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Direito Comercial

Introdução
O Direito Comercial corresponde a um ramo especial do Direito Privado, que incide sobre o
comércio. No entanto, tal como defende o Prof. Menezes Cordeiro, trata-se de uma
especialidade restrita, uma vez que é especial em relação ao Direito Civil, mas geral em relação
ao Direito Bancário.
Em termos técnicos, comércio corresponde a uma atividade lucrativa de produção, distribuição e
venda de bens.

I. Comércio e comerciantes
1. Atos de comércio
Os atos de comércio são regulados pelo Código Comercial, para isso é necessário esclarecer o
conceito de ato comercial. Para a maioria da doutrina, estão abrangidos os contratos, os
negócios unilaterais, os atos jurídicos em sentido estrito e os factos ilícitos.

São considerados atos de comércio objetivos os que estão especialmente regulados no Código
Comercial ou os atos que se reconduzem a atividades efetivamente comerciais. No caso de uma
matéria não se reconduzir a nenhum destes factos, discute-se se poderá haver atos comerciais
por analogia. Para o Prof. Menezes Cordeiro, as normas comerciais não são excecionais, pelo
que admitem analogia.
No caso de haver um ato lacunoso, deveremos averiguar o seu regime através de princípios e
regras gerais de Direito comercial; se chegarmos à conclusão que o ato é regulado
especialmente pelo Código Comercial, então o ato é comercial.

São atos de comércio subjetivos os factos jurídicos comercialmente relevantes – contratos e


obrigações inerentes ao comerciante e que não sejam de caráter exclusivamente civil. Para o
Prof. Guilherme Moreira, são atos de caráter exclusivamente civil aqueles retratados no Código
Civil; bem como para o Prof. Fernando Olavo, que defende que são os atos que não estão
especialmente contemplados no Código Civil.
Por outras palavras, são subjetivos os atos de comércio reconduzíveis ao comércios mas não
ligado ao sujeito da relação contratual; e que não estejam ligados necessariamente à ideia de
lucro.
 Se o ato for subjetivo para uma das partes e não para a outra, aplica-se o regime
comercial, tal como indica o art. 99º CCom.
Direito Comercial I

Segundo a teoria do acessório, são atos de comércio acessórios os atos praticados por um
comerciante no exercício do seu comércio, ou que estejam ligados a um ato de comércio
objetivos e absolutos praticados por um não comerciante
Desta forma:
 Os atos acessórios da primeira categoria são os atos subjetivos (art. 2º/2ª parte CCom)
 Os atos acessórios da segunda categoria, não sendo subjetivos, serão objetivos

A teoria do acessório só se coloca se o ato for praticado por um comerciante e se houver um ato
semelhante ou análogo no CCom.

São atos mistos são aqueles que são comerciais em relação a uma das partes, mas não-comercial
em relação à outra – aplica-se o Direito Comercial, nos termos do art. 99º CCom.

1.1. Regime geral dos atos de comércio


Segundo o art. 3º CCom, no caso de não ser possível resolver o litígio através das normas
comerciais nem através de casos análogos, deve aplicar-se as normas civis.

Questiona-se se, antes das normas civis é possível aplicar os princípios comerciais. A Doutrina,
neste sentido distingue dois tipos de analogia: a analogia legis – pode-se passar diretamente
para o caso análogo – e a analogia iuris – só se chega ao caso análogo através da aplicação de
princípios, determina que a analogia iuris ainda é uma forma de analogia. Outro caso é a
aplicação direta dos princípios comerciais, que carecem de mediação de outros fatores.

Para todos os efeitos, tal como o Prof. Menezes Cordeiro afirma, os princípios comerciais são
raros e não são distinguíveis dos princípios civis. São eles:
 Internacionalidade
 Simplicidade e rapidez
 Clareza jurídica
 Publicidade
 Tutela da confiança
 Onerosidade

Neste caso, o Direito civil é um direito subsidiário, apesar de ser geral em relação ao Direito
comercial. De qualquer das formas, na resolução dos problemas que a lei comercial não
consegue resolver, o Direito civil não deixa de ter caráter civil.

1.2. Usos comerciais


Os usos correspondem a uma prática social reiterada onde falta o caráter de obrigatoriedade.
Regra geral, os usos valem se as partes, no exercício da sua autonomia privada, para eles
remeterem o contrato – por via de cláusulas contratuais gerais.
Os usos podem ter relevância:

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 Através de lei para qual eles remeta, sendo que os usos têm função regulativa, ou de
auxiliares na interpretação do negócio jurídico
 Através dos costumes
 Através da autonomia privada das partes, por meio das cláusulas contratuais gerais ou
por remissão para os usos
Segundo o art. 3º/1 CC, os usos apenas podem ser aplicados se não forem contrários à boa-fé.

2. Comerciante
Segundo o art. 7º CCom., todas as pessoas que sejam civilmente capazes podem celebrar atos de
comércios, mas isso não significa que todas estas pessoas possam ser comerciantes. Segundo o
art. 13º CCom., são comerciantes:
 As pessoas com capacidade para praticar atos de comércio e que façam disso a sua
profissão
 As sociedades comerciais

Os comerciantes estão sujeitos às obrigações do art. 18º CCom.: adotar uma firma, fazer a
escrituração da mesma, registar no registo comercial os atos a ele sujeitos e prestar contas.

2.1. Comerciante e empresário


Segundo o art. 13º CCom. os comerciantes são sujeitos que atuam no âmbito do Direito
Comercial, podendo ser pessoas singulares com capacidade para praticar atos comerciais ou
sociedades comerciais.
Apesar de o art. 13º CCom distinguir entre pessoas singulares e pessoas coletivas que tenham
por objetivo interesses materiais, tendo em conta a sistemática do CCom, poderemos considerar
que qualquer pessoas singular ou coletiva pode exercer atividades comerciais, desde que tenha
capacidade para isso.

O empresário é o detentor de uma empresa, sendo que o conceito apenas se aplica a pessoas
singulares. Mas este conceito não será o mais correto, uma vez que pode englobar tanto o
comerciante como o industrial que seja proprietário de uma empresa, bem como o
administrador de uma sociedade. Por outro lado, o comerciante pode ou não ser detentor de
uma empresa.
A maior utilização do conceito de empresário em detrimento do conceito de comerciante
poderá ser explicado pela reforma do HGB, em 1998, que adotou o conceito de profissão
comercial, que deveria ser exercida em nome próprio.

Segundo o Prof. Menezes Cordeiro, a atividade comercial pode ser caracterizada por ser:
 Uma prática reiterada, em que o comerciante pratica atos comerciais articulados entre si,
e fá-los inúmeras vezes
 Uma atividade lucrativa

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 Uma prática autónoma, uma vez que o comerciante atua em nome próprio e por sua
conta, não podendo haver subordinação a terceiros
 Uma atividade tendencialmente exclusiva, uma vez que o Código Comercial exige a
afetação dos bens do comerciante à sua atividade, pelo que, há deve haver uma
dedicação tendencialmente exclusiva

2.2. Comerciante enquanto pessoa singular


Segundo o art. 13º CCom, qualquer pessoa singular pode ser comerciante, desde que tenha
capacidade para praticar atos de comércio e que faça disso profissão.

Questiona-se se está em causa a capacidade de gozo ou a capacidade de exercício. Para a


maioria da doutrina, incluindo o Prof. Coutinho de Abreu, está em causa a capacidade de
exercício
Contrariamente, alguns autores, nomeadamente o Prof. Ferrer Correia, defende que estamos
perante uma capacidade de gozo.
Por fim, existe uma terceira via, defendida pelo Prof. Oliveira Ascensão, que defende que o
incapaz, por si só, não poderia praticar atos de comércio, mas já o poderia fazer se fossem
praticados por um representante legal.

A capacidade para a prática de atos de comércio do art. 7º CCom, e tal como defende o Prof.
Menezes Cordeiro, remete globalmente para o regime geral da capacidade das pessoas
singulares e coletivas do CC:
 As pessoas singulares têm plena capacidade de gozo (art. 67º CC) mas capacidade de
exercício restrita aos maiores, salvo nas exceções do art. 127º CC, e capazes.
O Prof. Gomes da Silva afirma que, relativamente à capacidade de exercício dos
menores, as exceções são mais extensas do que a regra. Por outro lado, no caso de um
menor praticar um ato para o qual não tenha competência, o regime aplicável é o da
anulabilidade do ato (art. 125º CC), pelo que produzem efeitos, mas podem ser
impugnados pelo representante do menor ou pelo próprio menor.
Assim, é possível considerar que o menor pode praticar vários atos comerciais, desde que
estejam dentro das exceções do art. 125º CC, e que haja autorização do tribunal (art.
1889º/1 c) CC)
 As pessoas coletivas têm uma capacidade restrita à prossecução dos seus fins (art.
160º/1 CC) e capacidade de exercício restrita aos titulares dos seus órgãos

Mas a capacidade de praticar atos de comércio não é absoluta, uma vez que podem haver
proibições gerais, incompatibilidades, inibições ou impedimentos:
As proibições gerais advém de normas que proíbem o exercício de uma atividade comercial a
toda e qualquer pessoa singular – ex. segundo o art. 14º/1 RGIC, os Bancos devem assumir a
forma de sociedade anónima.

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As incompatibilidades impedem que determinada pessoa singular que exerça determinado


cargo, exerça uma atividade comercial, p.e., detentores de cargos públicos.
As inibições impedem que certas pessoas que tenham praticado atos que, legalmente,
provoquem esse impedimento, não possam praticar determinados tipos de comércio.
Os impedimentos adstringem certas pessoas à não praticar determinado tipo de comércio, salvo
autorização.

2.3. O comerciante pessoa coletiva


Sociedades comerciais:
O art. 13º/2 CCom. afirma que as sociedades comerciais podem ser comerciantes, pelo que,
neste caso, os atos de comércio praticados pelas sociedades comerciais só poderão ser
considerados objetivos, uma vez que, se fossem subjetivos, isso pressuporia que o seu autor
fosse qualificado como comerciante.
Segundo o art. 1º/3 CSC, as sociedades comerciais que tenham por objeto a prática de atos de
comércio, devem adotar a forma de sociedade em nome coletivo, sociedade anónima, sociedade
por quotas, sociedade em comandita simples e sociedade em comandita por ações.
A lei não exige que, para uma sociedade ser considerada comercial, que tenha necessariamente
que ter por objeto social a prática de atos comerciais, pelo que podem estar previstos como
parte do objeto social ou como parte acessória. Mas se não tiverem por objeto, exclusivamente,
a prática de atos comerciais, deverão ser consideradas sociedades civis, pelo que seguem o
regime dos arts. 980º e ss. CC.
Segundo o art. 5º CSC, as sociedades comerciais tornam-se comerciantes a partir do momento
em que se procede ao registo definitivo do ato constitutivo.

Associações e fundações:
Será que se poderá admitir que uma pessoa coletiva não societária pratique atos de comércio
objetivos, com base no art. 13º/1 CCom?
Para alguns autores, incluindo o Prof. Ferrer Correia, o art. 13º/1 CCom apenas se aplica às
pessoas singulares; contrariamente, para o Prof. Oliveira Ascensão e o Prof. Coutinho de Abreu,
aplica-se também às pessoas coletivas.
Para um setor da jurisprudência, só se aplica às pessoas singulares, uma vez que, assim, não faria
sentido haver uma distinção entre as pessoas singulares e as pessoas coletivas, no art. 13º
CCom.
Para o Prof. Menezes Cordeiro, as pessoas coletivas, para terem um fim comercial, devem visar o
lucro. Nestes casos, será possível aplicar normas comerciais, até onde as situações o permitirem.

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II. Empresa, estabelecimento e firma


1. Empresa
Na tradição germânica, o conceito de empresa visava a substituição do conceito de
estabelecimento, havendo possibilidade de abranger as sociedades, tornando-se num sujeito de
direitos. Já na tradição latina, o conceito de empresa estava ligado à atividade comercial, sendo
um produto da atuação dos comerciantes; deste modo, estaria ligado aos atos de comércio.
Na tradição francesa, a empresa era entendida como atividade mercantil ou o conjunto de atos
de comércio. O conceito foi-se desenvolvendo para a ideia de organização necessária para o
desenvolvimento da atividade mercantil, sendo suscetível de ter várias formas possíveis.
Na tradição italiana, o conceito de empresa era também entendido como um conjunto de atos
de comércio, desenvolvendo-se para o exercício profissional de uma atividade económica, com
fins de produção e que visa o lucro.

1.1. A empresa e o Direito Comercial português


Atualmente, a empresa não é considerada enquanto pessoa coletiva nem um conjunto de
elementos materiais, mas sim um conjunto de elementos humanos (pessoas que colaboram na
empresa) e materiais (conjunto de coisas corpóreas, móveis e imóveis, e coisas incorpóreas,
nomeadamente licenças, marcas, clientela, aviamento, …).

A empresa é considerada uma organização produtiva ligada ao Direito, em que os elementos


materiais (coisas corpóreas e incorpóreas) e os elementos humanos não estão agrupadas ou
justapostas, apenas se articulam para possibilitar a prossecução de uma atividade comercial; é
também considerada enquanto direção, havendo um fator aglutinador entre os elementos e a
organização.
No Direito português, o conceito de empresa tem duas vertentes:
 Vertente subjetiva, quando se liga aos direitos e obrigações das empresas. Designa os
sujeitos produtivamente relevantes, nomeadamente as sociedades comerciais, as
pessoas singulares, …
 Vertente objetiva, quando dirige a determinadas pessoas regras de atuação perante as
empresas

Para o Prof. Menezes Cordeiro, o conceito de empresa é um conceito-quadro com diferentes


concretizações:
 Empresa-sujeito: conjunto de destinatários das normas comerciais, nomeadamente
pessoas singulares e pessoas coletivas
 Direito das empresas abrange o Direito das sociedades, bem como as normas que se
aplicam às sociedades: Direito da concorrência, Direito mobiliário, …

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2. O estabelecimento
No CCom., o estabelecimento poderá ser entendido de duas formas:
 Como armazém ou loja – art. 95º/2 CCom e art. 263º único CCom.
 Como conjunto de coisas materiais ou corpóreas – arts. 316º, 317º, 495º/2, 1559º,
1560º/1a), 1682-A/1b), 1938º/1f), 1940º, 1962º/1 CC

Quanto aos elementos do estabelecimento comercial, estes podem distinguir-se entre


elementos ativos e elementos passivos afetos à prática do comércio:
 Os elementos ativos são os direitos inerentes à prossecução de uma atividade comercial
o Coisas corpóreas – coisas que sejam afetas ao exercício da atividade comercial
 Direitos ligados a imóveis, como os direitos reais de gozo – propriedade,
usufruto – e os direitos pessoais de gozo – direito ao arrendamento
 Direitos ligados a coisas móveis – mercadorias, matérias-primas,
escrituração e títulos de crédito)
o Coisas incorpóreas
 Obras literárias ou artísticas que se incluam no estabelecimento
 Inventos, p.e., patentes
 Marcas
 Direito à firma ou ao nome do estabelecimento
o Aviamento – traduz a aptidão produtiva do estabelecimento
o Clientela – número real ou potencial de pessoas dispostas a contratar com o
estabelecimento
 Os elementos passivos correspondem às obrigações contraídas pelo comerciante, no
exercício da atividade comercial

2.1. O regime do estabelecimento


O estabelecimento, no caso de haver transmissão da propriedade, deve ser trespassado, sendo
que os elementos ativos e passivos são transferidos com apenas um negócio – o
estabelecimento é transmitido como uma universalidade, com a ressalva de que, as partes, ao
abrigo da sua autonomia privada, podem retirar dessa universalidade os bens que entenderem.
Segundo o art. 1112º/4 CC, o senhorio tem direito de preferência em caso de trespasse por
venda ou dação em cumprimento do estabelecimento – o senhorio só pode atuar apenas nestas
situações e na medida em que esteja em condições de, licitamente, adquirir todo o
estabelecimento.

Antes da locação do estabelecimento (art. 1109º CC), existe uma cedência temporária de
exploração do estabelecimento, ou uma transferência temporária do estabelecimento. A
locação, por outro lado, exige um título definitivo de transferência do estabelecimento,
mediante o pagamento de uma retribuição.

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Quanto ao usufruto, nos termos do art. 1439º CC, o usufrutuário pode aproveitar o
estabelecimento sem alterar a sua substância ou forma, podendo usufruir ainda das coisas
corpóreas que compõem o estabelecimento

O estabelecimento também pode atuar como garantia geral. Se for dado em penhor, por
exemplo, o estabelecimento deverá continuar a funcionar normalmente.

2.2. A natureza do estabelecimento


Em primeiro lugar, o estabelecimento não se confunde com a empresa, que é um conceito-
quadro, enquanto que o estabelecimento está sujeito a um conjunto de regras próprias, e
aperfeiçoado pela doutrina e pela jurisprudência.

Não é possível reconduzir o conceito de estabelecimento a uma categoria de património


autónomo, tal como defendeu Brinz, uma vez que, tal seria o mesmo que apresentar o
estabelecimento como o objeto do direito ao estabelecimento, o que não se compadece com o
regime do estabelecimento, em que as situações jurídicas incluídas no estabelecimento não
perdem a sua autonomia, porque pertencem a uma única esfera jurídica.

2.3. Trespasse
O trespasse corresponde a um efeito jurídico, que é a transmissão definitiva do direito de
propriedade do estabelecimento, que se opera de forma unitária, ou seja, todos o ativo e
passivo do estabelecimento se transmite com ele.

O trespasse pode operar por via de qualquer contrato típico ou atípico, com eficácia
transmissiva: se o contrato base for uma compra e venda, aplica-se o regime do art. 874º e ss.
CC, apesar de o regime do trespasse estar previsto no art. 1112º CC – aplica-se o regime geral do
trespasse, mas em relação às especificidades, aplica-se o regime do contrato base.

O regime geral encontra-se previsto no art.. 1112º CC:


 Segundo o nº3, o trespasse deve incidir sobre um estabelecimento efetivo, que contenha
todos os elementos funcionais, e que opere em termos comerciais.
 O trespasse é feito por documento particular simples
 O estabelecimento deve manter-se como tal, não podendo este ser exercido numa
atividade comercial diferente da original
 O estabelecimento não pode ficar descaracterizado de tal modo que não esteja em
condições de funcionar – segundo o Prof. Oliveira Ascensão, trata-se de um
estabelecimento incompleto
o No entanto, o STJ defende que as partes podem determinar os elementos do
trespasse, ao abrigo da sua autonomia privada
 Exige-se a transmissão do estabelecimento no seu todo ou como universalidade, de
todos os seus bens móveis e imóveis, desde instalações, utensílios, mercadorias, nome,

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patentes, marca, … bens que fazem parte do estabelecimento e que auxiliam o exercício
de uma atividade comercial.
 As partes podem convencionar que certos bens não se transmitem com o
estabelecimento, desde que isso não conduz à descaracterização do estabelecimento.
 No silêncio das partes, transmitem-se todos os bens do estabelecimento

Em relação à transferência da propriedade do imóvel, este transmite-se com o estabelecimento,


mesmo sem o acordo das partes, de acordo com a doutrina mais recente.
Relativamente à forma da transmissão do imóvel, apesar de a forma do trespasse ser a de
documento particular, tendo em conta que estamos perante um contrato solene, o da compra e
venda, exige-se uma forma mais solene, neste caso, a do documento particular autenticado.

Relativamente à transferência do passivo, os seus efeitos dividem-se em internos e externos:


 Internos – o trespassário fica obrigado, perante o trespassante, a pagar aos terceiros o
que lhes devia no crédito
 Externos – o trespassário só fica exonerado se os terceiros o acordarem, nos termos da
assunção de dívidas ou da cessão de créditos

Segundo o Prof. Menezes Cordeiro, existe um dever de informação quanto às dívidas existentes
e que se transferem com o trespasse, estando o trespassário sujeito a diligência mínima
relativamente às condições financeiras do estabelecimento.

Segundo o Prof. Coutinho de Abreu e o Prof. Ferreira Gomes, é necessário acordo entre o
trespassário e o trespassante, mas não é necessário o acordo do devedor, nos termos do art.
577º, pelo que estamos perante um caso de cessão da posição contratual.

O Prof. Oliveira Ascensão defende que todas as situações jurídicas relacionadas com o
estabelecimento não precisam de passar pelas exigências do Código Civil. No entanto, não há
nenhum fundamento para este desvio à aplicação do CC.

Poderá operar o direito de preferência do senhorio, nos termos do art. 1112º/4 CC, o que não
corresponde ao consentimento: o senhorio tem direito de preferência em relação ao trespasse,
bastando haver comunicação ao senhorio, num prazo de 15 dias (1112º/3 -» 1038º/g) CC).
 A falta de comunicação do senhorio conduz à ineficácia do trespasse e à possibilidade de
resolução do contrato
O senhorio apenas pode agir se houver transmissão da propriedade por via de uma compra e
venda ou de uma dação em cumprimento, mas para isso tem de adquirir todo o
estabelecimento, mantendo-o em funções da mesma forma que o trespassário interessado faria

No caso de as partes na estipularem, existe um dever implícito de não concorrência entre o


trespassário e o trespassante, decorrente do dever de lealdade

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 Maioria da doutrina: o dever de não concorrência pode ser afastado mediante


compensação
 um setor minoritário: o dever de não concorrência só existe se isso decorrer
expressamente do contrato
o Segundo o Prof. Cassiano dos Santos as partes podem, ao abrigo da autonomia
privada, estabelecer uma obrigação de não concorrência, mas essa estipulação
tem de seguir as regras da iniciativa económica e da concorrência, desde que haja
justa causa
Segundo o Prof. Menezes Cordeiro, o dever de não concorrência deve ser avaliado
objetivamente, sendo que, a sua violação pode acarretar um dever de cessar a concorrência e de
indemnizar o lesado, colocando-o na situação em que estava antes da violação da concorrência.

Quanto à utilização do nome, o trespassário tem o direito de utilizar o nome do estabelecimento


(art. 1112º/2 a) CC + 38º e 44º RNPC).
 O Prof. Menezes Cordeiro defende que o direito ao nome está ligado ao direito ao
estabelecimento comercial, sendo um direito de personalidade que pode ser transmitido
por ter um forte conteúdo económico
 O negócio não será um verdadeiro trespasse se não houver transferência do nome do
estabelecimento

Relativamente aos efeitos do trespasse nos contratos de trabalho anteriores: os contratos de


trabalho incorporam-se nas coisas incorpóreas (285º/1 CT + 286º CT).

O trespasse nas sociedades comerciais (pelas dívidas responde o património da sociedade), se


desconsiderarmos a personalidade coletiva, vamos imputar as situações jurídicas aos sócios, há
trespasse.
A jurisprudência (Ac. 07/A 1274) defende que, se consideramos a personalidade coletiva, o
senhorio deve ser notificado do trespasse. Neste caso, a vontade das partes foi comprar o
estabelecimento. No entanto, a compra e venda foi feita através de ações, pelo que não
podemos ver uma utilização fraudulenta da sociedade e não devemos desconsiderar a
personalidade coletiva da sociedade.
 Num share deal, não é necessário pedir autorização aos credores para o trespasse, uma
vez que as relações continuam as mesmas, só mudam os titulares dessa sociedade. É,
então, uma forma de proteger a posição dos credores.

2.4. Locação de estabelecimento e cessão de exploração


A locação de estabelecimento encontra-se prevista no art. 1109º CC, e corresponde a uma
cedência temporária do estabelecimento comercial – ao contrário do trespasse, que é definitivo.

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A autonomização da locação de estabelecimento permite a cedência temporária do


estabelecimento enquanto um todo, sem necessidade de negociar todos os elementos do
estabelecimento, um a um; e a possibilidade de afastar o regime do arrendamento.

Tratando-se de um contrato atípico, as partes podem delimitar o seu regime no entanto, que
está sujeito ao regime geral:
 Segundo o art. 1109º/2 CC, se o imóvel estiver instalado em terreno arrendado, a locação
não carece de autorização do senhorio

Segundo o art. 111º RAU, a cessão de exploração deve constar de documento escrito.

3. A firma
No séc. XIX, o conceito de firma passa a ter uma conotação mercantil, acabando por se
emancipar das pessoas a que estava associada, deixando de estar ligado à designação de uma
pessoa.

Relativamente à natureza da firma:


 A tradição francesa defende que a firma era objeto da propriedade do seu titular
 No Direito alemão, a firma estava autonomizada da propriedade do titular, sendo
considerado um direito absoluto sobre um bem imaterial
 Uma posição alemã defendia que a firma estava ligada aos direitos de personalidade do
titular, nomeadamente ao seu direito ao nome
 Para o Prof. Menezes Cordeiro, o direito à firma não se confunde com o direito ao nome,
apesar de ter, cada vez mais, uma vertente imaterial, apesar de a firma prosseguir fins
económicos

Em Portugal, foi criado o RNPC, que regula as pessoas coletivas, em geral


 O conceito de firma está associado às sociedades comerciais ou civis sob forma
comercial, a comerciantes individuais
 Apesar de o RNPC utilizar “firma” e “denominação”, o primeiro equivale a um nome
comercial, enquanto que o segundo está ligado a entidades não comerciantes

3.1. Regime da firma


Segundo a doutrina, os princípios gerais da firma são os seguintes:
 Autonomia privada
o Existem 4 modelos de firma:
 Firmas pessoais ou subjetivas, compostas pelo nome de uma ou mais
pessoas singulares
 Firmas materiais ou objetivas, ligadas à atividade económica

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 Firmas de fantasia, sem denominação do comerciante ou da atividade


económica. Não podem ser adotadas por comerciantes individuais, se a
denominação for feita por alcunha
 Firmas mistas, que conjugam características das firmas anteriores

 Verdade e exclusividade (art. 32º/1, 2, 4a) RNPC) – exige que a atividade corresponda à
realidade e que os comerciantes não utilizem um nome que não o seu nem denominação
que sejam, por si, contraditórias (ex. uma ONG não pode ser uma sociedade anónima). Se
houverem 2 firmas com o mesmo nome, estas não podem atuar na mesma área
geográfica, de modo a não confundir os consumidores

 Estabilidade (art. 33º e 44º RNPC) – a firma não pode ser alterada, pelo que, na
eventualidade de haver transmissão das posições na sociedade, estas só podem ser feitas
com o consentimento do sócio em causa e na medida em que use a firma anterior,
enquanto sucessor. Relativamente à transmissão coerciva, a doutrina defende duas
soluções: se a firma tiver o nome do comerciante, exige-se o seu consentimento por
escrito, mas se não tiver, esse consentimento é dispensado. No caso de compra e venda
da firma, requer-se a venda conjunta dos bens inerentes a ela, p.e., o estabelecimento da
firma

 Obrigatoriedade e normalização – a não adoção de uma firma destes modelos não


conduz à invalidade dos negócios jurídicos celebrados com os comerciantes (art. 18º
RNPC); caso contrário, os atos que venham a ser praticados pelo comerciante são
considerados inválidos

 Novidade (art. 38º/4 RNPC) – o nome do comerciante não pode ser confundível com
outro comerciante já estabelecido; se tal acontecer, utiliza-se o critério do consumidor
médio e deve-se atender ao facto de as firmas atuarem ou não na mesma área comercial.
No caso de o comerciante não utilizar o seu nome, este tem o direito de uso exclusivo –
forma de evitar que haja enriquecimento da firma que utiliza um nome de outra

 Unidade – cada comerciante apenas pode adotar uma firma, nos termos do art. 38º
RNPC, que, segundo a doutrina, se estende às sociedades.

a. Registo comercial
O direito a uma firma encontra-se sujeita a registo definitivo no RNPC, nos termos do art. 35º/1
RNPC; mediante um certificado de admissibilidade da firma ou da denominação, documento
emitido pelo RNPC.
Pelo princípio da obrigatoriedade, todos os obrigados a ter firma devem inscrever-se, caso
contrário, esta pode ser feita oficiosamente (art. 12º/1 RNPC). A inscrição poderá ser feita
presencialmente, oralmente, ou através de um formulário, pela internet (DL 70/A 2006)

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ou pelo correio.
Se, posteriormente à constituição da firma, houver violação dos princípios, esta perde o direito
ao uso que está a ser utilizado (art. 60º/1 RNPC).

O registo comercial visa dar publicidade a certos atos e situações jurídicas comerciais, cujos
efeitos reais ocorrem pelo mero efeito do contrato (art. 408º/1 CC).
Relativamente às sociedades comerciais, o registo tem valor constitutivo, sendo que só com o
registo é que elas adquirem personalidade jurídica (art. 5º CSC), o mesmo acontece com a sua
extinção.

Segundo o art. 11º CRC, com o registo comercial presumem-se criadas as situações jurídicas
comerciais inerentes à firma, o que implica que o ónus de provar a existência dessa situação
jurídica já não pertence ao interessado, mas ao contra-interessado terá de fazer a prova do
contrário.

Se o ato estiver sujeito a registo e não for registado:


 Teoria da completude – os atos sujeitos a registos, antes do mesmo, não estão
completos, pelo que apenas atingem a maturidade com o registo. Desta forma, sendo o
ato incompleto, não poderia produzir plenos efeitos e, como tal, não poderia produzir
efeitos em relação a terceiros
 Publicidade negativa – os atos não produzem efeitos relativamente a terceiros de boa-fé,
enquanto não estiverem registados

Para o Prof. Menezes Cordeiro, a solução será a seguinte:


 Os atos produzem plenos efeitos a partir do momento em que se tornam completos
 O registo nulo pode produzir efeitos, em certos casos, perante terceiros que estejam de
boa-fé
 Haverá proteção da boa-fé do terceiro se tal não colidir com outras normas ou princípios
Desta forma, defende a teoria da publicidade negativa.

Um setor da doutrina alemã defende que, como estamos no campo comercial, a segurança e a
rapidez são princípios fundamentais, pelo que a proteção do terceiro deverá ser alargada a
todos os terceiros, quer conheçam ou não a ausência de registo.
 Para o Prof. Menezes Cordeiro, esta ideia não é original, uma vez que os terceiros já
seriam protegidos por via da presunção de boa-fé, através da qual se presume que não
conheciam a ausência de registo dos atos jurídicos, sendo isto, como tal, inoponível
 Mas no caso de o terceiro estar de má-fé, já não operava a tutela jurídica da sua posição
comercial

As firmas e denominações ilegalmente constituídas podem ser declaradas nulas, anuladas ou


revogadas por sentença judicial.

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O uso ilegal de uma firma implica que os interessados tenham, nos termos do art.62º:
 Um Direito de exigir a cessação desse uso
 Um direito de indemnização pelos danos emergentes

1.2. Extinção do direito à firma ou denominação


Se a atividade comercial cessa porque o comerciante morre, extingue-se a firma no caso de não
ter deixado estabelecimento comercial.

Se tiver deixado estabelecimento comercial:


 O estabelecimento transmite-se, mas a firma extingue-se
 O estabelecimento transfere-se com a firma
 O estabelecimento é liquidado, não se transferindo

Se a atividade mercantil cessa por decisão do comerciante individual:


 O estabelecimento transfere-se com a firma, sendo incorporado numa nova firma
 O estabelecimento é transferido sem firma ou é liquidado

III. A insolvência
Em termos gerais, corresponde à situação em que o devedor não tem possibilidades de cumprir
as suas obrigações pecuniárias. É pautado pelos princípios da autorresponsabilidade, segundo o
qual são as partes que têm de arcar com as consequências do não cumprimento das obrigações.

Na Alemanha, a insolvência prejudicava o credor, uma vez que o comerciante, devedor, atrasava
ao máximo o pagamento das dívidas, o que conduzia a um desequilíbrio enorme entre as partes,
podendo até o credor nunca ver satisfeito o seu crédito.
Em 1994, procedeu-se à autonomização da insolvência do Direito Comercial, que se ligou mais
ao Processo Civil e, especialmente, ao processo executivo.
Em 2007, procedeu-se à simplificação do processo de insolvência

Em França, o Código Comercial de 1807 era bastante severo em relação ao comerciante, uma
vez que o obrigava a pagar as dívidas num prazo de 3 dias; se não pagasse, todos os atos
comerciais posteriores inerentes a ele seriam nulos.
Posteriormente, a parte da insolvência foi substituída, com Decreto de 20 de maio de 1955, que
passou a pautar-se pela proteção da empresa, através da separação do homem da empresa. Isto
desenvolveu-se com o novo regime, criado em 1985.
Em Portugal, no Código Comercial de 1888, surgiu a necessidade de ligar a matéria da
insolvência com outros setores do Direito, nomeadamente o Direito Processual Civil. Mais tarde,
foi criado o Código da Falência, com o DL nº132/93 de 23 de abril.
Em 2004, foi criado o Código da Insolvência, que revogou o Código de Recuperação de Empresas
e Falência de 1993.

14
Direito Comercial I

1. O Código da Insolvência
Segundo o art. 1º CIRE, a insolvência visa:
 A execução e liquidação do património do devedor insolvente
 A repartição desse património pelos credores
 Satisfação da dívida por via de um plano de insolvência

O art. 2º CIRE apresenta os sujeitos passivos da insolvência: pessoas singulares (arts. 249º e ss.
CIRE), pessoas coletivas – exceto pessoas coletivas públicas e EPE’s – e pessoas rudimentares.

Segundo o art. 3º CIRE, existe uma situação de insolvência quando:


 O devedor não se encontra possibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas –
presunção que se estabelece se estiverem elencados o art. 20º CIRE
 O passivo das pessoas coletivas e dos patrimónios autónomos for manifestamente
superior ao ativo, salvo nos casos do nº3

Relativamente às normas do processo de insolvência, estas encontram-se previstas nos art. 7º


(tribunal competente) a 9º CIRE, tendo algumas particularidades relativamente ao processo civil:
 A instância do processo de insolvência não pode ser suspensa, nos termos do art. 8º/1
CIRE
 A decisão de insolvência pode ser fundada em factos que não foram alegados pelas
partes (art. 11º), o que contraria o principio do inquisitório
 Pode-se dispensar a citação ou a audiência do devedor se tal se tornar demasiado
moroso para o processo (art. 12º/1)
 Regra geral, o acórdão proferido pelo tribunal não é passível de recurso (art. 14º/1)

Nos art. 17º-A e 17º-B CIRE encontra-se previsto o regime especial de revitalização das
empresas, que deve ser articulado com o SIREVE (DL nº 178/2012), o PARI e o PERSI (DL nº
227/2012), que estabelecem o regime extrajudicial

Regra geral, o CIRE desenvolveu os seguintes aspetos:


1. Primazia da satisfação dos credores, o que poderá conduzir a um sacrifício das entidades
com quem o insolvente contratou
2. Ampliação da autonomia privada dos credores, através de meios diretos, nomeadamente
a possibilidade de aprovação de um plano de insolvência
3. Simplificação do processo de insolvência

2. Processo de insolvência
Segundo o art. 18º CIRE, o devedor tem um prazo de 30 dias após o conhecimento de que a
empresa se encontra em processo de insolvência, para apresentar pedido de insolvência,
devendo apresentar-se à insolvência.

15
Direito Comercial I

Se o devedor pertencer a uma sociedade comercial, presume-se que os órgãos têm


conhecimento da situação de insolvência (art. 18º/2 CIRE), sendo esta presunção inilidível.
 São os órgãos de administração que devem fazer o pedido (19º) de insolvência e de
desistência da insolvência, pelo critério de quem pode o mais pode o menos.

Se forem os credores (20º) a pedir a insolvência, qualquer que seja a natureza do crédito, TODOS
os credores podem fazer pedido de insolvência.
Mas no caso dos créditos subordinados, em termos literais, é possível ao credor fazer pedido de
insolvência.

Há possibilidade de dedução de pedido infundado, mesmo se o credor souber que a sociedade


não se encontra insolvente.
 Art. 22º CIRE – responsabilidade civil pelos prejuízos que o credor causa sobre o devedor,
mas apenas em caso de dolo do credor (choque com o instituto)
 Segundo o Prof. Menezes Cordeiro, este art. abrange o dolo e a negligência grosseira

Se existir uma situação de insolvência:


 Designar um prazo de 30 dias para os credores reclamarem créditos (36º/1 j))
 Com o fim do prazo, é dada oportunidade aos credores de:
o Verificação ulterior de créditos (146º), que deve ser proposta coletiva contra a
massa insolvente, que pode ser demandada e na qual se reconhece a existência
de um direito de crédito
 Só pode ser deduzida no prazo de 6 meses desde o transito em julgado da sentença

3. Responsabilidade do requerente da insolvência


Quem requere a insolvência encontra-se numa posição passível de produzir prejuízo, sendo que
as consequências da sentença de insolvência encontram-se previstas no art. 36º CIRE.
Na Alemanha, não se prevê uma responsabilidade direta do requerente, acrescentando a
jurisprudência que o requerente não poderia responder por negligência, isto porque deveriam
estar preenchidos os pressupostos da atuação dolosa E contrária aos bons costumes.

Segundo o art. 22º CIRE, há responsabilidade do requerente que atue com dolo, nomeadamente
quanto aos fundamentos do pedido de insolvência, pelos danos causados
 Numa interpretação literal, o preceito abrange apenas os casos de dolo
 Numa interpretação abrangida, defendida por ML, poderia haver analogia quanto à
negligência grosseira

O requerente, quando apresentar o pedido de insolvência, deverá atuar com a diligência do


homem médio, nos termos do art. 482º CC.

16
Direito Comercial I

Tal como defende MC, o art. 22º CIRE, tendo em conta a sua teleologia apenas se aplica nos
casos em que o requerente não entrega de forma diligente o requerimento, para efeitos de
imputação dos danos causados a credores.
Se não o fizer e, por exemplo, entregar um pedido infundado, esse facto gera responsabilidade
civil, nos termos do art. 483º CC.

É possível aplicar os preceitos do CPC, nomeadamente quanto à litigância de má-fé, isto porque
a sentença de insolvência é proferida pelo tribunal, num processo civil. Neste caso, aplicam-se os
art. 456º e ss. CPC.

4. Pagamento de dívidas aos credores


Segundo o art. 46º/1 e 176º/1 CIRE, os créditos sobre massa insolvente têm primazia sobre os
créditos de insolvência (172º).

Existem 4 tipos de créditos:


• Privilegiados (pago em 1º lugar) – ex. dívidas ao Estado, créditos sobre impostos, dívidas à
Autoridade Tributária, dívidas à Segurança Social
• Garantidos (pago em 2º lugar) – beneficiam de garantia real, ex. hipotecas, fianças (47º/4 a),
174º e 175º)
• Comuns (pago em 4º lugar) – não beneficiam de beneficio especial, ex. dividas a
fornecedores (47º/c) -» 176º)
• Subordinados (pago em 5º lugar)

Ainda responde o património do devedor que se divide pelos credores tendo em conta a ordem
de pagamento (art. 601º + 817º CC). Se o devedor não tiver património suficiente para pagar os
créditos subordinados, não se pagam porque não há património para executar.

5. Efeitos nos negócios em curso e futuros


O Prof. Menezes Leitão distingue entre:
 Negócios duradouros
 Negócios não duradouros – existe por parte do administrador a opção pelo não
cumprimento (direito potestativo). A recusa de cumprimento, por impossibilidade de
pagar as suas obrigações, existe a possibilidade de não cumprimento.

Segundo o Prof. Oliveira Ascensão, a recusa de não cumprimento corresponde a uma


reconfiguração do negócio jurídico, por haver destruição do sinalagma.
Assim, há direito a indemnização pelos prejuízos causados com a declaração de insolvência.

Acrescenta que o art. 102º e 103º CIRE aplica-se só aos negócios bilaterais não duradouros.

17
Direito Comercial I

O CIRE não nos diz nada quanto a negócios unilaterais, mas, por analogia, também se aplicam
estes arts. aos negócios unilaterais.
Quanto aos contratos-promessa:
• O STJ defende que o administrador nunca teria a possibilidade de n cumprimento, se o
fizesse, havia ilicitude, não bastando a indemnização, e tem de haver cumprimento, bem
como restituição do sinal em dobro. Se for licita, só há direito a indemnização.
• O Prof. Oliveira Ascensão distingue os contratos entre profissionais e os contratos entre
profissional e consumidor.

Preenchidos os pressupostos do art. 120º CIRE, os negócios são resolvíveis em benefício da


massa insolvente:
 Negócio jurídico em curso (empresa insolvente como devedor)
 Cujo cumprimento pelo devedor seja prejudicial à massa
 Atos praticados nos 2 anos anteriores à insolvência
 Prof. Menezes Leitão acrescenta a existência de má-fé de terceiros (120º/3 CIRE),
presumível em negócio jurídico ao abrigo do prazo de 2 anos
Existem atos que podem ser resolvidos de forma incondicional, sem que estejam preenchidos os
pressupostos: casos dos arts. 122º e 120º/6 CIRE.

IV. Contratos comerciais em geral


1. Princípios gerais
1.1. Autonomia privada
O Direito Comercial encontra-se sujeito ao princípio da autonomia privada, nos termos do art.
405º/1 CC, segundo o qual as partes podem escolher um tipo legal previsto na lei, e até juntar
no mesmo contrato cláusulas de vários tipos contratuais (contratos mistos), sendo um contrato
atípico.

Relativamente ao regime dos contratos mistos, existem 3 teorias:


 Teoria da absorção – deve-se determinar o elemento típico que prevalece, sendo esse o
regime a aplicar. Todavia, esta teria pode reduzir a autonomia privada
 Teoria da combinação – deve-se ter em conta os regimes dos elementos presentes no
contrato, que devem ser combinados para determinar o regime
 Teoria da analogia – o contrato misto, por não estar previsto na lei, corresponde a uma
lacuna que deve ser preenchida nos termos gerais, através da analogia, o que também
reduz o papel da autonomia privada

Relativamente à união de contratos, corresponde à articulação de vários negócios de natureza


diversa, que não perdem a sua individualidade.
Pode-se dividir em:

18
Direito Comercial I

 União externa – dois ou mais contratos coligam-se, sem que haja um nexo juridicamente
relevante
 União interna – um dos contratos está subordinado à conclusão do outro
 União alternativa – a conclusão de um contrato afasta a celebração do outro

Quanto ao conteúdo da união de contratos, a coligação ocorre por:


 Remissão
 Condicionamento, em que um dos contratos está limitado pelo outro
 Potenciação, em que os contratos contribuem para a obtenção de objetivos comuns

1.2. Solidariedade
O art. 100º CCom. indica que a regra, nas obrigações comerciais, é da solidariedade; ao contrário
das obrigações civis, em que a regra é a da conjunção (art. 513º e ss. CC).

O art. 101º CCom. infere a mesma regra quanto ao fiador de obrigação comercial, mesmo que
não seja comerciante. Esta é uma manifestação da acessoriedade da fiança, segundo a qual será
comercial se a obrigação principal também o for.
Neste caso, afasta-se o beneficio de excussão do art. 638º/1 CC

1.3. Regime conjugal de dívidas


Segundo o art. 15º CCom., as dívidas do cônjuge comerciante presumem-se contraídas no
exercício do seu comércio. No entanto, a presunção poderá ser ilidida se o cônjuge interessado
provar que a dívida não foi contraída no exercício do seu comércio e que não foi contraída em
proveito comum do casal.

Este art. deve ser articulado com o art. 1691º/d) CC, segundo o qual os cônjuges respondem
solidariamente pelas dividas do cônjuge comerciante.

1.4. Juros comerciais


O regime geral encontra-se previsto no art. 102º CCom, que remete para Portaria nº 277/2013,
que remete, por sua vez, para o Aviso nº 11571/2019:
 A taxa supletiva de juros moratórios relativamente a créditos de que sejam titulares
empresas comerciais, singulares ou coletivas é de 7%;
 A taxa supletiva de juros moratórios relativamente a créditos de que sejam titulares
empresas comerciais, singulares ou coletivas é de 8%.

2. Contratação comercial
2.1. Culpa in contrahendo
Segundo a jurisprudência alemã, ocorre quando, na fase pré-contratual, as partes violam
deveres de informação, segurança e lealdade a que estão sujeitos:

19
Direito Comercial I

 Deveres de segurança: as partes devem abster-se de comportamentos que possam


prejudicar a segurança da outra parte, em termos físicos ou patrimoniais
 Deveres de informação: as partes devem prestar todas as informações necessárias e
relevantes para que seja celebrado um contrato idóneo. Este dever será mais intenso
quanto a complexidade do contrato
 Deveres de lealdade: se uma das partes não tiver interesse em celebrar o contrato,
deverá comunicá-lo à outra parte

Com a violação destes deveres do art. 227º CC, opera a responsabilidade civil obrigacional, nos
termos do art. 483º/1 CC, e presume-se a culpa do devedor (art. 799º/1 CC).
Com a responsabilidade civil, há direito de indemnização por todos os danos causados à
contraparte, incluindo danos emergentes e lucros cessantes.

2.2. Negócios preliminares e contratação mitigada


Os negócios preliminares ou intercalares de contratos comerciais (contrato promessa, pacto de
preferência, …) também têm natureza comercial.

Quanto à contratação mitigada:


 Cartas de intenção – declarações que emitem uma vontade já sedimentada e obrigam as
negociações dentro do que postulam
 Acordos de base – determinam o conteúdo essencial do contrato e envolvem o respeito
pelo que se encontra previsto
 Protocolos complementares – convénios que completam contratos base

No caso de haver incumprimento da contratação mitigada, pode haver execução específica,


sendo que o tribunal pode substituir-se ao faltoso se da carta de intenção for possível retirar a
celebração e um contrato.
Mas se o conteúdo for indeterminado quanto à celebração do contrato, requer-se uma
indemnização compensatória.

3. Cláusulas contratuais gerais


As CCG correspondem a formulas pré-elaboradas que cobrem com grande especificidade todos
os pontos contratuais, e que os proponentes ou destinatários indeterminados se limitam a
propor ou aderir. Tendo em conta a sua rigidez, o seu conteúdo não pode ser moldado ou
modificado pelas partes.

Regra geral, o proponente das CCG goza de superioridade económica e jurídico-científica em


relação ao aceitante.

20
Direito Comercial I

A LCCG nº446/85, articulada com a Diretiva nº93/13/CEE estabelece o regime das CCG, que visa
a proteção do consumidor.

Segundo o art. 5º LCCG, as CCG devem ser comunicadas integralmente ao aderente e de forma
adequada e atempada.

Segundo a LCCG, as CCG proibidas dividem-se entre:


 CCG absolutamente proibidas entre empresários e equiparados – art. 18º
o Cláusulas de exclusão ou limitação da responsabilidade
 CCG relativamente proibidas entre empresários e equiparados – art. 19º
o Cláusulas penais desproporcionais aos danos a ressarcir
 CCG absolutamente proibidas nas relações com consumidores finais – art. 21º
 CCG relativamente proibidas nas relações com consumidores finais – art. 22º

Se forem estabelecidas CCG proibidas, estas serão inválidas, havendo ainda a possibilidade de
redução do contrato, nos termos do art. 292º CC.

4. Comércio à distância
4.1. Comércio eletrónico
O regime do comércio eletrónico encontra-se previsto no DL 7/2004, que regula os contratos
celebrados com autómatos, com uma atividade negocial que o Direito é chamado a regular.

A celebração de contratos pode ser explicada por 2 teorias:


 Teoria da oferta automática – a existência de um autómato, mediante uma adequada
solicitação e estando pronto a usar, produz uma oferta ao publico; quando se aciona o
autómato, o utente aceita a proposta.
 Teoria da aceitação automática – o simples acionar do autómato não provoca
necessariamente a conclusão do contrato, só se o autómato tivesse em condições de
funcionar. O contrato só se conclui através do funcionamento do autómato, cabendo ao
utente formular a proposta.

Por um lado temos os contratos celebrados pela internet, que não e confundem com os
contratos celebrados com autómatos.
O DL nº143/2001 determina a existência de um dever de informação acrescido, e atribui ao
adquirente (pessoa singular, extensível, segundo MC, às pessoas coletivas) um direito de
resolução do contrato, num prazo mínimo de 14 dias.

Durante a celebração do contrato à distância, devem ser dadas ao consumidor as informações


necessárias, corolário do principio da boa-fé.

21
Direito Comercial I

Os contratos celebrados fora do estabelecimento devem ser reduzidos a escrito, sob pena de
serem nulos.

Relativamente à natureza destes atos de comercio eletrónico: nem todo o comercio eletrónico
tem atos de natureza comercial. O uso de meios eletrónicos não vai alterar, só por si, o carater
comercial destes atos. Se não forem atos de comercio, não vai decorrer a comercialidade só pelo
facto de serem praticados em âmbito comercial.

4.2. Vendas automáticas e vendas especiais esporádicas


Devem respeitas as regras relativas à indicação dos preços, rotulagem, embalagem e
características do art. 22º.
Nos termos do art. 24º, há responsabilidade solidária entre o proprietário do equipamento e o
dono do local onde este esteja colocado.

Quanto às vendas especiais esporádicas, estas correspondem às vendas realizadas de forma


ocasional fora do estabelecimento próprio, sendo aplicado o regime das vendas fora do
estabelecimento comercial.
As vendas especiais esporádicas devem ser comunicadas à ASAE, nos termos do art. 26º, que as
fiscaliza.

4.3. Publicidade não solicitada e venda ambulante


São proibidas as comunicações publicitarias não previamente solicitadas, relativamente às
pessoas singulares, nos termos do art. 13º-A da Lei nº64/2012. Para o Prof. Menezes Cordeiro,
em relação às pessoas coletivas, estas devem recusá-las previamente através da inscrição numa
lista.

Relativamente ao comércio em feiras, o regime encontra-se previsto no DL nº10/2015.

4.4. Documentos eletrónicos e assinatura digital


Documentos eletrónicos são aqueles cujo suporte eletrónico abrange todas as ilusões.

Na assinatura digital, através de uma chave, consegue-se autenticar a assinatura do autor (P


nº597/2009.

V. Contratos especiais de comércio


1. Mandato comercial
Tendo em conta que o comerciante não pode praticar por si todos os atos de comércio próprios
da sua atividade, é necessário que seja representado.

22
Direito Comercial I

Segundo o art. 231º CCom, o mandatário obriga-se a praticar um ou mais atos comerciais em
nome e por conta do mandante.

O mandato comercial envolve representação, ao contrário do mandato civil. Como tal, é


necessário que estejam preenchidos os pressupostos dos arts. 258º e ss. CC:
 Atuação em nome de outrem, invocando o facto de atuar de forma a que a sua atuação
faça surgir efeitos jurídicos na esfera do representado
 Por conta dele, atuando da mesma forma que o representado poderia, licitamente, atuar
 Dispondo de poderes para tal, concedidos pelo representante

O mandato comercial presume-se oneroso, nos termos do art. 232º CCom, sendo a remuneração
acordada pelas partes ou, na ausência de estipulação, é fixado tendo em conta os usos
comerciais.

O mandatário poderá recusar o mandato, sendo que fica adstrito aos deveres do art. 234º
CCom:
 Deve comunicar a recusa ao mandante da forma mais rápida possível
 Deve praticar as diligencias necessárias para assegurar a conservação de mercadorias
 Deve consignar as mercadorias em depósito
 Deve responder pelo incumprimento destes deveres

No âmbito do contrato, o mandatário encontra-se vinculado às seguintes obrigações:


 Praticar os atos de acordo com as instruções dadas pelo mandante
 Avisar o mandante de possíveis factos que possam conduzir à modificação ou revogação
do mandato
 Avisar o mandante da execução do mandato
 Pagar juros que não tenha pago e que deveria ter feito (art. 241º CCom)

O mandante, por seu lado, deve:


 Fornecer ao mandatário os meios necessários à execução do mandato
 Remunera-lo nos termos acordados ou segundo os usos comerciais
 Reembolsá-lo pelas despesas e compensá-lo

Se o mandato for revogado ou renunciado sem justificação, há lugar à indemnização, nos termos
do art. 245º CCom.

1.1. Gerente de comércio


O gerente de comércio atua como mandatário comercial, mediante poderes de representação.
Dispõe de um mandato geral, onde atua em representação do mandante, que abrange todos os
atos de comércio necessários à execução do mandato.

23
Direito Comercial I

Se o gerente contratar terceiro em nome próprio, mas no exercício do mandato, fica obrigado
perante o terceiro; no entanto, o mandante tem a possibilidade de demandar o mandatário ou o
terceiro, mas não ambos, ou seja, não poderá haver solidariedade na execução das obrigações
(art. 252º CCom).
O gerente tem ainda um dever de não concorrência, não devendo desenvolver atividade com
um concorrente, salvo autorização expressa do mandante; se o fizer, será responsabilizado nos
termos do art. 253º CCom.
O mandante tem ainda a possibilidade de fazer seu o negócio que foi desenvolvido com a
concorrência.

Se o mandante falecer, não se extingue a gerência comercial. Mas se houver revogação do


mandato, extinguem-se os poderes de representação do gerente, mas não outros elementos de
execução do mandato (art. 264º CCom).

2. Contrato de mediação
A mediação corresponde a uma atividade de aproximação de duas pessoas de forma a
estabelecer uma relação negocial e, eventualmente, celebrar um contrato; desta forma, o
mediador não pode representar nenhuma das partes.

Se houver contrato de mediação, a mediação poderá ser civil ou comercial, na qual estão
presentes as regras específicas do comércio.

Apesar de ser possível celebrar um contrato de mediação puramente civil, ao abrigo da


autonomia privada das partes (art. 405º CC), regra geral os contratos de mediação são
comerciais, porque o mediador é um comerciante ou porque a mediação se encontra prevista
em algum contrato.

Qualquer pessoa pode atuar como mediador, independentemente de haver ou não contrato de
mediação. Mas para que o mediador possa atuar sem contrato, é necessário que tenha sido
incumbido para tal.

Relativamente à forma do contrato de mediação, este não se encontra sujeito a nenhuma forma
especial, uma vez que se trata de um contrato atípico.
No entanto, o DL nº285/92, sobre mediação imobiliária, exige que o contrato de mediação tenha
uma forma escrita; caso contrário, o contrato será nulo.
Tendo em conta que o legislador deu mais importância à figura do mediador em vez do contrato,
a jurisprudência afirmou ser necessário que ao contrato de mediação sejam aplicadas as
estipulações das partes, bem como as normas de aplicação analógica e os princípios gerais das
obrigações

24
Direito Comercial I

 Segundo o Prof. Menezes Cordeiro, não nos poderemos esquecer que estamos perante
um contrato de prestação de serviços, pelo que, na falta de regime, aplica-se o regime do
mandato civil do art. 1156º CC

As partes podem, ao abrigo da autonomia privada, introduzir uma cláusula de exclusividade, na


qual o comitente compromete-se a não contratar com outro mediador senão aquele.
Independentemente de existir esta cláusulas, as partes encontram-se adstritas aos deveres
acessórios de informação, lealdade e segurança, decorrentes da boa-fé.

O contrato de mediação é um contrato oneroso, pelo que devem ser as partes a estipular a
retribuição, bem como as circunstâncias e o momento em que será paga.
Na falta de estipulação das partes, a retribuição deverá ser paga no momento da conclusão do
contrato definitivo, sendo a própria atividade do mediador fundamento para a conclusão do
contrato definitivo. Isto significa que o mediador deverá ser remunerado mesmo que o contrato
definitivo não seja concluído.

3. Associação em participação
Existe uma organização em que duas pessoas, uma delas um comerciante (associante),
colaboram, sendo que são conferidos ao associante alguns apoios para que este desenvolva a
sua atividade comercial e, em troca, transfere uma partes dos lucros para o associado, que
também pode responder pelas perdas.

O regime encontra-se previsto nos arts. 21º a 32º do DL nº 231/81.

Enquanto que a participação nos lucros é obrigatória, o mesmo não acontece com a participação
nas perdas, sendo que as partes podem afastar esse conteúdo.
Como a participação nas perdas não é essencial, é necessário que, se tal acontecer, que isso
deva ser provada por escrito.

O contrato pode conter vários associados; no entanto, nãos e presume a sua solidariedade
perante o associante (art. 22º).

Apesar de o associado se obrigar a uma contribuição patrimonial, esta poderá ser afastada se
participar nas perdas, sendo que o montante dessa participação deve resultar da convenção das
partes ou das circunstâncias do contrato.
Se não for definido o montante, este será proporcional à contribuição, pelo que, se o associado
participar nas perdas, essa participação está limitada pela contribuição.

O associante está adstrito aos seguintes deveres:

25
Direito Comercial I

 Atuar com as diligências de um gestor cuidadoso, prestando as informações necessárias


ao associado
 Conservar a relação contratual, nomeadamente ao não faz sua a empresa nem concorrer
com a empresa
 Prestar contas perante o associado

Na associação em participação, apenas o associante atua em termos comerciais, pelo que a


atuação do associado se fica pela contribuição.

As razoes de extinção da associação encontram-se previstos no art. 27º.


A morte de uma das partes do contrato não acarreta, por si só, a extinção do contrato de
associação, só ocorrendo esta se tiver sido a vontade da parte sobreviva ou dos sucessores do
falecido.

Se o contrato tiver sido celebrado por duração determinada, pode ser resolvido
antecipadamente por justa causa, nos termos do art. 30º/1.
Mas se o contrato tiver duração indeterminada, pode cessar a todo o tempo depois de passados
10 anos.

4. Consórcio
O nº1 do DL nº 231/81 define o consórcio como o contrato segundo o qual 2 ou mais pessoas
singulares ou coletivas que exercem uma atividade económica e se obrigam a realizar certa
atividade ou contribuição de modo a prosseguir os objetivos mencionados no art. 2º.

Pressupostos do consórcio:
 Duas ou mais pessoas singulares ou coletivas, que deverão exercer uma atividade
económica e atuar de forma concertada
 Visa um dos objetivos do art. 2º, que devem ser comuns
 O contrato deve ser celebrado por escrito e, se estiver em causa um imóvel, a escritura
pública (art. 3º); no entanto, não se encontra sujeito ao registo comercial

A doutrina português, no art. 5º, distingue entre consórcio interno e consórcio externo:
 Consórcio interno – as atividades ou bens são fornecidos apenas a um dos membros do
consórcio, sendo este o único que contrata com terceiros OU as atividades ou bens são
fornecidos diretamente ao terceiro pelo membro do consórcio, que não menciona a
atividade concertada
 Consórcio externo – as atividades ou bens são fornecidos por cada um dos membros do
consórcio, que invocam a sua qualidade concertada

26
Direito Comercial I

Os deveres dos consorciados estão expressos no art. 8º; a repartição dos valores no consórcio
interno e a participação nos lucros e nas perdas no art. 18º.
 Relativamente à participação nas perdas, questiona-se se as partes podem estabelecer
um regime próprio: tendo em conta que estamos perante direitos disponíveis, nada
obsta a que as partes determinem um regime de responsabilidade limitada, mas não
podem determinar um regime de solidariedade
Se a contribuição dos consorciados for definida em percentagem, a sua responsabilidade pelas
perdas será proporcional à mesma.

Segundo o art. 10º/2 DL, a repartição dos lucros a receber de terceiros poderá ser diferente da
que decorreria da natureza da relação dos consorciados.

Tendo em conta que os contratos não podem uma duração perpétua, o contrato de consórcio
pode-se extinguir por:
 Exoneração de um dos membros, mediante uma justa causa por impossibilidade
absoluta, objetiva e definitiva, liberando o consorciado das suas obrigações
 Resolução do contrato por justa causa, através de declarações escritas dos outros
membros
 Revogação, caducidade ou impossibilidade

5. Contrato de lojista em centro comercial


Segundo a doutrina (Prof. Galvão Telles, Prof. Oliveira Ascensão e Prof. Antunes Varela) e a
jurisprudência, trata-se de um tipo autónomo de contrato de organização, sendo, segundo o STJ,
um contrato atípico.

O Prof. Menezes Cordeiro defende que, estando o contrato de lojista inserido num contrato de
organização que fornece serviços, então deverá ser qualificado como um contrato de prestação
de serviços.

6. Contratos de distribuição
Os contratos de distribuição são aqueles que disciplinam as relações jurídicas entre o produtor e
o distribuídos, com vista à comercialização dos bens e serviços do produtor.

Modalidades da distribuição comercial:


 Direta – é o produtor que se encarrega da colocação dos seus próprios produtos ou
serviços no mercado
 Indireta – o produtor concentra-se exclusivamente na função produtiva e renuncia à
tarefa de comercialização, confiando esta a empresários ou intermediários autónomos
especializados, p.e., agentes, concessionários, franqueados, …

27
Direito Comercial I

o Simples – caracteriza-se pela ausência de coordenação entre a produção e a


distribuição; o produtor concede uma grande autonomia aos seus distribuidores
no exercício da respetiva atividade empresarial distributiva
o Integrada – existe uma coordenação entre a produção e a distribuição, o
distribuidor surge como um empresário integrado no âmbito da estratégia e rede
de distribuição concebida pelo produtor, como tal sujeitando-se, em maior ou
meor grau, às suas orientações e fiscalização genéricas .

6.1. Contrato de agência


O seu regime encontra-se previsto na Diretriz nº 86/653/CEE e no DL nº 178/86, segundo o qual
a agência corresponde a uma modalidade de mandato, com alguma margem de autonomia, o
que o distingue do contrato de trabalho.

Elementos da agência:
 Obrigação do agente de promover a angariação de clientes, antecedendo e preparando a
celebração de contratos
 Por conta de outra parte, já que o agente atua sempre por conta do principal, sendo que
os atos praticados pelo agente se repercutem na esfera jurídica do principal
 Autonomia, que não é absoluta, uma vez que o principal dá orientações ao agente, que
tem de prestar contas da sua atividade
 Estabilidade da relação entre o agente e o principal
 Retribuição – o agente é remunerado através de uma comissão

O contrato de agência não está sujeito a forma especial, apesar de o art. 1º atribuir às partes o
direito de exigir documento assinado com o conteúdo do contrato; na prática, o contrato
assume forma escrita.

Tal como acontece no mandato, a agência pode ser celebrada com ou sem representação (art.
2º/1). A celebração do contrato, por si, não confere poderes ao agente de concluir os contratos,
é necessário que esses poderes de representação sejam outorgados pelo principal.

Na agência sem representação, o agente contrata em nome próprio, pelo que os atos não
vinculam o principal nem se repercutem na esfera jurídica do mesmo.
Se, sem poderes de representação, o agente celebrar contratos, segundo o art. 22º, o contrato
não é eficaz, exceto se o principal ratificar.

No caso de o agente cobrar créditos, é necessário autorização reduzida a escrito, nos termos do
art. 3º/1.
Se o agente não tiver poderes para cobrar créditos, pelo art. 3º, que remete para o art. 770º CC,
o cliente tem de repetir a prestação.

28
Direito Comercial I

O art. 23º aplica-se quer à celebração de contratos, quer à cobrança de créditos. O contrato é
eficaz ou a cobrança de créditos é relevante, caso seja legítima a confiança do agente, e que o
principal tenha contribuído para essa situação de confiança.

O art. 4º versa sobre a exclusividade


 No silêncio do contrato, o principal pode utilizar, dentro da mesma circunscrição
geográfica ou circulo de clientes, outros agentes para o exercício de atividades
concorrentes. No entanto, o agente está impedido de exercer, por conta própria ou de
outrem, atividades concorrentes, uma vez que vigora o direito de exclusividade a favor
do principal.
 Não há um direito de exclusivo recíproco – agente beneficia do exclusivo perante o
principal quando há acordo escrito; principal beneficia de que o agente se abstenha de
praticas concorrentes mesmo na omissão do contrato.

Apesar da qualidade de agente exclusivo, o principal pode utilizar outros agentes, desde que o
faça num ramo diferente ou caso sejam utilizados fora da zona ou do círculo de clientes do
agente exclusivo.
 Isto implica que o agente, no silêncio das partes, pode exercer atividades concorrentes,
desde que o faça fora da zona ou do círculo de clientes que lhe foi confiado.

As obrigações do agente encontram-se enunciadas no art. 7º:


 Respeitar as instruções do principal que não ponham em causa a autonomia do mesmo
 Prestar as informações necessárias
 Prestar contas no fim do contrato ou quando o principal o exigir – remete para o art.
1161º/c) CC
 Dever de não concorrência, se o mesmo for convencionado por escrito (art. 9º)
 Dever de garantir o cumprimento das obrigações de terceiro, mediante acordo escrito
(art. 10º)

Quanto aos seus direitos, encontram-se expressos no art. 13º:


 Direito de receber os elementos necessários à execução da sua atividade (art. 1161º/a)
CC)
 Direito de receber as comissões devidas
 Direito de receber uma renumeração, que será fixada por acordo entre as partes ou, na
falta dele, pelos usos e pela equidade (art. 15º)

O agente tem ainda o direito de receber uma comissão (art. 18º), numa ótica de proteção do
agente
 O agente adquire o direito à comissão quando o principal cumpra ou deva ter cumprido o
contrato, ou quando o terceiro cumpra

29
Direito Comercial I

 A comissão deve ser paga no final do mês seguinte ao trimestre em que o direito foi
adquirido
 Se existir convenção del cedere, o agente pode exigir a comissão, logo após a celebração
do contrato

O agente deve informar o terceiro sobre os seus poderes, esclarecendo aos mesmos se tem
poderes de representação e se pode cobrar os créditos (art. 21º). Caso contrário, será
responsável pelos danos que possam ocorrer.

Se o principal souber do contrato celebrado mas não se manifestar no prazo de 5 dias após o
conhecimento, não manifestar a sua oposição, o negócio considera-se ratificado.

Segundo o art. 25º, o contrato pode-se extinguir por:


 Acordo das partes
 Caducidade por termo do prazo, condição e morte ou extinção do agente
 Denúncia de um contrato de duração indeterminada, que deve ser comunicada à outra
parte nos prazos determinados no art. 28º/1; mesmo que seja ilícita, há dever de
indemnizar pela falta de pré-aviso
 Resolução, que deve ser comunicada por escrito, no prazo de 1 mês
o Objetiva – por falta de cumprimento de uma obrigação que, pela sua gravidade,
não exija a subsistência do vínculo contratual
o Subjetiva – por ocorrência de circunstâncias que prejudiquem o fim contratual

O legislador determinou que, com a cessão da agência, o principal tem direito a uma
indemnização de clientela, compensando o agente pelo enriquecimento sem fundamento, que
deixou de ter fundamento, uma vez que o contrato já cessou (art. 33º). É necessário:
 Que o contrato tenha cessado
 Que o agente tenha angariado clientes para a outra parte OU que tenha aumentado o
volume de negócios com a clientela já existente
 Que o principal beneficie da atividade desenvolvida pelo agente, alguns autores
defendem que basta a chance de beneficiar
 Que o agente deixe de receber retribuições pelos negócios com os clientes angariados
O valor da indemnização deverá ser calculado equitativamente (art. 34º), mas não pode exceder
uma retribuição anual.

Com o fim do contrato, cada uma das partes deve restituir todos os elementos e objetos que
pertençam ao outro; no entanto, o agente continua a ter um direito de retenção sobre os
mesmos pelos créditos resultantes da atividade (art. 35º).

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Direito Comercial I

6.2. Contrato de concessão


Contrato no qual o produtor fixa com o distribuidor (concessionário) um quadro de distribuição
nestes termos:
 O concessionário entra na rede de distribuição do produtor
 Este adquire o bem ao produtor e obriga-se a vendê-lo em seu nome, por conta própria

Não se confunde com o contrato de agência, que se caracteriza pelo facto de uma das partes se
obrigar a promover por conta da outra parte a celebração de um contrato; pelo contrário, no
contrato de concessão, o concessionário atua por conta própria.

Também não se confunde com o contrato de mediação, segundo o qual o mediadores obriga a
contactar com outras pessoas para a conclusão do negócio, se, estar ligado a elas por um vinculo
de colaboração, dependência ou representação.
O concessionário, por sua vez, o produtor não se obriga a contactar com terceiros, uma vez que
contrata ele próprio com os terceiros.

6.2.1. Regime da concessão


O contrato de concessão não tem uma base legal direta, sendo, segundo um contrato atípico.
Sendo um contrato baseado na confiança, não existe fundamento para a aplicação do prazo
admonitório do art. 808º/1 2ª parte CC.

Sendo uma figura assente na autonomia privada, em principio o contrato de concessão não
carece de forma especial. Por outro lado, o conteúdo do contrato depende da interpretação e da
integração do texto determinado pelas partes.

No que as partes não tiverem determinado a sua vontade, a doutrina e a jurisprudência


defendem a aplicação da analogia, de forma a suprir as lacunas existentes.

É necessário ainda atender ao regime das cláusulas contratuais gerais, que são bastante
recorríveis na necessidade de harmonização dos contratos de distribuição.
As cláusulas contratuais gerais sujeitam-se às regras gerais.

Ao contrário de alguns contratos comerciais, no contrato de concessão não é necessário o


regime da exclusividade; para este existir, é necessário que seja acordado pelas partes.

Relativamente à duração da concessão:


 Se não for determinado prazo, a concessão só pode ser denunciada mediante pré-aviso;
caso contrário, há dever de indemnizar
 Se, na cessação do contrato, houver culpa do concedente, este fica obrigado a retomar
os stocks vendidos ao concessionário
 A denúncia ilegal é eficaz, mas origina o dever de indemnizar

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Direito Comercial I

Em relação à indemnização de clientela, a doutrina defende que se deve aplicar, por analogia, o
regime da agência e, conjuntamente, ver se o concessionário é digno de tutela por se ter
inserido na organização do concedente.
 O Prof. Menezes Cordeiro discorda, afirmando que, desde que haja lei, não se aplica, por
analogia o regime do enriquecimento sem causa pelas clientela angariada.

Quanto aos bens em stock, o problema é que o concessionário adquire os bens como sendo
proprietário, mas só os pode vender sob o contrato; assim, cessando o contrato, cessa a
autorização para os vender.
 Segundo o Prof. Pinto Monteiro, temos de ver uma compra sob condição resolutiva
implícita; como com a cessão do contrato se resolve a condição, as compras deixam de
fazer efeitos, uma vez que são devolvidas – o risco recai sobre o principal. Estar a obrigar
o principal a comprar os bens, seria obrigá-lo a retomar os bens vendidos pelo valor
histórico e não pelo valor de mercado
 Criticas: há descaracterização do contrato de concessão, uma vez que se extingue o risco
por parte do concessionário

6.3. Contrato de franquia (franchising)


Corresponde a um contrato no qual uma pessoa (franqueador) concede a outra (franqueado),
cumulativamente ou não:
 A utilização de insígnias, marcas e nomes comerciais
 A utilização de patentes e know-how’s
 Determinados serviços de assistência
 Certos bens e mercadorias, para distribuição

Características do franchising:
 Contrato comercial – subjetivo do lado do franqueador
 Atípico
 Consensual, já que não requer forma especial
 Obrigacional
 Oneroso
 Sinalagmático
 De execução permanente
 De dependência

Na fase pré-contratual, o franqueador deve esclarecer o franqueado sobre as implicações da


adesão ao franchising, pelo que se aplicam as regras da culpa in contrahendo.

Este contrato é atípico e depende da autonomia privada das partes; deste modo, só com a
interpretação e integração do contrato é que se consegue determinar o seu alcance.

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Direito Comercial I

No entanto, poderá ter elementos próprios da agência e da concessão, nomeadamente a


necessidade de angariar clientes e de distribuir bens e serviços.

A jurisprudência europeia distingue vários tipos de franquia:


 Franquia de serviços – o franqueador oferece um serviço com a insígnia e o nome
comercial ao franqueador, que deve obedecer às diretrizes do franqueador (ex. Avis)
 Franquia de produção – o franqueado fabrica bens segundo indicações do franqueador,
e vende-os sob a sua marca (ex. Coca-cola)
 Franquia de distribuição – o franqueado vende bens do franqueador num armazém, sob
a insígnia deste

Apesar de cada contrato ter um conteúdo determinado pelas partes, a doutrina determinou a
existência das seguintes obrigações do franqueador:
 Facultar ao franqueado a utilização de uma marca, insígnia ou nome comercial na
comercialização de bens e serviços
 Auxiliar o franqueado no lançamento e manutenção de certa atividade comercial, dando-
lhes os conhecimentos técnicos e produtos necessários
 Facultar ao franqueado know how’s que eram exclusivos do franqueador
 Fornecer os bens e serviços que o franqueado tenha de distribuir
 Prestar assistência técnica ao longo de toda a relação contratual

Quanto aos direitos do franqueador:


 Receber uma retribuição tendo em conta a percentagem das vendas ou o produto das
aquisições que o franqueado está obrigado a fazer-lhe
 Poder de fiscalização quanto às especificações e qualidade do produto
 Poder de aprovação e fiscalização quanto aos pontos de venda
 Poderes relativos à cessão da posição contratual

Em relação aos direitos do franqueado:


 Uso de marcas, insígnias ou nomes comerciais do franqueador
 Utilização dos know how’s pertencentes ao franqueador
 Auxilio do franqueador no lançamento e manutenção da atividade comercial

Quanto aos deveres do franqueado:


 Pagamento de uma retribuição inicial (initial fee) e retribuições periódicas ou aquisição
de certos produtos junto do franqueador
 Lançamento e desenvolvimento da atividade comercial dentro de certa circunscrição
 Manutenção das qualidades dos serviços ou bens franqueados
 Sigilo quanto aos know how’s
 Comparticipação em despesas de publicidade
 Certas cláusulas de não exclusividade

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Direito Comercial I

 Submeter-se ao controlo do franqueador, garantindo a integridade e homogeneidade da


marca
o Este controlo está limitado à autonomia jurídica e de gestão do franqueado

O contrato de franchising pode cessar por:


 Resolução – unilateral e justificada
 Denúncia – unilateral e discricionária

Apesar de o franqueado estar economicamente subordinado ao franqueador, a doutrina


defende que o franqueado é juridicamente autónomo do franqueador, pelo que não se justifica
uma tutela laboral do franqueado.
 A jurisprudência defende que o franqueado merece a tutela do contrato de agência.
Assim, devemos procurar no regime do contrato de agência regras aplicáveis
diretamente ou por analogia.
 Dentro do regime da agência, existem regras injuntivas, nomeadamente as regras de
cessação do contrato e as que definem a indemnização de clientela.

O contrato de franquia deve ser conjugado com as regras de concorrência da UE, previstas no
art. 101º e ss. Tratado de Lisboa, que determinam o seguinte:
 Só tendo em conta o contexto do contrato e a interpretação de cada uma das cláusulas é
que é possível determinar os comportamentos lícitos segundo as regras de concorrência
 São permitidas das cláusulas que evitem que os know how’s concedidos ao franqueado
venham a aproveitar a concorrentes
 São lícitas as cláusulas de organização do contrato de modo a preservar a reputação da
marca, da insígnia ou o nome do franqueador
 São restritivas da concorrência as cláusulas que determinem a pré determinação de
preços ou a pré fixação de mercados

Relativamente à indemnização de clientela:


 A jurisprudência defende a possibilidade de indemnização de clientela nos casos de
concessão e franquia, analogicamente, mas para tal é necessário que os pressupostos
estejam preenchidos
 A maior parte da doutrina defende a aplicação analógica, mas como defende o Prof.
António Pinto Monteiro, é necessário que estejam preenchidos os seguintes requisitos:
o Fator relevante de angariação de clientela
o Que o franqueador beneficie da angariação da clientela
 Prof. Ferreira Pinto recusa a indemnização de clientela, uma vez que o negócio do agente
é a angariação de clientela e um conjunto de outras obrigações, em benefício do
principal. Por outro lado, pode haver uma falta de sincronização da remuneração, que
seria equilibrada com a indemnização de clientela, mas em primeiro plano, o franqueado
está numa posição privilegiada, uma vez que não acarretam com os custos e riscos

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Direito Comercial I

ligados. A indemnização de clientela é uma norma excecional, sendo proibida a analogia


(art. 11º CC), logo, não se pode aplicar analogicamente ao contrato de franquia ou de
concessão.
 Segundo o acórdão de uniformização de jurisprudência, ao exigir-se o preenchimento da
alínea c) do art. 33º, implica que se reconheça a indemnização de clientela em situações
muito restritas, uma vez que, com a cessação do contrato, o franqueador vai continuar a
receber frutos com o contrato de franquia.
o Que o agente tenha angariado novos clientes para a outra parte
o Que tenha aumentado substancialmente o volume de negócios com a clientela já
existente
o Que a outra parte venha a beneficiar consideravelmente com a cessação do
contrato
o Que o agente deixe de receber qualquer retribuição por contratos negociados ou
concluídos, após a cessação do contrato, com os clientes
Mas para ser possível indemnizar a clientela, não precisa que resulte de uma obrigação
contratual ou não, basta que as partes prevejam essa possibilidade.
Apesar de o fator marca ter relevância, isso não obsta a que os requisitos estejam preenchidos.

Relativamente ao destino a dar aos bens em stock:


O franqueado, ao abrigo do contrato de franquia, tem legitimidade para alienar os bens
comprados para satisfazer a atividade da franquia. Mas a partir do momento em que o contrato
cessa, deixa de ter legitimidade para tal. É neste sentido que se questiona qual o destino dos
bens em stock.

Existem 4 posições:
 A obrigação de retoma quando haja convenção ou comportamento faltoso por parte do
franqueador (Prof. Pinto Monteiro), nomeadamente desde que haja um pré-aviso
razoável para o franqueador ter a oportunidade de reorganizar a sua produção, o
franqueado deve suportar o prejuízo --» posição adotada
 A obrigação de retoma como decorrência da boa-fé, que associa a obrigação de retoma
de mercadorias não vendidas à imposição contratual de manutenção de um stock muito
elevado. Havendo tais cláusulas contratuais, deverá sempre haver um período de pré-
aviso satisfatório, particularmente alargado, face ao volume de mercadorias. Na falta de
imposição contratual de constituição de stocks elevados, não existe obrigação de
recompra. E esta obrigação de retoma não é demasiado onerosa, já que o cedente
 A obrigação de retoma como a vontade hipotética das partes – em princípio, não existe
obrigação de retoma das mercadorias, já que o risco corre pelo franqueado e a este cabe
fazer uma gestão de stocks eficiente
 A obrigação de retoma como expressão do risco (Prof. Fernando Pinto) – os contratos de
distribuição raramente prevêm o destino a dar aos bens em stock, não obstante
frequentemente regularem a constituição dos mesmos.

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Direito Comercial I

A jurisprudência tem defendido a posição de que o franqueador não tem a obrigação de


comorar a mercadoria que tinha transmitido ao franqueado.

7. Contrato de transporte
Encontra-se previsto nos arts. 366º a 393º CCom.

No âmbito do transporte internacional, foram estabelecidas cláusulas típicas: as FOB (free on


board) e CIF (cost, insurance and freight), que deram lugar aos incoterms, cujo conteúdo é
determinado pela autonomia privada das partes, tendo em conta o alcance do seu destinatário
normal.

Segundo o Prof. Menezes Cordeiro, o contrato de transporte pode ser qualificado como aquele
uma pessoa (transportador) se obriga perante outro (expedidor) a providenciar a deslocação de
pessoa ou bens de um local para outro, entregando o bem ao destinatário.
Para o cumprimento da obrigação, o transportador pode subcontratar com outros
transportadores, passando a ser o expedidor em relação a estes.

No âmbito do Direito civil, o contrato de transporte é uma prestação de serviço, na qua apenas
releva o resultados: a colocação da coisa ou bem no local de destino.

7.1. Regime comercial


Segundo o art. 366º CCom, o contrato de transporte é mercantil quando os condutores sejam
empresas que se proponham a exercer a industria de fazer transportar mercadorias de outrem
ou companhias de transporte.

Em principio, o contrato de transporte não se encontra sujeito a forma especial, mas as partes
têm o direito de exigir uma guia de transporte para formalizar o contrato.

A guia de transporte é um documento emitido pelo transportador e entregue ao expedidor e do


qual consta o essencial do contrato que tenha sido ajustado pelas partes.
Quando seja exigida, a guia passa a ser um elemento essencial do contrato.

A guia de transporte serve como prova do contrato e da receção das mercadorias. Poderá ser
considerada um título de crédito à entrega das mercadorias nas condições descritas no contrato.

O transportador está adstrito ao dever de informação decorrente da boa fé do art. 762º/2 CC:
se, por motivo fortuito ou de força maior, não for possível proceder ao transporte ou houver um
atraso, o transportador deve avisar o expedidor imediatamente. Este, por sua vez, tem o direito

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Direito Comercial I

de rescindir o contrato, mas tem de reembolsar o transportador das despesas e restituir o título
de transporte.

Segundo o art. 380º CCom., o expedidor tem a possibilidade de alterar unilateralmente o


contrato através de contraordens. Mas se isso se traduzir na alteração do caminho ou no
alongamento do mesmo e na falta de acordo, subsiste a 1ª obrigação.
No entanto, se o bem for entregue ao expedidor no seu destino e entregue ao destinatário,
cessa a possibilidade de alteração.

O transportador pode escolher o caminho que quiser, salvo convenção em contrário; se houver
convenção e for desrespeitada, o transportador é responsável por qualquer dano que ocorra no
bem transportado (art. 381º CCom.).

Segundo o art. 376º CCom., se o transportador aceitar sem reserva os objetos a transportar,
presume-se que os mesmos não têm vícios.
Se os bens chegarem ao destinatário com vícios, presume-se que houve má execução do
transportador, aplicando-se as regras da responsabilidade civil do art. 798º e ss. CC.

Segundo o art. 383º CCom., o transportador responde pela perda ou deterioração da coisa,
desde que receba até que entregue a coisa objeto do contrato.
Só não responde se a perda ou deterioração ocorrer por culpa do destinatário, caso fortuito,
vício do objeto ou culpa do expedidor.

Se o transportador provocar danos extracontratuais, a jurisprudência entendeu que se aplica as


regras da responsabilidade aquiliana, no art. 498º CC. Mas quando é violado de dever de
segurança, a responsabilidade do transportador é obrigacional, pelo que se presume a sua culpa,
nos termos do art. 798º e ss. CC.

O transportador deve entregar imediatamente os objetos ao destinatário, mas se este não


quiser receber, pode requerer consignação em depósito ao expedidor, desde que esteja na sua
disposição.
Mas se já tiver expirado o prazo da guia, então todos os direitos revertem a favor do
transportador (art. 389º CCom.).

7.2. Natureza do contrato de transporte


No âmbito do Direito civil, o contrato de transporte corresponde a uma prestação de serviço,
mas o que releva é só o resultado: a colocação do bem ou da pessoa, íntegros, no local de
destino.

Relativamente à figura do destinatário, coloca-se a questão de saber qual a relação jurídica entre
o destinatário e o transportador:

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Direito Comercial I

 Teoria do contrato trilateral (Prof. Costeira da Rocha) – o contrato é composto por 3


partes: o transportador, o expedidor e o destinatário
 Teoria do contrato a favor de terceiro
Segundo o Prof. Menezes Cordeiro, apesar de ser possível distinguir o contrato de transporte do
contrato a favor de terceiro, mantém-se a estrutura básica deste mesmo regime. Deste modo,
caracteriza o contrato de transporte como:
 Prestação de serviços tipo empreitada
 Em regra a favor de terceiro
 Dotado de um regime comercial especializado

8. Contrato de seguro
Contrato no qual uma pessoa (tomador de seguro) transfere para outra (entidade seguradora) o
risco da verificação de um dano (sinistro), na esfera própria ou alheia, mediante o pagamento de
uma remuneração (prémio).
A pessoa protegida pelo seguro denomina-se segurado, e pode ou não coincidir com o tomador
de seguro.

Os seguros são ativos patrimoniais, sendo considerados produtos financeiros.

9. Contrato de compra e venda comercial


Encontra-se previsto nos arts. 463º a 476º CCom., e encontra-se subjacente ao regime civil dos
arts. 874º a 939º CC.

Relativamente ao regime da compra e venda comercial, aplica-se o regime civil, mas, nas
especificidades do CCom., aplica-se o regime comercial.

O contrato de compra e venda é o contrato segundo o qual se transmite o direito de


propriedade sobre uma coisa ou um direito, mediante o pagamento de um preço – art. 874º CC.
O direito de propriedade transfere-se pelo mero efeito do contrato e exige-se a entrega da coisa
e o pagamento do preço (art. 879º CC).

No regime comercial, o art. 463º CCom. determina os casos de compra e venda comercial,
havendo sempre um intuito de revenda.

Separa ainda a compra – o sujeito adquire o direito de propriedade com o pagamento do preço –
da venda – recebe-se o pagamento e abdica-se do direito de propriedade.

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Direito Comercial I

Apesar de a compra e venda ser um ato objetivamente comercial, é também um ato


subjetivamente comercial, uma vez que é praticado por um comerciante no exercício da sua
profissão (art. 464º CCom.).

Modalidades da compra e venda comercial:


 Contrato de pessoa a nomear (art. 465º CCom.)
 Venda sobre amostra (art. 469º CCom.), com a condição de a coisa ser conforme à
amostra ou à qualidade convencionada
 Compra e venda de bens futuros, incluindo os bens alheios (art. 467º CCom.)

8.1. Regime
Segundo o art. 466º CCom., o preço da coisa pode ser convencionado posteriormente, o que
remete para o art. 883º CC.
No entanto, não será possível entregar a coisa antes do preço se o comprador entrar em falência
(art. 468º CCom.).

Na falta de estipulação das partes, o prazo de entrega é de 24 horas (art. 473º CCom.).
Se a compra e venda ocorrer numa feira ou mercado, a entrega deverá ser feita no dia seguinte
à celebração do contrato (art. 475º CCom.).

Segundo o art. 474º CCom., se o comprador não cumprir a sua obrigação, o vendedor pode fazer
sua a coisa – o que envolve a resolução do contrato – e revendê-la em hasta pública ou por
intermédio de um corretor.

10. Reporte
Contrato segundo o qual uma pessoa (o reportado) vai obter a disposição de certa soma em
dinheiro com títulos de crédito concedidos temporariamente ao reportador.

É possível distinguir entre:


 Reporte em sentido amplo
 Reporte estrito – os títulos ficam mais caros na retransmissão, sendo o reportador
renumerado com essa diferença.
 Deporte – os títulos são mais baratos na retransmissão

O reporte pode ser classificado em:


 Reporte de banca – pretende-se a obtenção de dinheiro ou a disponibilidade temporária
de um conjunto de títulos
 Reporte de bolsa – pretende-se a venda de títulos a prazo

O reporte tem as seguintes características:

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Direito Comercial I

 Contrato consensual, uma vez que não há uma exigência de forma para a celebração do
contrato de forma válida
 Real quoad constitutionem (art. 477º § único CCom.)
 Sinalagmático e bivinculante porque implica prestações recíprocas que viculam ambas as
partes
 Oneroso
 Relativo a títulos de crédito negociáveis
 Prestações de dare e facere
 Contrato típico e autónomo

Segundo D’Espinosa, o reporte tem uma função financeira, por ser uma operação garantida de
crédito.

Apesar de se discutir se o reporte tem uma essência unitária (tipo negocial próprio e autónomo)
ou não unitária (enquanto união de contratos ou como um contrato misto), a maioria da
doutrina, a maioria da doutrina (Prof. Veiga Beirão e Prof. Cunha Gonçalves).

Dentro da natureza unitária do reporte, existem 3 teorias:


 Teoria do empréstimo – o reporte é como um mútuo: o reportado recebe certa quantia
de dinheiro e obriga-se a restituir outra quantidades; o reportado, por sua vez, recebe
temporariamente títulos que depois deve restituir
 Teoria do penhor – a entrega dos títulos é uma forma de garantir a restituição do
dinheiro
 Teoria da compra e venda – corresponde a 2 compras e vendas simultâneas, sendo uma
imediata e a outra diferida. Mas esta teoria foi abandonada
No entanto, a doutrina atual defende que o reporte é um negócio próprio, autónomo e com
regras específicas.

Quanto aos direitos acessórios, estes correspondem às vantagens que, pelo Direito, caibam aos
titulares dos títulos de crédito dados pelo reporte.
Para isso questiona-se se estes direitos acessórios competem ao reportador ou ao reportados:
 Um setor da doutrina defende que, existindo 2 compras e vendas simultâneas, o
reportador e o reportado são sucessivamente proprietários, pelo que os direitos
acessórios cabem aos 2, sucessivamente
 Outro setor, mais antigo, imputa os direitos acessórios ao reportado, sendo esta a
orientação do Prof. Menezes Cordeiro

Do art. 477º CCom., é possível retirar a norma supletiva segundo a qual durante o prazo de
convenção, correm a favor do reportador os prémios, amortizações e juros.
Mas as partes podem, ao abrigo da sua autonomia privada, estipular que esses prémios,
amortizações e juros cabem ao reportado.

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Direito Comercial I

11. Locação comercial


Segundo o art. 481º CCom., o aluguer é mercantil quando a coisa tiver sido comprada para
alugar o seu uso.

Quanto ao arrendamento, o seu regime encontra-se previsto no RAU.

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