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No Código Civil italiano de 1942 ocorre a unificação do direito privado, de

1.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA tal modo que num mesmo ordenamento, em um mesmo conjunto de normas são
regulados o direito civil e o direito comercial. Assim, por exemplo, as normas que
O direito comercial tem início na Idade Média. Para Gladston Mamede, a
regulam as relações obrigacionais são aplicáveis tanto para as operações
origem está nas regiões de Ur e Lagash (cidades mesopotâmicas da Idade Antiga),
corriqueiras de consumidores quanto para as complexas relações entre
mas o que é aceito pela maioria é que o começo está com o florescimento das
empresários. Também é nesse ordenamento, que se adota a teoria da empresa,
primeiras cidades (burgos) e o desenvolvimento do comércio marítimo.
abandonando-se o termo “comércio” e adotando-se o termo “empresa”.
Durante a Idade Média, com a ausência de um Estado centralizado, as
regras eram estabelecidas dentro dos limites dos feudos. Na baixa Idade Média,
observa-se a decadência do sistema feudal e o fortalecimento das cidades, e,
socialmente, uma nova classe começa a ganhar força: a dos mercadores
ambulantes que agora tinham condições de se fixarem, e precisavam de regras para
as suas atividades, que simplesmente eram ignoradas pelo tradicional direito civil.

Para tanto, começaram a se organizar em corporações, e desenvolveram


regras, baseadas nos costumes, para serem aplicadas nas relações entre
comerciantes. Este é o período subjetivo do Direito comercial.

Nesse momento, o critério caracterizador do comerciante é a participação


na corporação de ofício (de artesãos, comerciantes etc.), não importando o que o
comerciante faça, mas se pertence ou não a uma determinada corporação. O direito
comercial é um direito de uma determinada classe. De acordo com Marlon
Tomazette, tal sistema também se refletiu no Brasil durante o século XVIII e a
primeira metade do século XIX, quando as normas tratavam dos “homens de
negócios, seus privilégios e sua falência”.

Na Idade Moderna, com a centralização do poder político nas mãos do


monarca, o Direito também será uma atribuição do Estado. Nesse período, o direito
comercial não está mais restrito às atividades dos comerciantes. Exemplo disso é o
surgimento dos títulos de crédito, que na sua criação estão ligados às relações
comerciais, mas com a sua circulação, tornavam- se um direito autônomo. O
critério adotado nesse período, como resposta ao período anterior, é o objetivo, ou
seja, superado o direito das corporações, a definição de comércio depende dos
atos realizados, se são ou não comerciais, e não das pessoas que os realizam.

A legislação que marca esta nova visão do direito comercial, é o Código


Francês de 1807, que adota a teoria dos atos do comércio, ou seja, o
comerciante é quem pratica determinado ato definido na lei como ato típico da
atividade comercial.

Como era de se esperar, também este período foi superado, já que não era
possível prever e relacionar todos os atos que poderiam ser comerciais. O terceiro e
atual momento é o iniciado pelo Código Civil italiano de 1942. O foco agora não
são os atos comerciais, mas a atividade realizada pelo empresário.
1.2 EVOLUÇÃO DO DIREITO COMERCIAL NO BRASIL • atos de comércio por força de lei, que são caracterizados como ato de
comércio simplesmente por força de lei, como, por exemplo, os atos realizados
No Brasil, durante todo o período de colonização, se aplicava apenas as pelas sociedades por ações.
normas portuguesas (por exemplo, as Ordenações Filipinas). Com a vinda da
Corte para o Brasil em 1808, a colônia brasileira passa a ser o centro do império O Regulamento 737 foi revogado em 1875, mas sua lista de atos de
português. Além disso, a abertura dos portos às nações aliadas de Portugal fez com comércio continuou sendo utilizada, o que, na prática, gerava problemas, pois vários
que fosse criada a “Real Junta de Comércio, Fábrica e Navegação deste Estado do atos, por não pertencerem à lista, não eram considerados comerciais, como a
Brasil e seus Domínios Ultramarinos”, por um alvará real em 23-8-1808. Em 1815, compra e venda de imóveis, a atividade rural, a prestação de serviços, entre outros.
passa a ser designada “Real Junta de Comércio, Fábrica e Navegação do Império
do Brasil” e perdura até 1850 com a publicação do Código Comercial de 1850. A Dessa necessidade, e por influência do Código Civil italiano de 1942, o
Real Junta de Comércio, além de resolver inicialmente conflitos ultramarinos, Brasil, antes mesmo do Código Civil de 2002, começa a adotar a teoria da
cuidava das matrículas dos negociantes e das certidões necessárias à época. empresa, como pode se notar, por exemplo, na Lei n. 8.934/94, que trata do
Registro de Empresas Mercantis.
A nossa primeira regulamentação é o Código Comercial de 1850, que segue
a influência do Código Francês de 1808, adotando, portanto, o critério objetivo da Com o Código Civil de 2002 adota-se oficialmente a teoria da empresa e
teoria dos atos de comércio. ocorre a unificação, ao menos formal, do direito civil com o direito empresarial. Esta
unificação formal não é absoluta, já que parte do Código Comercial de 1850 ainda
Embora não houvesse uma relação dos atos de comércio no Código continua em vigor, e o direito empresarial continua a ser disciplinado por várias leis
Comercial, o Regulamento 737, também de 1850, definia em seu art. 19 quais atos especiais, tais como a Lei n. 6.404/76 (sociedades anônimas), o Dec. 57.663/66
seriam de comércio: “§ 1º A compra e venda ou troca de efeitos móveis ou (letra de câmbio e nota promissória), a Lei n. 7.357/85 (cheque), a Lei n. 8.934/94
semoventes, para os vender por grosso ou a retalho, na mesma espécie ou (registro de empresas) etc.
manufaturados, ou para alugar o seu uso. § 2º As operações de câmbio, banco e
corretagem. § 3º As empresas de fábricas, de comissões, de depósito, de Agora o empresário é definido de acordo com o art. 966 do Código Civil de
expedição, consignação e transportes de mercadorias, de espetáculos públicos. § 4º 2002, como quem “exerce profissionalmente atividade econômica organizada
Os seguros, fretamentos, riscos e quaisquer contratos relativos ao comércio para a produção ou a circulação de bens ou de serviços”.
marítimo. § 5º A armação e expedição de navios”.

O comerciante era definido como quem praticava a “mercancia”, o comércio.


O problema era que o Código Comercial de 1850 não definia o que era a
“mercancia”.

Carvalho de Mendonça é quem nos ajudará a compreender melhor os atos


de comércio, diferenciando-os em três tipos:

• atos de comércio por natureza, que são os negócios jurídicos


relacionados ao “exercício normal da indústria mercantil”. Neles se observa a
habitualidade ou profissionalismo, a finalidade lucrativa e a intermediação, que
significa não adquirir a mercadoria como destinatário final e sim aproximar o
produtor ao consumidor final;

• atos de comércio por dependência ou conexão, que são atos


originalmente civis, mas por terem sido realizados no interesse da atividade
1.3 FONTES
comercial, adquirem a conotação de atos de comércio, é o caso, por exemplo, da
compra de mesas e cadeiras para um restaurante ou um congelador para um bar. Na visão de Rubens Requião, são fontes do direito empresarial: a lei e os
costumes. Quanto às leis, Rubens Requião, assevera que apenas as “leis
comerciais” são fontes do direito empresarial, e que devem ser excluídas as leis
civis, pois a “regra civil não pode condizer com a natureza da relação comercial”.
Entretanto, hoje grande parte das regras empresariais estão dispostas no
ordenamento civil, e, como nem sempre é possível separar tão claramente o que
são regras empresariais ou civis, a lei civil ou empresarial será fonte do direito
empresarial se puder ser aplicada ao caso concreto, de acordo com as regras de
interpretação.

As leis, que são fontes do direito empresarial, encontram-se em grande


medida no Código Civil no Livro II, “Do Direito da Empresa” e no Título VIII do Livro
I, “Do Direito das Obrigações”, que trata dos “Títulos de Crédito”, e que são
aplicados quando houver a omissão das Leis especiais, como o Dec. 57.663/66, a
Lei n. 5.474/68, a Lei n. 7.357/85, entre outras. Além da Lei n. 6.404/76 que trata
das sociedades por ações, e da Lei n. 11.101/2005 que trata da recuperação de
empresas e da falência, entre outras.

É importante ressaltar que o Código Comercial de 1850, apesar de ter sido


quase todo revogado, ainda continua parcialmente em vigor e é fonte para o
comércio marítimo (Parte Segunda).

Quanto ao costume, chamado por Rubens Requião como “usos comerciais”,


certamente foi a origem de todo o direito empresarial, quando as regras eram
definidas pelas Corporações de ofício. E os usos, para que se transformem numa
regra implícita de uma comunidade, devem ser praticados reiteradamente, por
certo tempo, e com o reconhecimento voluntário dessa comunidade.

Requião classifica os usos em dois grupos:

• usos propriamente ditos ou de direito, que são os aplicados pela vontade


1.4 CONCEITO E AUTONOMIA
do legislador e por isso são aplicados imperativamente;
Historicamente, como vimos, apenas existia o direito privado como sinônimo
• usos interpretativos ou convencionais, que surgem pela vontade das
do direito civil, especialmente durante o Império Romano. Com o florescimento das
partes. Em todo o caso, os usos não podem prevalecer contra a lei, não se
cidades e a ascensão da classe dos mercadores, se faziam necessárias regras
admitindo os costumes contra legem. É importante ressaltar que as normas
especiais para aquelas relações, cujo dinamismo exigia normas capazes de
cogentes não podem ser alteradas pela vontade das partes, enquanto as normas
regulá-las, diversas daquelas do direito comum. É nesse momento que surge um
dispositivas podem ser alteradas pela vontade das partes.
conjunto de regras, a princípio apenas alcançando os membros das corporações de
No Brasil, compete às Juntas Comerciais fazer os assentamentos dos usos e ofício e posteriormente a todos que realizassem os atos comerciais.
práticas comerciais (art. 8º, VI, da Lei n. 8.934/94).
Nesse momento é inquestionável a autonomia formal e material do direito
comercial, já que além de regras especiais que regulamentam a disciplina, temos
um corpo de normas específico, o Código Comercial de 1850.

Essa autonomia é questionada, quando o Código Civil de 2002 trata num


mesmo ordenamento o direito civil e parte das regras do direito empresarial.
Entretanto, a autonomia não se perdeu, já que apenas uma parte do direito
empresarial foi tratada no Código Civil de 2002. Outras leis continuam a compor o
ordenamento empresarial como a Lei n. 11.101/2005, que trata da recuperação de
empresas e da falência, a Lei n. 7.357/85 que regula o cheque, a Lei n. 9.279/96
que trata da propriedade industrial entre outros, sem contar que o próprio Código
Comercial continua em vigor em relação ao comércio marítimo.

E ainda que se falasse na perda relativa da autonomia formal, a autonomia


material foi mantida, que no dizer de Marlon Tomazette, significa entre outras
coisas a manutenção de princípios próprios, que são: “a simplicidade das formas, a
onerosidade, a proteção ao crédito, o cosmopolitismo”. A simplicidade das formas é
necessária em virtude da velocidade das relações econômicas. A onerosidade se
observa no objetivo claro do empresário em lucrar com sua atividade. O crédito é
essencial para a manutenção da atividade econômica, enquanto o cosmopolitismo
reflete a globalização das relações empresariais.

Como se tudo isso não bastasse, a autonomia do direito empresarial é


assegurada pela CF/1988, no art. 22, I, que, ao tratar da competência privativa da
União para legislar sobre diversas matérias, explicitou que entre elas estão o “direito
civil” e o “direito comercial”. Portanto, não resta dúvida de que se trata de matérias
diferentes e autônomas.

A nomenclatura “direito empresarial” se mostra mais adequada do que


simplesmente direito comercial, pois a preocupação da disciplina não está apenas
na atividade de intermediação de mercadorias, mas também na produção, na
prestação de serviços bem como todas as relações necessárias para viabilizar a
atividade empresarial.

O direito empresarial é, portanto, o ramo do Direito que tem por objeto a


regulamentação da atividade econômica daqueles que atuam na circulação ou
produção de bens, bem como na prestação de serviços, que conheceremos a seguir
com a denominação de empresário.

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