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Direito Comercial I

03/10/2022
Ato comercial – categoria que nos permite distinguir se se aplica o direito comercial ou
o direito civil.

Avaliação repartida: meados de novembro e última semana de dezembro.


Bibliografia: Direito comercial português, 2007
O que nos vai ser exigido é a matéria dada nas aulas teóricas.

Aula:
Para a aula de hoje temos o seguinte artigo escrito pelo professor na revista RLJ:

Primeira grande questão: saber como se decide quanto à aplicação do direito civil ou
do direito comercial? Quais são as relações jurídicas que ficam sujeitas ao regime
comercial?
Percurso histórico – os vários critérios que delimitam o direito comercial do direito
civil:
O critério que vale em Portugal não é o critério que vale na Itália, nem na Alemanha,
daí a importância histórica.

Partimos de três premissas:


❖ O direito comercial é um ramo do direito privado, aplica-se a relações de direito
privado;
❖ O direito comercial com as semelhanças com o que encontramos hoje surgiu na
idade média;
❖ A expressão “comercial” convoca o comércio, que sabemos ser um setor da
atividade económica, mas o direito comercial não se limita ao comércio.

Os economistas dividem a atividade em setores: setor primário (agricultura e indústrias


extrativas), setor secundário (indústrias transformadoras) e setor terciário (comércio,
prestação de serviços e atividades financeiras).
Se olharmos para estes setores de uma perspetiva histórica podemos perceber o
seguinte:
Na idade média a atividade dominante era a agricultura e foi-se afirmando o
artesanato (atividade centrada na habilidade do sujeito, na indústria transformadora é
centrada na máquina e não no sujeito). Findas as guerras, na europa, surge o comércio.
A segunda grande fase que nos interessa é a da Revolução Industrial. Fins do século
XVIII XIX, na europa (não em Portugal, nessa altura ainda predominava no nosso país a
agricultura), a indústria transformadora passou a ser a atividade económica
predominante.
Na segunda metade do século XX altera-se de novo jogo, as prestações de serviços
começam a adquirir um papel importante na atividade económica. O comércio passa a
ser também ele um setor predominante. Quer porque as prestações de serviços
começaram a assumir mais relevo, quer pelo papel que o comércio assumiu na
atividade económica, a indústria passou para segundo plano. Hoje é quem tem o poder
de chegar ao consumidor que decide como se produz e o preço (antes quem decidia o
preço era o setor industrial).
Então o direito comercial é o direito do comércio? É o direito do setor terciário? NÃO!
Vamos olhar para cada um dos setores:
O setor primário é regulado pelo direito comercial? Historicamente não, no ver do
professor aquilo que historicamente era verdadeiro agora não é exato. A agricultura
distingue-se em dois setores: agricultura tradicional (centrada na pessoa do agricultor);
agricultura moderna (exercida de modo empresarial, com recurso a uma série de
instrumentos, que torna a agricultura menos dependente dos fatores de incerteza a
que a agricultura tradicional está sujeita – sujeito, clima, pragas).
O setor secundário, a indústria é um dos núcleos do direito comercial. Logo que surgiu
a indústria, essa foi absorvida pelo direito comercial.
O comércio continua a ser núcleo do direito comercial. Depois o setor financeiro, a
banca, desde sempre que é regulado pelo direito comercial. A questão neste setor
terciário coloca-se quanto a prestações de serviços: as prestações de serviços mais
tradicionais (profissionais liberais, advogados, contabilistas, são centradas no sujeito)
são atividades não empresariais, como tal, não são reguladas pelo direito comercial;
mas há prestações de serviços empresariais.
O direito comercial é o conjunto de atividades comerciais, industriais e financeiras a
que se acrescentou, entretanto, a agricultura.

Nos dias de hoje, há uma evolução que vem sobretudo dos regimes da união europeia.
Este ponto vai ser deixado em aberto.

História:
O direito comercial surge na idade média em torno das atividades mercantis dos
mercadores, aqueles que, aproveitando a paz, começaram a fazer trocas de produtos.
Os mercadores, por razões de segurança, criaram organizações (as chamadas
corporações). Também os artesões, pois se as trocas incrementam, a produção
artesanal é incrementada.
Criadas estas organizações são criadas regras que estão na génese do direito comercial,
essas regras são: usos e costumes; estatutos e regulamentos das corporações.
Nesta fase o direito comercial era aplicado com base na qualidade do sujeito,
aplicava-se aos comerciantes, era um direito subjetivista.
A certa altura, o comércio vai puxar o artesanato e depois vai puxar a indústria, há aqui
uma tendência para o alargamento. O direito comercial passa a assumir uma faceta
legal e não meramente jurisprudencial, consuetudinária.
Marco seguinte: a Revolução Francesa. A frança antes era um país agrícola, ainda não
tinha chegado o comércio. Há quem diga que foram os comerciantes a impulsionar esta
revolução com vista na liberdade de comércio (era o rei quem decidia sobre a
possibilidade de os sujeitos se dedicarem à atividade comercial). Os comerciantes
queriam liberdade, privilégio, mas esse privilégio era contraditório com a igualdade
então criou-se um direito comercial objetivista.
O direito comercial novo que sai da revolução francesa assenta não no mercador, mas
numa nova categoria, o ato de comércio.
O que é o ato de comércio? Nunca ninguém conseguiu definir ato de comércio. Dizer
que o ato de comércio era o ato de trocas era redutor. Depois surgiu uma definição que
dizia que ato de comércio é um ato com escopo lucrativo, mas há atos de comércio
sem essa finalidade. Isto fez com que se evoluísse para uma noção de ato de comércio
puramente formal: ato de comércio é o que está na lista de atos do código comercial.
Por outras palavras, o direito comercial define-se a si próprio.
Rapidamente se percebe que a solução objetivista é uma solução artificial, foi
estratagema para manter um direito comercial próprio. O objetivismo não consegue
definir sem ser formalmente.
Surge uma terceira corrente, o chamado unitarismo, ou corrente da unificação entre
direito civil e direito comercial. Não havia distinção, era tudo um.
No século XIX, pós-revolução francesa, a França continua a ser um país agrícola, mas
com algum peso do comércio, mas não é assim em toda a Europa. Na Alemanha (velha
Prússia) não era assim, nas últimas décadas do século XIX era um país com uma
indústria pesadíssima e com um setor financeiro poderosíssimo. Vir alguém dizer à
Alemanha que acabou o direito comercial não faria sentido.
Assim, surgiu na Alemanha a seguinte ideia: o direito comercial é o direito dos
comerciantes. O comerciante na Alemanha era aquele que exerce uma empresa
mercantil. Esta é a principal aquisição que o subjetivismo alemão ou moderno traz à
história: reafirma o direito comercial independente, autónomo, que não se identifica
com o direito civil; introduz “empresa” na definição de direito comercial.

11/10/2022
O direito comercial aplica-se aos atos de comércio, sendo que os atos de comércio são
definidos pelo direito comercial.
O objetivismo cavou a própria sepultura, não soube dar uma identidade ao direito
comercial, não definiu ato de comércio.

Depois do objetivismo vieram muitas vozes a dizer que não se justificava a diferença
entre o direito comercial e o direito civil. Estas são as correntes que defendem a
unificação do direito privado.

Quando os grandes industriais e os grandes banqueiros foram confrontados com a


aplicação das regras do direito civil nas suas relações, acharam merecer um regime
próprio diferente das relações dos cidadãos comuns.
Criam um código comercial alemão.
O direito comercial volta a ser o direito dos comerciantes, volta o subjetivismo.
Primeira característica deste novo subjetivismo: é um direito de livre acesso. Segunda
característica, introduz empresa na definição de direito comercial.
Problema, se o direito comercial se aplica aos comerciantes, então só as relações entre
sujeitos comerciantes é que aplicam o direito comercial. Ora, há uma série de setores
que são aceites como comerciais, mas nos quais não trabalham comerciantes.
Se o objetivismo alargou muito o âmbito de aplicabilidade, o subjetivismo restringiu.

O direito comercial não pode ser objetivista, nem subjetivista. O direito comercial
passa a centrar-se na empresa.
Virtude disto: com este critério de empresa, os tais setores que estavam com o
subjetivismo fora do direito comercial, passam a estar abrangidos pelos direitos
comerciais.
O direito comercial aplica-se às relações constituídas no quadro de atividade das
empresas.
O empresarialismo permitiu dizer que o direito comercial se aplica às empresas e
mesmo a outras realidades quando o setor de regulamentação seja um setor que visa
tutelar/proteger os interesses das empresas. O direito comercial dedica-se não só às
empresas, como a tudo o que gira à volta delas.

Empresa: A empresa é uma realidade da vida económica, as leis colhem essa


realidades, mas a empresa é algo que existe antes de a lei chegar.Temos 3
dimensoes/perfis:
1) Empresa dimensão subjetiva - reconduz-te a um conjunto de atos ou atividades
exercidas pelo sujeito, no perfil subjetivo de onde é a atuaçao
2) Perfil objetivo - a empresa assume-se como um processo produtivo que se
apresenta como uma organização e como um conunto de meios
3) A empresa pode ser vista na sua dimensão institucional, isto é, a empresa
apresenta-se no mercado como uma entidade própria

Três notas caracterizadores da empresa:


❖ A empresa é uma estrutura complexa que agrupa pessoas, bens, direitos, outros
valores, mas assenta em grande medida na ideia organizatória do sujeito, nas
estratégias do sujeito e na gestão feita pelo sujeito. O sujeito que detém a empresa
está no cerne.
❖ Atividade de um processo de produção em sentido amplo (produção = toda a
criação de valor novo).
❖ A empresa assume a característica da autonomia, em dois planos: autonomia
financeira (numa economia capitalista, a regra é a que a empresa tem um objetivo
final um número a alcançar, sendo norteada pelo excedente que lhe permita
remunerar os fatores alocados durante o processo produtivo); autonomia funcional
(para haver empresa não basta haver um processo de produção, uma estrutura, é
preciso que esses se caracterizem pela des-subjetização, ou seja, não dependência
do sujeito – na empresa o produto ou serviço é resultado do próprio processo e
não de um só fator). Quando o processo se torna autónomo deixamos de ter
agricultura tradicional.

Olharmos para a empresa com os seus três perfis e com as notas que a caracterizam
permitiu ter uma nova perspetiva sobre o direito comercial – o que justifica o direito
comercial é a tutela dos interesses que exercício económico com recurso à empresa
coloca, que interesses são estes?
❖ A tutela do crédito – o sujeito exerce uma atividade através da empresa, vai
receber crédito do banco e dos fornecedores. A empresa tem mais suscetibilidade a
ter crédito se os seus credores estiverem tutelado, protegidos.
❖ Vinculações firmes – na esfera comercial, as vinculações têm que ser firmes e os
prazos para colocar em causa essas vinculações são muito mais curtos e estritos do
que na esfera civil.
❖ As empresas estabelecem relações em massa, estas relações têm que ser feitas de
forma simplificada e desformalizada.

Na lógica da empresa, por um lado tudo pode ser suscetível de ser mobilizado para a
obtenção de lucro, o titular da empresa tem de ter fatores suscetíveis de ser
convertidos em dinheiro.
Posso converter o crédito que tenho em dinheiro. O crédito que tenho e que à partida
seria um peso morto, também pode ser mobilizado.
Todos os elementos da empresa devem ser suscetíveis de fácil mobilização, isto é, de
ser convertidos em dinheiro.
Por força da forma como evoluiu a economia, quer pela lógica interna, quer pela
concorrência, a atividade económica exercida através da empresa abrange cada vez
mais setores da vida social.

Desde há poucas décadas que se está a abrir uma nova fase no direito comercial.
Em Portugal estamos ainda no século XIX, o código comercial português é de 1888,
como tal o direito comercial português é objetivista. No entanto, já é possível observar
em alguns setores do direito comercial português (e noutros países que ainda têm um
código comercial de XIX) o critério do direito de mercado ou critério dos operadores de
mercado. Ou seja, para delimitar o direito comercial o que conta é a existência de um
mercado e os sujeitos que lhe acedem.
Todos estes novos regimes continuam a ser fundamentados nos interesses da empresa,
que levantámos há pouco, todavia, esse critério passa a ser subjetivo. Há aqui uma
espécie de fusão do objetivismo com o subjetivismo.
Direito comercial simultaneamente objetivista e subjetivista, mas não deixa de ter a
empresa no seu cerne.

Há em Portugal um direito comercial que se distingue do direito civil. Qual é o critério


de distinção? A resposta está nos dois primeiros artigos do código comercial: o direito
comercial português rege os atos de comércio (categoria essencial do objetivismo)
independentemente da identidade dos sujeitos.
O direito comercial português aplica-se aos atos de comércio.
Não só temos um direito comercial autónomo, como é objetivista.
No princípio havia uma identificação quase absoluta entre o direito comercial e o
direito civil. Hoje não é assim.
O artigo 1º permite-nos tirar mais uma conclusão “lei comercial que rege os atos de
comércio”, o direito comercial atual é um direito fundamentalmente legal no qual os
usos e os costumes não têm um papel principal.
Os usos e costumes comerciais podem ser um elemento fundamental para encontrar a
vontade hipotética das partes, vontade essa que tem de estar de acordo com a boa-fé.

Âmbito de aplicação do direito civil: atos de comércio.


O que são atos de comércio? Nunca ninguém definiu. O que o legislador fez foi uma
lista implícita, usa o próprio código como sendo uma lista e remete para o que está à
frente. Os atos que estão no código comercial são atos de comércio, os que não estão
em princípio não são.
O artigo 2º não se limita a esta lista implícita: “e, além deles, ...”, vamos explicar o que
diz a partir daí – Duas categorias de atos de comércio:
❖ Atos objetivos de comércio – são atos de comércio porque estão previstos no
código. Estes atos são simultaneamente subjetivos, pois um dos requisitos para
serem subsumidos nesta lista é serem praticados por comerciantes.
❖ Atos subjetivos de comércio (2ª parte do artigo 2º) – não estão previstos no código
e dependem da identidade do sujeito. São aqueles que dependem, não
propriamente de uma apreciação casuística, subjetiva, mas são atos subjetivos
porque são praticados por um sujeito com determinadas características.

Atos de comércio objetivos:


Quando a lei diz “especialmente regulados neste código” isto não implica uma
regulamentação exaustiva (esta expressão não é para ser levada à letra). Não é preciso
que estejam regulados, basta que estejam previstos.
Um exemplo flagrante disto são as operações de banco, previstas no 363º. São
operações realizadas entre os bancos e os seus clientes.
Os atos de comércio são, por regra, contratos, mas podem ser negócios unilaterais e
em certos casos podem ser simples atos jurídicos.
Onde se diz neste código deve se entender como lei comercial (é toda a lei análoga ao
código, que consagra interesses idênticos ou que vão na mesma linha que os interesses
que presidem o código).
O ccv é o ato de comércio nuclear do direito comercial.
Se o ato protege interesses da empresa é um ato comercial, se protege interesses
privados é ato de direito privado.

Leasing ou locação financeira – determinado sujeito que precisa de utilizar certo bem,
propõe a outro sujeito (uma entidade financeira). Este leasing tem origem remota na
locação do código civil, só que foi completamente transfigurado. Ex: na locação se eu
arrendar a casa e se amanhã vier uma cheia e me extermine a casa, o que acontece ao
contrato de locação caduca porque o objeto pereceu. No leasing se o locatário
financeiro tiver um acidente o contrato não caduca. O locatário financeiro continua a
pagar, quer goze o bem quer não goze o bem. Enquanto na locação civil o gozo do bem
é essencial para se manter o contrato.

17/10/2022
Temos estado à procura de responder à questão de saber quais são as relações do
direito privado que são submetidas ao direito comercial.
Fomos percebendo as respostas históricas dadas a esta questão.
O direito português é um direito comercial do século XIX, portanto, assenta num
critério objetivista, é direito comercial toda a relação comercial que se reconduz a um
ato de comércio.
De acordo com a técnica objetivista, todas as leis comerciais objetivistas fizeram listas
enumerando os atos de comércio. O direito português não é exceção, não há uma lista
verdadeiramente, mas o código foi transformado numa lista.
Enquanto no início o Código comercial coincidia com toda a lei comercial, ao longo do
século XX surgiram leis que podem ser classificadas como comerciais, mas que não
foram inseridas no código.
O que é lei comercial? É aquela que é análoga ao código, sendo que a analogia se
determina no plano dos interesses. Lei comercial é aquela que tem soluções em linha
com as soluções presentes no código. Olhamos para os regimes no código, para as
soluções, vemos que essas soluções são para acautelar certos interesses.

Há uma lógica comum ao subjetivismo e objetivismo, o regime comercial protege


interesses empresariais (celeridade, firmeza dos negócios, lucratividade,
compromissos).
Se eu invisto o meu dinheiro e construo uma empresa, o interesse fundamental que
tenho é poder tornar líquido rapidamente o meu investimento, não ficar preso no meu
investimento.
Estes interesses estão sempre presentes na lei comercial.

Contrato de locação financeira:


Tem a sua origem remota na locação do código civil, foi moldado sendo adaptado a
uma função de financiamento.
Lei 149/95
Contrato pelo qual o sujeito que tem necessidade de utilizar um bem, celebra um
contrato com outro sujeito, esse outro adquire o bem alvo para ceder ao primeiro o
seu gozo, tendo como contrapartida uma renda, sendo que no final do prazo
estabelecido contrato o locatário financeiro tem a possibilidade de adquirir o bem por
um preço simbólico.
As rendas permitem ao locador financeiro recuperar o investimento.
Este é um contrato de financiamento embora na base tenha matriz locatícia.
Na velha locação: se o bem perecer o contrato caduca.
Na locação financeira: o que está em jogo é o dinheiro. Se o bem perecer, o contrato
continua em vigor, o locatário financeiro tem que continuar a pagar as rendas, porque
as rendas não são a contrapartida do gozo.
De locação só resta o nome, portanto, diverge da lógica dos regimes civis, está na linha
com a lógica comercial, como tal, a lei 149/95 é lei comercial.

Concluindo esta ideia: A lei comercial não coincide com o código, há já um conjunto de
leis avulsas que são leis comerciais à luz deste critério.
À luz deste critério material, é possível dizer que temos atos de comércio que se
encontram no próprio direito civil. É o caso da empreitada, esteve para ser deixada de
fora do código civil foi inserida por razões meramente circunstanciais no CC, pode-se
discutir se a empreitada é um contrato civil ou um contrato comercial. Não vamos
entrar nesta questão em pormenor.
Importa agora destacar um outro contrato, que está no CC e na verdade não é um
contrato, já não tem grande relevância prática.
Contrato de Trespasse
É um ato de comércio, mas não existe como contrato.
O Romeiro de Frei Luís de Sousa ao ser questionado “Quem és tu?” respondeu
“Ninguém”
O trespasse é uma designação genérica que abrange vários negócios. O negócio matriz
que abrange esta designação é a compra e venda, mas abrange outros negócios
conforme as circunstâncias.
O trespasse é o negócio que tem por objeto um estabelecimento comercial ou
empresa. O estabelecimento comercial é a empresa enquanto bem que está no
património de um sujeito.
Quando digo comprei o estabelecimento comercial x, também posso dizer adquiri por
trespasse o estabelecimento comercial x.
O trespasse, normalmente, corresponde a negócios definitivos. Nada diz que o
trespasse não pode designar transições temporárias, mas normalmente estas não são
abrangidas pelo trespasse.
O trespasse que está previsto no CC é um grande exagero, porque o trespasse não é
objeto de regulação sistemática no direito português. O código civil regula UM aspeto
do trespasse.
O trespasse é um negócio sobre um estabelecimento comercial, mas coloca um
problema de regime.
O estabelecimento comercial, a dimensão objetiva da empresa, normalmente, exige
um imóvel, esse é um dos elementos que integra o estabelecimento comercial
habitualmente. O sujeito que tem o estabelecimento comercial pode mobilizar o
imóvel a vários tipos: caso em que o estabelecimento comercial é num prédio
arrendado, isto é, arrenda o imóvel e instala nele o restaurante.
Pode acontecer que A tenha um restaurante num imóvel que está a arrendar a B. C
quer comprar o restaurante, mas A não pode vender juntamente com o restaurante o
imóvel, pois não lhe pertence. O que A pode fazer é passar para C a sua posição de
arrendatário, segundo o CC, essa transmissão de posição contratual vai depender do
acordo de B.
Ora, se se aplicasse essa disposição do CC A estava tramado, estava nas mãos de B.
Uma coisa é transmitir o estabelecimento comercial com o máximo valor, todos os
bens que o integram, outra coisa é transmitir o restaurante sem o imóvel em que este
está estabelecido. Nesta segunda opção o preço terá que ser reduzido.
Aqui entra um outro artigo que por acaso está no CC, está porque estamos a falar de
questões relativas a arrendamento, que diz: em caso de trespasse, a transmissão de
posição de arrendatário não depende do consentimento do senhorio.
A lógica disto é facilitar a transmissão do estabelecimento, de forma a rentabilizar ao
máximo o investimento.
Interessa-nos o seguinte: temos o trespasse que está previsto no CC num único aspeto,
o da transmissão de arrendamento, e o regime deste tipo de trespasse é um regime
que se contrapõe ao próprio código civil. Portanto, o artigo 1112º apesar de estar
formalmente no CC, é materialmente um preceito mercantil.
Vamos ver que lista de atos comerciais conseguimos encontrar, que atos de comércio
encontramos no CCom, no CCiv e noutras leis mercantis:
1) No Código Comercial
❖ Contrato de Compra e Venda – É um contrato nuclear, é a cv ligada à atividade
comercial. É a cv direcionada à revenda. O cv quando é olhado na esfera civil é
seccionado, compra para um lado e venda para o outro. Se a compra foi com o
intuito de revender é comercial. Se a venda é posterior a uma compra com o intuito
de revender, é comercial. Pode acontecer o seguinte então: quer a compra quer a
venda é civil, quer a compra quer a venda é comercial, ou uma é civil e outra é
comercial.
Exemplo: eu compro um CC para revender, vendo à juliana que o compra para o
usar. A venda é comercial, a compra é civil.
Num sistema objetivista, a compra e venda celebrada por um não comerciante é
comercial se for celebrada com intenção de revenda.
❖ Aluguer

❖ Mútuo, empréstimo bancário

❖ Contrato de transporte

❖ Atos acessórios: mandato, comissão, empréstimo, depósito, penhor, fiança. Estes


estão dentro do CCom, são atos comerciais pois a razão em que radica a previsão
no CCom decorre de razões externas. O empréstimo/comodato é comercial quando
a coisa emprestada se destina à prática de um ato de comércio.
O empréstimo civil e o empréstimo comercial são iguaizinhos, a diferença está na
ligação a um posterior ato de comércio. O mesmo vale para todos os outros atos
acessórios, se estes atos se ligarem a um ato de comércio principal, então são atos
de comércio, se não, são atos civis.
Exemplo: emprestei dinheiro para B comprar um livro, é civil; se B tiver o intuito de
fazer um investimento com esse dinheiro, é comercial.

2) Fora do Código Comercial


❖ Letras, livranças e cheques – Atos de comércio previstos em leis próprias. Estão
previstos em leis uniformes e vigoram em Portugal por conta da receção dessas leis
pelo direito português.
❖ Trespasse (1112º CC)

❖ Contrato de Locação Financeira

❖ Contrato de seguro

❖ Contrato de agência – contrato através do qual um sujeito se obriga a promover


bens ou serviços de outro, para arranjar adquirentes desses bens ou serviços. O
agente é dono do próprio estabelecimento comercial, no qual o que faz é adquirir
negócios para outro.
❖ Contrato de associação em participação e contrato de consórcio – Primeiro
contrato: um determinado sujeito tem meios e o outro tem capital, este último
investe o capital na empresa do primeiro. Segundo contrato: dois ou mais sujeitos
elegem um centro comum e levam a cavo certo projeto, cada um se compromete a
certa prestação e a coordenar ambas as prestações, de forma que se obtenha um
empreendimento eleito à partida. O contrato de consórcio muitas vezes
concretiza-se através do contrato de empreitada (que é também um ato de
comércio).

Conclusão: O direito comercial aplica-se a relações económicas exercidas


empresarialmente.
Prestações de serviços: transporte, etc. Mas onde estão as prestações de serviços, mas
onde está a indústria? Não há atos de comércio que os envolvam?

3) Há um conjunto de atos de comércio que não estão regulados em lado nenhum.


❖ Contrato de franquia ou franchising: não está previsto na lei, é difícil de apreender
pois tem múltiplas facetas. Pode haver franquias no quadro da produção de bens,
da distribuição de bens e da prestação de serviços. Franquia é a autorização para
fazer algo. Um sujeito tem uma empresa, em condições normais só ele pode
explorar a sua empresa. Mas esse sujeito pode celebrar um contrato com um
terceiro no qual o terceiro vai reproduzir a empresa à imagem da empresa inicial. O
terceiro paga a entrada e paga em função dos lucros, royalties.
❖ Contrato de concessão: A franquia, a concessão e a agência são contratos
aparentados. A concessão é no setor automóvel e significa que o titular de certos
bens atribui a outro sujeito o direito de comercializar esses bens.
Chegamos a um ponto em que damos por falta de coisas que sabemos serem atos
comerciais, mas que não estão previstos em lado nenhum. Como resolvemos isto de
haver vários atos fora desta teia?
Artigo 230º do CCom: Não dizendo uma única palavra sobre atos de comércio, contém
os atos que estamos a perceber que nos faltam. Este artigo começa com uma frase a
que se chama proémio. Os números do artigo vêm referir-se a um conjunto de
atividades que não estavam abrangidas pelo código.
O artigo tem duas partes, uma hipótese e uma estatuição. O que o artigo estatui é que
as empresas aí referidas são comerciais. A hipótese é complexa, tem dois elementos:
são comerciais as empresas e as empresas que se propuserem a uma destas atividades.
Esta lista não é exemplificativa, nem taxativa, mas é significativa, quer isto dizer que o
legislador não quis apenas trazer estas atividades, estas estão aqui porque
correspondem a certos critérios (ainda não estavam no CCom). Ao lado destas
atividades podemos considerar todas aquelas que forem análogas a estas, como é o
caso do transporte aéreo.
Sentido imediato ou primário do 230º: as empresas aqui previstas são comerciais, ao
lado desta lista são também comerciais empresas análogas a estas.
O que é necessário para haver empresa comercial é haver empresa, já todas as
atividades foram consumidas pela economia. Já não faz sentido distinguir empresas
comerciais de empresas não comerciais.
O que é que o 230º tem a ver com os atos de comércio? É consensual que o 230º tem
um sentido/alcance oculto, o sentido imediato é dizer quais são as empresas que são
comerciais (que basicamente são todas as empresas), depois tem um sentido oculto,
diz-nos sem nos dizer, que todos os atos em que se desdobra a atividade da empresa
são atos de comércio.
Em termos práticos o sentido oculto quer dizer: Uma fábrica é uma empresa comercial,
numa fábrica fabrica-se o produto e vende-se o produto. A compra de matéria-prima é
um ato de comércio? A venda do produto é um ato de comércio? Sim, não nos
podemos justificar com o 463º porque aí tem que ver com revenda, no setor da
indústria as compras e vendas que se fazem não têm a ver com esse artigo.
Justificamos esta resposta com o sentido implícito do 230º.
Com isto, temos grande parte dos atos de comércio que faltavam.

A pergunta é esta: os atos praticados pela MEO na sua atividade económica são atos de
comércio? Sim, na parte em que compra telemóveis para revender, mas não é esse o
negócio principal. O negócio principal da MEO é venda de serviços de
telecomunicações, são atos de comércio? Sim! Porque a MEO é uma empresa
comercial, ainda que não caiba em nenhum dos números do artigo 230º, a MEO é uma
empresa comercial pois é análoga às empresas comerciais. Como tal, os atos que
pratica são atos de comércio.

No 230º vão caber todos os atos de comércio em falta na lei comercial.

Discute-se se o 230º abrange todos os atos da atividade da empresa ou apenas os atos


principais da atividade da empresa. O Doutor diz que não há nenhuma vantagem em
fazer distinções, a interpretação que lhe parece ser a melhor resolve os problemas
quanto ao artigo 2º/2ª parte. O Doutor diz que todos os atos da atividade da empresa
desde que se demonstre que fazem parte da atividade da empresa são atos de
comércio.
O 230º comercializa atos sejam eles atos do princípio da vida da empresa, sejam do
fim, sejam mais importantes ou secundários, todos eles são atos de comércio.
Exemplo com o contrato de franquia: não é apenas a compra de carnes que é um ato
de comércio, o próprio contrato de franquia que prepara e organiza a empresa, mesmo
antes de ela existir, é um ato comercial.

Todas estas empresas e todos estes atos são comerciais porque estão previstos pelo
230º.
É preciso que se faça a prova positiva de que estes atos se integram na atividade da
empresa.

A doutrina comercialista, na linha objetivista, vinha dizer: os contratos que não estão
previstos na lei comercial podem ser qualificados como atos de comércio por analogia
com os outros previstos na lei comercial. A esta luz, o contrato de franquia, não
estando previsto na lei, pode ser considerado ato de comércio por ser análogo (no caso
é análogo ao contrato de agência).
O Doutor tem muitas dúvidas sobre estas analogias, não consegue perceber qual é a
analogia entre o franchising e a agência.
Se aplicarmos o 230º como deve ser aplicado, a analogia faz-se entre empresas e não
entre atos, que faz mais sentido e justifica-se esta analogia e a interpretação ampla do
230º.
O problema da analogia entre atos de comércio não se põe, no ver do Doutor, já chega
de analogias.

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