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O Direito Comercial em sentido próprio, enquanto corpo normativo autónomo, tendo por
função regular a actividade mercantil, surgiu na época medieval, no século XII, nas cidades
italianas como Florença, Génova, Milão e Veneza, por comerciantes. Era uma época de fraco
poder político central e de forte ressurgimento do comércio, e os comerciantes, organizados
em corporações, passaram a constituir a classe económica e politicamente dominante.
Fontes desse direito “especial” eram os costumes mercantis, os estatutos das corporações dos
mercadores e a jurisprudência dos tribunais “consulares”. Assim se desenvolveram regras,
institutos e princípios jurídicos como a liberdade de forma na conclusão de contratos, o
reforço do crédito mercantil, a ilicitude da venda de bens alheios quando feita por
comerciante, os auxiliares de comércio, o estabelecimento comercial e sinais distintivos, a
escrituração mercantil, as letras de câmbio, os seguros marítimos, a sociedade em comandita,
a sociedade em nome colectivo.
Nos inícios do século XVII começam a surgir germes “objectivistas”, pois os membros das
corporações foram sujeitos à jurisdição consular por qualquer acto relativo ao comércio que
efectuassem, e admitiu-se que os não-comerciantes demandassem os comerciantes nos
tribunais consulares causa et occasione mercaturae. O direito comercial começa portanto a
preocupar-se com certos actos, independentemente de quem os pratica. Além das comunas
italianas, também regiões como a Catalunha e a França contribuíram para a formação e
desenvolvimento do direito comercial medievo.
Em Portugal, naquela altura, não se formou um autónomo ramo jurídico regulador das
relações comerciais, e não foram muitas as normas especialmente destinadas ao comércio,
regulado por costumes, forais, algumas disposições do código visigótico e de direito
canónico. Contudo, deve ser realçado o papel do Portugal medieval no desenvolvimento dos
seguros marítimos. Algumas das razões por que não se registou a autonomização do direito
comercial prendem-se com uma centralização estatal-régia bastante forte.
Na época moderna, com a centralização monárquica, a classe dos mercadores deixa de ser a
fazedora directa do direito comercial, passando o controlo das corporações dos comerciantes
e dos tribunais para o controlo do Estado. É a época da estatização-nacionalização do direito
comercial.
Este direito continua a ser de carácter subjectivo, mas a francesa ordonnance du comerce
consagra já alguns actos puramente objectivos. Fruto desses tempos foram as companhias
coloniais privilegiadas, que nasceram na Holanda, e caracterizavam-se já pela limitação da
responsabilidade dos sócios e a divisão do capital social em acções transmissíveis.
As correntes que têm impacto no início do século XX são as correntes empresarialistas, que
ainda hoje têm relevância: o que caracteriza o direito comercial e permite afirmar a sua
autonomia é a ideia de que o direito comercial está orientado para a prática de actos em
massa, sendo que é a empresa que o permite.
No século XX, houve legislações que consagraram um pensamento unitarista: o direito civil
e direito comercial deveriam ser o mesmo. Isto porque houve vários mecanismos do direito
comercial que acabaram por se generalizar para o direito civil, pondo em causa a autonomia
do direito comercial. Na Suíça, surge o código das obrigações, que abrange matéria
mercantil; em Itália, o Codice Civile abrange o regime das empresas. Isto não significa que,
materialmente, não haja diferenças, ainda que formalmente tenhamos um código unitário.
Esta discussão, acerca da autonomia do direito comercial, mantém-se ainda hoje, sobretudo
entre nós, onde se justifica uma reforma legislativa.
Também existe uma tendência para a auto-jurisdição: cada vez mais assistimos ao emergir do
recurso à arbitragem para resolver litígios entre operadores de mercado do comércio
internacional. É muito frequente chamar para árbitros pessoas que tenham tido experiência
profissional naquele ramo, direito marítimo. Há, assim, certos fios condutores que se mantêm.
No plano das fontes internacionais, temos ainda de contar com as directrizes e regulamentos
da União Europeia, principalmente no direito das sociedades.
Noção de direito comercial português
Não existe um conceito unitário de direito mercantil com valia universal. Atendendo ao
sistema jurídico português, podemos definir o direito comercial como o sistema jurídico-
normativo que disciplina de modo especial os actos de comércio e os comerciantes.
O artigo 1 CCom diz que a lei comercial rege os actos do comércio, sejam ou não praticado
por comerciantes, temos portanto um ponto de partida objectivista. Todavia, a lei mercantil
regula fenómenos que não são actos comerciais nem seus efeitos directos, por exemplo,
obrigações especiais dos comerciantes (firmas, escrituração mercantil) e organização interna
das sociedades. Por outro lado, a mesma lei, apesar de apresentar como ponto de partida uma
concepção objectivista, visa sobretudo os comerciantes: discrimina-os, artigos 13 e seguintes
CCom, estabelece o seu estatuto, artigos 18 e seguintes CCom, traça a organização
respectiva.
Embora o nosso direito tenha uma componente fortemente objectivista, este objectivismo não
é assim tão objectivo quanto isso. Há fronteiras de incerteza claras no regime da compra e
venda mercantil, um contrato central. Há quem diga que o comércio é a interposição das
trocas: o artigo 463 CCom regula esta figura, “compra de coisas móveis para revender”.
Parece muito objectivo, mas se é para revender estamos a olhar para a finalidade do acto: isto
é tudo menos objectivo.
O critério a seguir será objecto de muita discussão, mas a marca-de-água parece ser realmente
a existência uma empresa. É um direito que tem mais sentido dirigido aos contratos em torno
da empresa. Isto não significa que sejam apenas actos que se dirijam às empresas.
Coloca-se a questão de saber se, em vez de direito dos actos de comércio e dos comerciantes,
não será preferível definir o direito comercial como direito das empresas. A concepção
empresarialista do direito comercial foi cunhada por WIELAND e MOSSA e continuada por
HECK, RADBRUCH e LOCHER, e teve grande repercussão nas legislações e doutrinas
europeias dos anos vinte.
Porém, o empresarialismo “estrito”, o direito comercial como simples direito das empresas,
entrou em crise a partir dos anos cinquenta, porque essa concepção tendeu a restringir em
demasia o espaço do direito mercantil. Contudo, na Alemanha, reputados autores como
RAISCH e SCHMIDT, continuam defender uma concepção empresarialista: por eles no centro
do direito comercial está não o comerciante, mas a empresa. Podemos encontrar quer um
empresarialismo estrito, quer um menos estrito: neste sentido, mais que das empresas o
direito mercantil será à volta das empresas, pois não exclui certos actos ocasionais de
comércio, no domínio dos títulos de crédito e das operações de bolsa.
Pode dizer-se, na verdade, que o núcleo do direito mercantil está na empresa comercial,
constituindo ela o “princípio energético” a que todas as legislações, integráveis nos sistemas
subjectivo, objectivo ou misto, prestam homenagem.
É defensável que o nosso direito comercial reformado deve ser um direito à volta das
empresas, um direito do estatuto dos empresários singulares e colectivos, dos direitos e
negócios sobre as empresas e da tutela destas, dos negócios jurídicos de organização das
empresas. E não parecem ser obstáculos intransponíveis a esta defesa as imprecisões que se
vêm manifestando na determinação das empresas, nem o facto de haver empresas não
comerciais, empresários não comerciantes e até comerciantes não empresários.
Todavia, o direito comercial português actual, além de admitir comerciantes não empresários,
regula actos esporádicos ou ocasionais que não têm que ver com empresas mercantis e cuja
disciplina não poderá dizer-se, globalmente, determinada por interesses ligados à
empresarialidade. É exemplo a fiança, artigo 101 CCom.
Embora estes sejam fenómenos marginais, uma definição rigorosa do direito comercial
vigente não pode desconsiderá-los. Por isso preferimos defini-lo como direito dos actos de
comércio e dos comerciantes, embora actos e sujeitos em regra ligados às empresas
comerciais.
É visível que esta tendência jurídico-positiva para a unificação denota o que se vem
chamando comercialização do direito privado. Vão-se incorporando no direito civil regras e
características ou princípios tradicionais do direito mercantil, como o reforço do crédito o a
maior protecção da confiança, o a celeridade nas operações negociais. Tal comercialização
representa o triunfo do direito comercial e, ao mesmo tempo, a morte substancial do mesmo
direito. Mas a unificação do direito privado ao nível do direito das obrigações não afasta a
necessidade de uma disciplina especial para os empresários comerciais, como confirma o
Codice Civile de 1942. Uma disciplina subjectiva especial do tipo da italiana não parece
bastante para afirmar a autonomia substancial do direito mercantil, e já vimos que também ao
nível dos empresários se vem verificando uma progressiva unificação. Por outro lado ainda a
disciplina tradicionalmente aplicável a empresários vai-se estendendo a alguns não
empresários. Assim um direito comercial baseado nas empresas não tem de ser
tendencialmente autónoma, embora a autonomia didáctica e científica esteja salvaguardada.
Recentemente, vários autores têm defendido que se tem vindo a assistir a uma reafirmação da
autonomia substancial do direito comercial enquanto direito privado da empresa, baseados
no fenómeno do recurso aos contratos comerciais como contratos de empresa. Tal afirmação
apoia-se na “redescoberta” dos contratos comerciais como “contratos de empresa” e,
podemos dizer, que é aceitável a concepção do direito comercial como direito basicamente
das empresas. Os contratos comerciais não podem ser identificados como os contratos de
empresa, pois existem contratos comerciais sem que nenhuma das partes seja empresário no
exercício da respectiva actividade. Ou ainda, nos contratos de consumo contraparte do
consumidor é normalmente um empresário, mas não necessariamente.
Posto isto, e pese embora o elevado grau de unificação do direito privado patrimonial, e a
consequente redução do círculo de autonomia substancial do direito comercial, não somos
obrigados a reconhecer a insubsistência da autonomia substancial do direito comercial. As
nossas leis mantêm ainda um regime especial comum aplicável aos actos de comércio em
geral; existem algumas regras específicas para os actos de comércio em especial; e os
comerciantes têm um estatuto algo diverso dos não comerciantes.
Seria aconselhável promover uma maior unificação do direito das obrigações e deveria
consolidar-se a harmonização do estatuto dos empresários diversos, sem prejuízo de algumas
diferenciações de regime.
Nas fontes do direito mercantil podemos distinguir entre fontes internas e fontes externas.
Entre as fontes internas avultam as leis em sentido amplo, de modo a incluírem actos
legislativos e regulamentos. A Constituição contém algumas regras atinentes ao direito
comercial, como os artigos 61, 81 al. f), 82, 85, 86, 99, 100 e 293. Mas as principais fontes do
direito comercial são as leis ordinárias, em particular o Código Comercial. Também a
jurisprudência e a doutrina são fontes do direito comercial, pois as decisões judiciais
participam na criação do direito, interpretando e concretizando a normatividade jurídica. A
doutrina releva enquanto dogmaticamente complementar e antecipaste do direito
jurisprudencial. Temos ainda os usos e os costumes que, apesar de serem hoje menos
significativos, são ainda de alguma importância, mesmo não sendo contemplados no artigo 3
CCom.
Introdução
O direito comercial começou por ser um direito de comerciantes, para depois, a partir do
momento em que se estadualizou, ser retirado da esfera privativa dos mercadores
comerciantes, objectivando-se. Certos actos, por estarem previstos na lei, deveriam ser
qualificados como actos de comércio, sujeitos a uma jurisdição especial.
Hoje, temos um direito misto, composto por regulação de actos e comerciantes. Assim,
justifica-se que estudemos os actos de comércio e os comerciantes, pois ainda existe um
regime especial para os actos de comércio. O regime especial comum aos actos de comércio
em geral revela-se no seguinte: nas obrigações resultantes de actos mercantis, os co-
obrigados são solidários, artigo 100 CCom; segundo o artigo 15, as dívidas dos comerciantes
casados derivadas de actos mercantis presumem-se contraídas no exercício dos respectivos
comércios; o artigo 102 estabelece um regime com uma outra particularidade para os juros
relacionados com actos comerciais. A qualificação como comerciais de actos em geral
importa ainda para qualificar de mercantis outros actos que daqueles sejam acessórios, bem
como para qualificar sujeitos como comerciantes, artigo 13.
É esta mais uma manifestação da atenuação das especialidades do direito comercial dos
contratos ou obrigações.
Ao longo dos tempos têm sido defendidos conceitos unitários de acto de comércio. Para isso
foram usados principalmente três critérios: a finalidade especulativa, a interposição nas
trocas ou na circulação das riquezas, a existência de uma empresa.
Um dos autores mais esforçado neste sentido foi ALFREDO ROCCO, segundo o qual haveria
duas grandes categorias de actos comerciais: os actos de comércio constitutivos ou pela sua
natureza intrínseca, e actos comerciais por conexão ou acessórios. O acto de comércio seria
portanto definível como todo o acto que realiza ou facilita uma interposição na troca.
Hoje recusamos a possibilidade de algum destes critérios dar origem a uma noção unitária.
O mais importante não é definir uma noção unitária, mas perceber quais os modos de
manifestação de comercialidade objectiva. Não existe um critério único, temos aqui uma
categoria heterogénea. A comercialidade económica, interposição nas trocas, não esgota a
comercialidade jurídica.
Os actos de comércio são sobretudo contratos mas, além dos negócios jurídicos bilaterais,
podem ser actos mercantis negócios jurídicos unilaterais, como os negócios cambiários e os
negócios constituintes de sociedades comerciais unipessoais.
Fora do domínio dos negócios temos ainda simples actos jurídicos como actos comerciais,
por exemplo, as interpelações e avisos efectuados por sociedades mercantis a sócios
remissos, artigos 203 n° 3 e 204 CSC, e o protesto no domínio cambiário, artigo 44 da Lei
Uniforme das Letras e Livranças.
Os próprios factos jurídicos ilícitos não estão excluídos da qualificação como actos
comerciais, desde logo quando estejam previstos na lei mercantil, como a abalroação culposa
de navios, artigos 665 e seguintes CCom, ou os artigos 235, 236, 238, 245, 253, e 264 CC, ou
ainda a responsabilidade civil societária dos administradores e gerentes, artigos 72 e
seguintes CSC.
Já os factos jurídicos não voluntários ou naturais aprecem não qualificáveis como actos de
comércio, como o decurso do tempo fundamento de prescrição, artigos 79 LULL e 174 CSC.
A 1ª parte do artigo 2 CCom dispõe que “serão considerados actos de comércio todos aqueles
que se acharem especialmente regulados neste Código”. É uma definição de actos de
comércio objectivos por enumeração ou catálogo por enumeração implícita. O Código
estabelece disciplina específica para muitos actos, como a fiança, o mandato ou as empresas,
mas também existem outros actos comerciais que não regula e que ficam à mesma sujeitos às
regras comuns aos actos de comércio em geral, como as operações de banco ou o aluguer,
que são actos de comércio por “se acharem especialmente regulados neste Código”.
Esta formulação faria algum sentido em 1888, não é, contudo, razoável petrificar um catálogo
de actos num código datado, há-de ser possível leis posteriores preverem novos actos
comerciais. Por isso a expressão “neste Código” deve ser interpretada de modo a abarcar
outras leis comerciais.
No entanto, nem todas as leis substitutas de artigos do CCom serão comerciais e, por isso,
qualificadoras de actos mercantis. É o caso do capítulo II do Decreto-Lei 231/81 de 28 de
Julho, relativo ao contrato de associação em participação, que veio revogar o regime da
conta em participação, artigo 224. Não se exige agora que o associante seja comerciante nem
que a actividade dele seja comercial. Por outro lado, o regime estabelecido no Decreto-Lei é
unitário e não parece ser de direito privado especial, mais: o artigo 22 n° 1 estatui que sendo
várias as pessoas que se ligam, não se presume a solidariedade dos débitos. Por conseguinte a
associação em participação não é acto objectivo de comércio podendo, porém, ser acto
subjectivo de comércio.
Outro exemplo discutível é o seguro mercantil. Em 2008, surgiu o regime geral do contrato
de seguro, previsto no Decreto-Lei 72/2001. Para COUTINHO DE ABREU, este regime é uma
lei substitutiva; porém, para RICARDO COSTA, este parece ser um regime geral que não tem
especialidade suficiente para qualificar como acto de comércio, por isso temos de ir antes pela
terceira via.
Existem várias leis que a doutrina reconhece como pacífico que podem servir como
expediente qualificador de actos de comércio. O Código Civil, nos artigos 1108 e seguintes,
contém disposições especiais do arrendamento para fins não habitacionais, nomeadamente o
comércio, regulando a locação e o trespasse de estabelecimentos comerciais. Estes devem
considerar-se actos de comércio objectivos especialmente regulados em lei comercial.
RICARDO COSTA defende ainda que o arrendamento para fins comerciais pode ser visto como
acto de comércio objectivo através da regulamentação relativa ao transporte aéreo, ao
contrato de agência, à locação financeira, à actividade portuária entre outras.
Quanto à actividade seguradora, para RICARDO COSTA, podemos ir antes pela terceira via.
Assim, temos leis que qualificam o contrato de seguro indirectamente como mercantil: o
Decreto-Lei 94-B/98. A actividade seguradora só pode ser exercida por sociedade anónima,
logo o objecto destas sociedades é comercial. Assim, o diploma está a qualificar
indirectamente esta actividade comercial, logo a celebração do contrato de seguro é comercial
(abrange os contratos de seguro e os contratos paralelos). Mesmo nas actividades de
mediação de seguros ou de reseguros, regula o Decreto-Lei 144/2006, e também aí os
mediadores, a serem sociedades, só podem ser sociedades por quotas ou anónimas. A
actividade conexa à actividade seguradora também é comercial.
Em relação ao contrato de agência, impõem-se mais algumas notas quanto à sua
qualificação: se a actividade de agenciamento for exercida através de uma empresa, então a
qualificação como acto de comércio é feita pelo artigo 230 § 3. Se o contrato de agência não
for celebrado por um empresário, então temos ainda dois modos que cumulativamente
servem para qualificar o contrato como acto de comércio objectivo: a analogia juris, e o
diploma 178/86.
Tradicionalmente, não era permitido o recurso à analogia, por várias razões. A letra da lei do
artigo 2 falava em “especialmente regulados” e “além deles”, logo parecia excluir a analogia.
Por uma razão histórica, pois este artigo se inspira no “Código de Comercio” espanhol, que
admite a analogia. Se o Código Comercial português não a menciona, é porque a exclui.
Finalmente, os defensores desta tese convocam razões de certeza e segurança jurídicas.
Entendemos que estes argumentos não são pertinentes: a letra da lei não é concludente, não
diz que são actos de comércio apenas aqueles, e hoje temos uma concepção subjectivista do
argumento histórico, em função dos critérios previstos no artigo 9 CC. A segurança e certeza
jurídicas são importantes, mas o valor da justiça, adequação e razoabilidade podem ser mais.
Assim, admitimos a analogia, seja a analogia legis, artigo 10 n° 1 e 2 CC, seja a analogia
juris. A primeira implica que se recorre a uma concreta norma legal, que considera como acto
comercial um acto análogo ao acto omisso; a segunda é mais complexa, pois implica
identificar princípios normativos gerais de qualificação, que traduzem uma espécie de
teleologia. COUTINHO DE ABREU é o principal defensor da analogia juris, defendendo o
princípio mercantil segundo o qual os contratos e actos de prestação de serviços são actos de
comércio objectivo, logo, tudo o que é prestação de serviços é acto comercial. Fazemos uma
indução de princípio.
Uma corrente doutrinária entende que as empresas aí previstas significa o mesmo que
“comerciantes”, e assim as empresas seriam as pessoas, singulares ou colectivas, que se
propusessem praticar os actos de comércio enumerados no artigo.
Existe depois uma visão de uma empresa em sentido objectivo. Temos um empresário, mas o
artigo qualifica-o objectivamente, em função do objecto das suas actividades.
Para outra corrente, que se estabilizou mais tarde, tais empresas não são mais que séries ou
complexos de actos comerciais objectivos. Trata-se aqui de actos reiterados, e que traduzem
a exploração da empresa, passando o artigo a ter uma interpretação objectiva de acto e não
subjectiva de comerciantes. É a visão adoptada, que vê as empresas do artigo 230 como um
conjunto ou séries de actos de comércio objectivos, ainda que enquadrados numa empresa, ou
seja, integrados numa organização. O artigo 230 integra-se no artigo 2 e serve para qualificar
os actos de comércio objectivos. Apesar de o enunciado normativo e de a interpretação literal
favorecer o sentido de pessoa ou empresário para empresa, outros elementos de interpretação,
o histórico, sistemático e teleológico, favorecem esta tese.
Mas quais actos objectivos são abrangidos? Só os contratos em que o exercício da empresa
tipicamente se traduz ou todos os actos praticados na exploração dessas organizações
empresárias?
Para COUTINHO DE ABREU devemos fazer uma interpretação extensiva: o artigo 230
abrange não só os actos em que tipicamente se traduzem a actividade, mas também todos os
actos, contratos e negócios praticados na exploração destas empresas.
Primeiro: a letra da lei, que apenas permitiria como actos comerciais os especialmente
regulados em lei mercantil.
Segundo: razão histórica, sendo que a 1ª parte do artigo 2 foi inspirada no 2§ do artigo 2 do
Código de Comércio espanhol de 1885, que prevê explicitamente a analogia, parte que foi
deliberadamente afastada da lei portuguesa.
Terceiro: certeza e segurança jurídicas. Dado o regime especial e as implicações dos actos de
comércio, seria atentar contra o valor jurídico da segurança permitir a analogia na
determinação de actos materiais.
É uma argumentação insubsistente por várias razões: porque a letra do artigo 2 não é
concludente; porque está permitida desde há muito a concepção subjectivista-histórica da
interpretação das leis; e porque o argumento da certeza jurídica já pesou muito mais do que
agora, sendo que há-de prevalecer o valor da justiça ou razoabilidade.
É portanto admissível o recurso à analogia legis, já quanto à analogia juris, esta significa a
disciplina dos casos omissos através da aplicação de princípios gerais obtidos através de
induções lógico-generalizadoras de uma série de normas legais. Quem defenda a existência
de um conceito unitário de acto de comércio coerentemente defenderá o recurso à analogia
juris contudo, mesmo rejeitando um conceito unitário de acto comercial, COUTINHO DE
ABREU entende seja possível extrair princípios gerais de grupos de normas qualificadoras de
diversos actos de comércio, possibilitando a analogia juris.
– O artigo 230 n° 6 CCom refere-se às empresas de construção, somente, de casas, mas não
há razões de negar a comercialidade às empresas construtoras de edifícios no mais amplo
sentido, bem como de outras obras. COUTINHO DE ABREU entende que a norma deva ser
estendida analogicamente por meio de analogia legis àquelas outras empresas de construção.
Segundo RICARDO COSTA teremos antes uma interpretação extensiva.
– O artigo 230 n° 2 CCom trata das empresas que fornecem, em épocas diferentes, géneros,
quer a particulares, quer ao Estado, mediante preço convencionado. Esta norma tem sido a
mais fértil fonte para, através de interpretação extensiva ou de integração por analogia legis,
se reconhecer a comercialidade de uma série de espécies empresariais. Tem-se entendido
serem comerciais as empresas fornecedoras de água, gás ou electricidade, tal como uma
multiplicidade de empresas de fornecimento de serviços, como as empresas hoteleiras, de
publicidade, de informações comerciais, de gestão de bens, de tratamentos de beleza.
Estamos no âmbito muito lato de fornecimento de serviços, uma vez que se entende que o
que levou o legislador a qualificar de comerciais as empresas mencionadas no n° 2 foi a de
haver aqui um certo risco, originado pelo facto de interceder um período de tempo entre o
momento da fixação do preço e o dos múltiplos actos sucessivos de fornecimento. Os
contratos de serviço caracterizados por esta nota temporal e contratual são os contratos de
fornecimento de serviços, e distinguem-se dos contratos de prestação de serviços.
Devem ser abrangidas por aquela disposição todas as empresas que, apesar de não serem de
fornecimento de géneros, se traduzam no exercício de uma actividade económica
desenvolvida dentro do condicionalismo referido. Os contratos de fornecimento de serviços
são qualificados como actos de comércio objectivos por analogia legis do artigo 230 n° 2.
Mas a actividade de muitas das empresas atrás apontadas não se desenvolve no referido
condicionalismo: os respectivos empresários não se obrigam a sucessivas prestações de
serviço contra um preço previamente fixado, falhando aqui a analogia legis. Podemos porém
qualificar essas empresas de prestação de serviços pelo recurso à teleologia imanente ao
sistema legal mercantil, ao seu espírito, à analogia juris. O facto de a lei, quer no CCom,
artigos 230 n° 2, 3 , 4, 5, 7 e 403, quer em diplomas ulteriores, considerar comerciais várias
empresas de serviços conduz-nos a esta conclusão.
Conforme o artigo 2, 2ª parte CCom, actos de comércio subjectivos são “todos os contratos e
obrigações de comerciantes, que não forem de natureza exclusivamente civil, se o contrário
do próprio acto não resultar”.
– Os actos subjectivos de comércio começam por ser actos dos comerciantes que, ex artigo 13
CCom, são as pessoas que, tendo capacidade para praticar actos de comércio, fazem deste
profissão, e ainda, as sociedades comerciais. O artigo 2 fala também de contratos e
obrigações dos comerciantes, que não è a melhor formulação uma vez que nem todos os
actos dos comerciantes são contratos, e as obrigações não são actos mas sim consequências
dos actos. Seria mais coerente referir-se o enunciado a “todos os actos dos comerciantes”.
Porém, a referência às obrigações pode ter algum efeito útil, pois nem todas as obrigações
dos comerciantes derivam de actos comerciais e a afirmação da comercialidade de tais
obrigações pode conduzir à aplicação, por exemplo, do artigo 15 CCom.
– Para serem subjectivamente comerciais, os actos dos comerciantes não podem ser de
natureza exclusivamente civil. É o requisito mais discutido pela doutrina, e segundo o
entendimento tradicional seriam de natureza civil os actos apenas regulado na lei civil.
COUTINHO DE ABREU rejeita esta tese. O preceito refere-se a actos que não forem de
natureza exclusivamente civil, não a actos que não estejam regulados exclusivamente na lei
civil, e podem haver actos regulados na lei civil mas de natureza não civil. Por outro lado, o
artigo 2 já contempla na sua 1ª parte os actos expressamente previstos no Código Comercial,
e teria pouca utilidade a 2ª parte ter o mesmo sentido. Além disso há actos omissos, não
regulados nem na lei civil nem na lei comercial, aos quais pode não repugnar a
comercialidade. Por outro lado ainda é razoável que o preceito pretenda sujeitar ao regime do
direito comercial actos conexionáveis com o comércio profissional, ainda que não previstos
na lei mercantil.
Há determinados actos que, por lhes faltar natureza exclusivamente civil, podem ser actos
subjectivamente comerciais desde que praticados por comerciantes e em conexão com o
comércio: doações; rendas perpétuas e vitalícias; factos ilícitos geradores de responsabilidade
extracontratual.
A ligação é apenas resultante das conclusões que retirarmos do acto, ou seja, das cláusulas
negociais. Porém, temos também de atender às circunstâncias envolventes que auxiliem a
compreensão do próprio acto, por exemplo, as declarações feitas no momento do negócio
mas que não ficaram escritas. Esta é uma forma de alargar o âmbito dos actos comerciais.
Não podemos atender às circunstâncias supervenientes.
Por exemplo, o merceeiro convida um agricultor a fazer-lhe uma proposta de venda de uma
furgoneta, e propõe que o contrato de compra e venda se realize através de escrito particular,
artigo 223 n° 1 CC, e o agricultor aceita. Aquando da conclusão do negócio, o merceeiro
comunica necessitar do veículo para o utilizar como caravana, mas do escrito não consta
qualquer declaração relativa à projectada utilização da viatura. Se entendêssemos ao acto
negocial só, às declarações negociais das partes, concluiríamos tratar-se de um acto
mercantil. Todavia, porque devemos atender às circunstâncias concomitantes, no caso ao
projecto de utilização dado a conhecer pelo comerciante, o acto há-de qualificar-se civil.
Como é que estas circunstâncias vão ser atendidas? Através dos critérios gerais de
interpretação do negócio jurídico, artigo 236 n° 1 CC, teoria da impressão do destinatário.
Significa isto que as circunstâncias que vão ser analisadas são as conhecidas ou cognoscíveis
por um declaratário normal e diligente, colocado na posição do declaratário real. Também
aqui se aplica o artigo 236 n° 2: se ambos conheciam a vontade real, é essa que vale.
Actos de comércio subjectivos são os factos jurídicos voluntários, ou os actos só, dos
comerciantes conexionáveis com o comércio em geral e de que não resulte não estarem
conexionados com o comércio dos sujeitos.
Actos de comércio autónomos e acessórios
O CCom prevê alguns actos acessórios: a fiança, artigo 101; o mandato, artigo 231; o
empréstimo, artigo 394; o penhor, artigo 397; o depósito, artigo 403. Estes actos tanto podem
ser acessórios de actos de comércio objectivos e autónomos, como de actos de comércio
objectivos mas acessórios, como de actos subjectivamente comerciais.
A doutrina dominante, de que COUTINHO DE ABREU participa, rejeita esta teoria. Dada a
índole destes actos, não parece legítimo afirmar um princípio geral segundo o qual todo e
qualquer acto de não comerciantes seria mercantil quando confeccionado com actos
objectivos de comércio. Não há aqui lugar para analogia iuris. Não obstante, já nos parece
legítimo qualificar de comerciais certos actos de não comerciantes por serem análogos a actos
acessórios de comércio previstos na lei, havendo aqui lugar para analogia legis.
Actos formalmente comerciais são os esquemas negociais que, utilizáveis quer para a
realização de operações mercantis, quer para a realização de operações económicas que não
são actos de comércio nem se inserem na actividade comercial, estão contudo especialmente
regulados na lei mercantil, merecendo a qualificação de actos de comércio. O exemplo típico
é o dos negócios cambiários, considerados ao contrário por ORLANDO DE CARVALHO
substancialmente comerciais, que rejeita esta classificação proposta por COUTINHO DE
ABREU.
Qual o regime jurídico dos actos unilateralmente comerciais? A lei, no artigo 99 CCom,
estabelece que nos actos de comércio unilaterais o regime aplicável a ambos os contraentes é
o regime comercial, salvo as normas que só se apliquem àquele em relação ao qual o acto é
comercial, ficando, porém, todos sujeitos à jurisdição comercial. Os actos unilateralmente
comerciais estão em regra sujeitos à disciplina mercantil, excepto os que só forem aplicáveis
àquele por cujo respeito o acto é mercantil, e o único preceito nestas condições é hoje o artigo
100 CCom: nas obrigações comerciais os co-obrigados são solidários, salvo estipulação
contrária. Esta disposição não é extensiva aos não comerciantes quanto aos contratos que, em
relação a estes, não constituírem actos comerciais. Se dois comerciantes comprarem a dois
artesãos peças de artesanato, este acto é unilateralmente comercial e os artesãos não são
devedores solidários quanto à entrega das peças.
Introdução
Os sujeitos dos actos de comércio e das relações jurídico-mercantis podem ser comerciantes e
não-comerciantes, pois os sujeitos com capacidade civil de exercício possuem igualmente
capacidade comercial de exercício, artigo 7 CCom.
Pessoas singulares
Nos termos do artigo 13 CCom são comerciantes as pessoas que, tendo capacidade para
praticar actos de comércio, fazem de profissão.
Sendo assim, os incapazes nunca poderiam ser comerciantes, mas não é assim, pois o
requisito da capacidade do artigo 13 tem de ser entendido com algumas restrições.
O artigo 1889 n° 1 al. c) CC permite aos pais, enquanto representantes do filho, e desde que
autorizados pelo Ministério Público, adquirir estabelecimento comercial ou industrial ou
continuar a exploração do que o filho haja recebido por sucessão ou doação.
O curador administrador dos bens do inabilitado, artigo 154 CC, pode, com autorização do
Ministério Público, continuar a exploração de empresa já explorada pelo inabilitado antes da
inabilitação, bem como adquirir empresa ou continuar a exploração da que o inabilitado haja
recebido por sucessão ou doação, artigo 156 CC.
Para serem comerciantes, as pessoas com capacidade para praticar actos comerciais têm de
fazer do comércio profissão. Há consenso relativamente ao que pode ser considerado
profissão, mas o mesmo não se pode dizer quanto ao “comércio”.
A profissionalidade não exige que a profissão comercial seja a única exercida pelo sujeito,
nem que seja a principal, nem que a respectiva actividade seja exercida de modo contínuo ou
ininterrupto.
Deve acrescentar-se que as pessoas que exercem profissionalmente uma actividade comercial
só são comerciantes quando exerçam em nome próprio: é comerciante a pessoa que exerce
pessoalmente e a título profissional o comércio em cujo nome ele é exercido.
A partir de que momento é que se retira a qualidade de comerciante? Entende-se que esse
início se determina quando se pratica o acto ou conjunto de actos que revela o propósito e a
intenção de a pessoa se dedicar ao exercício reiterado de uma actividade comercial. Por
exemplo, um sujeito que quer ser concessionário contrata trabalhadores e arrenda um espaço.
Isto é importante pois a partir deste momento os actos podem ser qualificados como
subjectivamente comerciais, para a aplicação do estatuto.
Pessoas colectivas
• Sociedades comerciais
Prescreve ainda o artigo 13 n° 2 CCom que são comerciantes as sociedades comerciais. Nos
termos do artigo 1 n° 2 CSC “são sociedades comerciais aquelas que tenham por objecto a
prática de actos de comércio e adoptem o tipo de sociedade em nome colectivo, de sociedade
por quotas, de sociedade anónima, de sociedade em comandita simples ou de sociedade em
comandita por acções.
Além das sociedades comerciais outras pessoas colectivas podem ser comerciantes.
Quando a lei fala em pessoas, não exclui as positivas nem restringe às singulares. A própria
legislação comercial emprega o substantivo “pessoas” para abranger também pessoas
colectivas, artigos 68 n° 1, 75, 344 e 368 CCom; e artigo 7 n° 2, in fine, conjugado com o
artigo 488 n° 1 CSC.
Há aqui uma referência à profissão, que remete para pessoas singulares, mas profissão aqui
deve significar exercício de actividade de pessoas jurídicas, “profissão” enquanto exercício de
comércio. Está em causa a profissionalidade, sistematicidade, no exercício do comércio.
Diz-se ainda que profissão implica o lucro. Mas entendemos que o lucro não é pressuposto
essencial da profissão do exercício comercial, numa interpretação objectivo-actualista que
tenha em consideração a teleologia e as novas realidades económico-empresariais.
Por fim, as cooperativas quando tenham por objecto a prática de actividades ou actos
comerciais.
Sujeitos não qualificáveis como comerciantes
Não são comerciantes os que exercem actividades não comerciais, e entendemos assim que
empresarialidade não equivale a comercialidade. Esta tese é sustentada com argumentos
legais, que assentam na exclusão de certas actividades empresariais do âmbito da
comercialidade.
Não são comerciantes as pessoas que exercem uma actividade agrícola, valendo um conceito
amplo de tal actividade. A lei exclui a agricultura dos domínios do comércio, artigo 230 § 1 e
2. No parágrafo 1, inclui-se o explorador agrículo que reserva parte dos seus produtos, por
exemplo, para fazer compotas. É uma actividade acessória: a indústria transformadora é
secundária da indústria agrícola, entendendo-se que isto não chega para qualificar a
actividade no seu todo como comercial. Outro argumento vem do artigo 464 n° 2 e 4: se a
venda de produtos agrícolas não é comercial, a actividade de base também não é. Existe
depois um conjunto de legislação sobre as sociedades de agricultura de grupo e agrupamentos
de exploração agrícola: os Decreto-Lei 336/89 e 339/90. São reguladoras de formas de
exploração de actividade agrícola sob a forma societária, sendo que ambos os diplomas
dizem que só podem ser sociedades civis sob a forma de sociedade por exercida através de
uma empresa. Entendemos que não é a empresarialidade que qualifica a comercialidade, mas
sim a lei. De jure condendo, é defensável que as empresas agrícolas são comerciais, mas não
é esse o nosso estado.
Também não são comerciantes os artesãos, os produtores qualificados que, podendo embora
servir-se de máquinas, utilizam predominantemente o seu trabalho manual e, como
instrumentos, ferramentas. Os artigos 230 § 1, 2ª parte, e 464, n° 3, excluem do comércio a
actividade artesanal industrial-transformadora, exercida directamente pelos artesãos (oleiros,
sapateiros, costureiras). Por sua vez, há também os chamados serviços artesanais que, para
este efeito, entram no conceito de artesão apesar de serem prestações de serviços, e quando
exercidas directamente pelos artesãos: cabeleireiro, costureira, sapateiro. Estas actividades
não são comerciais, uma vez que não se encontram especialmente reguladas na lei comercial
e são análogas às actividades do artigo 230 § 1. O Decreto-Lei 41/2001, artigo 12, veio dizer
que esta actividade podia ser exercida através de uma sociedade comercial. Entendemos que
a lei se quis referir à sociedade civil sob forma comercial, em nome da unidade do sistema
jurídico, fazemos uma interpretação restritiva.
Para além disto, nem todos os exercitantes de actividades comerciais são comerciantes. O
artigo 17 diz que as pessoas colectivas territoriais (Estado, regiões autónomas, autarquias
locais) não podem ser comerciantes, ainda que pratiquem actos de comércio de forma
reiterada e sistemática. Este artigo deve ser interpretado extensivamente, para incluir nesta
impossibilidade de serem comerciantes as pessoas colectivas públicas de tipo institucional e
associativo, com excepção das EPE.
O § único do artigo 17 acrescenta que as associações e fundações de direito privado com fim
desinteressado ou altruísta podem, no limite das suas atribuições, praticar actos de comércio,
mas não podem adquirir a qualidade de comerciantes.
Entidades colectivas
As associações de fim desinteressado ou altruístico não podem ser comerciantes, pois não
têm por objecto interesses materiais, como também as associações de fim interessado ou
egoístico mas ideal, como as associações culturais ou desportivas, mas podem praticar actos
comerciais e exercer comércio. Das associações de fim interessado ou egoístico de cariz
económico não lucrativo, como as de empregadores, já não podemos dizer não terem por
objecto interesses materiais. Mas não serão comerciantes quando exerçam actividade
comercial, pois as actividades comerciais por elas desenvolvidas são acessórias das
actividades e finalidades principais.
Imaginemos que uma associação extravasa o seu objecto e começa a ter um escopo
comercial, pode ser qualificada como comerciante? Não: a actividade fica fora da capacidade
de gozo, artigo 160 n° 1 CC e os actos praticados são nulos, sendo que não podemos basear a
qualificação como comerciante em actos nulos. A associação deve ser extinta.
Pessoas singulares
• Incompatibilidades
O artigo 14 CCom estabelece que é proibida a profissão do comércio aos que por lei ou
disposições especiais não possam comerciar, estabelecendo as incompatibilidades para ser
comerciante. Incompatibilidade é a impossibilidade legal do exercício de comércio por
sujeito que desempenhe certas funções ou se encontre em determinada situação jurídica.
No caso em que uma pessoa proibida por lei de comerciar viole a proibição, é preciso saber
se será qualificada ou não como comerciante. A doutrina divide-se, sendo que COUTINHO DE
ABREU afirma que sim, que pode ser comerciante quem violar a incompatibilidade, porque
tem capacidade, faz disso profissão e, acima de tudo, estes actos não são inválidos nem
ineficazes. As referidas incompatibilidades visam possibilitar ou potenciar o desempenho
efectivo e eficiente de certos cargos ou funções. Por isso as sanções cominadas para a
violação das proibições legais não afectam a eficácia do exercício do comércio, são de outra
ordem: responsabilidade civil, destituição com justa causa, penas disciplinares, perda de
mandato entre outras.
ARTIGO 1 DO CIRE
No artigo 1 CIRE estas duas vias principais apareciam como alternativas sem ordem de
precedência, mas a nova redacção que vigora desde 2012 coloca alguns problemas.
O teor deste artigo resulta da ideia de que, em ambiente de crise, recuperar tem outras
vantagens, nomeadamente a manutenção de postos de trabalho e diminuição das despesas do
Estado com desempregados. Porém, nada na lei obriga os credores a aprovarem planos de
recuperação, ou seja, continuam livres de optar pela liquidação, e a mesma coisa se passa em
relação ao papel do juiz quando vai controlar o plano.
Relativamente ao conteúdo do plano de insolvência, pode ser muito variado, a lei não prevê
um elenco taxativo de medidas. Pode ser um plano de recuperação, de liquidação, e ainda um
plano misto. É possível, em relação ao mesmo devedor, ter um plano de liquidação e de
recuperação. Note-se que a liquidação prevista no plano de insolvência pode conter desvios
às regras legais do CIRE em matéria de liquidação.
O artigo 2 CIRE define o âmbito subjectivo do plano de insolvência, ou seja, quem pode ser
sujeito a uma declaração de insolvência, sendo possível compor três grupos.
O segundo grupo reúne entidades ou sujeitos de natureza coletiva mas não personalizados,
por exemplo, associações sem personalidade jurídica.
As várias alíneas do artigo prevêem realidades que não são sujeitos, falando o próprio corpo
do artigo não em sujeitos mas sim em objecto, havendo aqui alguma incoerência. Os sujeitos
passivos da declaração de insolvência não têm de ser comerciantes, como também não têm
de ser empresários. Inclusive o plano de insolvência não pressupõe a existência de empresa
na massa insolvente, se bem que há aspectos do regime da insolvência dependentes da
existência ou inexistência de empresa, por exemplo, não têm o dever de apresentação à
insolvência as pessoas singulares que não sejam titulares de empresa, artigo 18 n° 2.
O artigo 2 n° 2 exclui do âmbito do processo de insolvência várias entidades. Note-se a al. b),
que diz que estas entidades estão excluídas “na medida em que seja incompatível com os
regimes especiais previstos para tais entidades”, é o que sucede, por exemplo, com as
instituições de crédito.
Há aqui um conjunto de circunstâncias que têm de estar verificadas para estes sujeitos terem
legitimidade. A jurisprudência entende que as várias alíneas do artigo 20 n° 1 constituem
factos indiciários que permitem presumir uma situação de insolvência. A al. h), por exemplo,
revela a importância do depósito das contas.
Esta forma de insolvência só se aplica, como tal, a certo tipo de devedores, apenas para certas
pessoas colectivas e certos patrimónios autónomos, quando nenhuma pessoa singular
responda pessoal e ilimitadamente pelas suas dívidas. Por exemplo, na sociedade por quotas a
responsabilidade dos sócios não é uma responsabilidade pela dívida da sociedade, uma vez
que é limitada pelo valor de entrada, é apenas uma responsabilidade perante a sociedade e
não perante os seus credores. Já numa sociedade em nome colectivo, podemos ter como
sócios pessoas singulares, e estes vão responder pelas dívidas da sociedade.
Note-se que o artigo 3 n° 2 não diz que se tem de chegar à conclusão segundo o último
balanço aprovado, pode ser um balanço ad hoc, é importante para relacionar o artigo 3 com o
artigo 20. A legitimidade pode-se basear no último balanço aprovado. al. h), logo pode-se
fazer um pedido de declaração de insolvência com base neste plano e, entretanto, a situação
alterar-se e o devedor provar que o activo é manifestamente superior ao passivo. Chega-se a
este resultando aplicando as normas contabilísticas comuns.
É preciso notar que as normas do n° 2 vão-se alterando, logo podem fazer aplicar já o n° 3.
JOÃO LABAREDA entende que este regime favorece o infractor, pois o sujeito que não incluiu
no balanço um determinado elemento estaria a violar as normas contabilísticas aplicadas.
SOVERAL MARTINS entende que, se o elemento não estava incluído, é porque não devia estar.
Se as normas do n° 2 foram aplicadas, já constavam todos os elementos que tinham de
constar. Por outro lado, só conduzirá a resultados diferentes se, ao abrigo das normas
aplicáveis, não se recorra ao justo valor.
A insolvência iminente não é aquela em que o devedor tenha apenas um receio; mas sim
aquela em que um juízo de prognose permita dizer que o devedor muito provavelmente não
estará em condições de cumprir as suas obrigações vencidas.
Quanto é que podemos dizer que é provável que no futuro o devedor não possa cumprir as
suas obrigações?
SOVERAL MARTINS propõe que se recorra a um critério, usado pela doutrina alemã, que tem
em conta o grau de probabilidade de conseguir cumprir as suas obrigações e o grau de
probabilidade que não consiga fazê-lo. Temos de comparar estes dois graus. A doutrina aqui
divide-se, havendo quem exija mais de 50% ou 75%, sendo que SOVERAL MARTINS entende
que apenas tem de ser superior.
Falámos em obrigações que se vencerão no futuro, mas qual é o lapso temporal que o juízo
de prognose terá em conta?
Saber qual é o período de tempo que devemos ter em conta depende de cada devedor, logo
será o julgador a encontrar o período de tempo que ache mais adequado.
SOVERAL MARTINS entende que devemos ter em consideração as obrigações não existentes
mas que se prevê que seja necessário contraí-las no período de tempo considerado.
Este artigo parece dizer que é nos casos do artigo 3 n° 1; apesar isso, no CIRE comentado por
CARVALHO FERNANDES e JOÃO LABAREDA, defende-se que esta valoração vale também
para o os casos de insolvência iminente. Há uma equiparação para efeitos de afirmação deste
dever, sendo que SOVERAL MARTINS defende o contrário: o n° 1 afirma ser relevante a
situação de insolvência tal como descrita; e a insegurança em torno do que é a insolvência
iminente já justificaria também que a remissão se considere apenas feita para o artigo 3 n° 1.
PROCESSO DE INSOLVÊNCIA
– Vimos que o processo de insolvência se pode iniciar por um pedido apresentado pelo
devedor ou por um dos sujeitos do artigo 20, o que terá consequências no andamento
processual, o artigo 25 só se aplica aos outros legitimados; no artigo 28, é dito que a
apresentação à insolvência por parte do devedor implica o reconhecimento, por este, da sua
situação de insolvência, e essa insolvência é decidida no terceiro dia seguinte. Note-se que
este Código contém várias afirmações contraditórias: nem sempre acontece o disposto no
artigo 28. O artigo 201 prevê justamente a possibilidade de o devedor apresentar-se à
insolvência com um plano, o artigo 255 diz que, se o devedor pretende que seja aprovado o
plano, pode haver uma suspensão do processo de insolvência. A aprovação do plano está
prevista nos artigos 209 e seguintes, e pode demorar muito mais do que os 3 dias úteis do
artigo 28.
– Supondo que não há indeferimento liminar do requerimento, feito por outro sujeito que não
o devedor, o natural é o devedor ser citado para se pronunciar, artigo 29. O artigo 12, no
entanto, vai permitir que, verificadas certas circunstâncias, a audiência do devedor possa ser
dispensada, e mesmo a própria citação. O n° 3, porém, diz que o disposto no n° anterior se
aplica ao administrador do devedor, alargando o âmbito de aplicação às pessoas colectivas.
– O artigo 35 prevê uma audiência para discussão e julgamento. Se, no decurso do processo,
o juiz concluir que existe uma situação de insolvência, decreta a insolvência. Mais uma vez,
apenas na hipótese de o requerimento ter sido apresentado por outra entidade que não o
devedor.
O artigo 44, quanto à sentença de indeferimento do pedido de declaração, diz que esta é
notificada apenas ao requerente e devedor, não foi o devedor a apresentar o pedido. Esta
solução prende-se com a salvaguarda da imagem do devedor. Nestes casos, apenas o
requerente pode interpor recurso.
O artigo 40 n° 1 diz que apenas o devedor em situação de revelia absoluta pode deduzir
embargos, o que se prende com os fundamentos para que sejam deduzidos embargos. O
embargante tem de alegar factos ou deduzir meios de prova que não tenham sido tidos em
conta para o devedor.
O que sucede se esta transferência não for respeitada e o insolvente dispor de um objecto da
massa?
O n° 6 diz que são ineficazes os actos do insolvente, a não ser que se verifique a excepção,
para a qual se prevê requisitos cumulativos das alíneas a) e b). Esta ineficácia não é apenas
em relação à massa insolvente, logo são ineficazes de forma absoluta, também entre as partes.
Neste incidente, o juiz decide se a insolvência é culposa ou não, sendo que segundo o artigo
186 n° 1 a insolvência é culposa quando a situação tiver sido criada ou agravada, com dolo
ou culpa grave, pelo devedor ou seus administradores nos três anos anteriores.
O artigo 233 n° 6 diz que a insolvência vai ser qualificada como fortuita.
Se a insolvência é qualificada como culposa, isso vai ter efeitos muito significativos, artigo
189. O juiz deve, desde logo, identificar as pessoas afectadas pela qualificação, al. a).
Interessa-nos a al. c) do artigo 189 n° 2: o juiz deve declarar essas pessoas inibidas para o
exercício do comércio durante um período de 2 a 10 anos.
Assim, se um sujeito foi declarado insolvente, e se foi aberto o incidente e nesse incidente a
insolvência foi considerada culposa, segue daí a inibição para o exercício do comércio. A al.
a) diz que o juiz deve identificar as pessoas afectadas pela qualificação, sendo que não é
necessariamente apenas o devedor, pode ser também os seus administrados, ROC, TOC,
entre outros.
Todos estes sujeitos podem ser abrangidos pela qualificação da insolvência como culposa e
afectados por essa qualificação, ficando assim inibidas para o exercício do comércio.
O artigo 186 diz que, para qualificar a insolvência como culposa, se deve atender ao devedor
e aos seus administradores. Porém, o artigo 189 permite abranger outras pessoas por esta
qualificação.
A questão que se coloca é: devemos ler o artigo 186 à luz do artigo 189?
Firmas e denominações
Diz-se habitualmente que a firma é o nome comercial dos comerciantes, o sinal que os
individualiza ou identifica, mas esta noção é insuficiente. Além de identificar os
comerciantes, a firma individualiza alguns não comerciantes: as sociedades civis de tipo
comercial, artigo 37 RRNPC; e pode agora individualizar empresários individuais não
comerciantes, artigo 39 RRNPC. Por outro lado, alguns comerciantes são identificados não
por uma firma, mas por uma “denominação”.
O RRNPC, diploma que contém o actual regime geral das firmas e denominações, retoma a
distinção: firma é o vocábulo preferido para designar o signo individualizador de
comerciantes, artigos 37, 38 e 40; denominação designa o sinal identificador de não
comerciantes, e pode nalguns casos ser composta por nomes de pessoas, artigos 36, 42 e 43.
O que importa destacar é que todos os comerciantes devem adoptar firma ou denominação, e
que cada comerciante em nome individual só pode adoptar uma firma, princípio da unidade
da firma.
Em relação às pessoas singulares este princípio sofre uma excepção ex artigo 40: um
comerciante em nome individual pode simultaneamente desenvolver uma actividade
comercial através do e.i.r.l., adoptando para tal uma firma, e outra actividade fora do e.i.r.l.,
adoptando para tal outra firma.
• Natureza jurídica do direito à firma ou denominação
• Composição
A firma de comerciantes individuais tem de ser composta pelo seu nome, artigo 38 n° 1 e 3
RRNPC, que pode ser antecedido de expressões ou siglas correspondentes a títulos
académicos, profissionais ou nobiliárquicos a que o comerciante tenha direito, artigo 38 n° 3.
Pode ainda o comerciante aditar ao seu nome alcunha ou expressão alusiva à actividade
exercida, artigo 38 n° 1. Tratando-se de um titular de um estabelecimento individual de
responsabilidade limitada, e.i.r.l., rege o artigo 40 RRNPC.
O artigo 10 CSC estabelece os requisitos das firmas. Há aqui alguns aspectos que importa
referir, e que afectam a composição da firma e o princípio da novidade ou exclusividade. O n
° 2 parece estabelecer requisitos adicionais no caso das firmas das sociedades que sejam
nomes. Este requisito deve ser interpretado em conformidade com o regime do RRNPC.
Deve identificar pelo menos um dos sócios, mesmo que não identifique todos, com o
aditamento de algum elemento que permita identificar a existência de outros, artigo 177 n° 1
CSC. Isto porque, nestas sociedades, os sócios vão responder pelas dívidas, e para os
credores é útil que os devedores sejam facilmente identificáveis.
COUTINHO DE ABREU defende que sim, por analogia com o artigo 38 n° 1. Já SOVERAL
MARTINS entende que não é necessário recorrer à analogia, defendendo o caminho da
interpretação a contrario do artigo 10 n° 4. A firma das sociedades não pode ser composta
exclusivamente por vocábulos que permitam identificar a actividade, logo, a contrario, é
possível compor a firma da sociedade também com esses elementos, o objecto social é a
actividade. Uma outra posição defendida é a analogia do artigo 42 n° 1, parte final; porém,
agora diz respeito às sociedades civis.
Devem ser formadas pelo nome, por uma denominação particular ou pela reunião de ambos
esses elementos, artigo 200 n° 1 e 275 n° 1 CSC.
No caso da firma das sociedades por quotas, esta tem de ter o aditamento “Limitada” ou
“L.da”, artigo 200 n° 1; no caso das sociedades anónimas, “Sociedade Anónima” ou “S.A.”,
artigo 275 n° 1.
Durante muito tempo, a denominação particular integrante de firma de sociedades por quotas
ou anónimas tinha de aludir ao objecto social, o que estava previsto no artigo 10 n° 3, in fine.
Esta parte final foi eliminada pelo artigo 17 do Decreto-Lei 111/2005, que permite que se
opte por firma constituída por expressão de fantasia previamente criada e reservada a favor
do Estado.
Também vamos encontrar normas específicas, os artigos 467 e seguintes. Mais uma vez,
vamos encontrar a necessidade de a firma conter o nome ou firma de um dos sócios
comanditados, que respondem pelas dívidas da sociedade, e seguida do aditamento “em
Comandita” ou “& Comandita”. Para os credores e terceiros em geral, interessa saber o nome
de pelo menos um dos sócios.
O artigo 467 n° 3 estende a responsabilidade aos sujeitos que deixem que o seu nome ou
firma constem da firma, salvo nos casos em que não se justifique um regime tão pesado.
Normalmente, estes sujeitos deixam que o nome conste para reforçar o crédito que a
sociedade consiga obter.
A firma das sociedades em comandita pode ainda integrar expressões alusivas ao objecto
social.
Um aspecto importante do regime das firmas das sociedades comerciais é o que resulta do
artigo 32 n° 5: quando deixe de ser associado o sócio cujo nome conste na firma, deve tal
firma ou denominação ser alterada no prazo de 1 ano. Durante aquele ano, continua a ser
lícito utilizar a firma com o nome ou firma do sócio que saiu; a não ser que o sócio ou
herdeiros consintam na utilização, direito ao nome. Se não der o consentimento, a sociedade
tem de alterar o acto constitutivo, onde consta a firma. O que se pretende é garantir que os
terceiros não sejam de alguma forma enganados por constar da firma o nome ou firma de um
sócio que já não faz parte. Se não houver alteração, O RNPC deve declarar a perda do direito
ao uso da firma nos termos do artigo 60 n° 1; e ainda declaração de nulidade por violação da
norma imperativa do artigo 32 n° 5.
A das cooperativas deverá ser sempre seguida das expressões “Cooperativa”, “União de
Cooperativas”, “Federação de Cooperativas”, “Confederação de Cooperativa” e ainda de
“Responsabilidade Limitada” ou “Responsabilidade Ilimitada”, ou das respectivas
abreviaturas, artigo 14 n° 1 CCoop.
PRINCÍPIO DA VERDADE
Está previsto no artigo 32 n° 1 RRNPC, e diz-nos que os elementos componentes das firmas e
denominações devem ser verdadeiros e não induzir em erro sobre a identificação, natureza
ou actividade do seu titular. Uma firma ou denominação não precisa de utilizar apenas
vocábulos que correspondam à verdade, pode utilizar expressões de fantasia, mas não pode é
induzir em erro sobre a sua natureza, por exemplo, uma sociedade comercial não pode conter
na sua firma a expressão “associação” ou “fundação”, ou actividade, uma sociedade de
comércio de automóveis não pode dizer que se dedica ao comércio de electrodomésticos.
Este princípio está previsto no artigo 33 n° 1 RRNPC, e diz-nos que as firmas não podem ser
iguais ou susceptíveis de erro ou confusão, no mesmo âmbito territorial de exclusividade.
Existem três possibilidades de erros: tomar-se uma firma por outra; tomar-se um comerciante
por outro; ou pensar-se erradamente que aquelas duas entidades têm especial relação.
O artigo 10 n° 2 CSC diz que “quando a firma da sociedade for constituída exclusivamente
por nomes ou firmas de todos, algum ou alguns sócios, deve ser completamente distinta das
que já se acharem registadas”. No n° 3 diz que “a firma da sociedade constituída por
denominação particular ou por denominação e nome ou firma de sócio não pode ser idêntica à
firma registada de outra sociedade, ou por tal forma semelhante que possa induzir em erro”. A
divergência é só aparente.
Este regime não exige que as firmas não tenham um único elemento comum; o que exige é
que, ainda que tenham elementos em comum, estas firmas não sejam susceptíveis de induzir
em erro ou confusão. Este artigo deve ser lido do ponto de vista de um legislador razoável: se
levássemos este artigo à letra, as firmas não poderiam ter sequer letras em comum. Deve ser
lido à luz do artigo 33, na medida em que o que interessa é a susceptibilidade de induzir em
erro ou confusão o público médio.
Mas qual é o critério para saber se as firmas são confundíveis ou induzem em erro?
Dizemos que uma firma não é nova em relação a outra quando, atendendo à grafia das
palavras, ao efeito fonético das expressões, ao núcleo caracterizante ou à forma oficiosa dos
signos, o público médio as não consegue distinguir ou crê erroneamente referirem-se a
comerciantes distintos mas especialmente relacionados.
Este princípio vale apenas no âmbito de actividades concorrentes, ou vale também fora desse
âmbito, perante comerciantes que adoptem actividades não concorrentes?
Além de ter uma função diferenciadora, quer impedir um monopólio injustificado sobre estes
sinais, garantindo que não se procure obter um monopólio sobre sinais sem qualquer
justificação objectiva. Isto seria prejudicial para a economia em geral.
PRINCÍPIO DA UNIDADE
É um princípio residual, e significa um conjunto de requisitos. O que não for proibido pelos
outros princípios, poderá ser proibido por este, que resulta do artigo 32 n° 4 al. c), d) e e).
Há casos em que as têm de alterar: quando o comerciante individual muda de nome, artigo
38 n° 1 RRNPC; quando deixa de ser associado ou sócio pessoa cujo nome figure na firma ou
denominação de uma pessoa coletiva e não há o exigido consentimento, artigo 32 n° 5
RRNPC; a aquisição de firma implica alteração da firma originária, artigo 44 n° 1 e 4
RRNPC; alterando-se o objecto estatutário pode ter de alterar-se a respectiva firma ou
denominação, artigos 54 n° 2 RRNPC, 200 n° 3 e 275 n° 3 CSC.
• Transmissão
A firma distingue não apenas o comerciante, mas também a respectiva empresa: liga aquele a
esta. Enquanto “colector de clientela”, expressão recorrente na doutrina italiana, a firma pode
ter considerável valor económico, interessando ao titular poder realizar esse valor.
A transmissibilidade das firmas sem a transmissão das empresas dia azo a enganos no
público, obedecendo portanto a alguns requisitos.
De seguida, é necessário o acordo das partes por escrito. Quando o transmitente seja uma
sociedade cuja firma contenha nome do sócio, além da autorização daquele è ainda
indispensável a do titular do nome, artigo 44 n° 2.
– Finalmente, o adquirente deve aditar à sua própria firma menção de sucessão e a firma
adquirida, artigo 38 n° 2 RRNPC.
A solução legal vigente reforça o princípio da verdade, mas fica enfraquecida na prática a
transmissibilidade de firmas.
Para SOVERAL MARTINS, podem autonomizar-se duas questões: uma é a aquisição da firma;
outra é a possibilidade de o adquirente utilizar a firma. O artigo 44 n° 1 diz que o adquirente
pode adquirir a firma mas não a poder utilizar. Para tal, é necessária autorização. É necessária
a transmissão e a autorização para utilizar a firma. O regime do artigo 44 n° 2 refere-se
igualmente à autorização.
Apesar de o artigo 44 referir-se apenas à transmissão de firma, não há razões para que
semelhante regime se não aplique à transmissão de denominações de entes colectivos
comerciantes, sentido em que aponta o artigo 43 n° 1.
Em relação aos meios repressivos, as firmas e denominações que, apesar de registadas violem
o princípio da novidade ou exclusividade, podem ser objecto de acções judiciais de
declaração de nulidade, anulação ou revogação, e estão sujeitas a declaração pelo RNPC de
perda do direito ao respectivo uso, artigos 35 n° 4 e 60. O uso ilegal de firma ou denominação
confere aos interessados o direito de exigir a sua proibição, bem como a indemnização pelos
danos daí emergentes, sem prejuízo da correspondente acção criminal, se a ela houver lugar,
artigo 62 RRNPC.
Outra via é a fornecida pela Convenção da União de Paris. O artigo 8 diz que o nome
comercial será protegido em todos os países da União de Paris, sem obrigação de registo. Isto
gera confusão: há pressupostos para esta protecção ser possível. Colocam-se várias questões:
é necessário que a firma tenha sido constituída validamente noutro país da União? Parece que
sim. Para merecer a tutela em Portugal, tem de ser utilizada em Portugal ou ser notoriamente
conhecida? Há jurisprudência e doutrina significativas nesta matéria. Um caso muito
conhecido foi o do El Corte Inglés, quando ainda não tinha actividade em Portugal: este
merecia a tutela do artigo 8 em Portugal, não estando cá registado? Deve entender-se que
sim.
A cessação das atividades mercantis não implica a extinção dos respectivos sinais.
Se a actividade mercantil cessa porque assim o comerciante individual decidir, temos várias
hipóteses: se a pessoa tinha o estabelecimento e transmite-o com a firma, ela extingue-se
porque incorporada na nova firma do adquirente; se não tinha estabelecimento, ou tinha mas
liquida-o ou transmite-o sem firma, o direito à firma perdura a menos que o RNPC declare a
sua perda, artigo 61 n° 1 al. a), b) e 2 RRNPC.
• Noção
• Organização
Todos esses livros deixaram de ser obrigatórios com o Decreto-Lei 76-A/2006. Agora, nos
termos do artigo 30 CCom, o comerciante pode escolher o modo de organização da
escrituração mercantil, bem como o seu suporte físico, sem prejuízo do disposto no artigo 31,
que obriga as sociedades comerciais a possuir livros para actas e prevê algumas formalidades
extrínsecas.
Mas isto não significa o puro arbítrio do comerciante: impõe-se verdade e clareza nos registos
do que entra, do que sai e do que permanece no património mercantil. O novo artigo 29
declara que a escrituração será efectuada de acordo com a lei, e o artigo 41 confirma a
existência de organização devida e indevida, sendo portanto a liberdade de escrituração
limitada.
Fora do CCom há lei regulando a escrituração mercantil, por exemplo a lei fiscal: ex artigo
123 CIRC diversos comerciantes devem dispor de contabilidade organizada de acordo com a
normalização contabilística.
O Decreto-Lei 76-A/2006 veio alterar o artigo 41, que estabelecia o carácter secreto dos
livros de escrituração, agora afirmando a possibilidade de as autoridades analisarem se o
comerciante organiza ou não devidamente a sua escrituração mercantil.
• Considerações gerais
Nem todos os factos previstos no CRCom têm de ser registados, sujeitos a registo obrigatório
só são os mencionados no artigo 15.
Depois da reforma de 2006 há duas formas de registo: o registo por transcrição e o registo
por depósito, artigo 53-A CRCom. O primeiro consiste na extractação dos elementos que
definem a situação jurídica das entidades sujeitas a registo constantes dos documentos
apresentados. O segundo consiste no mero arquivamento dos documentos que titulam factos
sujeitos a registo.
O registo está sujeito ao princípio da instância, sendo efetuado a pedido dos interessados,
excepção feita nos casos de oficiosidade previstos na lei, artigo 28 n° 1 CRCom. A
viabilidade do pedido de registo depende do respeito do princípio da legalidade, artigo 47, e
as decisões podem ser impugnadas hierárquica e contenciosamente nos termos dos artigos
101 e seguintes.
O carácter público do registo revela-se no facto de qualquer pessoa poder pedir certidões dos
actos de registo e dos documentos arquivados, artigo 73 n° 1, sendo que alguns actos são
obrigatoriamente publicados, artigos 70 e seguintes.
• Efeitos do registo
O registo por transcrição definitivo constitui presunção de que existe a situação jurídica nos
termos em que é definida, artigo 11 CRCom, presunções ilidíveis ex artigo 350 CC.
Efeito central do registo é ser ele requisito de eficácia dos factos em relação a terceiros,
sendo que os factos sujeitos a registo mas não registados são eficazes entre as partes ou seus
herdeiros, artigo 13 n° 1 CRCom. Terceiro para efeitos do registo comercial é quem não seja
parte no facto sujeito a registo, seu herdeiro ou representante, artigos 13 n° 1 e 14 n° 3
CRCom.
Outro é o efeito sanante, artigo 42 CSC. Relaciona-se com o acto constitutivo, que pode
sofrer de causas de invalidade. O artigo 42 vem dizer que, para as sociedades por quotas,
anónimas e em comandita por acções, depois de efectuado o registo definitivo, o contrato só
pode se declarado nulo por algum dos vícios previstos. Ou seja, com o registo, o acto só pode
ser declarado nulo por algum dos referidos nulos. Entende-se que também estão afectadas as
causas de anulabilidade. Assim, o registo sana causas de nulidade não previstas e causas de
anulabilidade.
É um regime que tutela os interesses do comércio, porque os credores daqueles que exercem
o comércio não têm de provar que as dívidas contraídas nesse exercício o forma em proveito
comum do casal. Por outro lado, a garantia patrimonial dos credores aumenta, uma vez que
mais bens respondem pelas dívidas: isto promove a actividade mercantil, uma vez que os
comerciantes negociam com mais confiança.
O cônjuges podem sempre demonstrar que esta dívida, esta responsabilidade, não foi
contraída para benefício do casal, para o proveito comum. Porém, esta é um prova difícil. Só
em circunstâncias residuais é que esta prova pode ser feita: o mais provável é que o exercício
do comércio e a contracção de dívidas visem o proveito da família em que está integrado o
cônjuge comerciante autor da dívida. O proveito do casal é um proveito não só económico,
mas de qualquer outra ordem, por exemplo, intelectual, e afere-se tendo em conta o resultado,
a satisfação das necessidades familiares.
Decorre do artigo 1691 n° 1 al. d) CC que os credores, para irem buscar a garantia
patrimonial conjunta, teriam de provar que as dívidas foram contraídas no exercício do
comércio. Porém, isto não tem de ser assim: este artigo tem de ser articulado com o artigo 15
CCom, que diz que as dívidas comerciais do cônjuge comerciante presumem-se contraídas no
exercício do comércio, ou seja, temos uma presunção de uma dívida ser contraída no
exercício do comércio. Esta presunção permite preencher o artigo 1691 n° 1 al. d) do CC.
O credor não tem de provar que a dívida resultou do exercício do comércio concreto daquele
cônjuge, desde que prove que a dívida resulte de um acto de comércio e que o cônjuge é
comerciante.
Com isto está a reforçar-se ainda mais a tutela dos credores, uma vez que esta é uma prova
mais fácil. É mais fácil provar que um acto é comercial do que provar que esse acto foi
praticado no exercício do comércio do seu autor. Por exemplo, esta presunção do artigo 15 é
aplicável a dívidas cambiárias, resultantes da subscrição de letras e livranças, que são actos
de comércio objectivos e formais. Não há conexão necessária destes actos com o exercício do
comércio. Podemos ter uma dívida comercial que não está relacionada com o exercício do
comércio, mas ainda assim preencher a presunção e fazer aplicar o artigo 1691 CC.
Pode, porque esta é uma presunção ilidível, provando que a dívida, apesar de comercial, não
foi contraída no exercício do comércio do comerciante devedor, exploração empresarial
daquele cônjuge comerciante. Ao afastar a presunção, fica afastada a aplicação do artigo 1691
n° 1 al. d) CC e transforma a dívida numa dívida própria.
DAS EMPRESAS
É preferível partir dos dados jurídicos, do próprio direito, constituído pela legislação, pela
jurisprudência, pela doutrina e pelos costumes, só assim será possível delimitar as empresas
comerciais das não comerciais, bem como distingui-las consoante os respectivos sujeitos, e
ainda averiguar o que há de comum as diversas espécies empresariais.
Contudo, isto não significa que se deva atender exclusivamente às informações e indícios
jurídicos, pois o direito refere sempre a empresa a algo que existe na realidade empírica,
sendo também preciso o recurso aos dados metajurídicos, sobretudo quando no direito não
houver definições formalizadas de empresa.
Terminologia
Tem sido posta a questão da admissibilidade do uso sinonímico das palavras “empresa” e
“estabelecimento”. Antigamente admitia-se este uso, sendo que nos tempos mais recentes
parece dominar a posição contrária: para COUTINHO DE ABREU é legítima a utilização
sinonímica dos dois vocábulos, quer tomando em conta o espaço jurídico-mercantil, quer
outros domínios, e mesmo as leis não se opõem a tal equipolência.
“Empresa” vem sendo empregue em grande escala para significar sujeito. Por exemplo, no
artigo 38 n° 4 CRP o Estado impõe “o princípio da especialidade das empresas titulares de
órgãos de informação geral”. Mas também estabelecimento pode significar o mesmo, “a
criação, organização e funcionamento de estabelecimentos bancários com a faculdade de
emitir títulos fiduciários”, artigo 364 CCom.
Estes sujeitos jurídico, para serem empresas, têm de exercer uma actividade económica, que
não tem necessariamente de ser dirigida à obtenção de lucros, nem tem de ser suportada por
uma organização de trabalho dependente ou de outros factores produtivos.
Nesta última, “considera-se empresa qualquer entidade que exerça uma actividade económica
que consista na oferta de bens ou serviços num determinado mercado, independentemente do
seu estatuto jurídico e do seu modo de financiamento”.
As empresas são sujeitos que exercem “actividade económica que consista na oferta de bens
ou serviços num determinado mercado”.
Ainda, as empresas do sector privado podem ser entidades colectivas, e pessoas humanas ou
singulares, que incluem comerciantes, agricultores, cientistas que comercializem as suas
invenções. Algumas destas pessoas, “empresas”, não exploram empresas em sentido
objectivo, as actividade que desenvolvem são essencialmente pessoais.
• Empresas comerciais
O OBJECTO COMERCIAL
A empresa ou estabelecimento, é um bem complexo, feito por vários bens ou elementos, que
variam em função do tipo ou forma de empresa. Variam conforme os tipos ou forma de
estabelecimento, de empresa para empresa, e ainda dentro dum mesmo grupo tipológico ou
dentro do mesmo estabelecimento.
A discussão tem versado principalmente sobre a clientela, o círculo de pessoas que com essa
empresa contactam. em França a opinião dominante vê-a como elemento; em Itália é
considerada uma simples qualidade da azienda; na Alemanha é vista como elemento dela.
COUTINHO DE ABREU entende que a clientela não é elemento constituinte da empresa, por
não ser um instrumento estrutural-funcionalmente inserido na organização produtiva que a
empresa é. Mas também não é uma mera qualidade, pois existe uma ligação entre empresa e
clientela, que não pode subsistir durante muito tempo sem ela.
Quanto às obrigações, na verdade, é praticamente indiferente dizer elementos empresariais
uma máquina ou o direito de propriedade sobre ela, mas já não é o mesmo dizer elementos
empresariais a generalidade dos contratos, créditos e débitos. Os créditos de um empresário
ou sujeito de empresa ligados à exploração empresarial mas cujos objectos não sejam meios
do estabelecimento não devem considerar-se elementos empresariais. O mesmo se diga dos
contratos e dos débitos.
Como elemento empresarial é às vezes referido o dinheiro, não porque seja um bem de todo
neutro, mas por ser um bem exterior ao processo produtivo e à respectiva estrutura
empresarial sustentado. Pode contudo ser elemento de certas empresas: das empresas
bancárias e de seguros.
Os bens de que o estabelecimento é feito não são meramente agregados ou somados, estão
articulados, estruturados estavelmente, com vista à consecução de um fim.
É estabelecimento a organização produtiva apta a funcionar, mas que ainda não entrou em
funcionamento?
Resposta diversa foi a dada pela doutrina portuguesa, com que COUTINHO DE ABREU
concorda. Embora não funcionando ainda, um complexo de bens de produção organizados
pode ser considerado estabelecimento comercial. Se à partida já se revelar apto para realizar
um fim económico-produtivo jurídico-comercialmente qualificado, existe já um bem jurídico
novo, uma organização não redutível a bens meramente agregados. O direito não pode deixar
de vê-lo como verdadeiro estabelecimento.
Antes de funcionar, um complexo daquele tipo não possui ainda “valores de exploração”: não
foi tecida e rede de clientes e fornecedores, e por outro lado faltam-lhe bens sem os quais não
funcionará. Neste caso não existe estabelecimento, pois ele ainda está em formação.
COUTINHO DE ABREU não concorda com esta posição, pois já estamos perante um conjunto
de bens heterogéneos e complementares devidamente organizados com vista à consecução de
determinado fim. Esses elementos organizados já conseguem projectar no público a imagem
de um bem novo, a qualificar como estabelecimento comercial.
Em casos destes, qual o mínimo de bens e valores necessário para identificar a empresa?
Porque a sucursal goza desta relativa autonomia, pode deixar de se identificar com o todo
empresarial de que faz parte e transformar-se em autónomo estabelecimento comercial,
sobretudo quando seja alienada separadamente.
UNIDADE JURÍDICA
Os autores portugueses têm sustentado ser o estabelecimento mercantil uma unidade jurídica,
existindo várias normas em apoio desta tese. O actual artigo 1112 CC permite a transmissão
da posição de arrendatário sem dependência de autorização do senhorio em caso de trespasse
de estabelecimento, e diz não haver trespasse quando a transmissão não seja acompanhada de
transferência, em conjunto, das instalações. Retira-se depois de outras normas do CPI que a
transmissão do estabelecimento envolve a transmissão dos respectivos nome e insígnia,
marca e logótipo. É o facto de o estabelecimento ser objecto unitário que explica e justifica
que a sua transferência importe a dos citados bens. Outras normas, ainda, a considerarem o
estabelecimento “universalidade” consagrariam expressamente a tese da unidade jurídica.
No entanto, o artigo 1302 CC estabelece que só as coisas corpóreas podem ser objecto do
direito de propriedade, e parece mais correcto identificar o estabelecimento como coisa
imaterial do que como uma coisa corpórea.
O estabelecimento, integre ou não bens materiais, não é igual à soma dos seus elementos, daí
concebe-lo como uma coisa incorpórea complexa. Além de não estar verdade a hipótese no
próprio contexto do CC, certas coisas incorpóreas serem objecto de propriedade, o certo é
que diversas normas o supõem, ou afirmam mesmo, poder o estabelecimento ser objecto do
direito de propriedade: artigos 94, 1112, 1682-a n° 1 al. b), 1889 n° 1 al. c) entre outras.
• O EIRL como estabelecimento comercial especial
O facto de o e.i.r.l. ser um património autónomo separado implica que ele não deva ser
considerado verdadeiro estabelecimento comercial?
A empresa não denota necessariamente comercialidade: esta é compatível com empresa e não
empresa, e também a não comercialidade é compatível com a empresa e não empresa.
Na opinião de COUTINHO DE ABREU, também não podem ser qualificadas desse modo por
analogia legis, nem olhando para as empresas piscatórias, cuja norma é excepcional; não
parece legítimo recorrer à analogia iuris, não se vendo disposições legais admitindo no
domínio comercial manifestações diversas de actividades industrial-extractivas. Parece
portanto existir uma verdadeira lacuna, e são, pois, empresas civis, porém, de iure condendo,
deveriam ser empresas comerciais.
– Quanto às empresas agrícolas, o artigo 230 § 1 CCom diz que “não haverá como
compreendido no n° 1 o proprietário ou explorador rural que apenas fabrica ou manufactura
os produtos do terreno que agriculta acessoriamente à sua exploração agrícola. Uma
organização industrial-transformadora de um produtor agrícola não é empresa comercial
quando se destina exclusivamente à transformação de produtos de terras por aquele
agricultadas, e essa transformação é acessória da respectiva produção agrícola.
Estas empresas não são comerciais, como resulta do facto de na legislação mercantil elas não
se acharem especialmente reguladas.
Mas quais empresas agrícolas? Tão-só as que têm por objecto uma actividade agrícola em
sentido estrito, tradicional?
– Do artigo 230 § 1 CCom consta a noção de artesão, mas apresenta fronteiras imprecisas.
Podemos dizer que ele é um produtor qualificado que, podendo embora servir-se de
máquinas, utiliza prevalecentemente o seu trabalho manual e, como instrumentos,
ferramentas.
Há autores que, com base no artigo 230 § 1 CCOm respondem negativamente, todavia a
norma não diz que não é empresa o artista, o industrial, diz que não é “empresa comercial”.
Se utilizar a maquinaria de forma predominante, temos uma actividade transformadora
comercial e uma empresa comercial.
O mais difícil é estabelecer a fronteira: tem de haver predomínio do trabalho manual e não da
maquinaria.
Verifica-se uma relativa despersonalização das actividades liberais quando elas são exercidas
no quadro de sociedades de profissionais liberais, não obstante, não devem ser considerados
empresas.
• Conceito geral de empresa em sentido objectivo: análise das suas notas e recusa da menção
ao escopo lucrativo
O conceito de empresa apresentado não faz qualquer menção ao lucro ou ao escopo lucrativo.
Se as empresas são normalmente instrumentos para o conseguimentos de lucros, o intuito
lucrativo não é essencial à definição de diversas espécies empresariais, por exemplo as
empresas públicas, as empresas cooperativas, ou as associações e fundações.
As empresas e os seus sujeitos jurídicos
São as empresas públicas do Estado, as empresas pública das regiões autónomas, as empresas
locais, e os serviços municipalizados.
Inspirado no direito europeu, o conceito de empresa pública compreende agora duas espécies
empresariais: certas sociedades, e as entidades pública empresariais. Nos termos do artigo 3
RSEE consideram-se empresas públicas as sociedades constituídas nos termos da lei
comercial, nas quais o Estado ou outras entidades públicas estaduais possam exercer uma
influência dominante em virtude da detenção da maioria do capital ou dos direitos de voto; ou
do direito de designar ou de destinar a maioria dos membros dos órgãos de administração ou
de fiscalização.
Sendo sociedades natural è que a sua organização e funcionamento sejam regidos pelo direito
privado, artigos 7 n° 1 e 16 RSEE, no entanto, porque são empresas públicas, dominadas por
entidades públicas e visando finalidades públicas, naturais são algumas especialidades e
excepções. Assim, o RSEE estabelece alguma disciplina que se afasta do regime geral das
sociedades.
Além das sociedades comerciais dominadas pelo Estado, são empresas públicas as “entidades
públicas empresariais”, EPE: são pessoas colectivas de direito público criadas pelo Estado
com capitais públicos, destinados à formação de organizações de meios produtoras de bens
para a troca, com denominação parcialmente taxativo-exclusiva e que, sob superintendência
e tutela estaduais, visam prosseguir finalidades públicas.
São pois pessoas jurídicas de direito público com as correspondentes capacidade de gozo de
direitos e autonomia financeira e patrimonial. A criação de EPE é feita por decreto-lei, e o
capital inicial é atribuído pelo Estado para responder às necessidades permanentes da
empresa e pode ser aumentado ou reduzido nos termos previstos nos estatutos.
A denominação deve integrar a expressão “Entidade Pública Empresarial” ou as iniciais
“E.P.E.”, artigo 24 n° 2. A intervenção do Estado na vida delas é mais intensa do que nas
sociedades-empresas públicas, artigos 11 a 14. O Estado, através do Governo, nomeia os
membros dos órgãos de administração das EPE, exerce sobre elas tutela económica e
financeira, define os objectivos e traça o quadro geral de actuação das mesmas, artigos 15 e
27 n° 4 do RSEE e 13 e 14 do EGP.
No entanto, porque têm natureza empresarial, as EPE são regidas em boa medida pelo direito
privado e por direito aplicável às entidades privadas empresariais. Estão sujeitas a tributação
directa e indirecta, nos termos gerais, artigo 7 n° 2, e estão também sujeitas ao registo
comercial nos termos gerais, com as adaptações que se revelem necessárias, artigo 28.
Porém, as duas apontadas dimensões de empresas públicas não têm de coexistir sempre, nem
implicam necessariamente a mesma área patrimonial, nem são incindíveis. Pode suceder que
seja constituída uma sociedade ou uma EPE sem que exista ainda o respectivo substrato
empresarial, sem empresas em sentido objectivo. Por outro lado, o seu património não deve
esgotar-se no património ligado às respectivas empresas-objecto: pode haver bens fazendo
parte do acervo patrimonial dos sujeitos mas não afectados às empresas-objecto.
O quadro geral parece estar traçado no artigo 4 RSEE: “a actividade do setor empresarial do
Estado deve orientar-se no sentido da obtenção de níveis adequados de satisfação das
necessidades da colectividade, bem como desenvolver-se segundo parâmetros exigentes de
qualidade, economia, eficiência e eficácia, contribuindo igualmente para o equilíbrio
económico e financeiro do conjunto do sector público”.
As sociedades regidas basicamente pelo CC ou pelo CSC têm, por definição, finalidades
lucrativas, artigo 980 CC. Nada impõe que o escopo lucrativo seja ou possa ser postergado
pelas empresas públicas-sociedades de economia mista. Os interesses públicos podem
determinar uma sistemática actuação sem finalidade lucrativas. Também as EPE em geral
devem tentar alcançar lucros, todavia, dizer isto não é o mesmo que admitir o intuito
lucrativo como nota essencial da definição delas.
Em suma, nem todas as empresas públicas, societárias ou não, têm escopo lucrativo, este
escopo não é elemento essencial do conceito ou melhor, dos conceitos de empresas públicas.
O “SECTOR EMPRESARIAL LOCAL”: ANÁLISE DA LEI N° 50/2012
Num período de quinze anos, três leis apareceram a disciplinar sucessivamente as empresas
locais: a Lei 58/98 de 18 de Agosto, a Lei 53-F/2006 de 29 de Dezembro, e a vigente Lei
50/2012 de 31 de Agosto, RAEL.
– O RAEL estabelece o regime jurídico da actividade empresarial local e das participações
locais, artigo 1. A actividade empresarial local é desenvolvida pelos municípios, pelas
associações de municípios e pelas áreas metropolitanas através dos serviços municipalizados
ou intermunicipalizados e das empresas locais, artigo 2. As participações locais são
participações sociais detidas por aquelas entidades públicas em entidades constituídas ao
abrigo da lei comercial que não sejam empresas locais, isto é, essencialmente sociedades
comerciais com participação minoritária de autarquias locais, artigos 3 n° 4, 51 e seguintes,
61 n° 1 e 66.
Rompendo com as leis anteriores sobre a matéria, o RAEL só admite empresas locais de
natureza societária: desaparecem as empresas de carácter institucional. Nos termos do artigo
19 n° 1 são empresas locais as sociedades constituídas ou participadas nos termos da lei
comercial, nas quais as entidades públicas participantes possam exercer uma influência
dominante em razão da verificação da detenção da maioria do capital ou dos direitos de voto
ou do direito de designar ou destituir a maioria dos membros do órgão de gestão, de
administração ou de fiscalização, e ainda de qualquer outra forma de controlo de gestão.
Podem ser unipessoais, artigo 19 n° 2, ou pluripessoais, e neste caso, além das entidades
públicas referidas, podem ser sócios outros sujeitos públicos ou privados.
São disciplinadas pelo CSC e pelo RAEL; objecto destas empresas só podem ser actividades
de interesse geral, artigo 45, ou actividades de promoção do desenvolvimento local e
regional, artigo 48.
É dever específico dos administradores das empresas locais cumprir “orientações genéricas”
definidas pelos órgãos executivos das entidades públicas participantes e reflectidas nas
orientações anuais, artigo 37, e existe também controlo financeiro, artigo 39, de que resulta
uma limitação da autonomia.
Ideia bastante divulgada, mas bastante inexacta, é a de que a propriedade de uma empresa
privada pertence a uma pessoa singular ou a uma pessoa colectiva privada.
Pertencente a mais que uma pessoa singular é a empresa bem comum dos cônjuges casados
em regime de comunhão de adquiridos ou de comunhão geral; a empresa-herança indivisa; a
empresa da sociedade pluripessoal não personalizada; a empresa de uma associação sem
personalidade jurídica.
Em termos muito genéricos para os economistas o lucro é o excedente do preço de venda das
mercadorias sobre o preço de custo.
No direito, lucro e fim lucrativo não são unívocos: tem-se entendido que o lucro é um ganho
traduzível num incremento do património da sociedade, traduzindo-se o escopo lucrativo no
intuito de obter tal ganho a fim de ser repartido pelos sócios. Contrapõe-se o lucro social às
vantagens económicas produzíveis directamente no património dos agrupados em entidades
associativas, e às economias que os associados visam obter participando em entidades
daquele género.
– As cooperativas de consumo têm por objecto principal fornecer aos seus membros e
respectivo agregado familiar bens ou serviços destinados ao seu consumo ou uso directo. É
concebível teoricamente que uma cooperativa forneça os bens de consumo ao preço do custo
por, razões práticas impõem normalmente outra política de preços de venda, e os
cooperadores pagarão um preço superior ao preço de custa, de que surgirá um excedente das
receitas sobre as despesas. Mas a cooperativa não pretende apropriar-se desse excedente,
distribuir-lo-á entre os cooperadores. Assim, sendo um valor distribuível pelos membros da
cooperativa, não corresponde a qualquer aumento real do património dos cooperadores,
correspondendo antes à reposição nesse património de parte de uma quantia que dele havia
sido retirada.
• Trespasse
NOÇÃO, FORMA
Quanto à forma, durante muito tempo foi exigida a escritura pública, depois do ano 2000
passou a exigir-se simples escrito. Hoje, com o NRAU, deve entender-se que continua a ser
exigido o simples escrito, com base no artigo 1112 n° 3 do CC, apesar de este se referir à
transmissão da posição de arrendatário. Com efeito, para COUTINHO DE ABREU, devemos
fazer uma interpretação extensiva do artigo 1112 n° 3, no sentido da exigência escrita
também para o trespasse.
A transmissão de firma, que não pode ser feita sem a transmissão de estabelecimento, exige
escrito, artigos 44 n° 1 e 4 do RRNPC, assim como a transmissão de marca ou logótipo,
artigos 31 n° 5 e 6, 304-P n° 3 do CPI. Seria estranho que a transmissão destes elementos
exigisse escrito e não a transmissão do conjunto.
CASSIANO DOS SANTOS entende que o NRAU deixou de exigir a forma escrita para o
trespasse: em abstracto, a transmissão do estabelecimento comercial pode fazer-se sem o
imóvel, sem a transmissão da posição do arrendatário. Também se pode conceber casos de
estabelecimentos absolutamente vinculados ao imóvel. Se não for exigida forma escrita para
um dos elementos transmitidos com o estabelecimento, CASSIANO DOS SANTOS defende que
também não é exigida forma escrita para a transmissão do estabelecimento.
ÂMBITOS DE ENTREGA
Quando um estabelecimento é transmitido por um dos negócios que o trespasse abrange, uma
questão que se coloca é a de saber o que está a ser transmitido. A este propósito, a doutrina
costuma falar dos âmbitos de entrega.
Há aqui uma questão prévia que deve ser referida, que passa por uma posição do curso que é
distinta da de CASSIANO DOS SANTOS: quando falamos em âmbitos de entrega, estamos a
pensar naquilo que só se pode transmitir por força do negócio, sem intervenção da vontade
de outrem? Por exemplo, as posições contratuais em geral: em regra, a transmissão da
posição carece do consentimento da contraparte, artigo 424.
Para COUTINHO DE ABREU, se é necessário este consentimento, não podemos falar aqui em
elementos que fazem parte do âmbito de entrega porque não podem ser transmitidos só por
força do negócio. A outra leitura, de CASSIANO DOS SANTOS, é diferente: o que interessa é
saber o que é efectivamente abrangido na negociação, ainda que não se transmita só por força
do contrato das partes. Mas uma questão é saber se as partes quiseram abranger os elementos
naquele negócio, âmbitos de entrega; outra é a de saber se, tendo as partes incluindo os
elementos no negócio, estes se transmitem efectivamente.
Devemos distinguir entre quatro âmbitos de entrega diferentes: o âmbito mínimo, o âmbito
natural, o âmbito convencional, e o âmbito legal ou imperativo.
A averiguação dos elementos que integram o âmbito mínimo só pode, obviamente, ser feita
em concreto. O prédio, ou o direito ao prédio, não integra necessariamente o âmbito mínimo:
há casos em que pode integrar, nos estabelecimentos absolutamente vinculados, ORLANDO
DE CARVALHO. O exemplo de escola é estar um estabelecimento num dado local por só esse
ter acesso à fonte de uma água termal.
Assim, temos de ir verificar se, naquele trespasse em concreto, os elementos que vamos
considerar abrangidos naquela negociação permitem ou não dizer que foi respeitado o âmbito
mínimo. Isto vai ser determinado a partir dos outros âmbitos.
Quanto aos meios empresariais cuja propriedade pertença ao trespassante, por força da lei,
temos os logótipos e as marcas, sendo o artigo 304-P n° 3 CPI claro quanto aos logótipos, e
podendo-se concluir a inclusão da marca do artigo 31 n° 5 contrario sensu.
Por conseguinte, quando num contrato de trespasse se não faça menção do prédio e não se
conclua, por interpretação do negócio, que ele foi excluído, deve concluir-se que a
propriedade do mesmo foi naturalmente transmitida.
Por força do artigo 1112 n° 1 al. a) CC, é permitida a transmissão por acto entre vivos da
posição do arrendatário, sem dependência da autorização do senhorio, no caso de trespasse
de estabelecimento comercial ou industrial. A menos que o prédio pertença ao âmbito
mínimo, o trespasse não implica necessariamente a transferência do prédio por via de
transmissão da posição do arrendatário ou por outra via de tipo obrigacional.
Nele se integram a firma, artigo 44 n° 1 RRNPC, o logótipo e a marca quando neles figure
nome individual, forma ou denominação do titular do estabelecimento, artigo 31 n° 5 CPI.
Os créditos do trespassante ligados à exploração da empresa mas cujos objectos não sejam
meios do estabelecimento não devem considerar-se elementos ou meios empresariais.
Todavia podem ser transmitidos juntamente com o estabelecimento desde que haja acordo.
Farão então parte do âmbito convencional de entrega, artigo 577 CC.
Os contratos e os débitos ligados à exploração da empresa mas cujos objectos não sejam
elementos do estabelecimento também não devem ser considerados elementos ou meios
empresariais, mas podem igualmente ser transmitidos juntamente com o estabelecimento
trespassado. Contudo, tais posições não fazem parte de qualquer dos âmbitos de entrega. Para
os contratos valem as regras dos artigos 424 e seguintes CC. Quanto às dívidas, são
aplicáveis as regras gerais do direito civil e, na vigência do actual CC, a jurisprudência e a
doutrina dominantes negam a transmissão automática de dívidas. Por conseguinte, ainda que
num escrito se diga que o estabelecimento é trespassado “com todo o seu activo e passivo”,
esse facto por si só não significa assunção pelo trespassário das dívidas do trespassante
relativas ao estabelecimento: a transmissão exige o consentimento dos credores.
O artigo 209 n° 2 do Código dos Regimes Contributivos para a Solidariedade Social, que
abrange também a cessão de exploração ou locação, diz que o cessionário responde
solidariamente com o cedente pelas dívidas à Segurança Social existentes à data da
celebração do negócio. Isto também é importantíssimo, uma vez que podem estar em causa
dívidas muito avultadas. Aqui, ao contrário do que sucede no caso anterior, a
responsabilidade do cedente não cessa passado um período de tempo: na realidade, não se
pode falar aqui em algo que pertence ao âmbito de entrega porque não há transmissão, são os
dois sempre responsáveis.
A empresa que o trespassante tem de entregar é um bem complexo, com certos valores de
organização e de exploração. Normalmente, o alienante conhece as características
organizativas da empresa e mantinha relações pessoais com financiado, fornecedores e
clientes. Seria pois perigosa a concorrência por ele exercida: essa concorrência diferencial
poria em risco a subsistência da empresa alienada, impediria uma efectiva entrega da mesma
ao adquirente.
Além do trespassante, outros sujeitos podem ficar vinculadas pela obrigação implícita de não
concorrência: é o caso do cônjuge do trespassante, dos seus filhos ou, nos casos em que o
trespassante é uma sociedade, os sócios, desde que estas pessoas tenham os conhecimentos
do trespassante relativos à organização, clientes e fornecedores.
Entre os sujeitos activos ou credores da obrigação implícita de não concorrência conta-se não
apenas o primeiro trespassário, mas também os eventuais sucessivos trespassários.
Esta obrigação de não concorrência tem limites, sob pena de violação do princípio da
liberdade de iniciativa económica, artigo 61 CRP e das regras de defesa da concorrência,
artigo 747.
Ela justifica-se apenas na medida em que seja necessária para uma entrega efectiva do
estabelecimento trespassado. Tem de ter portanto limites objectivos, espaciais e temporais.
Tem depois limites espaciais e temporais: vale apenas nos lugares delimitados pelo raio de
acção do estabelecimento trespassado, e durante o tempo suficiente para se consolidarem os
valores de organização ou de exploração da empresa transmitida na esfera de um adquirente-
empresário razoavelmente diligente. Hoje, com as vendas que são feitas online, isto é muito
mais complicado, pois muitas empresas têm como mercado o mundo, e com isto torna-se
difícil saber qual o limite espacial. Note-se que é necessário que a parte essencial do
estabelecimento seja feita com uma determinada área.
Coloca-se a questão de saber se se pode intentar uma acção a pedir que se encerre o
estabelecimento, diferente de uma mera acção de cumprimento: para este efeito, podemos
invocar o disposto no artigo 829 CC?
A doutrina oferece várias leituras para este preceito, nomeadamente a leitura restritiva
segundo a qual só abrange as hipóteses de “obra”; porém, podemos contra-argumentar que o
legislador apenas falou em obra por ser esta a hipótese mais significativa. SOVERAL
MARTINS defende assim a possibilidade de invocação deste artigo, quanto mais não seja por
analogia.
A obrigação implícita de não concorrência pode ser afastada por estipulação contratual.
Apesar de esta cláusula ser válida, o afastamento da obrigação implícita de não concorrência
pode ser um indício de que não se verificou um trespasse, pois o que as partes quiseram
verdadeiramente transmitir foi meros elementos empresariais. Isto salvo certas situações: por
exemplo, nos casos de estabelecimentos altamente desvalorizados, em que o trespassário vai
ter de começar do zero; ou em que o trespassante esteve pouco tempo à frente do negócio e
não adquiriu os conhecimentos suficientes para a concorrência diferencial.
– Artigo 1112 n° 1
A cessão da posição do locatário está sujeita ao regime geral dos artigos 424 e seguintes, sem
prejuízo das disposições deste capítulo, artigo 1059 n° 2 CC. Uma das disposições especiais é
o artigo 1112 n° 1 al. a), que estabelece que, em caso de trespasse de estabelecimento
comercial ou industrial instalado em prédio arrendado, o trespassante-arrendatário pode
ceder a sua posição de arrendatário ao trespassário sem necessidade de autorização do
senhorio.
É uma norma expressiva da tutela da circulação negocial dos estabelecimentos, e da própria
manutenção deles: a necessidade de autorização do senhorio conduziria muitas vezes à
quebra da referida defesa. Apesar disto, a lei consagra o direito de preferência do senhorio,
artigo 1112 n° 4, sendo necessária a comunicação dos elementos essenciais desse negócio.
Nas palavras de RICARDO COSTA, a lei toma posição no conflito de interesses em matéria de
cessão da posição contratual do arrendatário quando trespassante: por um lado, o interesse
comercial de efectuar a transmissão global da empresa, em princípio mais valorizada com a
manutenção do direito imobiliário; por outro lado, o interesse civilístico de “controlar”, no
limite, vedar, a mudança do arrendatário propiciada pela “viragem” do contrato de
arrendamento com o trajecto da empresa. A lei vem dar prevalência ao primeiro.
CASSIANO DOS SANTOS tem uma posição diferente, entendendo que é necessário que o
estabelecimento seja transmitido com a extensão do negócio à essencialidade dos elementos.
A al. b) diz que não há trespasse quando a transmissão vise o exercício, no prédio, de outro
ramo de comércio ou indústria ou, de um modo geral, a afectação a outro destino. A intenção
de mudança de destino pode ser revelada logo por declarações constantes no escrito do
negócio ou por declarações externas concomitantes. Mas isto é muito difícil de provar, uma
vez que se prende com intenções, o mais provável é ela ser revelada por factos posteriores.
Assim, a mudança de destino pode ser feita em condições tais, nomeadamente após o decurso
de algum tempo após o trespasse, que indica que o trespassante e trespassário quiseram
mesmo realizar o contrato de trespasse.
Em suma, não haverá trespasse se o objecto do negócio foi o imóvel e não o estabelecimento,
sendo que, para surpreender esta simulação, é necessário, segundo RICARDO COSTA,
denunciar a vontade real dos intervenientes ao tempo da transmissão do estabelecimento, que
pode ser expressa nas declarações, ou de outras cláusulas indiciadoras da fraude à lei, por
exemplo, o preço do trespasse em relação ao valor do estabelecimento; ou afirmar a
expressão da vontade real dos intervenientes numa situação ocorrida após a transmissão do
estabelecimento, não só a mudança do destino, mas também outros actos que exprimam o
decaimento dos valores de exploração e organização da empresa, por exemplo, a venda dos
bens significativos e o encerramento do estabelecimento.
Declarada a simulação, a autorização do senhorio era necessária, artigos 1038 al. f), 1059 n°
2 e 424 n° 1 e, por falta dela, pode o senhorio resolver o contrato, artigos 1083 n° 1 e 2 al. e)
e, se for caso disso, pedir indemnização por perdas e danos decorrentes do incumprimento
contratual, artigos 1038 al. f) e 798.
Note-se que SOVERAL MARTINS e RICARDO COSTA não têm a mesma posição que
COUTINHO DE ABREU. Eles defendem que tanto o trespassante como o adquirente têm de ter
a mesma intenção, enquanto que COUTINHO DE ABREU defende que basta que o adquirente
tenha esta intenção. Isto porque senão estaríamos estar a pôr nas mãos do adquirente o
destino do trespassante, que poderia, por exemplo, ser alvo de uma acção de resolução por
cessação ilícita pelo senhorio.
– Artigo 1112 n° 5
O n° 5 diz que o senhorio pode resolver o contrato quando seja dado outro destino ao
prédio. Considerou-se que este regime mais favorável aos interesses do comércio só se
justificaria se se mantivesse aquele ramo do comércio. A mudança objectiva do destino do
prédio parece ser assim uma causa de cessão ilícita, sancionando-se automaticamente este
comportamento, independentemente da vontade genética das partes.
Esta norma é bastante criticada, havendo divergência na doutrina quanto à questão de saber
se a norma cria ou não um fundamento autónomo de resolução. Com efeito, parte da doutrina
entende que esta não é uma causa autónoma.
Certos autores defendem que é uma confirmação do artigo 1112 n° 2 al. b): a transformação
posterior é um indício de uma vontade genética. Apenas vem trazer alguma certeza a esta
manifestação.
RICARDO COSTA faz uma interpretação restritiva, segundo o qual o n° 5 apenas vale para
mudança de mercantil para não mercantil ou mercantil para habitacional, não valendo quando
haja mudança de ramo comercial, protegendo desta forma a conversão dentro das actividades
mercantis. Esta até poderia ser uma interpretação declarativa, uma vez que apenas fala de
mudança de destino e a al. b) usa esta expressão para mudança de mercantil para não
mercantil ou de mercantil para habitacional.
O autor critica a solução deste artigo, avançando três argumentos que suportam a
interpretação restritiva: é uma solução prejudicial ao interesse da tutela da conservação do
estabelecimento. É depois um poder desmedido do senhorio, comparado com o direito de
resolução a que lhe assiste com base em incumprimento do fim convencionado. Mesmo
quando se reserva o imóvel para um fim específico, aceita-se que são permitidas pela cláusula
contratual as actividades que lhes estejam próximas, com o objectivo de limitar a intromissão
do senhorio. Finalmente, é uma opção atrofiante os interesses empresariais. Visa-se a
protecção da livre circulação dos estabelecimentos comerciais, sem entraves colocados pelos
senhorios. Ora, se a empresa não estiver a funcionar bem e não puder ser alterada, podemos
nunca ter um estabelecimento susceptível de ser negociado.
CASSIANO DOS SANTOS defende também a interpretação restritiva, mas deve ser feita em
função do tempo que demora a conversão: a mudança após a transmissão tem de ser imediata,
porque isto é que é censurável, transpondo o juízo da al. b), segundo o qual uma mudança
imediata é indício de simulação.
COUTINHO DE ABREU distingue o n° 5 do n° 2 al. b): uma coisa é aferir a vontade genética,
outra a mudança objectiva. Assim, o n° 5 esvazia o n° 2 al. b), pois o senhorio não precisa de
ir averiguar a fraude.
No artigo 1112 n° 2 al. b), havendo trespasse simulado e cessão não autorizada, temos uma
ilicitude e pode haver responsabilidade civil por factos ilícitos; enquanto que, no n° 5, se não
houver cumulação com a al. b), não há lugar à responsabilidade civil. Não temos aqui
qualquer cessão ilícita.
O artigo 1112 n° 5, sendo uma justa causa de resolução, tem de ser ponderado à luz da
cláusula geral?
Depende da tese que adoptarmos quanto à cláusula: para RICARDO COSTA, justas causas
depende da ponderação à luz da cláusula geral, apesar de o juízo a fazer para cada
fundamento ser diferente. Há causas que são mais graves, por exemplo a violação dos bons
costumes. A gravidade de partida é diferenciada.
Assim, ainda temos de passar pelo crivo do artigo 1083 n° 2, o que será improvável uma vez
que, quando temos um prédio desvalorizado e mudamos de destino para o estabelecimento
ser viável, não é inexigível a manutenção do contrato.
Isto também é aplicável à locação, por força do artigo 1109 n° 1. Mas aqui temos uma
particularidade, que é a de que o locatário deve restituir a coisa locada tal como a recebeu, e
como tal se alterar o destino está a violar esta obrigação.
– Obrigação de comunicação
Esta comunicação ao senhorio tem, segundo RICARDO COSTA, quatro funções: dar a
conhecer ao senhorio a identidade da nova contraparte; permitir o controlo da existência no
caso concreto de um verdadeiro trespasse; ficar prevenido para uma eventual afectação do
prédio a outro destino; e permitir o exercício do direito de preferência, se não se tiver feito a
comunicação do projecto do trespasse e das cláusulas do negócio, artigo 416.
O artigo 1112 n° 3 não menciona o prazo da comunicação. Existem aqui duas hipóteses: ou o
prazo é o prazo geral do artigo 1038 al. g), de 15 dias; ou é, por analogia, o prazo do regime
previsto na lei para a locação do estabelecimento, artigo 1109, de 1 mês.
Assim, parece ser de aplicar o regime geral, do prazo de 15 dias, sendo esta a posição de
COUTINHO DE ABREU.
CASSIANO DOS SANTOS tem uma outra leitura do artigo 424 n° 2, uma vez que este artigo
parte da hipótese em que é necessária prévia autorização da outra parte, no nosso caso, se
fosse exigido o consentimento do senhorio para a transmissão da posição do arrendatário.
O artigo 1048 diz que o locador não tem direito à resolução do contrato com fundamento na
violação da obrigação da al. g) quando a comunicação tenha sido feita por quem adquire o
estabelecimento. Isto mostra que não é particularmente pesada a obrigação que recai sobre o
trespassante e trespassário, este não é um.
Para os contratos mais antigos, o artigo 28 n° 2 diz que não se aplica o artigo 1101 CC, que
trata dos contratos com duração indeterminada e prevê para esses a possibilidade de o
senhorio denunciar o contrato. Este artigo dá assim uma protecção a estes contratos, que não
eram em rigor contratos de duração indeterminada, mas sim de renovação obrigatória, que
escapam ao regime da denúncia do artigo 1101.
O artigo 28 n° 3 é mais importante: em relação aos arrendamentos para fins não habitacionais
(comercial), a antecedência da denúncia a que se refere a al. c) do artigo 1101 é elevada para
5 anos. Assim, nestes arrendamentos, vale o regime da denúncia, mesmo que se tratem dos
contratos que à luz do anterior regime estavam sujeitos a renovação obrigatória. Ou seja, se
tivermos um daqueles contratos mais antigos, e se houver trespasse ou locação, aquilo que
era um contrato de renovação obrigatória agora cai por terra e o adquirente do
estabelecimento vê surgir como risco a possibilidade de o senhorio pôr termo aquele contrato
de arrendamento. Com isto, o interesse de realizar trespasse pode ter diminuído um pouco, e
o problema surge também para a locação do estabelecimento.
• Locação de estabelecimento
– Noção
A locação de estabelecimento é definível como o contrato pelo qual uma das partes se obriga
a proporcionar à outra o gozo temporário de um estabelecimento, mediante retribuição. Esta
noção enquadra-se com a noção geral de locação prevista no artigo 1022 CC: assim, os
estabelecimentos podem ser locados; a locação de estabelecimento é contrato nominado tanto
na doutrina, como na lei; tal contrato também é típico, isto é, está regulado na lei.
O artigo 1109 trata da locação de estabelecimento, mas não aborda muitos aspectos: até
porque remete para as próprias regras da subsecção em que se insere, que não são dedicadas à
locação mas sim ao arrendamento para fins não habitacionais. Ora, parece estar em causa a
negociação do estabelecimento como um todo, ou seja, o prédio em conjunto com o
estabelecimento, e isto é importante porque vamos aplicar as regras da subsecção ao contrato
de cessão de estabelecimento e não apenas ao direito sobre o imóvel. Para além disto, o artigo
1109 não resolve uma coisa que estava antes prevista na lei: não temos aqui um
subarrendamento. O direito que o locatário terá é apenas o direito de utilização do prédio no
âmbito da exploração do estabelecimento cujo gozo lhe foi cedido.
– Regime
Tendo o contrato sido celebrado com prazo certo, na falta de regime convencional para a
denúncia, vale o previsto no artigo 1098 n° 3 e 4 (denúncia apenas pelo locatário), excepto se
o prazo certo de duração for o supletivo (5 anos), caso em que não poderá o locatário
denunciar o contrato com antecedência inferior a um ano, artigo 1110 n° 2. Se o contrato
tiver sido celebrado por duração indeterminada, o regime supletivo da denúncia, pelo
locatário e também pelo locador, é o dos artigos 1100 e 1101.
SOVERAL MARTINS, por outro lado, entende que, se se remete para o regime da oposição à
renovação, então também se remete para o regime da renovação, isto estará pressuposto.
Porém, a questão é duvidosa. Também se pode argumentar que o legislador remeteu apenas
para as regras relativas à oposição da renovação porque as partes podem prever a renovação,
e aí aplica-se o regime da oposição, e não porque pressupõe a renovação.
Aplica-se o artigo 1113, segundo o qual a locação de estabelecimento não caduca por morte
do locatário, podendo embora os sucessores renunciar à transmissão.
ÂMBITOS DE ENTREGA
Tal como nos casos de trespasse, a locação de estabelecimento não pode prescindir dos
elementos necessários ou essenciais para a identificação da empresa objecto do negócio: o
âmbito mínimo tem de ser respeitado.
Quanto aos elementos empresariais que se encontrem na esfera jurídica do locador a título
obrigacional, a posição de empregador decorrente dos contratos de trabalho para o locador
transmite-se, pelo período da locação para o locatário, artigo 285 n° 3 CT.
Deve entender-se que a propriedade dos meios empresariais fica com o locador, não se
transmite para o locatário. O negócio da locação incide sobre o estabelecimento, não sobre
singulares elementos seus. Por outro lado, a propósito de um dos elementos da empresa, o
prédio, o artigo 1109 n° 1 CC não parece dar azo a hesitações ao falar de transferência
temporária do gozo do mesmo.
Com que direito, então, o locatário transforma ou aliena bens constituintes do capital
circulante e aliena bens do capital fixo que é necessário substituir?
Este poder ou direito de disposição sobre os meios empresariais não se funda no direito de
propriedade, mas sim no poder-dever de exploração do estabelecimento. O locatário tem não
apenas o direito de explorar-gozar o estabelecimento, mas também o dever de o fazer, sob
pena de a empresa sofrer diminuição no seu valor económico ou mesmo extinguir-se.
Enquanto durar a locação de estabelecimento, o locador está obrigado a não concorrer num
determinado espaço com o locatário, nomeadamente a não iniciar actividade igual ou
semelhante à exercida através do estabelecimento locado. Esta não é uma obrigação
implícita, uma vez que decorre expressamente de certas disposições legais, artigos 1031 al.
b) e 1037 n° 1 do CC. O artigo 1037 estabelece que o locador não pode praticar actos que
impeçam ou diminuam o gozo da coisa pelo locatário. Temos de ter aqui presente que esta
coisa é muito específica, com valores de exploração e organização, que devem ser utilizados
em paz pelo locatário.
Outra nota importante, e que gera controvérsia doutrinal, é o que diz respeito à possibilidade
de o próprio locatário, durante o período de locação, abrir um estabelecimento concorrente
com aquele que tem em locação. Também isto não deve ser permitido, uma vez que tal
comportamento provocaria, pelo menos, uma diminuição do valor do estabelecimento locado,
e significaria portanto a violação do ‘dever de manutenção e restituição da coisa’ a cargo do
locatário, artigo 1043 CC. O locatário é obrigado a manter a coisa, e se abre um
estabelecimento concorrente pode estar a pôr em causa este dever de manutenção. Para
CASSIANO DOS SANTOS, só se admite a protecção do locador através do regime da
concorrência desleal.
Estes conhecimentos, além de terem sido adquiridos pelo locatário no decurso de uma
exploração pela qual ele pagou ao locador, podem continuar a ser usados na exploração do
estabelecimento restituído pelo locador.
Introdução
Tradicionalmente, estes signos eram denominados por sinais distintivos do comércio, todavia,
esta designação é pouco rigorosa porque não individualizam apenas empresas mercantis e
produtos de actividade mercantil, não são actos de comércio objectivo e, ainda, não são
utilizáveis apenas por comerciantes.
Daí a sua inclusão, não no direito comercial propriamente dito, mas num outro ramo
autónomo, o direito industrial ou direito da propriedade industrial. Porém, também não
abrange apenas a indústria.
A natureza jurídica dos direitos sobre estes bens imateriais é controvertida. Para COUTINHO
DE ABREU são, enquanto bens imateriais, objecto de direito de propriedade, embora com
regime especial relativamente às coisas corpóreas ou materiais, artigo 1303 n° 1 e 2 CC.
Nomeadamente quanto aos modos de aquisição, são diferentes; mas, tal como qualquer outro
objecto de domínio, aplica-se o artigo 1305 CC,uso pleno e exclusivo dos direitos de uso,
fruição e disposição, e os artigos 1 n° 4 e 6 CPI.
A tutela dos direitos faz-se, em primeira linha, pela concessão de um juízo em face do INPI.
O CPI regula a tramitação que deve ser seguida junto do INPI, artigos 9 a 30. Nos artigos 31
a 32 regulam-se os direitos emergentes das transmissões e licenças: para gozar do sinal, não é
necessário ser transferido, basta ser licenciado.
Logótipos
Noção
Durante longas décadas, o direito português pôs à disposição dos interessados dois sinais
especificamente individualizados das empresas em sentido objectivo: nome de
estabelecimento e insígnia de estabelecimento.
O logótipo, enquanto sinal distintivo registável, foi introduzido no CPI em 1995, e continuou
até 2008 juntamente com os nomes e insígnias de estabelecimento. O Decreto-Lei 143/2008
veio operar uma fusão daqueles três sinais num só, o logótipo.
Quando explore empresa, é natural que se utilize o logótipo para individualizar esse
estabelecimento, por isso é que a lei diz que o logótipo pode ser utilizado, nomeadamente, em
estabelecimentos, artigo 304-A n° 2, 2ª parte. Daí que digamos que é um sinal distintivo
bifuncional: distingue sujeitos e estabelecimentos.
O mesmo sujeito, que só pode ter uma firma ou denominação, pode ter vários logótipos,
artigo 304-C n° 2: mas não é necessário ter várias empresas para ter vários logótipos, pode
haver uma mesma entidade que, tenha ou não vários estabelecimentos, tenha vários logótipos.
• Elementos componentes
A lei condiciona em grande medida a liberdade a composição dos logótipos. A norma base é
o artigo 304-A n° 1: o logótipo tem de ser susceptível de representação gráfica, instrumento
que permite a corporização do sinal e a sua tutela jurídica.
Assim, são possíveis logótipos nominativos, compostos por nomes ou palavras, incluindo os
nomes, firmas ou denominações dos respectivos titulares; logótipos figurativos, formados por
figuras ou desenhos; e logótipos mistos, constituído por elementos nominativos e figurativos,
circunstância mais usual. Nisto aproximam-se das marcas, artigo 222 n° 1, e afastam-se das
firmas e denominações.
Note-se que podemos ter logótipos de facto, que não foram registados, e que ainda são
objecto de alguma tutela.
Os logótipos podem ainda ser constituídos por outros sinais, desde que representáveis
graficamente, por exemplo conjuntos de letras e números, combinações de cores e certos sons
e formas tridimensionais, mas não formas de produtos, pois os logótipos identificam sujeitos.
Por falta de capacidade distintiva, não podem ser registados os logótipos constituídos
exclusivamente por sinais específicos, genéricos ou descritivos, ou que se tenham tornado de
uso comum; sinais que sejam forma natural, funcional ou esteticamente necessária de algo; ou
sejam cores simples e não combinações, artigo 304-H n° 1 al. b) e c).
Excepção ao princípio é o do segundo sentido ou secondary meaning: sempre que sinais de
uso específico, genérico ou comum adquirirem, em face do seu uso e publicidade, carácter
distintivo podem ser registados, artigo 304-H n° 2.
• Princípio da verdade
O logótipo não tem de conter indicações acerca da natureza, composições, actividade do seu
titular, pode ser inteiramente fantasioso, porém, se contiver tais indicações, tem de ser
verdadeiro: não é registável um logótipo receptivo ou enganoso.
Por exemplo, nunca podemos ter um logótipo susceptível de induzir em erro o público acerca
da actividade exercida. Deve ser recusado o registo de logótipo que contenha sinais
susceptíveis de induzir em erro o público, nomeadamente sobre a actividade exercida, artigo
304-H n° 3, al. d); a Bandeira Nacional, entre outros elementos, quando isso possa induzir o
público em erro sobre a proveniência geográfica dos produtos, ou possa levar a supor
erradamente que os produtos têm origem em entidade oficial, artigo 304-H n° 5, al. a) e b);
nomes ou retratos de pessoas sem a devida autorização, artigo 304-I, al. b); e a referência a
determinado prédio rústico ou urbano que não pertença ao requerente do registo, artigo 304-I
n° 3, al. c).
• Princípio da novidade
Quais os elementos que devemos ponderar para saber se o logótipo é novo e inconfundível?
É fundamento de recusa do registo de logótipo o facto de ele ser confundível com um anterior
que goze de prestígio em Portugal, ainda que pertença a um sujeito exercendo actividade não
concorrente, quando o logótipo posterior pudesse beneficiar indevidamente do carácter
distintivo ou do prestígio do logótipo anterior, artigo 304-I n° 2, que remete para os artigos
240 e 242.
Também é possível excepcionar este princípio quando haja consentimento do sujeito que é
prejudicado, artigo 304-J.
• Princípio da licitude (residual)
Expressões normativas deste princípio resultam do artigo 304-I, n° 1 al. b) e c), 3, e do artigo
304-H n° 3 al. a), b) e c), 4, e 5 al. c).
Transmissão de logótipos
O logótipo faz parte geralmente do âmbito natural, salvo nos casos do artigo 31 n° 5. Se o
logótipo contiver nome, firma ou denominação do titular, é necessária convenção.
A transmissão do logótipo por acto entre vivos deve ser provada por documento escrito,
artigo 31 n° 6, e, seja por acto inter vivos ou não, está sujeita a averbamento no INPI artigo
30 n° 1 al a). Só depois do averbamento produz a transmissão do logótipo efeitos em relação
a terceiros, artigo 30 n° 2.
O registo do logótipo é nulo nas hipóteses previstas no artigo 33 n° 1, ou nos casos em que o
registo tenha sido concedido com violação do disposto no n° 1, 3, 4 e 5 do artigo 304-H. A
nulidade é invocável a todo o tempo e por qualquer interessado, e a respectiva declaração tem
de ser feita por tribunal, artigo 33 n° 2 e 35 n°1. Temos aqui proibições absolutas.
O registo é anulável quando na sua concessão tenha sido desrespeitado o disposto no artigo
304-I, proibições relativas de registo. A acção de anulação pode ser proposta pelo Ministério
Público ou por qualquer interessado, artigo 35 n° 2, no prazo de 10 anos a contar da data do
despacho da concessão do registo; mas o direito de acção não prescreve se o registo tiver sido
feito de má fé, isto é, com conhecimento da existência de proibições relativas ao registo
conhecido, artigo 304-R n° 2 e 3.
O registo do logótipo caduca quando tiver expirado o seu prazo de duração ou por falta de
pagamento de taxas, artigo 37 n° 1. Para além disto, caduca em especial nos termos do artigo
304-S, pelas causas previstas, encerramento ou liquidação do estabelecimento ou de extinção
da entidade; e falta de uso durante 5 anos consecutivos. COUTINHO DE ABREU defende,
quando a caducidade provém de encerramento, uma interpretação revogatória desta causa,
porque o logótipo distingue sujeito ou entidade e, mesmo quando distingue estabelecimento,
tem a faculdade e não a obrigação de nele usar o logótipo.
Marcas
• Noção
Esta definição afasta-se um pouco do que decorre de diversos actos normativos. O artigo 222
n° 1 CPI diz que a marca pode ser constituída por um sinal ou conjunto de sinais susceptíveis
de representação gráfica que sejam adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma
empresa dos de outras empresas.
• Espécies
Tendo em conta a natureza das actividades a que se ligam, fala-se de marcas de indústria, de
comércio, de agricultura, de serviços, artigo 225 al. a), b), c) e e).
Olhando agora para os possíveis titulares das marcas, podemos ter marcas de empresários ou
não empresários, artigo 225. Tradicionalmente as leis da maior parte dos países permitiam a
titularidade de marcas individuais registadas somente a empresários, mas a situação é hoje
diferente, sendo geralmente admitido o registo de marcas por não empresários.
• Funções
Porém, desde cedo surgiram vozes discordantes, negando o carácter essencial desta função de
indicação de origem. Disse-se que a marca é muitas vezes um sinal anónimo, sem referência
ao titular, e muitas vezes os titulares querem que assim seja.
COUTINHO DE ABREU acrescenta que falha claramente nas marcas colectivas de certificação,
para além disto, há casos em que é legítimo dois ou mais sujeitos não ligados por quaisquer
relações jurídico-económicas usarem a mesma marca para produtos idênticos e semelhantes,
artigos 230, 243 e 267 CPI.
A função distintiva das marcas não se confunde ou identifica com a de indicação de origem e
proveniência.
Assim, podemos afirmar que a função distintiva das marcas não se esgota na indicação da
proveniência empresarial. Claro que em muitas marcas prevalece esta função, mas apenas
como parte da função distintiva.
– Além da função distintiva, as marcas, uma vez tuteladas, têm outras funções. Uma delas é a
função atractiva ou publicitária de excelência, associada às marcas de prestígio. Isto decorre
do artigo 242 n° 1.
Rompe com o princípio da especialidade, porque não se destina apenas a distinguir a marca,
prevenindo ou impedindo riscos de confusão. Já não está em causa a tutela da função
distintiva da marca, pois a distância económico-sectorial entre os produtos do titular da marca
de prestígio e os produtos de terceiro que adopte sinal idêntico ou semelhante pode ser de tal
modo grande que se torna impossível justificar a ilicitude deste segundo sinal por ele violar a
função distintiva daquela marca. Mesmo quando há produtos muito longe da marca de
prestígio, estes vão captar a função atractiva associada a esta. Segundo o artigo 242 n° 1, a
protecção especial é conferida “sempre que o uso da marca posterior procure tirar partido
indevido do carácter distintivo ou prestígio da marca, ou possa prejudicá-los”.
O uso da marca posterior tirará partido do carácter distintivo da marca de prestígio quando,
nomeadamente, faça supor que os produtos assinalados provêm da mesma entidade ou de
entidades relacionas, e tirará partido do seu prestígio quando se verifique uma transferência
da imagem de qualidade e de acreditamento no mercado desta marca para aquela. Por sua
vez, o uso do sinal posterior prejudicará o carácter distintivo da marca de prestígio quando
provoque o aguamento ou banalização desta; e prejudicará o seu prestígio quando
desencadeie indesejáveis associações.
COUTINHO DE ABREU tem uma posição diferente: entende que a função de garantia de
qualidade deve ser reconhecida, seja quanto às marcas colectivas de certificação, seja quanto
às marcas individuais. Quanto a estas, o artigo 269 n° 2 al. b) refere-se à caducidade do
registo das marcas e autonomiza a qualidade.
Os sinais, para serem marcas, hão-de ser capazes de individualizar e distinguir produtos,
artigos 222, 223 n° 1 al. a) CPI. Por falta de capacidade distintiva, não podem ser marcas os
sinais exclusivamente específicos, descritivos e genéricos.
Específicos são os signos que designam a “espécie” doas produtos, ou seja, os nomes comuns
dos produtos ou figuras que os exprimem, por exemplo, a palavra “ovo”. Os sinais descritivos
referem-se directamente a características ou propriedades dos produtos, por exemplo, à
qualidade: “Pura Lã”. Os signos genéricos designam um género ou categoria de produtos
onde se incluem os produtos que se pretende marcar com um desses sinais, por exemplo
“Refresco” para laranjadas. Também não podem ser marcas os signos constituídos
exclusivamente por sinais que se tenham tornado de uso comum para designar certos bens ou
para qualificar quaisquer produtos, por exemplo “Delux” ou “Ideal”, artigo 223 n° 1 al. d).
Estes sinais sem capacidade distintiva são irregistáveis quando apenas eles estejam em causa,
quando se pretenda registar marcas exclusivamente compostas por tais sinais, não assim
quando eles sejam só um dos elementos, artigo 223 n° 2. São excepcionalmente registáveis
marcas constituídas por estas tipologias de sinais quando, antes do registo e depois do uso e
publicidade que deles foi feito, tenham adquirido ou carácter ou capacidade distintiva, artigo
283 n° 3. Acolheu-se a doutrina do secundary meaning, de origem anglo-saxónica.
São possíveis as marcas tridimensionais, artigo 222 n° 1, mas nem todas as formas dos
produtos ou embalagem são susceptíveis de constituir marcas. Não podem ser marcas as
formas sem qualquer capacidade distintiva nem as formas cujo carácter distintivo não releva
no campo das marcas, revelando antes noutros domínios da propriedade industrial. Não são
marcas as formas natural, funcional ou esteticamente necessárias, artigo 223, n° 1 al. b).
A “forma imposta pela natureza do produto” é a usual ou normal de que se revestem os bens
a cujo género ou espécie pertence o produto, por exemplo uma tesoura ou um parafuso.
“Forma necessária à obtenção de um resultado técnico” é a dada a um objecto de que resulta
um aumento da utilidade ou melhoria do aproveitamento do mesmo, e que poderá ser
protegida como “patente” ou como “modelo de utilidade”, artigos 51 e seguintes e 117 e
seguintes. A lei não permite que as formas funcionais sejam a apropriadas a título de marcas,
e são tuteladas a tempo potencialmente ilimitado, artigo 255. “Forma que confira um valor
substancial” ao produto é a forma cujo carácter estético ou ornamental influi decisivamente
no valor comercial dos produtos e que pode ser protegida como desenho ou modelo, artigos
173 e seguintes. Só as formas “arbitrárias” ou não “necessárias” podem ser marcas.
Também falta de capacidade distintiva uma única cor, mas é possível constituir marcas com
cores combinadas entre si ou em gráficos, artigo 223 n° 1 al. e).
• Princípio da verdade
Visa à veracidade das marcas, e a sua principal concretização encontra-se no artigo 238 n° 4
al. d) CPI, que estabelece a irregistabilidade das marcas que contenham sinais que sejam
susceptíveis de induzir o público em erro, nomeadamente sobre a natureza, qualidades,
utilidade ou proveniência geográfica do produto ou serviço a que a marca se destina.
O ponto relativo à proveniência geográfica precisa de algumas ponderações. O sinal pode ser
geográfico, com referência a uma zona, área ou região, e isto é importante porque uma
determinada área pode ter uma certa capacidade atractiva. Pode acontecer que os produtos
sejam originários da área indicada, estando respeitando o princípio da verdade; ou não ser
originário, e aí temos algumas hipóteses a distinguir. Temos três subcenários.
O sinal é uma denominação ou indicação geográfica, artigos 325 e seguintes. Nesse caso, não
é possível registar.
O nome geográfico pouco conhecido surge aos olhos do público como uma expressão de
fantasia ou arbitrária. A indicação geográfica abstrai-se e torna-se fantasiosa, pelo que é
registável.
O artigo 238 n° 6 diz que é recusado o registo de uma marca que seja constituída por
bandeira nacional em certos casos, sendo que as al. a) e b) também são manifestações do
princípio da verdade.
As marcas têm de ser novas, distintas ou inconfundíveis, mas tal novidade apenas tem de
afirmar-se no âmbito de produtos idênticos ou afins, vigorando aqui o princípio da
especialidade, artigos 239 n° 1 al. a) e 245 n° 1 al. b) CPI, e ainda artigo 4 n° 1 da Directiva
89/104/CEE.
Tendo em vista estes artigos é possível identificar os casos em que o registo da marca deve
ser recusado.
As marcas são semelhantes e os produtos idênticos. Para que haja recusa, é necessário que
haja risco de erro ou confusão.
A marca e os produtos são semelhantes ou afins. Para que haja recusa, é necessário que haja
risco de erro ou confusão.
Não se deve ir para além destas fronteiras, e a relativização deve operar a propósito do risco
de confusão, e não da afinidade dos bens.
Já no que diz respeito à semelhança entre marcas, este critério tem apoio legal, sobretudo no
artigo 245 n° 1 al. c). Os elementos essenciais para avaliar são a natureza gráfica, figurativa e
fonética. A grafia e a fonética interessam particularmente para as marcas constituídas por
letras ou números, bem como para as marcas mistas em que elementos daquele género
prevaleçam. Para as marcas figurativas e tridimensionais, interessa sobretudo atender à figura
e configuração. Quanto às marcas auditivas, a semelhança sonora é essencial. Também temos
de ter em conta a semelhança ideográfica (por exemplo, uma marca com o nome joaninha e
outra marca quer registar a marca como desenho de joaninha).
No juízo sobre a similitude, as marcas devem ser apreciadas global ou sinteticamente, e não
analiticamente, a fim de excluir do exame elementos ou segmentos que não têm capacidade
distintiva: o exame deverá recair sobre as marcas na sua totalidade. Isto não quer dizer que o
juízo deva ser “impressionístico”, não fundado em análise e ponderação das semelhanças e
dissemelhanças. É mais fácil registar uma marca com elementos de fantasia e arbitrários, pois
o risco é menor. Quando se utilizam elementos genéricos, de uso comum, o risco é maior.
Para que a marca não possa ser registada, não basta haver identidade ou semelhança com
outra marca, tem ainda de haver risco de confusão.
Este deve ser entendido em sentido amplo, para dar a maior tutela possível às marcas
registadas. Assim, temos o risco de confusão em sentido estrito, que ocorre quando os
consumidores podem ser induzidos a tomar uma marca por outra e, por isso, um produto por
outro; e o risco de associação, quando os consumidores, embora distingam os sinais, ligam
um ao outro e, consequentemente, um produto ao outro. Os consumidores crêem que se
tratam de produtos e marcas imputáveis a sujeitos relacionados entre si (por exemplo,
coligados num grupo de sociedades).
O risco de confusão depende de vários factores, nomeadamente do tipos de consumidores, do
grau de semelhança entre as marcas e entre os produtos assinalados, e da força e notoriedade
da marca registada anteriormente.
Releva ainda o grau de semelhança. O risco de confusão é tanto maior quanto maior for a
semelhança e os produtos.
Finalmente, o risco de confusão é maior quando a marca registada é uma marca forte, ou
muito conhecida. Quanto mais forte a marca, mais radicada está na memória cognitiva do
consumidor médio. Ou seja, as marcas fortes, muito conhecidas, são aquelas que mais peso
têm no registo de marcas com ela conflituantes; as marcas novas têm de ter, perante marcas
fortes, muito mais diferenças. As marcas fortes são mais condicionantes do que as marcas
frágeis ou débeis, porque as marcas pouco conhecidas são marcas que, por sua natureza, têm
pouca capacidade distintiva. O titular de uma marca expressiva há-de ter consciência de que a
opção por tal signo o expõe a riscos, pois outros sujeitos têm legitimidade para compor as
suas marcas igualmente com elementos sugestivos, artigo 223 n° 2. O risco de associação é
tanto maior quando maior for a notoriedade da marca registada.
Há vários fundamentos de recusa, previstos no artigo 238 n° 4 al. a), b) e c), n° 5 e n° 6 al. c)
e no artigo 239 n° 1 al. b), c), e d), n° 2 al. a) e b). Por exemplo quando usamos numa marca
expressões ligadas aos bons costumes, ou quando uma marca viola direitos de autor.
Chamamos a este princípio “licitude residual” uma vez que também o princípio da
capacidade distintiva e da verdade implicam a licitude da marca.
Para que se constitua um direito de propriedade sobre uma marca é preciso que a mesma seja
registada, artigo 224 CPI, e o registo é constitutivo. O processo normal de registo é regulado
pelos artigos 233 e seguintes. Para este processo, há hoje um regime especial de constituição
on-line de sociedades, que permite a simultânea aquisição de marca associada à firma da
sociedade.
Tem direito de prioridade para o registo quem primeiro apresentar regularmente o respectivo
pedido, artigo 11, mas, quem tiver apresentado em país da União de Paris ou da OMC um
pedido de registo de marca gozará, para apresentar o mesmo pedido em Portugal, do direito
de propriedade durante seis meses a partir da data do primeiro pedido, artigos 12 CPI e 4
CUP.
Os direitos conferidos pelo registo de marca são eficazes em todo o território nacional, artigo
4 n° 1. Para a tutela noutros países, terá de requisitar o registo nesses países, salvo em relação
aos Estados parte do acordo de Madrid, pois por intermédio do INPI pode requerer a
protecção da marca nesses países.
As marcas comunitárias têm carácter unitário produzindo os mesmos efeitos em toda a União
Europeia, sendo o seu registo efectuado num organismo Europeu, Regulamento 40/94, com
regulação interna no artigo 247 CPI.
O titular de uma marca registada goza da sua propriedade a título exclusivo, artigo 224 n° 1
CPI. Tem a faculdade de uso, transmissão e cessão, artigos 31, 32, 262 e 264; pode reclamar
contra pedido de registo feito por outrem de marca idêntica ou semelhante, artigos 236 e 237;
propor acção de anulação de registo concedido, artigo 266 n° 1; requerer judicialmente
medidas inibitórias contra violações do seu direito bem como indemnizações, artigos 338-I,
338-L e 338-N; o seu direito é protegido criminal e contra-ordenacionalmente, artigos 323,
324, 336 e 339.
O titular de marca registada não pode impedir que terceiros usem na sua actividade
económica o seu próprio nome e endereço ou indicações relativas à espécie, qualidade,
quantidade, artigo 260 al. a) e b). No entanto, isto só é assim quando o uso pelos terceiros
seja feito em conformidade com normas e usos honestos em matéria profissional, o que
significa que os sinais aludidos terão de aparecer em função descritiva, não como marcas.
Também não pode impedir que terceiros usem na sua actividade económica a sua marca,
quando tal uso não viole práticas honestas em matéria profissional e seja necessário para
indicar o destino dos produtos, nomeadamente no caso de acessórios ou peças sobressalentes,
artigo 260 al. c).
As marcas de facto, além de gozarem do direito de propriedade para o registo nos termos do
artigo 227 CPI, podem ser protegidas nos termos do artigo 239 n° 1 al. e): deve ser recusado
o registo de marca idêntica ou confundível com marca de facto quando se reconheça que o
requerente pretende fazer concorrência desleal.
Transmissões e licenças
• Transmissões
• Licenças
Salvo acordo das partes, os licenciado não pode ceder a sua posição contratual nem conceder
sublicencias, artigo 32 n° 8 e 9. O licenciante não tem o poder-dever legal de controlar a
qualidade dos produtos com a sua marca assinalados pelo licenciado, nem este deve respeitar
os critérios de qualidade respeitados pelo licenciante, contudo, pode-se recorrer ao regime da
caducidade, artigo 269 n° 2 al. b). Se o contrato de licença prever algo sobre a qualidade dos
produtos fabricados ou dos serviços prestados pelo licenciado, o licenciante pode invocar
contra o licenciado que infrinja essa cláusula o regime geral do incumprimento dos contratos
e os direitos conferidos pelo registo, artigos 258 e 323 al. f).
Extinção do registo das marcas ou de direitos derivados do registo
• Nulidade
O registo de marca é nulo nos casos previstos no artigo 33 n° 1 por remissão do artigo 265 n°
1, e quando na sua concessão tenha sido desrespeitado o disposto no artigo 238 n° 1, 4, 5 e 6.
A declaração judicial de nulidade é requerível a todo o tempo por qualquer interessado ou
pelo Ministério Público, artigos 33 n° 2 e 35 n° 1 e 2. A eficácia retroactiva da declaração de
nulidade não prejudica alguns efeitos elencados no artigo 36.
• Anulação
É anulável o registo de marca quando na sua concessão tenha sido infringido o previsto nos
artigos 239 a 242, como determina o artigo 266 n° 1.
A ação de anulação pode ser proposta pelo Ministério Público ou qualquer interessado,
artigos 35 n° 2 e 266 n° 4, no prazo de 10 anos a contar da data do despacho da concessão do
registo; mas o direito de acção não prescreve se o registo tiver sido feito de má fé, isto é, com
conhecimento da existência de proibições relativas ao registo conhecido, artigo 266 n° 4. O
titular da marca perde o direito de requerer a anulação se, tendo conhecimento do facto, tiver
tolerado durante um período de 5 anos consecutivos o uso de uma marca registada posterior,
artigo 267 n°1.
• Caducidade
O registo da marca caduca quando tiver expirado o seu prazo de duração ou por falta de
pagamento de taxas, artigo 37 n° 1. Caduca em especial nos termos do artigo 269, por falta de
uso “sério” durante cinco anos consecutivo sem justo motivo, se a marca se tiver
transformado na designação usual no comércio do produto, e se a marca se tiver tornado
deceptiva.
O uso de marca é “sério” quando ela assinala produtos colocados no mercado de modo
estável ou não esporádicos e em quantidades significativas, quando a utilização não é
meramente simbólica. O uso sério poderá bastar-se com a utilização da marca em campanhas
publicitárias preparatórias da introdução dos bens no mercado.
Há “justo motivo” para o não uso de marca quando existam circunstâncias independentes da
vontade do titular que tal imponham.
O titular da marca pode abdicar da propriedade que o registo lhe conferiu, artigo 38 n° 1 e 2.
A regra é a declaração unilateral e receptícia, dirigida ao INPI. O artigo 38 n° 5 diz que não
prejudica os direitos averbados, os contratos de licença de exploração estão salvaguardados.
Noção
As possibilidades de constituição das marcas são muito mais vastas. As marcas pertencem a
sujeitos determinados, enquanto que as denominações e indicações são propriedade conjunta
dos habitantes ou das pessoas instaladas nessa região, artigo 305 n° 4. Assim, podem ser
utilizados indistintamente por quem nessa região explora uma actividade. Ao invés da
generalidade das marcas, estes sinais distinguem sempre produtos originários de certas áreas
geográficas.
Protecção
A tutela das denominações e indicações exige, em regra, que as marcas estejam registadas. O
registo deve ser concedido às denominações e indicações respeitadoras dos requisitos
previstos nos artigos 305 n° 1, 2 e 3 e 308.
O registo destes sinais confere o direito de impedir o uso da palavra caraterística deles
componente, ou de signos confundíveis, para apresentar ou referir produtos idênticos ou afins
mas não provenientes das regiões demarcadas a que se reportam as denominações de origem
ou as indicações geográficas, artigo 312, n° 1 al. a), 2 e 3. Aquele uso é ainda proibido em
relação a produtos não idênticos quando a denominação ou indicação goze de prestigio em
Portugal ou na União Europeia e o seu uso vise, sem justo motivo, tirar partido do seu
carácter distintivo ou de prestígio, artigo 312 n° 4.
Pode-se ainda recorrer à responsabilidade civil nos termos dos artigos 483 e seguintes CC,
artigos 305 n° 4, 310, 316 e 338-L CPI, e à responsabilidade criminal, artigo 325.
As denominações e indicações não registadas também gozam de alguma proteção, nos termos
do artigo 310.
Extinção
• Nulidade
O registo é nulo quando na sua concessão tenha sido violado o disposto no artigo 308 al. b),
d) e f), artigo 313.
• Anulação
É anulável quando na sua concessão tenha sido desrespeitado o disposto no artigo 308 al. a),
c), e) e g), artigo 314.
• Caducidade
Recompensas
Noção
Propriedade e registo
Extinção do registo
O registo de recompensa é anulável quando se prove que a mesma não foi concedida ao
sujeito mencionado no registo ou quando o título da recompensa for anulado, artigo 280.
Caduca quando a concessão da recompensa for revogada ou cancelada, artigo 281 n° 1, e o
titular pode a ele renunciar nos termos do artigo 38.
PARTE II:
LETRAS E LIVRANÇAS
NOÇÕES GERAIS
Este contrato, na sua forma mais simples de câmbio manual, dava corpo à principal
actividade dos cambistas e consistia na simples troca presencial de uma moeda por outra, em
razão do seu peso, lei ou procedência, de forma não muito distinta da que ainda hoje se
emprega para a aquisição de divisas ao balcão de um banco.
A necessidade do câmbio radicava na diversidade da moeda com curso nos diferentes locais
onde os sujeitos exerciam o seu comércio, necessidade que se viu potencial na época pela
descentralização excessiva do direito de cunhagem de moeda e pela variação constante dos
seus valores relativos.
Nesta fase a circulação da letra era mais física do que jurídica, pois o sujeito indicado na letra
como portador não tinha a faculdade de transmitir, só ele estava autorizado a exercer o
dinheiro. A cláusula à ordem, que vem tornar possível a aquisição e exercício do direito por
sujeitos inicialmente não nomeados através do endosso, só compare no início do século XVII.
As letras associadas ao contrato de câmbio eram muitas vezes usadas só para transferir
fundos entre praças. Foram os comerciantes que perceberam o potencial da letra para fazer
um uso produtivo dos fundos enquanto estão fora, através do empréstimo desses fundos a
outrem contra remuneração, sendo o financiamento central no âmbito do contrato de câmbio.
Para a letra atingir os contornos actuais e deixar de estar ligada ao contrato de câmbio a
evolução foi lenta e difícil. Implicou a deslocação do centro de gravidade para o plano
documental, ate então valorado como simples elemento de prova, e completou-se com a
concentração da disciplina jurídica sobre esse mesmo plano.
Entramos no período da letra como meio de pagamento, que dispensa e ocupa o lugar do
dinheiro.
A Lei Uniforme
No século XIX iniciou o chamado movimento unificador, que teve na base a urgência em
facilitar a circulação alargada de letras e livranças, fomentando a certeza, segurança e rapidez
dos seus circuitos.
Assim, em 1928, o Conselho da Sociedade das Nações convocou a Conferência, que veio
reunir em Genebra em 1930, que aprovou três convenções, uma relativa à Lei Uniforme
sobre Letras e Livranças; outra destinada a regular certos conflitos de leis em matéria de
direito cambiário; e a última respeitante ao imposto de selo sobre letras e livranças.
Principais funções
Tipos de utilização
Traço mais saliente do utilizo das letras e livranças é o da ausência de circulação dos títulos,
os quais não chegam a sair das mãos do tomador, sendo também constante que este coincida
com o sacador, quer dizer, que este saque à sua própria ordem. Substitui-se a trilateralidade
subjacente à emissão de letras por um contexto bipessoal, no qual se esvazia de sentido a
clássica apresentação da letra ao aceite, já que o mais vulgar é o aceite ser contemporâneo da
própria emissão da letra.
A circulação tem como destinatário habitual uma instituição bancária e processa-se no âmbito
de uma operação de desconto. Verificou-se um declínio do endosso em favor da figura do
aval com pluralidade de destinatários no domínio da vinculação cambiária das sociedades,
constituindo quase uma regra a prestação de cavalo pelos gerentes ou pelos sócios sempre
que as sociedades aceitam letras ou emitem livranças.
O recurso a letras e livranças em branco assume uma expressão muito significativa no âmbito
de prestações contratuais duradouras envolvendo uma componente financeira.
O regime jurídico das letras e livranças está contido na Lei uniforme das Letras e Livranças,
aprovada por convenção internacional em Genebra em 1930 e que vigora como direito
interno português desde a sua ratificação em 1934.
As letras e livranças são documentos escritos dotados de elevado grau de formalismo, que
assumem grande importância enquanto suporte físicos infungíveis de legitimação activa e
passiva. Mas não são negócios jurídicos cambiários, nem se confundem com a relação
jurídica cambiaria que desses negócios jurídicos promana. Além da relação cambiária
propriamente dita, temos uma relação jurídica real sobre o documento em si, que em cada
momento há-de pertencer a alguém. Temos também relações obrigacionais extracartulares,
geradas pelas convenções executivas e relações fundamentais.
Conteúdo e estrutura
A relação cartular pode descrever-se como uma relação jurídica obrigacional, em cujo lado
activo encontramos um direito de crédito cujo objecto consiste numa prestação em dinheiro.
No lado passivo encontramos uma obrigação principal auxiliada por um sistema de
obrigações de garantia que impendem sobre os outros subscritores cambiários.
Características comuns
A relação jurídica cartular tem um processo de formação peculiar. No seu lado passivo
encontramos uma pluralidade de obrigados cujos vínculos se constituem em momentos
sucessivos e provêm de fontes diferentes, os vários negócios jurídicos cambiários.
Saque
O saque é o negócio jurídico unilateral que tem por efeitos a constituição e atribuição do
direito cambiário, bem como a vinculação do sacador à garantia da aceitação e pagamento da
letra. O conteúdo da declaração negocial é fixado no artigo 1 LU, que estabelece os requisitos
essenciais da letra, que dizem respeito à declaração do sacador e constituem a sua forma,
podendo-se afirmar que “o saque cria a letra”, isto é, cria o suporte documental formal de
uma relação de crédito dotada de características próprias e sujeita ao regime especial da LU.
Além da constituição do direito cambiário, o saque determina a aquisição desse direito por
determinado sujeito, que pode ser o sacador ou terceiro, artigos 3-I e 1 n° 6 LU.
Produz também efeitos obrigacionais por força do artigo 9-I LU: o sacador, designado por
“obrigado cambiário inicial”, responde pelo pagamento da letra e pela respectiva aceitação.
Aceite
O conteúdo da declaração do aceitante não é fixado por lei, artigo 25-I LU, mas é
imprescindível a assinatura do declarante. Segundo o sistema de localização das assinaturas
constituído pela LU a assinatura do sacado é aposta na parte anterior da letra e, no caso do
aceite, deve acrescer o facto de se tratar da assinatura do sacado, porque o sacado está
sempre e necessariamente identificado, artigos 1 n° 3 e 2 LU, sob pena de não se constituir o
próprio título.
Endosso
CAROLINA CUNHA entende que não se possa considerar a legitimação formal um efeito do
endosso enquanto negócio jurídico. Semelhante legitimação surge como um efeito da
declaração escrita no título na sua mera factualidade, corresponda-lhe ou não um negócio de
endosso. Se alguém encontrar uma letra onde um sujeito figura como tomador, pode falsificar
a assinatura e a respectiva declaração de endosso a seu favor e, de seguida, endossar a letra a
outra pessoa. A legitimação formal do portador será, portanto, um efeito da aparência de
endosso documentada no título. O que releva, para apurar uma série ininterrupta, é o
conteúdo ostensivo da letra.
Quanto ao conteúdo da declaração de endosso, a lei não faz exigências especiais, permitindo
que, no caso do endosso em branco, seja reduzido até à mera assinatura do endossante, desde
que com uma localização precisa no documento, artigo 13-I.
O termo “endosso” é ainda utilizado para designar o endosso por procuração, artigo 18 LU, e
o endosso em garantia, artigo 19 LU, que não envolvem a transmissão do direito cartular.
Diferentes são os endossos não-translativos “encobertos”, em que a um endosso translativo,
subjaz ou um mandato para cobrança do crédito cambiário ou a constituição de uma garantia
que toma esse crédito por objecto.
Aval
O ingresso do avalista no círculo cambiário requer a ligação ao avalizado, pois o artigo 31-IV
LU prescreve que o aval deve indicar a pessoa por quem se dá.
O regime uniforme não permite portanto afirmar que o avalista garante ou cauciona a
obrigação do avalizado. Cauciona o pagamento da letra, inserindo-se a sua obrigação de
garantia na que singulariza o lado passivo da relação jurídica cambiária.
Isto não equivale a negar uma ligação entre a obrigação cambiária do avalista e a obrigação
cambiária do avalizado, pois aflora em diversos pontos da LU, como a exigência da indicação
da pessoa por quem o aval se dá, artigo 31-IV. Identificada a pessoa do avalizado, a sua
posição jurídica vai ser utilizada pela LU no contexto dos artigos 32-I, 32-II in fine, e 32-III.
A posição jurídica do avalizado é utilizada pela LU para situar a pretensão do avalista que
paga a letra na ceia dos direitos de regresso, artigo 32-III. A norma posiciona o avalista na
cadeia dos direitos de regresso em simetria com o ponto de inserção da sua obrigação no
círculo cambiário.
Emissão de livrança
Ao mesmo tempo, houve um afastamento do clássico contexto trilateral. Ainda que estejamos
em presença de letras, só residualmente iremos deparar com a tríade sacador/sacado-
aceitante/tomador, a qual se contraiu para dar lugar ao par aceitante/sacador à própria
ordem.
Mas a questão não se põe nestes termos. O ingresso na titularidade activa da relação
obrigacional cambiária dá-se por força de um negócio jurídico cambiário dirigido à sua
aquisição. Portanto a relação não apresenta como característica a indeterminação do credor,
este pode mudar com a circulação do título, mas é sempre e em cada momento perfeitamente
conhecido e identificado de forma directa, como decorre dos artigos 11-I e 1 n° 6 ou 75 n° 5 e
77, segundo os quais a cláusula à ordem é um elemento natural das declarações cambiárias.
A relação jurídica cambiária caracteriza-se pelo facto de termos uma tendencial pluralidade
de devedores. Para credor cambiário poder exercer o direito cartular contra os obrigados de
garantia, terá de comprovar a verificação do risco garantido, ou seja, a recusa do aceitante em
pagar a letra no vencimento através de um acto notarial forma o protesto, artigos 7 n° 1, al.
c), 14 e 119 a 130 Código do Notariado e artigos 44-I e IV LU.
Caso não seja lavrado protesto dentro do prazo fixado, o portador da letra perde os seus
direitos de acção contra todos os obrigados cambiários de garantia, restando-lhe unicamente o
direito de exigir o cumprimento pelo aceitante, artigo 53 LU.
Surgem diferenças do regime-regra na fase das relações internas, no que diz respeito ao
exercício do direito de regresso do obrigado solvens sobre os restantes condevedores.
Os negócios cambiários se esgotam num puro efeito de direito, seja a transmissão ou criação
do direito cambiário seja a assunção da obrigação, seja uma combinação de ambos.
É fora do título que devemos procurar a função económico-social desempenhada por cada
negócio jurídico cambiário, e essa causa implica necessariamente uma relação, uma
bilateralidade: constitui-s sou transmite-se o direito em benefício de alguém, assume-se a
obrigação em benefício de alguém.
Pode nem sequer existir uma relação fundamental, só existe uma convenção executiva, que
vai estabelecer de que modo e em que termos tencionam as partes aproveitar jurídico-
economicamente as tais utilidades inerentes às subscrições cambiárias. Essas utilidades
reportam-se ao reforço da tutela do crédito pela adjunção de novos devedores, é o que sucede
no aval e nas subscrições de favor. Como o aval não é omisso quanto à causa, artigo 30-I LU,
não se torna necessário que a convenção executiva estabelece a sua função económico-social.
Nas subscrições de favor a função económico-social de garantia está estruturalmente
separada do negócio cambiário e localiza-se na convenção executiva, a convenção de favor.
Não existe uma relação fundamental ad hoc que sirva como “causa remota”, basta a “causa
próxima” plasmada na convenção de favor.
Noutro grupo de casos encontramos as situações de endosso para desconto bancário: aqui
existe uma relação fundamental, mas a sua fisionomia vai ser modelada sobre a relação
jurídica cambiária e não vice-versa. Não é ad hoc no sentido em que não subsiste
independentemente da existência da letra, é gerada por causa do endosso da letra.
ALGUM REGIME
As relações cambiárias estão representadas num documento particular, que possui uma
imediata função probatória, artigo 376 CC.
Ainda, a redacção deste documento é exigida por lei para a válida constituição dos vínculos
jurídicos cambiários, artigos 1, 2, 75 e 76 LU, o que significa que os negócios jurídicos
cambiários são formais. Portanto, o documento escrito tem igualmente uma função
constitutiva no que diz respeito aos vínculos jurídicos cuja criação torna possível.
No que respeita ao exercício do direito, é requerida, artigo 38-I LU, a apresentação física da
letra no momento do pagamento ao sacado-aceitante, para que ele possa proceder à
verificação exigida pelo artigo 40-III LU.
Depois de pagar o sacado-aceitante tem o direito de exigir que a letra lhe seja entregue, artigo
39-I LU, faculdade de que goza qualquer dos co-obrigados que pague a letra, artigo 50-I LU.
Este poder visa, consoante o estatuto cambiário do solvens, proporcionar-lhe a segurança de
lhe não voltar a ser exigido o pagamento e o exercício do direito de regresso.
Também a transmissão do direito por via de endosso tem de constar do título, tornando a
respectiva exibição e entrega igualmente essencial à confirmação da titularidade do direito
pelo endossante e à possibilidade da sua subsequente cobrança.
Esta ligação permanente entre o direito e o papel que o documenta exprime apenas um
regime jurídico que fixa requisito de legitimação activa e passiva.
O conceito de legitimação activa traduz a habilitação para o exercício do direito cartular, que
pertence ao portador que justifica a sua posição cambiária por uma série ininterrupta de
endossos, artigo 16-I LU.
No caso de eventual dissociação entre a posse e a legitimação formal que consta do título, o
factor de legitimação formal documentada prevalece sobre o factor posse, o que permite
demonstrar onde se situa o centro de gravidade: não é correcto dizer que a legitimação
decorre da posse do título, ela resulta das declarações apostas no título, sendo a exibição o
modo de as dar a conhecer ao interessado.
Esta afirmação só não se aplica ao caso especial da letra ou livrança que circula endossada
em branco, isto porque uma tal circulação opera através de transmissões não documentadas,
consubstanciadas na simples traditio do papel no quadro do regime dos títulos ao portador.
A circulação do direito cambiário pode conhecer uma quebra decorrente da falta ou patologia
de um dos negócios transmissivos. O artigo 16-II permite suprir essa quebra, atribuindo o
direito cambiário a um terceiro, verificadas determinadas condições.
Constitui uma excepção à regra nemo plus iuris, com a particularidade de dizer respeito à
circulação de um direito de crédito e não de direitos reais.
Devem estar verificados dois requisitos: que o título ostente um “série ininterrupta de
endossos”, ou seja, um registo sequencial das transmissões do direito cambiário,
desembocando no terceiro; e que este não haja adquirido de má fé ou cometendo uma falta
grave, respeitando este requisito ao estado subjectivo do terceiro no momento em que adquire
a letra, reportado ao conhecimento ou cognoscibilidade da irregularidade anterior.
Basta ao portador demandado para devolver a letra exibir a cadeia de endossos exarada no
título, não tendo que fazer qualquer prova da ausência da má fé. É ao desapossado que que
cabe demonstrar essa má fé reportada ao momento da aquisição da letra. Na ausência daquela
cadeia de nada aproveita ao portador um eventual estado psicológico de boa fé.
Reivindicação e reforma
Da conjugação do artigo 484 CCom com os artigos 1069 a 1072 CPC podia o proprietário
lançar mão de um processo judicial especial de reforma de documentos, de modo a obter um
“novo título”, mas este processo foi eliminado com a Reforma do CPC de 2013, pelo que a
reforma de letras e livranças seguirá agora os termos do processo comum.
Contudo, o processo judicial de reforma não é adequado aos casos em que o proprietário do
título extraviado conhece o seu paradeiro actual, isto é, sabe quem o tem em seu poder. Ai
deverá intentar uma acção de reivindicação contra esse sujeito, artigo 1311 CC.
A abstracção é uma técnica jurídica: opera uma cisão entre os efeitos jurídicos e a respectiva
causa, pois os efeitos jurídicos produzem-se com abstracção da sua causa e, portanto, com
abstracção das vicissitudes que possam afectar essa causa. No sistema jurídico alemão a
abstracção corresponde a uma opção legislativa de fundo aplicável a um conjunto de
situações. No sistema jurídico português não encontramos qualquer princípio da abstracção e,
quando o termo é usado em algumas situações, nem parece ser adequado.
A ratio do preceito prende-se com a tutela da circulação do direito cambiário, cuja segurança
se pretende reforçar com a impossibilidade de o terceiro adquirente ver o exercício do seu
direito rechaçado mediante a invocação de vicissitudes emergentes de relações jurídicas que
lhe são estranhas. Por outro lado, a todo os ordenamentos jurídicos subjaz também ideia de
que seria excessivo e injustificado impedir semelhantes excepções causais de relevar inter
partes, isto é, sempre que o credor e o devedor cambiário que em concreto se defrontam
sejam, simultaneamente, partes na mesma convenção executiva.
Segundo CAROLINA CUNHA, isso não é abstracção no sentido rigoroso do termo, e não
precisamos de cunhar uma categoria de “abstracção intermitente” para compreender algo que
decorre das regras gerais das obrigações, isto é, do princípio res inter alios acta.
Inoponibilidade de excepções nas relações mediatas: princípio res inter alios acta
O princípio res inter alios acta aliis neque nocere neque prodesse potest é o núcleo
fundamentante da inoponibilidade das excepções causais ao terceiro credor cambiário, é a
ideia de que um terceiro não deve ser nem prejudicado nem beneficiado por contingências de
vínculos obrigacionais em que não tomou parte.
A relatividade é apontada como característica típica dos direitos de crédito pela generalidade
da doutrina, quer nos sentido estrutural de o direito de crédito implicar uma relação entre dois
sujeitos, quer no sentido de a sua eficácia se desenvolver exclusivamente perante o devedor:
só a ele pode ser oposto e só por ele pode ser violado. A relação obrigacional é desprovida de
eficácia externa, é irrelevante para terceiros.
É este princípio res inter alios acta que é reiterado pelo artigo 17 LU. Para estimular a
circulação dos títulos há que conferir ao adquirente do direito cambiário a segurança que
decorre da desnecessidade de averiguar relações pessoais alheias.
O artigo 585 CC permite que o devedor cedido oponha ao cessionário todos os meios de
defesa que lhe seria lícito invocar contra o cedente, com a única ressalva dos que provenham
de facto posterior ao conhecimento da cessão.
Estamos perante um afastamento do princípio res inter alios acta: o cessionário acaba
prejudicado pelos efeitos decorrentes de uma relação obrigacional alheia. A ratio apontada a
esta solução reside na tutela do devedor-cedido: não seria justo que fosse colocado em pior
situação pela mudança operada, sem a sua intervenção ou consentimento, na titularidade
activa do vínculo.
Por que motivo não merece o devedor cambiário protecção idêntica à do devedor comum, já
que também a ele não é dado intervir ou consentir na concreta transmissão do crédito
cartular?
O seu significado jurídico condiste em autorizar o credor originário a colocar outro sujeito no
seu lugar. A vinculação decorrente da subscrição do título cambiário já é assumida no
pressuposto de que o subscritor poderá vir a realizar o pagamento não ao sujeito que de
momento ocupa a posição de credor cambiário, mas sim à sua ordem, com as consequências
que o regime da transmissão por endosso acarreta no campo da inoponibilidade de excepções.
Assim se compreende a exigência legal de que o documento contenha a palavra letra inserta
no próprio texto do título e expressa na língua empregada para a respectiva redacção:
pretende-se alertar o subscritor para a exposição ao risco inerente à circulação do título
cambiário.
As vicissitudes que afectam a relação cambiária não possuem todas o mesmo calibre, quer no
que toca às consequências que geram, quer no que toca à possibilidade de serem utilizadas
como obstáculo à pretensão de cumprimento. A determinação daquelas que o devedor
cambiário pode opor com sucesso à execução movida pelo credor imediato deverá ser levada
a cabo partindo da convenção executiva e dependerá dos contornos da situação concreta.
Havendo uma cisão entre o enunciado unilateral produtor do efeito jurídico (o negócio
cambiário) e a bilateralidade que o torna materialmente inteligível enquanto lhe assinala uma
função económico-social (a convenção executiva), as contrariedades surgidas ao nível da
relação fundamental não afectam “automaticamente” a existência ou a validade do direito
cambiário, pois este constituiu-se como um vínculo diferente e separado.
Sendo as letras e livranças títulos executivos, o devedor deverá deduzir a excepção de direito
material de que dispõe no âmbito da oposição à execução que lhe for movida, carreando para
o processo as vicissitudes que acometem a relação fundamental e demonstrando que, à luz da
interpretação da convenção executiva, tais factos o legitimam a recusar licitamente o
cumprimento da pretensão cambiária, extinguindo a execução, artigo 732 n° 4 CPC.
Além das excepções causais, que decorrem da relação fundamental, podemos ter duas outras
modalidades.
A imunidade conferida pelo artigo 17 não deriva de uma boa fé subjectiva que o terceiro
credor deva exibir, mas automaticamente do funcionamento do princípio res inter alios acta.
Daí que o portador nada tenha de demonstrar quanto às circunstâncias que rodearam a sua
aquisição para beneficiar de uma automática imunidade às excepções pessoais de que o
devedor demandado disponha.
A diferença reside no facto de o artigo 17 não remeter para a violação de deveres de conduta
no quadro de relacionamentos intersubjectivos, mas sim para a imposição de um decisivo
limite externo à actuação da autonomia privada.
O artigo 10 LU aplica-se aos casos em que uma letra incompleta no momento de ser passada
haja, entretanto, sido completada e que se encontre nas mãos de um portador. Soluciona a
desconformidade entre o preenchimento da letra e o que designa por “acordos realizados”,
dirimindo o conflito de interesses latente: o embate entre o interesse do sujeito que
subscreveu a letra “incompleta” e o interesse do sujeito que é portador da letra “completada”.
Ocorre no âmbito de relações duradouras com prestações pecuniárias como expediente para
fazer face ao espectro do incumprimento. Determinante do recurso à letra em branco é o
carácter ilíquido, futuro e incerto da dívida (por exemplo, contratos de locação financeira ou
de mútuos) O acordo de preenchimento apresenta-se geralmente como uma cláusula do
contrato escrito e o incumprimento do cliente é o factos que tipicamente desencadeia o
accionamento do título.
Quanto ao modo como o subscritor se expôs ao risco de ver o seu interesse frustado, quando
existe uma destinação ao preenchimento por outrem, a exposição ao risco deu-se de forma
deliberada. Quando é emitido incompleto por lapso, a exposição ao risco foi desencadeada
por uma actuação negligente e, portanto, culposa em sentido técnico. Nestes casos o
subscritor tem a possibilidade de afastar o risco, o que permite afirmar que a sua criação lhe é
imputável.
Quanto ao portador do título completo, o seu interesse aponta no sentido de que o título valha
conforme foi completado, mas a dignidade de tutela jurídica do seu interesse apresenta
intensidades diversas.
Caso o portador conheça a efectiva vontade do subscritor e, apesar disso, adquiriu o título
preenchido ou adquiriu em branco completando-o incorrectamente, a sua actuação é
censurável e não merece protecção.
Quem voluntariamente emite uma letra incompleta suporta o risco inerente a essa sua
actuação, o risco da inserção de um conteúdo não coincidente com a sua vontade, a menos
que se verifique um particular desmerecimento na posição do portador-adquirente por a sua
actuação ser passível de um juízo de censura ético-jurídica.
O portador limitar-se-á a exercer o direito tal como está documentado no título: o ónus da
prova recai sobre o subscritor em branco. É ele quem terá de provar que a letra ou livrança foi
preenchida “contrariamente” à vontade por si manifestada e, depois, para que essa
desconformidade seja motivo de oposição ao portador, terá igualmente de provar que este
adquiriu a letra de má fé ou cometendo falta grave.
Só demonstrando a desconformidade do conteúdo e a má fé do portador o subscritor
conseguirá reconfigurar a pretensão correspondente ao conteúdo inscrito no título, uma vez
que a formulação do artigo 10 determina que, de outro modo, não pode a inobservância da
vontade manifestada ser motivo de oposição ao portador.
É unânime na doutrina a afirmação de que o ónus da prova cabe ao devedor demandado. São
admissíveis todos os meios de prova, incluindo a prova testemunhal por presunções. Não se
aplica a conjugação do artigo 394 CC com o artigo 351 CC, pois aqui não está em causa um
ataque ao valor probatório do documento, mas sim a questão preliminar da discrepância entre
a própria declaração e a vontade do subscritor.
Resolução
Para que A seja considerado comerciante, nos termos do artigo 13 n° 1, é necessário que
estejam preenchidos 4 requisitos: tem de ter capacidade; praticar actos de comércio; fazer da
prática de actos de comércio a sua profissão; e exercício da actividade em nome próprio,
pessoalmente ou através de representante (este último é um requisito implícito).
Quanto ao primeiro requisito, está aparentemente preenchido. Note-se que o que se exige
aqui é a capacidade de exercício (aptidão para actuar juridicamente, por acto próprio ou
mediante procurador), artigo 7.
A Sociedade “PGP – Prego no Pão, Unipessoal, Lda”, que explora um restaurante na Baixa
de Coimbra, tem vindo a atravessar algumas dificuldades financeiras. Para as enfrentar,
conseguiu um empréstimo do Banco Big, S.A., do qual ficou fiador Marcelo Alves (advogado
e único sócio da “PGP”). Assim a Sociedade poderá, nomeadamente, satisfazer os
pagamentos em dívida a “AUJSV – Agricultores Unidos Jamais Serão Vencidos, CRL”, com
quem havia celebrado um contrato de fornecimento de batatas, cebolas e hortaliças.
Resolução
I – Quanto aos sujeitos, é possível identificar: a sociedade PGP, o Banco, Marcelo e AUJSV.
Quanto aos actos, importa qualificar: o empréstimo, a fiança e contrato de fornecimento.
– Banco: para ser comerciante, é necessário que preencha os dois requisitos do artigo 1 n° 2
CSC, ter por objecto a prática de actos de comércio e adoptar um dos tipos de sociedades
comerciais. O segundo requisito está preenchido, pois é uma sociedade anónima, tendo na
firma a sigla S.A., artigo 275 CSC. Quanto ao primeiro requisito, é necessário averiguar se a
actividade bancária é comercial. A resposta é positiva: as operações de banco são qualificadas
pelo CC como mercantis, artigo 362 e seguintes.
– Marcelo Alves: não é comerciante, uma vez que é um profissional liberal (advogado). Com
efeito, as profissões liberais estão excluídas da comercialidade: além de os actos típicos
destas actividades não serem legislativamente qualificados como comerciais, quando os
estatutos jurídicos dessas profissões regulam o regime societário, nunca admitem sociedades
comerciais, o que é um indício de que o legislador considera estas actividades como não
comerciais (por exemplo, artigo 1 n° 2 do Decreto-Lei n° 229/2004, e artigo 94 n° 1 do
Decreto-Lei n° 487/99).
– “AUJSV – Agricultores Unidos Jamais Serão Vencidos, CRL”: estamos perante uma
cooperativa, uma vez que contém a abreviatura CRL na sua denominação, artigo 14 CCoop.
Para saber se é comerciante, temos de saber se as cooperativas podem ser incluídas no artigo
13 n° 1 do CCom. para este efeito. Com efeito, consideramos que o artigo 13 n° 1 admite
como comerciantes não só pessoas singulares, mas também pessoas colectivas.
Esta tese é sustentada em três argumentos: desde logo, quando a lei fala em pessoas, não
exclui as colectivas nem as restringe às singulares, sendo que a própria lei empresa por vezes
o termo “pessoas” para se referir às pessoas colectivas (artigos 68 n° 1, 75, 344 e 346 CCom,
7 n° 1 e 488 n° 1 CSC. Por outro lado, apesar de a lei se referir à “profissão” e esta parecer
remeter para as pessoas singulares, devemos entender que profissão aqui significa o exercício
de actividade de pessoas jurídicas. Finalmente, diz-se ainda que profissão implica lucro;
porém, entendemos que o lucro não é pressuposto essencial da profissão de comércio, numa
interpretação actualista que tem em conta a teleologia e as novas realidades económico-
empresariais.
Assim, as cooperativas, embora não sejam hoje qualificáveis como sociedades (não têm
escopo lucrativo, artigo 2 n° 1 do CCoop,) nada impede que sejam consideradas
comerciantes, desde que tenham objecto comercial. Para que a AUSJV seja considerada
comerciante, precisa como tal de ter objecto comercial, ou seja, é necessário determinar se a
actividade agrícola é ou não comercial.
Entendemos que não é comercial, com base nos seguintes argumentos: artigo 230 § 1 e 2 (o
primeiro diz que quando a actividade agrícola tem por acessória uma actividade
transformadora, esta não chega para qualificar como comercial, e o segundo exclui da
comercialidade o proprietário ou explorador rural qua faça fornecimento dos seus produtos);
artigo 464 n° 2 e 4 (as vendas de produtos agrícolas não são comerciais); e conjunto de
legislação sobre sociedades de agricultura de grupo e outros (Decreto-Lei 336/89 e 339/90),
reguladora de formas de exploração agrícola sob a forma societária, que dizem que só podem
ser sociedades civis sob a forma de sociedades por quotas.
E do lado da sociedade?
Segundo o artigo 394, é acto de comércio objectivo se o dinheiro for utilizado para financiar
uma actividade mercantil, o que é o caso. O empréstimo é, como tal, um acto bilateralmente
comercial.
Nota: mesmo que não resultasse do caso que a dívida foi contraída para financiar uma
actividade comercial, ainda assim poderia ser um acto de comércio subjectivo (não resulta do
acto a não ligação com o comércio).
– Fiança: a fiança é um acto de comércio objectivo, estando previsto no CCom como tal
(primeiro modo de manifestação da comercialidade objectiva), artigo 101. Note-se que a
fiança só é considerada um acto de comércio objectivo se a obrigação garantida for mercantil,
o que parece ser o caso.
Do lado da sociedade, é um acto de comércio objectivo, uma vez que, por interpretação
extensiva do artigo 230, entendemos que todos os actos conexionados com as empresas de
prestação de serviços são comerciais. A compra de géneros para o restaurante é um acto
conexionado com a exploração do mesmo.
Do lado da cooperativa agrícola, não é um acto de comércio objectivo, uma vez que o artigo
230 § 2, exclui da comercialidade o fornecimento que produtos, pelo proprietário ou
explorador rural, das suas propriedades.
O princípio da capacidade distintiva em matéria de firmas significa que as firmas devem ter
uma capacidade diferenciadora, permitindo identificar o seu titular. Este princípio está
previsto no artigo 33 n° 3 RRNPC e 10 n° 4 CSC.
II – Suponha que Alberto está a dever á “AutoLuxuoso” uma certa quantia pelo aluguer do
automóvel acima mencionado. Alberto é casado, no regime de comunhão de adquiridos, com
Zélia. Terá a “Autoluxuoso” algum fundamento para demandar ambos os cônjuges com vista
à obtenção do pagamento da quantia em falta?
III – Maria e Norberto querem constituir uma sociedade por quotas, também com sede em
Coimbra, que se dedicará à edição de uma revista sobre automóveis clássicos italianos e
pretendem que aquela sociedade tenha a seguinte firma: “Autoluxuoso Edições, Lda”. Tendo
em conta os elementos fornecidos, poderia ser aquela a composição da firma da sociedade em
causa?
Resolução
O contrato de agência é um “contrato pelo qual uma das partes se obriga a promover por
conta da outra a celebração de contratos em certa zona ou determinado círculo de clientes, de
modo autónomo e estável e mediante retribuição”, artigo 1 do Decreto-Lei 178/86.
Temos, na hipótese de o contrato de agência não ser celebrado por um empresário, outros
dois modos que cumulativamente permitem qualificar o contrato de agência como acto de
comércio objectivo.
Em primeiro lugar, pode ser qualificado como tal por analogia juris. Com efeito, podemos
retirar de vários artigos do CCom um princípio geral segundo o qual as actividades de
interposição de trocas pertencem ao comércio jurídico, artigos 362 e seguintes, 463 n° 1 a 4,
480 e 481. O agente exerce uma actividade de interposição de trocas (intermediação entre a
oferta e a procura de bens), logo o contrato de agência e os actos que por virtude dele o
agente pratica são actos de comércio objectivo.
Para além disto, temos ainda o diploma n° 178/86, que permite também qualificar o contrato
de agência como acto de comércio objectivo pelo terceiro modo de manifestação. É uma lei
que, de forma directa, qualifica o contrato como acto de comércio, uma vez que esta é uma lei
que tem objecto mercantil, ou seja, visa prosseguir interesses de comércio.
II – O artigo 1691 al. d) do CC diz que são da responsabilidade de ambos os cônjuges,
quando casados sob o regime da comunhão de adquiridos e da comunhão de bens, as dívidas
contraídas por cada um deles no exercício do comércio, salvo se se provar que não foram
contraídas no proveito comum. Por estas dívidas respondem assim os bens comuns do casal
e, na falta ou insuficiência destes, solidariamente os bens próprios dos cônjuges, artigo 1695
CC. Este é um regime favorável aos credores, uma vez que não têm de provar que as dívidas
foram contraídas no proveito comum do casal, al. c); e a sua garantia patrimonial aumenta.
Os cônjuges podem sempre provar que a dívida não foi contraída no proveito comum,
afastando a aplicação do artigo 1691 al. d), porém esta é uma prova difícil uma vez que o
mais provável é que as dívidas visem o proveito comum e este proveito pode ser de qualquer
ordem (que não económica, por exemplo, intelectual), aferindo-se em função do resultado.
Decorre daqui que os credores têm de provar que as dívidas foram contraídas no exercício do
comércio; porém, este artigo tem de ser articulado com o artigo 15 CCom, que diz que as
dívidas comerciais do cônjuge comerciante se presumem contraídas no exercício do
comércio. Assim, o credor apenas tem de provar que a dívida resulta de um acto de comércio
e que o cônjuge é comerciante, o que é uma prova mais fácil.
Como tal, temos de saber se Alberto é ou não comerciante, e se a dívida resulta de um acto de
comércio. Alberto é comerciante, uma vez que preenche todos os requisitos do artigo 13 n° 1,
tem capacidade de exercício; pratica actos de comércio (actos de execução do contrato de
agência); fá-lo de forma sistemática, habitual e reiterada; e em nome próprio.
Quanto à dívida, esta resulta de um aluguer de uma viatura para utilizar no desempenho das
funções de agente. Nos termos do artigo 481, o aluguer é mercantil quando a compra tiver
sido comprada para se lhe alugar o uso, ou seja, é um acto de comércio objectivo para a
Autoluxuoso. Para Alberto, não parece ser um acto de comércio objectivo; porém, pode ser
qualificado como acto de comércio subjectivo.
Para que um acto seja considerado como acto de comércio subjectivo, é necessário que
preencha os seguintes requisitos: tem de ser um acto de comerciante, de natureza não
exclusivamente civil e se o contrário do próprio acto não resultar.
Quanto ao terceiro, assenta numa averiguação em concreto do acto com o comércio do autor
desse acto, e pode desdobrar-se em três hipóteses: o requisito está preenchido se do acto
resulta a ligação com o comércio ou se não resulta a não ligação. No caso, parece resultar a
ligação, pelo que o requisito está preenchido.
Assim, a Autoluxuoso pode servir-se da presunção do artigo 15, demandando Alberto e Zélia.
Note-se que esta é uma presunção ilidível, pelo que estes podem provar que a dívida, apesar
de comercial, não foi contraída no exercício do comércio do cônjuge comerciante, o que não
parece ser porém o caso.
III – Está em causa o princípio da novidade ou exclusividade em matéria de firmas e
denominações, previsto nos artigos 33 n° 1 RRNPC e 10 n° 2 CSC. Segundo este princípio,
as firmas não podem ser iguais ou susceptíveis de erro ou confusão, no mesmo âmbito
territorial de exclusividade. Assim, se alguém obtém o registo da sua firma, tem o direito ao
uso exclusivo da mesma. Neste caso, tratando-se de sociedades comerciais, têm direito ao uso
em todo o território, artigo 37 n° 2.
O critério para saber se as firmas são susceptíveis de erro é o de saber se, atendendo à grafia
das palavras, ao seu efeito fonético, ao núcleo caracterizante ou à forma oficiosa dos signos,
público médio as não consegue distinguir ou crê que estão relacionadas. Ora, parece ser o
caso, uma vez que as firmas, recorrendo ambas à expressão “autoluxuoso”, são susceptíveis
de erro ou confusão pelo público médio, pelo menos crendo que se encontram especialmente
relacionadas.
Porém, uma vez que se tratam de actividades não concorrentes, pode colocar-se a questão de
saber se este princípio também vale. Aqui, há uma divergência doutrinal: para certos autores,
entre os quais NOGUEIRA SERENS, este princípio só valerá quando estejam em causa
actividades concorrentes, uma vez que aqui só aqui haverá risco de confusão e o artigo 33 n°
2 RRNPC manda atender à afinidade ou proximidade das actividades; porém, COUTINHO DE
ABREU tem o entendimento contrário. Para o autor, este princípio vale igualmente no âmbito
de actividades não concorrentes, apoiando a sua tese nos seguintes argumentos: continua a
ser possível e risco de confusão; existe ainda risco associável ao bom nome; e o artigo 33 n°
2 não diz que o critério da proximidade é o único critério, mas sim um dos.
Resolução
O Decreto-Lei 41/2001 veio introduzir algum ruído neste domínio, dizendo que a actividade
artesanal podia ser exercida através de uma empresa comercial, porém, devemos fazer aqui
uma interpretação restritiva em nome da unidade do sistema jurídico e entender que a lei se
quis referir a à sociedade civil sob forma comercial. Para além dos artesãos, encontramos os
serviços artesanais, que são actividades artesanais situadas no âmbito da prestação de
serviços e exercidas directamente pelos artesãos. Estas também não são comerciais, uma vez
que não se encontram especialmente regulados na lei e são análogos às actividades do artigo
230 § 1. A actividade de reparação de material eléctrico integra-se neste último domínio, não
sendo qualificável como comercial.
A partir de Março de 2010, , a actividade deixa de ser qualificável como não comercial, uma
vez que já não corresponde a um serviço artesanal, exercido directamente pelo artesão com
recurso ao trabalho manual, recorrendo antes a “maquinaria moderna e sofisticada”. Teremos,
como tal, uma actividade de prestação de serviços qualificável como comercial por analogia
juris. Com efeito, de vários preceitos normativos do CCom, artigos 230 n° 2, 3, 4, 5 e 7, e
463 e seguintes, e outros diplomas podemos retirar o princípio segundo o qual as empresas de
prestação de serviços são comerciais.
Resolução
E do lado de Alzira?
Não se trata de uma compra e venda comercial, artigo 463 n° 1, uma vez que o automóvel
não se destina à revenda. Também poderíamos pensar que se pode ser qualificado como
comercial uma vez que se enquadra no exercício da sua actividade de esteticista (é um acto
acessório à sua actividade). Porém, tal só seria possível por interpretação extensiva do artigo
230, ou seja, se qualificássemos a actividade de esteticista como comercial por este preceito
normativo, o que não é o caso (apesar de ser uma prestação de serviços, está excluída da
comercialidade, por ser um serviço artesanal análogo ao art. 230 § 1 2ª parte).
Em Maio de 2012 a “Mais Luz, CRL” celebrou um contrato com “Construções e Reparações
Veja, Lda” pelo qual esta se obrigou a fazer reparações no edifício onde aquela explora um
estabelecimento de (?), mediante contrapartida de 30.000€. As obras foram concluídas no
final de Agosto desse ano. Em 1 de Setembro seguinte, a “Construções e Reparações Veja,
Lda” apresentou a factura. “Mais Luz, CRL” pagou parte do preço somente em Maio do ano
corrente, pedindo desculpa pela demora “devida a atrasos no pagamento de propinas dos
alunos . . . é a crise sabe . . .”.
Quid iuris?
Resolução
I – O regime dos juros moratórios comerciais está previsto no artigo 102 CCom, sendo que,
para que este seja aplicável, é necessário o preenchimento de dois requisitos: tem de se tratar
de uma dívida comercial (isto é, proveniente de um acto de comércio); e ainda o credor tem
de ser titular de uma empresa comercial. No caso, o credor, “Construções e Reparações Veja,
Lda”, é titular de uma empresa comercial (em sentido objectivo), ou seja, de uma estrutura
económico-produtiva dirigida à actividade mercantil (a actividade de reparações e
construções é uma actividade de prestação de serviços, qualificável como comercial por
analogia juris).
A taxa de juro aplicável é, assim de, 8,15% - ver Portaria 277/2013; e Aviso n° 8266/2014
(relativo ao 2° semestre de 2014).
Sendo o devedor não fosse uma empresa, mas, por exemplo, um consumidor não empresário,
aplicava-se antes o regime do § 4 e a taxa de juro seria de 7,15%. Não se aplicando nenhuma
destas situações, aplicar-se-ia o regime do supletivo civil (artigo 559), cuja taxa é de 4%
(Portaria 291/2013).
II – Quanto aos requisitos de legitimidade activa e passiva, estes estão verificados: “Mais luz,
CRL” pode ser sujeito a uma declaração de insolvência (pessoa colectiva, artigo 2 n° 1 al.a)
do CIRE); e “Construções e Reparações Veja, Lda” é credor (artigo 20 n° 1).
Porém, para que um devedor seja declarado insolvente, tem de estar numa situação de
insolvência ou equiparada. Segundo o artigo 3 n° 1, “é considerado em situação de
insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações
vencidas” (insolvência actual). Assim, não basta um mero atraso, é necessária a
impossibilidade generalizada de cumprir as obrigações vencidas, pelo que o pedido não tem
fundamento.
Para além da insolvência actual, encontramos ainda duas outras formas de insolvência. A
forma prevista no artigo 3 n° 2, que ocorre quando o passivo seja manifestamente superior ao
activo e o devedor seja uma pessoa colectiva ou património autónomo por cujas dívidas
nenhuma pessoa singular responsa pessoal e ilimitadamente (não é o caso, tratando-se de uma
sociedade por quotas); e a insolvência iminente, prevista no artigo 3 n° 4, que está igualmente
excluída por apenas o devedor ter legitimidade para apresentar o pedido de insolvência com
este fundamento.
CASO PRÁTICO VII
Célia Santos, dona de uma loja de artigos para o lar, vendeu à Associação Recreativa e
Desportiva dos Olivais cinco serviços completos de chávenas de café (para a Associação
utilizar na pequena cafetaria aberta ao público que explora). Contraiu também um
empréstimo junto do “BLT - Banco Leva Tudo, S.A.” para enfrentar dificuldades de
tesouraria no pagamento a fornecedores, empréstimo do qual ficou fiador o seu genro Bruno
Baptista, advogado.
Resolução
Sujeitos: Célia; Associação Recreativa e Desportiva dos Olivais; “BLT – Banco Leva Tudo,
S.A.”; Bruno Baptista.
– Associação: não é comerciante, uma vez que é um sujeito legalmente inibido da profissão
de comércio. O artigo 14 diz que não podem ser comerciantes as associações sem interesses
materiais. Note-se que o intuito deste preceito é o de excluir as associações da qualificação
como comerciante, não o de impedir que pratiquem actos de comércio. Assim, a associação
não é comerciante ainda que explore a cafetaria (empresa de prestação de serviços,
qualificável como comercial por analogia juris pelo princípio geral segundo o qual as
empresas de prestação de serviços são comerciais, artigo 230 n° 2, 3, 4, 5 e 7 e 463 e
seguintes). A exploração da cafetaria será um a forma de obter rendimentos (artigo 160 CC).
– Bruno Baptista: não é comerciante, uma vez que os comerciantes estão excluídos da
comercialidade. Além de os actos destas actividades não estarem qualificados na lei como
comerciais, os regimes jurídicos destas actividades nunca admitem sociedades comerciais, o
que é um indício de que o legislador entende que esta é uma actividade não mercantil (para as
sociedades de advogados, artigo 1 n° 2 do Decreto-Lei 229/2004).
– Compra e venda das chávenas: é necessário analisar o acto do lado da Célia e da
Associação. Do lado da Célia, é um acto de comércio objectivo por se traduzir numa venda
comercial (artigo 463 n° 3, primeiro modo de manifestação da comercialidade). Já da parte da
Associação, é igualmente um acto de comércio objectivo.
Com efeito, está em causa uma empresa de prestação de serviços, como vimos, sendo que
podemos devemos qualificar como comerciais não só os actos em que tipicamente o exercício
da empresa se traduz, mas também todos os actos enquadrados na exploração dessa empresa
(interpretação extensiva do artigo 230, que abrange todas as empresas de prestação e
fornecimento de serviços). É o caso da compra das chávenas para a cafetaria.
– Empréstimo: do lado da Célia, é um acto de comércio objectivo uma vez que a dívida é
contraída para o exercício da actividade comercial, artigo 394. Do lado do banco, é
igualmente um acto de comércio objectivo, estando previsto no artigo 362. Temos assim um
acto bilateralmente comercial.
– Fiança: é um acto de comércio objectivo, estando previsto no artigo 101 CCom (acto
acessório do empréstimo).
CASO PRÁTICO VIII
“BelaVida – Organização de Eventos, Lda”, celebrou com Ana Silva, João Gomes e Lúcia
Reis um contrato relativo à organização de uma grandiosa festa de formatura para estes três
recém-licenciados em Direito, festa que decorreu com pompa e circunstância no primeiro
fim-de-semana de Setembro. Para fazer face a despesas relacionadas com o exercício da sua
actividade, a BelaVida contraíra, em Julho, um empréstimo junto do banco “Banca Tudo,
S.A.”
I – Os três recém-licenciados ainda não pagaram o valor em dívida e um deles, João Gomes,
emigrou entretanto, pelo que a BelaVida pretende saber se pode exigir a Ana Silva e Lúcia
Reis a totalidade do preço. Responda-lhe.
Resolução
I – Está em causa saber se a responsabilidade de Ana, João e Lúcia é ou não solidária, isto é,
se se aplica a regra da solidariedade nas obrigações comerciais, prevista no artigo 100 CCom.
Porém, este acto é comercial apenas do lado da BelaVida, ou seja, é um acto unilateralmente
comercial, a comercialidade refere-se apenas a um lado da relação. Ora, a lei, no artigo 99,
estabelece que nos actos de comércio unilaterais o regime jurídico aplicável a ambos os
contratantes é o regime comercial, com excepção das normas que só se apliquem aquele em
relação ao qual o acto comercial. O único preceito precisamente nestas condições é o artigo
100, ou seja, a solidariedade dos co-obrigados só respeita às partes em relação às quais o acto
seja mercantil.
Como tal, do lado da Ana, João e Lúcia a responsabilidade é conjunta e BelaVida só pode
exigir a cada um deles a sua parcela da dívida.
II – O regime dos juros moratórios comerciais está previsto no artigo 102 CCom, sendo que,
para que se aplique, é necessário que se verifiquem dois requisitos: tem de se tratar de uma
dívida comercial, ou seja, proveniente de um acto de comércio (corpo do artigo); e o credor
tem de ser uma empresa comercial (§ 3; empresa aqui é em sentido objectivo). Porém, é
necessário distinguir no artigo 102 dois cenários: o primeiro é dado pelo § 3 e 5, e o segundo
pelo 3 e 4.
Quanto ao primeiro, o § 5 remete para o Decreto-Lei 63/2013, que traz para o regime dos
juros comerciais situações de empresas não comerciais, ou seja, aplica-se aos casos em que o
credor é empresa comercial e o devedor é empresa comercial ou não, ou entidade pública
(artigo 3 al. b). Note-se que este Decreto-Lei alarga ainda o seu regime às situações em que o
credor é titular de uma empresa não comercial, podendo estar em causa uma empresa não
comercial, desde que se trate de prestação de serviços e fornecimento de bens (artigo 3 al.b).
Nestes casos, a taxa de juros comerciais é de 8,15% - ver Portaria 277/2013; e Aviso n°
8266/2014 (relativo ao 2° semestre de 2014).
O cenário do § 4 aplica-se a todos os restantes casos, em que o devedor não é uma empresa
comercial, designadamente consumidores não empresários. Neste caso, a taxa é mais baixa,
de 7,15%.
CASO PRÁTICO IX
Armindo Barbosa é proprietário de uma fábrica de portas fortes e cofres. Fornece há muitos
anos a “Loja de Chaves da Areosa, SA”, no Porto, dedicada à comercialização de
equipamentos de segurança. Esta ficou a dever a Armindo o pagamento de 3 portas para
apartamento e 20 cofres de parede (fornecidos em Junho de 2011). A dívida venceu-se em
Agosto. Confrontado com o adiamento sistemático desse pagamento, Armindo pretende
exigir judicialmente o pagamento da dívida e os juros correspondentes. Tendo em conta que
não existe qualquer acordo entre as partes, qual a taxa de juro que se aplica à pretensão de
Armindo?
Resolução
A doutrina (COUTINHO DE ABREU) entende que os actos abrangidos pelo artigo 230 são, não
apenas os actos e contratos em que o exercício da empresa se traduz, mas todos os actos e
contratos conexionados com a actividade de exploração da empresa, numa interpretação
extensiva (argumentos: o artigo 230 parece basear a tipificação de algumas empresas em
factos não jurídico-comerciais; a visão orgânica dos diversos actos em que a empresa se
traduz favorece esta tese; e as empresas referidas no artigo podem ser exploradas por não
comerciantes, não havendo assim lugar para os actos subjectivamente comerciais). Do lado
da “Loja de Chaves da Areosa, S.A.”, é igualmente um acto de comércio objectivo, compra
comercial, artigo 463 n° 1 (compra de coisas móveis para revender).
Por outro lado, Armindo é titular de uma empresa comercial (em sentido objectivo: unidade
jurídica fundada em organização de meios que constitui um instrumento de exercício
relativamente estável e autónomo de uma actividade comercial). Sendo o devedor igualmente
titular de uma empresa comercial, aplica-se o par. 5.o e a taxa de juros é de 8,15%.
CASO PRÁTICO X
I – César é comerciante?
Resolução
I – César não é comerciante, uma vez que a sua actividade é qualificável como não
comercial. Quanto à actividade que exerce, é trata-se da exploração de uma empresa de
prestação de serviços, que à partida seria qualificável como comercial através da analogia
juris (princípio segundo o qual todas as empresas de prestação de serviço são comerciais).
Porém, uma vez que a actividade que exerce recorre predominantemente a trabalho manual e
é exercida directamente pelo sujeito, estaremos ante perante uma prestação de serviços
artesanal, excluída da comercialidade por se tratar de actividades análogas à do artigo 230 §
2.
Note-se que o facto de a empresa ainda não ter aberto as portas ao público não impede que
não tenhamos já uma empresa (em sentido objectivo). A empresa ou estabelecimento em
sentido objectivo é uma unidade jurídica fundada em organização de meios que constitui um
instrumento de exercício relativamente estável e autónomo de uma actividade económica,
comercial ou não. Um estabelecimento com valores de organização (i.e., organização dos
elementos empresariais para dar origem a uma organização nova), mas sem valores de
exploração (valores que surgem com o relacionamento da empresa com o exterior – clientes,
fornecedores, financiadores, etc.), é uma empresa? A resposta é positiva: desde que tenhamos
valores de organização, minimamente aptos a realizar um fim económico- produtivo que lhe
garanta clientela, temos empresa, uma vez que temos já um bem jurídico novo, não redutível
á mera soma dos elementos agregados.
II – Sim, são actos de comércio objectivos, uma vez que estão previstos na LULL, uma lei
que veio substituir o CCom e que é, como tal qualificador de actos comerciais. Com efeito, o
artigo 4 da Carta de Lei de 28 de Junho de 1888 diz que tudo o que é substitutivo ou
revogatório faz parte do Código, legitimando como tal este modo de manifestação da
comercialidade. O artigo 2 n° 1 deve assim ser interpretado extensivamente, para abranger
este modo.
CASO PRÁTICO XI
A sociedade “ABC – Aprender Bem Conta, Lda.”, que explora um colégio na cidade de
Coimbra, tem vindo a atravessar algumas dificuldades financeiras. Para as enfrentar,
conseguiu obter um empréstimo do Banco CrediPouco, S.A., para garantia do qual a “ABC”
aceitou uma letra em branco avalizada (em benefício da aceitante) por Soraia Neves
(psicóloga e sócia maioritária da “ABC”) e sacada pelo Banco à sua própria ordem. Com o
financiamento obtido, poderá (nomeadamente) a ABC satisfazer os pagamentos em dívida a
“CarpinTudo, Fabrico Artesanal de Móveis, CRL”, a quem recentemente adquiriu
equipamento para renovar as salas de aula.
Resolução
– Sociedade ABC: é comerciante (sociedade por quotas; com objecto comercial, prestação de
serviços, analogia juris).
– Soraia Neves: não é comerciante (profissional liberal). O facto de ser sócia maioritária não
a torna comerciante, uma vez que comerciantes são as próprias sociedades (artigo 13 n° 2).
Alberto, gerente único da “Lavibem – Lavandarias do Centro, Lda”, com sede em Coimbra,
comprou um automóvel para seu uso pessoal, tendo para o efeito aceitado duas letras sacadas
pelo concessionário da marca. De seguida, Alberto, actuando na referida qualidade de
gerente, comprou para a “Lavibem” uma máquina de limpeza a seco para instalar num dos
estabelecimentos daquela sociedade, compra essa que teve como vendedora a própria
fabricante da máquina.
II – A “Lavibem – Lavandarias do Centro, Lda” verificou que várias anos após a sua
constituição foi registada a firma da “Lavibem – Limpezas de Instalações Industriais do
Centro, Lda”, com sede em Leiria. Alberto procura um advogado para saber se pode reagir
contra o uso desta segunda firma, pois entende que é confundível com a da sociedade que
gere. O advogado diz-lhe, no entanto, que «não vale a pena sequer pensar nisso pois a
actividade das lavandarias nada tem a ver com as limpezas a que se dedica a sociedade de
Leiria». Será assim?
Resolução
I – Actos: compra e venda do automóvel; aceite e saque de letras; compra de uma máquina de
limpeza a seco.
- Aceite e saque das letras: são actos de comércio objectivos, uma vez que estão regulados na
LULL. A LULL é uma lei que veio substituir a regulação do CCom. nestas matérias; ora, o
artigo 4 da Carta de Lei de 1888 diz que as leis substitutivas fazem parte. Este é um segundo
modo de manifestação da comercialidade, conseguido através de interpretação extensiva do
artigo 2 n° 1 do CCom.
Qual é o critério para saber se as firmas são confundíveis ou induzem erro? Isto sucederá
quando o público médio, atendendo à grafia das palavras, ao seu efeito fonético, ao núcleo
caracterizante ou à forma oficiosa dos signos, crê erroneamente que se trata do mesmo
comerciante ou de comerciantes distintos mas especialmente relacionados.
No caso, contendo ambas as firmas a expressão “Lavibem”, parece que são susceptíveis de
erro ou confusão, nos termos acima mencionados. Porém, a questão que se levanta é a da
saber se este princípio vale apenas no âmbito de actividades concorrentes, ou vale também no
âmbito de actividades não concorrentes. Quanto a este último aspecto, existe uma divergência
doutrinal: alguns autores, entre os quais NOGUEIRA SERENS, defendem que o princípio se
aplica apenas a actividades concorrentes, uma vez que o risco de confusão entre firmas nestes
casos é inexistente ou quase; e o artigo 33 n° 2 RRNPC manda atender à afinidade ou
proximidade entre as actividades. Porém, para outros autores, entre os quais COUTINHO DE
ABREU, o princípio vale igualmente no âmbito de actividades não concorrentes, recorrendo
aquele autor aos seguintes argumentos: ainda que sejam actividades diversas, continua a
existir o risco de erro ou confusão, principalmente o de crer que existem relações especiais
entre os comerciantes em causa; existe um risco associável ao bom nome, nomeadamente se
o comerciante que regista em segundo lugar a firma for declarado insolvente; e o n° 2 do
artigo 33 diz que a proximidade é um dos critérios, não o único, para ponderar a
susceptibilidade de confusão.
Assim, de acordo com a última posição, que é a que parece mais razoável e a que
perfilhamos, o direito ao uso exclusivo da firma “Lavibem – Lavandarias do Centro, Lda” foi
violado. Como tal, Alberto, enquanto titular da firma, pode reagir através dos meios de tutela
repressiva: pode intentar acções judiciais que levem à anulação, declaração de nulidade ou
revogação do registo; e pode ainda exigir a proibição da utilização da firma, bem como uma
indemnização, nos termos do artigo 62 RRNPC. Para além disto, a firma registada em
segundo lugar está sujeita à declaração, pelo RNNPC, de perda do direito ao respectivo uso
(artigo 63 RRNPC).
CASO PRÁTICO XIII
Antónia de Sousa Janeiro, licenciada em Direito desde 1990, é desde 2000 dona de uma
empresa de comercialização de mobiliário doméstico com sede em prédio de Coimbra dado
em arrendamento por Beatriz Abril. Carlos Maio é agente comercial, com escritório aberto ao
público, de Antónia.
I – Em Outubro de 2008, Antónia estava em mora perante Carlos e o Banco Tudo Boa Gente,
S.A. por dívidas contraídas na exploração da referida empresa. Têm esses credores direito a
juros comerciais?
II – Que firma Antónia de Sousa Janeiro podia ou tinha de adoptar? Adiante duas hipóteses.
Resolução
I – Para que se aplique o regime dos juros comerciais, é necessária a verificação de dois
requisitos: a dívida provir de um acto de comércio e o credor ser uma empresa comercial.
Quanto ao Banco, este é igualmente titular de uma empresa comercial (a actividade bancária
é comercial, artigos 362 e seguintes CCom); e a dívida provém de um empréstimo, que do
lado de Antónia é um acto de comércio objectivo pelo artigo 394. Aplica-se também a taxa
do § 5 de 8,15%.
Este artigo 38 prevê as regras que devem ditar a composição das firmas dos comerciantes
individuais: tem de ser composta pelo nome, completo ou abreviado (n° 1); o nome pode ser
antecedido de expressões ou siglas correspondentes a títulos académicos ou profissionais (n°
3); pode ser aditada ao nome alcunha ou expressão alusiva à actividade exercida (n° 1); e o
comerciante não pode abreviar o nome de forma reduzir a um só vocábulo, a não ser que haja
outros elementos que o tornem individualizador (n° 3).
Resolução
– Contrato de empréstimo: do lado da Mondego, é comercial desde que seja contraída para o
exercício da actividade (artigo 394). Do lado da Estradas de Portugal, também é acto de
comércio objectivo pelo artigo 362.
Vimos que os dois requisitos estão preenchidos: a dívida provém de um acto de comércio
(empréstimo); e a Estradas de Portugal é titular de uma empresa comercial em sentido
objectivo, ou seja, de uma unidade jurídica fundada em organização de meios que constitui
um instrumento relativamente estável e autónomo de exercício de uma actividade comercial.
Assim, aplica-se o § 3 e 5 e a taxa de juros moratórios é de 8,15%.
CASO PRÁTICO XV
Resolução
Do lado de Salvador, é igualmente um acto de comércio objectivo, uma vez que as empresas
de construção (não só de casas, mas também de outros edifícios e estruturas, por analogia
legis) são comerciais nos termos do artigo 230 n° 6. Note-se que estes actos apenas são
comerciais quando enquadrados organizatoriamente numa empresa, logo este acto só será
comercial se Salvador for titular de uma empresa (em sentido objectivo).
– Salvador: é comerciante se for titular de uma empresa, como já vimos acima (caso
contrário, não pratica actos de comércio e não estão preenchidos os requisitos do artigo 13 n°
1).
CASO PRÁTICO XVI
Em Janeiro de 2005, A tomou em locação a “B, Lda” um ecógrafo para equipar a sua clínica
médica, a qual veio a abrir em Março do mesmo ano. “B, Lda” é uma sociedade cujo objecto
consiste no fabrico de moldes e que ficara com o referido ecógrafo no âmbito de uma acção
de execução por dívidas de um cliente seu, o que levou aquela sociedade a locar o
equipamento por um valor praticamente simbólico. Posteriormente, em Março, A contraiu
um empréstimo num Banco para financiar a aquisição de diversos outros equipamentos
necessários para a clínica.
Resolução
– A: é dono de uma clínica médica. As profissões liberais, entre as quais a profissão médica,
estão excluídas da comercialidade (actos em que se traduzem não estão qualificados
legislativamente como comerciais + estatutos jurídicos, quando prevêem o regime societário,
não admitem sociedades comerciais). Assim, em princípio a exploração de uma clínica
médica não é considerada uma actividade comercial. Porém, se a clínica desenvolver também
actividades de prestação de serviços (exemplo: casa de saúde), pode ser considerada uma
empresa comercial por analogia juris, e nesse caso A é também comerciante.
– “B, Lda”: é comerciante pelo artigo 13 n° 2, sociedade por quotas (artigo 200) e
desenvolve uma actividade comercial (industrial-transformadora, artigo 230 n° 1).
– Banco: desenvolve uma actividade comercial (artigos 362 e seguintes). Será comerciante se
adoptar uma das formas das sociedades comerciais.
– Empréstimo: é acto de comércio objectivo dos dois lados (artigos 362 e 394).
CASO PRÁTICO XVII
I – A, B e C são comerciantes?
Resolução
– Beltrão: não é comerciante, uma vez que a actividade a que se dedica, a agricultura, está
excluída da comercialidade (artigo 230 § 1 e 2 + 464 n° 2 e 4 + conjunto de legislação sobre
sociedades de agricultura de grupo, etc. que apenas admitem sociedades civis, Decreto-Lei
336/89 e 339/90).
– Carlos: não é comerciante, por se tratar de um profissional liberal (os actos não são
qualificados legislativamente de comerciais + os regimes jurídicos destas actividades nunca
admitem sociedades comerciais).
II – Segundo o artigo 463 CCom, as compras e revendas de bens imóveis só são comerciais
quando as compras tiverem sido feitas com intenção de revender, o que não é o caso. Assim,
do lado de B, a venda não é comercial.
Quanto à compra, ou seja, do lado de A, apesar de não ser uma compra comercial por se
destinar à construção de um armazém, é um acto objectivamente comercial porque se
encontra conexionado com a exploração da empresa (interpretação extensiva do artigo 230).
III – Do lado de C, não é subjectivamente comercial uma vez que C não é comerciante. Do
lado de A, é necessário analisar o contrato na parte em que se refere ao projecto do armazém
e na parte em que se refere à moradia de férias.
Para que um acto seja subjectivamente comercial, é necessário que preencha os seguintes
requisitos (artigo 2, 2ª parte): acto de comerciante; não pode ser de natureza exclusivamente
civil (tem de haver uma conexão em abstracto com o comércio); e se o contrário do próprio
acto não resultar. Os primeiros dois requisitos estão preenchidos, interessando-nos o último,
que assenta numa averiguação em concreto da conexão do acto com o comércio do autor
desse acto.
Este requisito pode desdobrar-se em 3 hipóteses: se do próprio acto resulta a ligação com o
comércio, está preenchido; se não resulta a não ligação, está igualmente preenchido; se
resulta a não ligação, não está preenchido. No que toca ao projecto para o armazém, o
requisito está preenchido (resulta a ligação: no entanto, o acto é absorvido pela
comercialidade objectiva uma vez que é um acto conexionado com a exploração da empresa);
porém, no que toca ao projecto para a moradia, resulta a não ligação e não pode ser
qualificado como subjectivamente comercial.
CASO PRÁTICO XVIII
O advogado António Leite aceitou em Janeiro de 2004 uma letra de câmbio, sacada por
“Bernardo Pereira, Unipessoal Lda.” para pagamento de equipamento informático que esta
revende e que aquele comprou. Ainda naquele mês de Janeiro, “Bernardo Pereira, Unipessoal
Lda” contratou Albino Teixeira como seu concessionário comercial e celebrou com a
“Imagitec – Publicidade e Marketing, S.A.” um contrato para a realização de uma campanha
de publicidade para tornar ainda mais conhecida a “Bernardo Pereira”.
Resolução
– Compra e venda do equipamento: do lado de António, não é comercial uma vez que o
material ao uso na sua actividade. Do lado de Bernardo Pereira, é uma venda comercial uma
vez que a sua compra foi feita com intuito de revenda (artigo 463 n° 3).
O princípio da capacidade distintiva em matéria de firmas significa que as firmas devem ter
uma capacidade diferenciadora, permitindo identificar o seu titular. Este princípio está
previsto no artigos 33 n° 3 RRNPC e 10 n° 4 CSC. Quanto às firmas dos comerciantes
individuais e às firmas-nomes e firmas mistas das sociedades e dos ACE, parece não haver
problema. Estes sinais, compostos por nomes de pessoas ou por nomes e/ou firmas de sócios
ou associados, têm capacidade distintiva. Já as firmas-denominações das sociedades por
quotas, anónimas e dos ACE, quando não tenham elementos de fantasia, suscitam mais
problemas, uma vez que não podem bastar-se com designações genéricas, vocábulos de uso
comum ou indicações de proveniência geográfica. Por exemplo, a firma de uma sociedade de
comércio de material informático não pode ser Sociedade Informática, Lda.
“Todos os deveres previstos no artigo 18 CCom são exclusivos dos comerciantes – os
não comerciantes não têm qualquer dever semelhante” Comente
Os actos formalmente comerciais são esquemas negociais que são utilizáveis por
comerciantes e não comerciantes, para a realização de actos de comércio ou não, estando
contudo especialmente regulados na lei comercial e merecendo, como tal, a qualificação
como actos de comércio. O exemplo típico é o dos negócios cambiário, como a emissão de
uma letra de câmbio, regulados na LULL.
Já os actos acessórios são actos que devem a sua comercialidade ao facto de se conexionarem
a actos comerciais (os actos autónomos). São exemplos de actos autónomos a fiança (artigo
101), o mandato (artigo 231), o empréstimo (artigo 394), o penhor (artigo 397) e o depósito
(artigo 403).
Não dão qualificação como comerciantes nem os actos formalmente comerciais, nem os actos
acessórios. Os actos formalmente comerciais estão excluídos uma vez que a sua prática pode
ser utilizada ou não para a realização de operações mercantis, e a sua prática não pode
denotar o exercício de uma profissão. Já os actos acessórios também não conduzem à
qualificação como comerciantes. Por exemplo, só as instituições de crédito e sociedades
financeiras podem exercer a título profissional actividades que se traduzam na prestação de
fianças ou penhores mercantis. Porém, esta possibilidade existe: por ex., uma pessoa que
explora um armazém onde são depositadas mercadorias destinadas a ser revendidas pelos
depositantes (artigo 403).
Nem todos os titulares de empresas comerciais são comerciantes e nem todos os comerciantes
são titulares de empresas comerciais”. Comente.
É verdade que nem todos os titulares de empresas comerciais são comerciantes e nem todos
os comerciantes são comerciantes. Com efeito, há sujeitos que podem explorar empresas
comerciais sem adquirir a qualidade de comerciantes: é exemplo as pessoas colectivas
territoriais e as associações sem interesses materiais, nos termos dos artigos 17 e 14 CCom.
Por outro lado, há sujeitos que são comerciantes, por se dedicarem profissionalmente à
prática de actos de comércio, e todavia não exploram empresas (comerciais) – por ex., o
vendedor ambulante, o agente, etc.
Numa perspectiva de reforma, o que se pode dizer? Será aconselhável promover uma maior
unificação do direito das obrigações; e deverá consolidar-se a harmonização do estatuto dos
empresários e das espécies comerciais. O direito comercial reformado deve ser, assim, um
direito à volta das empresa.
A afirmação é falsa, não são comerciantes. Os gerentes, auxiliares e caixeiros estão previstos
no CCom nos artigos 248 e seguintes. Os gerentes são aqueles que, em nome e por conta de
um comerciante, tratam do comércio deste (artigos 248, 250 e 251); os auxiliares são as
pessoas encarregadas pelo comerciante do desempenho constante de algum ou alguns ramos
do tráfico a que o comerciante se dedica (artigo 256); e os caixeiros são empregados do
comerciante encarregados de funções várias (artigos 257 e seguintes).
Apesar de estes serem qualificados pelo CCom. como mandatários comerciais com
representação, esta é uma qualificação hoje insubsistente e assenta na velha ideia de que os
poderes de representação voluntária tinham de assentar num contrato de mandato.
Actualmente, isto não sucede, sendo que os poderes de representação voluntária podem
resultar de outros negócios jurídicos, nomeadamente do contrato de trabalho. Ora, é
precisamente o caso dos gerentes, auxiliares e caixeiros: estes devem, em geral, ser
qualificados como trabalhadores subordinados e não como mandatários, e como tal não são
comerciantes uma vez que apenas o são aqueles que exercem a actividade de comércio em
nome próprio, pessoalmente ou através de representante (requisito implícito no artigo 13 n°
1).
Justificando, diga se são comerciantes os seguintes sujeitos: Entidades Públicas
empresariais; cooperativas; arquitectos; poetas; associações culturais; gerentes de
sociedades por quotas
– Poetas: não são comerciantes, uma vez que não praticam actos de comércio. Incluem-se
numa categoria de trabalhadores autónomos, cuja actividade está próxima da das profissões
liberais, e que devem ser qualificados como não comerciantes, pois as suas actividades em
nenhum lugar são qualificados como comerciais; sendo que podemos também convocar um
argumento de analogia com o artigo 230 § 3.
– Gerentes de sociedades por quotas: são comerciantes, desde que não exerçam uma
actividade concorrente com a da sociedade (artigo 254 n° 1 CSC), incompatibilidade de
direito privado. Porém, se violarem a proibição e exercerem uma actividade comercial
concorrente, adquirem o estatuto de comerciantes, uma vez que os actos praticados são
válidos (a incompatibilidade apenas dá origem à aplicação de sanções).
As firmas das sociedades não têm de aludir ao objecto social, mas podem fazê-lo. A
justificação varia consoante o tipo de sociedade.
A afirmação é falsa. O artigo 1691 n° 1 al. d) do CC diz que são da responsabilidade dos
cônjuges, quando casados sob o regime da comunhão de adquiridos, as dívidas contraídas por
cada um deles no exercício do comércio, salvo se se provar que não foram as dívidas
contraídas no proveito comum. Por estas dívidas respondem os bens comuns do casal e, na
falta ou suficiência destes, solidariamente os bens próprios dos cônjuges (artigo 1695).
Ora, este é um regime que tutela os interesses do comércio e dos credores dos comerciantes,
uma vez que estes não têm de provar que as dívidas foram contraídas no proveito comum do
casal, al. c), que é uma prova mais difícil; para além disto, a garantia patrimonial dos
credores aumenta, uma vez que mais bens respondem pelas dívidas. Isto promove a
actividade mercantil, uma vez que os comerciantes negoceiam com mais confiança. Os
cônjuges podem demonstrar que esta dívida não foi contraída no proveito comum do casal;
porém, esta é uma prova muito difícil (o proveito do casal pode ser de qualquer ordem, que
não necessariamente económica).
Acresce a isto que o artigo 15 CCom vem reforçar ainda mais esta tutela, dizendo que as
dívidas comerciais dos cônjuges comerciantes presumem-se contraídas no exercício do
comércio. Os credores não têm de provar que a dívida foi contraída no exercício do comércio
do autor, mas apenas que a dívida resulta de um acto de comércio e que o cônjuge é
comerciante. Isto reforça a tutela dos credores uma vez que é uma prova mais fácil: é mais
fácil provar que um acto é comercial do que esse acto foi praticado no exercício do comércio;
aliás, podemos ter uma dívida comercial que não está relacionada com o exercício do
comércio mas ainda assim preenche a presunção.
Note-se que esta é uma presunção ilidível: os cônjuges podem provar que a dívida, apesar de
comercial, não foi contraída no exercício do comércio do comerciante devedor.