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Sociedades Comerciais

Apontamentos das aulas teóricas do Professor Doutor Paulo Olavo Cunha, das aulas práticas
da Professora Mestre Elisabete Reis e das Lições do Professor Doutor Paulo Olavo Cunha

2018

Aluno – Pedro da Palma Gonçalves


Pedro da Palma Gonçalves Universidade Católica Portuguesa 2018
Faculdade de Direito

1. Generalidades
• As sociedades comerciais são o sujeito mais importante do Direito Comercial e um dos
atores mais relevantes da vida social e económica contemporânea. Por tudo isso, merecem
uma disciplina dedicada ao seu tratamento autónomo. O regime societário é lógico e
coerente, intuitivo de compreender.
• Contactos do Professor: poc@ucp.lisboa.pt ou poc@vda.pt
• Início das aulas práticas: 26 de março.
• Teste: 26 de abril.
• Manuais de referência:
o Direito das Sociedades Comerciais – Paulo Olavo Cunha (POC);
o Sociedades - Volume II – Coutinho de Abreu;
o Direito das Sociedades – Engrácia Antunes (!);
o Manual de Direito das Sociedades - Menezes Cordeiro;
o CSC Conimbricense (Coutinho de Abreu) – 7 Volumes (principalmente, 1º);
o CSC Anotado – Menezes Cordeiro.

1.1. Introdução; Comércio em sentido económico e comércio em sentido jurídico;


Qualificação mercantil e notas sumárias sobre Direito Comercial
Devemos situar esta disciplina numa mais vasta que ela, onde se insere: Direito Comercial.
O Direito Comercial é um mundo, uma disciplina vastíssima, que não se limita somente às
matérias do seu ramo. O Direito Comercial abarca muitos conceitos e princípios oriundos do
pensamento económico e financeiro. Segundo o Professor, este ramo do Direito poderia, hoje em
dia, designar-se por Direito Comercial e do Mercado.
A palavra comércio tem a sua raiz etimológica na ideia de troca de mercadorias (commutatio
mercium). O Direito Comercial surge por autonomização face ao direito privado comum – o
direito igual para todas as pessoas em geral, o chamado Direito Civil. Entendeu-se que,
relativamente a determinados sujeitos em face de determinados atos ou atividades, deveria haver
um regime específico distinto do regime civil, onde tudo se processaria mais depressa, com menos
necessidades burocráticas do que o Direito Civil (menos requisitos formais de exteriorização da
vontade negocial), onde a ponderação deveria ser muito maior (até porque diz respeito ao cidadão
comum, médio, e não a um potencial profissional, como o Direito Comercial). A grande
fundamentação da cisão do direito privado comum nesta subespécie designada por Direito
Comercial prende-se com a necessidade da tutela do crédito, da posição creditória, por oposição
à clássica e primordial tutela do devedor, da sua pessoa e da sua família (proteção do respetivo
património de cada cônjuge, da base do sustento material de cada pessoa, dentro da
responsabilidade). O mercado depende da tutela da confiança na circulação creditícia, pelo que
as normas civilistas que protegem o devedor devem ser repensadas, refundadas e especializadas.
Vivemos uma evolução tecnológica tão grande, que se cresce 50 anos em 5. O Direito
Comercial surge num contexto social e económico absolutamente diferente do atual. A Revolução
Industrial modificou por completo o Direito Comercial. Compra e venda do mundo civil vs. Do
direito comercial – 892º CC vs. Admissão da compra e venda de bens alheios. Depósito é
presuntivamente oneroso e não gratuito. O que é que se pretende quando se estuda este ramo
autonomamente face ao Direito Civil? Há determinadas situações que justificam a aplicação de
um regime jurídico diferente, que são ontologicamente diferentes.
Nos últimos três séculos, assistimos à transição de uma realidade comercial em sentido
económico para um comércio em sentido jurídico. Explicitemos os nossos termos:

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• Sentido económico - Inicialmente, o comércio assumiu-se como atividade de compra de


bens para revenda, com escopo lucrativo, configurando-se tradicionalmente como uma
atividade de intermediação entre a oferta e a procura, nos planos das compras e vendas
por grosso e a retalho, o que, hoje, se reconduz à distribuição. Este é o conceito económico
de comércio, enquanto atividade de mediação entre a oferta e a procura, entre a produção
e o consumo, com o fim de obter lucro. Esta atividade era exercida profissionalmente,
classicamente, pelo comerciante singular (13º nº1 CCom).
• Sentido jurídico – Hoje em dia, o comércio é a própria atividade objeto do Direito
Comercial, abrangendo consequentemente, para além dos atos qualificados como tais
(atos de comércio, objetivos e subjetivos, nos termos do artigo 2º CCom), as atividades
mercantis a que se refere o artigo 230º CCom, onde se inclui a indústria extrativa,
transformadora e a prestação de serviços fora das profissões liberais.
Demonstra-se, assim, que não há coincidência absoluta entre a realidade económico-social do
comércio e a aceção jurídica do termo enquanto objeto do Direito Mercantil, que extravasa a mera
intermediação na compra e venda de bens.
Segundo Paulo Olavo Cunha, o ato de comércio é, em princípio, um contrato comercial.
Porque é que se fala em ato de comércio no Direito Comercial? Porque podem haver
manifestações de vontade que produzam efeitos jurídicos não queridos, mas que deem lugar a
consequências relevantes e que, por exemplo, um ato ilícito se enquadre nessa circunstância. O
regime mercantil pode ser justificado, para tutela de terceiros, mesmo quando não foi diretamente
desejado pela parte. O Código Comercial, na senda do pensamento objetivista que preside a toda
a sua disciplina (marcadamente vincada no artigo 1º, conceção igualitarista herdada já do Código
Veiga Beirão, por influência da Revolução Francesa na sua lógica anti privilégios de classe), parte
de uma presunção fortíssima de comercialidade de todos os atos dos comerciantes. Um sistema
diametralmente oposto é seguido pelos ordenamentos que colocam a comercialidade dos atos
jurídicos na dependência de um ato formal primordial: o registo comercial ou matrícula.
Que regime jurídico satisfaz a obrigação de indemnização resultante de um acidente de viação
quando se conduz uma viatura com fins comerciais? O regime civil ou o regime comercial? O
regime mercantil facilita a aplicação deste segundo, que confere um acrescido leque de tutela ao
credor dessa indemnização (quer direta – por exemplo, ao civil atropelado -, quer indireta – aos
destinatário da encomenda que o veículo carregava). Foi-se esbatendo a distinção entre os atos só
de alguns e os atos da generalidade, desde o seculo XIX até aos dias de hoje. O início, como
sabemos, foi o Direito Civil a conceber o Direito Comercial, decalcando-se do primeiro, com as
devidas explicitações, o regime do segundo. Hoje, assistimos ao fenómeno inverso ou, pelo
menos, a uma lógica de interpenetração. Hodiernamente, todas as pessoas celebram atos de
comércio – por exemplo, em contratos de telecomunicações. O Direito Comercial no seculo XXI
alarga-se, é um Direito Comercial alargado a sujeitos de mercado cada vez mais relevantes: os
consumidores, enquanto destinatários, enquanto agentes, etc. Os consumidores estão para o
mercado como os alunos estão para a faculdade. Só há mercado enquanto houver pessoas para
comprar. Prova dessa interpenetração, é a constatação de que muitos instrumentos originários no
Direito Comercial adquirem, hoje, relevância económica genérica (ex. títulos de crédito).
O Direito Comercial é uma disciplina de natureza jurídica, enquanto o Direito das Sociedades
Comerciais é uma disciplina de regime jurídico. O Direito das Sociedades Comerciais implica a
natureza jurídico-comercial enquanto sujeitos de Direito Comercial, pois a sua capacidade
específica de exercício enquanto pessoa coletiva implica a prática de atos comerciais. O Direito
Comercial é o conjunto de regras que regulam as atividades jurídico-mercantis, pois extravasa os
comerciantes (avô do Professor). Segundo Paulo Olavo Cunha, o Direito Comercial tem,
atualmente, cinco setores essenciais:

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• Sujeitos do Direito Comercial;


• Contratos Comerciais;
• Títulos de crédito e valores mobiliários essencialmente padronizados (ações,
obrigações e outros instrumentos financeiros) transacionáveis no mercado
organizado;
• Atos e operações de mercado, neles englobando a tutela da concorrência e dos
direitos privativos de propriedade industrial, bem como os organismos de
investimento coletivo (fundos de investimento);
• Outros ramos possíveis:
o Direito Marítimo;
o Direito Bancário;
o Sistemas de Pagamentos;
o Direito dos Seguros.
Em 1888 – quando o atual CCom entrou em vigor -, quase toda a atividade era centrada na
pessoa singular. O Direito Comercial não conhecia tantas pessoas coletivas organizadas para o
comércio. Até 1950-1970, não havia sociedades que detivessem participações de outras
sociedades… Só aí surge a primeira regulação. O CCom de 1888 centra-se na pessoa singular. Se
falarmos só de sociedades comerciais, o artigo 2º não serve para nada, pois temos sempre o 13º
nº2 – todos os atos das Sociedades Comerciais são atos de comércio. O artigo 2º só serve para as
pessoas singulares, nada mais.
O artigo 2º diz-nos: “São comerciais todos os atos que se encontrarem especialmente
regulados neste Código” – o Código regula com regime diferente do civil determinado tipo de
atos que o Código considera como comerciais: os objetivos absolutos – compra e venda, troca ou
escambo e aluguer (nomeadamente, para utilização de um bem com fins lucrativos). Sublinhe-se
que o arrendamento comercial não é regulado no CCom pois à data não se concebia tal negócio.
Na altura, os potenciais comerciantes singulares ou tinham habitação própria, ou viviam em
regime de comodato, como os trabalhadores de certas fábricas.
O CCom trata muitos atos de comércio por referência indireta ou direta à prática de atos
absolutos de comércio – ex. mandato só é comercial se se destinar à prática de atos de comércio
absolutos (ex. pessoa que está na loja a vender camisola). A segunda parte do artigo 2º fala na
comercialidade de todos os atos dos comerciantes que não forem de natureza civil se o contrário
do ato não resultar. Este regime parte, novamente, do pressuposto que a maior parte dos atos do
comerciante são atos de comércio. Por princípio, os atos do comerciante são comerciais, exceto
se forem de uma espécie cujo género é insuscetível de gerar lucro (ex. perfilhação, adoção,
casamento) ou cuja natureza pode ser comercial mas a estrutura mercantil é afastada (ex. doações
simples). Devemos excecionar os atos de mecenato ou patrocínio, pois espera-se obter um ganho
com essa aposta económica. O que é que significa “se o contrário não resultar do ato”? Quando
no momento da prática do ato não se demonstrar que ele é alheio à atividade do comerciante, ele
deverá ser comercial. Mais uma vez, ele parte do pressuposto que todos os atos do comerciante
têm que ver com a atividade comercial – exceto se ele disse que “é para oferecer à filha por
ocasião do casamento dela”, ou afim. Isto não significa que o contrário não possa suceder: querer
que seja qualificado como mercantil e deixar claro que se age em nome da atividade comercial.
É verdade que em Portugal existem mais comerciantes singulares, mas todo o peso económico
está nas sociedades comerciais – já na lógica de 1888, o CCom alargava a tutela ao comércio em
sentido jurídico à atividade empresarial (concatenação de atos). Todos os atos das sociedades são
atos de comércio. Quase todas as atividades não eminentemente pessoais são ordenadas por regras
que extravasam em muito o regime civil, tornando-o marginal face ao Direito Comercial. O
Direito Comercial está em constante expansão, perante a retração do Direito Civil.

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1.2. Sociedades comerciais especiais


De entre as diversas sociedades comerciais, assumem particular relevo, em razão do respetivo
objeto e do enquadramento legal e regime de autorização (de natureza administrativa) a que estão
sujeitas, as seguintes instituições:

• Instituições de crédito (Bancos, CGD, CCCAM, Caixas económicas, etc.);


• Sociedades financeiras (sociedades financeiras de crédito, de investimento, de factoring,
de locação financeiras, Organismos de investimento coletivos, fundos de investimento,
agências de câmbios, etc.);
• Empresas de investimento (sociedades corretoras e financeiras de corretagem, gestores
de patrimónios, mediadores do mercado monetário, sociedades de consulta para
investimento em instrumentos financeiros, etc.);
• Companhias seguradoras e sociedades mediadoras de seguros;
• Operadoras de telecomunicações;
• Sociedades de capital de risco;
• Sociedades anónimas desportivas (SAD);
• Sociedades gestoras de empresas (SGE);
• Sociedades Unipessoais da Zona Franca da Madeira;
• Sociedades Gestoras de Participações Sociais (SGPS).

1.3. Fontes de formação e de revelação de normas jurídico-societárias; Aprovação e


entrada em vigor do CSC (Código das Sociedades Comerciais); Sistematização;
Principais vetores do CSC em face do Direito anterior; Revogação da legislação
anterior; Aplicação no tempo (em especial, o art. 4º do DL nº262/86, de 2 de
setembro); A reforma de 2006
O Direito das Sociedades Comerciais, como qualquer ramo do Direito, apresenta-nos fontes
variadas de revelação e formação das suas normas jurídicas. Procuraremos, de seguida, explicitar
essas mesmas fontes e as principais questões que cada fonte levanta:

• Costume – entendido enquanto prática social reiterada com convicção de juridicidade, o


costume é, segundo o Professor, uma fonte primária de formação ou criação de normas
societárias. Contudo, hoje em dia, o costume denota pouco relevo em Portugal, o que se
prende por duas ordens de razão: por força do princípio da tipicidade das sociedades
comerciais, que só nas matérias dispositivas dentro de cada tipo legal permite o relevo da
autonomia privada (exceto se se conceber a admissibilidade do costume contra legem); e
pelo facto de a grande maioria das práticas sociais reiteradas que se formam acabarem
por, prontamente, se diluir na lei positiva, perdendo o relevo autónomo original.
• Lei – em especial, o CSC – As sociedades comerciais constituem um direito de regime
(por oposição ao direito comercial, um direito de qualificação) desde 2 de setembro de
1986 (aprovação do novo CSC), passando pela vasta revisão de 2006 e todas as pequenas
revisões pontuais. Este diploma teve uma vacatio legis muito curta, para 1 de novembro
de 1986, sendo que, pelo menos deveria ter sido a 1 de janeiro de 1987, o que criou muitas
dificuldades, pois ninguém conhece o Código e o seu regime em 2 meses (nem em 2 anos,
quanto mais – parece que o processo foi apressado por força da adesão de Portugal à CEE,
mas o argumento não se compreende se atendermos que a reforma societária que à data
também se fazia em Espanha observou uma vacatio muito superior). O CSC teve muitas
alterações, a primeira delas logo em abril de 1987. O CSC é sistematizado de modo afim

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ao Livro II do CC, em 2 grandes títulos: obrigações em geral e obrigações ou contratos


em especial. Assim, o CSC desdobra-se numa Parte Geral e em várias Partes Especiais,
que correspondem aos tipos societários, que são quatro, segundo o princípio da tipicidade
– o que nos leva ao problema do ovo e da galinha.
o O princípio da tipicidade consta do artigo 1º do CSC, nomeadamente no seu nº2.
Isto não é de estranhar, pois se aplica a todas as pessoas coletivas. Interessa-nos
um mundo povoado por entes distintos das pessoas singulares com uma posição
muito relevante, pois também lhes é reconhecida a personificação
(suscetibilidade de ser sujeito de direitos e estar adstrito a obrigações). Que
entidades são centros autónomos de imputação de efeitos jurídicos, com
autonomia de movimentação na ordem jurídica? Na base estão as pessoas
coletivas, participadas, originalmente só por pessoas singulares, sendo que só há
50 anos puderam ser participadas por outras pessoas coletivas. O CC distingue
entre PC com fins egoístas (fins pessoais dos membros) e com fins altruístas –
sociedades vs. associações e fundações. Só podem ser pessoas coletivas quando
a ordem jurídica as reconhece como tal. É a ordem que permite, pois não
constituem realidades ontológicas, como a personalidade humana. Não podemos
inventar pessoas coletivas distintas das criadas pela lei – no máximo, quando se
cria uma “nova” pessoa coletiva, a lei remete o regime para uma já existente. A
pessoa coletiva também é chamada de pessoa moral por outros ordenamentos,
pela mesma razão supra referida – o facto de ser uma criação do espírito humano
do legislador e não uma realidade natural. Certas modalidades de pessoas
coletivas têm-se revelado, ao longo da história, particularmente problemáticas:
falamos das fundações e de outro problema bem nacional – permitir que as
sociedades sejam detidas por um só sujeito através das sociedades unipessoais
(pluralidade de… uma pessoa só?). Reconheçamos que a realidade parece
extremamente contraditória – contudo, a lei diz-nos que o regime da sociedade
comercial é tão desenvolvido que permite inclusive que uma pessoa singular
prossiga uma atividade económica relevante sob esta forma. O artigo 1º nº2
enuncia os tipos societários, e o nº3 estabelece o princípio da tipicidade
(patente na expressão “devem”). São eles quatro:
▪ Sociedade em nome coletivo;
▪ Sociedade em comandita;
▪ Sociedade por quotas;
▪ Sociedade anónima.
o (Cont.) São estes os quatro regimes especiais do CSC que nos ocuparão grande
parte das Lições. Sublinhe-se que todas as regras da parte especial devem ser
complementadas pela parte geral.
• Lei (Cont) - O Código esgota-se no Título VI, após exposta a Parte Geral e as quatro
Partes Especiais? Não. Há ainda um Título sobre Sociedades Coligadas (em situação de
participação mútua em sociedades distintas), um Título sobre Disposições Penais e
Contraordenacionais (direito penal e administrativo no âmbito da atividade comercial) e
um Título Final com Disposições Finais e Transitórias. Os vetores inovadores que
enformam o CSC de 1986 (que é olhado pelo Professor e pela maioria da doutrina com
uma forte aprovação global) face ao regime anterior são os seguintes:
o Pessoalização crescente das sociedades por quotas;
o Vinculação da sociedade a todos os atos subscritos pelos seus administradores ou
gestores atuando nessa qualidade desde que atinentes ao objeto social e este seja
conhecido de terceiros, mesmo que os administradores ou gestores atuem sem
poderes para o ato em concreto.

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• Lei (Cont.) - Sabemos que do contrato de sociedade resultam disposições que regularão
toda a atividade futura da sociedade comercial. Todavia, nunca um contrato social é
exaustivo na sua regulamentação, operando comummente por remissão para as regras
legais pertinentes. Isto pode levantar sérios problemas que cumpre, sucintamente, referir:
o A revogação da legislação societária coloca graves problemas de aplicação da lei
no tempo. Todas as sociedades nascem num dado momento histórico. Uma
sociedade criada (1950) regia-se, obviamente, pelas regras de então, enquadradas
na autonomia privada relativa aos efeitos jurídicos permitidos. Regras antigas
moldavam essa vontade constitutiva. Que sucede quando um contrato de
sociedade remete para uma regra existente (explicitamente, por remissão
expressa, ou implicitamente, por simples não regulação particular especial),
e essa regra foi revogada ou regulada especialmente posteriormente? Isto é
especialmente sensível quando as regras supletivas legais mudam imenso de um
regime para outro (ex. 1983 vs. 1989). O nosso CSC não foi feliz na regulação
deste problema. Nas normas do diploma que aprovou o CSC, fez-se uma
revogação sistemática, revogando as soluções antigas e todas as que
contrariassem as novas, dispondo o artigo 4º do DL 262/86 (diploma que aprovou
o CSC) que os casos omissos eram resolvidos, no plano dispositivo, pela nova
lei. Nos contratos sociais antigos isto foi um problema grave, pela divergência
quanto às normas supletivas aplicáveis. Como tratar quanto à aplicação da lei no
tempo os efeitos futuros (pós-1 de novembro de 1986) de um facto passado
(constituição da sociedade previamente)? Como aplicar o CSC às sociedades
constituídas regularmente no passado, quando não se previa a alteração de
regime? Passará a solução pelo artigo 12º CC? Sim e não, pois estas regras
jurídicas de força e tradição praticamente supraconstitucional, devem ser sempre
articuladas com o último Título do CSC que estabelece regras especiais que
derrogam esse regime geral em vários pontos. Originariamente, o CSC tinha 545º
artigos, mas hoje subsistem dúvidas quanto à força vinculativa o caducidade de
muitos regimes e regras, como o 544º (parte especial).
• Lei (Cont.) - Mas há outras sociedades que estão sujeitas a leis especiais, função do
respetivo objeto. No plano social, a sua atividade pode ser de tal maneira relevante, que
a sociedade fica sujeita a um conjunto normativo mais rigoroso e mais desenvolvido que
as normas gerais do CSC. Falamos nisso, por exemplo, quando têm um especial impacto
na economia, como as sociedades financeiras, seguros, bancos, etc. Objetos banais não
são regulados em lei especial, mas quanto maior a complexidade, maior a probabilidade
de sujeitar a normas especiais. Para lá do CSC, que outros diplomas relevam?
o CVM (Códigos dos Valores Mobiliários) – com relevância para objeto de
direitos (VM) e não pelo sujeito (SC), com incidência sobre a Sociedade
Anónima Aberta (13º-29ºA). O CSC regula as ações como espécie de VM,
enquanto participações em sociedades anónimas (39º-107º CVM); este diploma
regula ainda vicissitudes dos VM, quanto ao modo de emissão e de transmissão
– ofertas públicas (108º a 197º CVM). Se se suscitar uma oferta pública de
sociedade aberta, ela é regulada pelo CVM. A 1 de março entrou em vigor o
CVM e foi objeto de inúmeras alterações.
o CRCom (Código Registo Comercial) – visa dar publicidade a atos relevantes que
devem ser objeto de atos públicos; que operações revem ser inscritas para dar a
conhecer ao público em geral? Este CRC responde a esta questão.
o CC (Código Civil) – 980º e ss., quanto à regulação do contrato de sociedade civil,
pois o CSC remete, por vezes, para essas disposições legais.

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o CPC (Código do Processo Civil) – diploma que efetiva o direito de ação judicial
para tutela de direitos e posições jurídicas; nomeadamente os artigos 380º a 382º
e 1048º a 1071º.
o CIRE (Código da Insolvência e Recuperação de Empresas) – importa a empresas
e pessoas singulares, mas é relevante para as sociedades comerciais em especial.
o Regime jurídico da SAE;
o Lei da Concorrência;
o DL 160/87 de 3 de abril (emissão de obrigações no âmbito das SPQ);
o RNPC (nomeadamente, quanto à firma e denominações);
o Regime jurídico das SGPS;
o DL 111/2005 (Constituição imediata de sociedades)
o DL 125/2006 (Constituição on-line)
o DL 129/98 (Registo Nacional de Pessoas Coletivas)
o Outros diplomas avulsos que permitam efetivar certar regras quanto a outros tipos
sociais – como o diploma que permite às sociedades por quotas emitir obrigações.
• Jurisprudência – não se reconhece, no nosso ordenamento, qualquer vinculatividade de
precedente à jurisprudência, como nos regimes anglo-saxónicos, mas isso não significa
que não estejamos perante um modo de revelação de normas jurídicas (não de formação
ou criação). Os tribunais servem o importante desígnio de clarificar o conteúdo de normas
pouco claras ou precisas. A jurisprudência dá-nos o modo como as decisões sem
suscetibilidade de recurso entendem em cada momento o ordenamento jurídico. Os
cultores do Direito não são tanto os alunos ou os Professores, mas os que decidem, os
juízes dos tribunais superiores;
• Doutrina – a doutrina é constituída pela opinião dos jurisconsultos, construída com base
em tudo o que cada um dos juristas cria em estudos seus. A doutrina societária antes do
CSC era bastante incipiente e as fontes eram muito escassas – muito pouca gente escrevia
a matéria, primeiro Professor Pinto Coelho (desde 1911 Lisboa) e o Professor Ferrer
Correia (Coimbra), Vasco da Gama Lobo Xavier, Fernando Olavo (títulos de crédito e
comercial) e Raúl Ventura, curiosamente, professor de história do Direito e pai do CSC,
maior comercialista societário de sempre em Portugal; Paulo Sendin, Paulo Olavo Cunha,
Engrácia Antunes, Fátima Ribeiro, Armando Triunfante, Daniela Batista, Fátima Gomes,
na FDL os comercialistas têm base civilista, como Menezes Cordeiro e Pais de
Vasconcelos, Ana Perestrelo de Oliveiro, na Nova Rui Pinto Duarte, Caetano Nunes,
Coimbra, Coutinho de Abreu, Cassiano Santos, Pedro Maia, etc. Novamente, estamos
perante uma fonte de mera revelação de normas, não de criação.
O CSC foi objeto de muitas revisões - todas descritas no Manual do Professor - mas que
faremos, agora, algumas referências:

• Reforma societária de 2006:


o Simplificação e desformalização dos atos societários (“Simplex”):
▪ Crescente desnecessidade de escritura pública;
▪ Simplificação das formalidades de cisão e fusão de sociedades
(aprofundada nos anos seguintes por novas revisões);
o Atualização e flexibilização dos modelos de governação societária;
o Novo regime de dissolução e liquidação de sociedades comerciais;
o Novos conceitos fundamentais de Direito das Sociedades Comerciais:
▪ “Grande Sociedade Anónima”, cujos critérios de enquadramento se
foram, progressivamente, mitigando (413º nº2 a)):
• Balanço total de 20 milhões de euros (não 100 milhões, como
até 2015);

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• Vendas líquidas e outros proveitos totais de 40 milhões (não 150


milhões, como até 2015);
• Média de 250 trabalhadores durante o exercício (não 150, como
até 2015 – único ponto onde o regime se inverteu).
▪ “Membro independente de órgão social”.
o Reposicionamento e alargamento do conceito de interesse social (artigo 64º
CSC), que se divide em duas realidades distintas:
▪ Interesse da sociedade (autónomo, único e unívoco):
▪ Todos os interesses dos stakeholders (potencialmente diferentes e
divergentes), o que torna o interesse das pessoas que a constituem, como
os sócios, somente um dos muitos interesses socialmente relevantes,
considerando todas as “partes interessadas”.
• Extinção das ações ao portador – hoje, todas as ações têm de ser (salvo quando não
tenha havido conversão) nominativas – ao portador constituem-se pela assinatura e
entrega, os nominativos implicam um registo particular de pertença que, neste caso, é
feito pela própria sociedade. Se isto não for respeitado, pode não render dividendos, nem
circular por endosso. O legislador tem interesse que as entidades externas de supervisão
controle a titularidade das ações;
• Desnecessidade de autorização ou supervisionamento judicial para reduções de
capital, na senda de criação do IES (Informação Empresarial Simplificada);
• Intangibilidade do capital social e governação societária (novo conceito do “justo
valor” ou “fair value” no âmbito do NSNC (Novo Sistema de Normalização
Contabilística);
• Liberalização do capital das sociedades por quotas;
• Dispensa automática de caução pelos administradores não executivos não
remunerados;
• Novo regime de ações preferenciais sem direito de voto e das obrigações;
• Novo regime em matéria de demonstração de resultados.

1.4. Conceito de sociedade comercial (SC)


É indiscutível que a sociedade comercial, independentemente da sua definição, é
comerciante pelo simples facto de existir como tal (13º nº2 CCom). A sociedade comercial é,
portanto, sujeito de Direito Comercial. Mas o que é uma sociedade comercial? A sociedade
comercial é uma entidade que intervém no mercado prosseguindo uma atividade económica
pela prática ou celebração de atos/contratos comerciais (ato de comércio=contrato
comercial) com o fim de obter um ganho (resultado superior ao custo dos fatores produtivos
empreendidos nessa atividade). Mas a sociedade só é comercial se a empresa que constituir o
seu substrato, do qual é forma jurídica, seja comercial. A empresa comercial é o substrato
necessário da sociedade comercial.
Convém explicitar o que entendemos juridicamente por empresa. A empresa é uma
organização dinâmica, que não se diferencia do empresário seu titular nem do estabelecimento
do qual faz parte integrante. Segundo Paulo Olavo Cunha, a noção jurídica de empresa comporta
dois fatores essenciais:

• Fator pessoal - no qual, para além do trabalho de uma comunidade de pessoas que na
direção e na produção asseguram o seu funcionamento, releva a própria conceção do
empresário na sua estruturação, ou seja, na organização dos diferentes fatores produtivos
de modo a integrá-los numa mesma finalidade funcional;

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• Fator patrimonial - constituído por todos os bens e elementos com valor económico
unificados pela função unitária a que estão adstritos.
Compreendemos, assim, que a sociedade comercial é a forma jurídica da empresa
comercial – organização de fatores produtivos destinada ao mercado para distribuição de
produtos, seja mercado primário ou secundário (produtiva ou retalhista). Esta noção
apriorística funda-se no regime basilar do artigo 230º CCom, que somente exige que a empresa
se “proponha” à realização de atos de comércio, antecipando, assim, a qualificação de todos os
atos jurídico-mercantis, O regime fundamental desse artigo garante, desse forma e
simultaneamente, uma dupla qualificação: da empresa, como empresa comercial, e dos seus atos,
como atos de comércio.
A empresa comercial prossegue uma atividade comercial e o 230º CCom visa alargar
este escopo - o escopo dos atos de comércio da empresa. Repita-se que o artigo 2º nada interessa
para a matéria relativa às sociedades comerciais. Assim, cada potencial comerciante deve
encontrar a forma jurídica adequada à atividade económico-lucrativa que quer prosseguir, por
forma a promover o ganho. A sociedade comercial implica um objeto que potencie o lucro ou,
pelo menos, que o permita. É verdade que existem autores que dispensam o lucro como
característica da sociedade (Evaristo Mendes) – e, de facto, pode-se ser sociedade só para criar
outra, mas deve-se, pelo menos, potenciar o lucro, ainda que não o crie direta e necessariamente.
O lucro está sempre presente.
Toda a atividade “socialmente” comercial pode ser tratada por sociedades comerciais e
ser, como tal, juridicamente comercial? Não. Nem tudo. Por exemplo, as atividades agrícolas
têm um objeto que impede a sua qualificação subjetiva - o que nos é dito, desde logo, pelos
parágrafos excludentes do 230º CCom. Estes parágrafos desempenham a função fundamental de
nos esclarecer que a empresa comercial se funda, essencialmente, no chamado risco de capital,
assumido pelo empresário. Isto prende-se pelo facto dos parágrafos negativos do 230º excluírem
do seu rol uma série de atividade que não se caracterizam pelo risco de capital, mas por riscos
diversos, tais como o risco do fator trabalho ou do fator terra/clima.
Contudo, existem muitas entidades que se designam como tal e parecem verdadeiras
sociedades comerciais (ex. “sociedade agrícola do vinho casalinho”). Uma sociedade que
explora uma atividade vitivinícola, produz vinho e o comercializa é uma empresa acessória
ou essencial? É uma empresa acessória à empresa agrícola, pois é esta que suporta o risco da
terra, da colheita. Contudo, nem uma nem outra são empresas comerciais por culpa da referida
ausência do risco de capital. As entidades agrícolas não são sociedades comerciais, mas
sociedades civis sob forma comercial, cuja consequência de regime resulta do artigo 1º nº4
– aplicação do CSC em tudo o permitido pela teleologia, a partir do artigo 980º CC.
Apesar da importância do regime do 230º e da fundamentalidade dogmática das suas normas
excludentes, a realidade demonstra-nos que, cada vez mais, a forma qualifica a substância. A
relevância dos fatores distintivos acima enumerados tem vindo a perder importância, e
verificando-se o predomínio da forma sobre a substância estamos perante uma modulação
radical de toda a estrutura económica – se eu constituir a empresa como sociedade
comercial, posso fazê-lo por si só, independentemente da verificação se estou perante uma
pequena empresa ou grande empresa ou se o fator clima é mais determinante do que o fator
capital. Assim, a realidade económica demonstra-nos que existem diversas empresas que
encaixariam nas alíneas excludentes do 230º mas que funcionam plenamente e reconhecidamente
sob a forma de sociedade comercial, extraindo todas as consequências de tal qualificação.
O artigo 980º avança um conceito de sociedade comercial, mas o Professor menoriza a
sua relevância. O mesmo faz o artigo 1º nº2 CSC, como as sociedades que tenham a prática de

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atos comércio como objeto (contratos comerciais, potencialmente lucrativos, ainda que em
concreto possam não ser, se os custos ultrapassarem o retorno) e uma forma societária concreta.
Assim, deve ser proposto um outro conceito, segundo Paulo Olavo Cunha: A sociedade será
comercial quando se proponha à realização de atos de comércio (celebração de contratos
comerciais) ou de uma atividade económica empresarial nos termos do artigo 230º, com fins
lucrativos. O conceito de sociedade comercial engloba, assim, quatro elementos:

• Aplicação da norma qualificadora autónoma do artigo 230º, da qual se retiram as


características de organização da qualificação do sujeito de Direito Comercial
(substrato) – 13º nº2, onde a sociedade torna-se sujeito comercial quando constituída
pela inscrição no registo. Sublinhe-se que a personalidade jurídica é atribuída à
sociedade comercial e não à empresa comercial que àquela pertence;
• Exercício de uma atividade comercial, nos termos do critério presente nessa regra;
• Prática de atos de comércio ou contratos comerciais (1º nº2 CSC);
• Caráter lucrativo da atividade ou dos atos (980º CC e noção de comércio).
Classicamente, a sociedade comercial era entendida como o ente personificado participado,
em regra, por duas ou mais pessoas que exercem uma atividade económica lucrativa, que se
consubstancia na prática de atos de comércio (1º nº2 CSC e considere-se o contributo do 980º
CC). Esta visão encontra-se ultrapassada pois, cada vez mais, a sociedade unipessoal generaliza-
se, o que indica que pode ser participada por uma ou mais pessoas, congregando o conjunto de
fatores produtivos para um determinado mercado com um risco de capital que lhe é associado que
potencie o ganho para os seus titulares ou participantes. Assim, conceberemos como conceito
final atual de sociedade comercial, o seguinte: ente jurídico que, tendo um substrato
essencialmente patrimonial e sendo composto por uma ou mais pessoas jurídicas, exerce
com caráter de estabilidade uma atividade económica lucrativa que se traduz na prática de
atos de comércio (máxime contratos comerciais).
Nota: Abordemos, sucintamente, o problema do interesse social – acima já aflorado. É essencial
que se identifique se o conceito de interesse social ou societário deve ser próprio e característico
da atuação da sociedade, ou não, por comparação com o interesse das pessoas que a compõem.
Distinguir-se-á o interesse social do interesse das pessoas que a constituem? Sim! O interesse
das pessoas é o de obter uma remuneração do valor investido na sociedade (mais-valia com o
investimento). Esta visão é, hoje, redutora. O interesse social é muito mais do que o interesse
das pessoas singulares, como os acionistas, há outras realidades que se autonomizam e que
contribuem para a formação do interesse social, como os stakeholders (partes interessadas)
das grandes sociedades, quem integra a estrutura empresarial da sociedade (ex.
trabalhadores, fornecedores, credores sociais, clientes e consumidores, em razão dos quais
a sociedade, em primeira mão, existe, e todos os que podem vir a ser afetados pelo
funcionamento deficiente da sociedade mesmo que não tenham uma relação direta com ela,
como os lesados por danos ambientais ou de saúde) – por todos estes, a sociedade por ser
chamada a indemnizar, em casos de responsabilidade. Com isto se demonstra que muitas
entidades que gravitam em torno da sociedade infirmam os seus interesses sociais egoístas de
muitas formas. Podem tais interesses adquirir relevância? Podem, mas há que procurar a
conciliação de todos (64º CSC).

1.5. Tipicidade das sociedades comerciais; Génese dos tipos societários


Já sabemos que este princípio deriva do artigo 1º nº2 e nº3, e que a palavra-chave é o
“devem”. A tipicidade das sociedades comerciais é uma decorrência da tipicidade das pessoas
coletivas, o que foge ao que estamos mais habituados a tratar – as pessoas singulares, físicas.

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Todas as sociedades comerciais têm em comum o facto de terem de ter um reconhecimento


normativo prévio para poderem circular no comércio jurídico. Mas a tipicidade não significa que
a autonomia privada perca todo o seu relevo. Continua a ser muito importante, quer na pura
autonomia privada, quer na liberdade de celebração do contrato social (entrar ou não), na
liberdade de seleção do tipo negocial (1 dos 4), quer na liberdade de
conformação/estipulação (do conteúdo do contrato de sociedade) – Almeida Costa. A lei é
particularmente rigorosa com a identificação imediata pela aparência, através dos órgãos da
entidade pela pessoa que a enfrenta. A designação dos órgãos deve dar essa pista. O sistema é
rígido ao não permitir que um tipo societário adote um órgão típico de outro tipo de sociedade.
A liberdade de conformação das regras que hão-de reger a sociedade a constituir continua
extremamente ampla – o empresário pode inovar e decidir muita coisa importante.
Como é que chegámos a este sistema? Como é que se criaram estes tipos, de onde é que
surgiram? Para compreendermos isto precisamos de conhecer cada tipo, na sua evolução histórica
e dinâmica sistémica atual. Para o fazermos, não podemos pensar com a cabeça do século XXI,
onde tudo se processa e evolui a um ritmo louco, mas pensar um mundo desconexo, simples.

1.5.1. Sociedade em nome coletivo


Surge como uma sociedade simples, constituindo a primeira forma societária regulada na
nossa lei comercial, logo em 1883 no Código Comercial de Ferreira Borges. Corresponde,
essencialmente, à lógica de que a união faz a força. Chegou-se à conclusão de que se duas ou mais
pessoas que se dedicavam à mesma atividade económica dedicassem esforços conjuntos com
patrimónios eventualmente autónomos, conseguiriam um resultado agregado superior à soma
singela das atividade individualmente consideradas. “Nome coletivo” pois as sociedades atuavam
sob uma firma, que englobava os nomes dos comerciantes que a compunham, que davam crédito,
ou seja, credibilidade social à sociedade. Os sócios desta sociedade têm uma responsabilidade
ilimitada, pois tudo se passa como se fossem um só. Isto despoletou uma discussão secular: essas
entidades seriam verdadeiras pessoas jurídicas? Sim, o CSC reconhece que são como tal, ao
contrário do que se passa na Alemanha, onde ainda são reconhecidas como meros patrimónios
autónomos despersonificados. Hoje em dia, são muito raras, pois a sua forma jurídica incipiente
deixou de estar apta a satisfazer as necessidades atuais do mercado, nomeadamente no que toca à
responsabilidade ilimitada dos seus sócios.

1.5.2. Sociedades em comandita


Resultaram do contrato de comenda medieval – remontando ao século X, este contrato
regulava a atividade pela qual duas ou mais pessoas que dispunham de meios financeiros se
associavam à atividade exercida por outra, que dava a cara do negócio, encabeçando-o. Também
está na base da atual associação em participação e dos seguros marítimos -, com grande aplicação
mercantil, que provém do facto de terem existido negócios em que surgia alguém que assumia
publicamente os efeitos desses mesmo negócios e a ele se deseja vincular, enquanto na sombra
aparecia um financiador que não queria ser conhecido (pois os juros e lucros – uma fonte de
remuneração certa e incerta, respetivamente, – eram reprovados socialmente por motivos
religiosos, já que o catolicismo condenava as formas de lucro mercantil, podendo, o herege, ser
condenado à excomunhão). Sucedeu que o contrato de comenda originou a sociedade em
comandita, coligando o sócio comanditado e os sócios capitalistas ou comanditários, que
disponibilizavam o capital. Se tudo corresse mal, o sócio da frente perdia tudo e o comanditário
perdia o que tinha investido. Este modelo floresceu na época dos descobrimentos portugueses. Os

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capitalistas financiavam as naus e os navios e contratavam as tripulações. Se tudo corresse bem,


lucravam imenso com o retorno das mercadorias, se tudo corresse mal, perdiam o investimento
mas nada mais ocorria, porque o comanditado raramente voltava vivo. Contudo, começou-se a
perceber que as sociedades em comandita precisavam ainda de mais meios e ainda mais capital
para mandar galeões, para aumentar a probabilidade de regressar. Criaram-se as Companhias das
Índias Orientais, sociedades de maior dimensão, onde, com o fator agregado do fim da censura
ao lucro, nasceu um novo tipo societário – a sociedade anónima.

1.5.3. Sociedades anónimas


As Sociedades Anónimas tiveram o seu embrião nas grandes companhias coloniais,
designadamente a Companhia das Índias Orientais, que surgiram no século XVII, num período
de controlo central administrativo. A sua evolução subsequente passou pela Carta de Lei de 1867,
onde o tipo adquiriu uma postura semelhante à atual, ainda que sujeita a autorização
administrativa, pelo CCom de 1888, que impunha pesados requisitos de um nº mínimo de sócios
e de titulares de órgãos sociais. Neste tipo societário, qualquer pessoa pode entrar no negócio e
na sociedade para ser remunerado de forma periódica, obtendo o ganho entre o custo de
investimento e a alienação da participação social. O capital destas sociedades era representado
por títulos ao portador e/ou nominativos, sendo que os primeiros transmitiam-se muito mais
facilmente, por simples tradição material, enquanto o segundo implica endosso e assinatura. Se
sempre fossem ao portador, todos os participantes seriam anónimos, exceto a sociedade. Outros
ordenamentos chamam a este regime sociedade por ações, nós chamamos assim pois foi a
primeira no nosso país a dispensar qualquer nome dos titulares. A responsabilidade da sociedade
é particular a capitalista relativamente aos títulos que detenham. Nasceu a primeira sociedade de
responsabilidade limitada, que representa uma expansão da responsabilidade limitada dos sócios
comanditários. Este modelo societário revela-se, sem dúvida, bastante atraente, mas sempre
denotou um entrave: necessitar de um grande nº de sócios para garantir as funções necessárias
(por exemplo, em 1888 era de 10 sócios).

1.5.4. Sociedades por quotas


Constituídas em último lugar autonómico, as sociedades por quotas surgiram em Portugal
pela Lei de 11 de abril de 1901 (lei avulsa face ao CCom, onde permaneceu até ao CSC), que se
inspirou no modelo alemão de 1892. As sociedades por quotas são sociedades de responsabilidade
limitada, caracterizadas por um capital mínimo e os seus sócios não eram obrigados a responder
por mais do que o capital disponibilizado para a sociedade. Se algo corresse mal, os prejuízos
eram satisfeitos pelo capital disponível e nada mais. Podiam existir com dois ou mais sócios. Isto
servia também para os comerciantes poderem cometer fraude à lei e um comerciante poder estar
sozinho e responder limitadamente pelos problemas. Sempre que alguém age, assim, em abuso
de Direito, entende-se algo muito curioso: que é possível desconsiderar a pessoa coletiva e visar
a pessoa que se escondeu por detrás da personificação mentirosa, responsabilizando-a
individualmente. Ao longo do século XX, estas sociedades tornar-se-iam dominantes no tecido
produtivo nacional, sendo gradualmente utilizadas como tipo de quase todas as sociedades
comerciais e pequenas ou médias empresas do país.

1.5.5. Sumário
De entre todas estas, qual o modelo de referência? O regime paradigmático será o regime
das sociedades anónimas, sendo que muitas respondem aos problemas por remissões para o seu

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regime. Por outro lado, também se remete imenso para o regime muito desenvolvido das
sociedades por quotas. São estas duas as mais importantes sociedades do nosso ordenamento
jurídico-societário.

2. Sociedades em nome coletivo – Características essenciais de regime


Têm o seu regime legal regulado nos artigos 175º e ss. CSC. As pessoas que compõem esta
sociedade são todas gerentes, pois todas respondem pessoalmente e solidariamente pelos ganhos
e perdas, como se de um comerciante singular se tratassem, perante os credores sociais pelas
dívidas da sociedade.
Esta sociedade tem dois tipos de sócios:

• Sócios de capital - disponibilizam à sociedade meios suscetíveis de avaliação pecuniária;


• Sócios de indústria – comprometem-se a trabalhar para a sociedade. Nunca respondem
pessoalmente internamente perante os sócios de capital, mas, externamente, todos
respondem ilimitadamente perante os credores sociais. Esta indústria (176º) tem de ser
atribuída com um valor, para efeitos de representação do capital.
O capital das sociedades em nome coletivo não tem representação coletiva, pelo que se
designam por partes sociais as componentes de cada um. O princípio da tipicidade repercute-se
pela firma, para que pelo conhecimento do nome se entenda com que tipo de sociedade se está a
lidar. Quando a firma não individualizar o nome de todos os sócios tem de, pelo menos, referir
em termos breves e abreviados o nome de cada um deles, acrescido da menção de estar com a
associação de outros (ex. António, Bento & Co.). Nada obsta a que a palavra sociedade não faça
parte da própria firma, com características mínimas de designação.
Pela pessoalidade das partes sociais (designação das participações sociais de cada
interveniente-gerente), esta sociedade é tipicamente dificilmente aberta a novas participações,
exigindo-se a unanimidade para todas as admissões (194º nº2), e a larga maioria dos votos para
as decisões importantes (194º nº1). Com um regime tão rigoroso, quem quererá participar, se o
próprio património pessoal do sócio pode ser chamado? Muito pouca gente, mas existiam
bastantes antes de puderem existir sociedades por quotas de responsabilidade limitada. Quando
isto aconteceu, muitas delas transformaram-se em sociedades por quotas, transitando de um
regime de plena responsabilidade para um regime de responsabilidade restrita. Hoje em dia, só
faz sentido quando se queira sempre a responsabilidade ilimitada de todos os participantes.
À primeira vista, isto parece absurdo, mas acontece em alguns casos. Nem sempre as
sociedades comerciais se constituem com capital suficiente para prosseguir a atividade que visam
realizar… Nem sempre os sócios têm todo o dinheiro que precisam. Assim, ela rapidamente pode
ficar subcapitalizada e não poder dispor dos meios que necessita, por não os ter. Quando o sócio
maior sabe que isto vai acontecer, quando há esta incerteza inicial, pode-se obrigar a prestar
garantias pessoais de cada sócio para garantir a viabilidade da sociedade. Assim, é comum uma
sociedade por quotas ou anónima surgir como sociedade em nome coletivo. Só quando a
sociedade entra numa situação de estabilidade, é que se opera a transformação. A responsabilidade
ilimitada em sociedades de património simbólico dura muito pouco tempo, pelo menos quanto a
certos sócios. 407º nº4 – a prestação de garantias é das poucas situações em que não pode haver
delegação de poderes do CA, pela importância de decisão.

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3. Sociedades por quotas – características essenciais de regime


Têm o seu regime regulado pelos artigos 197º e ss. CSC. Como o nome indica, o seu capital
é descrito por quotas cujo capital mínimo é de 1 euro (capital simbólico). Este capital deve ser
detido – com ressalva do fenómeno das sociedades unipessoais por quotas – por duas ou mais
pessoas. Nada impede que o capital seja constituído por 1€ por sócio.
Quando isto acontece, a sociedade surge, desde logo, subcapitalizada, obrigando-se a suprir
esta deficiência, muitas vezes, por autofinanciamento, por parte dos próprios sócios ou de outros
interessados. Quanto à firma, o artigo 200º diz que deve ser formada pelo nome dos sócios ou
alguns deles, alguma denominação particular ou por algum deles, com a palavra limitada ou a
abreviatura Lda..
No que diz respeito ao regime de responsabilidade, o que sucede é que toda a responsabilidade
é limitada ao capital – se este capital for simbólico, esta responsabilidade, na prática, inexiste. As
quotas são bens imateriais, e cada sócio só tem, geralmente, uma quota, de valor, naturalmente,
variável.

3.1. Sociedades Unipessoais por Quotas


Uma nota para a sociedade unipessoal por quotas. Uma pluralidade de uma pessoa? Como é
que se aproveita uma estrutura coletiva para permitir que seja participada por uma entidade? Isto
coloca problemas, pois torna-se difícil de diferenciar a sociedade do participante, seja ele uma
pessoa física ou outra sociedade.
A sociedade unipessoal é o sonho do comerciante individual pois é a forma de prosseguir
sozinho e limitar a responsabilidade ao património afetado, para proteger os seus ente-queridos.
Inicialmente, o Direito repugnou esta ideia, pois é ontologicamente absurdo. Mas o Direito
chegou à conclusão de que poderia ser possível, para lá dos inconvenientes do EIRL (245/86 de
25 de agosto).
Quando o CSC foi aprovado, só havia uma sociedade unipessoal, a do 488º (domínio total).
No plano das sociedades por quotas, foi admitido, em 1997, acrescentando ao Código os artigos
270º-A a G. É preciso dizer, relativamente aos seus aspetos que existem limitações:

• Não podem participar mutuamente em capitais de sociedade unipessoais;


• Uma pessoa não pode ter mais do que uma sociedade unipessoal por quotas (se quer duas
atividades, ou põe numa só com objeto diversificado, ou cria outra sociedade diferente).
o Quando às pessoas coletivas a lei é omissa, pelo que poderão ter mais do que uma
SuQ (270º-C nº1 e nº2).
Como é que surgem? Aparecem porque são constituídas ab initio como tais (ostentando na
firma a referência à unipessoalidade para que todos saibam que só uma pessoa responde), pode
ser unipessoalidade superveniente por concentração num único titular ou por conversão do EIRL
em SuQ.
Deve ser constituída por forma escrita e tem de observar sempre nos NJ que venham a ser
celebrados entre o sócio único e a sociedade. Para não haver dúvidas, o 270º-F nº2 define isso.
Só havendo um sócio, ele não tem de ter uma governação societária, mas pode haver assembleia
geral. Porquê, se ele pode responder sozinho? Ele pode querer interagir e responsabilizar os
titulares dos órgãos sociais, e a AG pode servir para tal, constando de ata.

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Estas sociedades unipessoais têm mais um aspeto relevante. No contrassenso ontológico está
o facto de que o ato constitutivo é um contrato apesar de ser subscrito por um titular somente, não
havendo diversificação de efeitos, no máximo existem dentro do sócio único e da entidade
autónoma. As sociedades unipessoais podem converter-se em sociedades plurais. Pode ser
alargada, sendo que dos primeiros passos prendem-se com a atualização da firma, para tutela de
terceiros.
Nota: Atenção ao regime do 84º!

4. Sociedades em comandita – características essenciais de regime


Têm o seu regime regulado pelos artigos 465º e ss. CSC. Hoje em dia, esta realidade tem
pouco interesse, tendo caído quase em desuso, embora em França e na Alemanha seja pujante,
por motivos de ordem fiscal. Podem ter dois subtipos:

• Comandita simples (474º e ss. CSC);


• Comandita por ações (478º e ss. CSC)
As primeiras são representadas por partes sociais e as segundas são participadas por
ações, participações características das sociedades anónimas (465º). Como é natural,
subsidiariamente a cada subtipo aplica-se o regime geral das sociedades em comandita, sendo as
sociedades em comandita simples tributárias das sociedades em nome coletivo, e as sociedades
em comandita por ações tributárias das sociedades anónimas, em tudo o que for preciso colmatar.
Quanto à firma, é necessário que do nome conste a designação do subtipo. Elas são aptas à
sociedade que existam sócios que assumam a responsabilidade da sociedade ilimitada, não
queiram saber da gestão e somente responder pelo investimento. É o que se passa com as start-
ups, grandes ideias tidas por quem não tem meios para investir – aparece alguém que acredita
nelas e que avança com o dinheiro.

5. Sociedades anónimas – características essenciais de regime


Têm o seu regime regulado pelos artigos 271º e ss. CSC. Falamos do principal tipo societário,
por excelência. Estas são sociedades que justificam a constituição pois precisam de muito capital.
Esta é a forma que devem adotar as grandes empresas. Tem um capital social mínimo de 50.000€.
Durante muito tempo houve um só modelo destas sociedades anónimas, onde imperava a fácil
transmissibilidade. Por isso, detendo uma pessoa um maior ou menor nº de unidades, a verdade é
que essa pessoa podia sempre alienar uma parte ou o todo. A estrutura do próprio capital da SA
são investimentos com muita liquidez, pois permitem o desapossamento fácil e lucrativo. É
parecido com a compra facilitada de bens com devolução na loja face aos bens sem devolução ou
reembolso permitido – isto confere maior liquidez à SA.
Existem dois modelos de SA diferentes:

• Sociedade Anónima Aberta (ao investimento do público) – mais acessível ao público


em geral, de verdadeira subscrição pública. Falamos, por exemplo, das sociedades
cotadas em bolsa, mas não forçosamente. Aparece regulado no artigo 13º CVM, por
enumeração de situações onde se verifica esta mesma condição (por exemplo,
constituição por apelo à subscrição pública, quando alguém tem um grande projeto mas
não tem dinheiro, por isso publicita o projeto e procura angariar sócios investidores). Hoje
são raras nascerem novas sociedades abertas. As sociedades abertas raramente se formam

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assim, mas somente ficam assim quando fazem um IPO (initial public offering), ou um
aumento público de capital, ou uma oferta pública de venda.
• Sociedade Anónima Simples – dificilmente acessível ao público em geral, de subscrição
fechada. É ainda possível identificar subtipos desta modalidade, quanto à
transmissibilidade:
o Sociedades Anónimas Familiares – são bastante fechadas e podiam, na realidade,
ser facilmente substituídas pelas sociedades por quotas, pois usam as exceções à
livre transmissibilidade (328º e 329º).
o Sociedades Anónimas Paradigmáticas – as que não sendo grandes, correspondem
ao essencial deste tipo social, caracterizada pela total liberdade de circulação.
A partir da Reforma Societária de 2006 acrescentaram-se subtipos:

• “Grande Sociedade Anónima”, cujos critérios de enquadramento se foram,


progressivamente, mitigando, após ultrapassagem de dois destes três critérios durante
dois exercícios consecutivos (413º nº2 a) CSC):
o Balanço total de 20 milhões de euros (não 100 milhões, como até 2015);
o Vendas líquidas e outros proveitos totais de 40 milhões (não 150 milhões, como
até 2015);
o Média de 250 trabalhadores durante o exercício (não 150, como até 2015 – único
ponto onde o regime se inverteu).
• Novas Sociedades Anónimas Abertas – que se constituem por subscrição pública ou,
que tendo origem numa subscrição privada, acabam por perpassar uma oferta pública.
Assim, o respetivo capital passa a estar ao dispor do investimento público. Estas passam
a ter um regime jurídico diferente das sociedades anónimas simples (13º-29º-A CVM).
Com subtipo autónomo…
o Sociedades Anónimas Cotadas – as sociedades abertas podem não ser cotadas no
mercado regulamentar, mas todas as cotadas são abertas. Têm o regime do 13º-
29-A CVM e o regime mais rigoroso das SA em geral, pois são sociedades que
emitem valores mobiliários que estão ao fácil acesso do público em geral.
Assim, em traços gerais, desde 30 de junho de 2006, podemos distinguir quatro subtipos
de sociedades anónimas, a que correspondem regimes diferentes:

• Sociedade anónima (tout court), qualquer que seja a sua dimensão – familiar (328º e
329º), pequena ou média -, disciplinada pelas normas do CSC, com exceção daquelas que
forem unicamente aplicáveis à “grande” sociedade anónima ou à cotada.
• Grande sociedade anónima, à qual se aplica o CSC em geral, com as especificidades
impostas pela razão da respetiva dimensão (em especial, 413º nº2 a), 374º-A, 396º nº1,
414º nº4 e nº5, 423º-B, nº4);
• Sociedade anónima aberta (não cotada) regulada pelas disposições do CSC e sujeita
ao regime mais rigoroso do CVM (13º a 29º);
• Sociedade anónima aberta cotada, à qual se aplicam, para além dos preceitos
normativos comuns a qualquer grande sociedade anónima ou sociedade aberta, as regras
próprias e específicas constantes do CSC (77º nº1, 414º nº6 e 423º-B nº5).

Na página seguinte, traça-se uma esquematização ilustrativa da matéria exposta.


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Regime N.º de Capital Participações sociais


Tipos de sociedades Firma
legal sócios social Responsabilidade
(10º)
32º RRNPC (7º nº2) (14º) Nome Valor
mínimo
(25º)
Limitada
5 ou +, 9º nº1 f), Ações 1 cêntimo (271º), apenas pelo
Sociedades anónimas 271º e ss. 275º (S.A.) salvo lei 28º (271º) (276º nº5) montante da entrada,
CSC expressa 276º (nº5!) individual e exclusiva.
13º e ss. (273º) Mínimo! Só a sociedade
CVM responde pelas suas
próprias dívidas
Limitada
2 ou +, (197º nº1 e nº3), pela
salvo se 9º nº1 f), entrada e
197º e ss. 200º (Lda.) estivermos 28º Quotas não 1€ solidariamente pelas
Sociedades por quotas CSC perante 201º (capital titulada (219º nº3) entradas dos outros até
Remissão uma social livre) (197º nº1 e 219º ao limite do capital
para as SA sociedade e ss.) social pois é a própria
unipessoal SQ que responde pelas
por quotas suas dívidas perante os
credores, salvo exceção
198º
478º e ss. 467 º (ex. 9º nº1 f) 465º nº3 Sócio comanditário,
Por (465º e ss.), António em 6 ou + E Ações tituladas N/E limitada; Sócio
ações remissão Comandita por 28º e partes sociais comanditado, ilimitada
Sociedades em
para SA ações) (consoante
comandita comanditário ou
comanditado)
474º e ss. 467 º (ex. 9º nº1 f) 465º nº3 Sócio comanditário,
Simples
(465º e ss.), António & 2 ou + E Partes sociais N/E limitada; Sócio
remissão Comandita) 28º não tituladas comanditado, ilimitada
para SNC Via 474
177º CSC
Princípio da 2 ou + Ilimitada, ou seja,
tipicidade. Ou (distinguin pessoal e solidária
individualiza do-se entre perante os credores da
todos, ou sócios de 9º nº1 f) sociedade, ainda que
Sociedades em nome 175º e ss. clarifica que indústria e E Partes Sociais N/E subsidiária face à
coletivo CSC, estão em sócios de 28º não tituladas sociedade
remissão associação capital (ex. 182º; 176º) (175º nº1)
para as SQ (ex. António & Atenção ao 178º nº2
Co., Outros) (sócios de indústria não
respondem
internamente pelas
perdas sociais)

6. Modelos de governação societária


As sociedades comerciais podem, nos termos da lei, revestir uma miríade de estruturas ou
modelos de governação, adotáveis consoante o tipo de atividade que se visa prosseguir (278º).

• Modelo clássico ou latino – esquema que existiu desde sempre no nosso ordenamento,
nomeadamente desde 1888: AG, CA, CF. Submodelos (diferentes quanto à fiscalização):
o Modelo clássico simples – Com uma AG, composta por um sub-órgão da mesa
da AG, presidente e secretário (374º). A AG escolhe os órgãos sociais, no modelo
clássico isto é sempre assim: escolhe o órgão de gestão e o órgão de fiscalização.
O órgão de gestão pode ter composição singular ou plural, para ser singular,
precisa de ter capital social inferior a 200 mil euros (composição do CA – 390º
nº2). É muito adequado a sociedades anónimas familiares. O conselho de
administração tem um mínimo de 2 membros, naturalmente. O nº de
administradores deve ser adequado à dimensão da sociedade anónima. Quando o

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CA tem um nº elevado de membros, pode-se escolher um, dois ou mais, que


assumam a condução quotidiana dos negócios sociais, a gestão da sociedade –
são os chamados administradores executivos. No primeiro caso, podem ser
administradores delegados, que formam a comissão executiva. Assim, os demais
administradores são não-executivos. Para que possa acontecer delegação de
poderes, o contrato social tem de prever essa mesma delegação (407º nº3). Duas
normas importantes: 407º nº4 e 407º nº8, para se ter a noção que mesmo
ocorrendo delegação, o órgão delegante nunca prescinde desses mesmo poderes,
mantendo-os como concorrentes. Posso na mesma praticar os atos para cuja
celebração eu anteriormente deleguei poderes. A comissão executiva é a formada
pelo CEO (presidente da comissão executiva), CFO (administrador financeiro),
etc.. Temos ainda um órgão de fiscalização que pode ter composição singular ou
plural, consoante haja fiscal único ou uma comissão fiscal. O fiscal único tem de
ser um ROC ou uma sociedade de ROC e as comissões fiscais têm de ter, pelo
menos, um ROC ou uma sociedade de ROC. O órgão de fiscalização não está
dependente do capital social da sociedade. Esta questão resulta por opção da
sociedade, salvo se for uma sociedade anónima grande, sujeita ao modelo
complexo, o seguinte, ou, se, tendo em conta o próprio objeto da sociedade, a
atividade que ela pratica, tenha de adotar um órgão de fiscalização plural (ex.
como os bancos, que não podem ter um fiscal único, regulado pelo DL 298/92 de
31 de dezembro). Esta estrutura é a mais habitual porque corresponde ao maior
nº de sociedades. OU CF ou fiscal único.
o Modelo clássico complexo – Caracteriza-se pela fiscalização complexa, aplica-
se obrigatoriamente a sociedades que durante dois exercícios ultrapassam aqueles
critérios suprarreferidos para a Grande Sociedade Anónima (413º nº2). Neste
caso, passa a ser obrigatório o CF e não o fiscal único e para lá do CF, deve haver
um ROC externo e autónomo. O CF tem de ter mínimo de 3 elementos e um deles
com especiais conhecimentos de auditoria e que pode incluir ROC, mas se incluir
ele não integra o CF nessa sua qualificação profissional, mas somente como
especialistas na matéria de fiscalização societária. Como estamos perante GSA é
difícil conceber que possam ter capital social inferior a 200 mil euros, costumam
ser muitos milhões, pelo que terão quase sempre CA. Se forem cotadas, deverão
sempre ter um secretário. O secretário é auxiliar de todos os órgãos sociais e é
designado pela Administração, nas não cotadas pode ser feito
extraordinariamente. Pode uma SA não grande adotar este modelo, mas faz
somente facultativamente, se pode o menos, também pode o mais.
• Modelo germânico ou dualista – Foi introduzido na Alemanha em 1937 (1967),
também chamado de dualista, porque a competência da gestão da sociedade não está
concentrada num único órgão. No modelo clássico há muita separação de competências,
enquanto no modelo germânico há mistura de algumas competências, nomeadamente de
longo prazo, desde logo no Conselho Geral e de Supervisão. Em 1986 foi possível
constituir este modelo em Portugal, mas em 2006 levou uma grande alteração no nome
dos OS. O CA e Executivo não permite a delegação de poderes nuns ou outros – todos
assumem a gestão a todo o momento – todos são administradores executivos. Assim, o
órgão pode ter base singular desde que o capital social não supere os 200 mil euros. O
órgão executivo é caracterizado por todos eles acompanharem a atividade. Como tal,
costuma ser mais pequeno do que o CA no modelo clássico, pois não há administradores
não executivos. Existe um órgão de fiscalização, essencialmente de caráter político. Não
veem muito as contas consoante o SNC, mas fiscaliza a obtenção de objetivos da
sociedade de acordo com a sua atuação. O seu poder de intervenção é enorme, tanto
quanto a lei o permitir. É ele que elege os administradores e os destitui caso entenda, os

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admiradores dependem deste conselho, no silêncio do contrato social. Caso os acionistas


não queiram isto, podem prever no contrato e a atribuir ao CE. Existe ainda um ROC à
parte, tal como no modelo clássico complexo. Este modelo de governação também é
aplicável essencialmente às grandes sociedades, de grande capital.
• Modelo anglo-saxónico – O que caracteriza este modelo e que também se aplica a
grandes sociedades é ter um CA que fazem parte não somente aqueles que gerem e
representam a sociedade mas aqueles que também gerem e fiscalização a atividade da
sociedade – comissão de auditoria. O conselho de administração é bastante amplo e com
poderes variados. Aqui o órgão de supervisão não atua à parte do órgão de gestão, o órgão
de supervisão acompanha in loco os atos que vão sendo decididos e vão sendo praticados
pela sociedade. O Conselho de Administração tem um nº mínimo entre 4 e 5 (segundo
POC, consoante o capital mínimo, 2 executivos e 3 não executivos). A primeira
especialidade é o facto de se eu tenho administradores não executivos a quem compete
supervisionar a atuação dos outros, todos os outros deverão ser executivos. Mas a nossa
lei admite que haja membros não executivos que não integram a comissão de auditoria
(administradores não executivos eventuais – tertium genius) – havendo 3 executivos, não
executivos e comissão de auditoria, pelos não executivos.
O modelo germânico é o mais pesado, são modelos caros e encorpados demais para as
pequenas sociedades. Para estas, sobra o modelo clássico, com um gestor e um fiscalizador. No
PSI-20 o modelo dominante é o clássico, o segundo é o anglo-saxónico, o mais pequeno é o
modelo germânico (EDP, é a única). O clássico tem a vantagem de em situações de controlo
acentuado por uma família poder funcionar em modelo clássico complexo. As sociedades estão
em constante mudança de modelos ao longo da história de cada uma. Se escolhesse 5 sociedades,
escolhia a EDP (germânico), GALP, BCP, CTT (anglo estes dois) e UNIVERSO SONAE
(clássico).
As sociedades anónimas adquirem um peso enorme nas economias dos países desenvolvidos,
ainda que hajam muito mais sociedades por quotas e ainda mais comerciantes individuais.

7. Europeização do corporate governance


Efeitos da EU a dois níveis:

• Sujeitos de Direito Comercial – Quanto à 1ª questão, importa falar na SA Europeia. Isto


corresponde a uma ideia em que uma sociedade plurilocalizada seria possível adotar um
tipo específico de SE, com regras especiais, resultando da agregação de sociedades de
diferentes EM com especificidades no plano laboral. Em Portugal não tem qualquer
consequência. Houve regulamento, depois um DL de 2005, mas parece que não há
qualquer uma sociedade destas registada. Capital Social mínimo de 120 mil euros.
Falava-se ainda na sociedade privada europeia, de responsabilidade limitada, mas a
proposta de diretiva nunca foi aprovada. Está em vias de criação a diretiva na societas
unius personae, de pessoa única, mas visa permitir que se possa atuar através de sociedade
únicas, dos quais sejam participadas por uma só pessoa de cada EM.
• Lei Comercial - Quanto a este ponto, pode haver regulamentos de aplicação direta, ou
diretivas onde a EU aprova conjuntos normativos harmónicos, que conservam uma
latitude de funções, colocando ao dispor dos EM promovendo a transposição ou impondo
a aplicação imediata em caso de inadimplemento. Não há grandes efeitos em SC em
regulamentos, mas sim em matéria contratual, mas em diretivas há imensas diretivas em
matéria de SC, que os EM procuram observar. A diretivas podem ser importantes na
interpretação do sentido das regras nacionais.

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Nota: 8º CSC – sociedades comerciais formadas por cônjuges. Fixa o regime que os cônjuges
podem participar na mesma sociedade comercial se só um deles tiver responsabilidade limitada.

8. O fenómeno da empresa plurissocietária


No século XXI a agregação de pessoas coletivas é enorme e as possibilidades de compra de
capital social de uma sociedade por outra sociedade também. Há um conjunto de empresas que
se reconduzem a uma sociedade comum. São empresas plurissocietárias. A participação de
uma sociedade na outra tem duas vias:

• Sociedade gestora de participações sociais (SGPS) – é uma espécie de sociedade, tendo


uma regulamentação própria nas pp. 615 e ss. da nossa compilação de legislação
comercial, no DL 495/88 de 30 de dezembro, alterado poucas vezes, caracterizam-se pelo
objeto contratual exclusivo a gestão de participações sociais noutras sociedades
como forma de exercício indireto de atividades económicas (não praticam atos de
comércio, apenas participam noutras sociedades que o façam) – artigo 1º. Todas as
sociedades que participam noutras são SGPS? Não, há critérios específicos, têm de
ter o objeto específico que é bastante limitado, tem dois princípios determinantes:
concentração (mínimo de 10% do capital social da sociedade participada) e
estabilidade (participação detida por período temporal mínimo de 1 ano) – artigo
1º. Destes princípios resulta que tal não pode ser utilizado para atividades de natureza
especulativa (pp 616, artigo 1º). Exceções: na própria lei, nº3 do artigo 3º, é possível que
a participação seja inferior a 10%, ou mesmo por regra, se constituir a investimento
superior a 4Milhões e tal. No que concerne à estabilidade, que acontece se aliena a
participação antes do ano? 13º - Sanção – atenuada se houver reinvestimento no prazo
rápido. Podem ter atividade comerciais indiretas? Só nos termos do artigo 4º, mas o artigo
5º proíbe muitas atividades (aquisição de imóveis, concessão de crédito, etc.). A
consequência de ter uma SGPS que ultrapassa os limites que a lei estabelece, está previsto
no regime geral, que é a sujeição à dissolução judicial (artigo 8º). Que formas de SC pode
revestir (2º)?
o Sociedades por quotas;
o Sociedade anónima
• (Cont,) Seja qual for, tem de ter fiscalização institucionalizada e de ter um ROC. Um
problema grande é o facto da fiscalização externa pela inspeção geral das finanças, que
verificam os parâmetros de existência desta sociedade. Até 31 de dezembro de 2013 valia
a pena criar esta sociedade por motivos fiscais. Depois disso, todas as sociedades
comerciais tinham os benefícios fiscais que eram exclusivos das SGPS. Por isso, mais
vale ter uma holding e praticar as mesmas tarefas sem as restrições apertadas das SGPS
– e as holding somente precisam de ter objeto comercial. As SGPS têm demasiadas
limitações jurídicas para serem funcionais. São sociedades vocacionadas
exclusivamente para a exploração das participações sociais de outras empresas e são
entidades com objeto diretamente económico-comercial. São sujeitas a fiscalização
desde o início do ponto de vista interno, externamente trabalha a inspeção geral das
finanças. Contudo, desde 2014, por efeito da reforma do código de IRC ocorreu uma
uniformização da tributação das participações sociais, pelo que perderam a vantagem
fiscal e mantiveram o regime rigoroso do seu regime jurídico. O RJ destas entidades
remete supletivamente para a matéria das sociedades coligadas (título VI, logo após a
comandita)
• Sociedades coligadas – que fenómeno é este? É um fenómeno reconduzido de forma
rudimentar aos chamados grupos de sociedades, mas não esgotam o fenómeno. Estamos

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perante sociedades comerciais (objeto prática de atos de comércio). Esta participação não
é especialmente relevante quando as outras sociedades empreendem uma atividade
análoga, pois não diversificam a atividade económica. Por isso a lei distingue entre os
artigos 11º nº4 e nº5, entre participações com objeto análogo à participante e com objeto
distinto. Se um supermercado compra participações nos media, exerço diretamente a
atividade de supermercado e indiretamente a atividade de media. Este tipo de
investimento diversificado merece maior cuidado da lei, pois os sócios não podem ser
surpreendidos com a diferença no objeto da atividade principal prosseguida pela
sociedade. Nos artigos 481º e ss. consta este regime, mas limita-lo a certos tipos
societários e ao espaço geográfico sujeito às regras. Em princípio, as regras desta norma
e das seguintes iriam-se aplicar essencialmente a situações que envolvem apenas o espaço
jurídico português, para colidir com ordens jurídicas estrangeiras, através da participação
deslocalizada por diversos ordenamentos jurídicos. Quanto aos tipos societários a lei foi
clara e limitou a aplicação do fenómeno às sociedades de responsabilidade limitada
(quotas, anónimas e comanditas por ações quanto aos sócios comanditários), pois o que
se está a afirmar é que os sócios respondem somente por um limitado património, a
participação que subscrevem no capital social da sociedade. A sociedade em si tem
sempre uma responsabilidade ilimitada por todos os atos que praticam. Se apresenta um
património superior ao capital social, é normal que para a satisfação das dívidas concorra
o património. Veremos isto quando tratarmos o património e o capital social, mais
adiante. Como se diferencia, aqui, o fenómeno jurídico e o fenómeno económico? No
passado, o que caracterizava os grupos societários com objeto diferente era serem detidos
pelos mesmos participantes sem que nenhuma das sociedades participasse no capital de
outras, apenas uma relação indireta pela titularidade de participações. O fenómeno de
grupos teve uma base essencialmente económica. Sociedades podem ter os mesmos
sócios e ser diferentes, sem qualquer ligação entre si. Os grupos económicos evoluem
para os grupos jurídicos e para a participação de Direito, agora permitia-se que uma
sociedade detivesse participações noutra sociedade, sujeitando ambas a um conjunto de
regras diferentes às sociedades isoladamente consideradas. A lei vai configurar de forma
diferente as situações de coligação, partindo da admissibilidade da relevância de situações
muito simples que se consubstanciam nas chamadas relações de simples participação no
capital de outra sociedade, para situações em que podemos na realidade reconhecer que
a relação nas sociedades envolvidas é articulada, movendo-se como se tivessem interesses
comuns, formando um grupo de sociedades em sentido jurídico. Grupos de sociedades
podem participar:
o Simples – 483 e 481º - para o nosso direito há relação se uma sociedade de
responsabilidade ilimitada detiver uma participação de 10% ou mais no capital
de outra, podendo haver uma relação de participações recíprocas, no capital uma
da outra, com o relevo dos 10% do capital social pelo menos (485º), ou mesmo
uma relação de domínio, quando uma sociedade pode influenciar
dominantemente o exercício de outra (486º, nomeadamente as presunções do nº2,
onde a primeira presunção é a participação maioritária no capital, a segunda é a
maioria dos direitos de votos, a terceira é o poder por influencia de um
instrumento alheio poder designar os órgãos de administração – importa ter em
conta que esta sociedade terá outros interesses a atender, importando articular os
interesses dos demais sócios ou acionistas, pois ainda que minoritários merecem
uma determinada proteção),
o Complexos ou totais:
▪ Detenção da totalidade do capital da sociedade participada (ex. 488º e
270º a));

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▪ Não obstante não ser participar no capital da outra, existe articulação por
outro instrumento que pode ter uma configuração estritamente técnico-
jurídica, designadamente de natureza contratual. Uma sociedade ter a
direção societária de sociedade que não é por ela participada mas que
tem relação de subordinação, ou seja, em que tem poder de direção sobre
a atividade da outra (493º);
• (Cont.) a lei distingue o domínio total (ex. primeira sociedade a adquirir na sua formação
– “sociedade subsidiária integral” - ou sociedade com domínio total superveniente; tudo
tem a ver com o facto de se considerar que uma sociedade participe em outra com pelo
menos 90% faz sentido que possa adquirir o remanescente – a chamada “aquisição
potestativa” que não viola o direito fundamental de propriedade, mediante fixação de
preço ao valor de mercado por um ROC -, designadamente por efeitos de aquisição de
participações sociais – é o chamado domínio quase total (194º e 197º - OPA). Quem tem
as participações minoritárias de 10%, tem direito de vender as suas participações com
maior facilidade à sociedade maioritária participante. Uma das principais questões que se
coloca quanto a este problema tem a ver com outros dois fenómenos:
o Um diz respeito precisamente à configuração da gestão das sociedades
dominantes em situação de grupo e à configuração do proprio interesse social da
sociedade participada e à responsabilidade do sócio único. Se há uma identidade
entre a participante e a participada ou entre a diretora e dirigida ou entre a
subordinante e subordinada, então todos os efeitos que seriam exigidas, devem
ser depostos para a gestão da dominante, a qual tem poder de dar instruções
vinculantes à sociedade participada. Se a gestão da participada não quiser, a
sociedade de trás pode ordenar, e os administradores de baixo só podem obedecer
ou resignar. O interesse social da participada e a sua posição frequentemente se
desloca para a esfera da sociedade dominante, pois aí não há interesses de
acionistas para satisfazer. Se a sociedade for totalmente participada ou dominada,
significa isto que não terei de atender aos interesses de outros sócios ou acionistas
– 413º nº2 al. a).
o Se alguém é socio único, tem poder total, logo tem de ter um regime diferente de
responsabilidade, e aqui entra o artigo 83º (responsabilidade solidária) e 84º
(responsabilidade civil por obrigações contraídas na pendência do seu domínio
total se se provar que não houve o rigor contabilístico exigível às situações
passivas da sociedade dominada – houve confusão de patrimónios e não
permitiram que os bens que participaram na dominada deviam ser afeitos à
satisfação de participações sociais). A aplicação do disposto nos artigos 501º e
504º por efeito ou remissão do 491º propugnam a responsabilidade do sócio único
de uma sociedade dominada subsidiária integral. Isto aplica-se numa situação de
domínio quase total, mas a relação de grupo cessa nos termos do 489º nº4.
Nota: 3 momentos do domínio societário.
Nota: Relação de grupo paritária, quando há igualdade de poder.
Nota: Criar uma intuição própria – compreender os conceitos, não decorar.
Qual a diferença, então, entre SGPS e grupos de sociedades? Elas diferenciam-se em
função do objeto – as SGPS têm um objeto exclusivo de uma sociedade económica indireta,
mantendo-as com a estabilidade e montantes mínimos enumerados acima. Nos grupos, há
diferenças de objeto, pois têm um objeto comercial imediato e direto.

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9. Personalidade das Sociedades Comerciais


A personalidade jurídica é a qualitativa de se ser pessoa. É a qualidade de quem é sujeito de
Direito – conceito qualitativo. As pessoas singulares têm-na meramente por existirem como tal,
as pessoas coletivas são realidades criadas pelas pessoas singulares como centros autónomos de
imputação de efeitos jurídicos. As sociedades comerciais têm personalidade, nos termos do artigo
5º. Na redação originária do CSC, passámos a ter dois modelos distintos, em matéria de
personificação:

• Registo definitivo do contrato de sociedade numa Conservatória do Registo


Comercial, operação que tem efeitos constitutivos no Direito português (5º CSC);
• Escritura pública de constituição (que hoje se basta com a redução a escrito do contrato
social com reconhecimento presencial das assinaturas, salvo se forma mais solene for
exigida para a transmissão dos bens com os quais os sócios entram na sociedade - artigo
7º nº1, in fine, DL 76-A/2006, de 29 de março);
Aqui nasce um novo ente jurídico, sendo o registo constitutivo, até lá, não possuindo
personalidade jurídica. Pode praticar atos antes? Pode, mas o registo é tão rápido que não existem
assim tantos atos nesse limbo.

10. Capacidade das Sociedades Comerciais


Esta matéria é complexa. A capacidade, regida pelo artigo 6º. A capacidade é a medida de
direitos e vinculações que uma pessoa é suscetível ser titular e exercer. É um conceito
quantitativo, que se rege por medidas. O conceito tem duas vertentes:

• Capacidade de gozo – suscetibilidade de ser titular de direitos e estar adstrito a


obrigações (tendencialmente genérica e insuprível);
• Capacidade de exercício – suscetibilidade de exercer pessoal e livremente os direitos e
de se vincular a obrigações (sem necessidade de suprimento, pela representação ou pela
assistência).
No âmbito das sociedades comerciais, importa analisar as duas vertentes, sendo que o foco
de análise prende-se só com uma das vertentes da capacidade:

• Capacidade de exercício – a sociedade terá a estrutura adequada a movimentar-se


na sua esfera de ação jurídica. Isto não suscita qualquer tipo de problema;
• Capacidade de gozo – aqui, sim, suscitam-se problemas, ou seja, a medida de
direitos e vinculações de que a sociedade é suscetível de ser titular. Ela deverá ter os
direitos e vinculações adequados à prossecução do seu objeto social (atribuições). O
artigo 6º retoma a abordagem feita pelo CC no artigo 160º (princípio da especialidade
das PC) – eles devem ser dotados dos direitos vinculações adequados ao seu objeto e
fim. As pessoas coletivas não têm os mesmos direitos inseparáveis da personalidade
singular. O nº1 do artigo 6º retoma o 160º CC, excluindo os direitos e vinculações
inerentes à personalidade singular. Pode a sociedade praticar certo tipo de atos
gratuitos? Não (6º nº2), salvo se tais atos se inserirem nos tramites habituais do
comércio ou de algum modo se enquadrarem em autorização legal que pré-exista. De
um ato gratuito pode resultar um ganho indireto, desde logo, tendo em conta a
publicidade que lhe está associada (ex. brindes, comuns no retalho de antigamente ou
leis de mecenato, onde o Estado assume que podem ser praticados e assumidos pelas
SC apesar de pela sua natureza não serem enquadráveis em termos puros na atividade

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da SC). Por outro lado, é preciso considerar que a lei estabelece limites no 6º nº3 à
contração de garantias reais ou pessoais quando não tiver interesse próprio ou não
haver relação de grupo com a sociedade garantida. Claro que a garantia pode estar
associada a interesse próprio, se adequada a prosseguir o interesse social da SC – mas
inexistindo justificação para favores a terceiros com ganhos próprios a lei entende
que não é admissível, violando normas imperativas, o que padece de vício de
nulidade. Mas o próprio 6º estabelece que as cláusulas do contrato de sociedade ou
as deliberações tomadas pelos sócios e que estabelecem a obrigatoriedade da
sociedade prosseguir um determinado objeto não constituem obstáculo à prática de
atos pela sociedade pelo que não limitam a sua capacidade. Simplesmente, tais
cláusulas constituem os representantes da sociedade em respeitarem e não excederem
os poderes consagrados na previsão – mas se as cláusulas criassem restrições à
capacidade da sociedade, ela podia validamente eximir-se a assumir-se os efeitos
jurídicos negativos de negócio celebrado, por isso o 6º nº4 diz-nos que a restrição não
afeta a capacidade jurídica.

11. Nacionalidade
É o vínculo político de cidadania entre uma entidade singular ou coletiva e um Estado.
Qual é o problema da nacionalidade? É saber qual a ordem jurídica a que ela esteja sujeita, quais
as normas materiais a que ela se encontra sujeita. A forma de compreender pode ser a inscrição
no registo comercial. O artigo 3º define a lei pessoal que rege as SC pela sua sede principal e
efetiva de administração. A sede estatutária não pode ser invocada para ludibriar a direção efetiva
da sociedade (33º CC).
O aspeto mais importante tem a ver com a alteração da sede da sociedade para um espaço
jurídico diferente do da Constituição, obriga uma reapreciação do contexto onde ela vive, o que
pode alterar as regras direta e indiretamente aplicáveis, pois ela terá de adaptar a lei fundamental
interna, o contrato social às exigências da nova ordem jurídica. Daí a lei obrigar a uma fasquia
elevada (3º nº5, de ¾ do capital social) para autorizar a transferência. A própria lei na mesma
norma permite que os desagradados possam exonerar-se: direito unilateral do sócio se afastar da
sociedade e receber uma contrapartida financeira correspondente à sua participação na sociedade.

2. Constituição da Sociedade | (Projeto de) Contrato de sociedade e acordos


parassociais | Formas e atos de constituição | Vicissitudes inerentes ao processo de
constituição e regime dos atos praticados antes do registo da sociedade | O capital social
O CSC não fala em ato constitutivo, nem em pacto social, mas essencialmente em contrato
de sociedade ou contrato social, acentuando a sua natureza constitutiva e acabando com uma longa
divergência doutrinária entre a noção distintiva entre ato constitutivo e estatutos.
A unificação destes dois instrumentos de constituição e regulamentação da sociedade é
consentânea com a sua dupla natureza jurídica: começando por ter uma função primacialmente
contratual, corolário do acordo de vontades daqueles que pretendem criar um centro autónomo de
imputação de interesses, o ato passa a ter uma função predominantemente normativa de regulação
das relações entre sócios – ou de disciplina da entidade que gera – e, indiretamente, pela sua
publicidade, de tutela das relações estabelecidas com terceiros. Assim, os chamados “estatutos”
passaram a ser parte integrante do contrato de sociedade, do qual já não se distinguem
formalmente (o que acontecia, desde logo, no momento de inscrição registal) ou
substantivamente. Falar em contrato de sociedade ou falar em estatutos passou a ser uma mera

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opção de estilo, pois as expressões designam realidades, agora, idênticas: a lei fundamental da
sociedade. Ainda assim, deve-se distinguir hoje entre:

• Contrato de sociedade em sentido amplo – que designa a escritura de constituição;


• Contrato de sociedade em sentido estrito ou técnico – conjunto de regras que regem a
vida da sociedade a partir da sua constituição.
Não devemos confundir o contrato de sociedade com o regulamento da empresa, que consiste
no conjunto de regras da coletividade que disciplinam os pormenores da execução e aplicação dos
princípios e normas delineadas contratualmente no momento constitutivo da sociedade, sendo
geralmente da elaboração exclusiva do órgão executivo. Outros regulamentos setoriais internos
podem ser criados, por exemplo, para melhor exercício de direitos sociais, se tal for necessário.
O contrato social visa a constituição e a disciplina da atividade da sociedade,
estabelecendo a sua denominação, sede, objeto, capital social, órgãos, direitos sociais e,
eventualmente, regras sobre o exercício social e a dissolução.
No que toca ao conteúdo deste contrato, devemos distinguir entre menções obrigatórias e
menções facultativas, ou seja, aos elementos que têm, imperiosamente, de constar do contrato
social e dos elementos que não necessitam de constar dessa mesma normação fundamental. Tudo
isto tem que ver com a análise do artigo 9º (mais importante), 199º e 272º CSC, e ainda do artigo
14º CVM.
Tracemos, sucintamente, o elenco das menções obrigatórias do contrato de sociedade:

• Tipo Social e identificação das partes – o tipo social adotado (1º nº3 CSC) deve ser
explicitado, como decorrência do princípio da tipicidade. Nomes ou firmas e outros dados
de identificação de todos os sócios fundadores também devem ser inseridos (9º nº1 a) e
b) CSC);
• Firma – nome ou denominação que individualiza o comerciante ou empresário mercantil
no exercício da sua atividade comercial, bem como a empresa coletiva ou sociedade
comercial. A sua adoção constitui uma obrigação mercantil (18º CCom e 9º nº1 c) CSC).
A firma está sujeita ao princípio da verdade, da unidade e da exclusividade ou novidade.
A firma pode revestir dois significados:
o Sentido objetivo – logótipo – caracteriza o local onde comerciante desenvolve a
sua atividade (antigo nome do estabelecimento).
o Sentido subjetivo – nome – elemento identificador e individualizador do
comerciante (sociedade) na respetiva atividade comercial e em função do qual
ele beneficia de uma determinada tutela. A “firma-nome” costuma implicar o
nome dos sócios fundadores, por exemplo. Diferentemente, a “firma-
denominação” costuma individualizar a sociedade por referência à sua atividade
especificamente desenvolvida.
• Objeto social – nos termos do artigo 9º nº1 d) e 11º nº1 e nº2 CSC, o contrato social deve
nomear a atividade económica específica a desenvolver pela sociedade que, em
determinadas circunstâncias, permite determinar a sua comercialidade (por exemplo, se
fizer referência a "agrícola”, poderá não ter natureza comercial). Contudo, nada impede
a sociedade de adotar um objeto social bastante indeterminado (ex. Importação e
exportação de mercadorias diversas) ou mesmo múltiplo (múltiplas CAE – classificações
de atividades económicas), não obstante deva existir sempre um principal, para efeitos de
tributação da sua atividade;
• Sede – o contrato de sociedade deve mencionar a sede ou domicílio da sociedade (9º nº1
e) e 12º), devendo corresponder ao centro da vida da sociedade, ao local onde se tem por
contactada sempre que for necessário, nomeadamente através de meios oficiais que

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consistam em comunicações de natureza judicial ou administrativa – por isso mesmo,


exige a lei que se situe em “local concreto e definido”. Este local é de importância
fundamental, desde logo por determina a lei aplicável à sociedade comercial.
• Capital social (remissão) – nos termos do artigo 14º, estamos perante uma cifra numérica
de valor constante, expressa em euros, correspondente ao património de constituição da
empresa, isto é, a soma de todas as participações dos sócios no momento de arranque.
Nas sociedades onde não são admitidas entradas em indústria (SQ e SA), o capital social
é representado por quotas e por ações. De início, o capital social tende a ser equivalente
ao património da sociedade, mesmo enquanto os sócios não realizarem todas as suas
entradas (capital subscrito), uma vez que o crédito que a sociedade terá sobre eles integra
o património (ativo). Mas pode ser superior, se forem sobreavaliadas as entradas em
espécie, ou inferior, quando as ações forem emitidas com prémio (acima do par). O capital
social mínimo das SA é de 50.000.00€, enquanto o capital social mínimo das SQ tornou-
se meramente simbólico (cifra-se em 1€ por cada sócio).
• Montante da participação e natureza da entrada de cada sócio – dinheiro ou espécie
avaliada por um ROC independente e sem interesses na sociedade; quotas, ações e partes
sociais (valor nominal, quantidade, categorias e forma);
• Data do encerramento do exercício anual (em princípio, coincide com o ano civil, ou
seja, encerra dia 31 de dezembro de cada ano);
• Modelos de organização da administração e fiscalização das SA e administração das
SQ (remissão);
Quais as consequências da violação do preenchimento destes elementos obrigatórios?
Por princípio, nos termos do artigo 42º CSC, uma de duas sanções: ou nulidade do contrato ou
a sanação de alguns dos vícios verificados. Esta matéria será desenvolvida posteriormente.

2.1. Capital Social


O capital social é uma cifra constante e imutável expressa em moeda corrente (14º CSC)
que corresponde aos bens que são disponibilizados à sociedade quando esta se constitui para
que possa vir a funcionar e que se calcula pela soma das entradas de todos os sócios. São os
bens (em pecúnia ou em espécie suscetível de avaliação pecuniária não impenhoráveis) que os
sócios entregam para formar o património inicial ou de arranque. Coincidindo com o património
de constituição da empresa societária, o capital social constituirá a medida da responsabilidade
patrimonial dos sócios que, de um modo geral, não ficam obrigados a proceder a entrega de bens
para lá do valor das suas entradas e não podem receber bens da sociedade à custa desse valor, que
fica exclusivamente afeto à atividade societária. Como tal, não pode ser usado para saldar dívidas
pessoais dos sócios nem ser objeto de distribuição entre estes até um certo momento.
No entanto, pode suceder que a sociedade não necessite logo da totalidade do valor estimado,
pelo que, no momento da constituição, é possível realizar um valor inferior ao do capital subscrito,
sendo lícito aos sócios diferir parte das suas entradas em dinheiro (26º nº3 CSC) – nesse caso,
impõe a lei que no contrato (bem como nas menções externas da sociedade), conste expressamente
o montante do capital realizado e o montante subscrito (199º b), 272º e) e 171º nº2). Esta cifra,
sendo constante e imutável, é, não obstante, modificável, dentro de certos limites, para dar
resposta às necessidades da empresa (reduções ou aumentos de capital).
O capital social define a medida da capacidade económica da sociedade. É usual procurar
avaliar que bens iremos necessitar para colocar a sociedade no mercado, como quem diz, para se
instalar, efetuar encomendas, contratar trabalhadores, fornecedores, etc. – é com base nesses
juízos de prognose que se define o capital social. Tudo isto para que depois, em vida, a sociedade

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possa vir a gerar meios em montante superior aos custos que venha a enfrentar – ou seja, garantir
esse diferencial positivo, permitindo não apenas ressarcir os investidores pelo investimento, mas
também distribuir os ganhos obtidos.
No momento do arranque, o capital social confunde-se com o património social e com o
capital próprio da sociedade, formado pelas disponibilidades feitas pelos sócios suscetíveis
de avaliação pecuniária. A sociedade tem os bens que são necessários para custear os custos de
arranque. Contudo, esta coincidência não se verifica necessariamente, como veremos, a propósito
do ágio ou prémio de emissão.
Como o capital social é uma cifra constante e imutável expressa em moeda corrente, ele
mantém-se, pois faz parte do contrato de sociedade e as variações que possa ser objeto,
positivamente ou negativamente, são variações que implicam uma alteração do contrato social.
As variações positivas são os aumentos de capital social, e as variações negativas são
reduções do capital social. Quando se começa, planeia-se quanto é que se vai precisar,
propriamente ou de terceiros, para arrancar o negócio. Depois, pode suceder uma de duas coisas:
que se venha a verificar, por qualquer razão, que aqueles montantes disponibilizados não são
suficientes para ela prosseguir a atividade, vou precisar de mais meios e vou pedir aos sócios que
se aumente o capital (por exemplo, de 1M para 2M). Estas variações positivas parecem simples
de compreender.
No entanto, as variações negativas também podem ocorrer. Que funções têm essas reduções
de capital? Porque é que acontecem? Sucedem em duas situações opostas:

• Libertar bens que existam em excesso (1M inicial mas não precisava de tanto, porque as
receitas são tão rápidas que o milhão nem foi gasto) – reembolsar o que os sócios pagaram
a mais, pois a sociedade não precisas deles, são improdutivos;
• Ocorrência de perdas patrimoniais enormes, com um desgaste muito acelerado do
património da SC, que se situa francamente aquém do capital social (1M inicial que nunca
se vai recuperar pela atividade normal, somente restando 250 mil). É a sociedade a dizer
ao mercado que aquela cifra já não reproduz a realidade, para compatibilizar com o
património societário subsistente, cobrindo os prejuízos que sobrevieram. É os sócios a
reconhecer que perderam uma parte do investimento. Isto não se confunde com o write
off, uma declaração de incumprimento.

Exemplo: Vamos imaginar que formamos uma SC (5 pessoas). Temos um projeto para uma
atividade que queremos desenvolver. Combinamos afetar um dado montante em dinheiro ou
espécie que entregamos à sociedade de modo a que essa sociedade tenha um património social de
arranque igual ao capital social – montante que nos permitirá concluir se estará predisposta para
uma maior ou menor dimensão. 50.000.00€ será uma pequena SA, se for 500.000.00€ será uma
grande sociedade. O património começa a sofre variações desde o primeiro dia, todas as variações
constantes do cumprimento de atos jurídicos necessárias à prossecução das suas finalidades
(trabalhadores, imóveis, seguros, etc.). É evidente que não se vai gastar tudo de uma vez. O capital
não tem de ser realizado de uma vez, Os cinco fundadores subscreveram esse capital, mas pode-
se prever que inicialmente só se aplica 20%, depois de um ano mais 30%, depois os restantes
50%, etc. Se ela ficar sobrecapitalizada, esse capital será improdutivo, o que é mau para os
investidores. Podem acordar que põem o mínimo necessário e o mais virá com as receitas que se
espera obter. O património varia sempre e constantemente, mas o capital social não varia, pois é
a cifra constante e imutável correspondente às entradas iniciais dos sócios. Quanto às variações
de capital, há uma certa analogia entre o contrato de sociedade e o casamento – só ao início é que
é fácil obter um consentimento generalizado, depois disso fica cada vez mais complicado. Só

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pode haver diferimento nas entradas em dinheiro, os bens em espécie têm de ser obrigatoriamente
prestados à entrada. Já é fácil perceber que, se a sociedade sofre um revés e tiver uma grande
dívida, não será à custa dessa cifra que a dívida é satisfeita, mas do património (conjunto de
bens expurgados das situações jurídicas de sinal negativo ou conjunto de direitos e
vinculações suscetíveis de avaliação pecuniária).
Nota: No regime do CSC, os sócios só entram em mora quando interpelados pela sociedade para
cumprir, estejamos ou não perante uma obrigação a prazo – no regime geral, ou são a prazo e o
devedor entra logo em mora, ou deve ser interpelado a cumprir para se entrar no regime de mora.
No momento de arranque, os custos vão superar as receitas da sociedade, logo estes custos e
despesas devem ser assumidos e suportados pelos bens que correspondem ao capital social.
Quando a sociedade não dispuser de bens suficientes para a atividade que necessita, está
subcapitalizada. Com o passar do tempo, normalmente, as coisas começam a correr melhor.
Começa-se a observar o ganho ao 3º ou 4º ano, quando as receitas começam a superar as despesas
e o investimento é recuperado (o capital social é recuperado, colocando-se de novo o património
ao nível do capital social). A sociedade só tem lucros para distribuir quando o património
superar o capital social. Só se pode distribuir ganhos quando isto acontecer, pois se se
dispusesse do capital social para remunerar o mesmo, perdia-se ainda mais. Isto significa
que o capital social é intangível (!!!).
O capital social tem duas vertentes relevantes:

• Relevância fundacional – em regra, o capital tem de ser disponibilizado na fundação da


sociedade, sendo menção obrigatória do contrato social e a principal forma de
contribuição dos sócios (salvo 9º nº1 al f)).
• Relevância funcional:
o Função interna – determinando a posição relativa dos sócios dentro da sociedade,
em razão do montante das suas participações;
o Função externa – “garantia” dos credores sociais, na medida em que lucros
ou dividendos só podem ser distribuídos quando o património líquido da
sociedade for superior ou exceder o montante do capital social acrescido das
reservas indisponíveis (reforço da intangibilidade, 295º e 296º).
Aprofundando a nossa análise, o que garante, na verdade, o capital social?
Aparentemente, nada! Se o património tiver desaparecido, pouco garante. Mas a cifra está
sujeita a um princípio determinante: o princípio da intangibilidade. A intangibilidade do
capital social determina a impossibilidade de distribuição de bens necessários e
indispensáveis à cobertura do capital social. Não significa que não possa ser mexido, tocado,
pois ele está sempre a ser afetado para a SC funcionar – na forma de património, esse sim, tangível
em absoluto, pois funcional ao objeto da sociedade. O seu significado resulta do regime do
artigo 32º - enquanto a sociedade não dispuser de bens que superem o montante do capital
social eventualmente investido de reservas legais constituídas, não pode haver bens
licitamente distribuíveis aos sócios, o que significa que ele é intangível. O capital social é
como um dique – evita que as terras baixas sejam inundadas pelas águas. O dique são todas as
entradas dos bens que os sócios formaram às sociedades. Só há ganhos na medida dos bens que
lhe forem disponibilizados, no momento em que tais bens superarem o valor do capital social,
extravasarem o dique e possam ser recolhidos, transbordando para os patrimónios individuais de
cada sócio. Só aí a sociedade pode distribuir a rentabilidade do investimento, ou seja, o que eles
procuraram quando decidiram participar no respetivo projeto.
Isto também não significa que não possa ser objeto de variações, mediante operações de
aumento ou redução de capital, já que o capital social deve conservar uma certa correspondência

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com o património societário e este deve ser conservado em detrimento das pretensões diretas dos
credores pessoais dos acionistas, ficando somente ao alcance dos credores sociais. O capital
social é o ponto de referência da situação económica da sociedade, funcionando como
medida, em relação à qual se determina se no decurso do funcionamento da sociedade
resultou acréscimo ou diminuição do património social. Quando o património se encontra
acima dessa medida, dizemos que a sociedade registou lucros, quando o património se
regista abaixo dessa medida, diz-se que sofreu perdas.
Nota: Com a liberalização do capital das SQ (DL 33/2011), o qual passou a ser meramente
simbólico, os credores deixaram de estar adequadamente garantidos pela regra legal que consagra
a intangibilidade do capital social (32º) para passarem a encontrar apoio somente no regime do
33º, que limita, em dadas circunstâncias, o reembolso de bens aos sócios. Isto leva-nos a
questionar a justificação prática do princípio da intangibilidade do capital social no âmbito das
SQ, dada a sua potencialidade de posicionamento no mercado com uma responsabilidade quase
nula. Neste sentido, pouca lógica terá defender a intangibilidade para as SQ.
É verdade que nos primórdios doutrinários, quando se concebeu a intangibilidade do
capital social, este não tinha esta função, mas sim um desígnio mais básico. Antigamente, havia
dificuldade em isolar o património das pessoas singulares do das pessoas coletivas com
património autónomo. Originariamente, o que este princípio fez foi dizer aos credores pessoais
dos sócios de uma sociedade que se tivessem um crédito sobre esses sócios não podiam acionar
o património da sociedade pois ele era in(a)tangível por todos - menos pelos credores sociais.
No máximo, o credor pessoal de um acionista pode executar as participações sociais,
fazendo suas as ações detidas pelo devedor, tornando-se, então, sócio, também tutelado pelo
princípio da intangibilidade do capital social.
Depois de constituído o capital social, os sócios devem, por imposição legal, reforçá-lo,
proteger esse capital social de uma maneira simples, recorrendo todos os anos o capital social a
uma reserva (obrigatória por lei), para cumprir prejuízos que possam vir (295º e 296º). A lei
determina que os sócios devem todos os anos deliberar a afetação de uma parte do lucro de
exercício não inferior a 5% para uma reserva legal obrigatória, o que é mesmo que reforçar o
dique com sacos de areia. Quando se prevê uma catástrofe natural, tenta-se remendar com meios
tradicionais. Os sacos de areais são as reservas legais obrigatórias, que devem ir até 1/5 do capital
social (5% dos ganhos de cada ano até perfazer 20% do capital social). As reservas não
distribuídas também estão sujeitas a intangibilidade (32º). Esta matéria será adiante desenvolvida.
O aumento do capital social pode ocorrer por uma dupla via:

• Aumento de capital por disponibilização de novas entradas (dinheiro, espécie ou misto);


• Aumento de capital social por incorporação de reservas (absorver no capital social os
sacos de areia), sendo que nesta parte não existe grande ganho para os investidores.
Quando se afeta uma parte dos lucros à reserva legal obrigatória, há outra questão
interessante: o que fazer com o remanescente?
À partida, se antes houve prejuízos, as reservas têm de ser chamadas a cobrir esses
mesmos prejuízos. Se houve ganhos, por exemplo, de 200.000.00€, 5% vão para a reserva legal
(10 mil) e os outros 190 mil vão para o património. Desenvolvamos.
Na hipótese de termos de cobrir prejuízos, deveremos encaminhar todo o lucro para a sua
cobertura, ou devemos constituir reserva legal que cubra o prejuízo e encaminhar o resto para
lucros do exercício? Não há uma resposta certa ou um sentido obrigatório:

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• Posição do Professor - é melhor constituir logo a reserva legal e distribuir o resto como
lucros do exercício. Esta solução é melhor porque se fica mais próximo do momento de
distribuição aos sócios, adiando-se o pagamento dos prejuízos.
• Contabilistas - deve-se cobrir logo o prejuízo.
Do interesse da sociedade extraímos que se se constituir uma reserva legal e se se for obrigado
a reforçá-la sempre, atrasamos a distribuição de resultados e obrigamo-nos a ter mais bens antes
de lucrar os investidores. Mas depois dos prejuízos cobridos, e afetados 5% ao reforço da reserva
legal, o que faço com o remanescente que está acima do dique? Esses lucros são distribuíveis,
pois não são necessários para reforçar reservas legais ou pagar prejuízos. Distribuo pelos sócios
ou acionistas na proporção das entradas ou posso não dispor deles, entregar metade e subscrever
o resto a reservas livres, constituídas voluntariamente pelos sócios (para enfrentar uma situação
de crise, investir, distribuir a qualquer momento).
Se uma sociedade comercial constitui-se reunindo os bens necessários para o exercício
da atividade económica que visa prosseguir, isso significa que a primeira preocupação é de se
capitalizar devidamente. Esta é uma realidade que não se sente de igual modo em todas as
sociedades comerciais, mas mais nas que se baseiam numa aglutinação de meios.
Há circunstâncias que implicam a variação do capital social, que é menção obrigatória do
contrato social e que só pode mudar com regras específicas. Sabemos do Direito das Obrigações
que os contratos alteram-se por consenso dos intervenientes na sua criação. No Direito das
Sociedades Comerciais iremos ver que o conjunto das regras básicas constantes do pacto social
que rege a sociedade alteram-se com maiorias variáveis – desde a unanimidade nas SNC, como a
maioria relativa ou qualificada nas SA. Isto é outra concretização do princípio da intangibilidade
do capital social. O que acontece é que uma modificação da cifra constante e imutável expressa
em euros que reflete a soma das participações iniciais dos sócios, para mais ou para menos, vai
carecer da participação ativa dos sócios. Ela não diz só que os credores pessoais dos sócios
“não podem mexer no património social, somente no património pessoal dos sócios”, mas
também que os próprios sócios não podem mexer nos bens societários se eles não forem
suficientes para cobrir o capital social e as reservas que se tenham constituído que servem
para reforço desse mesmo capital social.

2.1.1. O ágio ou prémio de emissão


Em dadas circunstâncias, pode haver uma discrepância positiva entre capital social e
capital de arranque, se as entradas prestadas pelos sócios forem dadas com prémio. Se os bens ou
dinheiro que os sócios entregarem tiverem um valor real de mercado superior ao valor nominativo
da participação subscrita, essa diferença designa-se por prémio de emissão ou ágio (295º nº3 al.
a) CSC). O ágio também constitui uma forma de garantir uma remuneração para quem já havia
investido na sociedade, face a quem somente investe quando o risco desaparece, através da sua
integração numa reserva legal especial, sujeita ao regime da reserva legal obrigatória (nº2 al. a)).
Isso é relevante em vida da sociedade, mas é raro no momento constitutivo. Ao início,
não importa que rubrica irá acolher esses bens, mas interessa muito mais a sua integração, quando
prestado em momento posterior, em reservas legais obrigatórias e adaptadas à recolha do ágio,
pois avultam, nesses casos, facilidades de disposição que não ocorreriam se prestados no
momento fundacional. A prazo, posso ter interesse em não elevar tanto a fasquia do capital como
poderia tê-lo feito se todos os bens disponibilizados tivessem sido feitos a título de capital social.
Todos os bens que os sócios integram na sociedade constituem o património social da
empresa, mas pode suceder que o sócio não tenha interesse em integrar todos os bens na sociedade

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ou a sociedade pode procurar um desequilíbrio entre o custo de participação social individual dos
sócios, dizendo que todos devem realizar o capital social mas parte deles irão suportar um custo
adicional que constitui um acréscimo patrimonial sobre o montante que irá ser destinado ao capital
social.
Exemplo: Imagine-se que vamos afetar um montante com um custo ao capital social, que outros
não terão de suportar. Tenho um capital social de 1M e posso dizer que para além deste milhão
todos irão contribuir, dentro das suas parcelas de 1 euro, com a realização de mais 50 cêntimos
por cada uma das participações. Neste caso, o prémio será constituído por meio milhão. Cada
sócio, por cada participação social individual que vale 1 euro, terá de prestar mais 50 cêntimos,
como prémio. Assim, a sociedade terá um capital social de 1M e 500 mil euros, recebidos a título
de prémio ou ágio. Qual é a vantagem disto?

• É que o capital social (1M) é intangível, ao passo que o montante do prémio (500 mil)
integra as reservas legais e pode seguir diversos fins:
o Incorporação no capital social ou conversão em bens disponíveis como reservas
livres, o que confere muito maior espaço de manobra à sociedade comercial –
pois a sociedade pode arrancar com milhão e meio, mas, a dada altura,
compreende que precisa de muito menos do que isso para funcionar. A prestação
do prémio ou ágio só faz sentido no momento fundacional se for prestado por
apenas alguns acionistas e não por todos, caso contrário só é lógica nos momentos
subsequentes. Assim, o ágio, em regra, tem relevância em sede de acerto do valor
económico das participações sociais.
O capital social é intangível, mas ele não é guardado no cofre, ele existe para ser usado,
para ser aplicado. Ele existe como cifra do contrato social, mas como também enforma o
património social da empresa, pode desaparecer na prática, ainda que por breves momentos, para
dar vida à sociedade no seu momento fundacional. Ao ser utilizado ele vai variar, de forma
negativa, depois começa a haver perspetivas de rendimento e ele retorna, etc. No final faz-se o
balanço, e diz-se que a sociedade obtém um ganho quando os resultados espelharem uma situação
superior ao seu arranque.
Só muito dificilmente é que, iniciada a sociedade, ela volta a estar numa situação igual à
fundacional, de coincidência entre o património e o capital social. A sociedade não pode retirar
bens dela enquanto não se superar o valor da cifra, do capital social, enquanto os bens não
transbordem o dique – isto é a essência do princípio da intangibilidade.
(1) Caso prático para perceber a intangibilidade do capital social: Por isso, se o capital se
perder – se se constitui uma sociedade com capital social de 1M e a dado momento regista um
imóvel de 500 mil euros, depósitos de 150 mil e não tem dívidas; o que lhe aconteceu? Se
decorreram uns anos, esta sociedade teve uma vida positiva ou negativa? O que é que ela ganhou?
Começou com um milhão e tem 650 mil de ativo. A situação é negativa, a sociedade ainda não
ganhou dinheiro nenhum. Porque é que o capital social, contabilisticamente, se inscreve no
passivo, no quadro do balanço? Porque o capital social só é distribuído quando o ativo transbordar
o capital social – isto visa assegurar que no ativo existam bens em valor superior para que possa
ocorrer uma distribuição lícita aos sócios. Só a sua inscrição no passivo evita que o valor
correspondente seja entregue aos sócios, como se de lucros realizados se tratasse, antes mesmo
de serem satisfeitos os credores pela importância equivalente. No nascimento, os sócios fazem
um “depósito à ordem” na sociedade, neste caso, de 1M. Se a vida correr bem, o que sucede? As
receitas da sociedade são maiores que os custos – a certa altura acrescentamos mais 1M ao
património. Começamos com 1M e temos mais 1M, ou seja, ao todo, 2M! Registo na rubrica de
resultados transitados: neste caso, de 1M. Se vivêssemos apenas com a intangibilidade do capital
social única e exclusivamente centrado no mesmo, o que sucederia? Diríamos que quando

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chegássemos a esta situação, teríamos 1M de euros para distribuir. Se fosse esta realidade na
máxima simplicidade, a intangibilidade significaria que se poderia dispor de 1M ao final do ano.
Contudo, a lei diz-nos que a sociedade tem de gerar bens que constituam uma reserva de valor a
acrescentar ao capital social. A lei impõe, no 295º (LER) que essa reserva seja correspondente a
5% do lucro do exercício, reserva essa, indisponível. Por outras palavras, está sujeita ao mesmo
regime do capital social (32º também refere). Assim, em vez de ter resultados transitados de 1M,
sem ter prejuízos para cobrir, tenho de colocar na reserva legal obrigatória 50 mil e obtenho
resultados transitados de 950 mil. Os 50 mil das reservas legais obrigatórias acrescem ao 1M do
capital social, englobando a mesma rubrica – tenho o capital social e uma reserva legal intangível.
O capital social é garante dos credores (sendo que o garante real é o património) pois significa
que se a sociedade está a distribuir lucros, dele consta uma parcela reservada à satisfação das
dívidas sociais, correspondente a 5% dos lucros. Ademais, diz que a sociedade está de boa saúde,
a distribuir lucros e a gerar capital próprio significativo. Quando a reserva atingir o montante de
1/5 do capital social, então não tenho mais nada a reservar e posso distribuir tudo! Tudo isto para
saber se a sociedade tinha uma vida feliz. Tínhamos visto que não. Se tem só 650 mil, quando o
capital social era de 1M, então averba prejuízos de 350 mil. A vida corre-lhe mal – compreender
isto é basilar.
(2) Caso prático para perceber a intangibilidade do capital social: vamos supor que a
sociedade em vez de ter um depósito de 150 mil tem um depósito de 650 mil - isto significaria
que a existência da sociedade seria feliz. A sociedade tinha ganho 150 mil euros de lucros (650
mil + 500 mil). Vamos supor que tem dívidas a um terceiro, no valor de 1M e 200 mil e o terceiro
quer executar a dívida resultante de mútuo – ele sabe que a sociedade tem um capital social de
1M, depósitos à ordem de 650 mil e um imóvel de 500 mil. O que é que ele pode fazer? Mobilizar
o património social para pagar a dívida – só poderá pagar 1M e 150 mil, ficando “a arder” em 50
mil. A cifra é APENAS um valor de referência. O CAPITAL SOCIAL NÃO PAGA DÍVIDAS,
ainda que tenha correspondência no ativo, claro, porque foi aplicado. Neste caso, a vida corria
mal porque perdeu tudo o que se investiu e ainda ficou a arder em 50 mil. O capital social “não
existe”! Existe no momento fundacional, reflete-se no ativo e é rubricado no passivo.
O património social, que está em permanente mutação, é, em sentido amplo, o conjunto
de direitos e vinculações suscetíveis de avaliação pecuniária – é ele que responde, sempre, pela
pelas dívidas sociais, constituindo a sua garantia efetiva.
O património líquido ou capital próprio (aquele que nos interessa) é a diferença
aritmética entre os créditos (ativo ou património ilíquido) e as dívidas (passivo) sociais.
Há somente uma única ocasião em que o capital social é tangível e paga dívidas: se ele
ainda não foi totalmente realizado pelo sócio participante, revestindo, assim, uma dívida do
sócio para com a sociedade, que esta pode e deve acionar em caso de incumprimento para
com terceiros. Aqui sim, a sociedade pode procurar sacar o dinheiro a cada um, pelo qual são
responsáveis. Este é o único desvio, quando o capital social não fio realizado/entregue na íntegra.
O capital social não garante aos credores no pagamento de dívidas. Por isso, os sócios podem
querer aumentar o capital, para se tornar mais fácil obter um efeito positivo para eles e mais difícil
fica para os credores acionarem, mas podem querer reduzir o capital para mais facilmente
disporem dos bens excendentários. As reservas existem para cobrir os prejuízos, mas podem
desaparecer quando se registe um ano desastroso – tal como o capital social, são valores fictícios,
cifras, que representam valores aplicados.
O capital nos diversos tipos societários é diferente. Ele é essencial nos tipos de
responsabilidade limitada onde não pode haver entradas de indústria (SQ e SA), mas menos
importante nas SNC ou SC. Como nos dizem os artigos 277º nº1 e 202º nº1, todas as entradas têm
de ser em dinheiro ou em espécie (271º e 197º nº1). Nos tipos inicialmente indicados, existe um

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mínimo de realização. Como iremos ver, o capital pode ser realizado em dinheiro ou em bens em
espécie: bens que não dinheiro, mas penhoráveis, suscetíveis de avaliação pecuniária. Uma vez
afetos passam a fazer parte da titularidade dessa sociedade. Nas SA, os acionistas devem realizar
o mínimo de 30% do montante mínimo do capital social em entradas em dinheiro, que é 50 mil
euros (275º nº3 e nº5). Nas SQ, o capital social pode ser simbólico e pode ser de 1€ por cada
sócio. Ser dotado de uma estrutura forte é um grande passo para a credibilidade social da empresa.
Como referimos, o ágio ou prémio de emissão é algo que tem mais sentido a propósito
dos movimentos positivos do capital social e do seu reforço, porque é um expediente utilizado
para introduzir correções. Os ágios são mencionados no 295º nº2 a) como reservas legais
especiais, pois irão integrá-las para depois seguirem diversos caminhos que resultam do 295º nº3.
Em regra, o ágio se se reportar a entradas de capital como ações deve ser de montante
correspondente ao diferencial entre o valor nominal ou de emissão das ações e a quantia que os
respetivos subscritores disponibilizarem à sociedade.
Exemplo: Se eu como acionista, realizar uma ação com o valor nominal de 1 euro, posso
disponibilizar à sociedade uma quantia adicional e suportar 50 cêntimos a títulos de prémio de
emissão. Porque é que devo ter de suportar mais do que o valor da ação? Em termos aritméticos
é indiferente, entregar 1€ ou 1,50€ a título seja do que for - e vai tudo para a sociedade, indo parte
para rúbrica das reservar legais obrigatórias e o resto para a rúbrica do capital social. Mas se
olharmos para o 296º e 32º, vemos que a distribuição estará condicionada aos bens que superem
a soma do capital social e das reservas que a lei ou contrato não permitam distribuir aos sócios.
Portanto, se a reserva especial não for composta por bens livremente disponíveis, os bens são
também protegidos.
O ágio utiliza-se para introduzir correções com base no princípio atinente ao facto de que
devendo a participação social exprimir-se num dado valor designado valor nominal – por regra,
o valor da sua realização, impera que todas as participações da sociedade devem ser do mesmo
valor nominal – todas as criadas no momento da constituição e todas as criadas no momento do
aumento de capital social. Com capital social de 1M e 1M de ações, cada ação tem o valor nominal
de 1€ (valor nominal da ação = capital social a dividir pelo nº de ações). Se amanhã quiser reforçar
o capital para ter mais bens, devo emitir ações com o mesmo valor nominal das existentes.
Exemplo: Imaginemos que a sociedade se constitui nestas condições e no momento seguinte (2
ou 3 anos depois, não interessa), as ações apresentam um valor real (de mercado) de 1,50€. Isto
é, o valor real aumentou, ou seja, a sociedade está mais valiosa: valia 1M no momento da
constituição e agora vale 1M e meio (valor de 1 ação =1,50 x 1M de ações com valor nominal de
1€). Assim, as ações tiveram uma valorização de 50%. Por cada ação de 1 euro que vendesse,
pagavam-me 1,50€. Mas eu quero continuar nesta sociedade e quero valorizá-la. Vou ao mercado,
pois os que constituíram a sociedade já não têm bens e tento fazer aumento de capital social para
angariar bens, cativando todos os interessados a participar na sociedade. Se vou ao mercado à
procura de outro milhão, para ter capital social de 2M, se for junto do mercado procurar a
subscrição do capital social pelo valor nominal, significa que vou ao mercado emitir 1M de novas
ações, ou seja, os novos acionistas que não integravam a sociedade vão pagar 1€ pelas novas
ações. Isto é bom? Sim, porque estão a ter acesso a uma sociedade saudável a um baixo valor de
mercado. E para quem já era acionista? Para estes, é um mau negócio, pois perdem poder e valor
nominal relativo. Assim, passamos a ter 2M e meio de valor real de participações o que, com 2M
de participações, significa 1,25€ de valor nominativo. Assim se demonstra que os sócios que
entraram adquiriram ações a valor vantajoso e os sócios que já existiam perderam valor. 1,25€
pois se antes se tinha 1M de ações que valiam 1,5M, com 2,5M de ações, o seu capital deve ser
dividido por 2, perfazendo 1,25€. Antes, tinha 1M de ações e valia 1M e meio, cada ação valendo
1,50€. Acrescentei 1M por cima, valendo não 1,5M mas 2,5M. Assim, quem está na sociedade
perde 0,25€ e quem entra ganha 0,25€. Entre o 1M de arranque e o 1,50 do primeiro resultado
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houve somente uma valorização da empresa, porque a vida lhe corria bem. Todas as ações, todas
as partipações sociais valorizaram. Valiam 1€ (valor nominal) e passaram a valer 1,50€ (valor
real), pois a sociedade valorizou-se de 1M para 1,5M (valor do ativo societário). Depois a
sociedade pediu mais capital, porque quer crescer, logo vai à procura de acionistas, mas só posso
emitir ações com o mesmo valor nominal das existentes (1€) e se eu for ao mercado vendê-las a
terceiros, permito que eles se aproveitem do acréscimo de valor que já estava na sociedade, por
isso o terceiro percebe que é uma ótima oportunidade de negócio. A ser assim, só um grande
samaritano faz a operação. Isto é masoquismo. Não posso oferecer de bandeja 0,25 a quem entra
na festa a meio. Tenho de dizer que isto é muito bom, por isso vendo-o por um valor justo. Coloco
1M no mercado, mas quem vier, paga 1€ mais 1 prémio de 50 cêntimos (valor real) – paga ágio
de 50 cêntimo e 1,50€ por cada ação. Assim, em vez de ficar com uma sociedade a valer 2,5M
após o aumento de capital, fico com uma sociedade a valer 3M (valor real 1,5 x 2M, e já somente
vezes 1M de ações), e então no momento seguinte ao aumento de capital, já não tenho o que tinha,
1M de ações a valer 1,50€ cada uma, mas 2M de ação a valer 1,5M cada uma, pois divido aqueles
500 mil para igualar a introduzir correções. O tal ágio foi para uma reserva legal especial
pertencente a todos os sócios, tanto dos novos como dos velhos. Se o aumento de capital fosse
feito apenas com os sócios iniciais na proporção das suas participações, era indiferente, pois tinha-
se mais ações mas com menor valor relativo de cada uma. Por isso, a lei prevê que quando haja
um aumento de capital exista um direito legal de preferência dos sócios/acionistas previsto nos
266º e 458º frente a terceiros, para se houver algum desequilíbrio, tal não venha a acontecer, de
facto. O que era normal era que os que entrassem não pagassem um ágio de apenas mais 50, pois
ainda assim é ótimo negócio! Eles não arriscam nada porque a sociedade já arrancou, já carbura,
por isso o ágio existe para haver um ganho indireto de quem já está a bordo e compensar
negativamente quem entra para a festa quando esta já bomba. Por isto mesmo, no momento de
arranque não faz sentido haver ágio, porque todos suportam os mesmos riscos, a operação é
sempre neutra.

2.1.2. Reservas
Por princípio, não existem desde o início, pois correspondem a contribuições que vão
sendo feitas para reforçar os meios financeiros da sociedade e proporcionar assim uma maior
estabilidade, representando, em alguns casos, o adiamento da distribuição dos lucros após
resultados positivos. As reservas são reguladas no CSC nos artigos 295º e 296 (SA) e 218º (SQ)
por remissão para as SA. São várias as reservas/contribuições que a lei considera ou equaciona:

• Reservas legais obrigatórias – As mais habituais. São destinadas a reforçar o capital


social e desempenham função análoga, correspondendo à obrigação de afetar uma parte
correspondente ao mínimo de 5% do lucro do exercício (após o computo do resultado do
exercício) até perfazer o montante correspondente a 20% (1/5) do capital social (295º
nº1). Este valor destina-se a um fundo que se designa, sobretudo, à cobertura de
hipotéticos prejuízos. Representam um reforço da intangibilidade do capital social.
Olhando para a disposição das SQ, ficaríamos impressionados, porque neste plano (218º,
que remete para o 295º e 296º) a reserva legal mínima é de 2500€ (ex-metade do capital
social mínimo, 218º nº2). Antigamente, nas SQ a reserva tinha de ser pelo menos 2500€,
ou 50% do capital social. Hoje, esta disposição revela-se anacrónica, pois ocorreu a
liberalização do capital social das SQ que é simbólico (1€, pelo DL 33/2011, se a
sociedade for unipessoal) – no entanto, hoje em dia, pelo menos garante uma pequena
dose de responsabilidade da sociedade, o que parece positivo – não obstante o óbvio lapso
legislativo. Se o capital for superior a 12500€, 20%, se for simbólico tenho de recolher

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5% dos lucros de cada exercício até ter 2500€ de reserva legal obrigatória. Estas reservas
legais obrigatórias podem ser usadas para:
o Cobrir os prejuízos que resultem do balanço e que não possa se coberto pelos
lucros do exercício;
o Aumentar o capital social por incorporação das reservas (que, posteriormente,
deverão ser refeitas) – o que pode parecer paradoxal, pois falamos de aumentos
por incorporação de reservas legais, não reservas livres…;
• Reservas legais especiais – Tem-se especialmente em atenção o regime do artigo 295º
nº2, onde se prevê a criação de reservas especiais para diversos efeitos:
o Nº2 al. a) e nº3 e nº4 - Ágios obtidos na emissão de ações, ou obrigações com
direito a subscrição de ações, ou obrigações convertíveis em ações, em troca
destas por ações e em entradas em espécie;
o Nº2 al. b) - Saldos positivos de reavaliações monetárias que forem consentidas
por lei, na medida em que não forem necessários para cobrir prejuízos já acusados
no balanço;
o Nº2 al. c) - Importâncias correspondentes a bens obtidos a título gratuito, quando
não lhes tenha sido imposto destino diferente, bem como acessões e prémios que
venham a ser atribuídos a títulos pertencentes à sociedade;
o Nº2 al. d) - Diferença entre o resultado atribuível às participações financeiras
reconhecido na demonstração de resultados e o montante dos dividendos já
recebidos ou cujo pagamento possa ser exigido relativamente às mesmas
participações.
• Basicamente, podem resultar de três caminhos:
o De determinadas contribuições feitas para a sociedade que a lei impõe um regime
legal dado, para que não sejam utilizadas pela própria sociedade;
o De reavaliações que sejam efetuadas ao abrigo de uma determinação legal e que
aumentem o valor de bens de que a sociedade dispõe num determinado momento;
o Da própria lei, que imponha que para assegurar determinados bens que a
sociedade tenha, ou determinados direitos de que seja titular, essas reservas sejam
constituídas em dado montante (295º e outros do CSC).
• (Cont.) Também se reconduz a reserva especial os montantes correspondentes a
participações próprias da sociedade (ações ou quotas da própria sociedade, o que não
pode suceder no início da sua vida) – 324º nº1 b), in fine (via 220º nº4). Este princípio
conhece uma outra aplicação no âmbito do CSC no domínio das SA, mais concretamente
no artigo 463º nº2 b), in fine, segundo o qual é possível deliberar a redução do capital
social por extinção de ações próprias se forem extintas unicamente ações liberadas,
adquiridas por meio de bens distribuíveis, e desde que seja constituída reserva especial,
sujeita ao regime do 296º, em montante correspondente ao valor nominal das ações
extintas. Contudo, à cabeça destas reservas estão os ágios, suportados pelos sócios para
ter acesso ao capital da sociedade (custo adicional). Os ágios podem não apenas resultar
de entradas em dinheiro relativas a ações, mas podem também ser prémios pagos pela
subscrição de ações de uma sociedade (operação de emissão de dívida). A questão mais
interessante quanto a estas reservas, que também podem ser constituídas no montante de
bens gratuitamente disponibilizados à sociedade, é que a reserva legal especial está sujeita
ao mesmo regime da legal obrigatória (296º) - isto apesar de não visar assegurar ou
garantir como contrapartida uma determinada situação contabilística, mas sim impedir
que os bens que lhes correspondam sejam mal empregues. Se a sociedade tiver ágios,
nada impede os sócios ou acionistas de promover um aumento de capital para as integrar
no mesmo, e depois fazerem uma redução por libertação de excesso, para poder distribuir.
Isso significa que posso usar reservas legais (especiais) para as tornar reservas livres?
Olhamos para o 296º e tal não parece ser possível. Mas pode-se aumentar o capital social

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por incorporação de reservas legais especiais (91º e ss.), e isso podia ser ludibriado por
redução de capital (94 e ss.). Posso fazer isto, não obstante a reserva legal especial visar
que os bens que lhes correspondem não sejam disponíveis pelos sócios, pela proximidade
que tem com o próprio capital social (contributos dos acionistas com ágios). Sempre que
a reserva de capital não vise garantir uma situação contabilística (ex. 324º b), via 296º) –
o ágio ou se transforma em reserva livre e é distribuído, ou cobre perdas, ou é incorporado
em capital social para se fazer uma redução e ser distribuído -, tal será possível. Certos
tipos de sociedades, como as instituições de crédito podem estar legalmente obrigadas a
possuir reservas legais superiores (97º nº2 RGIC).
• Reservas livres – correspondem aos lucros de cada exercício que sejam distribuíveis mas
não foram distribuídos aquando da aplicação de resultados de cada exercício.
Representam a acumulação de lucros, a não ser que resultem da conversão de reservas
legais especiais. A todo o tempo podem:
o Ser distribuídas, por deliberação dos sócios (31º nº1);
o Cobrir prejuízos do exercício ou transitados de exercícios anteriores (296º b) e
c));
o Ser incorporadas no capital social (91º nº1, nº2 e nº4 c)).
• (Cont.) Designam-se livres, por poderem ser livremente distribuíveis (dentro do princípio
da intangibilidade do capital social) e não estão sujeitas ao regime das reservas legais.
• Reservas estatutárias – o contrato de sociedade pode impor que uma parte do lucro de
exercício possa ser aposta a uma reserva até perfazer um dado montante, que pode
constituir o reforço da reserva legal, ou a afetação obrigatória de uma percentagem do
lucro para um “fundo de reserva estatutária”. São, hoje, muito raras e o CSC nem sequer
as menciona autonomamente.
• Reservas ocultas –. Decorre do facto de os bens da sociedade não estarem avaliados pelo
seu valor real de mercado atual. Latentemente existe um montante que não está inscrito
no balanço, pois os seus bens sociais podem ter sido objeto de uma subvalorização
contabilística. O seu valor poderá ser superior ao capital de arranque! Há mecanismos
que visam garantir que os bens não sejam sub nem sobrevalorizados. Se forem sobre,
tenho património inferior ao capital social, mas se foram sub, tenho património superior
ao capital social. Estas reservas ocultas são indesejadas, logo a lei exige que os bens em
espécie sejam avaliados por um ROC independente. Em vida da sociedade, podem
sempre vir a crescer reservas ocultas, pois os bens sempre valorizam e desvalorizaram.
Neste momento, tudo é mais volátil e é compreensível que suceda – por exemplo, no
mercado imobiliário. A lei, contudo, não permite sem mais que se disponha destas
reservas, pelo que para serem declaradas deve haver uma reavaliação dos bens, que só
sucede mediante leis especiais (ex. lei que revalorize valores de imóveis). Não podem,
tão pouco, ser distribuídas pelos sócios enquanto não forem objeto de avaliação no
balanço – 33º nº3 CSC (Paulo de Tarso Domingues extrai deste preceito um princípio
geral de inadmissibilidade deste tipo de reservas).
o Reservas de reavaliação - são a diferença positiva entre o valor dos bens que se
tinha antes e os que se registam depois da reavaliação, podendo seguir o regime
das reservas legais. Só constituem uma categoria autónoma quando utilizadas
para cobrir prejuízos (295º nº2 b)). Estas reservas resultantes da reavaliação
positiva de bens no ativo imobilizado da sociedade podem ser convertidos em
reservas livres mediante deliberação dos sócios ou acionistas? O Professor
entende que sim, visto que podem ser incorporadas no capital social por aumento
de capital e depois distribuídas por redução subsequente (libertação do excesso)
– com salvaguarda, sempre, da reserva legal mínima (95º nº1 – 1/5 do capital
social da sociedade comercial).

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• Reservas de fusão – quando duas sociedades fazem uma fusão (união total de ambos os
património), elas juntam os capitais sociais e as duas cifras correspondentes. Se não
sofreram qualquer reajuste, pode-se determinar um novo capital social que pode não
corresponder à soma aritmética das sociedades fusionadas. Se isso acontecer, a diferença
entre a soma pura e o novo capital, integrará a rubrica das reservas de fusão. Estas podem
ser convertidas em reservas livres e ser distribuídas. É uma operação contabilística.

2.1.3. Capital Social e Justo Valor


O que significa capital próprio e o que significa justo valor? O capital próprio é o que integra
estavelmente o ativo da sociedade – bens que perfazem o valor do capital social + reservas legais.
O capital próprio é a expressão que em 2010, com a alteração para o SNC, veio substituir a
“situação líquida” da sociedade ou “resultado líquido” da sociedade. Não o integram, por
exemplo, os suprimentos (243º e ss.), que podem ser reembolsados à custa da situação líquida.
Isto permite-nos aferir qual o capital que a início foi prestado que ainda subsiste – resultado da
atividade social face ao capital de arranque. Os bens que os sócios podem retirar livremente da
sociedade sem limitações do capital social, não integram os capitais próprios. O conceito de
capital próprio resulta da estabilidade máxima do bem no capital social. Esta noção tem especial
relevância para efeitos do artigo 32º nº1 e 35º. O artigo não especifica o que se entende por capital
próprio – daí, o Professor arriscar a definição acima adiantada, em articulação com o disposto no
artigo 349º nº1, 1ª parte.
O conceito de justo valor aparece no 32º nº2. Ele permite que no balanço de uma sociedade –
determinação da sua situação pontual no final de um exercício – se possa determinar de acordo
com os critérios do mercado, o valor de determinados ativos no seu balanço (fixos, tangíveis e
intangíveis) – por exemplo, o valor das ações que a sociedade tem em carteira de outra sociedade;
se valorizaram, isso deve ser contabilizado – o reconhecimento de uma variação negativa
constante é a imparidade. Contudo, tratando-se de um critério valorimétrico suscetível de
provocar grandes oscilações nos indicadores contabilísticos das sociedades comerciais impunha-
se regular a distribuição de valor provocada pela sua aplicação. Por isso, a lei societária vem exigir
que os incrementos que decorreram da projeção do critério do justo valor no capital próprio da
sociedade apenas relevam para poderem ser distribuídos aos sócios bens da sociedade quando o
valor dos ativos que integram o capital próprio se fixe definitivamente o que só ocorre pela
alienação, exercício, extinção e liquidação dos elementos e direitos que o compõem, ou
relativamente, aos ativos fixos tangíveis e intangíveis, pelo seu uso (32º nº2).
Do 32º nº3 consta uma norma complexa, que tem subjacente uma ideia de que os bens têm
que ter uma efetiva realização para que essa expressão externa possa corresponder a uma realidade
efetiva. Suscitado em sede de sociedades coligadas ou participadas, ele diz-nos que quando as
contas de uma sociedade participarem com outra, o resultado da sociedade dominada acresce à
dominante, mas a dominante não acresce até quando o rendimento da participada não se repercutir
na dominante.

2.1.4. Subcapitalização e sobrecapitalização


As sociedades comerciais nem sempre se constituem com um capital social adequado às suas
necessidades económicas. Muitas vezes nascem com necessidades económicas, tendo de recorrer
a fontes internas (sócios) ou externas (terceiros) de financiamento.

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A subcapitalização ocorre quando os meios financeiros são insuficientes para prosseguir a


atividade económica a que a sociedade se propõe (praticar atos que correspondam ao objeto
social). Pode ocorrer por factos:

• Voluntários – quando o estudo inicial tiver perspetivado o nível de exigência


efetivamente exigido para a atividade, admitindo que o capital a reunir seria menor do
que o que de facto seria necessário. Podem saber perfeitamente que estão em falta, mas
que podem colocar bens próprios para suprir as falhas. Todas as sociedades de capital
simbólico nascem subcapitalizadas (subcapitalização legal!). Também podem ocorrer por
deficiente previsão ou simplesmente por estratégia comercial.
• Involuntários – por exemplo, quando surgem crises económico-financeiras.
• Positivos – decorre da consciencialização por parte dos sócios de que os capitais reunidos
até podiam ser suficientes, mas querem redimensionar, fazer crescer e ampliar a atividade
da sociedade, e nesse momento o capital será sempre insuficiente (“revisão em alta”).
Há várias formas de superar a situação de subcapitalização:

• Recurso a autofinanciamento – financiamento no perímetro da sociedade, com bens dos


próprios sócios (modalidades que serão, adiante, mais desenvolvidas). Este é o expediente
mais imediato, mais fácil:
o Obrigações de prestação acessória de capital – 207º e 297º - Obrigações sociais
que sejam impostas no contrato de sociedade (apesar do princípio da cogente
alterabilidade, a clara exceção é o princípio da chamada inoponibilidade de novas
obrigações em vida da sociedade, ou ineficácia relativa, que diz que não se pode
criar obrigações com que os sócios não contavam; isto determina não que tenha
de haver 100% de concordância mas que a todos os que seja oponíveis tenham
concordado – 86º nº2). Quando crio novas obrigações, não quero dizer que serão
logo exigíveis, mas que na eventualidade de aparecerem sejam cumpridas. As
obrigações principais são as obrigações de entrada e de quinhoar nas perdas, as
acessórias são as que contam do 207º e 297º. Podem ser em dinheiro ou qualquer
bens fungíveis ou mesmo prestações de facto (podem nas sociedades por quotas,
discute-se nas SA);
o Prestações suplementares de capital – artigos 210º a 213º – podem ser exigidas
pessoalmente dos sócios em caso de necessidade social;
o Suprimentos – 243º a 245º - empréstimos feitos pelos sócios à sociedade, que
vencem juros e são uma forma de rendimento pessoal (SA e SQ). O suprimento
diverge dos mútuos comuns pelo facto de poderem não revestir forma física,
serem meramente consensuais e não dependerem de tradição (mútuo civil é real
quoad constitutionem).
o Aumento do capital social – 87º a 93º – quando é acionado o direito legal de
preferência dos sócios, mas também pode ser feito por terceiros, caso em que é
heterofinanciamento.
o Disponibilizações de tesouraria – adiantamentos de caixa à sociedade prestados
por alguém, como os administradores, que não devem dar a volta ao calendário,
devendo ser contraprestado o mais rapidamente possível.
• Recurso ao heterofinanciamento – financiamento fora da sociedade, por terceiros:
o Financiamento bancário;
o Empréstimo obrigacionista – recorrer ao mercado, disponibilizando valores de
mercado estandardizados para ser subscritos e assumir o pagamento de uma
remuneração por conta desse empréstimo. Também poderão ser prestados por
sócios da sociedade, caso em que se torna autofinanciamento.
o Outras situações, como:

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▪ Capital de risco;
▪ Project finance;
▪ Garantia mútua.
Nota: O mais habitual é, no começo da vida da sociedade, haver adiantamentos de tesouraria que
se converterão em contratos de suprimento.
Isto contrapõem-se à sobrecapitalização – o problema é qual? É que o que está a mais não
se usa, é improdutivo, logo podia estar a render; quando isto acontece, reembolsa-se quem o
prestou, por uma de várias razões:

• Má previsão ab initio;
• Conjuntura especialmente favorável;
• Redimensionamento negativo – planeavam explorar 5 mercados, mas ficam por 4.
Nota: A “lavagem de dinheiro” é o único motivo para fazer uma sobrecapitalização consciente,
pelo menos em grande escala. Em pequena escala, até pode fazer sentido, para impressionar a
competidores ou investidores.

3. O sócio e o acionista |Generalidades; qualificação da situação jurídica |Obrigações


|Direitos
3.1. Generalidades; Princípios
O problema que se coloca é saber se no fundo uma pessoa é titular de situações jurídica
por ser sócio, ou se é sócio por efeito das situações jurídicas que emergem de um determinado
contrato. É-se sócio por se ter certos direitos e deveres, ou tem-se certos direitos e deveres por
ser-se sócio? A sociedade é consequência necessária do contrato ou este constitui mero requisito
formal daquela? Digladiam-se duas teorias:

• Teoria contratualista (pendor objetivo) – uma pessoa celebra um contrato e desse


contrato emergem direitos e vinculações ou outras situações jurídicas e, por força desses
direitos e vinculações, a pessoa adquire o direito de sócio. A sociedade é uma
consequência do contrato. Primeiro vem o contrato social, depois a posição de sócio.
• Teoria institucionalista (pendor subjetivo) – o contrato existe, mas é instrumental à
criação e ao reconhecimento da posição social. Por ser sócio dessa sociedade é que se é
titular de direitos ou se está sujeita a vinculações. As pessoas celebram o contrato social
para poderem ser sócias, tendo a perspetiva de exercer em comum uma atividade (affectio
societatis). Primeiro vem a posição de sócio, depois o contrato social.
Qual o fundamento, então das sociedades comerciais? Pode ter interesse o pendor do
intérprete na opção por uma ou outra. Em cada cláusula do regime legal, esta opção tem
influência. Ainda assim, é normal que a teoria institucionalista se adaptem melhor às sociedades
pessoalistas (980º CC), como a SNC, em que se exerce em comum com outras pessoas uma
aticidade com fim lucrativo, e é normal que a teoria contratualista se adapte melhor às SA, por
decurso da objetivização das participações sociais – ações, realidades que as exprimem, que
constitui um complexo de situações jurídicas. Essas situações não são necessariamente atribuídas
diretamente aos sujeitos, mas às participações. O cunho pessoalista destas sociedades é bastante
esbatido em prol da participação social concreta. Por isso mesmo se permite que sejam detidas
por entidades que não possuem personalidade jurídicas, como os fundos de investimento.
Embora a SA adquira também uma personificação semelhante às demais sociedades, o modo
como as sociedades de pessoas são perspetivadas, em que se atende a cada um em razão da sua

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qualidade pessoal, difere bastante do modo como as sociedades de ações são perspetivadas,
caracterizadas por unidades de valor estandardizadas, constituídas por um complexo de direitos e
vinculações. Um jurista alemão diz que nas SA há um direito social de participação autónomo,
logo uma pessoa é tantas vezes sócio quanto o nº de ações que detiver em cada momento, pois os
direitos são das ações e não das pessoas em concreto que as possuem à partida, quanto mais ações
se detiver, de maior prorrogativas nos revestiremos. Já nas SQ, por terem a pessoa do sócio como
eixo determinante, a amplitude da intervenção será praticamente indiferente independentemente
do montante da participação que detenha.
Ainda assim, há exceções. Não obstante o direito se endereçar às ações, existe o direito do
artigo 385º (unidade de voto) – cada acionista tem de utilizar as ações para manifestar a sua
vontade num mesmo sentido. Isto é um pendor pessoalista no seio da realidade objetiva das SA.
Através de uma lógica diferenciada, concluímos que o fundamento das sociedades comerciais
não é uniforme. Em todas as sociedades de pessoas (releva a qualidade de sócio), quando a
sociedade é constituída ela é organizada e estruturada em razão dos seus sócios, para que através
dessa organização, desse ato constitutivo, determinada pessoa se torne sócio e tenha um estatuto
concreto. É nítido nas SNC ou mesmo nas SQ. Em outros tipos, como as SA, o que releva é o
investimento financeiro – não tem interesse em desenvolver pessoalmente a atividade, mas querer
arriscar capital para obter um retorno financeiro satisfatório, seja certa (dividendos) ou incerta
(diferença entre valor de compra e de venda da participação) a mais-valia. É só isto que
fundamenta as SA? Não, nem quanto às pequenas e médias sociedades anónimas nem quanto às
grandes, pois no momento da constituição pode haver um verdadeiro interesse em prosseguir uma
dada atividade, seja como quem for, mas é sempre isso que sucede no momento de variação
positiva do capital social em vida de qualquer SA. Em vida da sociedade essa diferenciação é
gritante em todos os que entram a meio da festa. Como nas SQ só se pode ter uma quota (salvo,
por exemplo, aquisição de uma quota social por aquisição derivada translativa mortis causa), a
sociedade não funciona tanto em torno destas.
As razões justificativas da aquisição da qualidade de sócio ou - para poder abranger também
uma correta caracterização das SA - as razões justificativas da aquisição da participação social,
são as seguintes:

• Aquisição do estatuto de sócio como meio adequado para o obter o próprio estatuto;
• Aquisição do estatuto de sócio como investimento financeiro para obter um ganho certo
ou incerto.
Uma pequena nota para dois princípios determinantes no domínio societário, que são
particularmente importantes no plano do sócio acionista:

• Igualdade de tratamento dos sócios – a lei não faz referência específica a este princípio,
embora o trate sempre, pois em razão dos direitos e vinculações todos devem ter um
tratamento equitativo e não se deve avantajar um em relação a outros – só no âmbito das
SA (321º) releva explicitamente, a propósito da aquisição da sociedade das ações
próprias. Quando a lei diz que todas as participações devem ser tratadas de igual forma,
segundo o 302º, por concederem direitos idênticos, isso significa que não devem ser
discriminadas – salvo se a tanto a própria natureza do caso obstar (321º, in fine), por
exemplo, quando estivermos perante ações de categorias diferentes. Então, em geral,
numa SA, todas as ações de uma categoria merecem o mesmo tratamento. Isto é que está
subjacente ao aumento do capital e a participação nesses aumentos por parte de cada sócio
em razão da sua participação no capital da sociedade. Esta matéria também tem
afirmações no CVM, como o artigo 15º, 112º, 197º. Este princípio também releva

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substancialmente no âmbito da redução do capital social - ao fazê-lo, deverá afetar por


igual as participações, e não afetar as participações de uns acionistas em vez de outros.
• Tutela das minorias – é preciso encontrar o sentido que cabe orientar a ação e
intervenção das sociedades no mercado? A lei tem uma especial preocupação em proteger
aqueles que constituem uma minoria no quadro da sociedade (não aferida em razão do nº
de detentores da ações mas o nº de ações detidas que em certas situações tenham um papel
especial que aumentem o seu poder no seio da sociedade: ex. poder especial na
designação de administradores (392º nº6), designar em acrescimento nos órgãos de
fiscalização alguém da sua confiança (418º). A minoria também pode intervir
especialmente ao poder obter informações por escrito (291º), ou requerer a convocação
de assembleias gerais, com regras diferentes do CSC ou do CVM sendo suficiente ser
detentor de 5% do capital social em geral para requerer a convocação de uma AG (375º
nº2) e tais 5% ser suficiente para introduzir novo assunto em AG já convocada. No plano
do CVM e quanto às sociedade cotadas, os artigos 22º-A e 22º-B permitem que 2% do
capital social tome iniciativas análogas. Quanto maior é a sociedade, menor é a exigência
para a minoria poder atuar os seus direitos. Ou seja, o direito das sociedades comerciais
preocupa-se com as minorias.
o Abuso da minoria? As minorias, contudo, podem criar situações de bloqueio,
que se revelem abusivas – por exemplo, quando impedem uma variação positiva
do capital social. Discute-se se o abuso da minoria existe (sendo que existe abuso
da maioria, quando vise privilegiar algum sócio - 51º ºnº1 b), o que já decorreria
do regime geral do abuso de direito). A lei não trata o abuso da minoria – ela
pode não estar disponível para capitalizar a sociedade, mas também não querer
que outros entrem. Embora a lei não o admita, não repugna aplicar ao abuso da
minoria, regime igual ao abuso da maioria – votos tidos como não expressos,
quando não permitirem deliberação vital para a sociedade (sublinhe-se que “não
expressos” não significa “de sentido idêntico à maioria”). Assim, procuro
substituir a declaração de voto que não tive, por uma declaração judicial de
sentido idêntico, com conteúdo de execução específica – contudo, esta posição é
meramente especulativa.
Ainda que o interesse seja imediato ou consequência do investimento financeiro, há uma
especial finalidade no domínio das SA e SQ: limitação da responsabilidade do sócio à participação
que ele próprio subscreve ou ao montante do capital social. Isto não significa que em certas
circunstâncias e pela posição que ocupa numa realidade com essa natureza, ele não assuma
qualquer responsabilidade. São dois os artigos que relevam na parte geral: 83º e 84º. Se a SC for
dominada por um sócio único ou se corresponder ou se integrar num grupo detido por uma só
sociedade, pode-se responsabilizar o sócio único ou mais influente. Isto visa libertar o sócio de
obrigações que ele não poderia perspetivar.
A limitação da responsabilidade corre no sangue do fenómeno societário, ou seja, é essencial
o sócio poder antecipar o que lhe será exigido - isto determina que não haja um dever específico
de lealdade dos sócios em relação à sociedade, que ultrapasse o dever genérico a toda a
contratação (boa-fé, etc.). Isto releva:

• Dever de lealdade (64º) dos administradores e titulares de órgãos sociais;


• Doutrina divide-se quanto a estes pontos – muita doutrina defende que os sócios têm um
dever específico de lealdade, mas o Professor diz que isso é incompatível com a limitação
da responsabilidade.

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Se as coisas não estiverem a correr bem, ele pode não fazer nada, simplesmente desinteressar-
se pela sociedade – ela não tem qualquer dever de cuidar do bem. Não este que não devesse existir
de iure condendo, mas de iure condito não faz sentido porque aumenta a responsabilidade.
Em suma, podemos concluir que a situação do sócio nas SA é de uma crescente objetivização
da participação social (contratualismo), ao passo que se verifica uma crescente pessoalização nas
SQ (institucionalismo). Os tipos sociais afastam-se, gradualmente, um do outro. É
suficientemente ilustrativo o facto de que nas SQ os direitos são, por via de regra, distribuídos
por igual e indiscriminadamente a todos os sócios (ex. 214º nº1, 216º, 248º nº2 e 24º nº3), ao
passo que nas SA o exercício de determinados direitos pode depender da detenção de um dado
número de participações sociais (288º nº2, 291º nº1, 379º nº1 e 2 e 24º nº4 e 6).
Independentemente de tudo isso, o derradeiro fundamento redunda sempre na autonomia privada.

3.2. Qualificação da situação jurídica do sócio


Como se qualifica a situação jurídica do sócio? É uma situação jurídica complexa, pois
plena de direitos, deveres, ónus, expetativas jurídicas, etc. O direitos e deveres são os mais
imediatos – obrigações no 20º, direitos no 21º. Sublinhe-se que todos estes direitos e obrigações
serão tratados no plano interno, da relação entre os sócios e entre estes e a sociedade comercial.
Os sócios têm obrigações perante a sociedade, as quais revestem, essencialmente, caráter
patrimonial, correspondendo à disponibilidade que têm perante a sociedade, de a dotar de meios
financeiros indispensáveis à sua atividade, de proceder ao reforço desses meios quando tal for
necessário, de eventualmente prestarem serviços à sociedade e de cobrirem até um certo limite as
perdas resultantes da atividade societária. Diferentemente do que se passa no âmbito dos direitos
sociais, em matéria de obrigações vigora o princípio da inoponibilidade de novas obrigações não
consentidas (86º nº2). Assim, a admissão, criação e exigibilidade de novas obrigações depende
da prévia identificação do sócio ao qual são exigidas.
Há duas obrigações principais – situações jurídicas passivas - da qualidade de sócio. Nos
termos do artigo 20º, são estas que caracterizam o estatuto de sócio:

• Cumprir as entradas:
o De indústria;
o De capital:
▪ Em dinheiro (inclui cheque);
▪ Em espécie (bens avaliáveis pecuniariamente e penhoráveis).
• Quinhoar nas perdas.
Nota: Exemplo de ónus (posições omitidas que podem despoletar consequências negativas para
quem as omitiu) – propositura de uma ação de anulação no prazo de 30 dias após a AG, sob pena
de caducidade do direito de impugnar a deliberação ferida de anulabilidade. Exemplo de
expetativa jurídica – sempre que a lei o permitir, como a situação que existe entre a deliberação
de aprovação de um balanço e contas do exercício do qual resultam lucros distribuíveis e a
deliberação de aplicação de resultados relativamente a esse mesmo exercício (direito aos lucros –
regra geral, 50%, como veremos – 217º e 294º).

3.2.1. Obrigações sociais; Obrigações principais e acessórias


Existem duas obrigações acessórias e eventuais à qualidade de sócio:

• Prestações acessórias;

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• Prestações suplementares.
Os direitos mais relevantes – situações jurídicas ativas - são (21º):

• Direito aos lucros;


• Direito a participar nas deliberações;
• Direito de informação.
O artigo 20º trata das obrigações principais:

• Obrigação de entrada (20º a) e 25º e ss. CSC) – obrigação de disponibilizar à sociedade


determinados bens ou o esforço do próprio trabalho. Esta obrigação é absolutamente
necessária porquanto ela permite dotar a sociedade dos meios e condições adequados à
prossecução da sua atividade. Surge no momento inicial da sociedade, ainda que nada
impede que se venham a efetuar novas, como nos aumentos do capital social. O momento
constitutivo é fundamental, pois é quando devem ser ponderados todos os aspetos
relativos àquilo que a empresa que constituiu o substrato irá necessitar para exercer a
atividade. Por isso, nesse momento, os sócios devem ponderar sobre tudo aquilo que
devem disponibilizar à sociedade, por vezes, de forma faseada, de acordo com as
necessidades da atividade. Isto é evidente ao ponto do CSC ter uma regra segundo a qual
durante a vida da sociedade não poderem ser exigidas aos sócios obrigações que eles não
pudessem ter imaginado – 86º nº2 – princípio com grande projeção, que impõe que
obrigações que devam estar previstas contratualmente e que depois, todos aqueles que
venham a ser abrangidos devam consentir na introdução na vida da sociedade dessas
novas obrigações. Muitas vezes, quando a questão se coloca efetivamente, se não houver
um real consenso, para além de em paralelo haver efetiva disponibilidade dos sócios
(podem concordar que deve haver, mas não poderem dar), depois eles têm de se sujeitar
à obrigação porque a podiam ter previsto que fosse realidade. Estas obrigações são
reguladas pelos artigos 25º e ss.. A obrigação de entrada, por regra, realiza-se com a
constituição da sociedade. Como é que se compõem as entradas? Quais são os bens que
podem ser prestados?
o Dinheiro ou numerário – expressão pecuniária do valor dos bens no mercado,
sinónimo de moeda circulante: notas, moedas metálicas, ou seja, tudo o que possa
assegurar o pagamento de bens no mercado – o que parece incluir cheques, mas
já não outros valores mobiliários (o que pode ser discutível, mas que o Professor
defendeu em obra autónoma, desde logo quanto ao cheque nos termos do 9º nº1
h) CSC). É isso que se pretende efetuar com a prestação de dinheiro, obter bens
em troca. A regra é que as entradas são realizadas até ao momento constitutivo
da sociedade, salvo permissão legal diferente. Por isso, junto de cada tipo
societário, teremos de ver se há norma especial que permite diferentemente:
▪ Sociedades em nome coletivo e sociedades em comandita simples -
não existe, por isso segue a regra geral do 26º nº1 e 89º, ou seja, não pode
haver diferimento da entrada, mesmo que seja prestada em dinheiro;
▪ Sociedades por quotas - segue o regime do 26º nº2, permitindo que as
entradas em dinheiro possam ser realizadas no capital social legal
mínimo (desde abril de 2011, 1€, se unipessoal por quotas) até ao final
do 1º exercício económico que respeita, podendo a entrega do
remanescente ocorrer no prazo máximo de 5 anos contar da celebração
do contrato (199º b), 26º nº3 e 203º nº1). Por exemplo, se a SQ se
constitui com um capital de 5€ (5 sócios) essa soma pode ser
disponibilizada até ao final do exercício económico, tenho de entregar o
capital social mínimo até ao final do primeiro exercício. O Professor

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entende que a sociedade unipessoal por quotas, no desenho legal atual, é


de tal forma diferente de todas as outras que deveria constituir um tipo
societário inteiramente novo, e não uma subespécie das SQ. Hoje,
dispensa-se o depósito obrigatório no seu âmbito (202º nº4).
▪ Sociedades anónimas e sociedades em comandita por ações - as
entradas em dinheiro podem ser diferidas até ao montante de 70% das
entradas em dinheiro correspondentes ao valor nominal ou ao valor de
emissão das ações (26º nº3 e 277º nº2), devendo ser entregues no prazo
máximo de 5 anos a contar da celebração do contrato (285º nº1) – tendo,
então, como referência não a participação do socio mas o valor da ação,
que se deve, individualmente, realizar. As entradas em espécie não
podem ser diferidas. Numa SQ, nos termos da lei, eu devo realizar a
mesma fração do capital de acordo com o que foi convencionado (ex.
100.000.00 e 70% será diferido), mas o 203º nº3 permite solução
diferente, porque a realização do capital social nas SQ é solidária. Nas
sociedades em comandita por ações não existem regras específicas, mas
como as regras das SCA remetem para as SA, aplicamos o regime das
SA, que permite o diferimento (26º nº1, 89º nº1, 478º e 277º nº2). As
menções externas destas últimas sociedades devem revelar a diferença
entre o capital subscrito e o realizado, se existente (171º nº2). Assinale-
se que quando for previsto prémio de emissão, o que ocorre sobretudo
no âmbito das operações de aumento de capital social, o respetivo
pagamento não pode ser diferido (277º nº2, in fine). O capital social
realizado (mínimo de 30%) deve continuar a ser depositado antes da
constituição da sociedade (277º nº3).
o Em espécie (todos os outros bens que não dinheiro) – créditos ou outros bens
ou valores realizáveis em dinheiro, desde que tais bem em espécie não sejam bens
impenhoráveis (por exemplo, para assegurar a subsistência do seu titular, nos
termos do CPC). Isto não se confunde com contribuições em indústria, que não
são permitidas em SQ e SA (202º nº1 e 277º nº1), diversamente do que se passa
nas SNC. Todas as participações são necessariamente realizadas em capital
(202º-208º e 285º-286º), ainda que em dinheiro ou em espécie. As entradas em
espécie nunca podem ser diferidas devendo ser realizadas no momento da
subscrição de capital (26º nº1 e 89º nº1). Podem ser bens fungíveis ou
infungíveis. O problema que se coloca é a necessidade de determinar o seu valor,
pois impera o princípio de que o valor da entrada deve ser igual ao capital social.
Por isso, a lei no artigo 25º nº1 torna claro que o valor nominal de cada parte
social, qualquer que seja o tipo societário, não pode ser superior ao efetivo valor
que for disponibilizado pelo sócio:
▪ Isto é fácil de controlar nas entradas em dinheiro – se dou 1 euro, recebo
1 euro. Por isso, o valor nominal não pode ser inferior ao valor
patrimonial no momento do arranque. Mesmo que possa haver
diferimento das entradas, este corresponde económica e juridicamente a
um crédito da sociedade sobre o sócio, e esse crédito entra no capital
social ainda que de realização suspensa.
▪ Se relativamente ao dinheiro não há problema pois o seu valor é efetivo,
nas entradas em espécie não são assim – para que não se disponibilizem
bens de valor inferior ao capital social. A lei diz que se deve proceder a
uma avaliação adequada dos bens. Essa avaliação fica a cargo do ROC
(28º). Quando se tem bens diferentes de dinheiro, como uma casa, eu
preciso de lhe atribuir um valor, saber quanto vale. Naturalmente que,

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sabendo, posso cumprir a ideia de que na realidade o bem venha a ser


utilizado pela sociedade de modo a que haja absoluta correspondência
com o valor material intrínseco que ele tenha no mercado. Um bem em
espécie pode hoje não valer nada e amanhã valer imenso. Qual o
momento relevante? O 28º nº4 responde-nos a tal pergunta. Importa
distinguir que uma coisa é avaliar o bem e outra é certificar o seu valor
mediante um relatório – apesar de a lei atribuir a função a um ROC
desinteressado na SC antes e depois da avaliação e que não pode ser
escolhido pelo sócio que tenha esses bens, na sociedade em que o ROC
intervém, ele não tem de ser o avaliador. Para a lei, ele certifica o valor,
mas pode-se recorrer a um serviço auxiliar, como os mediadores do
mercado imobiliário. Estes bens têm de ser plenamente realizados até ao
momento constitutivo da sociedade. Não podem ser diferidos ou futuros.
Eles têm de transitar todos para a sociedade no momento constitutivo e
o seu valor não pode ser determinado mais que 90 dias após a entrega
(28º nº4), relatório que será anexo à entrada em espécie. Pode ser que o
bem em espécie corresponda a um direito ainda não definitivo, o que
pode em si mesmo ser um bem em espécie e suscetível de valorização
(ex.). São múltiplas as categorias dos bens em espécie (admitidos desde
que tragam um valor económico acrescido ao património societário):
• Valores mobiliários como ações ou obrigações (não cheques!);
• Letras de câmbio e outros títulos de crédito (endossáveis à
sociedade);
• Créditos (sobre terceiros ou sobre a própria SC quando já
constituída);
• Garantias transmissíveis;
• Ouro e metais preciosos;
• Equipamentos;
• Veículos ou máquinas (ou outros bens móveis suscetíveis de
avaliação pecuniária);
• Imóveis, prédios rústicos ou urbanos;
• Direitos privativos da propriedade industrial (patentes, marcas);
• Projetos de investigação que conduzam a uma patente;
• Know-how ou respetivo licenciamento;
• Estabelecimento comercial;
• Posição contratual em contrato-promessa de compra e venda de
imóvel.
o (Cont.) Como é que se procede à avaliação do bem? A entrada terá de ser
objeto de uma valorização e de efetiva realização, não podendo o seu valor ser
inferior ao valor nominal da participação. Antes pelo contrário, o valor da entrada
deve ser igual ou superior ao valor comercial da participação (25º e 27º nº1).
Aqui, colocam-se três perguntas:
▪ Quem avalia o valor das entradas em espécie?
▪ Como se avalia o valor das entradas em espécie?
▪ Com referência a que momento se avalia o valor das entradas em
espécie?
o (Cont.) Respondendo bastante diretamente: É um ROC que certifica o valor, um
ROC isento face aos interesses sociais e independente face ao sócio que realiza a
entrada e não participará na deliberação de designação o ROC, a não ser que
todas as entradas sejam na mesma espécie (a avaliação económica pode ser feita

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por qualquer pessoa – por exemplo, um agente imobiliário), segundo o regime do


artigo 28º e por referência aos 90 dias que precederam a celebração do contrato.
É do interesse de todos que se encontre um termo entre a subvalorização da
entrada (que não interessa ao prestador) e a sobrevalorização (que não interessa
aos outros sócios, pois perdem relativamente valor). Pegando neste último
exemplo, como é que o ROC olha para o bem avalia o contrato-promessa? Basta
olhar para o valor de mercado? Mas isto é um risco, podemos olhar para o que
ele vale neste momento, mas ignorar ou somente imaginar o que valerá depois.
Um imóvel que prometi comprar por 100.000.00 e pelo qual paguei 50.000.00
como sinal, não havendo interferências de mercado, o ROC avaliava o bem em
quanto? Em 50.000.00, para ter um imóvel de 100.000.00. Mas e se entre a
promessa e o cumprimento o imóvel valorizou-se, valendo agora 120.000.00?
Ela só terá de pagar 50.000.00 mas terá um benefício de 120.000.00. Mas há
outro problema. Só está prevista a escritura para o final do ano, e muito pode
acontecer, mas há outro aspeto diferente: eventual incumprimento por parte do
promitente vendedor. Nas entradas de bens em espécie há um risco para lá da
valorização ou desvalorização do bem. Isto pode levar o ROC a dizer que o bem
vale 120.000.00 e faltam só 50.000.00, mas tem de descontar um valor pelo risco
que a SC corre ao aceitar aquela entrada. Isto era fácil de perceber se
funcionássemos com uma letra de câmbio. Se o sócio for titular de uma letra que
se vence em dezembro de 2018, ele pode entregar à sociedade. Esta letra vale
100.000.00 - montante pelo qual foi sacada. O ROC terá de desvalorizar o
montante da letra no momento em que é endossada, porque ela hoje não vale
100.000.00, mas 97.000.00 (diminuído o preço do desconto) e terá de equacionar
o risco de não pagamento, desvalorizando a letra ainda mais. Há ainda outras
entradas em espécie complexas, como a entrada com um projeto científico
(próxima de entrada em indústria), por exemplo, a produção de um novo fármaco.
Os investigadores são convidados a participarem na SC, pois um dia aquele
fármaco poderá originar uma patente. Pode constituir uma entrada em espécie,
mas o risco, neste caso, é gigantesco – tanto pode surgir um medicamento que
cura o cancro, como pode somente curar as dores de cabeça. Há muitas variáveis
em jogo, que serão avaliadas, com grande margem de falibilidade. O artigo 28º
nº6 (28º e 89º nº1) acrescenta que o relatório de certificação do valor dos bens
em espécie está sujeito a depósito no registo comercial.
• Quinhoar nas perdas – participar nas perdas nos termos do artigo 20º b) e 22º nº3, que
não podem ser dispensadas a nenhum dos sócios. Como é que se participa nas sociedades
de responsabilidade limitada? Se o capital foi todo realizado, que sentido faz? Quinhoa-
se nas perdas na medida do capital (22º nº1) que uma vez liquidada a sociedade não lhe
venha a ser reembolsado. Na responsabilidade ilimitada, como nas SNC, todos podem ser
chamados a responder pessoal e ilimitadamente pelas situações passivas sociais.
O que sucede em caso de incumprimento das obrigações principais? A mora
corresponde ao atraso na realização do capital subscrito, mas ainda não liberado.
Diferentemente do que se passa no Direito das Obrigações, em que as obrigações sem
prazo requerem a interpelação para serem vencidas e entrando o devedor em mora, nas
obrigações a prazo, sempre que este decorra sem haver cumprimento, relativamente às
entradas em dinheiro diferidas, o sócio só entra em mora após ser expressamente
interpelado para o efeito (203º nº3 e 285º nº2 a 5), esteja a obrigação de entrada sujeita a
prazo contratual ou não. A mora faz correr em responsabilidade solidária com o excluído ou
titular das ações perdidas em favor da sociedade os anteriores titulares da quota ou dessas
ações (206º e 286º). Não pode ser deliberado aumento de capital enquanto não estiverem

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realizadas todas as prestações anteriormente subscritas. Consequências da situação de mora


para o titular da participação social:

• O sócio não recebe lucros (27º nº4);


• Pagamento de juros moratórios pelo retardo na entrada;
• A sociedade retém lucros para compensar com o capital em dívida (27º nº5);
• Paralisação do direito de voto (384º nº4);
• Possível exclusão da posição de sócio e perda da própria participação social (ou parte
dela) a favor da sociedade comercial (204º e 285º nº4).
• Faculdade de clausular outro tipo de sanções (27º nº3).
Para lá das obrigações principais, há outras obrigações sociais que podem ser impostas
aos sócios, dentro do respeito pelo princípio da inoponibilidade de novas obrigações (86º nº2
CSC). Falamos de obrigações acessórias – “acessórias”, pois secundárias face à obrigação
principal de entrada (20º a)) e desnecessárias para caracterizar o estatuto comum de um sócio.
Essencialmente, desdobram-se em obrigações de prestação acessória e prestações suplementares:

• Obrigações de prestação acessória – 209º e 287º - obrigações contratualmente


assumidas pelos sócios que podem ser prestadas em dinheiro, bens fungíveis
(reconduzindo-se, ou não aos suprimentos) ou infungíveis e mesmo em prestações de
facto. Podem existir para as SQ e SA nos termos dos artigos referidos. Ainda que certos
pontos possam ser deixados a livre deliberação, como exceções à gratuitidade ou
onerosidade fixada, o contrato de sociedade deve especificar determinados pontos, por
força a garantir a previsibilidade para o sócio, nomeadamente quatro elementos:
o Sujeito(s) passivo(s) (“todos ou alguns sócios”);
o Conteúdo determinado ou determinável (idêntico e proporcional às
participações ou intuitus personae – 287º nº3, in fine fixa limites);
o Exigibilidade social (sujeito ativo);
o Título gratuito ou oneroso (ex. mútuo à sociedade – remunerado ou não),
independentemente da sua suscetibilidade de avaliação pecuniária.
• (Cont.) O Professor diz que as doações a favor da sociedade não cabem nas prestações
acessórias gratuitas. Isto só faz sentido no plano das injeções de capital, com a
consequência da titulação desse capital. As obrigações acessórias podem ser uma grande
vantagem para o sócio se forem remuneradas, mas uma verdadeira sujeição se fores
gratuitas. Na falta de cumprimento da obrigação a posição do sócio não é afetada, salvo
cláusula em contrário (209º nº4 e 287º nº4). Se forem exigidas prestações de capital por
contrato social, isto reconduz-se ao contrato de suprimento, sendo mútuos à sociedade
com caráter de permanência, ou créditos detidos sobre a sociedade não exigidos dentro
de ano e dia. A lei configura estas obrigações como um crédito da sociedade sobre os
sócios, eventualmente transmissível, se as prestações forem onerosas (209º nº2 e 287º
nº2), mas extinguindo-se, em qualquer circunstância, com a dissolução da sociedade
(209º nº5 e 287º nº5). Diversamente do mútuo, não são um contrato real quoad
constitutionem, podendo constituir-se consensualmente (244º) – para além de previsão
contratual, pode existir por deliberação ou por vontade do sócio, mas os suprimentos não
podem ser utilizados para fazer a sociedade cair na insolvência – sendo créditos de
sócios, terão primazia sobre créditos de terceiros. Sublinhe-se que a lei exige, no âmbito
das SA, que enquanto houverem obrigações acessórias por realizar as ações sejam
nominativas (299º nº2 c)).
o Para as sociedades realizarem prestações acessórias de capital estarão estas
dependentes da natureza nominativa das suas ações? Ou os acionistas podem
realizar empréstimos voluntários à sociedade sob a forma de prestações
acessórias, ainda que as ações da sociedade sejam ao portador? Não obstante o

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299º, o Professor depende as prestações acessórias voluntárias, residindo a


dúvida em saber qual o regime legal e contratual aplicável. Sendo realizadas,
nada impede que o respetivo reembolso não fique condicionado às
disponibilidades da sociedade, não podendo eventualmente ser efetuado à custa
dos bens necessários para manter a respetiva situação líquida positiva, ou seja,
para cobrir o capital social acrescido das reservas legais constituídas. Isto poderá
operar, por previsão contratual, mesmo que as ações não sejam ao portador, num
regime de ações nominativas.
• Prestações suplementares (de capital) - 210º a 213º - disponibilidade para reforçar o
capital investido, com dinheiro de forma subordinada aos demais créditos e sem auferir
qualquer remuneração. São sempre prestadas em dinheiro (“quase capital”), não vencem
juros e requerem previsão contratual para vigorar (contrato deve estabelecer o respetivo
montante máximo – 210º nº1, nº3 a) e nº4), podendo recair diferentemente sobre os
sócios, mas se nada tiver previsto no contrato essas prestações serão proporcionais à
participação no contrato. A previsão contratual pode ser originária ou superveniente,
caso em que requer alteração do contrato social e sofrerá das limitações decorrentes do
86º nº2. Sendo a deliberação dos sócios o mecanismo de exigibilidade da prestação (211º
nº1), poderão ser reembolsadas mediante deliberação da AG e nunca à custa da situação
líquida da sociedade (só se o capital próprio for positivo → Capital social + reservas
legais constituídas), com bens livremente distribuíveis, em termos de absoluta igualdade
– 213º nº1 e nº4. Por força deste rigoroso sistema de reembolso, estas prestações
suplementares de capital entram no conceito de capitais próprios da sociedade. O 204º
nº2 e 205º determina que o incumprimento destas prestações gere a exclusão do sócio
que se recuse a prestar (porque não quer, quer porque não pode) – 212º nº1.
o Questão interessante - serão as prestações suplementares, com toda a sua
pessoalidade, possíveis no âmbito das SA, uma realidade eminentemente
objetiva e – passando o pleonasmo - anónima? O regime é omisso quanto a
esta possibilidade no seio das SA àqueles que por exemplo, forem titulares de
ações nominativas. Ademais, considerando o disposto no artigo 86º nº2 CSC e
o regime (ou parte dele, como a remissão do sócio incumpridor) que prevê e
autoriza as prestações suplementares, se caracteriza pela sua natureza excecional
– como sabemos, insuscetíveis de aplicação analógica (11º CC). Como
solucionar esta questão? A doutrina divide-se, mas o Professor, apesar de
defender que é dogmaticamente errado, admite que sim, em prol do princípio da
autonomia privada e verificada a nominação das ações, com uma diferença
grande face às SQ: a exclusão do sócio não faz sentido se não faltar na
obrigação quanto a todas as ações, pois posso estar atrasado relativamente
a umas mas não quanto a todas. A extinção da quota acaba tudo, a extinção da
ação, não (realidade fracionada, não atomística). Assim, o regime do 210º e ss.
será aplicado às SA em tudo o que não tenha natureza excecional.
Nota: Outra questão interessante é o que fazer às prestações suplementares exigidas pelo contrato
de sociedade de uma SQ após esta deliberar a sua transformação em SA.
Nota ainda para o regime das obrigações específicas. Nos termos do artigo 198º, o contrato
de sociedade pode prever que o sócio cumpra obrigações sociais para lá da entrada, em
determinadas situações, mesmo assegurando a pela responsabilidade pessoal por dívidas sociais
(coisa que nunca acontece, na prática). Permite que nas SQ se estenda a responsabilidade limitada
dos sócios a determinadas obrigações e a certos montantes. Isto reforça as garantias de terceiros
em torno da sociedade.

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Nota: Não importa falar nas classificações das obrigações dos sócios, apenas saber que umas são
imprescindíveis e outras não.

3.2.2. Direitos sociais; Direitos extracorporativos, direitos especiais e direitos gerais


São o principal motivo pelo qual se adere a uma sociedade, segundo qualquer visão
doutrinária da sociedade. Os direitos que nos interessam são os direitos sociais, as situações
jurídicas positivas relativamente à sua relação com a própria sociedade.
Porque é que se fala neles em particular? Porque, para além destes direitos, os sócios
também gozarão de outros direitos, como os direitos creditórios ou extracorporativos – todos
aqueles que decorrem de situações jurídicas alheias à relação de socialidade. Qualquer sócio da
sociedade pode não obstante a relação de sócio, ter outras relações com a sociedade, como ser
senhorio de uma espaço da sociedade – o crédito que tem sobre o pagamento dessa renda é um
direito extracorporativo ou creditório, que nunca será equacionado do mesmo modo, pois não
pode ter benefícios decorrentes da sua posição de sócio. Estes direitos são absolutamente alheios
à relação de sociedade e a eles acrescem direitos que nascem do fenómeno de sociedade mas que
lhe são alheios – ex. lucros cuja deliberação já foi tomada (207º e 294º - direito aos lucros só se
vence 30 dias depois – pode uma pessoa ser sócio no momento da deliberação e ceder esse direito
a alguém, tornando-se direito extracorporativo). Outro exemplo é o direito de subscrição
preferencial em aumento de capital social – se um acionista tem por efeito da participação um
direito a subscrever ações em aumento de capital social da sociedade e tem esse direito
preferencialmente em relação a terceiros (458º), então esse direito também é disponível – depois
da deliberação do aumento e antes da decisão individual de declarar ou não realizar o aumento, a
lei diz que esse direito é disponível e pode ser alienado, transmitido a terceiros. Quando isto
acontece, o direito de subscrição também se autonomiza da posição de sócio e torna-se
extracorporativo. São situações raras mas que se podem confundir com a relação de sociedade.
Por exemplo, o senhorio que tenha um crédito com a renda e não a exija, ela adquire uma
permanência que a faz equiparar a suprimento.
Os direitos sociais são o direito de realizar um interesse subjetivo específico ou uma
permissão normativa específica de aproveitamento de um bem. Falamos dos direitos dos
sócios perante a sociedade, que resultam da posição que os sócios ocupam na sociedade, na
sua qualidade de sócios ou que caracterizam as suas participações sociais. Não obstante o
princípio do artigo 9º nº3, os direitos sociais devem ser perspetivados com autonomia. Existem:

• Direitos sociais gerais – caracterizam a situação jurídica típica do sócio ou acionista pelo
seu conteúdo;
• Direitos sociais especiais – não caracterizam a situação jurídica típica e não são
atribuídos a todos os sócios, consubstanciando situações jurídicas de vantagem de uns
sócios relativamente a outros.
A lei estabelece de forma imperativa os direitos que correspondem à estrutura essencial da
sociedade (ex. 21º nº1 a) – direito aos lucros), que são indispensáveis ao seu funcionamento (ex.
21º nº1 b) – direito de voto) e, supletivamente, outros direitos, impondo-lhes, em certos casos,
limites legais imperativos (ex. direito de exoneração).
Esquematizemos os direitos gerais (21º SC), com base no seu conteúdo:

• Direitos de participação na administração da sociedade (direitos políticos, que visam


essencialmente assegurar o bom funcionamento da sociedade, tendo em comum o facto

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de não revestirem um conteúdo imediatamente patrimonial, não obstante serem,


naturalmente, suscetíveis de avaliação pecuniária) – visão ilustrativa, não exaustiva:
o Direito a participar nas deliberações de sócios, sem prejuízo das restrições
previstas na lei, 248º nº5, 343º nº1 e 379º nº1 – 21º b) - com três vertentes,
apresentadas por ordem de pressuposição lógica:
▪ Direito de presença nas deliberações dos sócios ou AG - 248º nº5 e 379º
nº1 e nº2 - aceder ao fórum;
▪ Direito de intervenção na discussão desses assuntos – 248º nº5 e 379º nº1
e nº2 - alguém pode ter a faculdade de aceder, fazer ouvir os seus pontos
de vista ainda que, porventura, não possa votar dado assunto;
▪ Direito de voto – 250º e 384º nº1 - contributo para a formação da vontade
societária por cada sócio – ele pode estar presente, pode intervir, mas
pode estar em conflito de interesses e não lhe ser reconhecido o direito
de voto na deliberação – a lei prevê esses impedimentos nos artigos 251º
e 384º nº6 - supra desenvolvido;
o Direito à informação - 21º c), 214º, 288º a 291º CSC e 1048º a 1052º CPC - a
obter informações sobre a vida da sociedade, nos termos da lei e do contrato
(214º, 288º) – supra desenvolvido;
o Direito de controlo da condução dos destinos da sociedade ou direito de
fiscalização da atuação dos gestores – gerentes e administradores - da
sociedade (216º, 292º, 450º CSC e 1048º-1052º CPC);
o Direito de requerer a convocação de AG e de inclusão de assuntos na ordem
do dia de AG convocadas (248º nº2 e 375º nº2 e 6 CSC, 23º-A CVM e 1057º
CPC; 248º nº2 e 375º nº3 CSC, 23º-B CVM) – a qualquer sócio da SQ ou sócios
que representem uma participação social mínima na SA assiste o direito de
solicitar a AG para deliberar determinados assuntos. No plano das SA há
particularidades, ao contrário das SQ em que se pode sempre. Nas SA não cotadas
exige-se a agregação de participação mínima de 5% de capital social para que os
titulares possam requerer ao presidente da mesa da AG a convocatória. Nas SA
não cotadas é igual, mas apenas em 2% do capital (23º-A CVM), o que torna tudo
mais fácil. Os sócios também podem solicitar, numa AG convocada, a inclusão
de pontos na ordem do dias. Para exercer este direito precisam de ter as mesmas
ações que são necessárias para requerer a convocatória da AG, consoante a
sociedade seja cotada ou não (378º CSC e 23º-B CVM);
o Direito de impugnar as deliberações dos sócios que sejam contrárias à lei ou
ao contrato de sociedade – 56º, 58º a 60º, 69º CSC e 380º e ss. CPC – tratamos
de um direito de sentido diametralmente oposto ao anterior. Aqui, os sócios
podem reagir contra a disposição que se formou contra a lei ou contrato social,
na tentativa de reparar a ordem jurídica pela destruição dos efeitos da deliberação
que foi tomada. No CVM importa o regime do artigo 24º. É um direito de
correção do que foi errado, um “direito à legalização”;
o Direito a ser designado, por eleição ou nomeação, para cargos sociais - 21º
nº1 d) e 1070º e 1071º CPC – deve ser entendido cum grano salis, pois todos os
sócios não têm de participar nos órgãos sociais, mas devem estar disponíveis para
tal, se for necessário (natureza de poder-dever). Na verdade, faz pouco sentido
constar do rol de direitos legais sociais, pois pode não haver lugar para todos e
podem-se designar não sócios para os cargos sociais, e até não ter nenhum sócio
a desempenhar funções sociais. Importa o regime do 1070º e 1071º CPC, quanto
ao direito a ser investido no cargo social para o qual se foi designado – pode
alguém ser nomeado administrador e recusarem-lhe ao acesso às instalações da
empresa. Para além da falta de autonomia, este direito perdeu relevo e aplicação

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prática, em resultado do fenómeno de dissociação entre o risco de capital e a


direção efetiva das sociedades (252º nº1, 262º nº1, 390º nº3, 414º nº1-3, 423º-B
nº6, 425º nº6 e 434º nº1). Hoje, reduz-se ao direito de não ver limites estatutários
à designação de sócios para os órgãos sociais. Até os próprios membros da mesa
da AG não têm, presentemente, de ser sócios (em alguns casos, o Professor até
entende ser preferível que não o sejam – 374º-A CSC);
o Direito de requerer a nomeação de titulares de órgãos de administração e
fiscalização da sociedade (253º nº3 e 394º, 417º e 418, 439º CSC, 1053º e 1054º
CPC) – sócios podem recorrer ao tribunal para requerer que se nomeie membros
ou pessoas que ocupem funções essenciais no seio da sociedade. Tal como o
direito de impugnação anterior, são direitos individuais de cada sócio ou
acionista, tenha ele qual participação. É um direito de procurar alguém que ajude
à vida da sociedade em dado ponto importante. Este direito articula-se com outro:
▪ Direito de destituição dos membros de órgãos sociais (257º nº4, 403º
nº3 CSC, 1055º CPC);
• Direitos de participação nos benefícios sociais (direitos patrimoniais):
o Direito aos lucros - 21º nº1 a) – podem ser lucros periódicos e regulares,
decorrentes do exercício (217º e 294º), como podem ser lucros finais ou de
exploração (156º nº4). Estes resultam da diferença positiva entre a entrada e o
momento da sua extinção (por exemplo porque foi constituída a prazo, ou porque
os sócios se desinteressam da sociedade), o chamado direito a quinhoar nos bens
da sociedade, após terem sido garantidos os pagamentos a credores e reembolsas
as entradas realizadas - supra desenvolvidos;
▪ Direito aos lucros acumulados – 31º - não são só os lucros regulares ou
finais. Se a sociedade periodicamente não distribuiu tudo o que gerou,
foi acumulando. Esta acumulação ocorre na rúbrica das reservas livres –
não tinham de distribuir nem afetar a reservas obrigatórias. As reservas
livres são distribuíveis a qualquer momento, salvo se, nesse momento,
forem necessárias para cobrir falta de capital próprio.
o Direito de preferência legal na subscrição de participações sociais em
aumentos de capital por novas entradas em dinheiro - 266º, 267º, 458º e 460º
– aqui, a fonteira entre o conteúdo patrimonial e não patrimonial é menos nítida.
Não releva o facto de poderem não existir aumentos de capital, pois também
nunca diríamos que não releva o direito aos lucros só porque a sociedade pode
não registar lucros. Este direito representa também grandes benefícios, desde
logo, pois pode ser alienado, tendo conteúdo patrimonial, ainda que se situe a
meio termo entre a patrimoniabilidade e a política (manter o status quo).
• Outros direitos:
o Direitos convencionais – todos aqueles que sejam criados pelos estatutos. Aos
sócios atribui-se, por exemplo, o direito de frequentar as instalações sociais, que
podem conter um ginásio. Os sócios daquela empresa que explora o ginásio
resolvem atribuir o direito de frequentar o ginásio sem qualquer custo. Este
direito surgiu no campo das associações e foi transposto para a socialidade;
o Direito de exoneração – 3º nº5, 45º, 137º, 161º nº5, 105º e 120º e 240º - Por
simples palavras: “vou-me embora, dêem-me cá o valor da minha participação,
que eu não quero saber para nada da vida da sociedade, até porque não concordo
com a orientação que está a ser seguida”. Isto pode exigir um esforço enorme da
própria sociedade. Tem de particular o facto de se tratar um direito de exercício
unilateral, correspondente à faculdade que o sócio tem de se desligar da sociedade
em que se integra e receber uma contrapartida relativa à relação de socialidade.
Parece estranho, porque a participação é transmissível, mas assim o sócio não

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dependerá de alguém que adquira e assuma o seu lugar. É um direito puramente


potestativo e é prestado contra remuneração (3º nº5 e 105º, 161º). No plano das
SQ o sócio pode exonerar-se desde que respeite o 240º nº8 – sócio não se pode
exonerar por vontade arbitrária. Nas SA não há essa regra – porquê? É possível
regular contratualmente a exoneração ou é direito que só assiste nos estritos casos
em que a lei o contemplar? Dividem-se as posições:
▪ Parte da doutrina - o contrato social pode regular a situação.
▪ Paulo Olavo Cunha – não faz sentido nenhum alargar os casos de
exoneração, pois a exoneração é contrária à livre transmissibilidade das
participações sociais, por isso não se deve alimentar essa situação.
Assim, só pode haver exoneração nos casos legalmente previstos.
Quanto ao seu exercício, os direitos sociais podem revestir três modalidades:

• Exercício necessariamente individual;


• Exercício tendencialmente coletivo;
• Exercício processual.
Certos direitos sociais são direitos necessariamente individuais. Falamos deles a
propósito apenas do direito a participar na vida social (essencialmente instrumentais) – visam
assegurar que a SC como ente orgânico possa funcionar, vs. Benefícios, que são essencialmente
patrimoniais, como o direito aos lucros. O direito aos lucros é absolutamente individual. O direito-
rainha é o direito aos lucros, é o direito mais importante da vida societária. Lógica que subjaz a
tudo isto: eu invisto sozinho, recebo sozinho, eu impugno sozinho após detetar irregularidades e
eu posso requerer sozinho a nomeação de um administrador. Exemplos: 59º CSC, 380º CPC
(exceto 24º CVM), 294º, 426º, 417º e 439º CSC e 1053º CPC.
Mas há direitos de exercício tendencialmente coletivo, isto é, certos direitos que só
podem ser utilizados por mais do que uma pessoa – por exemplo, pela imposição de uma
percentagem mínima de capital social, que, na prática, será dificilmente detida por uma só pessoa.
O âmbito destes direitos é, essencialmente, as SA. Sublinhe-se que estes direitos são
indiferenciados, que respeitam o princípio da igualdade de tratamento dos acionistas, pelo que
será necessário reunir apenas um determinado número de ações e não determinadas ações. Estes
direitos são uma consequência da dimensão que hoje adquirem muitas sociedades, nomeadamente
as SA e da inerente natural pulverização do seu capital social. Por exemplo, a faculdade do 291º
(aliás, em geral, o direito de informação é bastante marcado pelos exercício coletivo), ou convocar
AG e incluir assuntos na ordem do dia (375º e 378º nº2 CSC, 23º-A nº1 e 23º-B CVM e 1057º
CPC), ou o 384º nº2 a), ou o 379º nº5. Também relevam se estiver em causa a tutela de minorias
no plano da sociedade, pois a lei reconhece a faculdade de se aglomerarem e, ao atingirem um
montante mínimo, terem acesso a mecanismos de vantagem que, a priori, apenas caberiam a
acionistas maioritários (ex. 392º, quanto à eleição de administradores).
Existem, por último, direitos sociais de exercício processual. O exercício de direitos
sociais pode implicar o recurso a ações judicias propostas contra a sociedade para que se garante
a sua efetivação – já que o CPC nos ensina que “a cada direito, a sua ação” – 2º nº2 CPC. Falamos
de direitos como o direito de inquérito judicial, ações relativas a órgãos sociais, como investidura
nos cargos, etc. (403º-409º, 1048º a 1052º CPC e 67º nº1, 77º nº1, 76º nº1, 216º e 292º CSC –
inquérito judicial -, 1070º e 1071º CPC – investidura em cargo social - 1053º e 1055º, 1057º,
1058º, 1059º, 1061º a 1067º, 1068º, 1069º e 418º, 403º nº3 e 435º nº3 CSC - outros).
Tratemos dos direitos especiais. Têm um regime jurídico constante do artigo 24º. Estes
são direitos sociais que se reconhecem a alguns sócios e se consubstanciam situações de
supremacia de uns sobre outros, desde que expressas como tal no contato social (24º nº1). Elas

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são, de um modo geral, atribuídas a pessoas com especial relação com a sociedade, nomeadamente
na sua fundação (sócios fundadores ou promotores). A especialidade como o grande critério de
diferenciação, reside precisamente nessa satisfação de interesses pessoais (em sentido diverso,
Ac. TRL 19.04.1988). Estas vantagens especiais são previstas pelo artigo 16º e 279º nº6 al. b) e
nº8. Falemos em particular quanto às SQ, porque nas SA dependem das categorias de ações (24º
nº1 e nº4 CSC) – adiante desenvolvidas.
Nas SQ, são em regra direitos que atribuem uma situação de vantagem a um ou alguns sócios
e que em princípio só podem ser alterados com o seu consentimento, devem constar do contrato
de sociedade, que deve escrever inequivocamente que se traduz duma situação de vantagem. Não
se deve generalizar o direito especial e torná-lo comum, sob pena de se perder o seu caráter
diferenciador (24º nº4). Naturalmente que a inderrogabilidade não poderá fazer parte do conceito
de direito especial. Todavia, constitui, pelo menos, um vetor de estabilidade contratual, pois só
pelo consentimento do sócio titular ele pode ser alterado, suprimido ou derrogado em vida da
sociedade.
Esta modificação será feita pela alteração do contrato social – se o direito foi determinante
para o sócio entrar, é natural que ele tenha de consentir na sua extinção por forma a aceitar
continuar – ele não pode estar à mercê da maioria, mesmo qualificada (24º nº5, salvo se se
prescindir, expressamente, do consentimento do seu titular, in fine). Quando este artigo fala em
“regras legais em contrário”, remete-nos para disposições como o 257º nº3, in fine e o 531º nº2.
Do 24º nº6 consta uma norma especial que regula este “consentimento” no seio das SA, tendo em
vista a viabilização do seu normal funcionamento (389º nº2, 383º nº2 e 386º nº3). Caso a
deliberação não obtenha o consentimento do respetivo titular, tem-se por ineficaz (55º) quanto ao
titular do direito especial. Se ele ignorar a deliberação, ela será inexistente até ao momento da sua
hipotética ou eventual confirmação.
A incorporação de direitos especiais é substancialmente mais simples na fundação da
sociedade, pois que em vida, a alteração do contrato social nesse sentido não avantaja somente o
sócio agraciado, mas comprime ablativamente as posições de todos os demais - por exemplo,
quanto ao direito a quinhoar nos lucros - numa altura de difíceis consensos (ao inverso do que se
passa na fundação, em que todos “remam para o mesmo lado”). Há quem equacione, numa
posição de não parece absurda ao Professor, a aplicação analógica do regime do 86º nº2 em defesa
de todos os que vêm as suas posições insuportavelmente comprimidas com uma alteração
estatutária em favor de um determinado sócio – todos os demais ficam quantitativamente
enfraquecidos, ainda que qualitativamente na mesma. Claro que esta reflexão releva somente para
os direitos especiais de cariz patrimonial.
Pode haver casos em que a própria lei ou sócio queiram limitar os direitos especiais. No
contrato de sociedade podem ser atribuídos direitos especiais de forma temporária – que
derrogabilidade só depende de consentimento até um prazo específico. Exemplos de direitos
especiais:

• Direito a parte acrescida nos lucros periódicos e a parte favorecida no saldo de


liquidação (22º, 21º nº1 a) e 156º nº4) – por regra, recebem-se de forma proporcional,
mas nada impede que alguns recebam direitos mais do que proporcionalmente à
participação detida (30%, não obstante deter 25%), se preceito especial ou convenção
nesse sentido permitir. Isto pode-se verificar quer em lucros periódicos decorrentes do
exercício, quer em lucros finais, na dissolução da sociedade (156º nº4, implicitamente).
Naturalmente, é óbvio que o direito a lucros mais do que proporcionais de um sócio ou
grupo de sócios implica que todos os demais recebam, necessariamente, lucros menos do
que proporcionais (diferença quantitativa, não qualitativa). Isto obriga a que a

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percentagem de acréscimo obedeça à razoabilidade e seja definida por critérios


estatutárias restritivos, caso contrário, materializar-se-á num pacto leonino (proibido).
• Direito especial de voto duplo (250º nº2) - No contrato da sociedade por quotas pode
ser atribuído um direito especial de voto que consista em o sócio poder ter dois votos por
cada cêntimo de valor nominal da quota, contanto que esses direitos atribuídos
contratualmente não ultrapassem 20% do capital social. A participação social, na hora do
voto, é una: segundo o princípio da unidade de voto é necessário votar com a
participação toda. Quando, nos termos do art. 250º/2, a lei fala em ‘’não correspondam a
mais de 20% do capital’’ como é que tal deve ser interpretado?
o Primeira interpretação: quando a lei estabelece o limite dos 20% podemos dizer
que são 20% do valor do capital social e, portanto, se ele tem uma quota de 25%
a cláusula estatutária que previsse este duplo voto é nula!
o Segunda interpretação: é possível dizer que se ele tem uma quota de 25% do
capital social vai-se contabilizar o voto duplo até ao limite dos 20% e, quanto ao
excedente votaria normalmente.
o Terceira interpretação (na sequência da segunda): para saber se poderia haver
redução era preciso saber qual teria sido a vontade das partes. É a quem seriam
atribuídos os 5%.
• (Cont.) Um problema delicado está em saber se esse limite dos 20% diz respeito à quota
ou aos votos. No limite, não se pode votar com mais de 20% do capital social? Se se
disser que os 20% é um limite à quota, significa que se ele tem 20% pode ser-lhe atribuído
um voto duplo e votava com 40%. Mas se se referirem aos votos não se pode dar voto
duplo, porque senão estava a dar-se-lhe muito mais. Para o Professor Francisco Barona a
lógica do preceito é de que os 20% se referiram ao valor dos votos e não do capital social.
Em princípio, cada sócio tem uma quota, pelo que não pode votar em sentido diferentes
nem acumular voto duplo com voto simples, pois isso só poderia suceder se detivesse
mais que uma quota (219º), o que é raro – ex. aquisição mortis causa);
• Direito especial de veto nas alterações estatutárias (265º nº2) – no plano das SQ pode
ser concedida a uma ou mais pessoas o direito especial de, não obstante não possuírem
minoria de bloqueio para o efeito (25,01%), se poderem opor às alterações do contrato de
sociedade, inviabilizando-as (265º nº2). Embora a disposição legal em questão desenhe o
direito especial de forma claramente positiva, no sentido de estabelecer que, em certos
casos – procedendo a sua atribuição, portanto – o contrato só possa ser, total ou
parcialmente, alterado com o voto favorável de um determinado sócio, a verdade é que
este direito equivale a um direito de veto.
• Direito especial de nomeação à gerência e direito especial de designação de gerentes
– aproveita sobretudo às situações de quando a sociedade por quotas é detida por pessoas
coletivas. Uma determinada pessoa pode ter um grande interesse em participar numa
sociedade ou ser desafiada para tal por lhe se reconhecida uma especial aptidão
profissional, mas não dispor de meios que lhe permitam subscrever uma participação
significativa do capital social que lhe assegure poderes de controlo sobre os destinos da
sociedade. Assim, esse agente poderá “regatear” no sentido de fazer depender a sua
participação no facto de ser contratualmente nomeado gerente, de modo a que só possa
ser removido do cargo com o seu consentimento ou com justa causa. Isto é o núcleo do
direito especial de nomeação à gerência (reconhecido em termos patológicos, no artigo
257º nº3). Este direito pode ser generalizado? Todos os sócios o podem ter? Esta é uma
questão muito controversa, que leva o Professor a duvidar da sua classificação como
direito especial. Contudo, ainda que todos o tenham, isso não significa que todos os que
venham a aderir também o tenham. Não se deve generalizar necessariamente, pois não se
garante a todos os que apareçam. Assim, quando for atribuído a todos os sócios, a sua
especialidade característica dará lugar à mera inderrogabilidade – deixa de constituir

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qualquer vantagem relativa para adquirir especialidade por não ser alterável sem o
consentimento dos respetivos titulares (todos os sócios), salvo justa causa. Outro direito
especial muito próximo deste, mas que dele se distingue, é um direito que visa assegurar
ao respetivo titular o controlo na escolha da gerência. Falamos no direito especial de
designação de gerentes: um sócio poderá indicar, normalmente por períodos limitados no
tempo, correspondentes à duração contratual do mandato, um ou mais gerentes.
• Direito especial de ser nomeado liquidatário em caso de cessação de atividade (151º)
– em conclusão, este direito pode ser concedido a um sócio, sob a forma de direito
especial. No entanto, este direito decorre supletivamente para todos os gerentes em caso
de liquidação da sociedade na falta de previsão contratual.
Nos termos do artigo 24º nº3, salvo disposição contratual diversa, os direitos especiais de
conteúdo patrimonial são transmissíveis com a respetiva quota. A cessão de quotas arrasta consigo
os direitos sociais especiais de cariz patrimonial. Os outros, que padeçam de conteúdo
patrimonial, sendo eminentemente intuitus personae, não se transmitirão com a quota. Todos os
direitos são, em princípio, são transmissíveis, mas o contrato social pode estabelecer
diferentemente. O “salvo estipulação em contrário” aplica-se à parte final do artigo, onde se
postula a intransmissibilidade dos direitos sociais especiais de cariz não patrimonial? Em
princípio não, aplica-se só à possibilidade que a lei concede de não se transmitir os patrimoniais,
não os demais (não obstante a natureza intuitu personae de ambos).

3.2.2.1. Direito aos lucros


Este direito está regulado no artigo 21º nº1 a) (parte geral). O direito aos lucros é, portanto, o
primeiro dos direitos que a lei enuncia, à cabeça dos demais, determinando que todo o sócio tem
direito a neles quinhoar. Mas que lucros são estes? Eles podem ter duas naturezas:

• Periódicos ou regulares – recebem em razão da rentabilidade que a sociedade tenham


todos os exercícios, todos os anos.
• Finais ou de exploração – acréscimo patrimonial que se verificar no final da vida da
sociedade, face ao capital social de entrada. Isto só faz sentido nas SC de curta duração,
como se passava nas SC de antigamente (não tanto hoje em dia, que se prolongam por
tempo indeterminado, muito para lá das vidas dos participantes). Desde que o CSC entrou
em vigor, se nada for dito, a sociedade constitui-se a termo indeterminado. Elas hoje
existem, mas para casos pontuais, como a construção de pontes (paga, por exemplo, pelas
portagens de passagem na ponte). Classicamente, por articulação com o 980º CC, era só
a esta categoria que se divisava o direito aos lucros sociais – ultrapassada, pois as
sociedades deixaram de se constituir a prazo, para terem duração indeterminada.
O CSC não tomou opção sobre a que tipo de lucros se reporta o 21º nº1 a). Contudo, para lá
das considerações já tecidas, o legislador fê-lo, ao consagrar regras supletivas sobre distribuição
de lucros periódicos (217º e 294º). Antes de analisamos essas normas, há que atentar no artigo
22º, relativo à participação nos lucros e nas perdas. O 22º nº1 prevê que se o contrato for omisso
cada sócio participará proporcionalmente ao valor da respetiva participação no capital.
Nota: Falamos, nas SQ, em direito aos lucros do exercício, enquanto nas SA falamos de direito
aos dividendos (lucros gerados por cada participação social numa SA, uma vez deliberada
distribuição dos mesmos).
O conceito de lucro é um conceito de referência. O lucro é a diferença ou acréscimo
patrimonial positivo que se verifica entre dois momentos, com referência a uma razão que se
estabelece entre os custos e despesas geradas por uma determinada entidade (lógica de ganho por

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referência). O lucro é o benefício da atividade social resultante das contas – a diferença positiva
entre as receitas geradas num certo exercício e as despesas e custos suportados em igual período.
A distribuição de lucros tem de ser objeto de deliberação dos sócios (31º), que devem deliberar
autonomamente sobre a aplicação de resultados gerados no exercício anterior (376º nº1 b)) e
podem deliberar, a todo o tempo, sobre a partilha de lucros acumulados, sob a forma de reservas
livres, que não tenham sido oportunamente distribuídos.
Importa fazer uma distinção entre os conceitos de lucro do exercício e lucro distribuível:

• Lucro do exercício – diferença positiva entre início e fim do exercício social, no que se
refere ao balanço entre as receitas e os custos e despesas registados. O período respeitante
ao lucro de exercício pode ser, pelo 9º i) e 65º-A, diferentemente balizado, ou seja, não,
necessariamente, pelo ano civil. Há certas atividades que não devem coincidir com o ano
civil, quando o período de maior laboração é o final do ano, ou quando é participada por
outras sociedades que também não adotam o ano civil.
• Lucro distribuível – Nem todos os lucros, assumindo que existem, são livremente
distribuíveis no final do exercício – desde logo, pois podem sobrevir prejuízos transitados
a cobrir ou reservas legais obrigatórias (ou estatutárias) a constituir ou reforçar. Se depois
de tudo isto ainda sobrar dinheiro, esse montante constitui o nosso lucro distribuível.
Esses são aqueles que se possam livremente dispor por referência com o acréscimo
patrimonial, subtraindo os prejuízos transitados no exercício anterior e as quantias
afetadas às reservas legais ou contratuais ou obrigatórias (mínimo de 5% dos lucros do
exercício – 295º e 218º).
Quando é que os lucros distribuíveis coincidem com os lucros do exercício? Quando a
sociedade se encontra numa situação patrimonial em que não tem prejuízos transitados e já
completou a constituição de reservas obrigatórias. Nesse momento, eles podem fazer o que
quiserem com esse valor: podem distribuir entre si ou conservar na sociedade (reservas livres,
pois formadas por lucros acumulados não oportunamente distribuídos mas distribuíveis).
O direito ao lucro do exercício não se confunde com o direito ao lucro em geral – aquele
decorre dos resultados de um determinado exercício, de um dado ano social, ao passo que o direito
ao lucro em geral pode reportar-se a um dado exercício, mas também a qualquer outro ganho
acumulado e não distribuído. O CSC não estabelece regras imperativas sobre a distribuição de
lucros, limitando-se a avançar com soluções supletivas, nos artigos 217º nº1 e 294º nº1.
Se falamos do direito ao lucro, o que nos deve importar é a que percentagem o sócio terá
direito? Que garantias terá ele quanto ao que a SC gerar anualmente? Fundamentalmente, quando
a SC regista um dado resultado, o sócio, tendo capacidade, em função desse resultado aferirá qual
a afetação obrigatória que terá. Ele olha para o resultado do exercício e vê que houve resultado
positivo e vê quanto é que tem de afetar a reservas e a distribuição. Se corre bem, não há prejuízos
transitados. Se corre muito bem, nem isso, salvo aumento de capital, porque a reserva legal se
computa nesse valor.
Qual o montante que irá ser afetado à distribuição sob a forma de lucros do exercício?
Até a sociedade deliberação a aplicação de resultados, não passa de uma expetativa jurídica. A
sociedade trata este regime de uma maneira especialmente restritivo (21º nº1 a), 31 nº1) – por
regra, no silêncio do contrato, impera a regra da proporcionalidade do artigo 22º (!), que trata do
direito a dispor dos lucros, direito exclusivo dos sócios, salvo os casos em que a lei admita que
tal não suceda, como no 217º, 294º e 297º. Analisemos estes regimes.
Tanto o 217º, quanto às SQ, como o 294º, quanto às SA, nos seus nº1, cuja única diferença é
a troca de “sócios” por “acionistas”, dizem-nos o seguinte:

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Artigo 217º / Artigo 294º


Direito aos lucros do exercício
1. Salvo diferente cláusula contratual ou deliberação tomada por maioria de ¾ dos
votos correspondentes ao capital social em assembleia geral para o efeito convocada,
não pode deixar de ser distribuído aos sócios ½ do lucro do exercício que, nos termos
desta lei, seja distribuível.
Este artigo é fundamental – em princípio, 50% do lucro distribuível é dos sócios, o que
cifra a expetativa dos sócios na proporção de metade do acréscimo patrimonial, que se
transformará em direito de crédito após a deliberação. A lei admite que por ¾ (difícil de
formar nas SA, mais fácil nas SQ), 75% dos votos correspondentes ao capital social, se possa
desfazer a expetativa jurídica, votando no sentido de nada se distribuir ou de se reduzir o
quantitativo percentual mínimo a distribuir.
No entanto, parece poder haver “diferente cláusula contratual” que preveja uma diferente
solução – como interpretar isto? Uma cláusula pode criar outro regime? Este artigo é
absolutamente dispositivo ou denota elementos imperativos?

• Maioria da doutrina, jurisprudência e prática societária - todo o regime é supletivo.


Pode-se meter tudo numa cláusula para regular este regime. Pode haver uma cláusula que
diga que todos os lucros podem ser distribuíveis discricionariamente. Mas se assim for,
que sobra da expetativa jurídica de obtenção de lucros? Não é para isso que, em primeira
mão, se forma a sociedade, para gerar lucro que aproveite a quem nela acreditou?
• Paulo Olavo Cunha (e Ac. TRE 9.11.2006) – no entender do Professor, isto seria
completamente contrário à ontologia do direito ao lucro na sociedade comercial. O
Professor diz que a cláusula tem conteúdo supletivo, mas também tem um conteúdo
mínimo imperativo. Porquê? A razão de fundo prende-se com o facto de que devemos
olhar para as SC como entidades constituídas para depois de verem reembolsado o
investimento inicial (património social líquido ultrapassar a cifra do capital social),
receberem lucros de forma periódica. A finalidade última da sociedade comercial é o
lucro social e o lucro individual de quem entrou com capital para a atividade social ser
possível. Isto é gritante nas grandes sociedades comerciais - não tanto nas pequenas, onde
o sócio pode desejar, acima de tudo, integrar a atividade – sem nunca descurar,
obviamente, o desejo de lucrar com o investimento. Ademais, historicamente, na falta de
previsão contratual diversa, todos os lucros seriam distribuídos. Então, para a doutrina
que defende a outra posição, não faria sentido esta disposição existir, bastando uma
cláusula geral de que “o contrato de sociedade regula a distribuição de todos os lucros do
exercício”! Se uma cláusula permitisse distribuir livremente ou até não se distribuir, não
faria sentido a lei exigir ¾ - algo tão exigente - que nunca seria respeitado, pois podia-se
sempre adotar a maioria simples. Porque é que o legislador haveria de fazer esta regra?
O Professor conclui que o 217º e 294º geram o direito ao lucro do exercício (SQ) e o
direito ao dividendo mínimo (SA). A epígrafe dos artigos é bastante clara. O Professor
conclui que o regime tem um conteúdo mínimo imperativo, na parte em que garante aos
sócios metade dos lucros distribuíveis (217º e 294º). Claro que os sócios podem
estabelecer estatutariamente um mínimo superior ao legal (60%, 70%, 80% dos lucros
distribuíveis, por exemplo) e, simultaneamente, prever que a derrogação possa ser
deliberada, mas somente relativamente aos níveis acima da metade mínima obrigatória
dos lucros do exercício distribuíveis, por uma maioria inferior à legalmente fixada.
Apesar de defender o conteúdo mínimo obrigatório, o Professor não vai ao ponto de
permitir a agravação convencional da maioria de ¾ dos votos correspondentes ao capital
social, pois tal disposição violaria o valor situado no polo oposto ao direito ao lucro: o

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interesse social. O caso especial das ações privilegiadas com direitos patrimoniais
acrescidos será tratada posteriormente.
o Só poderá não haver distribuição ou haver distribuição de menos de 50% dos
lucros do exercício verificada a maioria de ¾ e aposta uma fundamentação sólida
à deliberação, baseada no superior interesse social e nos princípios fundadores
do sistema societário. Caso tal não se verifique, teremos uma deliberação abusiva
que, nos termos do 58º nº1 b), estará viciada de anulabilidade.
• (Cont.) Constituída e alicerçada a sociedade, não havendo planos para grandes
investimentos, não se justifica continuar a aforrar e a não distribuir pelos sócios os
resultados. A não distribuição sucessiva visa sempre prejudicar os sócios minoritários, já
que os grandes sócios costumam obter alguma remuneração pelo seu desempenho nos
órgãos sociais da sociedade. O Professor exceciona as SC a prazo, em que se poderá
guardar tudo para a distribuição de lucros finais ou de exploração, sem nunca descurar os
tramites exigidos pelo 217º e 294º, pois que a lei não excecionou as sociedades a prazo
no seu clausulado.
o Esta posição leva-nos onde? Quando se conclui pela existência de lucros, já sei
que vou quinhoar em metade dos lucros. Se a sociedade encerra o exercício com
resultados positivos mas delibera, sem observância dos requisitos acima
apontados, não distribuir ou distribuir menos, como podem os sócios lesados
reagir? À partida, os sócios poderiam propor a anulação da deliberação,
destruindo todos os seus efeitos, repondo a legalidade, mas isso não realizaria
todos os seus interesses. Como poderão retirar um efeito útil do direito aos
lucros? Para tal, os sócios deverão interpor, junto do tribunal, uma ação de
execução específica da deliberação de aplicação dos resultados de acordo com o
conteúdo mínimo obrigatório (afim ao 830º CC). Se se tivesse apenas o direito
de impugnar a deliberação de não distribuição, tal seria pouco e errado, porque
se se anular, por exemplo, a decisão de distribuição de 25%, a invalidação gera a
distribuição de 0€. Se o contrato de sociedade for omisso, aplica-se sempre o
conteúdo mínimo do resultado. Tem-se 30 dias para impugnar e repor o direito
social (nº2), por isso é melhor receber alguns lucros e depois impugnar, para
nunca prescindir do que tenho direito e que foi atribuído, para não ficar ainda
pior. Esta posição salvaguarda os interesses de todas as partes envolvidas (sócios
e sociedade).
Nota: O que se trata nas AG anuais (376º): Aprovação das contas do exercício; Deliberar sobre a
aplicação de resultados; Apreciação da administração.
O artigo 22º nº3 proíbe o chamado pacto leonino. A lei não permite que um sócio ou mais
fiquem com a parte do leão, a parte maior, em lesão dos demais. Rejeita-se a possibilidade de
alguém se apropriar da totalidade ou da quase totalidade dos lucros e dos outros serem despojados.
Podem haver lucros beneficiados, mas com razoabilidade: um direito especial a uma parte
favorecida nos lucros não pode ser de tal modo amplo que corresponda a um pacto leonino. Esta
regra é imperativa e deve ser objeto de interpretação extensiva, nomeadamente aos casos de
redução absurda de um direito aos lucros que fique, na prática, inutilizado, pois irrisório.
A matéria do direito aos lucros não fica compreendida antes de se analisarem dois regimes
importantes: o limite legal de distribuição de bens aos sócios e os lucros e reservas não
distribuíveis aos sócios (32º e 33º, respetivamente). A violação destes preceitos é sancionada
criminalmente pelo 514º.
O 32º diz-nos – saltando a sua entrada - não podem ser distribuídos aos sócios bens da
sociedade quando o capital próprio desta, incluindo o resultado líquido do exercício, tal como

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resulta das contas elaboradas e aprovadas nos termos legais, seja inferior à soma do capital
social e das reservas que a lei ou o contrato não permitem distribuir aos sócios ou se tornasse
inferior a esta soma em consequência da distribuição. Este artigo é, como sabemos, o fundamento
do princípio da intangibilidade do capital social. O capital social constitui a garantia dos credores
– não no sentido de que ele “paga dívidas”, coisa que sabemos que não se passa, mas no sentido
de que só quando existam bens em valor superior à soma do capital com as reservas legais
obrigatórias é que poderá haver distribuição legítima de bens (lucros ou dividendos).
O 33º deve-se articular com o 32º nº1, pois expande-o, restringindo mais a distribuição:

• 33º nº1 – os resultados positivos do exercício não são distribuíveis enquanto existirem
prejuízos de exercícios anteriores por cobrir ou reservas por constituir. Este postulado
deve ser articulado com o disposto em especial para as reservas de cada SC,
nomeadamente os artigos 218º e 295º-296º (sendo que só estes importam, pois o primeiro
opera uma remissão em bloco para os segundos):
o Em princípio, as reservas legais – quer obrigatórias, as que se formam
paulatinamente à custa dos lucros do exercício (295º nº1), quer especiais, isto é,
as que se constituem por determinação legal e que se destinam a assegurar a
cobertura de determinadas aplicação da sociedade ou se constituem através da
recolhe de prémios de emissão (295º nº2) – são indisponíveis e apenas podem ser
destinadas a integrar aumentos do capital social (296º c)), para além da sua
normal função, de reforço, que é a cobertura de prejuízos (296º a) e b)). No
entanto, após o preenchimento do mínimo de 1/5 do capital social e a cobertura
de determinadas rubricas em conformidade com exigência legais, através de
reservas especiais, nomeadamente as formadas por ágios, não repugna aceitar que
o excesso dessas reservas seja convertido em reservas livres, por deliberação dos
sócios e, posteriormente, seja distribuído entre os mesmos como lucros (o
mecanismo de aumento de capital e posterior redução para libertação do excesso
não ser revelaria, neste caso, necessário).
• 33º nº2 – inclui nos lucros não distribuíveis a cobertura de determinadas despesas que,
correspondendo a uma inscrição no ativo, vão sendo amortizadas ao longo dos anos.
Falamos de despesas de constituição, de investigação e de desenvolvimento. Salvo se
houver outras reservas que as garantam, não pode haver aí distribuição dos lucros;
• 33º nº3 – proíbe a distribuição de reservas ocultas;
• 33º nº4 – as reservas que eventualmente forem entregues aos sócios, pela distribuição,
devem ser explícitas.
Tratemos do problema dos lucros ou dividendos fictícios – lucros recebidos em
contravenção com o disposto na lei ou no contrato. Esta matéria vem regulada no artigo 34º. Se
os sócios não receberem com má-fé ou em falta grave não são obrigados a restituir. “Má-fé” é o
conhecimento da irregularidade da distribuição, o conhecimento de que que aquelas quantias que
receberam a título de lucros não constituem lucros reais. “Falta grave” existe quando os sócios
devessem ter podido determinar que aqueles lucros não existiam e, não o fazendo, tiveram uma
atuação negligente. Nos termos do 34º nº3 e nº4, o ónus de demonstração destes elementos caberá
à sociedade ou aos credores sociais que pretendam acionar os valores de tais lucros fictícios (Ac.
STJ 10.05.2011). Aquilo que resulta do regime legal é a obrigação de restituição de tais lucros.
Os gestores envolvidos nestas operações podem ser sancionados civilmente (72º, 73º, 34º nº3, 78º
e 79º) e mesmo criminalmente (514º).
Até agora, abordou-se a deliberação de distribuição, o direito aos lucros e dividendos, mas
falta o que na prática é o mais importante, que é receber o dinheiro: o pagamento dos lucros.
Esta matéria é regulada, fundamentalmente, pelo artigo 31º (para lá dos 217º e 294º).

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Essencial ao pagamento dos lucros é que haja uma deliberação dos sócios destinada à
respetiva atribuição, máxime enquadrada na aplicação de resultados, isto é, que determinado o
lucro, com referência às contas aprovadas, haja uma deliberação que tenha por finalidade
promover a respetiva distribuição. Se a deliberação de aprovação das contas estiver inquinada de
qualquer vício, em princípio arrastará necessariamente a deliberação de aplicação de resultados
que é aprovada na mesma assembleia. O contrário já não será verdade. Se a deliberação e
aprovação de contas for correta pode haver um vício exclusivo da deliberação de aplicação de
resultados e só esta poderá ser atacada.
Há um momento no exercício em que os lucros são distribuídos. É o momento que se segue
à Assembleia Geral Anual. Nesse momento, suscitam-se as questões do quanto do quando é
que a sociedade irá disponibilizar aos seus sócios. Já tratamos, atrás, do quanto. Já quanto ao
quando, o direito de crédito sobre o montante nasce no trigésimo dia após a assembleia geral,
dia em que se vence, salvo se a sociedade não tem liquidez, ou o sócio concorda com o
diferimento, ou a própria sociedade deliberar que o prazo dos 30 dias habitualmente respeitado
seja prolongado por um prazo máximo de 60 dias (217º nº2). Quanto à questão de saber se é
possível distribuir antes dos 30 dias a lei é omissa. Evidentemente que se os sócios estiverem de
acordo, nada impede que eles próprios deliberem que a gestão proceda à distribuição logo que
possível. O 294º tem uma regra adicional: “sem prejuízo de disposições legais que proíbam o
pagamento antes de observadas certas formalidades” – pensa-se, por exemplos, em elementos
mínimos de informação e publicidade.
O direito a receber os lucros ou dividendos pode ser um direito disponível. Esse direito, no
vencimento assume uma natureza extracorporativa, autonomizando-se face à relação societária.
Podem os gestores da sociedade serem pagos com base nos lucros que a sociedade gera?
Sim! Os gerentes e os administradores podem ser remunerados com base nos lucros do exercício
desde que o montante máximo afeto a essa remuneração se encontre contratualmente previsto,
especialmente nas SA. Esta matéria aparece regulada nos artigos 217º nº3 e 294º nº3. Este
montante pode ser determinado de forma fixa ou ser indexado a uma percentagem dos lucros.
Esta possibilidade resulta do 255º nº3, 399º nº2 (429º), respetivamente, para cada tipo societário.
Este valor deve ser ponderado com razoabilidade, para não comprimir em demasia os direitos ao
lucro dos demais sócios (ainda que não impeça que se cifre em valores tão grandes como 40% ou
50% dos lucros do exercício). O 217º nº3 e 294º nº3 preveem um mecanismo de pagamentos
precípuos aos sócios e acionistas, pelo que esse valor só será afetado aos administradores uma
vez garantidas as posições relativas de todos os demais interessados.
O lucro do exercício verifica-se no final de um determinado período que seja socialmente
relevante. Será possível, por conta dos resultados que se perspetiva gerar no final do exercício,
antecipar parte desses mesmos resultados? A isto chama-se distribuição de dividendos
antecipados ou de lucros antecipados. Atenção que não tratamos da distribuição de lucros
acumulados não distribuídos, que só devem respeitar a intangibilidade do capital social, mas da
distribuição de lucros durante o próprio exercício e antes da aprovação de contas e deliberação
de aplicação de resultados do exercício. Naturalmente que tal hipótese só seria equacionada num
ano económico evidentemente especialmente favorável.
O artigo 297º regula esta matéria e impõe que a norma estatutária que autoriza a distribuição
de dividendos antecipados esteja contratualmente consagrada. Se eu constituir uma SA com um
contrato de sociedade no qual não inclua esta autorização, se vier a incluí-la em vida da sociedade
só posso acioná-la no período referente ao exercício seguinte. Este é o regime regra, com a
exceção das SA que tiverem sido constituídas antes de 1 de Novembro de 1986. O. 537º CSC é
uma norma transitória que prevê que nessas sociedades a distribuição de dividendos antecipados

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não careça de autorização contratual, uma vez que esse era o regime vigente à época. Este será o
regime no âmbito das SA.
No regime das SQ não encontramos nada quanto à questão de saber se pode haver lugar
a distribuição antecipada. O Professor considera que não há lugar à distribuição de lucros
antecipados no domínio das SQ e que uma cláusula com esta natureza num contrato de SQ é nula.
Não é pelo facto de não estar previsto no título relativo às SQ, mas sim por considerar que o
regime do 297º não pode ser transposto por analogia ao regime das SQ, pois a antecipação dos
lucros, por definição, mesmo quando autorizada, é uma medida verdadeiramente excecional (11º
CC). Ademais, habitualmente nas SQ não há órgão de fiscalização. Enquanto a distribuição dos
lucros é da competência exclusiva dos sócios como regra, a distribuição dos dividendos
antecipados é da competência exclusiva do órgão de gestão. O próprio art. 31º CSC prevê que
esta seja uma exceção. Isto porque é a administração que sabe, no curso do exercício social, se
aquele resultado que ela vai deliberar afetar aos sócios é um resultado sólido, se isso não
compromete o futuro da sociedade. O art. 297º exige que o órgão de fiscalização dê um parecer
favorável. Nas SQ não há órgão de fiscalização em regra. Não tem de haver um órgão de
administração institucionalizado de funcionamento colegial. Enfim, os lucros, por definição, só
se contabilizam no termo do exercício, pelo que antecipa-los constitui, sempre uma exceção à
regra que só se justifica em sociedades de grande dimensão, onde existe uma rigorosa fiscalização.
Com as inúmeras alterações do CSC que já existiram, se fosse intenção do legislador consagrar
essa possibilidade, muito provavelmente já o haveria feito.
Considerando que um dia a sociedade pode ter um fim, no direito a quinhoar nos lucros (21º
nº1 a) está englobado o direito dos sócios a participar nos lucros finais ou de exploração, como já
referido. Este também se designa por direito à quota de liquidação – 156º nº4). Naturalmente
que este direito só se faz valer após satisfeito o passivo social e o reembolso do capital social.
O risco de capital deve ter como contrapartida o lucro. Este é um dos postulados fundamentais
do direito societário. Mas há direitos que não correspondem a esta essência pois são
instrumentais face ao funcionamento da sociedade.
Antes de mais, temos o direito de voto, uma das vertentes do direito de participar nas
deliberações sociais. Pelo artigo 21º nº1 b) todos os sócios têm direito a participar na deliberação,
sem prejuízo das restrições presentes na lei. Isto significa que, a priori, não é possível instituir
restrições de caráter estatutário – de que restrições legais falamos, então?

• Quando a lei entende que o sócio seja detentor de um nº x de participações sociais para
estar presente e votar em AG (384º nº2 a));
• Quando o sócio está perante um conflito de interesses (251º e 384º nº6);
• Quando é admissível que como contrapartida de um direito especial, não se confira o
titular o direito de voto (341º e ss.) – ações preferenciais.
Recordemos que o direito a participar nas deliberações de sócios, sem prejuízo das
restrições previstas na lei, 248º nº5, 343º nº1 e 379º nº1 – 21º b) – tinha três vertentes, apresentadas
por ordem de pressuposição lógica:

• Direito de presença nas deliberações dos sócios ou AG - 248º nº5 e 379º nº1 e nº2 - aceder
ao fórum;
• Direito de intervenção na discussão desses assuntos – 248º nº5 e 379º nº1 e nº2 - alguém
pode ter a faculdade de aceder, fazer ouvir os seus pontos de vista ainda que, porventura,
não possa votar dado assunto;
• Direito de voto – 250º e 384º nº1 - contributo para a formação da vontade societária por
cada sócio – ele pode estar presente, pode intervir, mas pode estar em conflito de

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interesses e não lhe ser reconhecido o direito de voto na deliberação – a lei prevê esses
impedimentos nos artigos 251º e 384º nº6 – desenvolvamo-lo, então, como prometido.
Antes de mais, importa distinguir os planos-base das SQ e das SA, o que se justifica pela
lógica e natureza jurídica dos tipos sociais em confronto. Umas são sociedades pessoais, ainda
que de responsabilidade limitada às configuração das suas posições jurídicas, as outras
participações são determinadas pelas partes em que se fraciona o capital social, logo a participação
é objetivada e os sócios são titulares de tantos direitos e deveres quantas as ações que detêm:

• Nas SQ, o elemento pessoal faz a diferença, regendo o artigo 250º. Quando as
deliberações são formadas na AG, todos os sócios da SQ (248º nº5, 21º nº1 b)) têm o
direito de estar presentes. Por cada cêntimo, o sócio tem um direito de voto, sendo o
mínimo de cada quota 1€, cada sócio tem no mínimo, 100 votos (250º nº1). Por princípio,
as deliberações serão tomadas por maioria relativa.
• Nas SA, o direito de voto é contemplado no artigo 384º, que parte do princípio cada ação,
cada voto. O 384º nº1 admite um desvio, legalmente contemplado (21º nº1 b), de novo).
O artigo 379º esclarece que têm direito a estar na AG quem tenha pelo menos 1 voto. Se
não houver regra estatutária, todos os sócios podem estar na AG, independentemente do
valor nominal ou da quantidade de ações. Qual o problema do princípio cada ação, cada
voto? O 384º trata desse problemas consagrando, no nº2, duas limitações estatutárias,
sentido oposto, que não existem no artigo 250º:
o Al. a) Num caso, admite-se que o contrato de sociedade faça corresponder um só
voto a um certo número de ações, desde que nunca exija que, para se ser titular
de um voto, se tenha de ter ações cujo valor nominal global seja superior a 1.000€.
Exemplo: “ a cada lote de 200 ações corresponde 1 voto”. Isto visa requerer que
o acionista seja titular de um nº de ações mínimo que justifique a sua participação
ativa na vida societária. Esta faculdade, em articulação com o artigo 21º nº1 b),
costuma ser complementada com o disposto no 379º nº1 (sublinhe-se o nº5, que
dispõe que os acionistas se podem agrupar entre si para perfazer a participação
mínima necessária). É comum esta regra ser empregue – mas e se as ações não
tiver valor nominal, se não forem dotadas de valor de emissão? Quando é que se
preenche esta regra? Esta vicissitude criou-se em maio de 2010 com a revisão do
CSC, que dispensou a necessidade de valor nominal das participações sociais.
Estamos perante uma lacuna.
o Al. b) Noutro caso, a lei permite o chamado “teto estatutário do voto”, ou seja,
admite-se a possibilidade de o contrato de sociedade prever que, em relação a um
mesmo acionista atuando em nome próprio e em representação de outrem, não
possam ser contabilizados votos acima de um determinado limite (ex. 10% ou
20% do capital social). Isto é uma cláusula de blindagem da sociedade comercial
face ao domínio absoluto de um punhado de sócios, pois promove a dispersão do
voto e desencoraja a aquisição de lotes dominantes, por exemplo, por OPA (ainda
que, naturalmente, quanto maior for a participação, maiores serão os lucros a
quinhoar). Esto teto estatutário cria um problema – se ele existir ab initio não se
suscitam problemas, pois quem entra na sociedade sabe ao que vai e que existe
essa limitação – se adquiriu 30%, a responsabilidade é sua, até porque essa
cláusula só se introduz por unanimidade (exceto nas sociedades abertas). Mas a
introdução em vida da sociedade, por alteração do contrato, levanta muitas
questões, nomeadamente perda de poder e de liquidez. Que sucede quando
subscreve 30% ao início, para ter um grande poder, e agora desvalorizo em 20%,
pois o teto estatutário do voto passou para 10%? Esta situação é bastante
semelhante ao disposto no artigo 86º nº2 – inoponibilidade das obrigações criadas
em vida da sociedade. Isto subverte todas as expetativas dos participantes na

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sociedade. Têm, contudo sido criados mecanismos que visam combater o teto
estatutário do voto e revestir de maior importância os votos dos maiores
acionistas – isto até pode criar problemas graves de liquidez (situação de 90%+1
– para ter o controlo absoluto). Procurou-se responder a este problema pela
transposição de uma diretiva europeia (13ª Diretiva, 2004/25/CE) que instituiu a
breakthrough rule: quando alguém por uma OPA adquire uma percentagem
superior a 75% (182º-A CVM), não pode ficar sujeita a limitações de teto
estatutário. Se se quiser conquistar uma sociedade aberta ao mercado, desde que
adquira 75% do capital social, posso ignorar os tetos estatutários, desde que o
contrato se sociedade não preveja a suspensão das restrições ao direito de voto.
No RGICSC (Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades
Financeiras), foi acolhida há cerca de 2 anos uma regra relativa ao teto estatutária
das sociedades instituições de crédito. De 5 em 5 anos, os acionistas são
obrigados a revisitar o teto numa votação sem teto estatutário (caso contrário,
seria uma fraude), a ponderar se ele ainda faz sentido, o que assegura a plena
vontade na sua permanência. Se nada se fizer, ele caducará, nos termos do artigo
13º-C RGICSC (norma especial face ao CSC), que o Professor acha que deveria
ser alargado a todas as sociedades comerciais.
Tratemos do voto plural. Haverá a possibilidade uma mesma fração de capital social ter
um número de votos superior a outras frações idênticas? Será isso que se trata no 250º nº2, para
as SQ? Sim, mas só para as SQ – imagine-se que um chef de grande talento se associa a um
capitalista e quer criar uma SQ, mas garantir um grande poder independentemente de não ter
muito capital para entrar. Este é o exemplo típico. Falamos de voto plural quando uma mesma
fração de capital social pode conferir mais votos ao sócio do que outras frações idênticas.
Nas SQ, um sócio pode ter dois votos por cada 0,01€ de valor nominal de quota, contanto que
esses direitos atribuídos contratualmente não ultrapassem 20% do capital social. Estamos
perante um direito especial de voto duplo. A lei permite esta desproporção entre o valor da
participação social e os votos que ela representa (sendo que não pode ultrapassar o dobro nem o
limite de 20% dos do capital social).
Na SA, esta questão do voto plural colocou-se mais cedo, e ações com o mesmo valor
nominal podiam representar uma quantidade diferente de votos. Isto foi possível no passado, até
à entrada em vigor do CSC, sendo hoje proibido pelo artigo 384º nº5. Era permitido
anteriormente porque houve um período de grande crise económica e enfraquecimento do poder
compra. Assim, para conservar as empresas em mãos nacionais, o legislador abriu a porta para
que cada participação social (portuguesa) fosse atribuído um número de votos superior. Esta
situação foi criada no princípio do séc. XX e permitia que os países conservassem o controlo
sobre empresas-chave para a sua economia.
A economia globalizou-se e começou-se a olhar com desconfiança para este tipo de
mecanismo, dado o desincentivo empreendedor que representava este tipo de mecanismo. Por
isso mesmo, veio a ser banido pelo atual CSC (proibição do privilégio de voto nas SA, contando
que todas as ações têm o mesmo valor nominal). Contudo, para as SA que tinham no estatuto a
possibilidade de criação de voto plural (possível até à entrada em vigor do atual CSC, a 1 de
novembro de 1986), a lei estabeleceu a regra transitória do artigo 531º, conferindo a possibilidade
de deliberar a sua extinção (porém, não explicou como é que as pessoas com voto plural votavam).
A eliminação atual deste privilégio aparece facilitada pelo 531º nº2. Esta norma também se aplica
às SQ, desde que também esteja em causa qualquer voto superior ao duplo. O 531º nº3 prevê uma
compensação para quando os direitos de voto tivessem sido atribuídos como contrapartida de
determinado esforço financeiro. Mas o 531º olvidou um problema bicudo: como se processará a
votação prevista no 531º para alteração dos estatutos no que toca a esta cláusula de voto plural?

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Como participarão os avantajados? Não participarão? Participarão em termos equiparados?


Participarão no pleno uso do seu direito de voto plural? Ao não tratar este problema, a lei abre as
portas à perpetuação de minorias de bloqueio indesejadas.
Nota: Uma cláusula que, no contrato social de uma SA, multiplique por 10 o nº de votos que cada
ação representa para cada sócio não institui o voto plural e não será nula, pois não atribui qualquer
situação de vantagem.
Hoje em dia estão a surgir as chamadas “ações de lealdade”, que atribuem votos plurais
(eventualmente duplos) a quem está na sociedade há um determinado período de tempo.
O artigo 385º estabelece o princípio da unidade de voto, que tem caráter excecional.
Estabelece que os acionistas que tenha mais que um voto, têm de usar os votos correspondentes
às suas ações todos no mesmo sentido. A sua violação provoca a nulidade dos seus votos. Esta
disposição legal, no fundo, tem em conta a pessoa do acionista e não as ações, isto é, aqui as ações
não são cegas, “têm olhos no mínimo para reconhecer o respetivo titular”. Este princípio
excecional só confirma a regra primária que temos vindo a anunciar: a objetivização dos direitos
sociais e das sociedades comerciais em particular.
O artigo 251º para as SQ, e o artigo 384º nº6 para as SA, estabelecem o impedimento do
direito de voto (que não gera impedimento da comparência na AG) relativamente à votação
pessoal ou através de representante sempre que houver uma situação de conflito de interesses
entre o sócio e a sociedade. Esta situação de conflito de interesses tem de ser de natureza pessoal
do acionista, ou seja quando o interesse do acionista não seja funcional (ex: remuneração de um
determinado cargo; mesmo que o sócio o ocupe naquele momento pode não ocupar
posteriormente, pelo que pode votar/ numa deliberação de destituição, o sócio pode votar também,
de modo a proteger-se, nos casos de destituição sem justa causa, ao contrário do que ocorre se for
com justa causa). A enumeração do art. 384º/6 é exemplificativa e não taxativa.
Finalmente, chegámos ao direito de informação (214º a 216º SQ, 288º a 292º SA, 1048º-
1052º CPC), o último dos direitos sociais que iremos abordar. Estamos perante um direito social
geral que deixa de se confinar aos esclarecimentos obtidos em AG, à divulgação de certos
documentos, na fase preparatória dessas assembleias – nomeadamente daqueles que forem nelas
objeto de discussão e aprovação ou ao inquérito judicial em reduzido número de casos. A sua
consagração essencial consta do artigo 21º nº1 al. c). No regime do direito à informação, é
especialmente impressiva a preocupação legal em associar o âmbito do direito à detenção de uma
determinada participação social.
Este artigo tornou-se muito importante porque anteriormente não lhe era concedida
autonomia dogmática. Suscitava-se a questão somente relativamente a alguma documentação da
sociedade. O inquérito judicial já existia em 1986. O legislador reposicionou essa solução,
configurando-a com caráter geral. Entendeu-se que este direito era muito relevante para que os
participantes na sociedade pudessem contribuir de forma esclarecida para a formação da vontade
societária.
Também se integra na dogmática do direito de informação o chamado direito de controlo da
ação dos administradores e dos gerentes e que se retira designadamente do disposto nos artigos
292º, 216º e 450º CSC e 1048º a 1052º CPC.
O direito à informação também compreende, desde 1986, a consulta de elementos vários,
como da escrituração social, inspeção dos bens sociais e a obtenção de informações por escrito.
Informação significa ter acesso a um certo conhecimento. Este direito à informação não se
confunde com qualquer intromissão na gestão da sociedade (373º nº3). No seio societário, este
direito tem 3 vertentes:

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• Vertente social - Consulta de elementos da sociedade, inspeção dos bens sociais e


obtenção de informações por escrito;

• Vertente volitiva - Informações inerentes e necessárias para uma adequada formação da


vontade social, em momento prévio ou concomitante à AG;

• Vertente tutelar ou judicial – inquérito judicial ou exame de escrituração por


intervenção judicial quando a sociedade, injustificadamente ou indevidamente, se recuse
a prestar informações.
Qual o âmbito do direito de informação nas SA? Porque é que o Código o configura em
termos tão restritos? As SA serão o foco de análise, posto que para as SQ a questão é simples.
Nestas, todos e cada um dos sócios tem acesso, sem discriminações, às informações sociais (214º,
na íntegra, nomeadamente no nº2, onde se sugere a regulamentação estatutária do exercício do
direito, e o nº5, onde inclusive se permite a “inspeção dos bens sociais” – leia-se, o sócio dirigir-
se ao armazém, eventualmente na companhia de um perito, e escrutinar os bens sociais, ou ter
pleno acesso a bases de dados gerais da sociedade) – o que pode parecer paradoxal, porque as SQ
são eminentemente fechadas e pessoais (não obstante a affectio societatis e a amplitude de
regimes como o 259º). Nas SA o direito de informação não é concedido sem discriminações. Pelo
contrário, a lei restringe a sua legitimidade de exercício à titularidade de uma participação
minimamente relevante – geralmente, 1% (como veremos, com exceção das informações
preparatórias ou concomitantes à AG).
Existem três grandes âmbitos, que são os seguintes:

• Informações pertinentes para a AG (289º e 290º, preparatórias e concomitantes);

• Informações mínimas: a conceder aos acionistas titulares de, pelo menos, 1% do


capital social (288º nº1);

• Informações desenvolvidas: só por escrito e quando requeridas por acionista(s) que


representem, pelo menos, 10% do capital social (291º).
Na verdade, quanto ao direito de informação, constatamos que “há uns mais acionistas do que
outros”. Podemos identificar três categorias de direito de informação quanto à sua legitimidade
e modo de exercício:

• Todos os acionistas (nomeadamente, todos os que detenham menos de 1% do capital


social) – 289º e 290º, em dois momentos:
o Informações preparatórias da AG:
▪ Disponibilização de documentos (289º nº1, alíneas), com 15 dias de
antecedência ou na data da publicação ou expedição da convocatória, em
certas circunstâncias, como a alteração do contrato social, sempre que o
novo texto não tenha sido divulgado na convocatória (377º nº8) – prazo
esse de 15 dias que será extensível às SQ por via do artigo 248º nº1;
▪ Propostas de acionistas (378º) – não têm de ser disponibilizadas, somente
o requerimento de onde elas constam, nos termos do 289º nº2 (exceto nas
sociedades cotadas – 23º-B CVM), ainda que o bom senso obrigue sugira
que as mesmas se tornem conhecidas de todos.
o Informações durante AG (aplicável às SQ, pelo 214º nº7) – 290º nº1 e nº2 –
informações verdadeiras, completas e elucidativas sobre os assuntos sujeitos a

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deliberação. O órgão incumbido de cada função está adstrito a prestar esses


esclarecimentos. Fundamentos de recusa:
▪ Sério prejuízo para a sociedade ou sociedade coligada;
▪ Violação do segredo imposto por lei.

• Acionistas minimamente relevantes (pelo menos 1% do capital social – sozinhos, não


existe direito de agrupamento afim ao 379º nº5 por imperativos lógico-sistémicos (291º
e 289º nº3 a) - e apresentação de motivo justificado – qualquer que seja, desde que o refira
(POC)) - 288º e 289º nº3 (conteúdo mínimo do direito de informação) –; um dos pontos
mais importantes é a apresentação do relatório de gestão (288º nº1 a), 65º, nº4, 66º, 67º
nº2 e nº4, 70º-A a contrario, 376º nº1 a), 70º nº2 CRCom); para além de todas as
informações do 289º e 290º, nesses momentos.

• Grandes acionistas ou acionistas agrupados (pelo menos 10% do capital social) – 291º
(outras informações por escrito) – sociedade tem 15 dias para responder, caso contrário
têm-se por recusadas (291º nº5); o que difere do estipulado para as SQ (214º nº1, in fine);
para além de todas as informações do 288º e 289º nº3, 289º e 290º.
O regime do 291º nº2, in fine e nº4 determina que, por regra, os pedidos de informação
não possam ser recusados. Isto só não será assim quando forem pedidos abusivos
(diferentemente se passa nas SQ, em que o direito poderá ser mais amplamente regulado pelo
contrato social). Uma recusa injustificada comina num vício de invalidade na modalidade de
anulabilidade da deliberação (290º nº3, 214º nº7, 58º nº1 c) e nº4, 59º)
Se o artigo 291º estabelece um prazo há ilações a retirar do incumprimento. A administração
pode não prestar nos casos em que essa informação vá ser indevidamente utilizada. Nessas
circunstâncias essa informação deve ser recusada. Mas se for recusada injustificada e
indevidamente, deve ser dada essa informação de forma coerciva — processo de inquérito
judicial (216º e 292º) – processo de jurisdição voluntária.
O inquérito judicial é um processo previsto nos arts. 1048º a 1052º do CPC. Pode existir por
recusa ilegítima. O art. 216º refere-se especificamente. O art. 450º fala de uma situação específica.
O principal elemento do direito à informação é o relatório de gestão, obrigatório em todas
as sociedades comerciais (65º, nº4, 66º, 67º nº2 e nº4, 70º-A a contrario, 376º nº1 a), 70º nº2
CRCom) e os documentos de prestação de contas que, uma vez aprovados em AG (376º nº1
a)), deverão ser depositados na Conservatória do Registo Comercial, via IES (Informação
Especial Simplificada). Esses são os documentos em que periodicamente (anualmente) a
sociedade dá a conhecer o relatório de gestão (principais atos e factos que decorreram no seu
exercício) e também os documentos de prestação de contas, os que condensam numericamente
tudo o que foi a atividade da sociedade (despesas, custos, etc.).
Depois do art. 64º, logo no art. 65º estabelece-se um dever específico muito relevante de
periodicamente relatar a gestão, no interesse dos sócios e os stakeholders (credores em
particular). O art. 66º contempla, no seu nº5, o conteúdo do relatório de gestão. Todas as
sociedades devem elaborar um documento com essas características. O art. 66º é dotado de
alguma complexidade. O seu nº5 revela que são muitos os parâmetros que devem ser
contemplados, para que os terceiros possam apreciar a situação em que a sociedade se encontra.
O relatório deve ser publicado no sítio da sociedade. Desde 2017, a lei dispensa o relatório de
gestão às chamadas microentidades — empresas com dimensão tão reduzida que este tipo de
informação será manifestamente excessiva para o tipo de atividade que elas têm (superam 66º nº6
CSC e 9º SNC):

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• Não tenham balanço superior a 350 000€;


• Volume de negócios líquido de 700 000€;
• Número médio de 10 ou menos trabalhadores durante o período.
A informação social pode ser solicitada verbalmente ou por escrito, ou mesmo por consulta
direta dos elementos sociais, e todas as informações prestadas devem ser verdadeiras, completas
e elucidativas (214º nº1 e 290º nº1). Como se exerce o direito de informação, como se poderão
encetar estas diligências?

• Exercício pessoal (imediatamente ou por representação) - Enquanto nas SQ o direito


deve ser realizado pessoalmente pelo sócio, que se pode fazer acompanhar por perito
(214º nº4), nas SA o direito de informação, para além de ser exercível pessoalmente,
também pode ser exercido por quem tenha condições de representar o sócio em
assembleia geral (288º nº3, 380º e 576º CC).
• Exercício pela gerência - Poderão os próprios gestores, sendo sócios, exercer o direito
de informação? Em princípio não fará sentido porque são eles próprios que satisfazem
esse direito e que detêm as informações sobre a vida societária... Contudo, em algumas
circunstâncias, chegou-se à conclusão que alguns sócios gerentes se viam segregados no
acesso à informação e que, como gerentes, eram marginalizados. Os tribunais recusavam,
por vezes, esse acesso. Entretanto, inverteram completamente essa jurisprudência (TRL
18.02.2016). Se vão pedir a tribunal é porque deveriam ter acesso e passaram a reconhecer
esse direito aos sócios gerentes e administradores.
Mais do que possível, a regulamentação deste direito é desejável. Um direito ilimitado à
informação pode consistir, mais do que um empecilho para a sociedade, um verdadeiro perigo. O
que é fundamental é que, se for regulamentado, não pode ser feito de modo a diminuir as garantias
que o direito concede aos sócios e acionistas. Mas, desde que a sua efetividade não seja posta em
causa, nada impede que seja regulamentado. Por ex., numa sociedade que não seja muito grande,
estabelecer-se que o sócio que não o possa fazer a qualquer momento e estabelecer que as
informações só devam ser prestadas em certos dias, em certas condições, em certos locais.
O que acontece se ocorrer a recusa da informação ou se forem prestadas
informações falsas, incompletas ou não elucidativas? Há casos em que é admissível a recusa.
Por ex., sempre que a sociedade concluir que a divulgação acarreta prejuízo grave relativamente
ao benefício que o sócio obteria com a informação. Os artigos 215º, 214º e 291º integram causas
de justificação para a não prestação. Noutros casos, nem sequer é esse direito que está em causa.
Nalguns casos há matéria de gestão que só pode ser submetida à discussão (373º nº3) por iniciativa
do órgão. Essa obrigação cessa nos momentos em que o sócio já se está imiscuir. Enfim, o artigo
58º nº1 c) e nº4 (290º nº3, 214º nº7) esclarece que a preterição de elementos mínimos de
informação são causa de invalidade da deliberação. Para além disso, há responsabilidade
penal dos gestores (arts. 518º e 519º). Se a informação for indevidamente utilizada o
acionista terá que assumir uma responsabilidade perante a própria sociedade. Por isso, o
CSC prevê no art. 214º/6 e no art. 291º/6 essa mesma responsabilidade (utilização indevida
de informações – afetação da informação legitimamente obtida a fins extrassociais).
Por último, cumpre referir os casos de abuso da informação. Estão previstos no CSC
para os casos em que, por ter determinadas informações (normalmente, um gestor), poderá obter
vantagens ilícitas ou prejudicar a sociedade por ter aproveitado essas informações. O artigo 449º
menciona esse abuso e estabelece deveres por parte de membros do órgão de gestão. Esse é um
fator gerador de responsabilidade civil e o próprio Cód. Valores Mobiliários estabelece um
crime no artigo 378º, onde prevê que esse abuso pode dar origem a responsabilidade
criminal - não só para as sociedades cotadas mas para as SA em geral.

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4. A participação social
Analisadas algumas das situações jurídicas que caracterizam as participações sociais, iremos
agora encarar a participação como um todo. Vamos olhar da perspetiva do objeto e não do sujeito.
A participação social designa a situação jurídica característica do sócio (seu titular) perante a
sociedade (relação de socialidade), os outros sócios e terceiros, e identifica um bem jurídico, visto
que é objeto de direitos e obrigações, designadamente de direitos reais, como o usufruto e o
penhor, nos termos do 23º. Este objeto ganhará autonomia, como acontece com a ação
relativamente à SA. Nos outros tipos societários, independentemente de se conseguir autonomizar
o bem jurídico, há identificação entre esse bem jurídico e o próprio sócio - a relação socialidade
exprime-se na participação social porque em princípio a cada sócio caberá apenas um bem e só
esse. Nas SA há tantas relações de socialidade quantas ações existirem na sociedade.
Comecemos pela análise sucinta dos conceitos de participação para efeitos dos dois tipos
societário de maior pendor pessoalista. Nas SNC a participação social é apenas designada como
parte social (182º, 183º, 187º e 188º). Nas SQ as participações sociais designam-se simplesmente
por quotas (197º nº1). A parte social e a quota correspondem a bens imateriais incorpóreos (176º
nº2 e 219º nº7), cuja transmissibilidade está sujeita a forma escrita simples (182º nº2 e 228º nº1)
e a registo comercial) 3º nº1 e) e c) CRCom e 188º-A, 242º-A a F CSC), e no caso das SNC
necessariamente a consentimento unanime dos demais sócios (182º nº1) – o que fazem dela um
tipo especialmente fechado (fora das hipóteses de exoneração expressa ex lege).
O caráter imaterial das partes sociais e das quotas costumava ser um caráter distintivo destas
face às ações, tradicionalmente documentadas em títulos de crédito. Contudo, com o fenómeno
de desmaterialização das ações, esta característica deixou de ser um traço distintivo entre estas
modalidades de partipações sociais. Não só não costuma estar como não pode ser documentada,
a quota (219º nº7). Esta participação - que é divisível por valores de um euro (221º nº1 in fine),
correspondendo cada cêntimo a um voto (250º nº1) – tinha um valor mínimo de 100 euros que
passou para o valor simbólico de 1 euro (219º nº3). Em princípio, a cada sócio cabe uma única
quota que corresponde à sua entrada na sociedade (219º nº1), salvo os casos do artigo 221º e 219º
nº2 (contitularidade necessária). O último posto de forte distinção entre estas sociedades e as SA
é a de que as quotas e o seu montante quanto aos diversos sócios devem ser expressamente
mencionadas no contrato de sociedade, o que implica que a cessão de quotas, ou seja, transmissão
inter vivos com caráter oneroso, requeira alteração formal do contrato social (não material, pois
isso seria dizer que o consentimento da maioria teria de deliberar e aprovar essa cessão, o que não
se pretende). A transmissão das participações dentro destas duas sociedades mais pessoalistas é
livre dentro da própria sociedade, mas fortemente restringida relativamente a terceiros não
potenciais sucessores legitimários do titular.
Foquemos, agora, nas participações sociais das SCA e das SA: as ações. As ações são o mais
importante valor mobiliário (1, 39º e ss. CVM). O capital da SA expressa-se em ações (271º).
Qual o conceito de ação? Segundo Paulo Olavo Cunha, poderemos partir de três conceitos:

• Totalmente válido: ação como participação social – ação exprime uma situação jurídica
complexa relativamente que decorre da titularidade por parte de uma determinada pessoa
ou entidade, a que chamamos acionista, de uma parte homogénea de uma sociedade
comercial. A ação exprime a posição jurídica de todos os titulares desse tipo de
instrumentos – de todos aqueles que se vêm a considerar, por efeitos da detenção de esse
valor mobiliário uma relação de socialidade e consequentemente a posição de acionista.
Porque este tipo de situações exprime situações judiciar homogéneas idênticas às demais,
quando se é titular de muitas ações, é como se fosse mais que uma vez acionista. Mas é

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característica das SA, segundo esta definição, que é com estes instrumentos que se
encontram os direitos e vinculações dos titulares de participações sociais. Este conceito
vê a ação como estatuto, como complexo de direitos e deveres da posição de sócio.
• Alguma validade: ação como fração do capital social – se ele se expressa em ações, em
princípio esse capital social divide-se em ações e elas representam uma fração do capital
social. Pela ação se determina a posição absoluta e relativa de uma pessoa no seio da SA
(capital social subscrito e importância correspondente).
o Crítica – ações sem valor nominal puras (no par value shares¸ permitidas no
nosso ordenamento desde o DL 49/2010, de 19 de maio): ações que não
exprimem uma certa fração de capital social, mas sim uma percentagem do valor
patrimonial da sociedade, designadamente por se referirem a um valor de
referência relativamente ao património da sociedade. Esse valor de referência é,
muitas vezes, a cifra constante e imutável do capital social – esta alteração
legislativa visa, precisamente salvaguardar a fortalecer o seu conceito. Apenas se
exige que a sociedade opte por ter todo o capital social representado por ações
com ou sem valor nominal, não admitindo misturas. Não obstante, o artigo 276º
nº4 parece vir conferir alguma força a este critério, ao ressalvar que (possuindo
valor nominal ou não), todas as ações devem representar a mesma fração do
capital social.
o Crítica – ações de fruição – antes de 2010 já existia no nosso ordenamento uma
situação relativamente excecional em que coexistiam ações ordinárias e ações
reembolsadas, que haviam sido objeto de reembolso prioritário através de uma
operação de amortização sem redução do capital social (376º nº4). Estas ações de
fruição são ações diminuídas e que, embora sem valor nominal (porque a lei
assim o impunha), já não representam uma fração efetiva do capital social.
• Conceito abandonado: ação como título de crédito – a ação é o documento no qual se
incorpora uma determinada situação jurídica com os elementos necessários e
imprescindíveis para exercer os direitos subjetivos e impondo as obrigações que exigisse
(literalidade – do título devem imediatamente resultar todos os direitos e deres
incorporados). O que sucede é que a sua literalidade remetia para o próprio contrato de
sociedade (literalidade por referência ou indireta) a concretização desses direitos e
vinculações. Ela pode ser título de crédito mas somente quando forem tituladas.
o Crítica - a desmaterialização das ações: as ações escriturais por meros registo
informático bem como os simples registos em conta do adquirente, não existindo
um título (é documento segundo 362º CC, mas não título).
A ação, no direito português, tem fundamentalmente quatro características:

• Indivisibilidade – 276º nº6 - a ação é indivisível, ao contrário do que se passa com as


quotas (221º). As ações (até porque podem ter um valor irrisório) costumam ser divididas
somente na sua integralidade, e não cada ação em si, ao contrário do que se passa nas
quotas. Por isso, a sua indivisibilidade não choca com o facto de os títulos poderem
incorporar mais do que uma ação – e consequente dobramento e desdobramento (97º nº1
b) CVM), com possíveis operações de alterações do seu valor nominal, de amortização,
com situações de contitularidade (303º), com objetivização complexa (titularidade
pertence a António e usufruto pertence a Bento – 23º nº1 e nº3) ou com fusões ou
agrupamentos de ações (23º-E CVM).
o O seu valor nominal é diminuto (1 cêntimo). Não faria sentido proceder à sua
divisibilidade.
o Não sendo divisíveis, isso não é incompatível com a sua contitularidade (303ª),
de uma ação ou conjunto de ações);

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o Não sendo divisíveis, isso não é incompatível com o reconhecimento de que a


ação pode ser objeto de garantias. Estão sujeitas a penhor e usufruto (23º);
o Não sendo divisíveis, as ações estão sujeitas a renominalização (alteração do
valor nominal das ações), por alteração do contrato social, sendo que todas têm
de ter o mesmo valor nominal. Por exemplo, pega-se num valor nominal de 5
euros e passam-se para 1 euros (quem tinha uma ação de 5 euros, passa a ter cinco
ações de 1 euro, o que me dá mais liquidez e mais facilidade de disposição e
venda, por valor inferior);
o Não sendo divisíveis, pode-se, contudo, fundir ações, para ter uma ação mais
valiosa (pega-se em 5 ações de 1 euros e reagrupa-se numa só, com valor de 5
euros (23º-E CVM).
• Livre transmissibilidade – Remissão – decorre do artigo 328º nº1, ainda que não
necessariamente numa afirmação direta mas no sentido de ser prever que tem
característica absoluta salvo nos casos em que se possam limitar a transmissibilidade. A
sua transmissibilidade também é um fator gerador de liquidez.
• Idêntica fração do capital social - ação tem de representar uma igual fração do CS. Isto
decorre da conjugação do 276º nº1 e nº4. Reconhece-se assim que o conceito de ação
enquanto fração pode ser adequado. Por outro lado, está-se a referir que qualquer que
tenha sido um custo originário (por subscrição) ou derivado (por aquisição) de aquisição
da acção, ela tem o mesmo valor das demais frações.
• Suscetibilidade de agrupamento – 379º nº5 (já analisado a propósito do direito de voto).
Este agrupamento pode ser necessário para o exercício de direitos sociais (ex. 291º).
O fenómeno de criação de ações tem o nome técnico de emissão. A emissão é o ato pelo qual
a sociedade faz nascer a participação social e que se pode consubstanciar em dois tipos distintos
quanto ao se conteúdo: registo informático reconhecendo que ela irá pertencer a uma dada pessoa
(ações escriturais), ou criação de documentos físicos que titulem essas participações (ações
tituladas) – estes tipos serão desenvolvidos adiante. Os artigos 61º e ss. CVM regulam este
regime, bem como o 304º CSC (onde teve origem) e no 272º a) (CSC não reconhece ações
escriturais, coisa que foi feita só em 1988 – desmaterialização, regulada pelo CVM em 1991 e
depois em 2000).
A emissão das ações distingue-se da sua subscrição:

• Sujeito ativo:
o Emissão – ato de vontade da sociedade
o Subscrição – ato de vontade de acionistas ou de terceiros.
• Momento:
o Emissão – 1º momento - corresponde ao ato decisório de colocar no mercado
participações sociais novas;
o Subscrição – 2º momento - corresponde ao ato pela qual um ou mais sujeitos ou
entidades se comprometem a realizar o capital correspondente a uma ou mais
ações. A subscrição é uma aquisição originária da participação. Por isso se diz
que caracteriza uma operação de mercado primário, pois pela primeira vez toma
contacto com o mercado.
▪ Cautelas - Neste momento, inicial de circulação dos títulos de capital
podem ser emitidas cautelas que representem de algum modo essas
ações. Olhando para o artigo 304º, vê-mos que este permite a criação de
títulos provisórios, em regra, durante 6 meses, prazo durante o qual
devem ser emitidos títulos definitivos (304º nº3 CSC e 96º CVM). Este
regime revela-se anacrónico. Isto sucedia porque antigamente as
sociedades não eram impressas na sociedade mas fora dela, tendo até

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chegado a ser pela casa da moeda (aposição da marca de água). Assim,


tentou-se criar títulos provisórios para fazerem prova da subscrição e da
correspondente posição jurídica do acionista enquanto a ação não estava
pronta. Isto não se confunde com o recibo relativo à capitalização do CS
– decorre da quitação que está expressa no documento de constituição da
sociedade comercial no qual se declara que os acionistas
disponibilizaram o montante correspondente às ações que subscreveram.
Quando todos os elementos necessários à elaboração dos títulos
definitivos estiverem reunidos, segue-se a impressão do título
(documentado em suporte de papal com todas as suas menções). Estes
devem ser assinados pelo órgão de administração da sociedade emitente,
ainda que por chancela (97º nº2 CVM). Dele devem constar as seguintes
menções obrigatórias (97º nº1 e 44º nº1 a) e b) CVM, 328º nº4 CSC):
• Identificação completa da sociedade, incluindo o montante
do capital social (menções externas obrigatórias);
• Quantidade das ações incorporadas no título e as respetivas
características, com indicação da espécie e valor nominal, se
existente, por ação ou título;
• Número de ordem;
• Identificação do titular;
• Cláusulas contratuais limitativas da transmissibilidade das
ações representadas.
O que distingue a subscrição da aquisição?

• Subscrição - acto associado à criação da própria participação, com a intervenção na


criação da participação por parte do acionista. Se a sociedade emite as ações, elas
destinam-se a ser subscritas por todos os interessados, qualquer que seja o modo como o
façam (ex.: direito legal de preferência). Na subscrição há uma aquisição originária da
participação. Por isso se diz que a subscrição caracteriza uma operação de mercado
primário: primeira vez que as participações contactam com o mercado em que vão
circular. A subscrição não pode ser feita abaixo do par, ou seja, por valor inferior ao valor
nominal da participação (quando existente) – mas idêntico ou par ou mesmo superior, se
existir prémio de emissão ou ágio.
• Aquisição - ocorre relativamente a valores mobiliários que já existem noutra esfera
jurídica. Trata-se de uma aquisição derivada translativa de direitos porque são os direitos
que já existem na titularidade de alguém que os subscreveu no passado e que está
disponível para os alienar. Nestes termos, a aquisição é uma operação de mercado
secundário (por exemplo, na Bolsa de Valores Mobiliários – por exemplo, a Euronext),
que tanto podem ser feitas a valor superior ou inferior ao nominal (valor da participação
e valor da operação). Se assim não fosse, não se podia vender ações de sociedades que
não estivessem “em forma”.
Tratemos do tipo, forma e espécie de ações. Vamos distinguir as participações sociais, nas
sociedades anónimas, pelo modo de representação externa que assumem e pelo modo de
circulação ou transmissibilidade.
Comecemos pelas distinções relativas ao seu modo de representação externa ou forma:

• Tituladas vs. Escriturais – 272º d) CSC e 44º e 46º CVM – as ações podem ser tituladas,
ou seja, documentadas em suporte de papel, ou escriturais, ou seja, desmaterializadas,
correspondendo a meros registos informáticos. Tradicionalmente, como bem se

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compreende, não existiam ações que correspondessem a participações incorpóreas, pois


todas as ações eram materializadas ou documentadas em títulos. O 272º refere-se somente
às espécies de ações (nominativas somente, hoje) e não a este tipo, uma vez que estamos
perante uma disposição originária do CSC. Com a revisão do CSC em 2010, esperava-se
que esta disposição fosse alterada, mas tal não sucedeu. Hoje, contudo, esta disposição
deve ser lida em conjunto com o regime do 44º nº1 b) CVM, pois no que toca à forma de
representação das ações, tal forma deve constar de inscrição no registo de emissão. O
disposto no artigo 272º deve ser articulado com as disposições que regulam as ações
escriturais, no seio do CVM. Estas últimas ditam que tais ações são exclusivamente
realizadas pela sua inscrição em contas abertas em nome dos respetivos titulares através
das quais vamos comprovas exatamente a natureza, as características e a situação jurídica
inerente à participação social. As ações escriturais seguem, por definição, o regime das
ações nominativas porque asseguram, com certeza e segurança, a identificação do
respetivo titular e, em especial, permitem a própria emitente conhecê-lo a qualquer
momento e independentemente do montante da participação daquele.
Tratemos agora das distinções relativas ao seu modo de circulação ou regime:

• Nominativas vs. Ao portador – quanto ao seu modo de circulação são nominativas, hoje,
sempre – 272º d) – em 2017, a Lei 15/2017 de 3 de maio, complementada pelo DL
123/2017 de 25 de setembro e que entrou em vigor em 6 de novembro de 2017, extinguiu
as ações ao portador na OJ portuguesa, convertendo todas as mesmas em ações
nominativas. A Diretiva que tal ditou não obrigava necessariamente a isto, mas somente
à necessidade de se saber, a cada momento, quem as tinha. Antigamente, nas ações ao
portador, o seu titular determinava-se pela posse do título, comprovando-se todos os seus
direitos pela posse do mesmo e transmitindo-se a participação pela mera entrega material
do título em que se consubstancia. Hoje, numa ação nominativa, única espécie permitida,
encontra-se averbada a sua respetiva titularidade, transmitindo-se por endosso,
averbamento da pertença e inscrição no respetivo livro (ex-livro de registo de ações, atual
registo de emissões). Sublinhe-se o paradoxo de que a sociedade anónima é cada vez
menos anónima… As ações nominativas podem revestir duas modalidades:
o Com valor nominal vs. Sem valor nominal – 271º e contrato de sociedade –
ações podem ser sem valor nominal ou com, mas antes tinham sempre de ter, só
em 2010 isto se tornou assim. Na versão original do CSC, todas as participações
nas SA tinham valor necessariamente nominal, à semelhança do que acontecia
com todas as participações de capital nos diversos tipos societários -, o qual
correspondia à contribuição do acionista para o capital social (ergo, a soma do
valor nominal de todas as ações determinavam o valor do capital social).
Paralelamente, com a igualdade de valor nominal, existia o princípio de que as
ações não poderiam ser subscritar abaixo do par, isto é, por valor inferior ao seu
valor nominal. Por isso, sempre que uma sociedade carecia de colocar um
aumento de capital no mercado para prosseguir a sua atividade, deveria
previamente proceder a um saneamento das suas perdas, reduzindo o seu capital
social para o nível do montante dos seus capitais próprios, pois de outro modo
nenhum terceiro subscreveria o aumento por valor (nominal) superior ao valor
real das participações.
▪ Por exemplo, se as ações tinham valor nominal de 1 euro e o seu valor
real era de 50 cêntimos estando numa situação de necessidade de capital
líquido, deveria primeiro operar uma redução do capital social para
saneamento de perdas ou prejuízos e, só depois, fazer o aumento do
capital social, vendendo as ações ao preço real de mercado (idêntico ao
seu valor nominal). É o que se designa por “operação harmónio”, que

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caracteriza a impossibilidade de capitalizar sociedades com valor real de


mercado social abaixo do valor nominal (276º).
o (Cont.) Hoje, foram introduzidas no ordenamento jurídico português ações sem
valor nominal, que permite a subscrição de capital da SA, em momentos distintos,
por valores de emissão diferenciados, adaptando as variações da respetiva
valorização de mercado às necessidades da sociedade. Se puder emitir ações a 50
cêntimos que têm o mesmo valor das que estão no mercado pois representam a
mesma fração, talvez o mercado reage e compre, pois pagam 50 cêntimos por
ações que valem 1 euro. Encontrando-se as ações cotadas no mercado por metade
do valor original, a sociedade poderá realizar apenas um aumento de capital,
emitindo novas ações por esse valor de cotação ou até inferior e, com essa
decisão, cativas investidores que de outra forma não teriam interesse. Só se pode
fazer isto com ações sem valor nominal – para ter um valor de emissão aquém do
valor nominal. Para criar ações sem valor nominal basta alterar o contrato de
sociedade – alterar a menção obrigatória do contrato de sociedade (272º a)). As
ações podem ser com ou sem valor nominal, mas têm de ser todas iguais, nunca
umas de umas e outras. Quando passam de ter para não ter? É preciso sempre
justificar porque é que se faz isto assim, na deliberação. Não é habitual criar sem
valor e depois ter – é mais habitual o contrário. Quando há alteração a alteração
tem de ser radical, não há meios-termos. Podemos encontrar, contudo, ações sem
valor nominal sem referência ao capital social, noutros ordenamentos.
Nota: na sua dissertação de Mestrado, o Professor distingue, ainda, as ações:

• Quanto à natureza da entrada que representam – em numerário ou em espécie;


• Quanto ao preço de subscrição – com ou sem prémio de emissão ou ágio;
• Quanto aos direitos que conferem – entre ações ordinárias, privilegiadas e diminuídas
(remissão, infra).
Aprofundemos a matéria relativa ao registo de ações. O registo de ações é o que a sociedade
deve promover para ter a certificação de todas as ações que emite em cada momento. Há um
registo para cada emissão. Esta matéria vem no CVM (43º nº1). As características vêm no 44º:

• Identificação do emitente (a));


• Características e quantidade das ações e a classe a que pertencem (b) e c));
• Montante e data dos pagamentos por conta da realização das ações (d)) e respetivas
alterações (e));
• Data da primeira inscrição registral de titularidade ou da entrega dos títulos (f)) e o
número da ordem destes (g)).
Quanto ao regime de depósito das ações, que visa facilitar o exercício dos direitos sociais, há
que distinguir consoante a forma de representação destas seja escritural ou titulada:

• Ações escriturais – devem ser objeto de inscrição em registo próprio, em nome do


respetivo titular, mas não são depositáveis por natureza por força da sua imaterialidade.
Consistem em meros registos informáticos, devendo ser inscritas ou registadas em conta
aberta junto de intermediário financeiro (se forem detidas por entidades cotadas então
eles têm ser integradas num sistema centralizado, que determina quantas ações existem
no mercado e quais as ações que se reportam – 62º CVM) ou da sociedade emitente (61º
e ss. CVM e Portaria 289/2000, de 25 de maio).
• Ações tituladas – As ações tituladas são obrigatoriamente depositadas em sistema
centralizado se se encontrarem admitidas à negociação em mercado regulamentado. Na
verdade, o depósito das ações só faz sentido nas ações representadas por títulos, pois as

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outras têm mero registo informático (95º e ss.). Se as ações escriturais forem detidas por
entidades cotadas então eles têm ser integradas num sistema centralizado, que determina
quantas ações existem no mercado e quais as ações que se reportam (61º e ss. CVM). As
ações tituladas de empresas cotadas em bolsa também têm de ser centralizadas. Só assim
não acontece no caso excecional em que todas as ações são representadas por um título,
caso que o título deve ser depositado junto de um intermediário financeiro (99º nº2 e nº1
al. a) CVM). O registo de emissão de ações tituladas faz-se nos termos da Portaria
290/2000, de 25 de maio, que determinou a substituição do livro de registo de ações pelo
registo de emissão.
Desenvolvamos um pouco o conceito de ações escriturais e o que às mesmas subjaz. As ações
escriturais partem de uma ideia de facilitação que subjaz à criação de ações escriturais, pela sua
desmaterialização, que supera as dificuldades da sua existência física (destruição, deterioração ou
desapossamento). Há sociedades que têm milhões de euros por distribuir e não sabem a quem,
porque os titulares perderam os títulos – as ações escriturais resolvem esse problema, depositam
necessariamente os dividendos creditados em conta e facilitam a transmissão de participações. O
Estado tem o controlo a todo o momento da detenção de ações tituladas. A lei não nos oferece um
conceito de ações escriturais nem tinha de o fazer, limitando-se a distinguir entre valores
mobiliários escriturais titulados, nos termos do artigo 46º CVM, por serem representados por
registo em conta e não por documentos em papel. Toda a evolução aponta para que todas as ações
se tornem escriturais. A lógica hoje é simples:

• Grandes sociedades – escrituralidade predomina (informatização da posição relativa de


todos os participantes na SA);
• Pequenas sociedades – titularidade predomina (contratualização com intermediário
financeiro não se justifica).
O que é que diferencia ações de obrigações? São os dois valores mobiliários mais
importantes. As ações representam participações sociais de representação de uma fração do
capital social, de renumeração variável, incerta, dependente do resultado do exercício, que
exprime uma determinada posição social complexa. Já as obrigações, que são reguladas com mais
desenvolvimento no CSC, representam posições creditícias no seio da sociedade para um
determinado valor nominal, correspondente a um meio de financiamento da própria sociedade
que exprime uma relação completamente diferente da relação de participação social. Hoje em dia
é errado descrever as obrigações como títulos de rendimento necessariamente fixo, por
contraponto com a variabilidade das ações, pois corresponde-lhe com frequência um rendimento
variável, embora as coordenadas que permitem a sua determinação estejam predeterminadas.
Entre ações e obrigações há, ainda, quem fale em valores mobiliários híbridos (Orlando Guiné).
O 349º (272º al. f)) diz-nos que a emissão de obrigações está sujeita a regras apertadas. Se a
sociedade quiser dispor do direito de emitir obrigações, a priori o 348º limita-o. Contudo, a
emissão de empréstimos obrigacionistas é uma forma importante de financiamento. Os titulares
de obrigações podem constituir um fórum à parte, na AG de obrigacionistas. Estes créditos estão
graduados acima dos créditos de sócios e do próprio capital social. Como depende do crédito, a
sociedade não devem falhar o reembolso de empréstimos obrigacionistas, porque assim nunca
mais vai conseguir nenhum. Ser titular de obrigações é ser titular de créditos da sociedade que
estão graduados acima dos créditos concedidos pelos sócios e acima do próprio capital social, que
está na base da hierarquia em termos da ressarcibilidade.
Nota: O que se decide essencialmente na AG de acionistas? A performance da sociedade – é dada
a conhecer e como é que se deve aplicar os bons resultados. Nas assembleias de obrigacionistas,
faz-se o contrário – quando as coisas correm mal, quando são chamados a dar a sua concordância
quanto à dilação do prazo de reembolso de obrigações.

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Penetremos na matéria relativa às categorias e espécies de ações. Esta matéria somente


releva no âmbito das SA pois nas SQ o estatuto de sócio caracteriza-se pela identidade. Será que
todas as ações reúnem o mesmo acervo de direitos e vinculações? Não, pois para lá da situação
típica podem ser atribuídos determinados direitos a participações que criem situações de
especialidade. As ações apresentam duas modalidades de diferenciação: categoria e espécie.
As participações determinadas pela titularidade de ações podem agrupar-se, quanto ao seu
conteúdo, em diversas categorias consoante os direitos e deveres que as caracterizam. Assim,
formam uma categoria as ações que reúnem um certo e idêntico acervo de direitos e, ou, de
obrigações e podemos aliás verificar e encontrar apoio em diversas disposições do nosso CSC
(302º e 272º c)), onde se mencionam as categorias de ações. Também o CSC é sensível a esta
questão no seu artigo 45º. Será possível constituir-se uma categoria de ações com uma só ação,
que concede ao seu titular um ou mais direitos distintos do comum das ações? Na falta de resposta
legal ou jurisprudencial, o Professor (desde 1989) na senda de Raúl Ventura e da doutrina alemã
entende que não existe qualquer obstáculo a tal possibilidade, desde que respeitante dos princípios
do direito societário português e internacional.
Peguemos, de novo, na distinção entre as ações com base nos direitos que são atribuídos a
cada categoria por comparação com uma situação comum. Desenvolvamos este ponto. No âmbito
das SA, a posição de sócio não tem ser uniforme – a lei não impõe qualquer regra de identidade,
admitindo-se características variáveis, desde que estatutariamente registada (272º c), 302º nº2).
Fala-se em três espécies de ações diferentes, quanto ao seu conteúdo:

• Ações ordinárias – são as que se caracterizam por atribuir aos titulares os direitos e
vinculações que imperativa e supletivamente, qualitativa e quantitativamente decorrem
da lei para as ações em geral. É importante fazer este esforço dogmático de caracterizar
as ações ordinárias pela positiva, e não como mera categoria residual, não obstante a lei
não lhes conferir relevo específico (ex. 389º nº3). As ações ordinárias exprimem a
situação típica comum do acionista de uma dada SA e costumam ser as mais numerosas.
• Ações privilegiadas ou preferenciais vs. Ações diminuídas – as primeiras atribuem aos
respetivos titulares situações jurídicas de vantagem ou privilegio relativamente à situação
típica comum que se verifica no quadro da sociedade – 302º nº2 e 24º nº1, nº4 e nº6, 341º
a 345º, 389º e 531º CSC; as segundas atribuem aos seus titulares menos direitos do que
aqueles que resulta da situação típica comum dizemos que são diminuídas. Estas últimas
são bastante raras, mas as primeiras são relativamente comuns. A lei tem preocupação
em reconhecer precisamente este fenómeno diferencial. Fá-lo a propósito da constituição
da própria sociedade comercial (272º) no âmbito do conteúdo obrigatório do contrato de
sociedade de uma SA. Se caracterizam um conjunto de ações, da atribuição de direitos
especiais surgem categorias de ações diferentes. Mas pode suceder que numa SA existam,
para além das ações ordinárias, diversas categorias de ações privilegiadas com privilégios
de natureza diversa. Para além do 24º e do 302º, que se focam nos aspetos referidos, há
outras regras que existem em função das ações privilegiadas:
o Umas porque tipificam certas categorias de ações privilegiadas (341º e ss.) onde
são reguladas as ações preferenciais sem direito de voto;
o Outras, como a regra que prevê o modo como os titulares das ações privilegiadas
irão conduzir-se sempre que estiver em causa promover uma alteração ao
conteúdo da sua participação. Regula o 389º as AG especiais para efeitos do
disposto no 24º nº6. Para tal, serão precisas 2 deliberações autónomas que operam
conjugadamente para serem eficazes:
▪ Deliberação da sociedade que envolve todas ações com direito de voto
no sentido de aprovar a alteração do contrato de sociedade para promover
uma modificação do direito especial de um sócio;

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▪ Deliberação da AG por igual maioria (2/3 dos votos presentes) para


consentir nessa alteração.
Foquemo-nos um pouco mais nas ações privilegiadas. Não consubstanciam uma
violação do princípio de igual tratamento dos acionistas – formulado a propósito da aquisição de
ações próprias mas elevado a princípio geral de direito societário (321º)? O Professor defende
uma leitura restritiva deste princípio, que deverá claudicar perante a autonomia privada social e
cingir-se ao igual tratamento dentro da categoria em causa. Então, porque é que existem e quais
as finalidades das ações privilegiadas? As suas finalidades são diversas consoante o momento em
que as ações privilegiadas são criadas:

• No momento fundacional - se forem criadas no momento da constituição da sociedade


é fácil saber a que é que se destinam. E, também por isso, quando são criadas no momento
da constituição obedecem mais a um interesse dos acionistas fundadores do que
propriamente a um interesse da sociedade - para ela não há nenhuma razão especial que
no momento do arranque sejam criadas ações que atribuem vantagens relativamente a
outras ações. Claro que para os seus titulares será sempre justificada a criação de uma
classe avantajada face a outra, e compreende-se que a sociedade no momento
fundacional, dada a sua carência absoluta de capital, se encontre vulnerável a exigências
adicionais, caso apesar delas se consiga garantir a entrada de um grande investidor. A
esta modalidade de direitos especiais está subjacente uma ideia “intuito personae”, com
a diferença de que a objetivação, de algum modo, disfarça esta visão. As vicissitudes de
que as participações sejam objecto quanto às transmissões que venham a ocorrer fazem
deslocar os direitos especiais com tais participações.
• Em vida da sociedade - na criação deste tipo de ações em vida da sociedade, a ideia não
é a mesma. Em vida da sociedade, a criação de categorias privilegiadas visa tornar atrativa
a participação na sociedade para aqueles que não são acionistas. É possível criar direitos
especiais em vida da sociedade? Se tiver a criar uma categoria de ações que atribua aos
seus titulares uma vantagem patrimonial, não estarei a comprimir as demais ações? De
certo modo, sim. Quantitativamente, isso é indiscutivelmente – mas qualitativamente, não
se descaracterizam ao nível de ações diminuídas. Assim, pode haver razões que levem a
ter de criar uma categoria especial de ações em vida da sociedade, desde que o faça com
respeito pelos princípios enformadores do sistema jurídico-societário, como a igualdade
de tratamento dos acionistas (321º). O interesse social é dominante quando a criação de
ações privilegiadas ocorre em vida da sociedade. Quando isto sucede é muitas vezes
porque a sociedade carece de fundos/investimento.
o Será pertinente o regime do 86º nº2? Não, a criação de novas categorias de
ações privilegiadas não tem de estar sujeito a isto. Reconhecemos que há alguma
analogia, mas uma diferença muito grande, porque num primeiro caso posso estar
a exigir a um sócio ou acionista um esforço que ele não podia perspetivar e que
pode comprometer o interesse na participação da sociedade e no segundo caso
tenho de respeitar o princípio de igual tratamento.
Assim, no momento fundacional há uma lógica de ligação à sociedade, ao passo que em
vida da sociedade a atribuição de direitos especiais corresponde à procura de um instrumento de
financiamento financeiro que permita garantir as necessidades de financiamento da sociedade.
No que respeita ao conteúdo das ações privilegiadas, há que responder a duas questões:

• Estarão sujeitas a um princípio de tipicidade?


• Se não, que categorias poderão ser contratualmente criadas e com que restrições?

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A lei resolve a primeira questão, aceitando expressamente a criação de ações no seio da


mesma sociedade com conteúdos diferentes, no artigo 302º nº1. Sabemos que podem existir ações
privilegiadas atributivas de vantagem patrimonial, quer relativamente aos lucros de exercício
periódicos, quer relativamente ao saldo de liquidação da sociedade. É o que designa por ações
que contenham direitos de conteúdo imediatamente patrimonial. Será possível atribuir ações
sem conteúdo patrimonial ou, pelo menos, sem conteúdo imediatamente patrimonial (por
exemplo, direitos meramente políticos ou administrativos, suscetíveis de avaliação
pecuniária indireta)?
No plano das ações privilegiadas, a atipicidade pode ser muito grande. Estará esta
atipicidade restrita ao plano das ações de conteúdo imediatamente patrimonial, por força de
disposições restritivas como o 384º nº5 ou o 391º nº2 in fine, da consciência de que a participação
social nas SA é, tendencialmente, objetivada, e do facto do 24º exigir que os direitos especiais se
atribuam a categorias e não intuitu personae (ao contrário do que se passa noutros países)?
Parece que há uma perseguição aos direitos especiais de natureza não imediatamente
patrimonial! Contudo, no 391º nº2, 2ª parte vemos que apesar de não ser possível criar um
direito especial de designação de administradores, é possível criar um direito especial de
veto de administradores designados – o que, na prática, pode resultar num direito de designar,
pois por sucessivos vetos pode-se alcançar os mesmos desígnios. Este não é o único exemplo
legal. Pelo 328º nº2 b) é possível criar outro direito especial sem conteúdo imediatamente
patrimonial: o direito de preferência na transmissão de ações nominativas (só essas podem
ver restrições – nos termos do 328º e 329º, e ainda do 299º nº2 CSC).
Assim, não há razão para concluir que não se possa criar qualquer direito especial sem
conteúdo patrimonial ou com conteúdo mediatamente patrimonial, desde que sejam
atribuídos à mesma categoria, ainda que detida por um só acionista (desde que não criada
para ele). Assim o dita a autonomia privada (limites nos princípios e na lei, como 384º nº5).
Quanto às ações privilegiadas de conteúdo patrimonial, o que se discute são os tipos de
ações que podem existir. A lei limita-se a regular, nos 341º e ss., as ações preferenciais sem direito
de voto (remissão, infra). A liberdade de estipulação permite que sejam criadas ações
privilegiadas de conteúdo patrimonial variado: direito acrescido sobre dividendos, direito
preferencial sobre dividendos, isenção de contrapartidas ou sacrifícios, direitos de aquisição de
bens produzidos pela sociedade a preços favorecidos (ex., gasolina numa sociedade petrolífera) –
344º-A. Enfim, são ações que em termos políticos são idênticas ou menores às típicas, mas em
termos patrimoniais são mais do que as ações ordinárias.
Tratemos das ações preferenciais sem direito de voto, nos termos do 341º a 345º. Em certas
circunstâncias, para que a sociedade possa captar fundos de que carece, ela pode ter de criar um
dividendo prioritário. Estas ações caracterizam-se por atribuir aos respetivos titulares uma
preferência ou um privilégio sobre os dividendos que a sociedade possa distribuir com base nos
lucros de exercício distribuíveis. No entanto, têm como contrapartida não serem dotados do direito
de voto. Por isso se discute se são verdadeiramente privilegiadas, pois “dá-se com uma mão e tira-
se com a outra” – caracterizam-se pela simbiose entre o reforço dos direitos patrimoniais
(prioridade) e diminuição dos direitos não patrimoniais (falta de direito de voto – 341º nº5). O
que está em causa é uma preferência sobre os lucros distribuíveis (antecipação por conta), que
nalguns casos de converte num privilégio, mas não num verdadeiro plus.
Estas ações atribuem aos respetivos titulares o direito a um dividendo mínimo de 1% do
respetivo valor nominal ou valor de emissão deduzido de eventual prémio (se não tiverem valor
nominal) por conta da distribuição de lucros de exercício que, nos termos gerais (32º e 33º)
possam ser distribuídos aos acionistas (341º nº2, salvo contrato que preveja 341º nº3). O

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dividendo preferencial pode ser inferior (0,5%), se a respetiva atribuição não pressupuser, como
contrapartida, a perda do direito de voto. Sublinhe-se que para além do dividendo prioritário não
inferior a 1% (valor supletivo), podem ainda conferir aos seus titulares um direito a participar nos
dividendos remanescentes em pé de igualdade com as demais ações (341º nº3, in fine), se tal
estiver expressamente previsto no contrato de sociedade. Sim, estatutariamente pode prever-se
que, existindo lucros distribuíveis, as ações preferenciais tenham direito a receber em dois
momentos: 1% do respetivo valor nominal antes das demais e adicionalmente ao que todas podem
vir a receber. Assim, depois de se pagar o dividendo preferencial, não se paga, simplesmente, o
dividendo equivalente às demais ações ordinárias, mas sim partilhar o saldo remanescente do
lucro distribuível do exercício por todas as categorias de ações.
Para além do dividendo prioritário sobre o valor nominal ou sobre o valor de emissão, estas
ações também conferem um direito ao reembolso prioritário do seu valor nominal ou do seu valor
de emissão aquando da liquidação da sociedade (341º nº2, in fine). Este direito, mais facilmente
se revela um privilégio, pois a sociedade costuma liquidar-se quando se encontra em situação
financeira complicada. Isto prende-se pelo facto de que, após o pagamento prioritário do saldo de
liquidação, pode não sobrar qualquer ativo social para os demais acionistas quinhoarem.
Estas ações padecem de limitações quantitativas constantes do artigo 341º nº1: estão
confinadas a metade do capital social e devem ser autorizadas pelo contrato social.
Nota: Existe um regime específico que pode limitar o dividendo prioritário ao dividendo máximo
a receber, no caso de investidores qualificados (30º CVM).
O que sucede quando o dividendo preferencial não for pago? Se, por exemplo, não são
distribuídos lucros? Esta questão é premente pois estamos perante um dividendo
assegurado, na contrapartida de uma pesada perda: a ausência do direito de voto. O que é
que sobra para o acionista que se vê sem qualquer direito político ou patrimonial? Devemos
reconhecer que não deixamos de estar perante um investimento, uma participação que não deixa
de ter um conteúdo variável, característico do direito aos lucros e não dos direitos de crédito
obrigacionais. Neste campo, importa distinguir entre diferentes não distribuições de dividendos
prioritários:

• Opção dos acionistas – se em total violação do direito especial destas ações a lei os
acionistas deliberarem a não distribuição de lucros, os titulares de tais ações preferenciais
possuem um direito de execução específica do direito ao recebimento (342º nº5, in fine).
Falamos, pois, da execução específica da deliberação de aplicação de resultados.
• Insuficiência ou inexistência de lucros distribuíveis – se o pagamento do dividendo
não ocorrer por falta de lucros distribuíveis, a quantia que lhe corresponderia é
acumulável com os lucros dos três exercícios subsequentes se o contato de sociedade não
estabelecer prazo maior para a acumulação (342º nº2). Deve ser pago sempre antes do
dividendo relativo a esses exercícios, naturalmente. Se o dividendo não tiver sido
integralmente pago durante dois exercícios consecutivos, então o titular das ações
preferenciais sem direito de voto adquire o direito de voto, passando a poder intervir
ativamente na vida da sociedade até ao exercício seguinte àquele em que lhe forem pagos
os dividendos em atraso (342º nº3). O dividendo preferencial é cumulativo, devendo ser
pago nos três exercícios seguintes ao que diz respeito, posto que prescreve, sem prejuízo
do contrato poder dispor diversamente (ex. quanto a investidores qualificados).
o Questão – se estas ações concedem um direito preferencial sobre 1% do valor
nominal ou valor de emissão líquido de prémio respetivo sobre os lucros
distribuíveis, isso significa que este direito, na realidade, não pode estar
dependente de deliberação sobre a aplicação de resultados. Admitir tal condição
seria restringir significativamente o seu conteúdo. Sublinhe-se a faculdade do

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343º nº1 – poder de designar um representante comum dos titulares de ações


dessa mesma emissão em sede de assembleia de sócios (máxime, AG).
Na caracterização dos traços gerais do regime jurídico das ações privilegiadas, importa
voltar a distinguir entre a sua criação ab initio e a sua criação em vida da sociedade, posto que a
mera identificação formal das várias categorias de ações não é suficiente nem decisivo para
sujeitar as ações privilegiadas ao regime típico das ações com direitos especiais. Antes de mais,
sublinhemos que os direitos especiais têm de ser previstos no contato (7º nº1 e 24º nº1 CSC), que
deve mencionar as categorias e os respetivos direitos. Então:

• Criação no momento fundacional – não levanta problemas. Desde que respeite os


limites imperativos da lei, a autonomia privada dos acionistas tem um largo campo de
manobra, contanto que não sejam atribuídos privilégios que inutilizem a expressão prática
dos direitos das demais ações. Ela exprime um consenso a adesão a um projeto social
(279º);
• Criação em vida da sociedade – levanta alguns problemas. Pode ocorrer por uma de
duas vias distintas:
o Conversão de ações ordinárias mediante alteração do contrato de sociedade;
o Via operação de aumento de capital social.
• (Cont.) Todas as ações privilegiadas e seus direitos devem constar do contrato social.
Admitindo-se a alterabilidade do contrato social (sem prejuízo do 86º nº2, que não está
em causa por não se tratar de aumento de obrigações sociais), coloca-se a questão de
determinar por que maioria pode a sociedade criar direitos especiais ou novos
direitos especiais sob a forma de categoria de ações (não equacionamos as situações
em que a criação de ações privilegiadas não é possível, por também não o ser a alteração
do contrato de sociedade, no caso concreto, máxime, no caso de repartição de lucros (368º
nº1 CSC – caso específico das obrigações convertíveis em ações, valores mobiliários cuja
emissão é reservada às sociedades cotadas em bolsa). Consideramos suficiente a
maioria necessária para deliberar alterações estatutárias (383º nº2 e 386º nº3, 383º
nº3 e 386º nº3, 4 e 5 CSC), visto que nem para a supressão desses privilégios se exige
a unanimidade (389º nº2). Há que fazê-lo, não obstante, com observância do direito de
preferência legal nos aumentos de capital e do princípio da igualdade de tratamento dos
acionistas e promover, se necessário, a anulabilidade das deliberações abusivas.
o Faria sentido advogar uma exigência de unanimidade, uma vez que a criação
imprevisível (pode estar prevista desde a fundação no contrato social!) de novas
categorias especiais pode comprimir os direitos patrimoniais e políticos das
demais ações previamente existentes? Como dissemos, o Professor discorda
deste entendimento. Para além de a lei não o exigir (por exemplo, do acordo dos
titulares de ações privilegiadas já existentes, ou mesmo de todos os titulares de
ações ordinárias, coisa que seria mais lógica), ao contrário do que sucede no 24º
nº5, não nos parece que o direito especial existente seja limitado qualitativamente
no seu âmbito (para lá da natural limitação quantitativa). A lei poderia ter previsto
que aos titulares de ações preferenciais sem direito de voto pudessem votas nesta
deliberação, excecionalmente – mas não o fez, pois já são protegidos pelo direito
legal de preferência na subscrição de novas ações. Seja como for, a medida de
ações privilegiadas depende sempre da medida de ações ordinárias afetadas,
como explicita o artigo 389º nº3 CSC. Só as deliberações que recaiam sobre os
direitos de uma categoria existente, impondo a sua supressão ou alteração, devem
depender do consentimento dos titulares de ações dessa categoria (24º nº5 e nº6,
389º CSC – não foi observado? 55º - ineficácia da deliberação).

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Na verdade, a lei já prevê diversos instrumentos que visam evitar que alterações na estrutura
da sociedade se façam em prejuízo de alguns acionistas:

• 458º (460º, especialmente, nº2) – Direito legal de preferência em aumentos de capital


por entradas em dinheiro;
• 321º - Princípio geral de igualdade de tratamento de todos os acionistas: sempre que se
criem novos direitos no âmbito das SA todos os acionistas deverão ter oportunidade de
aceder aos mesmos na proporção da sua participação na sociedade (344º nº2);
• 58º nº1 b) – Anulabilidade de todas as deliberações abusivas que visem satisfazer o
interesse pessoal de um ou uns sócios em detrimento de outros.
No que toca à supressão e alteração de privilégios, já tivemos oportunidade de convocar a
pertinência do regime do artigo 24º nº5, onde se exige o consentimento do respetivo titular.
Estabelece-se, pois, um princípio de inderrogabilidade (Tanto nas SA como nas SQ).
Todavia, tanto o contrato como a lei (ex. 531º) Podem dispor diferentemente. É o que
acontece quanto às SA nos termos do 24º nº6, por uma maioria qualificada de 2/3 dos votos (389º
nº2, 383º nº2 e 286º nº3). O consentimento deve ser prestado pela categoria e não pelos seus
titulares. Assim, compreendemos que a inderrogabilidade não é postulada em termos absolutos,
como não poderia deixar de ser (depende de maioria qualificada). O contrato poderá estipular
noutro sentido, com diferentes maiorias ou diferentes âmbitos de assembleia? Sim e não. O
Professor considera que o 24º nº5 possui um conteúdo mínimo que não pode ser afastado:

• Contrato não pode dispensar o consentimento da categoria de ações afetada;


• Contrato não pode estipular uma maioria inferior a 2/3 dos votos.
Para se reunir validamente em primeira convocação a assembleia especial, têm de estar
presentes, em geral na sede da sociedade, acionistas que detenham, pelo menos, ações
correspondentes a um terço do capital social representado nessa categoria (383º nº2, 389º nº1 e
nº2 CSC) – quórum constitutivo. As alterações ou supressões implicam sempre uma alteração
contratual (24º nº1 e 272º c), pois essas ações e os seus direitos devem ser referenciados nos
estatutos. As deliberações têm de ser tomadas por maioria qualificada de dois terços dos votos
expressos, sem contas as abstenções (383º nº3, 389º nº1 e nº2) – quórum deliberativo. Em segunda
convocação bastará a observação das regras do artigo 386º nº4 (deliberação deve ser tomada por
acionistas que representem, pelo menos metade do capital social respeitante a essa categoria de
ações). O quórum constitutivo não é exigível em segunda convocação.
Quanto à sua transmissibilidade, não se colocam problemas, aplicando-se o regime geral de
transmissão das ações. Isto significa que os direitos especiais se transmitem com as ações a que
respeitam. As restrições que possam existir são as restrições aplicáveis às ações em geral.
Façamos referência ao fenómeno da proibição das golden shares. Diferentes das ações com
direitos especiais criados ao abrigo geral da lei societária e necessariamente atribuídos a
categorias de ações (24º nº4), existiam as golden shares, que apenas tinham em comum o facto
de atribuírem direitos especiais. Geralmente, era o Estado que se assumia como titular (sucedia
nas sociedades mais importantes do nosso país, como a PT, a GALP ou a EDP). Tal acontecia nas
empresas que o Estado privatizava, nas empresas que eram de capital público e que o estado
colocava na mão dos privados, reservando para si uma parte, podendo alienar uma parte do capital
mas conservando algum poder.
Estas ações eram criadas casuisticamente pela lei, e acreditava-se que constituíam lei especial
em face do CSC - o Estado reservava-se, comummente, como na GALP, o direito de designar
membros da administração destas sociedades e de vetar alterações aos seus estatutos. Hoje, o
artigo 391º nº2, in fine proíbe esta solução, bem como a normas especial do 265º nº2 (só para SQ).

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O acórdão do TJUE de 8 de julho de 2010 e o Memorando de entendimento celebrado com a


“Troika” em maio de 2011 vieram pôr termo às golden shares. Entendeu-se que o Estado reservar
para si ações é um ato anti concorrencial, uma posição de vantagem inadmissível, e revogou-se o
artigo 15º da Lei-Quadro das Privatizações. Com o DL 50/2011 e o DL 90/2011, ambos de 13 de
setembro, foram extintas todas as golden shares existentes e proibida a faculdade de criar novas
em futuras privatizações. O Professor, já antes desta alteração, cria que grande parte das golden
shares existentes no nosso ordenamento eram violadores do nosso sistema societário,
principalmente por serem criadas intuitu personae (essencialmente para o Estado) e as
consequências que tal facto tem no Direito da Concorrência – mas apresentava algumas hesitações
neste entendimento por força do caráter especial da lei que as instituía e dos interesses sociais.
Esta alteração fez-nos regressar ao paradigma original da versão primária do nosso CSC.
Nota: nada disto impede o Estado de ser acionista de empresas societárias, desde que o faça em
plano de igualdade de armas com todos os demais acionistas e interessados.
O que se entende pela novas ações especiais? Na tentativa de combate à crise de 2007/2008,
foram adotadas diversas medidas de reforço da solidez financeira das instituições de crédito. Uma
delas previu que os aumentos de capital as instituições de crédito pudessem realizar-se através da
emissão de ações preferenciais sem direito de voto (dividendo prioritário seria previamente fixado
por portaria de membro do Governo responsável pela área das finanças) e ações que conferem
direitos especiais. Esta norma foi alterada pela lei 4/2012, de 11 de janeiro, que veio introduzir as
novas ações especiais.
Sem prejuízo da crítica que merece a terminologia menos feliz, que ressuscitou uma expressão
há muito enterrada pela doutrina, importa apenas sublinhar que estão em causa ações privilegiadas
que, para além de atribuírem os direitos das ações ordinárias, conferiam ainda o direito a um
dividendo prioritário, a calcular com recurso a critérios que serão objeto de regulamentação em
portaria do Ministro das Finanças. Estas ações não eram obrigatórias - eram um meio possível.
As três entidades que foram objeto de recapitalização foram o BPI, o BCP e o BANIF. Os
primeiros dois nunca recorreram às ações especiais; o BANIF recorreu às ações especiais, e
acabou por não surtir qualquer efeito.
Em abstrato, nada impede que numa sociedade apenas existam ações privilegiadas e ações
diminuídas. Pressuposto essencial é que os direitos sociais imperativos, por natureza ou função,
se achem salvaguardados.
Falemos agora, um pouco, das ações diminuídas. Chamamos diminuídas (e não “ações
diferidas”, por a primeira expressão retratar melhor o termo comparativo com as ações ordinárias)
às ações que conferem aos seus titulares menos direitos do que aqueles que resultam ou
resultariam das ações ordinárias e que, relativamente a estas, se apresentam desvantajosas. Cita-
se, a título de exemplo, o caso das ações de fruição (346º nº4 e 5 CSC).
As ações de fruição são partes sociais que se aproximam, em termos de estrutura, das ações
ordinárias; simplesmente são ações diminuídas, visto quem tendo sido objeto de amortização,
subsistem – conservando os direitos originários, designadamente de natureza pessoal – dotadas
de um menor valor patrimonial do que as demais ações. São ações cujo capital é totalmente
reembolsado, mantendo a totalidade dos direitos de administração e sofrendo restrições de
natureza patrimonial. Formam uma categoria autónoma, devendo ser representadas por títulos
especiais (346º nº5 CSC). Só aparentemente este reembolso antecipado do capital correspondente
à entrada do sócio pode se considerado uma vantagem do acionista, por cessar o risco do seu
investimento, visto que, em contrapartida, essa ação toca uma redução dramática no que toca à
participação nos resultados patrimoniais da sociedade (e o conteúdo patrimonial fica incipiente).

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As ações de fruição surgem na sequência de uma deliberação dos acionistas, formada por
maioria de 2/3 dos votos emitidos, que determina o reembolso da totalidade do capital investido,
recebendo, por isso, os acionistas o valor nominal das ações subscritas (346º nº1, 1ª parte). Este
reembolso far-se-á à custa dos meios que possam ser distribuíveis (32º e 33º), não implicando
redução do capital social (346º nº1, in fine e nº2) e ficando salvaguardados os interesses dos
credores sociais.
Na falta de estipulação em contrário, a amortização deve visar a totalidade das ações –
consequentemente, a sociedade pode prosseguir a sua atividade apenas com ações de fruição, pois
os direitos que se conservam na sua integralidade são suficientes para assegurar a sua subsistência.
Enquanto não for deliberado o aumento do capital social com emissão de ações ordinárias ou
conversão das ações de fruição nelas, mantêm-se os direitos patrimoniais, ainda que com as
restrições resultantes das alíneas a) e b) do nº4 do artigo 346º. As ações de fruição podem ser
convertidas em ações de capital (ordinárias), por deliberação da assembleia especial dos
respetivos titulares (346º nº6), já que formam uma categoria autónoma. A maioria exigida é a
necessária à alteração do contrato de sociedade (346º nº6, in fine), idêntica à requerida para
deliberar a amortização e a consequente transformação das ações ordinárias em ações de fruição.
A transformação das ações de fruição em ações ordinárias de capital não requer forma
notarial, sendo suficiente que conste de ata, embora as deliberações que lhes deram causa devam
ser registadas e publicadas (346º nº10 CSC e 34º j) e 70º nº1 a) CRCom).
Transitemos para a análise da titularidade de quotas e ações. Por titularidade entenda-se o
nexo de pertença efetiva de um direito a um determinado sujeito. Em sociedades comerciais,
impera a regra geral de que cada ação e cada quota tenham um único titular Em princípio, no que
diz respeito à titularidade, ela costuma referir-se a um determinado sujeito. Isto não implica que
a lei não permita a contitularidade (a mesma participação pertence a mais do que um sujeito).
Contudo, há muitas diferenças entres as SA e as SQ. Desde logo, quanto à sua repartição:

• Ação – indivisível (276º nº4 e 6), pressupondo-se que titular e possuidor são a mesma
pessoa. As ações estão sujeitas a um princípio de indivisibilidade, pelo seu valor nominal
mínimo ser inferior ao de outras participações (0,01 euros). Esta indivisibilidade não se
confunde com a possibilidade de, por alteração do contrato, puderem ser as participações
renumeravizáveis, e uma participação poder dar lugar a várias participações;
• Quota – divisíveis (221º), sendo suficiente que tenham, em regra, o valor mínimo de 1,00
euro (219º nº3).
A titularidade não coloca especiais problemas quanto às pessoas singulares. Não há grandes
restrições às pessoas singulares, sempre que exista capacidade de gozo, que é genérica (com
ressalva da situação resultante dos artigos 273º nº1 e 488º nº1!).
Quanto às pessoas coletivas em geral e às sociedades em especial, pergunta-se se poderão
ser titulares de participações sociais. A resposta é, obviamente positiva, com a simples limitação
da sua capacidade de gozo. Há um princípio de especialidade (160º CC e 11º nº4 CSC): as pessoas
coletivas têm uma aptidão para direitos e vinculações necessários para a realização do seu objeto
e dos fins para os quais são constituídas. Têm uma capacidade de gozo funcionalizada ao seu fim.
Será que o artigo 160º CC obriga a que conste do contrato de sociedade que a respetiva entidade
pode adquirir participações noutra? Em que termos pode uma sociedade participar noutra?
Deveremos distinguir quatro situações diferentes:

• Quando a detenção e gestão de participações sociais em outras sociedades seja o objeto


específico da sociedade (mediatamente) comercial (SGPS) – permitido;

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• Quando o contrato social expressamente o preveja e autorize, esclarecendo qual o órgão


competente para tomar decisões nessa matéria (11º nº5, 246º nº2 d) e 406º CSC) –
permitido, em termos concomitantes com o exercício da atividade económica mercantil
e em qualquer tipo de sociedade (quer no campo ativo, quer no campo passivo);
• Quando o contrato social não o preveja ou permitir – permissão exclusiva de detenção
de participações sociais em sociedades comerciais de responsabilidade limitada que
exerçam uma atividade análoga (11º nº4);
• Quando o contrato social expressamente exclua essa possibilidade – não permissão.
E se a sociedade adquirir participações sociais (maxime, ações) na falta de autorização
estatutária? Será tal aquisição nula por falta de capacidade, com prejuízo do vendedor, mesmo
que em mercado regulamentado? Por exemplo, se o gestor bancário de uma sociedade anónima
que padeça de tais restrições, no âmbito de um comum plano de aplicação de capitais em
alternativa à constituição de um depósito a prazo, ordena a compra de um pacote de ações? Qual
a solução mais ponderosa? O rigor dogmático prevalecerá sobre a tutela do vendedor, mesmo que,
muitas vezes, estejam em causa operações financeiras de reduzida monta? O Professor defende
que não faz sentido colocar em causa a validade deste negócio. As regras da regulação social não
podem servir para prejudicar os interesses da ética do mercado. Este postulado é tão mais evidente
quanto se pensarmos que, de facto, não existem prejudicados (se for uma boa operação…). Como
tal, seria um formalismo excessivo condenar tais negócios. Naturalmente que se a operação se
consubstanciar num forte investimento financeiro, o formalismo deverá imperar.
O Professor defende que o alcance do disposto no artigo 11º nº5 é, essencialmente, o delimitar
as aquisições intencionais de participações em sociedades de diferente objeto (ou que impliquem
responsabilidade pessoal ilimitada), que, a suceder, representariam um alargamento da atividade
da sociedade comercial adquirente. O Professor considera, ainda, que não está em causa uma falta
absoluta de capacidade de gozo, porquanto a sociedade poderia, em princípio adquirir
participações em sociedade de objeto afim – é, sim, uma questão de legitimidade (suscetibilidade
de dispor valida e eficazmente um determinado bem), porque não poderia adquirir aquelas
participações e não quaisquer participações. Ainda que a falta de legitimidade costume cominar
na nulidade, é uma nulidade sui generis, pois que, por vezes, sanável será (ex. compra e venda
civilista de bens alheios).
A própria lei tem o cuidado de obstar que as limitações de objeto não possam ser oponíveis a
terceiros: se posso adquirir participações de sociedades com atividade análoga, tenho uma
limitação que decorre do objeto mas essa limitação não é absoluta - 6º nº4 CSC. Logo, deve-se
assumir os efeitos desse mesmo ato.
Como já tivemos oportunidade de referir, as quotas a as ações podem ser detidas por uma ou
mais pessoas, em regime de contitularidade (222º-224º, 303º CSC e 57º CVM). Por estranho
que pareça e ao contrário do que se passa, por regra, no nosso Código, à contitularidade de ações
aplica-se o regime da contitularidade de quotas (223º e 224º). Por remissão expressa do artigo
303º. Isto sucede pois a contitularidade é muito mais comum nas SQ.
A principal questão que se colocam prendem-se com o exercício dos direitos inerentes às
participações sociais. Como é que tal operará? À vez? Alternadamente? Pelos contitulares em
consenso? Por representante?
Obviamente, haverá que procurar um representante comum – de entre os diversos
contitulares, deverá existir um que a todos represente (no âmbito da sociedade e das relações com
os demais órgãos sociais) e cuja nomeação, quando não resulta da lei, tem de ser comunicada à
sociedade e aos demais sócios (223º). A lei preocupa-se com o facto de não existirem estranhos a
imiscuírem-se na relação de socialidade, a não ser que os contitulares deem o seu assentimento.

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Seja como for, a lógica é conservar a sociedade fechada (223º nº2). As situações de contitularidade
são situações relativamente raras. Um exemplo importante é a sucessão a título universal
(heranças, legado, etc.). Quando as partes sucedem por morte, acabam por suceder na totalidade
dos bens, e até que se entendam quanto ao destino dos bens (partilha), elas tornam-se titulares da
totalidade desses bens.
A deliberação dos contitulares forma-se nos termos do 224º, sendo aprovada por maioria –
aplicando-se aqui, por remissão expressa do CC, as regras da compropriedade (985º CC e 1407º
nº1 CC). A quota detida em contitularidade pode ser parcialmente amortizada, devendo ser
dividida com essa finalidade (238º).
Tratemos da matéria relativa às participações próprias, ou seja, dos casos em que temos
uma sociedade detentora de parte de si mesma. Isto parece um contrassenso, e faz lembrar a
imagética da “pescadinha de rabo na boca”. Explicaremos porque é que esta situação pode fazer
sentido, e como a lógica permite enquadrá-la na admissibilidade:

• Por um lado, compreende-se que esta situação nunca poderá suceder ab initio uma vez
que uma entidade recém-criada não dispõe de valores para investir em si mesma. Esta
situação só se equaciona, então, no decurso da vida da sociedade;
• Por outro lado, a aquisição de participações próprias tem de ser limitada a uma certa parte
de si mesma, caso contrária seria, pura e simplesmente, “engolida por si mesma”.
A partir daqui, devemos distinguir entre o regime das participações próprias no seio das SQ
e no seio das SA, sendo que se revela de maior relevo no segundo, até porque o regime das SQ é
tributário da solução das SA por remissão expressa (220º nº4 para 324º).
Nas SQ, onde faz mais sentido se falar em “quota própria”, porque, por regra, a cada sócio
caberá uma única quota, a sociedade só pode adquirir quotas próprias nas três circunstâncias
legalmente tipificadas nos artigos 220º nº2 (preceito restritivo):

• Título gratuito (doação ou sucessão);


• Em ação executiva (para impedir que estranhos ingressem na sociedade);
• Onerosamente, se dispuser de reservas livres em montante igual ou superior ao dobro da
contrapartida a prestar na aquisição (necessidade de imobilizar, previamente, em reserva
legal especial – 218º e 295º - montante superior ao valor da quota que se deseja adquirir).
A violação de qualquer destas condições enferma o negócio de um vício de nulidade (22º
nº3). Todas as quotas adquiridas devem estar inteiramente liberadas, nos termos do artigo 204º,
salvo se a aquisição ocorrer no âmbito de um processo de perda de ações a favor da sociedade,
caso em que se admite que não o esteja (220º nº1).
Levanta-se uma questão: haverá limitações legais para além das enunciadas no artigo 220º,
nomeadamente por analogia com o fixado para a aquisição de ações próprias (317º nº2)? Quanto
é que pode adquirir? Haverá algum limite no quantum de participações próprias que a sociedade
estará legitimada a adquirir para si própria? A lei não estabelece um limite à aquisição de quotas
próprias, diferentemente do que acontece com as SA (316º e 317º). A lei é omissa e tal suscita e
dá lugar a uma discussão:

• Não haverá lugar para a analogia e a SQ poderá adquirir participações próprias em


qualquer percentagem, desde que respeite o 220º? Se houver limite, qual é?
o Dada a excecionalidade da detenção de participações próprias, não repugna
recusar a aplicação analógica da solução para as SA (317º nº2).
• Devemos aplicar por analogia o regime das SA? Limite de 10%?

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o A verdade é que, mesmo rejeitando a analogia pela constatação de uma exceção


material ao regime-regra, estaríamos sempre perante uma lacuna. Ora, nos termos
civilistas, o passo seguinte é reconstituir a norma que o intérprete criaria segundo
o espírito do sistema. Ora, essa norma seria em tudo idêntica ao regime das SA.
Nas SA, as ações próprias estão reguladas nos artigos 316º e ss. Ainda que tal pareça ser o
caso, o 316º nº1 não constitui qualquer tipo de imperativo mínimo – não garante que uma
sociedade possa, pura e simplesmente, adquirir ações próprias. Se o contrato for omisso, impera
a regra do artigo 317º nº2 (limite de 10% do capital da sociedade – “rabo da pescadinha”). Por
isso, o 316º é uma regra supletiva, sujeita a limites imperativos. O próprio 317º nº1 ensina-nos
que os estatutos podem excluir a possibilidade de aquisição de ações próprias, ou a fixação de
diferentes limites (para menos) máximos da aquisição de participações próprias. Só
excecionalmente a aquisição pode ultrapassar a percentagem dos 10% - 317º nº3 (323º nº3 –
máximo de três anos em situações de excecional emergência social).
Importa sublinhar determinados corolários do disposto no artigo 316º, quanto à situação-regra
de aquisição de ações próprias, havendo que atender, para além do artigo 317º nº1, aos nº2 a nº6
do artigo 316º e ao 322º. A lei preocupa-se, essencialmente, em garantir que a sociedade comercial
não usa e abusa neste regime, procurando ultrapassar os seus limites legais por vias terceiras:

• Proibição de aquisição ou subscrição de ações próprias por interposta pessoa, sendo os


seus administradores pessoal e solidariamente responsáveis pela liberação das ações
nesses termos e condições (316º nº2 a nº6); Esta operação pode, inclusive, chegar a
preencher um tipo de ilícito criminal típico – 510º.
• Proibição de concessão de empréstimos para que um terceiro subscreva ou por qualquer
outro meio adquira ações representativas do seu capital (322º nº1 e nº2). No nº3 sanciona-
se esta operação, designada por assistência financeira, com a nulidade (que pode, de novo,
chegar a preencher um tipo de ilícito criminal – 510º). Neste conceito de terceiros
incluem-se tanto estranhos à sociedade como os próprios acionistas. Somente as
instituições bancárias escapam à proibição de assistência financeira (decorre do objeto).
o Será esta proibição extensível às SQ? A questão é duvidosa:
▪ Por um lado, a não remissão do 220º nº3 como sucede com o 324º parece
indiciar que não se poderá alargar a proibição.
▪ Por outro lado, a regra da autonomia da vontade social parece apontar
para sua possibilidade, no silêncio do regime legal. Reforça esse
entendimento a consciência de que essa proibição consubstancia,
sempre, uma situação excecional, logo, insuscetível de aplicação
analógica.
o (Cont.) Apesar de não ter posição firmada sobre a matéria, o Professor crê que a
não remissão do regime das SQ para as SA neste ponto não passou de um lapso
do legislador, pois crê que as razões justificativas de replicam nesta sede. Este
entendimento não se estende ao tipo penal do 510º nº1, pois estaríamos a criar
um novo tipo que não existe expressamente, situação que viola o princípio da
tipicidade legal dos crimes.
A aquisição de ações próprias encontra-se na dependência de determinados requisitos:

• Liberação integral das ações (318º nº1, 1ª parte)


o Violada? Salvo nos casos admitidos na lei (318º nº1, in fine e 317º nº3 b), c), e)
e f)), será nula (318º nº2).
• Decisão da AG (319º, salvo nº3, onde poderá ser a Administração)
• Aposição das devidas menções à decisão tomada pela AG (319º nº1).

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Sublinhe-se a necessidade de respeito pelo princípio do igual tratamento de acionistas (321º),


que impõe que não se compre ações a determinados acionistas “especiais”, mas que se opere uma
compra em rateio entre todos os interessados na venda de ações à sociedade.
Abordemos o regime jurídico das ações próprias que resulta do artigo 324º. Devem ter
um estatuto diferente do que quando pertencem aos acionistas? Tem sentido, por exemplo, que as
ações da sociedade também quinhoarem nos lucros a distribuir?
Logicamente, que não. Em princípio, as ações próprias têm todos os direitos suspensos, de
natureza patrimonial e não imediatamente patrimonial, nomeadamente o direito de voto.
Exceciona-se, contudo, um único: o direito de subscrever o capital em aumento por incorporação
de reservas (incorporação do que já lá está) - aumenta proporcionalmente as participações dos
sócios. Este é o único direito social que a lei reconhece, nos termos do 324º às ações próprias. Do
324º nº1 b) concluímos que só uma sociedade em muito boa saúde financeira poderá deter ações
próprias, pois deve dispor de reservas livres necessárias para o efeito, respeitando o 32º e 33º.
Existem limitações à titularidade de participações sociais. Estas limitações
consubstanciam exceções ao princípio da coincidência entre a titularidade e a livre
disponibilidade das participações. Isto poderá advir de duas situações, que têm em comum a
constituição de um direito real (numerus clausus!) sobre essas participações:

• Direito real de gozo (ex. usufruto)


• Direito real de garantia (ex. penhor)
Tratemos cada figura, individualmente. No que toca ao usufruto de participações sociais,
quotas e ações, deve atender-se ao disposto no 23º nº1 e nº2 CSC e no 1467º CC. O usufruto
caracteriza-se por dois sujeitos, o proprietário e o usufrutuário, terem simultaneamente pretensões
em relação a uma mesma participação social, a questão reside em saber quem tem o direito a
exercer os direitos sociais.
Por regra, o usufrutuário tem direito aos lucros e ao voto, exceto se está em causa alteração
estatutária ou dissolução, situações em que o voto é conjunto (situações jurídicas que podem afetar
a posição jurídica do nu proprietário). Que problemas é que isto pode levantar?

• Direito à informação (293º e 214º nº8) – usufrutuário tem-no sempre que tiver direito de
voto. Este direito é exercido conjunta e simultaneamente ao titular de raiz;
• Direito de participar nos aumentos de capital por entradas em dinheiro (462º) – o seu
exercício caberá, ainda, ao nu proprietário, na falta de acordo que determina a conjunção
ou a atribuição ao usufrutuário (269º e 462º nº2 e 1). Novamente, tudo, o que poderá
afetar a substância da posição do titular de raiz. Deve-lhe ser, por princípio, atribuído. O
exercente da preferência ficará titular pleno da participação social, a não ser que haja
acordo quanto à permanência da distribuição (462º nº4).
A forma e constituição do usufruto das participações sociais em vida da sociedade
corresponde à forma exigida e às limitações estabelecidas para a respetiva transmissão (23º nº1):

• Quotas - Assim, o usufruto constitui-se por documento escrito, forma requerida para a
transmissão de quotas (23º nº1 e 228º nº1 e 4º-A), na medida da transmissibilidade da
quota por negócio inter vivos e de todas as suas limitações. A constituição ou transmissão
de usufruto de quota está sujeita a registo comercial obrigatório (3º nº1 f) CRCom), do
qual depende a sua eficácia (23º nº1 e 228º nº2).
• Ações – importa conjugar o 23º com o CVM. Antes de mais, depende da forma de
representação da ação e do regime a que esta está sujeita:

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o Tituladas nominativas não integradas em sistema centralizado (23º nº1 CSC e


103º CVM) – será livre se não houver restrições à transmissibilidade das ações –
se existirem restrições, nos termos do disposto no 328º nº2, ela depende do
consentimento exigível para a transmissão – efetuando-se por declaração inscrita
no título, e registo subsequente junto da sociedade emitente ou de intermediário
financeiro que a represente (23º nº1 CSC e 103º e 102º nº1 CVM);
o Escriturais e tituladas nominativas integradas em sistema centralizado (81º nº5 e
nº1 e 2, aplicados com adaptações e 105º CVM) – constitui-se pelo registo na
conta do titular dessas ações, com indicação da quantidade de ações constituídas
em usufruto, da duração deste e da identificado do usufrutuário, podendo ser
constituído por registo em conta do usufrutuário.
Analisemos o penhor. Por efeito do penhor, o sócio vê limitada a disponibilidade da
participação social, pelo que as ações e quotas se tornam dificilmente transmissíveis. Na teoria, a
transmissão fica somente mais difícil, mas na prática fica impossível, pois a sua disponibilidade
fica totalmente dependente da vontade do titular da oneração. Mais uma vez, devemos distinguir
entre quotas e ações:

• Quotas (23º nº3, nº4 e 243º-A a F CSC e 3º nº1 f) CRCom)


• Ações (23º nº3 e nº4 e 293º CSC e 41º, 81º e 83º, 101º a 104º CVM)
Por regra, os direitos inerentes às ações empenhadas ou constituídas em garantia (dadas em
penhor, nunca “penhoradas”), todos continuam a ser exercidos pelo respetivo titular (inclui o
direito aos lucros e o direito de voto), salvo convencionalmente estipulado, por exemplo, quanto
a alterações estruturais da sociedade (ex. autorização ou consentimento na subscrição de ações
em operações de aumento de capital).
Quanto à constituição de garantias impera a regra do 23º nº3. Novamente, importa distinguir
os termos:

• Penhor de quotas (3º f) CRCom e 242º-A CSC) – constitui-se por documento particular
e torna-se efetivo com o respetivo registo comercial, passando a ser oponível a terceiros;
• Penhor de ações:
o Tituladas não integradas em sistema centralizado – livre, desde que não existam
restrições à transmissibilidade dessas ações (328º nº2). Ele constitui-se por
declaração, escrita no título, e registo subsequente junto da sociedade emitente
ou de intermediário financeiro que a represente (23º nº3 CSC e 103º e 102º nº1
CVM).
o Escriturais e tituladas em sistema centralizado (81º nº1 e 2, e 105º CVM) –
constitui-se pelo registo na conta do titular dessas ações, com indicação da
quantidade de ações dadas em penhor, da garantia e da identificação do
beneficiário, podendo ser constituído por registo na conta do credor pignoratício,
quando este tiver o direito de voto.
A constituição do penhor confere ao credor pignoratício o direito de se faze pagar
preferencialmente pelo valor dos bens ou direitos de créditos empenhados, em caso de
incumprimento. O credor deve informar ou notificar a administração da sociedade de que as ações
se encontram a caucionar um determinado crédito e para que esta tenha possibilidades de reagir
quanto a vicissitudes é necessário que tal ocorrência dependa da intervenção da própria sociedade,
por exemplo, por registo da transmissão.
De que negócios jurídicos pode a participação social ser objeto? Abordaremos,
essencialmente, quatro:

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• Promessa de cessão de quotas ou de compra e venda de ações;


• Depósito de participações sociais;
• Empréstimo:
o Mútuo de participações sociais;
o Comodato de participações sociais.
• Aluguer.
A “transmissibilidade” é a suscetibilidade do sócio poder transmitir a sua participação. Ela
é tão maior quanto menores forem as limitações legais ou convencionais ao negócio desejado.
Existem negócios jurídicos translativos e não translativos da titularidade da participação social.
Debrucemo-nos, sobre um exemplo do primeiro, saltemos o principal exemplo do mesmo
(transmissão de quotas e ações) e abordemos dois exemplos do segundo.
A promessa de participações sociais é possível, estando somente dependente da possibilidade
de celebração do negócio definitivo. Antes de 2006, quando a cessão estava dependente de
escritura pública, a promessa era mais frequente, para assegurar a disponibilidade contratual das
partes, reunindo os elementos necessários para a outorga da escritura (antigo 228º nº1 CSC). A
promessa não está sujeita a forma especial, mas meramente a forma convencional. Sublinhe-se
que a promessa de compra e venda de participações transmissíveis em bolsa é irrelevante, pois a
natureza do mercado bolsista não admite os termos morosas da promessa.
No que respeita ao depósito de participações sociais, devemos distinguir:

• Quotas e ações escriturais – sendo objetos incorpóreos, não serão depositáveis (1185º CC
e 403º a 407º CCom), mas somente registáveis;
• Ações tituladas – sendo objetos corpóreos, são depositáveis, em regra, junto de
intermediário financeiro.
No que respeita ao empréstimo das participações sociais, o mesmo supõe a cedência do gozo
da participação social durante um certo prazo, a título gratuito ou mediante retribuição. À partida,
este negócio afigura-se-nos como desconforme com a posição de sócio na sua natureza. Ela pode
adquirir diferente configuração consoante esse bem seja fungível ou infungível – por efeito da sua
fungibilidade, dir-se-ia que a figura mais apropriada do empréstimo seria o mútuo. A lei configura
o mútuo e o comodato como, respetivamente, empréstimo de dinheiro ou outra coisa fungível
(1142º CC) e empréstimo de coisas infungíveis (1129º CC). De novo, distingamos:

• Quota – não é, por regra, admissível, pois incompatível com a posição de sócio;
• Ações – expressamente admitida pelo CVM (350º). O mútuo de ações com transferência
da titularidade equivale, essencialmente, a um reporte sem pagamento do preço (477º a
479º CCom). A CMVM deveria ter desenvolvido este regime através de Regulamento –
não o fez, pelo que só a propósito da liquidação podemos encontrar uma norma
regulamentar que se aplica ao registo de valores mobiliários objeto de empréstimo.
Assim, sublinhando as reticências na permissão de que um terceiro se sirva do status de
sócio de outrem, o Professor considera que a objetivização da participação social nas SA
justifica a sua admissibilidade. Com dois limites:
o Nunca dobrar a titularidade das participações sociais (que de transfere);
o Nunca iludir as regras restritivas da sua transmissibilidade (que permanecem).
Finalmente, chegámos à figura do aluguer (convention de portage) de participações sociais.
De facto, não obstante noutros ordenamentos seja uma realidade, mediante contrato de locação
de ações – aquisição provisória da titularidade de uma participação que se compromete a revender
(à contraparte alienante ou a terceiro), num certo prazo e com um certo ganho (afim ao contrato
de locação temporária ou reporte com obrigação de revenda). O Professor rejeita esta figura, pois

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à luz do nosso ordenamento há restrições gerais e específicas à titularidade do bem, para além de
não se coadunar com a definição do estatuto de sócio. A ocorrer, estaríamos perante um mútuo
sem transferência de titularidade. Em conclusão, a admitir-se, seria um contrato de locação de
ações que preencha os requisitos do contrato de reporte (477º a 479º CCom), não repugnando que
a obrigação de revenda respeite a beneficiário terceiro. A renda do negócio corresponderá ao
diferencial de preço pago e a receber pelo adquirente-revendedor.

14. Transmissão e amortização de quotas e ações


14.1. Transmissão de quotas entre vivos e cessão de quotas
14.1.1. Caracterização
14.1.1.1. Cessão de quotas: regime-regra (supletivo)
Nas SQ, a transmissão de participações em vida, quando onerosa, designa-se por cessão de
quotas e vem regulada nos artigos 228º a 231º do CSC.
A sua transmissibilidade é fortemente condicionada. Na falta de preceito estatutário que
disponha diversamente, só é livre quando em favor dos sócios ou do cônjuge ou de parentes na
linha reta. Neste caso da transmissibilidade para familiares próximos, a limitação só tem
obviamente sentido quanto a pessoas singulares. A esta limitação subjaz um pensamento de
inspiração sucessória. Assim, se os sócios pretenderem que a cessão seja livre (como regia a regra
anterior – 6º LSQ), têm de o clausular expressamente. Se não o fizerem, a cessão só será livre a
favor de outros sócios ou dos herdeiros legitimários referidos, encontrando-se sujeita ao
consentimento da sociedade em todos os outros casos. Mas uma vez, bem clara fica a matriz
fechada desta sociedade comercial.
Nota: a limitação à livre transmissibilidade da quota é um efeito natural da crescente
pessoalização das SQ, gradualmente mais fechadas, a ponto de a lei admitir que uma sociedade
se feche completamente ao exterior, proibindo em absoluto a cessão (229º nº1, in fine). Contudo,
se tal acontecer ou se a proibição tiver uma duração superior a 10 anos, a lei concede aos sócios,
uma vez decorrido esse prazo, o direito de exoneração: o direito de se afastar livremente da
sociedade, realizando uma finalidade em tudo idêntica à da própria cessão da participação social,
mas sem estarem dependentes da existência de comprador. A exoneração, pelo menos em termos
qualitativos, é em tudo idêntica à cessão, porque conduz à saída da sociedade. Já em termos
quantitativos, o sócio pela cessão poderá fazer um negócio melhor, transmitindo a participação
por um valor superior ao valor de balanço.

14.1.1.2. O terceiro (adquirente)


Questão interessante é determinar quem é terceiro (ou estranho). Das duas uma:

• A contrario sensu - se o contrato, por exemplo, sujeitar a cessão ao consentimento da


sociedade, autorizando expressamente a cessão entre sócios, cabe perguntar se a cessão
em favor do cônjuge e dos parentes na linha reta é livre. Poderá retirar-se a contrario da
expressão “autorização da cessão entre sócios” que a cessão em favor dos herdeiros
legitimários está sujeita ao consentimento da sociedade? A resposta não é linear:
o 228º nº2 - a lei pretende claramente opor sócios e familiares próximos do cedente
a terceiros ou estranhos. A cessão não deve alargar a base social, pelo que,
supletivamente, só tem sentido aceitar a cessão entre sócios - que conduz a uma
redução (numérica) da base social - ou em favor daqueles familiares que, por

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efeito da sucessão mortis causa legitimária, se podem tornar sócios,


independentemente da vontade dos demais sócios. E, por isso, quando a cessão é
feita em favor dessas pessoas não se justifica sujeitá-la a aprovação da sociedade,
embora nada o impeça, se os estatutos o admitirem.
o 229º nº3 - a lei admite que os estatutos possam exigir o consentimento da
sociedade para as cessões legalmente autorizadas (entre os sócios ou para certos
familiares).
• Literal – Parece-nos que a intenção é isentar unicamente os sócios da necessidade de
autorização societária. Se tal resultasse de uma afirmação positiva - é livre a cessão
entre sócios- e, não já de uma exceção, não cremos que a cessão entre herdeiros
legitimários ficasse, por essa única razão, sujeita ao consentimento da sociedade. Nesse
caso, não poderíamos concluir que o contrato exigisse a autorização para essa cessão.
Assim sendo, haverá que apreciar cada caso em concreto, só sendo legítimo concluir por
uma limitação contratual acrescida, relativamente à legal, se for inequívoco ser essa a
intenção dos sócios.

14.1.2. Regime geral da cessão de quotas


Em termos de regime jurídico, haverá que distinguir consoante a cessão esteja mais ou menos
condicionada:

• Se a cessão for livre - por determinação estatutária nesse sentido - ou porque efetuada
entre sócios ou em favor de herdeiros legitimários (228º nº2, in fine) -, há que observar a
forma legalmente exigível e proceder subsequentemente ao registo e comunicações,
incluindo publicidade, que forem devidas;
• Se a cessão estiver sujeita a consentimento (228º nº2, 1ª parte) - o que acontecerá na maior
parte dos casos - este terá de ser solicitado nos termos em que se encontra previsto no
contrato de sociedade. A lei admite que em certos casos o consentimento possa ser dado
de forma tácita. Ex.: aceitação da participação na AG de novo sócio (230º nº6), sem que
a deliberação seja impugnada com esse fundamento. Essa forma de consentimento prova-
se, para efeitos de registo da cessão, pela ata da deliberação (230º, nº6, in fine).
Normalmente, os contratos de sociedade por quotas são generosos nas cláusulas relativas à
cessão e a sua regulamentação, explicando como tudo se deve passar e como é que se deve pedir
autorização. Não pode o contrato de sociedade fazer depender a cessão da verificação de
determinadas circunstâncias (229º nº5).

14.1.3. Consentimento da sociedade e direito de preferência (convencional) dos sócios e


da sociedade (230º)
O consentimento da sociedade - sempre que for necessário:

• Deve ser solicitado por escrito, com indicação do cessionário e de todas as condições da
cessão (230º nº1), não pode ser condicionada (230º nº3);
• Deve ser dado por deliberação dos sócios sempre que for expresso (230º nº2). Nesta
deliberação pode participar o sócio cedente, porquanto não se encontra impedido de votar,
não obstante estar em causa um interesse pessoal seu. O contrato de sociedade não
corresponde ao interesse social, mas ao interesse de alguns sócios, que pretendam manter
a sociedade fechada, pelo que não há conflito de interesses relevante. O interesse social
operaria em abstrato para permitir as substituições que correspondam à real vontade dos

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sócios. O sócio cedente pode ter um interesse conflituante com outros sócios, mas não
necessariamente com o interesse da sociedade, pelo que, em rigor, um sócio minoritário
consegue sempre transmitir a sua participação sem restrições, salvo se tiver sido
estipulado, entre os sócios, um direito de tag along.
Não devemos confundir o consentimento da sociedade, necessário para a transmissão a
favor de estranhos, com o direito de preferência (convencional ou estatutário) dos sócios, e,
ou, da sociedade, relativamente às transmissões projetadas. O direito de preferência encontra-
se no contrato de sociedade e não em simples acordo parassocial, porque neste caso não é oponível
à sociedade, gerando mera responsabilidade obrigacional entre as partes do acordo. Nada obsta a
que o contrato não preveja a preferência, surgindo na cessão inúmeros problemas com a simulação
de preço inerente à transmissão da participação social.
Quando a cessão está sujeita ao consentimento da sociedade, esta não pode, sem mais
nem menos, recusar esse consentimento. Ela deverá sugerir alternativas, propor ou fazer
adquirir a quota por um terceiro ou adquirir ela própria a quota, ou ainda proceder à respetiva
amortização nos termos do artigo 231º.
Nota: A boa técnica aconselharia que o consentimento e o direito de preferência fossem objeto
de regulamentação estatutária em separado, de forma a evitar qualquer confusão entre os
institutos. Mas normalmente os contratos de sociedade dedicam uma só cláusula à cessão,
sujeitando-a simultaneamente à preferência dos sócios e, subsidariamente, ao consentimento da
sociedade.
O Professor entende que a preferência convencional deve sobrepor-se ao eventual
consentimento da sociedade para a transmissão, ou recusa dele, uma vez que a intervenção da
sociedade deve ser feita numa lógica de evitar a participação de novos sócios na sociedade e tal
só se equacionará se a preferência (estatutária) não for, entretanto, manifestada e concretizada.
Naturalmente que a sujeição da transmissão ao consentimento da sociedade, tem pleno cabimento
quando o contrato não atribui aos sócios o direito de preferência, porque nestas circunstâncias é
a única forma que a sociedade tem de evitar a entrada de estranhos. Admitimos, contudo e já que
nada o impede, que o contrato configure a preferência como subsidiaria, nos seguintes termos:

• Em primeiro lugar, a sociedade (o coletivo dos sócios) deve ser consultada sobre o
consentimento;
o Depois, se recusar, tem de adquirir a quota, fazê-la adquirir ou amortizá-la.
o Se a sociedade não se opuser a essa transmissão, haverá que consultar os sócios,
que têm preferência, relativamente à mesma;
• Finalmente, se nenhum deles exercer o seu direito, então a cessão pode efetuar-se
livremente.
A concessão do direito de preferência à sociedade, normalmente subordinada ao não exercício
da preferência pelos sócios, não parece, a priori, fazer muito sentido, visto que a sociedade,
recusando o seu consentimento à transmissão projetada, poderia sempre propor-se adquirir ou
fazer amortizar a quota.
Contudo, poder-se-á sempre argumentar que, caso haja um desequilíbrio financeiro manifesto
entre os sócios que obste a que um ou mais exerçam a preferência, reconhecê-la à sociedade, em
primeiro lugar (antes da preferência dos sócios), poderá evitar que a concretização desse
desequilíbrio venha a ocorrer pelo exercício da preferência por parte de apenas alguns sócios. Não
faz sentido que a preferência da sociedade seja subsidiária da preferência dos sócios e que seja
ponderada antes do próprio consentimento da sociedade, uma vez, nessa circunstâncias, se
confunde com ele.

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14.1.4. Forma da cessão (escrita)


A cessão de quotas efetua-se por documento escrito e assinado pelas partes, sem formalidades
adicionais (228º nº1). É a natureza jurídica da quota (bem incorpóreo) que continua a justificar
que, na respetiva transmissão onerosa inter vivos, a exteriorização da vontade se corporize em
documento escrito, o qual constituirá forma especial para a transmissão; pelo que a eventual
preterição da mesma provoca a nulidade do negócio jurídico translativo (220º CC).

14.1.5. Eficácia da cessão


Em termos de eficácia, não chega a forma escrita. É preciso o consentimento da sociedade e
que, subsequentemente à formalização da transmissão - mesmo que ele tenha sido dado -, a
sociedade seja notificada de que efetivamente a cessão se realizou (228º nº2 e 3), tal como é
necessário que seja promovido o respetivo registo (242º-A), que é obrigatório (3º, nº1, alínea c)
do CRCom).
Assim, enquanto não for registada, a cessão não produz efeitos perante a sociedade (242º-A).
Uma vez realizada a inscrição registal solicitada, a cessão tem-se por efetuada, para com a
sociedade, na data do pedido de registo.
Não há um direito de preferência legal, pelo que - pressupondo-se que a preferência não se
encontra convencionalmente clausulada - se uma pessoa (um sócio) transmite a sua quota sem
autorização, o que acontece é que a transmissão é inoponível à sociedade, cuja “falta de
consentimento não constitui um vício de formação do contrato de cessão de quotas”, que não é
por essa razão inválido, mas simplesmente ineficaz “para com a sociedade” (ineficácia relativa,
pois não produz efeitos perante a sociedade). A cessão não produz então efeitos e quem continua
a ser sócio é o sócio cedente, ou seja, aquele que pretendia alienar a sua participação.

14.1.6. Registo da cessão


A reforma societária de 2006 acrescentou ao Capítulo III do título III uma nova secção,
dedicada ao registo das quotas (art.242º-A a 242º-F).
Nos termos da lei substantiva, a eficácia dos atos relativos às quotas perante a sociedade, está
condicionada à promoção do respetivo registo (242º-A), a qual cabe à sociedade - única entidade
com legitimidade para pedir o registo de atos a efetuar por depósito (que não envolvam ações e
providências judiciais) (art.29º, nº5 do CRCom) – de duas maneiras:

• Por sua iniciativa, se tiver tido intervenção no ato, ou


• Mediante solicitação do cedente ou do cessionário da quota (242º-B, nº2, alínea a).
Registo obedece a um série de regras, plasmadas nos artigos 242º-C a 242º-F do CSC e
consagradas pelas normas do CRCom. Consagra-se o princípio da prioridade na ordem dos
registos solicitados (242º-C nº1), que se se reportarem a diversos factos, devem ser requeridos
por ordem de antiguidade destes e, se relativos à mesma data, por ordem de dependência (242º-
C, nº2 e 3). Os documentos escritos em que se consubstanciam as cessões de quotas devem ser
arquivados na sede social (242º-E, nº3).

14.2. Transmissão de quotas mortis causa

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São raras as cláusulas contratuais que regulam a sucessão mortis causa. Se o contrato for
omisso, entende-se que a sucessão opera em conformidade com as regras legais, transmitindo-se
a quota para os herdeiros ou legatário do sócio falecido. Contudo, poderá suceder que o contrato
de sociedade condicione a transmissão dentro de determinados parâmetros (225º), devendo a
sociedade adquirir ou fazer adquirir a quota ou amortizá-la (225º nº2). Por vezes, o contrato de
sociedade coloca na dependência da vontade dos sucessores do sócio falecido a transmissão da
quota, admitindo que estes possam exigir a amortização ou declarar que não aceitam a transmissão
(226º).

14.3. Amortização de quotas


14.3.1. Caracterização
A amortização de quotas consiste na extinção, total ou parcial (neste caso, necessariamente
consentida - 233º nº5), de uma quota, eventualmente acompanhada de redução do capital social
em medida correspondente ao valor nominal dessa quota (232º a 238º).
Distinguindo-se da amortização mas conduzindo a um efeito idêntico, temos a considerar a
exclusão do sócio - centrada no propósito de afastar compulsivamente um sócio da sociedade, em
razão de uma conduta censurável que, na prática, implica a amortização da respetiva quota. Nesta
situação, diferentemente do que se passa na amortização, a posição do sócio é afetada pela
extinção da própria participação social, ao passo que na exclusão se visa o afastamento do sócio
e, em consequência, desde a amortização da sua participação (quota).

14.3.2. Pressupostos
A amortização deverá respeitar três requisitos:

• Permitida por lei (art.232º, nº1, art.225º, nº2, 231º, nº1, 240º, nº3, in fine);
• Contratualmente autorizada (compulsiva: art.232º e 233º, nº1);
• Expressamente consentida pelo sócio (art.233º, nº1 e 3).

14.3.3. Forma e formalidades


A amortização de quotas não constitui, por si, uma alteração do contrato de sociedade, pelo
que, na opinião do Professor, já não se encontrava sujeita a escritura pública, ocorrendo por
simples deliberação dos sócios e devendo ser comunicada ao sócio afetado, para ser eficaz (234º).
Hoje, após o DL 76-A/2006 (Simplex), tal desnecessidade é um facto. Até à entrada em vigor
deste diploma, a forma solene de escritura pública apenas seria exigível para a eventual variação
do valor nominal das quotas.
O registo condiciona a eficácia da amortização perante terceiros, e deve fazer-se também com
base na ata referente à deliberação social de amortização (3º, alínea i) do CRCom e 242º-A do
CSC), não havendo obrigatoriedade de promover a publicações legais (70º, nº1, alínea c), in fine,
do CRCom). No que se refere ao novo valor nominal das quotas, o mesmo deverá ser fixado por
deliberação e constar da ata.
No entender do Professor, a ata simples (que deve ser assinada por todos os sócios que tenham
participado na deliberação - 248º nº6) é o único requisito de validade formal da deliberação
tomada (388º nº1, ex vi 248º nº1), para além das formalidades necessárias à própria realização da

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assembleia, sendo a comunicação dirigida ao sócio afetado, uma condição da eficácia desse ato
(234º nº1); e só no momento em que o sócio tem conhecimento da deliberação de amortização
cessam os seus direitos e obrigações.

14.3.4. Modalidades
A amortização de quotas pode ser:

• Onerosa, se implicar o pagamento de uma contrapartida, a qual pode ser estipulada no


contrato de sociedade;
• Gratuita, quando for dispensada tal contrapartida.
É usual acrescentar uma menção contratual relativa à contrapartida, se a amortização for onerosa.

14.3.5. Efeitos
A amortização implica a redução do capital social sempre que:

• Recaia sobre quotas que não estejam inteiramente liberadas (232º, nº3);
• A situação líquida da sociedade resultar inferior à soma do capital social e da reserva
legal, após o pagamento da contrapartida.
Quando a amortização não determinar redução do capital social, provoca o aumento
proporcional das quotas sobrantes, exceto se o contrato de sociedade estabelecer que a quota
figure no balanço como amortizada (237º).

14.3.6. Exclusão de sócio


14.3.6.1. Conceito e modalidades
Conduzindo a um efeito idêntico ao da amortização total da quota - que, pela extinção da
participação social, provoca a perda da qualidade de sócio do respetivo titular, a exclusão de sócio
afasta-o da sociedade e implica a perda da sua quota em favor desta.
Assim, diversamente do que sucede na amortização, em que a quota é extinta e, por efeito
desse ato, o seu titular perde a qualidade de sócio, na exclusão é o próprio sócio que é direta e
imediatamente visado, perdendo a sua posição social e ficando sujeito ao regime de amortização
de quota se a exclusão ocorrer com base em disposição contratual (241º nº2).
A exclusão pode ser:

• Legal - funda-se em previsão normativa;


• Contratual - funda-se na ocorrência de uma conduta ou circunstância contratualmente
estabelecida que respeite à pessoa do sócio (241º nº2);
• Judicial - é determinada por decisão judicial pelo facto de o sócio ter causado ou poder
vir a causar à sociedade prejuízos significativos com base no seu comportamento desleal
ou gravemente perturbador do funcionamento da sociedade (242º nº1). Por exemplo: falta
de realização de prestações suplementares quando a exigência das mesmas, encontrando-
se contratualmente prevista, é deliberada (212º nº1).

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14.3.6.2. Exclusão judicial


O afastamento compulsivo do sócio pode ocorrer por determinação judicial,
independentemente de previsão contratual, quando a conduta do sócio:

• Compromete a sua manutenção na sociedade (242º);


• Sempre que a sociedade apenas tem 2 sócios e se verifica uma situação que, nos termos
do contrato de sociedade, conduziria à exclusão por deliberação. Com efeito, nas
sociedades que apenas têm 2 sócios, a exclusão, ainda que alicerçada na verificação de
previsão contratual, tem de ser judicialmente decidida, uma vez que o sócio a excluir está
impedido de exercer o seu direito de voto (251º nº1, alínea d)). Admitir a exclusão por
deliberação equivaleria a entregar a decisão ao sócio proponente da exclusão, o que se
afigura inadequado. Embora o 242º seja omisso sobre esta questão, a razão de ser é a
mesma da destituição do sócio-gerente por justa causa (257º, nº5 e 251º, nº1 alínea f)).
A propositura da ação de exclusão deve ser deliberada pelos sócios (a lei é omissa quanto ao
prazo disponível para o efeito – há quem defenda o prazo de 90 dias do 254º nº6 e 234º nº2,
nomeadamente a maior parte da jurisprudência, e quem defenda o prazo ordinário de 20 anos,
como o faz Barros Caldeira), que poderão nomear representantes especiais para esse efeito (242º
nº2), o que significa que a ação não é proposta pela sociedade, mas pelos sócios.
Nos termos do artigo 242º nº3, a eficácia da exclusão fica dependente da amortização da
quota, no prazo de 30 dias após o trânsito em julgado da sentença, ou da aquisição da quota pela
sociedade ou por terceiro dentro do mesmo prazo (242º nº3) – o contrato de sociedade pode prever
qual o valor a atribuir à quota nestas circunstâncias. Na falta de preceito contratual, o sócio terá
direito ao valor da quota no momento em que a ação foi proposta, a pagar em duas prestações
iguais, nos prazos de seis meses e um ano, depois do trânsito em julgado (242º nº4 e 235º nº1 b)).

14.4. Transmissão de ações


14.4.1. Regra geral
No domínio das SA, a regra geral referente à transmissibilidade de ações é oposta à regra
geral aplicável no âmbito das SQ. Neste domínio que nos interessa, a regra é a da livre
transmissibilidade de ações (328º nº1). Esta transmissibilidade é postulada pelo Código em
termos inusitadamente amplos (328º nº1, in fine), o que lhes conferes grande liquidez em face das
demais participações sociais.
Se assim não fosse, o mercado bolsista nunca poderia funcionar, enquanto grande feira de
compra e venda de ações. As ações admitidas a negociação em mercado regulamentado (maxime¸
bolsa) são obrigatoriamente integradas em sistema centralizado (105º e 62º CVM).

14.4.2. Forma de transmissão


14.4.2.1. Considerações gerais; enquadramento normativo
Tradicionalmente, a transmissibilidade estava dependente da forma (tipo) do título em que se
consubstanciavam as ações, uma vez que a ação era necessariamente titulada. A própria
classificação dos títulos em nominativos ou ao portador tomada por critério o modo da respetiva
circulação (e transmissibilidade). Desde 1988, com a introdução, no ordenamento jurídico
português, das ações escriturais (pelo DL nº229-D/88, de 4 de julho), a distinção que passou a ter

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sentido fazer, a propósito da transmissão das ações, é entre a transmissão de ações escriturais e a
transmissibilidade de valores titulados.
As ações admitidas à negociação em mercado regulamentado, maxime em bolsa, são
obrigatoriamente integradas em sistema centralizado (105º e 62º do CVM). Tal obrigação não
interfere, contudo, na forma de transmissão, mas apenas no modo de efetuar a transferência entre
contas (71º nº2 do CVM, aplicável às ações tituladas por força do 105º do CVM).
Feita esta introdução, importa aprofundar os termos da distinção entre ações tituladas e ações
escriturais.

14.4.2.2. Ações tituladas (ex- ao portador, hoje só nominativas)


As ações tituladas ao portador transmitiam-se, classicamente, pela entrega material do título,
em que se consubstanciam. As ações ao portador não mais existem (299º CSC e 52º CVM).
As ações tituladas nominativas transmitiam-se pela declaração de endosso, aposta no
verso do título, e pelo pertence lavrado no mesmo e subsequente averbamento da nova
titularidade no livro de registo das ações. Este regime era incompatível com a celeridade que
preside às operações no mercado regulamentado e que impôs a substituição do modo clássico de
transmissão de títulos pela regra da fungibilidade, deixando de ser necessário transacionar o título
do vendedor, em concreto, para se transmitir outro equivalente, também depositado junto de uma
central (de valores mobiliários) ou em intermediário financeiro. Hoje, são indiferentes as ações
em si, mas somente o seu valor representativo do capital social daquela sociedade naquela
categoria de ações. Encontram-se ainda diferenças consoante estejam:

• Fora de sistema centralizado:


o Depositadas em intermediário financeiro ou não depositadas – transmitem-se por
endosso (declaração de transmissão, inscrita no título) com indicação do
adquirente, seguida de registo junta da sociedade emitente (ou intermediário
financeiro – 102º nº1 CVM). A transmissão produz efeitos na data da
apresentação do requerimento de registo (ex-livro de registo de ações) à
sociedade emitente (102º nº5 CVM). Por vezes celebram-se contratos de compra
e venda de ações que podem regular mais complexamente estes trâmites de
transmissão. Já a cessão de quotas precisa sempre de contrato escrito.
• Integradas em sistema centralizado – aplica-se o disposto no 105º CVM.
O artigo 101º nº1 e 2 do CVM não altera nada a nível de formalidades.
Caso sejam ações cotadas...

• Ações encontram-se integradas em sistema centralizado (105º CVM);


• Ações não se encontram integradas em sistemas financeiro (102º nº1 e 5 CVM).
O facto de a transmissão em ações fora de mercado regulamentado ser, frequentemente,
acompanhada de instrumentos contratuais, mais ou menos complexos - contratos de compra e
venda de ações (e, eventualmente, de cessões de créditos, se for também o caso) - que regulam as
condições dessa transmissão, designadamente o modo de pagamento do preço e as garantias que
asseguram o cumprimento reciproco das obrigações contratuais, entre outros aspetos, decorre de
exigências da prática e impõem-se por razões de certeza e segurança dos NJ em causa.
Mas, sempre que a transmissão de ações altere o modo de controlo da empresa a que as
participações se reportam, podemos falar de uma verdadeira compra e venda da empresa, que

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justifica uma formalização especifica, embora convencional, e da qual a transmissão das ações
constitui elemento instrumental.

14.4.2.3. Ações escriturais


Estas transmitem-se pelo registo na conta do adquirente (80º nº1 CVM). A inscrição nas
contas de registo é efetuada com base em ordem escrita do alienante (67º nº1 CVM). A
transmissão das ações escriturais depende sempre de uma formalidade, documento subscrito pelo
disponente, pelo que não faz sentido falar em ações escriturais ao portador, uma vez que perderia
a sua característica essencial: a transmissibilidade pela simples entrega, sem rasto, e o anonimato
daí resultante.

14.4.2.4. Efeitos da transmissão


A aquisição ou a alienação de ações implicam, em certos casos e circunstâncias, o dever de
comunicação das vicissitudes.
Nessa medida - e sendo apenas relevantes as alienações que, por referência ao capital social
e (ou) direitos de voto, reduzam a participação global do alienante abaixo de determinados níveis
ou as aquisições que contribuam para que a participação do adquirente ultrapassa certas
percentagens do capital e (ou) direitos de voto - há que distinguir:

• Nas sociedades abertas, quem adquira ações ou reduza a sua participação, em montante
suficiente para fazer variar a partir de ou abaixo de 10%, 20%, 1/3, 50%, 2/3 ou 90% dos
direitos de voto correspondentes ao capital social fica obrigado a comunicar que atingiu
(ou ultrapassou) esses níveis ou caiu abaixo deles (art.16º, nº1 do CVM).
• Caso as ações representativas do capital da sociedade estejam admitidas à negociação em
mercado regulamentado (situado ou a funcionar em Portugal), as comunicações são
obrigatórias para as variações a partir dos limites de 2%, 5% e 15% (art.16º, nº2 do CVM).

14.4.3. Situações que implicam formas especiais de transmissão de ações

• Ofertas públicas de transmissão em massa de ações;


o Ofertas públicas de aquisição de ações (108º e ss., em especial 173º a 197º CVM);
o Ofertas públicas de venda de ações (167º e 170º a 172º CVM)

14.4.4. Limitações à livre transmissibilidade das ações


14.4.4.1. Legais
As limitações podem resultar da própria lei:

• Em função da identidade do potencial ou pretenso adquirente - com a finalidade de


assegurar que este seja entidade idónea. Ex.: aquisição de participação qualificada em
instituição de crédito ou sociedade financeira, por exemplo, sujeita à oposição do Banco
de Portugal.
• Em função da identidade do próprio adquirente, que é o que acontece em sede de
aquisição de ações próprias (316º nº1 e 317º).

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Nota: há circunstâncias que, embora não representem uma limitação à transmissão de ações,
dificultam-na na prática, como são os casos de oneração de participações (constituídas em penhor
ou usufruto – 23º).

14.4.4.2. Convencionais
A natureza das limitações convencionais varia consoante as mesmas:

• Constem do contrato de sociedade, caso em que têm direitos erga omnes;


• Resultam de acordos particulares subscritos pelos acionistas (acordos parassociais),
circunstância em que apenas revestem um carácter obrigacional. Podem, portanto, existir
algumas limitações obrigacionais à transmissibilidade de ações – limitações que já
tivemos oportunidade de estudar:
o Atribuição de preferência convencional em caso de transmissão (em favor de
terceiro ou outro acionista), não regulada no contrato de sociedade;
o Faculdade de acompanhar uma eventual alienação de participações, pelos termos
e condições aplicáveis à mesma (tag along), integrando na alienação projetada as
ações de que se é detentor.
Assim, focar-nos-emos nas limitações de natureza estatutária (328º e 329º CSC). As ações
(hoje todas nominativas) podem ser objeto de limitações estatutárias à respetiva transmissão e
apenas nos casos e nos termos estabelecidos no nº2 do art.328º. Portanto:

• A transmissão dessas ações pode ficar contratualmente sujeita ao consentimento da


sociedade (alínea a), a ser regulado ou concedido segundo o disposto no artigo 329º);
• Pode ser criado um direito de preferência dos acionistas relativamente à transmissão de
ações dessa modalidade (alínea b));
• É possível subordinar a transmissão dessas ações e a constituição de ónus sobre as
mesmas à existência de determinados requisitos objetivos e subjetivos, conformes com o
interesse social (alínea c)).
O contrato pode exigir consentimento da sociedade, mesmo para as alienações gratuitas,
estabelecendo a lei o método de cálculo do valor das ações em caso de recusa de transmissão
gratuita e pressupondo que o contrato não prevê nenhum método específico.

14.5. Conversão de ações


A conversão de ações consiste na alteração da sua forma de representação (de titulada para
escritural ou vice-versa), sendo consequentemente um termo indistintamente utilizado para a
alteração da forma ou espécie da ação. Esta matéria surge exclusivamente regulada pelo CVM
(48º a 50º e 53º e 54º).
Uma vez emitidas as ações, em forma de títulos (documentos em papel) ou de meros registos
em conta, as mesmas podem ser objeto de conversão, desde que esta não se encontre, legal ou
estatutariamente proibida (48º nº1 do CVM). A decisão de conversão cabe à sociedade, que
suporta os respetivos custos, e aplica-se a todas as ações que integram a mesma emissão, exceto
aquelas que, sendo objeto de negociação no estrangeiro, não possam alterar a respetiva forma de
representação (art.48º, nº1 e 3 e 46º, nº2 do CVM). Então:

• As ações escriturais consideram-se convertidas em tituladas no momento em que os


títulos ficam disponíveis para entrega (49º nº1).

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• As ações tituladas são convertidas em escriturais pela inscrição em conta, mediante prévia
entrega à sociedade ou depositados junto da entidade que prestará o serviço do registo
após a conversão (50º nº1 e 2).

14.6. Amortização e remição de ações


14.6.1. Significado e alcance da vicissitude nas sociedades anónimas
A amortização de ações reveste no âmbito da lei portuguesa dois sentidos:

• Sentido próprio, que se retira do artigo 347º e corresponde, no plano das SA, à figura,
idêntica, prevista para as SQ;
• Sentido impróprio, extrai-se do artigo 346º e não determina a extinção da ação, dando
lugar às chamadas ações de fruição.

14.6.2. Amortização-extinção (de ações)


14.6.2.1. Caracterização
Amortização de ações em sentido próprio - consiste na extinção da participação social
acompanhada necessariamente da redução do capital da sociedade (347º nº2).

14.6.2.2. Modalidades

• Amortização com redução do capital social vs. Sem redução - Diversamente da


amortização sem redução do capital social, que pode ser deliberada pelos acionistas
independentemente de cláusula estatutária nesse sentido (346º nº1 – adiante explorado),
a amortização com redução de capital social deve ser imposta ou autorizada pelo contrato
de sociedade (347º nº1).
• Amortização voluntária vs. Automática - Tratando-se de amortização voluntária,
porque contratualmente permitida, a deliberação de acionistas que por ela concluir e da
qual depende deverá prover aos aspetos que não tiverem sido previstos no contrato de
sociedade (347º nº5). A amortização automática, imposta pelos estatutos que irá ocorrer
independente da vontade do coletivo dos sócios, devendo processar-se nos exatos termos
previstos no contrato (347º nº4). Com efeito, estando em causa uma forma de amortização
compulsiva desta natureza, a mesma deverá ser fundada em factos concretamente
definidos no contrato de sociedade (347º nº3). Este deve regular a operação, fixando as
respetivas condições que, verificando-se, conduzirão o conselho de administração ou
conselho de administração executivo a declarar as ações amortizadas e a promover as
diligências necessárias subsequentes.

14.6.3. Amortização de ações sem redução do capital social; as ações de fruição


A amortização de ações prevista no artigo 346º não se traduz na extinção da participação
social, mas apenas numa alteração qualitativa da mesma. Por isso mesmo a considerámos
imprópria. Esta amortização traduz-se no reembolso de parte ou da totalidade do valor nominal
da ação. Neste caso, dá lugar às chamadas ações de fruição (346º nº5), que constituindo
verdadeiras participações sociais, apresentam uma estrutura diferente das ações ordinárias, já que
conferem aos seus titulares direitos de natureza não patrimonial iguais aos das demais ações e

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direitos patrimoniais reduzidos – podem qualificar-se, pois, por contraposição, como já vimos,
com as ações ordinárias, como ações diferidas ou diminuídas.
O contrato de sociedade pode prever expressamente a criação de ações de fruição, embora a
própria AG tenha legalmente competência para o efeito (346º nº1).

14.6.4. Remição de ações


Finalmente, explicitemos que pode surgir a necessidade de a sociedade criar ações
preferenciais e sujeitá-las a remição. A remição é ato pelo qual a sociedade extingue as ações
privilegiadas em data fixa ou quando a AG o determinar, mediante a entrega ao seu titular do
respetivo valor (nominal ou de emissão), se os estatutos não previrem adicionalmente um prémio
(345º nº1 e 4).
A remição, a ocorrer pela verificação de um termo certo ou a ficar na disponibilidade da
sociedade, não configura propriamente um privilégio: é um meio que permite à sociedade criar
ações privilegiadas a prazo (atributo possível de qualquer ação dotada de um privilégio
patrimonial – assim, ainda que as ações preferenciais remíveis formem uma categoria à parte das
outras espécies de ações privilegiadas, elas reconduzem-se, na realidade, a uma dessas espécies,
contanto que a mesma se caracterize pela concessão de uma vantagem suscetível de avaliação
pecuniária e a remição seja contratualmente autorizada; criar ações remíveis significa apenas
sujeitas ações preferenciais, qualquer que seja o seu privilégio, comummente um direito ao
dividendo acrescido, a extinção em data fixa ou quando a AG o deliberar – 345º nº1), enquanto
precisar de captar capitais necessários à realização da sua atividade.
Tal característica permitirá um controlo dos privilégios a conceder, pela sua sujeição ao poder
da maioria. Dir-se-á que a sociedade admite esses privilégios e, consequentemente, a prerrogativa
de os seus titulares se reunirem em assembleia separada (24º, nº6 e 389º), Mas reserva-se o direito
de, apesar disso, pôr fim à existência dessas ações, remindo-as ou extinguindo-as.
Na perspetiva dos acionistas, seus titulares, estas ações podem, no entanto, ser vantajosas, se
a remição - e possivelmente a exoneração (que acontecerá se o acionista em questão apenas for
titular de ações dessa espécie) - se encontrar estatutariamente predeterminada, então a subscrição
dessas ações equivalerá a um investimento por prazo certo, durante o qual o acionista beneficiou
dos privilégios que caracterizam a sua participação, cuja realização lhe é garantida em antecipação
à própria dissolução da sociedade.

14.6.5. Inadmissibilidade da sanção de exclusão judicial (de acionista) na sociedade


anónima
A exclusão do sócio, maxime, a que é determinada judicialmente, é a sanção máxima que
recai sobre o sócio de uma sociedade comercial, conduzindo ao seu afastamento e sendo
determinada intuitus personae.
No âmbito da SA, verifica-se a objetivação da participação social, pelo que as situações
jurídicas são atribuídas às ações, sendo um acionistas tantas vezes sócios quantas as ações que
detiver, visto que estas representam direitos de participação social autónomos. Assim, só é
possível afastar um acionista pela extinção ou apreensão de todas as suas participações e pela
proibição de voltar a adquiri-las, o que numa sociedade aberta, por natureza, não é fácil.
A eventual exclusão de um sócio passa, assim, pela amortização das suas ações, devendo a
mesma ser estatutariamente prevista. Mas mesmo neste caso, devemos admitir a eventualidade de

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as ações serem entretanto transmitidas em favor de terceiros, sem que seja legítimo vir a opor-
lhes pelo desconhecimento que forçosamente terão da vicissitude aquando da aquisição, a
aplicação da amortização.
O Professor considera que não é por isso admissível equacionar a aplicação por analogia de
uma medida radical como a da exclusão judicial de sócio, qualquer que seja a conduta que a
justifique (Coutinho de Abreu: diferentemente, admitindo a possibilidade de aplicação de sanção
de exclusão às SA, por analogia). Com efeito, a estrutura da participação societária revela-se no
domínio das SA, incompatível com uma sanção desta natureza. Todavia, admite como possível a
amortização de ações com base em incumprimento contratual, nomeadamente de obrigações
sociais. Por exemplo, se os estatutos contemplarem a possibilidade de os acionistas deliberarem
a amortização das ações em caso de incumprimento das respetivas obrigações.
No limite, poder-se-ia discutir a exclusão do acionista, nomeadamente por deliberação da AG,
com base em incumprimento grave das suas obrigações estatutárias e legais, mas sempre com
fundamento em norma contratual expressa. Se tal sucedesse, em aproveitamento do disposto no
artigo 287º nº4, a exclusão não seria impeditiva da reaquisição da qualidade de acionista, tendo
em conta que a SA é, por natureza, aberta.
O argumento interpretativo que se extrai da exceção contemplada no artigo 287º nº4 - no
sentido de ser admissível a exclusão do acionista com base na violação de deveres estatutários,
em caso de expressa previsão contratual, é decisivo, para rejeitar a exclusão judicial sem
fundamento contratual (porque legal não existe). Mesmo nas pequenas SA, nas quais a presença
do acionista infrator pode incomodar (diversamente, considerando que o contrato de sociedade da
SA pode conter uma cláusula que preveja a exclusão judicial, Daniela Baptista).

5. Organização das sociedades comerciais | Deliberações dos sócios e dos acionistas |


Modelos de organização da administração e fiscalização de sociedades por quotas e
anónimas
Governação societária (corporate governance), melhor do que “governo societário”
porque exprime a atuação do órgão executivo em articulação com o órgão de fiscalização. Esta
expressão é também mais feliz porque deixa refletir um pouco de dinâmica, enquanto o “governo”
é uma realidade muito mais estática. Isto é secundário, pois o que mais importa é o conteúdo.
Coutinho de Abreu concorda com este entendimento.
O legislador fala mais em governo societário. O que é que engloba este conceito?
Devemos olhar para o modo como se estrutura uma governação e torna-la transparente, que revele
as linhas acionistas e que seja responsável pela sua atuação. Esta preocupação nasceu nos países
de língua inglesa, e compreende num contexto diferente. Estamos perante OJ que não havia regras
que impusessem regras para orientar a gestão societária. Os nossos ordenamentos continentais já
tinham regras de boa governação societária.
Após os USA nos anos 70 começarem a estruturar e enquadrar o fenómeno societário de forma
efetiva (sobretudo do ponto de vista social), é verdade que em Inglaterra essa premência se sentiu
mais fortemente. Só no virar do século os continentais pensaram nisto, porque na verdade já
constava da nossa lei (402º, por exemplo) – se forem aplicadas, o que não foram durante muito
tempo.
Este fenómeno fez-se sentir depois de outro, que se verificam ao longo do século XX, o
fenómeno da dissociação da direção efetiva da empresa e do risco do capital. Isto significa o quê?
Significa que, tradicionalmente, eram geridas por quem geria o capital, pelos empresários, com
uma determinada finalidade lucrativa no âmbito de uma atividade. Com a complexidade crescente

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ao longo do século XX, começou a procurar profissionais na gestão destas empresas. Os gestores
não arriscam capital na empresa, são assalariados da sociedade que conferia forma jurídica à
empresa comercial. Os acionistas começaram a colocar-se na retaguarda, observando a gestão.
Estas pessoas seriam vendedores profissionais ou licenciados em economia e finanças. Nasceu a
figura do gestor. Sendo os órgãos da sociedade, esses profissionais começaram a reclamar que a
sua retribuição tivesse que ver não apenas com a disponibilidade temporal, mas também com os
próprios resultados da empresa. Queriam colocar-se na posição dos investidores da empresa.
Ou seja, criou-se a relação entre os resultados da empresa e a remuneração dos
profissionais que a geriam. Isto fez com que os gestores procurassem grandes resultados a curto
prazo ainda que sem realidade substantiva que o justifique. Isto requereu um controlo efetivo
sobre o modo como a sociedade era efetivamente gerida.
Isto tem mais sentidos nas grandes sociedades, sobretudo na SA, que é a forma jurídica
da grande empresa. Quando atinge uma determinada amplitude, quando ficam aberto ao
investimento do público, todas as cautelas de proteção dos investidores devem ser redobradas.
Quem aposta tudo na sociedade deve ver as suas posições tuteladas.
Na procura de dotar a sociedade de boa gestão, criaram-se:

• Recomendações (normas jurídicas imperfeitas, sem sanção inerente, como no Direito


Internacional Público e nas obrigações naturais);
• Regulamento 4/2013, que impõe que as sociedades tenham de adotar um relatório de
governo societário específico que expliquem uma série de questões que caracterizam a
sua gestão, sobretudo nas abertas e cotadas. Existiu um Código da CMVM mas foi
descontinuado pela própria CMVM, aplicou-se ao exercício de 2017, mas não este, pelo
que não existe, hoje, opção entre os códigos.
• Código de Governo (abertas e cotadas), feito pelo IPCG (instituto português da corporate
governance). Este Código caracteriza-se pelo facto de que se as entidades não seguirem
estas indicações, ninguém as vai impor ou sancionar. Nos USA isto pode dar lugar a uma
reação dos consumidores, pela rejeição dos produtos. Em Portugal, somente ligamos aos
preços, mesmo que a empresa não seja transparente.
Estas preocupações surgiram porque nos últimos 25 anos do século XX, o peso que tiveram os
gestores na sociedade fez um contrapeso, que se prendeu com o peso do órgão de gestão. O papel
desse órgão foi desvalorizado durante muito tempo. Ele não faz apenas uma verificação de ordem
fiscal e financeira, pois também chega ao caráter político da atuação do órgão executivo. No
século XXI acrescem-se exigências éticas – atendem-se ao seu conteúdo valorativo. A empresa
está para lá dos interesses egoísticos dos seus investidores, pelo que se deve manter a sua presença
no panorama económico e social, desde logo pelos trabalhadores que empregue. A empresa tem
responsabilidade social para lá da prossecução egoística da sua atividade lucrativa. Hoje a
governação é cada vez mais exigente, por tudo isso.
Quais são os requisitos para exercer cargos sociais? Há 100 e tal anos esta questão não tinha
relevância, e mesmo há 40 também não. Mas a lei impõe-nos:

• Pessoa singular - Mesmo que os acionistas tenham interesse em chegar à gerência da


sociedade, quem desempenhará essa função será uma pessoa singular (390º nº4). Mesmo
quando uma PC possa ser eleita, será sempre uma pessoa singular a assumir a gestão de
forma livremente ordenada.
• Pessoa com capacidade, capacidade de exercício – pessoas não podem estar
relativamente impedidas na sua aptidão para agir socialmente (ex. insolvência).

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• Prestação de caução – o desempenho de funções em SA está sujeita a caução por parte


dos administradores. A caução é uma garantia, que visa tutelar certos interesses, os
interesses que a sociedade possa vir a sofrer por efeitos de uma conduta menos adequado
pelos seus titulares (396º, extensível aos membros do órgãos de fiscalização quando
tenham constituição colegial com exceção do ROC, que tem sempre seguro profissional).
A sua legitimidade pertence a todos os que tenham interesses na sociedade. Quem tem
interesse em gerir presta caução com mínimo de 50 mil euros, mas nas grandes
sociedades anónimas e cotadas sobe aos 200 mil euros. Esta prestação de caução pode
ser substituída por um seguro, mas o seguro deve ser contratado sem indemnização. Se
esses interesses são afastados intencionalmente, devem ser acionados. No 396º nº3 não
se admite a substituição da caução pelo seguro nas SA grandes e cotadas (413º). A lei
não permite que a sociedade se substitua ao administrador na prestação da caução, mas
o 396º nº5 dispensa a prestação pelos administradores não executivos não remunerados
(norma do metro do Porto). Esta norma tem um anacronismo, pois não presta caução
quem não é executivo, mas só sabe se o é depois da eleição e reunião da AG para definir
quem é executivo e não executivo – lacuna. A caução aplica-se somente a gestores e
aqueles membros do órgão de fiscalização, não outros titulares de órgão sociais.
o Que sucede se a caução for devida e não for prestada? O 396º diz-nos que se a
caução não for prestada em 30 dias, o administrador cessa funções. Isto coloca
interessantes questões – se não estiver previsto eu prestar, esse ato não será
publicitado, o que é mau para os terceiros que podem negociar com alguém que
não possui poderes. Não obstante o 396º, em princípio os atos praticados pelos
gestores no exercício dos seus poderes, vinculam a sociedade, sem prejuízo da
responsabilidade acrescida. 401º por analogia para a prestação (POC).
• Independência - A caução aplica-se a gestores e aqueles membros do órgão de
fiscalização e também a outros titulares de órgão sociais. Este requisito é do século XXI,
As pessoas escolhidas não podem ver a sua liberdade de decisão limitada pelo poder dos
principais investidores na sociedade. Qual o critério que nos permite concluir que temos
um órgão social independente? O artigo 414º nº5 considera-se independente a pessoa
qua não esteja associada a qualquer grupo de interesses específicos na sociedade nem
esteja em qualquer situação de suscetibilidade de isenção de análise e decisão. Critérios
exemplificativos desse artigo:
o Ser titular ou atuar em nome ou por conta de titulares de participação igual ou
superior a 2% do capital social (esta questão é simples, de pura determinação,
ainda que possa ser volátil ao longo do tempo);
o Quem for reeleito por mais de 2 mandatos de forma continua ou intercalada. Isto
tem particular importância porque se entende pois de duas uma (esta questão é
diferente, evitar o afreguesamento). Este critério enforma de eficiência, pois
devia-se reportar a períodos temporais e não a mandatos (pode haver 3 mandatos
de 1 ano e não haver mal, mas mandatos de 3 anos por 4 vezes, é perigoso) e
porque devia distinguir entre os titulares que vão à sociedade todos os dias
(gestores) e os membros da mesa da AG (1 vez por ano).
• (cont.) quem está sujeito a este limite? Os administradores executivos não estão sujeitos
a este limite. Eles são dependentes, são a vontade da sociedade. Isto opera mais quanto
aos órgãos de fiscalização.
• Impedimento – O impedimento não se confunde com independência
Responsabilidade dos titulares dos órgãos sociais – é diferente, pois depende do compromisso
que se assume na sociedade. Os administradores e gerentes têm uma responsabilidade evidente
pois os seus atos e omissões podem atingir a sociedade, os sócios e os credores, prejudicando.

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Estamos perante responsabilidade civil (comercial…) dos administradores. Os membros dos


demais OS também podem ser responsáveis (capítulo VII -71º e ss. CSC). Enquanto a lei prevê a
responsabilidade dos OS, nomeadamente da mesa da AG, tendo em vista o modo como exercem
as suas funções pontualmente (às vezes, uma vez por ano).
Analisaremos a responsabilidade dos administradores, em termos gerais. No artigo 72º, a lei
estabelece uma presunção de culpa pelo exercício de funções de administração e pela
responsabilidade que decorre desse mesmo exercício – por princípio, pelos danos que causem na
sua intervenção vão responder, salvo se provarem que procederam sem culpa. Esta regra geral
corresponde à lógica que, dedicando-se estas pessoas como profissão, estes danos muito
provavelmente devem-se a um deficiente cumprimento dos seus deveres.
O 72º nº2, na realidade, exclui a presunção de culpa em certas circunstâncias – explica que mesmo
que não demonstrem que não atuarem com culpa, não assumem responsabilidade desde que
demonstrem que atuaram de modo informado, sem interesse pessoal no ato do dano e que agiram
com critérios de racionalidade empresarial (concretização da business judgment rule) – o
administrador não assume responsabilidade pelos atos lesivos se fosse expectável que, mediante
uma atuação diligente, se tenha praticado os atos necessários ao cumprimento do dever social. A
doutrina divide-se se isto é exclusão da culpa ou ilicitude (POC prefere exclusão objetiva da
ilicitude e não exclusão subjetiva da culpa).
Se se provoca um dano, a lei prevê a solidariedade entre os administradores – todos os que tenham
contribuído sejam ou não agentes diretos, podem ser responsabilizados. Isto resulta do artigo 73º,
ainda que aí se preveja um direito de regresso, quando houver culpas diferenciadas na prática do
ato lesivo. Se aparentemente a lei admite no 72º nº3 que possam não ser responsáveis os que não
participaram se justificarem pouco após o ato que não concordariam com ele se tivessem
participado na deliberação, isso significa que a abstenção na decisão não é boa decisão de gestão.
Nos órgãos políticos pode ser, mas nos órgãos de gestão não deve haver abstenção, só deve haver
casos de impedimento (410º nº6), que representam uma verdadeira ausência.
Quando temos uma situação de responsabilidade dos administradores temos de saber como reagir.
É evidente que temos uma norma essencial: 412º nº4 – os administradores têm de se abster de
executar deliberações nulas Também daqui decorre que os administradores podem executar atos
no decurso de deliberações que sejam anuláveis (72º nº5), pois a anulabilidade não lesa interesses
gerais, mas interesses dos sócios, pelo que se desejam avançar, isso é com eles. O 373º nº3 permite
que se possa submeter aos acionistas a aprovação de deliberações de gestão e se o fizerem eles
contêm o conforto dos acionistas e desresponsabilizam-se perante a sociedade.
Se somos sócios de uma sociedade, temos conhecimento de um ato que prejudicou a sociedade e
foi praticado com culpa do administrador e querem reagir contra o ato. O artigo 375º nº2 e o artigo
23º a) nº1 CVM diz que os acionistas podem tomar a iniciativa (SQ qualquer sócio) de convocar
a AG para pedir a propositura de uma ação de responsabilidade contra o administrador. Isto
regula-se no artigo 75º e 77º:

• 75º - conjugada com o 375º nº2 e 23 nº1 a) – ação de responsabilidade contra a sociedade,
que numa sociedade cotada deve ser proposta por 2% dos acionistas e no plano de
qualquer SA não cotada deve ser aprovada por 5% dos acionistas. Está em causa a
apresentação numa AG uma proposta que tende a ser intentada contra administradores
que ocasionou danos contra a própria sociedade. Esta atuação nem sempre é aceitável
porque estes administradores podem ser acionistas relevantes ou foram designados por
acionistas relevantes. Isto tende ao fracasso quando apresentada por pequenos acionistas.

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• 77º - ação dos acionistas contra os administradores da sociedade– a verdade é que a


doutrina quanto à atividade a propor contra a própria sociedade discute a legitimidade
para interpor:
o Ação só é possível quando falhar a primeira?
o Ação pode ser proposta logo? POC prefere esta posição, pois a probabilidade de
falhar o primeiro é sempre enorme.
A ação do 75º são as ações mais comuns, e os administradores podem ter impacto quanto
aos credores sociais (78º - no quadro deste artigo, norma de proteção desses mesmos credores
sociais, os administradores podem ser responsabilizados quando o património social se torne
insuficiente para satisfazer os respetivos créditos se infringiram as normas de proteção dos
credores – todos os princípios que tutelem a intangibilidade do capital social – determinados bens
não são disponíveis até certo momento; pode suceder que os credores confiando numa situação
que não existia tenham facultado crédito à sociedade erroneamente e isso se tenha devido aos
administradores – deverão agir contra eles) e quanto a sócios e terceiros (79º - por exemplo se
dão a ideia de que estavam a distribuir resultados positivos e, na verdade não estavam, mas isso
levou os sócios ou terceiros e investir na sociedade – isto baseou-se numa ação negligente dos
administradores ou gestores).
Pode haver responsabilidade em muitos casos, mas há responsabilidade adicional dos
gestores em casos de insolvência (decorre do artigo 18º CIRE). O incumprimento culposo deste
dever especial, pode acarretar uma qualificação da própria insolvência, o que se vai refletir numa
presunção de culpa grave por parte dos elementos do órgão de gestão da entidade administrada
insolvente (186º nº3 al. c)). Outros casos de responsabilidade dos gestores societários são em
diversas áreas:

• Responsabilidade tributária e Responsabilidade perante as SS – 29º LGT;


• Responsabilidade ambiental – 79º CSC e 147º/2008 de 29 de julho;
• Responsabilidade criminal e contraordenacional – 509º e ss. e 528º CSC e 378º e 379º
CVM (inside trading e abuso de mercado);
• Responsabilidade laboral – 335º CT.
O artigo 74º comina a nulidade das cláusulas restritivas da responsabilidade (afins a todas as
cláusulas de contratos que excluem a responsabilidade em termos óbvios) dos administradores. A
única hipótese é atuar diligentemente e evitar as responsabilidades.
Atuação e intervenção dos órgãos sociais – primeiro os coletivos de sócios e acionistas e
depois dos gestores em particular no modo como funcionam e depois os órgãos de fiscalização.
Falamos em deliberações de sócios e acionistas e não da assembleia geral pois veremos que
podem decidir-se coisas à margem de reuniões da AG. Hoje, já não é preciso reunir no mesmo
local e no mesmo momento todos os sócios ou acionistas de uma sociedade para que estes possam
tomar decisões que a todos envolvam e que sejam da sua competência. Pode-se tomar decisões
que respeitem o princípio da concentração geográfica e temporal das decisões.
O que é uma deliberação de sócios? Antes disso, importa dizer que a terminologia é diferente.
Deliberação social vs. Deliberação dos sócios – a primeira é imputada á sociedade, a outra é
imputada ao coletivo dos sócios ou à AG, a uma parte determinada da sociedade. AS razão de ser
está no fim prosseguido e naquilo que visam, mas isso significa que razão de ser está na
competência que caracteriza o órgão social que tem a faculdade de formar uma certa deliberação,
de intervir sobre uma determinada matéria.

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O que é, então? Uma declaração de vontade da sociedade ou imputada à sociedade que tenha
sido constituída pelo núcleo maioritário das declarações de vontade existentes nessa mesma
sociedade ou por um número suficiente de declarações de vontade adequado para aprovar uma
determinada proposta. Importa caracterizar as deliberações formadas por maioria simples e as que
são formadas por maioria qualificada quando a lei ou o contrato de sociedade o exigir. É preciso
procurar o núcleo dominante. Estamos perante um NJ unilateral, em regra plural (pode ser
unipessoal). Não obstante ser formado por declarações contraditória ou mesmo divergentes, na
realidade irá prevalecer o sentido para que aponta o maior número possível das declarações
(votos) ou o número de votos suficientes atendendo ao teor da proposta em causa. Desta
declaração da sociedade, ainda que formada por declarações distintas, surge um efeito jurídico
único e diferenciado para todo o universo societário.
Que outras deliberações sociais podem ser formadas? Pode haver deliberações em todos os
sócios de composição colegial ou plural. Por isso, há deliberações do CA, do CF ou dos órgãos
de Fiscalização. Não há deliberações sem composição colegial, nesses, há decisões (um
interveniente – SuQ ou sociedade subsidiária integral). Há ainda deliberações de categoria de
ações, reguladas no artigo 389º, onde pode estar em causa a alteração de um direito especial no
âmbito das SA (por assembleia especial, ainda que remita para as regras da AG genéricas), ou
deliberações dos obrigacionistas, que ainda que decorram à margem da sociedade, inteiramente
ou parcialmente, a verdade é que se toma por referência à sociedade; deliberações que ocorrem à
margem da sociedade mas muitos importantes, como as deliberações dos contitulares das
participações sociais (poucos casos em que vamos da SA para as SQ – 303º, 223º e 224º, pois nas
SQ isso sucede muitos mais vezes).
Deliberações dos sócios. Estas podem assumir muitas formas, mas antes havia só uma forma,
a deliberação unanime por escrito (54º). Se tem de ser assumida por todos depende do universo.
Se tiver milhares de acionistas isso é muito difícil. Uma AG pode ser realizada desde que todos
os sócios e acionistas estejam presentes e todos se manifestem o acordo de se constituir em AG
mesmo que não tenham sido convocados; A deliberação de AG totalitária ou geral também existe
para todos, bem como a deliberação unanime por escrito.
O 53º nº1 estabelece a regra geral. Temos de ir a todos os tipos societários e ver quais se
admite em cada tipo. Por exemplo, a deliberação por voto escrito (247º - SQ) – consiste na
consulta de todos os sócios para saber se estão disponíveis para se pronunciar sobre determinada
proposta da competência da AG por escrito, sem necessidade de realizar AG; se nenhum dos
sócios se recusar a participar nesta modalidade de deliberação, então a proposta é colocada à
votação. Eles aprovam/rejeitam ou abstém-se; a deliberação é aprovada pelas regras que se
aplicariam a igual natureza nas AG. Em tudo é idêntico mas sem unanimidade, face às referidas
atrás. LER 247º - nomeadamente em articulação com o 218º CC, para efeitos dos efeitos
declarativos do silêncio. O 56º nº3 estabelece a nulidade de violação destas regras. O efeito das
deliberações por voto escrito é idêntico a todas as outras deliberações, exceto quanto às unanimes.
Pode haver deliberações por votos escritos nas SA? Sobretudo hoje quando as ações são
nominativas? Não, pois a lei não admite – 373º parece omisso, mas não prevê (56º diz que só
podem ser tomadas as deliberações previstas para cada tipo societário “só”).
A deliberação por voto escrito não se confunde com o voto por correspondência (384º nº9 e
10) – porquê? Porque a deliberação por voto escrito é uma forma de deliberação dos sócios
enquanto o voto por correspondência é a forma de exercício do direito de voto no âmbito da AG
quando não se pode estar presente.
Artigo 54º diz que se pode formar estas deliberações:

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• Estarem presentes ou representados todos os sócios – representados com poderes para


constituir e participar nas deliberações que se sigam;
• Todos estarem de acordo em realizar uma assembleia com uma determinada ordem de
trabalhos;
Depois sim posso apreciar as diversas questões. Sem isto não estão observadas as
formalidades prévias de convocação. Se se tratasse de um conselho de administração de o
conselho reunir sem ser convocado a sua consequência é a nulidade (56º nº1 a)) – mas o 411º nº1
a) introduz uma exceção a este entendimento: quando todos estiverem presentes, as suas
deliberações serão válidas. Isto ocorre porque aos administradores se exige mais do que aos
sócios, eles têm de agir de forma informada e eficaz, pelo que terão de saber que quando estão a
reunir isso terá um determinado efeito vinculativo.
Todas as matérias podem ser objeto de deliberação com AG totalitária ou universal? Todas.
Não há nenhuma matéria que requeira a convocação de AG. Se os sócios abdicam de AG, quem
não poder ir podem constituir poderes representantes especiais para esse concreto ato.
411º nº1 a) – são nulas as deliberações do CA tomadas em conselho não convocado (56º nº1
=) salvo se todos os administradores estiverem presentes ou representados ou caso o contrato o
permita – estamos perante um CA totalitário ou universal. O administrador é um super-homem,
pois tem competências acima de toda a sociedade. Diferença entre 411º e 56º? ORAL.
Deliberações do sócio ou acionista? Faz sentido? Depende – se ele não aparecer não há
quórum. Se ele aparecer, é bom para apurar a responsabilidade dos membros dos OS. DUE –
declaração unanime por escrito, é a forma mais habitual de decisão do acionista singular.
Competência da AG – tem uma competência muito grande. Quem faz a sociedade são os
sócios e os acionistas. Eles criam a entidade, ela autonomiza-se do contrato, ganha vida própria e
é entregue a pessoas que prosseguem a atividade social através de atos. Quem as criou, quer obter
periodicamente esclarecimentos e apreciar a atividade da sociedade (376º, maxime). Uma
modificação do contrato de sociedade (85º) é uma competência exclusiva da AG, competência
episódica ou pontual, tal como a promoção de amortização de participações. Há uma competência
específica da AG por exemplo:

• Contrato criar competência (373º nº2)


• Matéria de gestão (373º nº3)
• Competência residual (373º nº2, in fine).
Ler 373º e 246º - confronto.
No domínio das SA há uma competência legal específica. As deliberações que costumam
competir à AG deliberar são de dois tipos:

• Deliberações que se devem formar com caráter de regularidade – matérias do 376º;


• Deliberações que se devem formar esporadicamente ou pontualmente, não necessárias ao
regular funcionamento da sociedade - No quadro dessas deliberações estão muitas
matérias fundamentais, nomeadamente a alteração do contrato de sociedade. Se o contrato
foi feito pelos sócios cabe aos sócios alterá-lo, se fosse um contrato, ele só poderia ser
modificado por mútuo consenso. A vantagem destes contratos sociais é que se admite a
alteração pela maioria. Este princípio tem de ser conjugado com a cogente
inalterabilidade do contrato (não pode estagnar para sempre, tem se adaptar) e com o
princípio da inoponibilidade de novas obrigações em vida da sociedade sem o
consentimento de todos os sócios (deve haver imutabilidade no que concerne às
obrigações exigíveis, pois os sócios não podem cumprir com o que não pudessem contar).

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Entre essas modificações do contrato social estão a variação do capital social, pelo seu
aumento ou redução – esta é a principal competência do órgão de gestão em termos
esporádicos. O contrato também pode prever a amortização das participações (pode ser
uma sanção), ou a distribuição de lucros acumulados (pode ocorrer a qualquer momento,
sob a forma de reservas livres, decidir que já não é necessário conservar esse bens – 31º).
Pode haver uma competência específica de natureza contratual ou estatutária. Esta
competência deve-se cingir a um desvio a uma competência que naturalmente seja atribuída a
outro órgão social. Os contratos de sociedade só o podem fazer se não sacrificarem o princípio da
tipicidade orgânica da sociedade comercial em conformidade com o tipo em questão. A tipicidade
que nos diz que temos de optar por diversos modelos de sociedade vai-se expressar e repercutir
nos órgãos desses modelos, que não podem ser desvirtuados. A SC tem competência de cv de
bens imóveis – quem o faz é o conselho de administração (405º e 406º). Pode suceder que haja
um bem imóvel específico que não possa ser alienado sem o consentimento dos sócios – como a
primeira sede. Nestes casos, pode-se incluir uma cláusula no contrato de sociedade que faça
depender este contrato do parecer favorável dos acionistas. O que não se pode é ter uma sociedade
de cv de imóveis situada no Porto – não posso dizer que todas as cv de imóveis a Sul do Mondego
dependem de aprovação dos sócios, pois isso seria desvirtuar a competência do órgão de gestão
(ergo, do princípio da tipicidade dos tipos societários).
A AG deve ter uma competência extraordinária em matéria de gestão (373º nº3). Só nos casos
em que essas matérias forem solicitadas pelo órgão de gestão, e não por qualquer administrador:
é pelo coletivo. A AG também tem uma competência residual (373º nº2 in fine).Isto significa que
cabe aos sócios deliberar sobre todas as matérias que legal e contratualmente não forem da
competência de outro órgão. Por exemplo, um regulamento que se queira criar.
Nos termos do 246º, no âmbito das SQ, a competência de gestão dos sócios é muito maior do
que na SA. O órgão de gestão das SQ é muito menos competente que nas SA – 259º: é a gerência
que detém a competência residual em matéria de gestão e não os sócios. Pelo 256º, quanto à
competência dos sócios (equivalente ao 373º) vemos que há uma série de matérias que a lei atribui
ao coletivo dos sócios, da AG. Supletivamente, a lei atribui competências do 246º nº2 à AG mas
o contrato pode desviar para a gerência. Dentro dessas faculdades, estão faculdades importantes,
algumas pouco usadas, como o poder de designar gerentes substitutos (análogo ao 393º nº3 al b)),
no 246º nº2 temos ainda a alienação e oneração de bens imóveis, que em princípio é dos sócios
nas SQ, mas pode ser da gerência (caso não seja esse o objeto da sociedade, se for – 259º). Porque
é que o 246º nº2 não fala na aquisição de bens imóveis (interessante problema de interpretação)?
O mesmo se diga a alienação e aquisição de participações sociais - esta alínea c) deve ser
articulada com o 11º nº4 e nº5.
Aqui chegados, devemos adiantar mais uma nota acerca da assembleia geral anual (AGA). O
artigo 376º, que também se aplica às SQ por força do disposto no artigo 248º nº1, deve ser
articulado com diversas disposições instrumentais: direito à informação em sede de AG em ambas
as sociedades (ex. 289º). A sociedade toma deliberações anualmente relevantes:

• Apreciação e aprovação do relatório de gestão, balanço e contas do exercício;


• Aplicação de resultados (se positivo, se houver prejuízos terão de ser cobertos com lucros
ou com reservas), que constam sempre do primeiro documento;
• Apreciação geral da administração e fiscalização da sociedade – é aqui que os sócios se
pronunciam sobre o modo como a sociedade for gerida e controlada (455º). Este ponto é
importante porque é o momento em que os sócios apreciam como foi gerida. Ela pode
gerar lucro mas ser mal gerida, assim como pode ter prejuízo mas ser bem gerida, por
exemplo, face à conjuntura. As contas podem desagradar mas a gestão ser incrível. A

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deliberação de aprovação de contas é uma mera declaração de ciência. Eu posso gostar


das contas mas não gostar de como foram geridas. Qual a importância deste deliberação?
o Se a gestão for rejeitada, é possível na AG anual, mesmo sem previsão na ordem
de trabalhos, pedir a destituição desses administradores – mecanismo de sanção.
Há aspetos do 376º que pode não ser objeto de deliberação anual, mas sim de
deliberação periódica, depende do mandato dos elementos dos órgãos sociais e
da sua natureza anual ou plurianual. Contudo, é natural que se preste contas quem
está em funções no momento da AG (65º - princípio da subscrição das contas por
quem está em funções nesse momento). Há casos em que eventualmente as contas
não foram subscritar pelos responsáveis pela sua atividade (se a administração
cai, por exemplo, pouco antes da AG.
Vamos falar sobre a composição do órgão a que chamamos AG. Na AG congregam-se todas
as vontades socialmente relevantes, desde os investidores aos próprios membros dos órgãos
sociais, nomeadamente para darem as explicações que lhe forem suscitadas. Na maior parte das
situações, o poder de iniciativa da reunião e das suas propostas cabe ao órgão de gestão. No órgão
da AG há que distinguir os diversos tipos societários:

• SA – aqui temos um sub-órgão societário institucionalizado, a chamada Mesa da AG, ao


qual cabe preparar e dirigir as reuniões magnas dos acionistas;
• Demais tipos societários – não têm este sub-órgão. Neste caso, das duas uma:
o Ou está facultativamente regulado no contrato de sociedade;
o Ou não é reconhecido institucionalmente e a lei prevê o modo como vamos
encontrar quem a cada momento deve dirigir a AG. Pode não existir Mesa da AG
mas deve existir alguém que seja designado para presidir aos trabalhos da AG.
Vamos olhar para a Mesa da AG, que é objeto de um regime autónomo, o 374º. A mesa
da AG tem no mínimo um presidente e um secretário, mas pode ter mais secretários e vice-
presidentes. O presidente assume determinadas funções e há determinada doutrina que defende
que o presidente tem tanta predominância que é o verdadeiro sub-órgão, mas o Professor discorda,
defendendo que é a Mesa e o presidente apenas preside. Na Mesa, a lei preocupa-se com o facto
de o Presidente faltar à AG. Se ele não está, nem nenhumas das pessoas referidas nos números
anteriores ao 374º nº3 (vice-presidente ou secretário), então preside o presidente do órgão de
fiscalização. Mas se ele não estiver presente ou não existir (Professor entende que esta função não
é atribuível ao fiscal único, ainda que ele goste de assumir esse poder – o fiscal único não é
equiparável ao Presidente), sendo o Presidente do órgão de conselho fiscal, comissão de auditoria
ou conselho gera de supervisão alguém que está sintonizado com os acionistas porque eles o
escolheram para garantir que a gestão leva a sociedade para os caminhos programados, alguém
tem de presidir os trabalhos. Então, subsidiariamente, assumirá essa função o maior acionista.
No plano das SQ (248º nº4) a presidência cabe ao sócio que nela esteja presente e que
tenha maior participação e em igualdade de circunstâncias, o sócio mais velho.
Nota: O Professor tem um estudo sobre o papel do Presidente da Mesa da AG.
Tratemos de dois aspetos importantes. Primeiro, a participação na AG, depois a
representação nas AG. Mais uma vez, denota-se uma grande distinção entre as sociedades por
quotas e as sociedades anónimas:

• SQ – cada sócio, independentemente do montante da participação tem direito a estar


presente na AG (248º nº5). Mesmo quando, pontualmente, o sócio, por estar em conflito
de interesses, não disponha do direito de voto ele poderá assistir à AG;
• SA - no domínio da SA em princípio podem todos estar presentes (379º), mas o contrato
pode condicionar a presença à titularidade de um direito de voto e, a questão que se coloca
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é quanto às suas restrições (384º nº2 a) – desde que tenha pelo menos 1000 euros em
valores nominal na sua participação, pode-se limitar o seu direito de voto, sem prejuízo
do direito de agrupamento); outras entidades também poderão estar na AG, por exemplo,
os acionistas titulares de ações preferenciais sem direito de voto, mas a lei admite que o
contrato de sociedade limite, sem prejuízo de estarem presentes os seus representantes,
como os representantes dos obrigacionistas (379º).
Finalmente, chagamos à representação nas assembleias: 380º e 381º (SA) 249º (SQ). A
representação é uma substituição de vontades (um dos dois meios de superação da incapacidade
de exercício, a par da assistência, que determina a conjugação de vontades). Em que termos pode
haver representação do sócio que não quer ou não pode participar? Pode haver meios para superar
a ausência, por exemplo, por via do voto por correspondência, já tratado. Mas imagine-se que o
sócio prefere, deliberadamente, delegar em alguém da sua confiança a sua representação? Para
ele, não lhe basta emitir um voto seco por escrito, ele quer transmitir ideias opiniões.

• SQ - O 249º nº5 diz-nos que ao contrário do que se passa nas SA a representação é


limitada, não havendo grandes possibilidade para lá das pessoas muito próximas ao sócio
(em geral, os potenciais sucessores legitimários – analogia com 228º).
• SA – 380º - a representação nas SA é tendencialmente livre, qualquer pessoa o pode fazer
e não pode ser limitada. O artigo 381º trata do pedido de representação e este artigo deve
ser coordenado com o artigo 23º CVM. Sublinhe-se que o pedido de representação não
existe do plano do acionista para o plano do potencial representante – disso trata o 380º -
, mas da situação inversa: aparece alguém interessado em representar o acionista – muitas
vezes, os membros dos OS, porque poderão orientar o seu sentido de voto. O 381º e o 23º
CVM regulam esta oferta, para que não se abuse deste favor com os votos dos acionistas
que confiam nesta faculdade, nomeadamente quanto ao número de acionistas que poderão
ser representados em simultâneo.
Olhemos para o regime da convocação de AG (377º). Em principio, deve ser feita pelo
presidente da mesa da AG a pedido do órgão de gestão, mas pode ser convocada pelo pelos
presidentes dos órgãos de fiscalização ou, ainda, pelo tribunal. Esta solução não é uniforme a
nível mundial, por exemplo, em Espanha, o presidente do CA convoca a pedido da AG. Assim

• SQ - este poder cabe à gerência, pois não há mesa da AG institucionalizada;


• SA - quando o presidente não convoque, apesar de 377º não explicitar, o Professor
entende que o secretário pode fazê-lo, mas somente se o presidente estiver
comprovadamente impedido (ex. coma). Não tinha sentido ser o titular do órgão de
fiscalização a convocar e depois ser o secretário a presidir à AG.
Que formalidades são necessárias para realizar a AG? O 377º também trata este ponto.
Importa distinguir o ato de comunicação em concreto do instrumento que o realiza. O próprio
legislador troca-se, por vezes (legislador economista…). Convocação e convocatória estão, por
vezes, trocadas e devem ser bem interpretada. A convocatória tem determinadas menções (377º
nº5, 23º-C CVM para sociedades cotadas), que englobam elementos naturalmente óbvios. O 377º
nº8 é importante: uma regra que impõe a antecipação de informação relativamente ao prazo geral.
Quando está em causa a alteração do contrato de sociedade a disponibilização do projeto de
modificação deve ser feito nos termos do referido artigo em conformidade com a previsão do
aviso convocatório de onde devem constar as novas cláusulas (ou na convocatória ou no sítio da
sociedade). O prazo regra de convocação no direito português é do 289º, é de um mês (377º nº4),
mas um mês que deve medear entre a publicação do aviso convocatório (no sítio do MJ) e a data
da realização, pelo que não é mesmo um mês mas um pouco mais (21º-B CVM – nas sociedades
abertas o prazo é de 21 dias). No plano das SA em geral, é possível quando as ações forem
nominativas (hoje, sempre), se o contrato de sociedade estabelecer que sejam avisados por carta

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registada, é possível que se realize dentro de 21 dias (377º nº4). Assim, o prazo só pode ser de 21
dias em dois casos. Só pode ser feita a convocatória eletronicamente se tal convocação for aceite
eletronicamente por emissão de recibo. Estes prazos estão completamente anacrónicos, pois
exceto o prazo de 21 dias para as SA abertas já existiam desde o tempo em que o Professor
aprender sociedades comerciais. Um prazo de 15 dias, no máximo, hoje em dia seria lógico.
Como é que funciona a AG? Em princípio, na sede da sociedade. É aí que tudo se deve passar
(377º nº6 a)). A sede é importante por ser o domicílio da sociedade, é onde se dão por produzidos
os efeitos comunicacionais expedidos para a sociedade. Mas nem sempre é possível realizar na
sede. A própria lei admite que a AG se reúna em sítio diferente, com os limites pelo abuso de
convocação – deve ser justificado, desde logo por condições logísticas (se tem milhares de
acionistas, faz sentido que a sociedade não possua um pavilhão gigante para o fazer). O 377º nº6
b) admite as AG telemáticas, não se encontrando presentes mas se reunindo por meios
informáticos. A doutrina discute-se se a AG pode ser realizada em termos mistos – semi-
telemática ou absolutamente em termos iguais. Os sócios devem comparecer, os sócios rubricam
uma lista de presenças (SA) ou é passada uma ata que é subscrita e assinada (SQ).
A lista de presenças é essencial para determinar o quórum constitutivo – número de sócios
suficiente para realizar AG. Em regra, nas SC não há quórum constitutivo. Mas pode haver
especialmente ex lege quanto a certas matérias, implicitamente ou explicitamente – explícito
quando a lei determina que a AG só possa funcionar se se encontrarem presentes um determinado
número de votos. Um exemplo disso é o 383º (alteração do contrato social da SA – 1/3 de votos
correspondentes ao capital social, ¾ nas SQ – 265º, em fuga à regra do 250º nº3). Nas SQ,
curiosamente para idêntica matéria, há um quórum constitutivo implícito. Isto é seguido de um
quórum deliberativo, que é o número de votos que deve ser verificado no sentido da proposta
apresentada para que a mesma seja aprovada. 386º nº1 diz-nos que a AG delibera por maioria dos
votos emitidos, não se considerando as abstenções – maioria simples relativa. Para a alteração do
contrato de SA, as abstenções contam-se como votos desfavoráveis. A apresentação de propostas
de temas de ordem do dia é muitas vezes feita pelos sócios. A proposta é objeto de discussão e a
palavra costuma ser dada a quem as apresentou. No final, declara-se se a proposta foi aprovada e
com que percentagem de votos.
Iniciada a AG coloca-se um problema interessante, podem os seus trabalhos ser suspensos
(387º)? Podem, muitas vezes por determinação do Presidente da Mesa, por curta (consultas,
buscas de consensos, reflexões, necessidades) ou longa duração, por exemplo se for feita uma
pergunta a que o CA não quer responder sem reunião prévia. Mas o 387º permite que a AG se
possa suspender por um máximo de 2 vezes, mediante proposta destes, sendo que deve ser
concluída num prazo máximo de 180 dias (duas prorrogações de 90 dias). A realização da AG em
segunda convocação, que sucede essencialmente quando a AG está sujeita a quórum constitutivo,
que tanto pode ser legal como estatutário (ex. 50% +1), isto visa proteger os acionistas
maioritários de uma AG que não previam (383º nº3 e nº4). Entre a primeira e a segunda têm de
medear 15 dias, prazo que o Professor considera manifestamente pequeno.
Vicissitudes nas deliberações dos sócios, o que sucede? Quando não são adequadamente
formadas com a lei ou estatutos, importa saber o que fazer. A reação natural do meio legal é
procurar inutilizar o que não respeita a lei ou o contrato.
A lei prevê um contrato relativo aos vícios que venham a ocorrer no domínio das deliberações
dos sócios que importa ponderar. Importa explicar que os artigos 55º e ss. que o regime regra da
invalidade das deliberações dos sócios é o regime da anulabilidade (58º). Impera a regra-base do
58º nº1 a). Na falta de previsão especial, as deliberações sociais são anuláveis, não nulas. No civil,
concluímos que o regime geral da invalidade civilista é o da nulidade (294º CC – violação de
norma com valor geral imperativo), que se discute se é extensível a todos os ramos. O Professor

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defende que isto se aplica às sociedades, mas não nas deliberações, onde impera a anulabilidade,
pelo artigo 58º. Qual o motivo para esta distinção? Se se pudesse declarar deliberação nula sem
dependeência de prazo, signifcada que uma vez verificada essa vicissitude, isso significa que
mesmo com prazo longo de espera, podia ser destruída com ação de declaração de nulidade, o
que destruiria a original e todas as que dela dependessem. Por exemplo, se aprovei as contas,
todas as contas posteriores seriam afetadas. Porque todos os atos sociais se encontram encadeados,
então a lei tratou de fixar a anulabilidade – o prazo para questionar a deliberação é muito mais
curto (regra, 30 dias). No direito civil, para anular negócios de menores, teríamos 1 ano, o que é
substancialmente diferente. Isto também se justifica por estarem em causa, essencialmente,
interesses disponíveis dos sócios.
As deliberações anuláveis são as do artigo 58º, entre duas grandes categorias:

• Deliberações abusivas – eventualmente em prejuízo da sociedade e dos sócios mesmo


que não traga vantagem para a maioria (aceitação do abuso de direito no CSC) 58º b);
• Preterição dos elementos mínimos de informação 58º nº1 c) e nº4
• Irregularidades com as contas 69º nº1 e nº2 desde que não sejam demasiadamente graves
e caia no 69º nº3.
De que deliberações nulas se fala? Dois subuniversos, no artigo 56º:

• Vício procedimental – a) e b) – sublinhe-se que são potencialmente sanáveis


• Vício substancial – c) e d)
O princípio do artigo 62º é muito importante – o princípio da confirmação dos negócios
jurídicos de direito civil. Sempre que a deliberação for anulável e que se sanem por vício de forma
ou procedimento, a lei admite que se sane o vício subjacente. A lei prefere promover os atos
necessários para que o conteúdo deliberativo seja preservado com as formalidades certas. Podem
todos os sócios estar interessados na retroatividade da sanação. Um sócio pode opor-se a efeitos
retroativos, por isso, por ter praticado atos com base nesse efeito.
O artigo 55º (24º nº5).
Durante quanto tempo fica a deliberação ineficaz à espera de sanação? O professor
remete-nos para o prazo ordinário para prescrição de direitos (20 anos).
Os atos anuláveis produzem efeitos até serem anulados por decisão judicial de anulação,
coisa que até pode nunca acontecer. Isto significa que enquanto não se tiver a decisão judicial
estamos perante um ato válido mas potencialmente inválido, que vai produzindo efeitos. Que
acontece se não se reagir oportunamente? É aqui que entram as providências cautelares (380º-
382º CPC) – no prazo de 10 dias, desde que seja sócio e houver dano apreciável, a partir da citação
da sociedade requerida, a sociedade tem de suspender a execução da deliberação, sob pena de
crime de desobediência qualificada. Os abusos são tutelados pelo 374º nº1 CPC.
Este direito deve ser individual e irrenunciável, mas sublinhe-se a exceção do artigo 24º
CVM (sociedades abertas, mesmo que não cotada) as providências cautelar só podem ser
requeridas por quem seja titular de meio por cento do capital social. Isto visa evitar que pequenos
sócios ou acionistas pudessem questionar deliberações de sociedades relevantes sem qualquer
responsabilidade.
Teoricamente, depois da providência cautelar, deveria seguir a ação principal, no prazo
de 30 dias, sob pena de caducidade do direito. A providência serve para cumprir os efeitos da
citação, de suspensão imediata da execução. (374º, 364º, 369º e 366º nº4).

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6. Referência ao funcionamento das sociedades comerciais e às alterações do


contrato de sociedade, em especial às variações do capital.
7. Breve apontamento sobre a publicidade dos atos sociais, a cessação da atividade,
os grupos de sociedades e as SGPS.
Governação das SQ e SA.
Competência do órgão de gestão:

• Praticar os atos que se enquadram no objeto social; podem ser objeto de alargamento?
o 405º, 406º e 431º.
No plano das SQ, a competência do órgão de gestão está subordinada aos interesses dos
sócios (259º). Os sócios podem intrometer-se nos assuntos de gestão.
Já no artigo 405º, compete ao CA gerir as atividades da sociedade devendo subordinar-se
aos sócios APENAS nos casos em que lei ou contrato ou determinar. Os acionistas só se podem
imiscuir em assuntos de gestão quando a lei o permitir ou o contrato. 405º - OBJETO.
O 406º visa alargar as competências de gestão, mas tudo o que escapa dele não cai para a
AG sempre, pode cair para o 405º nº1. Ver alínea n).
431º nº1, in fine
405º nº2 – este é o órgão que deve representar, mas o 407º admite no nº3 que, por
permissão estatutária ou contratual se delegue poderes.
407º nº8 – 407º todo.
A gerência é designada e representada por um ou mais gerentes – pode ter base singular
ou plural. Ou são pelo contrato ou por eleição, ou por direito especial.
Administradores podem ser nomeados contratualmente ou pela AG.
Competência para eleger costuma ser a mesma para destituir.
Funcionamento da gerência (252º) – não existe como órgão coletivo institucionalizado,
mas a composição pode ser singular ou plural, singular o poder de gestão confunde-se com o
poder de decisão, parecido com a sociedade unipessoal por quotas; quando tem dois ou mais
elementos, 261º, quando a composição do órgão de gestão das SA, o CA, eles reúnem e deliberam,
havendo completa separação entre a vontade e a declaração. Com subjacente à decisão está a
maioria, está tudo de acordo com o sentido do próprio ato. Pode a gerência funcionar como de um
conselho se tratasse? Sim, se o contrato o permitir, desde que não se ponha em causa o princípio
da tipicidade das formas de gestão societária. Os gerentes podem reunir? Sim, desde logo quando
está em causa a delegação de poderes.
Como funciona o CA? 410º - depende de convocação, pelo presidente e administradores.
Em princípio, devem ocorrer uma vez por mês, mas o contrato pode dizer diferente.

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