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03/10/2022
Ato comercial – categoria que nos permite distinguir se se aplica o direito comercial ou
o direito civil.
Aula:
Para a aula de hoje temos o seguinte artigo escrito pelo professor na revista RLJ:
Primeira grande questão: saber como se decide quanto à aplicação do direito civil ou
do direito comercial? Quais são as relações jurídicas que ficam sujeitas ao regime
comercial?
Percurso histórico – os vários critérios que delimitam o direito comercial do direito
civil:
O critério que vale em Portugal não é o critério que vale na Itália, nem na Alemanha,
daí a importância histórica.
Nos dias de hoje, há uma evolução que vem sobretudo dos regimes da união europeia.
Este ponto vai ser deixado em aberto.
História:
O direito comercial surge na idade média em torno das atividades mercantis dos
mercadores, aqueles que, aproveitando a paz, começaram a fazer trocas de produtos.
Os mercadores, por razões de segurança, criaram organizações (as chamadas
corporações). Também os artesões, pois se as trocas incrementam, a produção
artesanal é incrementada.
Criadas estas organizações são criadas regras que estão na génese do direito comercial,
essas regras são: usos e costumes; estatutos e regulamentos das corporações.
Nesta fase o direito comercial era aplicado com base na qualidade do sujeito,
aplicava-se aos comerciantes, era um direito subjetivista.
A certa altura, o comércio vai puxar o artesanato e depois vai puxar a indústria, há aqui
uma tendência para o alargamento. O direito comercial passa a assumir uma faceta
legal e não meramente jurisprudencial, consuetudinária.
Marco seguinte: a Revolução Francesa. A frança antes era um país agrícola, ainda não
tinha chegado o comércio. Há quem diga que foram os comerciantes a impulsionar esta
revolução com vista na liberdade de comércio (era o rei quem decidia sobre a
possibilidade de os sujeitos se dedicarem à atividade comercial). Os comerciantes
queriam liberdade, privilégio, mas esse privilégio era contraditório com a igualdade
então criou-se um direito comercial objetivista.
O direito comercial novo que sai da revolução francesa assenta não no mercador, mas
numa nova categoria, o ato de comércio.
O que é o ato de comércio? Nunca ninguém conseguiu definir ato de comércio. Dizer
que o ato de comércio era o ato de trocas era redutor. Depois surgiu uma definição que
dizia que ato de comércio é um ato com escopo lucrativo, mas há atos de comércio
sem essa finalidade. Isto fez com que se evoluísse para uma noção de ato de comércio
puramente formal: ato de comércio é o que está na lista de atos do código comercial.
Por outras palavras, o direito comercial define-se a si próprio.
Rapidamente se percebe que a solução objetivista é uma solução artificial, foi
estratagema para manter um direito comercial próprio. O objetivismo não consegue
definir sem ser formalmente.
Surge uma terceira corrente, o chamado unitarismo, ou corrente da unificação entre
direito civil e direito comercial. Não havia distinção, era tudo um.
No século XIX, pós-revolução francesa, a França continua a ser um país agrícola, mas
com algum peso do comércio, mas não é assim em toda a Europa. Na Alemanha (velha
Prússia) não era assim, nas últimas décadas do século XIX era um país com uma
indústria pesadíssima e com um setor financeiro poderosíssimo. Vir alguém dizer à
Alemanha que acabou o direito comercial não faria sentido.
Assim, surgiu na Alemanha a seguinte ideia: o direito comercial é o direito dos
comerciantes. O comerciante na Alemanha era aquele que exerce uma empresa
mercantil. Esta é a principal aquisição que o subjetivismo alemão ou moderno traz à
história: reafirma o direito comercial independente, autónomo, que não se identifica
com o direito civil; introduz “empresa” na definição de direito comercial.
11/10/2022
O direito comercial aplica-se aos atos de comércio, sendo que os atos de comércio são
definidos pelo direito comercial.
O objetivismo cavou a própria sepultura, não soube dar uma identidade ao direito
comercial, não definiu ato de comércio.
Depois do objetivismo vieram muitas vozes a dizer que não se justificava a diferença
entre o direito comercial e o direito civil. Estas são as correntes que defendem a
unificação do direito privado.
O direito comercial não pode ser objetivista, nem subjetivista. O direito comercial
passa a centrar-se na empresa.
Virtude disto: com este critério de empresa, os tais setores que estavam com o
subjetivismo fora do direito comercial, passam a estar abrangidos pelos direitos
comerciais.
O direito comercial aplica-se às relações constituídas no quadro de atividade das
empresas.
O empresarialismo permitiu dizer que o direito comercial se aplica às empresas e
mesmo a outras realidades quando o setor de regulamentação seja um setor que visa
tutelar/proteger os interesses das empresas. O direito comercial dedica-se não só às
empresas, como a tudo o que gira à volta delas.
Olharmos para a empresa com os seus três perfis e com as notas que a caracterizam
permitiu ter uma nova perspetiva sobre o direito comercial – o que justifica o direito
comercial é a tutela dos interesses que exercício económico com recurso à empresa
coloca, que interesses são estes?
❖ A tutela do crédito – o sujeito exerce uma atividade através da empresa, vai
receber crédito do banco e dos fornecedores. A empresa tem mais suscetibilidade a
ter crédito se os seus credores estiverem tutelado, protegidos.
❖ Vinculações firmes – na esfera comercial, as vinculações têm que ser firmes e os
prazos para colocar em causa essas vinculações são muito mais curtos e estritos do
que na esfera civil.
❖ As empresas estabelecem relações em massa, estas relações têm que ser feitas de
forma simplificada e desformalizada.
Na lógica da empresa, por um lado tudo pode ser suscetível de ser mobilizado para a
obtenção de lucro, o titular da empresa tem de ter fatores suscetíveis de ser
convertidos em dinheiro.
Posso converter o crédito que tenho em dinheiro. O crédito que tenho e que à partida
seria um peso morto, também pode ser mobilizado.
Todos os elementos da empresa devem ser suscetíveis de fácil mobilização, isto é, de
ser convertidos em dinheiro.
Por força da forma como evoluiu a economia, quer pela lógica interna, quer pela
concorrência, a atividade económica exercida através da empresa abrange cada vez
mais setores da vida social.
Desde há poucas décadas que se está a abrir uma nova fase no direito comercial.
Em Portugal estamos ainda no século XIX, o código comercial português é de 1888,
como tal o direito comercial português é objetivista. No entanto, já é possível observar
em alguns setores do direito comercial português (e noutros países que ainda têm um
código comercial de XIX) o critério do direito de mercado ou critério dos operadores de
mercado. Ou seja, para delimitar o direito comercial o que conta é a existência de um
mercado e os sujeitos que lhe acedem.
Todos estes novos regimes continuam a ser fundamentados nos interesses da empresa,
que levantámos há pouco, todavia, esse critério passa a ser subjetivo. Há aqui uma
espécie de fusão do objetivismo com o subjetivismo.
Direito comercial simultaneamente objetivista e subjetivista, mas não deixa de ter a
empresa no seu cerne.
Leasing ou locação financeira – determinado sujeito que precisa de utilizar certo bem,
propõe a outro sujeito (uma entidade financeira). Este leasing tem origem remota na
locação do código civil, só que foi completamente transfigurado. Ex: na locação se eu
arrendar a casa e se amanhã vier uma cheia e me extermine a casa, o que acontece ao
contrato de locação caduca porque o objeto pereceu. No leasing se o locatário
financeiro tiver um acidente o contrato não caduca. O locatário financeiro continua a
pagar, quer goze o bem quer não goze o bem. Enquanto na locação civil o gozo do bem
é essencial para se manter o contrato.
17/10/2022
Temos estado à procura de responder à questão de saber quais são as relações do
direito privado que são submetidas ao direito comercial.
Fomos percebendo as respostas históricas dadas a esta questão.
O direito português é um direito comercial do século XIX, portanto, assenta num
critério objetivista, é direito comercial toda a relação comercial que se reconduz a um
ato de comércio.
De acordo com a técnica objetivista, todas as leis comerciais objetivistas fizeram listas
enumerando os atos de comércio. O direito português não é exceção, não há uma lista
verdadeiramente, mas o código foi transformado numa lista.
Enquanto no início o Código comercial coincidia com toda a lei comercial, ao longo do
século XX surgiram leis que podem ser classificadas como comerciais, mas que não
foram inseridas no código.
O que é lei comercial? É aquela que é análoga ao código, sendo que a analogia se
determina no plano dos interesses. Lei comercial é aquela que tem soluções em linha
com as soluções presentes no código. Olhamos para os regimes no código, para as
soluções, vemos que essas soluções são para acautelar certos interesses.
Concluindo esta ideia: A lei comercial não coincide com o código, há já um conjunto de
leis avulsas que são leis comerciais à luz deste critério.
À luz deste critério material, é possível dizer que temos atos de comércio que se
encontram no próprio direito civil. É o caso da empreitada, esteve para ser deixada de
fora do código civil foi inserida por razões meramente circunstanciais no CC, pode-se
discutir se a empreitada é um contrato civil ou um contrato comercial. Não vamos
entrar nesta questão em pormenor.
Importa agora destacar um outro contrato, que está no CC e na verdade não é um
contrato, já não tem grande relevância prática.
Contrato de Trespasse
É um ato de comércio, mas não existe como contrato.
O Romeiro de Frei Luís de Sousa ao ser questionado “Quem és tu?” respondeu
“Ninguém”
O trespasse é uma designação genérica que abrange vários negócios. O negócio matriz
que abrange esta designação é a compra e venda, mas abrange outros negócios
conforme as circunstâncias.
O trespasse é o negócio que tem por objeto um estabelecimento comercial ou
empresa. O estabelecimento comercial é a empresa enquanto bem que está no
património de um sujeito.
Quando digo comprei o estabelecimento comercial x, também posso dizer adquiri por
trespasse o estabelecimento comercial x.
O trespasse, normalmente, corresponde a negócios definitivos. Nada diz que o
trespasse não pode designar transições temporárias, mas normalmente estas não são
abrangidas pelo trespasse.
O trespasse que está previsto no CC é um grande exagero, porque o trespasse não é
objeto de regulação sistemática no direito português. O código civil regula UM aspeto
do trespasse.
O trespasse é um negócio sobre um estabelecimento comercial, mas coloca um
problema de regime.
O estabelecimento comercial, a dimensão objetiva da empresa, normalmente, exige
um imóvel, esse é um dos elementos que integra o estabelecimento comercial
habitualmente. O sujeito que tem o estabelecimento comercial pode mobilizar o
imóvel a vários tipos: caso em que o estabelecimento comercial é num prédio
arrendado, isto é, arrenda o imóvel e instala nele o restaurante.
Pode acontecer que A tenha um restaurante num imóvel que está a arrendar a B. C
quer comprar o restaurante, mas A não pode vender juntamente com o restaurante o
imóvel, pois não lhe pertence. O que A pode fazer é passar para C a sua posição de
arrendatário, segundo o CC, essa transmissão de posição contratual vai depender do
acordo de B.
Ora, se se aplicasse essa disposição do CC A estava tramado, estava nas mãos de B.
Uma coisa é transmitir o estabelecimento comercial com o máximo valor, todos os
bens que o integram, outra coisa é transmitir o restaurante sem o imóvel em que este
está estabelecido. Nesta segunda opção o preço terá que ser reduzido.
Aqui entra um outro artigo que por acaso está no CC, está porque estamos a falar de
questões relativas a arrendamento, que diz: em caso de trespasse, a transmissão de
posição de arrendatário não depende do consentimento do senhorio.
A lógica disto é facilitar a transmissão do estabelecimento, de forma a rentabilizar ao
máximo o investimento.
Interessa-nos o seguinte: temos o trespasse que está previsto no CC num único aspeto,
o da transmissão de arrendamento, e o regime deste tipo de trespasse é um regime
que se contrapõe ao próprio código civil. Portanto, o artigo 1112º apesar de estar
formalmente no CC, é materialmente um preceito mercantil.
Vamos ver que lista de atos comerciais conseguimos encontrar, que atos de comércio
encontramos no CCom, no CCiv e noutras leis mercantis:
1) No Código Comercial
❖ Contrato de Compra e Venda – É um contrato nuclear, é a cv ligada à atividade
comercial. É a cv direcionada à revenda. O cv quando é olhado na esfera civil é
seccionado, compra para um lado e venda para o outro. Se a compra foi com o
intuito de revender é comercial. Se a venda é posterior a uma compra com o intuito
de revender, é comercial. Pode acontecer o seguinte então: quer a compra quer a
venda é civil, quer a compra quer a venda é comercial, ou uma é civil e outra é
comercial.
Exemplo: eu compro um CC para revender, vendo à juliana que o compra para o
usar. A venda é comercial, a compra é civil.
Num sistema objetivista, a compra e venda celebrada por um não comerciante é
comercial se for celebrada com intenção de revenda.
❖ Aluguer
❖ Contrato de transporte
❖ Contrato de seguro
A pergunta é esta: os atos praticados pela MEO na sua atividade económica são atos de
comércio? Sim, na parte em que compra telemóveis para revender, mas não é esse o
negócio principal. O negócio principal da MEO é venda de serviços de
telecomunicações, são atos de comércio? Sim! Porque a MEO é uma empresa
comercial, ainda que não caiba em nenhum dos números do artigo 230º, a MEO é uma
empresa comercial pois é análoga às empresas comerciais. Como tal, os atos que
pratica são atos de comércio.
Todas estas empresas e todos estes atos são comerciais porque estão previstos pelo
230º.
É preciso que se faça a prova positiva de que estes atos se integram na atividade da
empresa.
A doutrina comercialista, na linha objetivista, vinha dizer: os contratos que não estão
previstos na lei comercial podem ser qualificados como atos de comércio por analogia
com os outros previstos na lei comercial. A esta luz, o contrato de franquia, não
estando previsto na lei, pode ser considerado ato de comércio por ser análogo (no caso
é análogo ao contrato de agência).
O Doutor tem muitas dúvidas sobre estas analogias, não consegue perceber qual é a
analogia entre o franchising e a agência.
Se aplicarmos o 230º como deve ser aplicado, a analogia faz-se entre empresas e não
entre atos, que faz mais sentido e justifica-se esta analogia e a interpretação ampla do
230º.
O problema da analogia entre atos de comércio não se põe, no ver do Doutor, já chega
de analogias.