercício organizado ou profissional de
atividade econômica para a produção ou circulação de bens ou de
serviços’. 3. Por exercício profissional da atividade econômica, elemento
que integra o núcleo do conceito de empresa, há que se entender a
exploração de atividade com finalidade lucrativa. (...) (STJ, REsp
623.367/RJ, 2. Turma, Rel. João Otávio de Noronha, DJ 09.08.2004. p.
245.

Portanto, o empresário é a pessoa, física ou jurídica, que faz funcionar a


empresa, vale dizer atividade econômica, organizada para produzir ou fazer
circular bens ou serviços e satisfazer as necessidades alheias. E empresa deve
ser compreendida como uma atividade econômica que busca lograr êxito com o

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lucro do empreendimento. A empresa, portanto, não é sujeito de direito e sim o
empresário, que exerce a empresa como seu titular, tanto podendo ser o
empresário individual como a sociedade empresária. Portanto, o sócio de uma
sociedade não é empresário!

TEMA 4 – EMPRESÁRIO INDIVIDUAL

A Lei n. 10.406/2002, o Código Civil, em seu art. 44, elenca as pessoas


jurídicas existentes no ordenamento jurídico pátrio. Veja:
Art. 44. São pessoas jurídicas de direito privado:

I. As associações;
II. As sociedades;
III. As fundações.
IV. As organizações religiosas;
V. Os partidos políticos;
VI. As empresas individuais de responsabilidade limitada.

Como visto no art. 44 do Código Civil, o empresário individual não é


considerado pessoa jurídica e se caracteriza quando uma pessoa exerce em
nome próprio atividade econômica organizada.
Lembremos que, pelo art. 966 do Código Civil, é empresário quem exerce,
como profissão, atividade econômica organizada para produzir ou fazer circular
bens ou serviços.
Não se enquadrando como pessoa jurídica, o empresário individual é
verdadeiramente uma pessoa natural equiparada à pessoa jurídica para efeitos
de enquadramento na legislação tributária.
Tomazette (2020, p. 48) ensina que “o empresário individual é a pessoa
física que exerce a empresa em seu próprio nome, assumindo todo o risco da
atividade. Ainda que seja lhe atribuído um CNPJ próprio, não distinção entre a
pessoa física em si e o empresário individual”. A ausência de personalidade
jurídica expõe o empresário individual ao risco de ver seu patrimônio pessoal
sendo responsabilizado por dívidas contraídas pelo empreendimento de que é
titular. Essa confusão patrimonial atinge, portanto, seus bens pessoais em
possíveis execuções fiscais, trabalhistas ou de natureza cível.

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TEMA 5 – TEORIA CONTRATUALISTA E ANTICONTRATUALISTA

Para a constituição de uma sociedade empresário, é necessário um


instrumento que regule os diversos aspectos necessários a bom funcionamento
da sociedade. Esse documento é o contrato social ou estatuto, a depender do tipo
de sociedade que será criada: se uma sociedade limitada (regulada pelo contrato
social) ou uma sociedade anônima (regulada pelo estatuto).
Nesses documentos, são formalizadas diversas regras, como o montante
do capital social, o objeto social, prazo de duração e a contribuição de cada sócio
para formação do capital social.
Porém, uma inquietação se faz presente sempre que se indaga qual a
natureza jurídica do ato constitutivo da sociedade. Nesse sentido, destacam-se
dois grupos: os contratualistas e os anticontratualistas.
Os adeptos da teoria anticontratualista ponderam que o próprio conceito de
contrato não autoriza considerar que haja um contrato entre os sócios. Segundo
os anticontratualistas, o ato que faz surgir uma sociedade é um ato complexo,
coletivo, um verdadeiro acordo coletivo. Afirmam que a característica do contrato
é a bilateralidade, compondo um certo antagonismo entre as partes, o que não é
próprio nas relações entre os sócios de uma sociedade. Um exemplo trazido por
Bertoldi e Ribeiro (2020, p. 148) contribui para esclarecer a tese anticontratualista.
Afirmam que, “tomando-se como exemplo o contrato de compra e venda,
verificamos que o devedor sempre procura pagar o mínimo possível e em
condições mais favoráveis, enquanto o credor, em detrimento do vendedor,
procurar sempre as condições mais propícias para receber seu crédito”.
Esse antagonismo não se amolda com a sociedade. Não há interesses
contrários, segundo esses teóricos, numa sociedade, pois todos os sócios buscam
o bem comum, a evolução do negócio, os resultados positivos. Não se poderia
então justificar que juridicamente haveria um contrato (dadas sua natureza e
características) entre os sócios. Seria, como afirmado anteriormente, esse
instrumento um verdadeiro acordo coletivo, com a convergência de todos os
interesses a um fim comum. Nesse caminho, os sócios “instituem” (teoria da
instituição) uma sociedade.
Já para os contratualistas, a sociedade surge de um ato constitutivo, cuja
natureza é contratual. Com efeito, para se contratar uma pessoa jurídica, é
necessária a existência de alguns, como a licitude do objeto, a vontade de

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contratual, forma prescrita ou não proibida pela lei e a capacidade dos
contratantes.
Cumpridos esses requisitos, é possível a realização de um contrato. Na
sociedade empresária, há um acordo de vontades entre os sócios, envolvendo-se
também a pessoa jurídica (sujeita de direitos) que foi criada pela vontade dos
sócios. Nesse sentido, não se obriga a considerar que haverá antagonismo entre
os sócios e nem que esse embate deve estar presente em todos os contratos. Os
sócios contratam entre si e com a sociedade na busca de um objetivo comum,
para satisfação de seus desejos de lucro e crescimento. Nas lições de Tullio
Ascarelli (citado por Bertoldi e Ribeiro, 2020), o contrato de sociedade é de
natureza plurilateral, o que é efetivamente a essência dos interesses
convergentes dos contratantes.

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REFERÊNCIAS

BERTOLDI, M.; RIBEIRO, M. C. P. Curso avançado de direito comercial. 4. ed.


São Paulo: Revista dos Tribunais, 2020.

FAZZIO JÚNIOR, W. Manual de direito comercial. São Paulo: Atlas, 2020.

GONÇALVES NETO, A. de A. Direito de empresa. São Paulo: Revista dos


Tribunais, 2019.

MAMED, G. Direito societário: sociedades simples e empresárias. São Paulo:


Atlas, 2020.

MARTINS, F. Curso de direito comercial. 22. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018.

SILVA, B. M. Direito de empresa: teoria da empresa e direito societário. São


Paulo: Atlas, 2007.

RAMOS, A. L. S. C. Direito empresarial esquematizado. São Paulo: Método,


2020.

REQUIÃO, R. Curso de direito comercial. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.

TOMAZETTE, M. Curso de direito empresarial. Teoria geral e direito societário.


São Paulo: Saraiva, 2020.

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