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Apontamentos- Direito Administrativo-freitas do amaral

Direito administrativo (Universidade Europeia)

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Direito Administrativo
Freitas do Amaral

INTRODUÇÃO
I. Administração Pública

1. Conceito de Administração
Quando se fala em administração pública, tem-se presente todo um conjunto
de necessidades colectivas cuja satisfação é assumida como tarefa fundamental pela
colectividade, através de serviços por esta organizados e mantidos.
Exemplos: a necessidade de protecção de pessoas e bens contra incêndios ou
inundações é satisfeita mediante os serviços de bombeiros, etc.
Onde quer que exista e se manifeste com intensidade suficiente uma
necessidade colectiva, aí surgirá um serviço público destinado a satisfazê-la, em nome
e no interesse da colectividade.
No entanto, convém notar que nem todos os serviços que funcionam para a
satisfação das necessidades colectivas têm a mesma origem ou a mesma natureza:
uns são criados e geridos pelo Estado (polícias ou impostos, por exemplo), outros são
entregues a organismos autónomos que se auto-sustentam financeiramente (correios,
portos, vias férreas), outros ainda são entidades tradicionais de origem religiosa, hoje
assumidas pelo Estado (Universidades).
Desses serviços, alguns são mantidos e administrados pelas comunidades
locais autárquicas (limpeza, abastecimento público, …), outros são assegurados em
concorrência por instituições públicas e particulares (estabelecimentos escolares ou de
saúde, …), outros ainda são desempenhados em exclusivo por sociedades
especialmente habilitadas para esse efeito (concessionários, …).
Apesar das diferentes naturezas destes serviços, todos existem e funcionam
para a mesma finalidade: a satisfação das necessidades colectivas (que podemos
reconduzir a três espécies fundamentais: segurança, cultura e bem-estar).

2. Sentidos para a expressão “Administração Pública”


a. Sentido de organização, sentido orgânico e subjectivo
A Administração Pública não se limita ao Estado: inclui-o mas comporta muitas
outras entidades e organismos com personalidade própria (municípios, freguesias,
regiões autónomas, universidades, institutos públicos, empresas públicas,
associações públicas, pessoas colectivas de utilidade pública, entre outras). Por
isso, nem toda a actividade administrativa é uma actividade estadual.
Noção de Administração Pública: sistema de órgãos, serviços e agentes do
Estado, bem como das demais pessoas colectivas públicas, que asseguram em
nome da colectividade a satisfação regular e contínua das necessidades colectivas
de segurança, cultura e bem-estar.
b. Sentido de actividade, sentido material e objectivo.
Neste sentido, a administração pública é uma actividade, a actividade de
administrar.
Noção de administração pública: actividade típica dos serviços públicos e
agentes administrativos desenvolvida no interesse geral da colectividade com vista
à satisfação regular e contínua das necessidades colectivas de segurança, cultura
e bem-estar, obtendo para o efeito os recursos mais adequados e utilizando as
formas mais convenientes.

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Esta função administrativa foi, inicialmente, concebida como actividade


meramente executiva, mas na segunda metade do século XX compreendeu-se
que à Administração Pública não compete apenas promover a execução das leis.
O que ela tem que garantir (nos termos da lei e sem ofender a legalidade) é a
satisfação das necessidades colectivas, se o faz executando leis, ou praticando
actos e realizando operações de natureza não executiva e não judicial, é um
aspecto secundário.

3. Administração pública e Administração privada


Diferenças quanto:
a. Objecto
Administração pública: necessidades colectivas
Administração privada: necessidades individuais
b. Fim
Administração pública: interesse público
Administração privada: interesses pessoais/particulares
c. Meios
Administração pública: a lei permite a utilização de determinados meios de
autoridade, que possibilitam às entidades e serviços públicos impor-se aos
particulares sem ter que aguardar o seu consentimento ou fazê-lo, mesmo, contra
a vontade destes.
Administração privada: igualdade entre as partes; os particulares são
juridicamente iguais entre si

4. A administração pública e as funções do Estado


a. A política e administração pública
A política tem o fim de definir o interesse geral da colectividade. O seu objecto
são as grandes opções que o país enfrenta ao traçar os rumos do seu destino
colectivo (a administração pública tem como fim e objecto a satisfação das
necessidades colectivas). A política tem uma natureza criadora e a administração
executiva. A administração pública sofre influência directa da política, as suas
funções e meios variam conforme esta.
O Governo é um órgão simultaneamente o órgão fundamental político e o
órgão supremo administrativo.
b. Legislação e administração pública
A função legislativa encontra-se no mesmo plano da função política.
A diferença principal entre a legislação e a administração pública está no facto
de a administração pública ser uma actividade totalmente subordinada à lei: a lei é
o fundamento, o critério e o limite de toda a actividade administrativa.
c. Justiça e administração pública
Traços comuns: ambas são secundárias, executivas e subordinadas à lei. Uma
consiste em julgar, a outra em gerir. Há a submissão da administração pública aos
tribunais.

5. Evolução Histórica
Comecemos pela Administração Pública no Estado moderno (Idade Média e
contemporânea do sé. XVI ao séc. XX). Esta tem as seguintes características:
aparecimento do conceito de Estado, centralização do poder político e afirmação da
soberania do Estado como poder supremo na ordem interna. Podemos dividi-la em
cinco fases:
a. Estado corporativo: monarquia limitada pelas ordens.
Características: forma de transição entre o Estado medieval e o Estado
moderno, organização do elemento humano do Estado em ordens ou estados,

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multiplicidade de instituições de carácter corporativo e progressão muito lenta das


garantias dos indivíduos.
Este Estado cresce, acabando com o feudalismo, e a sua administração
aumenta com o exército, as finanças e com a justiça e expansão colonial.
b. Estado absoluto: fase da Monarquia absoluta
Características: centralização completa do poder real, enfraquecimento da
nobreza, ascensão da burguesia, vontade do rei como lei suprema, o despotismo
esclarecido e recuo nítido em matéria de garantias individuais face ao Estado.
Assiste-se a um aperfeiçoamento da máquina administrativa. Em França
consolida-se o Estado moderno, assente na centralização do poder político e
administrativo e na organização e expansão dos grandes serviços públicos
nacionais.
O maior ponto fraco deste sistema administrativo é o modo de recrutamento e
promoção do funcionalismo público (por favoritismo e não por mérito), ponto este
combatido pela Prússia que deu grande importância ao mérito No entanto, no
século XIII europeu a administração não é nem limitada, nem abstencionista. O
absolutismo político reforça o controlo do Estado sobre a sociedade e, na sua
vertente de despotismo cultural e assistencial.
Em Portugal nas reformas pombalinas, assiste-se a um aperfeiçoamento
técnico dos serviços, maior disciplina dos funcionários etc.
c. A Revolução Francesa
Triunfam os ideais de liberdade individual contra o autoritarismo tradicional da
Monarquia europeia. Estabelece-se o princípio da separação de poderes. O
princípio da legalidade impede a Administração de invadir a esfera dos particulares
ou prejudicar os seus direitos sem ser com base numa emanada do poder
legislativo. Se os órgãos administrativos lesam os direitos dos particulares, estes
têm o poder de recorrer aos tribunais para fazerem valer os seus direitos –
garantia jurídica (nasce). É apenas com o constitucionalismo monárquico que os
poderes públicos passam a ser verdadeiramente controlados – intervencionismo
controlado.
Dentro deste ponto podemos incluir a revolução liberal em Portugal e as
reformas de Mouzinho da Silveira. Uma das principais reformas introduzidas em
França foi a separação entre a justiça e a administração. Pois bem, o mesmo
sucedeu em Portugal. A Constituição de 1822 determinou logo a separação de
poderes.
Foi apenas Mouzinho da Silveira que concretizou os princípios consagrados na
Carta Constitucional de 1826, em legislação ordinária e de forma pormenorizada e
compreensível a todos. Foi então em 1832 nos Açores nas mãos de M.S. que
nasceu a moderna Administração Pública, onde ainda hoje se mantém o essencial
das suas reformas: a separação entre a justiça e a administração.
d. O Estado liberal
Características: aparecimento das primeiras Repúblicas nos países ocidentais,
adopção de constitucionalismo como limitação do poder político, reconhecimento
de direitos ao Estado e que este deve respeitar, proclamação da igualdade jurídica
de todos os homens, adopção da soberania nacional, aparecimento de partidos
políticos, entre outros.
Do ponto de vista económico, o século XIX é a fase do abstencionismo, isto é,
laissez-faire – redução do papel activo do Estado.
Contudo, o Estado como nem cria empresas públicas, nem nacionaliza
empresas privadas, vê-se obrigado a montar alguns serviços públicos se carácter
social e cultural e inicia construções de obras públicas.
Por último, é importante de referir que é nesta época em que se reforçam as
garantias dos indivíduos, devido a concepções teóricas dominantes e à acção
corajosa do Conseil d´Ètat francês que praticamente sem textos legais, foi
consolidando um sistema global de garantias dos particulares.

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Entre nós, depois da vitória do liberalismo em 1834, estas inovações chegam


depressa: com um Conselho de Estado em 1845 e o início do ensino universitário
do Direito Administrativo como disciplina autónoma em 1853 e em 1870 com o
Supremo Tribunal Administrativo. O Estado liberal afirma-se como Estado de
Direito.
e. O Estado constitucional do século XX
Características: todas as modalidades do Estado do nosso tempo. Todos os
Estados têm uma Constituição mas não significa sempre um modo de limitação do
poder, é pelo contrário, muitas vezes, uma forma de legitimação do poder do
arbítrio estatal. Todos proclamam o princípio da legalidade, mas esta cede várias
vezes perante a razão do Estado. Ao lado dos direitos, liberdades e garantias,
temos os direitos sociais, culturais e económicos, mas enquanto que para os
democratas, os segundos acrescem os primeiros, para os totalitários são uma
justificação da limitação dos direitos, liberdades e garantias. Aumenta também o
intervencionismo económico. Dentro deste podemos incluir as suas três
modalidades:
– Estado comunista
Este modelo de Estado é estruturado em conformidade com o pensamento
do marxismo-leninismo: partido único, controlo absoluto do partido sobre o
Estado, Estado centralizado e poder concentrado, inexistência de direitos
fundamentais dos cidadãos. Este modelo desmoronou-se a partir da Revolução
democrática de 1989.
Características: uma completa centralização com o poder de decisão
situado no topo das hierarquias, aliado a um dever de obediência por parte dos
subalternos, enorme aumento do número dos ministérios no âmbito do governo
central, aumento também de serviços públicos e de empresas públicas. O
Estado chama a si praticamente todas as actividades com um mínimo de relevo
no campo económico, social, cultural, educativo, desportivo etc.…
A administração está sujeita ao princípio da legalidade, mas esta converte-
se em legalidade socialista, devendo ser interpretada em função do fim
ideológico de uma sociedade socialista: assim todos os direitos fundamentais
ficam condicionados e limitados pela necessidade de contribuir para tal fim. Os
tribunais não são independentes, pois devem obediência à interpretação da lei
feita pelo Governo ou pelo partido único e servem, sobretudo, para dirimir os
litígios entre particulares.
– Estado fascista
Características: para combater a ameaça comunista é demasiado fraco o
Estado Liberal parlamentar, sendo necessário construir um Estado forte e
autoritário que apesar de adoptar os mesmos meios e instituições utilizados
pelo Estado comunista, tem outros fins.
Do ponto de vista da organização administrativa, adopta-se um sistema
fortemente centralizado e concentrado. No plano das tarefas do Estado não há
nacionalizações de empresas, nem colectivização da terra. Mas a banca e a
grande indústria estão sujeitas a forte controlo governamental. E em todos os
sectores o abstencionismo liberal é substituído pelo intervencionismo estatal.
Lançam-se vastos programas de obras públicas e transportes.
A melhor prova de que o Estado fascista é um regime autoritário, onde o
interesse colectivo prevalece sempre sobre os interesses particulares, é o facto
de que em Itália a doutrina dessa época considerar que o cidadão que impugna
em tribunal um acto ilegal que o lesou não actua em nome individual para
defesa de um direito próprio, mas antes como órgão do Estado para defesa da
legalidade objectiva.
– Estado democrático
Características: tipo de Estado assente na soberania popular e
caracterizado pela democracia política, económica, social e cultural.

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Modelo que se implantou a seguir à queda dos regimes fascistas, ou no


caso da Rússia e nos países da Europa de Leste após o fracasso do modelo
comunista.
O Estado democrático é profundamente descentralizador e
desconcentrado. Fornece também uma ampla panóplia de instrumentos
jurídicos de protecção, para isso existem tribunais administrativos inteiramente
independentes, recursos e acções de plena jurisdição e processos executivos
eficazes e não sujeitos a qualquer controlo governamental.
Foi a primeira Guerra Mundial que deu o sinal para um novo ciclo de
expansão do intervencionismo económico – o Estado fiscaliza cada vez mais. A
crise económica de 1929 vem reforçar isto e em vários países converte-se o
intervencionismo em dirigismo.
Com a segunda Guerra Mundial avança-se bastante mais na mesma direcção.
A intervenção e o dirigismo económico traduzem-se na proliferação de
organismos autónomos ligados à administração mas não integrados nos
ministérios – os institutos públicos e as nacionalizações dão origem a
numerosas empresas públicas.
Estamos perante um Estado de Providência – um Estado que se sente na
obrigação de derramar sobre os seus membros todos os benefícios do
progresso, colocando-se ao serviço da construção de uma sociedade mais
justa, especialmente para os mais desfavorecidos.
Concluindo, passou-se do abstencionismo para o intervencionismo
económico ou até mesmo para um dirigismo económico, de uma administração
de conservação para uma administração de desenvolvimento.
Contudo, talvez a melhor fórmula para retratar a passagem do século XIX
para o século XX, no mundo ocidental seja a transição como uma evolução do
Estado liberal de Direito para o Estado social de Direito. Estado social, porque
visa promover o desenvolvimento económico, o bem-estar, a justiça social; e
Estado de Direito, porque não prescinde do legado liberal oitocentista, mas
pelo contrário, reforça-o e acentua em matéria de subordinação dos poderes
públicos ao Direito e de reforço das garantias dos particulares frente à
Administração Pública.

Cumpre, agora, explicar a evolução em Portugal no século XX:


a. A primeira República
Ainda pertenceu claramente no Estado liberal, não tinha uma ideia clara da
política económica a prosseguir. A estrutura do Governo e da administração
central cresceu bastante.
b. Estado Novo
Foi um longo período onde a Administração acusou a influência de factores
externos e internos que a condicionaram. Correspondeu no plano político
administrativo a um modelo de Estado fascista.
Manteve-se o princípio geral da separação entre justiça e administração.
Instalou-se no entanto o predomínio da administração central sobre a
administração municipal. O Estado, movido pelo autoritarismo político e pelo
intervencionismo económico, converteu-se na mais importante peça de todo o
aparelho administrativo; as suas funções, os seus serviços e os seus funcionários
tornaram-se muito numerosos.
Mas não houve apenas um aumento de extensão da administração central,
assistiu-se também a um controlo/predomínio do poder central sobre os órgãos
locais.
Acentuou-se também fortemente o intervencionismo estadual na vida
económica, cultural e social. Neste período (após depressão dos anos 30 etc.)
deu-se um grande aumento do papel do Estado em relação a actividades até aí
puramente privadas. Todavia, por não ser socialista, o regime nunca nacionalizou

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ou assumiu directamente a gestão de actividades económicas privadas, salvo


casos excepcionais.
Quanto às garantias dos particulares, houve uma diminuição nas matérias que
pudessem revestir conotação política, contudo as garantias nos outros casos
foram aperfeiçoadas e reforçadas.

c. A terceira República com o 25 de Abril


Corresponde ao modelo do Estado democrático – a partir daí a Administração
Pública iniciou uma nova fase da sua existência – consolidou-se o princípio da
separação entre a administração e a justiça, introduzido com a Revolução liberal
oitocentista. Manteve-se o predomínio da administração central sobre a
administração municipal, que se iniciara no Estado Novo, embora ainda atenuado.
A atenuação resulta pelo facto de todos os órgãos das autarquias locais passarem
a ser livremente eleitos no âmbito das comunidades a que respeitam. Mas o
predomínio subsiste, dado que continuam escassas as receitas e despesas locais
em comparação com as estaduais e ainda porque várias atribuições até então
pertencentes aos municípios, foram retiradas destes e transferidas para o Estado.
Deu-se, na verdade, um forte aumento do intervencionismo estadual, através
da socialização dos principais meios de produção. Deste modo, o Estado – que já
exercia funções de autoridade e soberania e, além disso, assegurava os serviços
públicos essenciais e fiscalizava empresas privadas de interesse colectivo – ainda
assumiu uma nova feição: passou a revestir a natureza de empresário económico.
A instituição de um regime democrático trouxe consigo, como é natural, uma
liberalização do sistema de garantias dos particulares contra os actos da
Administração. Mas foi apenas em 2002,que se aprovou e publicou uma profunda
reforma do contencioso administrativo.
Concluindo, enquanto que sob o aspecto económico o Estado cada vez mais
condiciona as actividades privadas, sob o ponto de vista político o cidadão cada
vez vê mais reforçadas as garantias que o protegem contra o arbítrio estatal: o
Estado acha-se cada vez mais limitado pelas normas que defendem os direitos e
interesses legítimos dos particulares contra os comportamentos ilegais ou injustos
da Administração.

II. Os sistemas administrativos no Direito


Comparado
1. Sistema administrativo de tipo britânico ou de administração judiciária
Características:
a. Separação dos poderes
b. Estado de Direito
c. Descentralização
As autarquias locais gozavam tradicionalmente de ampla autonomia face a
uma intervenção central diminuta. Sempre foram encaradas como entidades
independentes, local governments.
d. Sujeição da Administração aos tribunais comuns
e. Sujeição da Administração ao direito comum (common law)
Em consequência do rule of law, todos se regem pelo mesmo direito, não
dispondo os agentes administrativos de privilégios ou de prerrogativas de
autoridade pública.
f. Execução judicial das decisões administrativas
A Administração Pública não pode executar as suas decisões por autoridade
própria. Se um órgão da administração, seja central ou local, toma uma decisão
desfavorável a um particular e se o particular não a acata voluntariamente, esse
órgão não poderá por si só empregar meios coactivos, terá de ir para tribunal – as

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decisões unilaterais da Administração não têm em princípio força executória


própria, não podendo, por isso, ser impostas pela coacção sem uma prévia
intervenção do poder judicial.
g. Garantias jurídicas dos particulares
Os cidadãos dispõem de um sistema de garantias contras as ilegalidades e
abusos da Administração Pública. Os tribunais comuns gozam de plena jurisdição
face à Administração Pública: o juiz pode não apenas anular as decisões ou
eleições ilegais, mas também ordenar às autoridades administrativas que
cumpram a lei.

2. Sistema administrativo de tipo francês ou de administração executiva


a. Separação de poderes
b. Estado de Direito
c. Centralização
As autarquias locais, embora com personalidade jurídica própria, não passam
de instrumentos administrativos do poder central (fruto da influência da Revolução
Francesa)
d. Sujeição da Administração aos tribunais administrativos
Antes da R.F., os tribunais comuns tinham-se insurgido várias vezes contra a
autoridade real. Depois da revolução, continuando esses tribunais nas mãos da
nobreza, eles foram focos de resistência à implantação do novo regime e das
novas ideias. O poder politico teve que tomar providências para impedir
intromissões do poder judicial no normal funcionamento do poder executivo.
Surgiu, assim, uma interpretação peculiar do princípio da separação dos poderes,
se o poder executivo não podia imiscuir-se no assuntos da competência dos
tribunais, o poder judicial também não podia interferir no funcionamento da
Administração Pública. São, assim, criados os tribunais administrativos (não eram
verdadeiros tribunais, mas órgãos da Administração incumbidos de fiscalizar a
legalidade dos actos da Administração).
e. Subordinação da Administração ao direito administrativo
O Conseil d’État considerou que os órgãos e agentes administrativos não estão
na mesma posição que os particulares, pois exercem funções de interesse público
e utilidade geral, o seu interesse geral sobrepõe-se aos interesses particulares, por
isso, devem dispor quer de poderes de autoridade, quer de privilégios de
imunidades pessoais. Surge, assim, um conjunto de normas jurídicas de direito
público, bem diferentes das do direito privado: diferentes para mais (poderes de
autoridade) e para menos (sujeita a deveres e restrições que não constam na vida
dos particulares).
Nota: hoje o fundamento actual da jurisdição contencioso-administrativa é
apenas o da conveniência de uma especialização dos tribunais em função do
direito substantivo que são chamados a aplicar, esta “vantagem” reside numa
especialização material dos órgãos jurisdicionais.
f. Privilégio da execução previa
É um dos poderes concedidos à Administração, que permite à Administração
executar as suas decisões por autoridade própria. As decisões unilaterais da
Administração Pública têm em regra força executória própria, e, podem, por isso
mesmo, ser impostas pela coacção aos particulares, sem necessidade de qualquer
intervenção prévia do poder judicial.
g. Garantias jurídicas dos particulares
São efectivadas através dos tribunais administrativos. No entanto, nem mesmo
os tribunais administrativos gozam de plena jurisdição face à Administração: na
maioria dos casos, estando em causa uma decisão unilateral tomada no exercício
dos poderes de autoridade, o tribunal administrativo só pode anular o acto
praticado se ele for ilegal. As garantias são aqui menores do que no sistema
britânico.

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III. O Direito Administrativo


Para haver Direito Administrativo é necessário que se verifiquem duas
condições: que a Administração Pública e a sua actividade sejam reguladas por
normas jurídicas de carácter obrigatório e que essas normas jurídicas sejam distintas
daquelas que regulam as relações dos cidadãos entre si.
A Administração Pública está subordinada ao Direito (art. 266º CRP). Este
regime resulta historicamente dos princípios da Revolução Francesa.
Definição de Direito Administrativo: ramo de direito público constituído pelo
sistema de normas jurídicas que regulam a organização e o funcionamento da
Administração Pública, bem como as relações por ela estabelecidas com outros
sujeitos de direito no exercício da actividade administrativa de gestão pública.

1. Caracterização
a. Duguit e Jèze: noção de serviço público;
b. Rivero: contrapõe a outorga de prerrogativas especiais e sujeição a
restrições especiais pela parte da Administração;
c. Prosper Weil: o Direito Administrativo é quase um milagre, na medida em
que existe apenas porque o poder aceita submeter-se à lei em benefício
dos cidadãos, o Direito Administrativo nasce quando o poder aceita
submeter-se ao Direito. O Direito Administrativo não é apenas um
instrumento de liberalismo frente ao poder, é ao mesmo tempo o garante de
uma acção administrativa eficaz.
2. Traços
a. Juventude
Nasceu com a Revolução Francesa. Aparece em Portugal a partir das reformas
de Mouzinho da Silveira.
b. Influência jurisprudencial
Em França, o Direito Administrativo nasceu por via jurisprudencial: surgiram
primeiro os tribunais administrativos, para subtrair à Administração a possibilidade
de intromissão no poder judicial, e foram depois os tribunais administrativos, ao
tomar contacto com os casos surgidos da acção administrativa, que começaram a
ensaiar soluções novas, regras específicas, princípios e conceitos diferentes
daqueles que se aplicavam nos tribunais judiciais à luz do Direito Civil.
Apesar de em Portugal o Direito Administrativo ter nascido por via legislativa e
não jurisdicional, a jurisprudência tem um papel muito influente. Primeiro porque
nenhuma regra legislativa vale apenas por si própria, elas só têm o sentido que os
tribunais lhes atribuem, pela interpretação. Segundo porque apesar de tudo há
casos omissos e quem vai preencher as lacunas são os tribunais administrativos,
aplicando a esses casos normas que os não abrangiam, ou criando para eles
normas até aí inexistentes.
c. Autonomia
O Direito Administrativo é um ramo de direito autónomo, constituído por
normas e princípios próprios, e não apenas por excepções ao direito privado,
havendo lacunas a preencher, essas lacunas não podem ser integradas através de
soluções que se vão buscar ao direito privado. Deve-se, primeiro, procurar
analogia dentro do próprio sistema do Direito Administrativo, segundo, procurar
princípios gerais do Direito Administrativo ou, terceiro, recorrer à analogia e aos
princípios gerais do direito público.
d. Codificação parcial
Não há nenhum país que tenha codificado todo o Direito Administrativo. Nos
nossos dias nota-se uma tendência codificadora.

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3. Fronteiras
a. Direito Administrativo e direito privado
Distintos quanto ao objecto (um ocupa-se das relações entre particulares e
outro das relações de direito público que se travam entre a Administração Pública
e outros sujeitos de direito), quanto à origem e idade, quanto às soluções materiais
(soluções de igualdade entre as partes e soluções de autoridade), quanto aos
princípios e quanto às soluções concretas.
b. Direito Administrativo e Direito Constitucional
O Direito Constitucional está na base e é o fundamento de todo o direito
público de um país, o Direito Administrativo é, em múltiplos aspectos,
complemento, e execução do Direito Constitucional.
c. Direito Administrativo e Direito Judiciário
Os dois têm grandes semelhanças, entre elas o facto de regulam serviços
públicos que visam satisfazer as necessidades colectivas, no caso do Direito
Judiciário strictu sensu e, no caso do Direito Judiciário Processual o facto de tanto
o Direito Processual Administrativo como este conterem normas reguladoras do
exercício da função jurisdicional (apesar do diferente objecto).
d. Direito Administrativo e Direito Penal
O Direito Penal visa proteger a sociedade contra o crime e o Direito
Administrativo visa satisfazer a necessidade colectiva da segurança. Existe aqui
uma certa sobreposição, mas ela dá-se em planos diferentes – um é repressivo e o
outro é preventivo.
e. Direito Administrativo e Direito Internacional
Existe o Direito Internacional Administrativo. O Direito Administrativo não pode
ignorar o crescente número de normas comunitárias que modificam e condicionam
o Direito Administrativo interno.

A ADMINISTRAÇÃO CENTRAL DO ESTADO


I. O Estado
1. O Estado como pessoa colectiva
Estado-Administração: é uma entidade jurídica de per si, ou seja, é uma pessoa
colectiva pública entre muitas outras. É uma pessoa colectiva pública autónoma, não
confundível com os governantes (o Estado é permanente, estes não) nem com os
funcionários (estes actuam ao serviço do Estado) que o servem ou com as outras
entidades autónomas que integram a Administração (regiões autónomas, autarquias
locais, associações públicas, etc.), nem, ainda, com os cidadãos que com ele entram
em relação. Entre as consequências do considerarmos o Estado como pessoa
colectiva estão: a enumeração, constitucional e legal, das atribuições e dos órgãos do
Estado, a definição das atribuições e competências a cargo dos diversos órgãos, a
delimitação do seu património ou a previsão da prática de actos jurídicos por parte
deste, nomeadamente actos unilaterais e contratos.

2. Espécies de Administração do Estado


a. Administração central
Órgãos ou serviços que exercem competência extensiva a todo o território
nacional
b. Administração local

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Órgãos ou serviços instalados em diversos pontos do território nacional e com


competência limitada a certas áreas (circunscrições). Exemplo: governadores civis
Nota  deve-se sempre referir, aqui, a administração local do Estado, se não
podemos estar a confundir esta com a administração regional ou autárquica (não
fazem parte do Estado).
c. Administração directa
Art. 199º d) CRP: actividade exercida por serviços integrados na pessoa
colectiva Estado. Exemplos: Presidência do Conselho, ministérios, secretarias de
Estado, direcções gerais, etc.
d. Administração indirecta
Art. 199 d) CRP: actividade exercida por pessoas colectivas públicas distintas
do Estado. Exemplos: Estradas de Portugal, Laboratório Nacional de Engenharia
Civil, Instituto Português da Juventude, etc.

3. Administração directa do Estado


Características:
a. Unicidade
O Estado é a única espécie deste género, o conceito de Estado pertence
apenas a um ente – ao próprio Estado.
b. Carácter originário
Não é criado pelo poder constituído, tem natureza originária e não derivada,
por isso, vários dos seus órgãos (Governo) são órgãos de soberania.
c. Territorialidade
O Estado é uma pessoa colectiva de cuja natureza faz parte um certo território,
o território nacional. Todas as parcelas territoriais, mesmo que afectas a outras
entidades, estão sujeitas ao poder do Estado.
d. Multiplicidade de atribuições
O Estado é uma pessoa colectiva de fins múltiplos, podendo e devendo
prosseguir diversas e variadas atribuições (diferentemente de outras pessoas
colectivas, que só podem prosseguir fins individuais).
e. Pluralismo de órgãos e serviços
Órgãos: Governo, membros do Governo individualmente, os directores-gerais,
governadores civis, chefes de repartições, entre outros.
Serviços: ministérios, secretarias de Estado, direcções gerais, governos civis,
repartições de finanças, entre outros.
f. Organização em ministérios
Estruturação em departamentos, organizados por assuntos ou matérias, os
quais se denominam de ministérios.
g. Personalidade Jurídica una
Apesar da multiplicidade de atribuições, do pluralismo de órgãos e serviços e
das divisões em ministérios, o Estado mantém uma personalidade jurídica una –
todos os ministérios pertencem ao mesmo sujeito de direito, eles não têm
personalidade jurídica, cada órgão do Estado vincula o Estado no seu todo e não
apenas o seu ministério ou serviço.
h. Instrumentalidade
A administração do Estado é subordinada, não é independente nem autónoma,
constitui um instrumento para o desempenho dos fins do Estado (por isso é que a
CRP estabelece a administração directa do Estado ao poder de direcção do
Governo – art. 199º, d)).
i. Estrutura hierárquica
A administração directa do Estado está estruturada de acordo com um modelo
de organização administrativa constituído por um conjunto de órgãos e agentes
ligados por um vínculo jurídico que confere ao superior o poder de direcção e ao
subalterno o dever de obediência. Justificação: considerações de eficiência e
razões de coerência com o princípio da instrumentalidade.

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j. Supremacia
O Estado-Administração exerce poderes de supremacia não apenas em
relação aos sujeitos de direito privado, mas também sobre outras entidades
públicas. O grau/intensidade desses poderes varia conforme a maior ou menor
autonomia que a ordem jurídica pretende conceder às várias pessoas colectivas
públicas.

4. Atribuições
As atribuições do Estado são numerosas e têm vindo a crescer, à medida que
os tempos vão passando. Enquanto que as atribuições do Estado se encontram
definidas por forma dispersa, as atribuições das restantes pessoas colectivas
públicas encontram-se definidas de forma integrada. Em qualquer dos casos, a
definição das respectivas atribuições tem de resultar sempre expressamente da lei
(a lei é o fundamento, o critério e o limite de toda a acção administrativa).

5. Órgãos
a. Órgãos centrais: Presidente da República, Assembleia da República,
Governo e Tribunais
b. Outros órgãos (colocados sob a direcção do Governo): directores-gerais,
directores de serviços, chefes de divisão, Chefe do Estado-Maior-General
das Forças Armadas, Procurador-Geral da República, inspectores-gerais,
entre outros.
c. Órgãos independentes: Provedor de Justiça, Conselho Económico e Social,
Comissão Nacional de Eleições, entre outros.

II. O Governo

É o órgão principal da administração central do Estado e é simultaneamente um


órgão administrativo e um órgão político (art. 182º CRP).

1. Principais funções
a. Garantir a execução das leis – art. 199º c) e f) CRP
b. Assegurar o funcionamento da Administração Pública – art. 199º a), b) e d)
e e) CRP
c. Promover a satisfação das necessidades colectivas – art. 199º g) CRP

O Governo não só dirige a administração directa do Estado, como superintende na


administração indirecta e tutela esta última e a administração autónoma

2. A Competência e o seu exercício


As funções do Governo traduzem-se, juridicamente, na prática de actos e no
desempenho de actividades da mais diversa natureza. Ele elabora regulamentos,
actos administrativos, celebra contratos administrativos e exerce, de um modo geral,
determinados poderes funcionais, como os de vigilância, fiscalização,
superintendência, tutela, etc.
A competência pode ser exercida por forma colegial (através do Conselho de
Ministros) ou de forma individual, pelos vários membros do Governo: cada um, nas
matérias das suas atribuições, decide sozinho, embora em nome do Governo.

3. Estrutura (art. 183º CRP)


a. Primeiro-Ministro

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Do ponto de vista administrativo, tem dois tipos de funções: funções de chefia


(dirige o funcionamento do Governo, coordena e orienta a acção de cada um dos
Ministros, preside ao Conselho de Ministros, referenda os decretos regulamentares
e intervém pessoalmente na nomeação de certos altos funcionários do Estado) e
de gestão (administra ou gere o serviços próprios da Presidência do Conselho).
Dirige, igualmente, a função pública e cabe-lhe a representação do Estado
português quando este haja de ser citado perante tribunais estrangeiros.
b. Vice-Primeiros-Ministros
Eventual. Tem a função de substituir o Primeiro-Ministro ou coadjuvá-lo.
c. Ministros
Membros do Governo que fazem parte do Conselho de Ministros. Entre
Ministros existe o princípio da igualdade (teoricamente é assim, no entanto
existem, na prática, diferenças de peso e de importância entre os Ministros). As
suas competências encontram-se no art. 201º/2 CRP, apesar de deixar em claro a
maior parte das competências administrativas (fazer regulamentos administrativos;
nomear, exonerar e promover o pessoal que trabalha no seu ministério, exercer
poderes de superior hierárquico sobre todo o pessoal do seu ministério, exercer
poderes de superintendência ou de tutela sobre as instituições dependentes do
seu ministério o por ele fiscalizadas, assinar em nome do Estado os contratos
celebrados com particulares ou outras entidades e, em geral, resolver todos os
casos concretos que por lei devam correr por qualquer dos serviços que
pertençam ao seu ministério).
O princípio geral é de que tudo sobe ao escalão superior para decisão. O acto
mais simples e mais banal tem de ser autorizado por despacho ministerial.
d. Secretários de Estado
Membros do Governo que, embora com funções administrativas, não têm
funções políticas e não fazem parte do Conselho de Ministros. Não participam das
funções política e legislativa nem, em regra, no Conselho de Ministros, só exercem
competência administrativa delegada, não são hierarquicamente subordinados aos
Ministros, mas estão sujeitos à supremacia política destes.
e. Subsecretários de Estado
Eventual.

Entre as três últimas categorias não existe uma relação hierárquica, há relação de
supremacia ou subordinação política de uns face aos outros, mas não há hierarquia
em sentido jurídico. A que se deve, então, este fenómeno de diferenciação interna? Há
três motivos: complexidade e acréscimo de funções do Estado moderno, propensão
centralizadora do nosso sistema e dos governantes e a necessidade de libertar do
despacho corrente os Ministros para que estes se possam dedicar, sobretudo, às suas
funções políticas e de alta administração.

4. Funcionamento
 1º Momento: constituição, nomeação e tomada de posse do Governo, que
elabora o seu programa
 2º Momento: o Conselho de Ministros define as linhas gerais da política
governamental (art. 200º/1 a) CRP)
 3º Momento: o Primeiro-Ministro dirige a política geral do Governo e o
funcionamento deste (art. 201º/1 a) e b) CRP)
 4º Momento: os Ministros executam a política definida para os seus ministérios
(art. 201º/2 a) CRP), a CRP não diz mas, os ministros para além de
executarem a política definida para o seu ministro têm a responsabilidade de a
propor
Cabe ao Primeiro-Ministro coordenar e orientar a acção dos Ministros (art. 201º/1
a) CRP). Mas, o que é orientar? Orientar não é o mesmo que dirigir, dirigir é dar
ordens (comandos as quais os seus destinatários devem obediência), ao passo que

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orientar é apenas formular directivas, dar conselhos ou fazer recomendações. E o que


é coordenar? É orientar a resolução dos assuntos que tenham de ser decididos em
conjunto, por dois ou mais Ministros.

5. Estrutura dos Ministérios Civis


Lei 4/2004 de 15 de Janeiro, art. 11º:
 Serviços executivos
Direcções-gerais ou direcções regionais. Podem adoptar uma estrutura interna
hierarquizada ou matricial. Acrescenta-se às direcções de serviços unidades
flexíveis designadas de divisões, podendo, ainda, ser criadas secções.
 Serviços de controlo, auditoria e fiscalização
Inspecções-gerais ou inspecções regionais. Podem adoptar uma estrutura
interna hierarquizada ou matricial.
 Serviços de coordenação

Quanto à localização:
 Serviços centrais
 Serviços periféricos

III. Órgãos e Serviços de Vocação Geral – Órgãos


Consultivos

Há alguns órgãos centrais com funções consultivas (por oposição a órgão com
funções deliberativas, o órgão consultivo é um órgão que emite pareceres, opiniões ou
conselhos, este segundo é um órgão que toma decisões), o que não há é nenhum
órgão do tipo do Conselho de Estado francês (que, para além de funções consultivas
genéricas desempenha igualmente uma função contenciosa).

1. Procuradoria-Geral da República
A CRP33 consagrava um órgão consultivo da Assembleia Nacional (e, depois, do
Governo também) denominado de Câmara Corporativa, que se podia pronunciar sobre
todos os aspectos (políticos, jurídicos, sociais, etc.). Para além deste, havia outro
órgão de natureza consultiva, a Procuradoria-Geral da República, isto é, o órgão de
direcção superior do Ministério Público, cujo Conselho Consultivo desempenhava
funções consultivas a nível jurídico, e não político.
Com o 25 de Abril de 1974 o primeiro órgão foi abolido mas o segundo manteve-
se, continuando a funcionar junto do Ministério da Justiça e com as funções anteriores.
É, neste momento, o único órgão consultivo central de competência alargada a todos
os ramos da administração pública.
Quanto à existência de um órgão consultivo central de competência genérica no
nosso país, as opiniões dividem-se.

2. Conselho Económico e Social


Esta é, igualmente, uma instituição de carácter consultivo. “É o órgão de consulta e
concertação no domínio das políticas económica e social, participa na elaboração das
propostas das grandes opções e dos planos de desenvolvimento económico e social e
exerce as demais funções que lhe sejam atribuídas por lei”. (art. 92º/1 CRP)
As suas principais funções são, assim, consultivas e de concertação social.

IV. Órgãos e Serviços de Vocação Geral – Órgãos de


Controlo

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Cumpre destacar, dentro das principais instituições administrativas centrais do


Estado as que exercem poderes genéricos de controlo e de inspecção sobre o
conjunto da Administração Pública.

1. Tribunal de Contas
Existe junto do Ministério das Finanças, embora não na dependência do Ministro
das Finanças. Não está integrado na estrutura do poder judicial, é um tribunal
autónomo, que existe de per si, e não faz parte de nenhuma hierarquia de tribunais.
O Tribunal de Contas “é o órgão supremo de fiscalização da legalidade das
despesas públicas” (art. 214º CRP).
São quatro as suas principais funções:
a. Dar parecer sobre a Conta Geral do Estado (incluindo a da Segurança
Social e a das Regiões Autónomas)
Função consultiva de natureza técnica e política. O Estado, do ponto de vista
financeiro, é limitado por dois documentos fundamentais que se elaboram todos os
anos: o Orçamento de Estado, antes do ano a que se refere, e a Conta Geral do
Estado, depois de findo o ano a que respeita.
O Tribunal de Contas analisa a Conta Geral do Estado do ponto de vista da
legalidade administrativa e da regularidade financeira, terminando por emitir um
parecer acerca dela, de modo a habilitar a A.R. a pronunciar-se sobre o seu mérito
geral.
b. Fiscalizar a legalidade das despesas públicas
Função de fiscalização. Pronuncia-se sobre a legalidade administrativa e
financeira da generalidade das despesas públicas (dupla perspectiva).
Actualmente, na maioria dos casos, esta fiscalização é apenas feita a posteriori.
c. Julgar as contas dos organismos públicos e efectivar a responsabilidade de
dirigentes e funcionários por infracções financeiras
Função jurisdicional, exercida a posteriori. O Tribunal vai analisar as contas
apresentadas: se considera que estão em ordem, declara que as pessoas por elas
responsáveis ficam “quites” com a Fazenda Nacional e emite a “quitação”, se não
estão em ordem, e nomeadamente se houve fraude, julga os responsáveis,
podendo mesmo condená-los.
O Tribunal pode, ainda, ordenar e realizar inquéritos e auditorias, no exercício
de uma fiscalização sucessiva da legalidade financeira.
d. Assegurar, no âmbito nacional, a fiscalização da aplicação dos recursos
financeiros oriundos das Comunidades Europeias
Visa apreciar se os recursos financeiros oriundos das Comunidades Europeias
foram aplicados ao fim a que se destinavam.

2. A Inspecção-Geral de Finanças
Natureza inspectiva. Pertence-lhe inspeccionar, em nome do Governo e sob a
direcção do Ministério das Finanças, a actividade financeira dos diferentes serviços e
organismos do Estado.

3. A Inspecção-Geral da Administração do Território


Actua de dois modos diferentes: por um lado, faz averiguações e instrui processos
quando aparece um caso que o justifica (se há um escândalo ou uma denúncia em
determinada autarquia), por outro, independentemente dos casos especiais que
surjam, desenvolve actividades normais de fiscalização sistemática, regular e contínua
de surpresa neste ou naquele município/freguesia.
4. Inspecção-Geral da Administração Pública

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Criada em 2000. De acção inspectiva no domínio dos recursos humanos e da


modernização de estruturas e simplificação de procedimentos. Fiscaliza os serviços
públicos, com especial incidência na administração indirecta.

V. Órgãos e Serviços de Vocação Geral – Serviços de


Gestão Administrativa
Serviços da Administração central do Estado que, integrados num ou noutro
ministério, desempenham funções administrativas de gestão que interessam a todos
os departamentos da administração central do Estado, ou a todo o sistema de
autarquias locais do país.
Exemplos: Instituto Nacional da Administração, Direcção-Geral do
Desenvolvimento Regional, Instituto Nacional de Estatística, Direcção-Geral do
Património, Conselho Superior de Informações, entre outros.

VI. Órgãos e Serviços de Vocação Geral – Órgãos


Independentes

A título excepcional, a Constituição e a lei criam, por vezes, no âmbito da


administração central do Estado, certos órgãos independentes, que não devem
obediência a ninguém no desempenho das suas funções administrativas.
Alguns integram a administração consultiva (Conselho Económico e Social), outros
à administração de controlo (Tribunal de Contas), mas há órgãos independentes que
exercem funções de administração activa, ou funções mistas.
As suas principais características são: eleitos pela A.R. (regra geral), os indivíduos
nomeados pelo Poder executivo para estes órgãos não representam o Governo nem
estão sujeitos às instruções deste, não devem obediência a nenhum outro órgão ou
entidade, não podem ser demitidos nem dissolvidos, as suas tomadas de decisão são
públicas e os pareceres, recomendações ou directivas emitidos por eles são, em
regra, vinculativos.
1. Comissão Nacional de Eleições
2. Alta Autoridade para a Comunicação Social

A ADMINISTRAÇAO PERIFÉRICA
Cumpre, primeiro, destacar que a administração periférica, mesmo quando
local, ao pode ser confundida com a administração local autárquica. Esta é constituída
por autarquias locais, ao passo que aquela é composta por órgãos e serviços do
Estado, ou de outras pessoas colectivas públicas não territoriais.
Definição: conjunto de órgãos e serviços de pessoas colectivas públicas que
dispõem de competência limitada a uma área territorial restrita, e funcionam sob a
direcção dos correspondentes órgãos centrais.
Espécies que para este curso nos interessam: Órgãos e serviços locais do
Estado e órgãos e serviços externos do Estado.

1. Transferência dos serviços periféricos


Regra geral, os serviços periféricos estão na dependência dos órgãos próprios da
pessoa colectiva a que pertencem: os serviços periféricos do Estado são dirigidos por
órgãos do Estado.

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Pode acontecer, todavia, que a lei, num propósito de descentralização, atribui a


direcção superior de determinados serviços periféricos a órgãos de autarquias locais
(fenómeno vulgar em Inglaterra mas não no nosso país). No caso português existe
uma importante excepção: a transferência dos serviços periféricos para a dependência
dos órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas dos Açores e Madeira.

I. A ADMINISTRAÇAO LOCAL DO ESTADO


Assenta sobre três ordens de elementos: divisão do território, órgãos locais do
Estado e serviços locais do Estado.

1. Divisão do território
É a ela que leva à demarcação de áreas, zonas ou circunscrições (circunscrições
administrativas) que servem para definir a competência dos órgãos e serviços locais
do Estado, que fica, assim, delimitada em razão de território.
Existe a divisão militar e a divisão comum. Dentro da comum temos duas
modalidades, a divisão administrativa do território para efeitos de administração local
do Estado e outra para efeitos de administração local autárquica. Só nos interessa
aqui a primeira, pois é nessas circunscrições administrativas que actuam os órgãos
locais do Estado.
Exemplo: repartições de finanças

2. Órgãos locais do Estado


São os centros de decisão dispersos pelo território nacional, mas habilitados por lei
a resolver assuntos administrativos em nome do Estado, nomeadamente face a outras
entidades públicas e aos particulares em geral.
Nas diferentes circunscrições em que o território se encontra dividido, o Estado
instala os seus serviços e põe à frente destes quem se encarregue de chefiá-los e de
tomar decisões – são os órgãos locais do Estado. A tendência é para a sua criação,
num propósito de desconcentração de poderes.
Caracterizam-se por três elementos: são órgãos, são órgãos do Estado e têm uma
competência meramente local.
Surge, aqui, o conceito de Magistrados Administrativos
O que são? São os órgãos locais do Estado que nas respectivas circunscrições
administrativas desempenham a função de representantes do Governo para fins de
administração geral e de segurança pública. Actualmente, a única categoria que existe
ainda de magistrados administrativos, no nosso direito, é a de Governador Civil.
a. Governador Civil
A sua definição é de magistrado administrativo que representa o Governo na
circunscrição distrital. A sua criação surge como algo de equiparado ao Prefeito no
direito francês, no entanto, o Governador Civil manteve-se sempre apenas como
um órgão político de representação local do Governo e não veio a evoluir para um
órgão administrativo de coordenação de todas as administrações locais do Estado.
Quais são as suas funções? A CRP faz uma referência, que algo incompleta, a
este ponto, no art. 291º/3. As suas principais funções são: representação do
Governo (informa o Governo do que de relevante a nível político se passa no
distrito, executar as ordens deste e enviar-lhe os requerimentos, exposições e
petições que sejam entregues no governo civil), tutela administrativa (fiscaliza a
actividade das autarquias locais) e defesa da ordem pública (ele é a suprema
autoridade policial do distrito).

3. Serviços locais do Estado

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Serviços público encarregados de preparar e executar as decisões dos diferentes


órgãos locais do Estado.

A ADMINISTRAÇAO ESTADUAL INDIRECTA


Já sabemos que o Estado prossegue uma grande multiplicidade de fins: tem uma
grande variedade de atribuições a seu cargo. A maior parte destes fins e atribuições é
prosseguida de forma directa e imediata, ou seja, pela pessoa colectiva Estado e sob
direcção do Governo.
Há outros casos, porém, em que os fins do Estado não são prosseguidos dessa
forma. Pode haver, e há, dentro do Estado, serviços que desempenham as suas
funções com autonomia. São serviços do Estado, mas não dependem directamente
das ordens do Governo, estão autonomizados, têm os seus próprios órgãos de
direcção ou gestão, mas não são independentes. Estamos aqui perante a
administração central descentralizada (caso da maior parte das escolas secundárias
públicas).
Há um outro grupo de serviços ou estabelecimentos que, para além de um grau
maior de autonomia, têm personalidade jurídica. Passam a ser sujeitos de direito
distintos da pessoa-Estado. Já não são o Estado, já não estão incorporados no Estado
e já não integram o Estado. No entanto, está aqui, ainda, em causa a prossecução de
fins ou atribuições do Estado, mas não por intermédio dele próprio, através de outras
pessoas colectivas, distintas deste, ou seja, o Estado transfere-lhes algumas
atribuições e alguns poderes (que continuam, no entanto, a ser, de raiz, do Estado).
Qual a sua razão de ser? As necessidades do mundo actual levaram à
conveniência de adoptar novas fórmulas de organização e funcionamento da
Administração Pública, para melhor prossecução dos fins do Estado. Por isso o Estado
cria estes centros autónomos (embora o grau de autonomia varie – pode atingir o nível
máximo como as empresas públicas empresarias ou o nível mínimo, agindo como
verdadeiras direcções-gerais do ministério a que respeitam, passando pela posição
intermédia) de decisão e de gestão, descentralizando funções em organismos que
recebem para o efeito toda uma série de prerrogativas que os erigem em entidades
autónomas, com a sua personalidade jurídica, com o seu pessoal, com o seu
orçamento, com o seu património e com as suas contas.
Outros motivos podem, ainda, ser evocados: o de escapar às regras apertadas da
contabilidade pública, proteger certas actividades em relação a interferências políticas,
fugir ao controlo do Parlamento, alargar o intervencionismo do Estado, entre outros.
Cumpre, ainda, frisar, que é característica essencial deste tipo de administração, a
sua sujeição aos poderes de superintendência e de tutela do Governo (art. 199º CRP).

I. Institutos Públicos
Definição: pessoa colectiva pública, de tipo institucional, criada para assegurar o
desempenho de determinadas funções administrativas de carácter não empresarial
pertencentes ao Estado ou a outra pessoa colectiva pública.
Diploma regulador: Lei-quadro dos Institutos Públicos
Espécies de Institutos públicos: serviços personalizados, fundações públicas e
estabelecimentos públicos.

1. Serviços Personalizados
“Serviços públicos de carácter administrativo a que a lei atribui personalidade
jurídica e autonomia administrativa, ou administrativa e financeira” (art. 3º/1 e 2 LQIP).

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A lei dá-lhes personalidade jurídica e autonomia para poderem funcionar como se


fossem verdadeiras instituições, no entanto não o são. Estes serviços são
verdadeiramente departamentos do tipo “direcção-geral”. Exemplo Junta de Energia
Nuclear
Há ainda dentro destes uma sub-espécie: organismos de coordenação económica.
Exemplo: Instituto do Vinho do Porto

2. Fundações Públicas
“Fundação que reveste natureza de pessoa colectiva” (art. 3º/1 e 2 LQIP).
Trata-se, aqui, de patrimónios que são afectados à prossecução de fins públicos
especiais. Exemplo: Fundo de Abastecimento (hoje já revogado)

3. Estabelecimentos Públicos
São os institutos públicos de carácter cultural ou social, organizados como serviços
abertos ao público, e destinados a efectuar prestações individuais à generalidade dos
cidadãos que delas careçam.
As diferenças destes estabelecimentos públicos face às anteriores espécies são:
pertencem ao organograma dos serviços centrais de um Ministério, assenta
basicamente num património e é um estabelecimento aberto ao público e destinado a
fazer prestações de carácter cultural ou social aos cidadãos.
Exemplos: Universidades Públicas ou Hospitais do Estado

II. Empresas Públicas

Esta é uma matéria cuja importância tem vindo a crescer, sobretudo a seguir à 2ª
Guerra Mundial, em que o Estado ganhou um maior poder interventivo.

1. Sector Empresarial do Estado (SEE)


Nasceu, na sua configuração actual, sob o signo das nacionalizações (importa
notar que apesar de todas as empresas nacionalizadas serem empresas públicas nem
todas as empresas públicas são empresas nacionalizadas).
Há três fases que importa distinguir na evolução histórica das empresas públicas
no nosso país: antes do 25 de Abril de 74 (eram poucas), de 25 de Abril de 74 até 99
(muitas empresas privadas foram nacionalizadas, outras foram criadas ex novo) e de
99 em diante (com a entrada de Portugal para a CEE, com a moda das privatizações
com a aplicação na ordem interna das directivas comunitárias e dos mecanismos de
defesa do consumidor e da concorrência, a situação modifica-se por completo).
Há três espécies de empresas que fazem parte do Estado:
a. Empresas públicas sob forma privada
São sociedades controladas pelo Estado.
Caracterizam-se pela sua subordinação à influência dominante do Estado, ou
de outras entidades públicas, a qual pode resultar, quer da maioria do capital, quer
da existência de direitos especiais de controlo.
b. Empresas públicas sob forma pública
Também chamadas de entidades públicas empresariais, são pessoas
colectivas públicas.
Têm direcção e capitais públicos.
c. Empresas privadas participadas pelo Estado
Não são empresas públicas, mas integram o SEE. Não interessam para o
nosso estudo.

2. Conceito de empresa pública

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Definição: organizações económicas de fim lucrativo, criadas e controladas por


entidades jurídicas públicas
O que é uma empresa? Há diversas definições para este conceito. Para este caso
vamos recorrer ao conceito de unidade de produção, ou seja, as organizações de
capitais, técnica e trabalho, que se dedicam à produção de determinados bens ou
serviços, destinados a ser vendidos no mercado mediante um preço. Ora, se as
unidades de produção funcionam de modo a prosseguir o lucro, ainda que não o
consigam, se têm um fim lucrativo, são empresas.
Quanto à autonomia: o actual estatuto das empresas públicas reconhece
implicitamente o traço característico de as empresas públicas serem dotadas de
personalidade e autonomia. Umas são sociedades, dotadas de personalidade jurídica
privada, outras são pessoas colectivas públicas.
Quanto à designação: as empresas públicas que revistam forma jurídica privada
serão denominadas como sociedades anónimas (S.A.), se revestirem forma jurídica
pública são entidades públicas empresariais (E.P.E.)
As empresas públicas, como de resto também os institutos públicos, estão sujeitas
à intervenção do Governo, que reveste as modalidades da superintendência e da
tutela (económica e financeira). Este pode definir a orientação estratégica de cada
empresa pública, isto é, definir os objectivos a atingir e os meios e modos a empregar
para tal (note-se que o mesmo não acontece com as autarquias locais – administração
autónoma).
A regra geral, no nosso país, é que estas empresas públicas, embora muitas vezes
administradas por uma direcção pública e sempre sujeitas a um apertado controlo
público, aplicam em princípio, na sua actividade, o princípio da gestão privada e o
direito privado.
Motivos de criação de empresas públicas:
a. Domínio de posições-chave na economia
b. Modernização e eficiência da Administração
c. Aplicação de uma sanção política
d. Execução de um programa ideológico
e. Necessidade de um monopólio

A ADMINISTRAÇÃO AUTÓNOMA
A Administração Autónoma é aquela que prossegue interesses públicos próprios
das pessoas que a constituem e por isso se dirige a si mesma, definindo com
independência a orientação das suas actividades, sem sujeição a hierarquia ou a
superintendência do Governo.
Ela, ao contrário da administração indirecta (que prossegue as atribuições do
Estado), prossegue interesses públicos próprios. Dirige-se a si mesma, apresentando-
se como um fenómeno de auto-administração: são os seus próprios órgãos que
definem com independência a orientação das suas actividades, sem estarem sujeitos
a ordens ou instruções, nem a directivas ou orientações do Governo.
Enquanto que a administração directa do Estado, central ou local, depende sempre
hierarquicamente do Governo, e a administração estadual indirecta está sujeita, em
princípio, à superintendência do Governo, a administração autónoma não deve
obediência a ordens ou instruções do Governo, nem tão-pouco a quaisquer directivas
ou orientações dele emanadas.
O único poder que constitucionalmente o Governo pode exercer sobre a
administração autónoma é o poder de tutela (artigo 199º d), 229º/4 e 242º CRP), que é
um mero poder de fiscalização ou controlo, que não permite dirigir nem orientar as
entidades a ele submetidas.

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Existem três espécies de entidades públicas que desenvolvem uma administração


autónoma: as associações públicas, as autarquias locais e as regiões autónomas
(embora numa posição muito especial). As primeiras são entidades de tipo associativo,
as segundas e terceiras são pessoas colectivas de população e território. Em comum
têm o facto de em todas elas haver um substrato humano (todas são agrupamentos de
pessoas).

I. Associações Públicas

Uma associação é uma pessoa colectiva constituída pelo agrupamento de várias


pessoas singulares ou colectivas que não tenha por fim o lucro económico dos
associados (se o tivesse, seria uma sociedade) – artigos 157º e 167º do Código Civil.
A maior parte das associações são entidades privadas. Mas em relação a algumas
associações a lei cria ou reconhece com o objectivo de assegurar a prossecução de
certos interesses colectivos, chegando mesmo a atribuir-lhes para o efeito um conjunto
de poderes públicos ao mesmo tempo que as sujeita a especiais restrições de carácter
público. Estas associações têm ao mesmo tempo natureza associativa e de pessoas
colectivas públicas, daí a denominarem-se de associações públicas.
Definição: pessoas colectivas públicas, de tipo associativo, destinadas a assegurar
autonomamente a prossecução de determinados interesses públicos pertencentes a
um grupo de pessoas que se organizam com esse fim.
Enquanto que os institutos públicos e as empresas públicas têm um substrato de
natureza institucional e existem para prosseguir interesses públicos do Estado, as
associações públicas têm um substrato de natureza associativa e prosseguem
interesses públicos próprios das pessoas que as constituem. Há, ainda, uma diferença
relevante entre estas associações e as empresas públicas, elas não têm por fim o
lucro.
Elas caracterizam-se pela sua heterogeneidade quanto ao tipo de associado,
quanto às origens históricas e quanto aos fins prosseguidos: existem associações
públicas de entes públicos, associações públicas de entes privados e,
simultaneamente, entidades públicas e privadas.
Não existe um diploma legal que regule as associações públicas no seu conjunto.
No entanto, como pessoas colectivas que são há um grande conjunto de regras e
princípios constitucionais que a elas se aplicam, tais como: princípio da conformidade
dos actos com a CRP (3º/3 CRP); vinculação ao regime dos direitos, liberdades e
garantias (18º/1 CRP); direito dos particulares de poderem aceder aos tribunais para
defesa dos seus direitos (20º CRP), princípio da responsabilidade civil por violação
dos direitos dos particulares (22º CRP); fiscalização das suas finanças pelo Tribunal
de Contas (214º CRP); submissão a todos os princípios constitucionais sobre
organização ou actividade administrativa (267º e 267º CRP) e a todos os direitos
constitucionais dos particulares (268º CRP), entre outros.
O recurso ao direito privado é, também aqui, crescente. Estas entidades actuam
segundo regras de direito público quando pretendem agir perante os seus associados,
ou mesmo terceiros, munidas de poderes de autoridade, e quando desenvolvem
actividades instrumentais seguem, normalmente, o direito privado.

1. Associações públicas de entidades públicas


São entidades que resultam da associação, união ou federação de entidades
públicas menores e, especialmente, de autarquias locais. Nos últimos anos têm se
desenvolvido e multiplicado de uma forma muito intensa.
Nestes casos a leis entrega a uma associação de pessoas privadas a prossecução
de um interesse público destacado de uma entidade pública de fins múltiplos, o
Estado, e coincidente com os interesses particulares desses mesmos sujeitos. A lei
confia nas capacidades destes par, em associação, desempenharem adequada e

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correctamente a missão de interesse público colocada sobre os seus ombros. Ela


reconhece, de uma forma implícita, que nas circunstancia do caso, um certo interesse
público será melhor prosseguido pelos particulares interessados, em regime de
associação, e sob a direcção de órgãos por si próprios eleitos, do que por um serviço
integrado na administração directa do Estado.
Exemplos: associações de freguesias, comunidades intermunicipais, áreas
metropolitanas ou as regiões de turismo. Todos estes casos representam a
associação de determinadas pessoas colectivas públicas para a prossecução de um
fim em comum.
Em especial das ordens profissionais:
Definição: associações públicas formadas pelos membros de certas profissões de
interesse público com o fim de, por devolução de poderes do Estado, regular e
disciplinar o exercício da respectiva actividade profissional.
As suas funções são de: representação da profissão face ao exterior, apoio dos
seus membros, regulação da profissão e outras funções administrativas acessórias ou
instrumentais.
As funções de regulação profissional desdobram-se na regulação do acesso à
profissão e na regulação do exercício da profissão.
Estas funções exigem, como é natural, que seja colocado na disponibilidade
destas um conjunto de instrumentos jurídicos de vária natureza. Elas dispõem de
poder regulamentar, bem como do poder de praticar actos administrativos, definidores
da situação jurídica individual e concreta dos seus membros e mesmo de terceiros.
Assim, os traços do regime legal das ordens profissionais que suportam a sua
actividade traduz-se, normalmente, nas características de:
a. Unicidade
Impede a existência de outras associações públicas com os mesmos objectivos
e o mesmo âmbito de jurisdição, mas não inviabiliza outras associações com
diferente âmbito territorial, nem, muito menos, a existência de associações
privadas paralelas para desempenhar funções vedadas às ordens profissionais
(funções sindicais, por exemplo).
b. Filiação ou inscrição obrigatória
c. Quotização obrigatória
d. Auto-administração
e. Poder disciplinar
Vai desde à interdição do exercício da actividade profissional, implica a
existência de um conjunto de garantias dos seus destinatários

2. Associações públicas de entidades privadas


É a categoria mais importante das associações públicas pois constitui o seu
paradigma.
Exemplos: ordens profissionais ou câmaras profissionais (partilham do mesmo
conceito das anteriores mas neste caso o grau académico dos associados é
intermédio e no primeiro é superior), podendo-se ainda considerar as academias
cientificas e culturais.

3. Associações públicas de carácter misto


Numa mesma associação agrupam-se uma ou mais pessoas colectivas públicas e
indivíduos ou pessoas colectivas privadas. É o caso dos centros de formação
profissional e de gestão partilhada, das cooperativas de interesse público ou dos
centros tecnológicos.

4. Figuras afins
São figuras afins:
a. Associação Nacional de Municípios e a Associação Nacional de Freguesias
b. Associações políticas

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c. Igrejas e as demais comunidades religiosas


d. Associações sindicais
e. Cruz Vermelha Portuguesa
f. Federações desportivas
g. Casas do povo
h. Associações de solidariedade, voluntários ou de acção social
i. Associações de desenvolvimento regional
j. Câmaras de comércio e indústria
k. Universidades públicas
l. Comissão da Carteira Profissional do Jornalista

II. Autarquias Locais


A existência de autarquias locais é um imperativo constitucional (art. 235º CRP).

1. Conceito de Autarquia Local


A CRP dá-nos uma noção de autarquia local no artigo 235º, no entanto, esta noção
carece de alguns esclarecimentos, através de uma outra definição: são pessoas
colectivas de população e território, correspondentes aos agregados de residentes em
diversas circunscrições do território nacional, e que asseguram a prossecução dos
interesses comuns resultantes da vizinhança mediante órgãos próprios,
representativos dos respectivos habitantes.
As autarquias locais são, todas elas, pessoas colectivas distintas do Estado, elas
não fazem parte do Estado, não são o Estado nem pertencem ao Estado. São
entidades independentes e completamente distintas do Estado. Não são instrumentos
da acção do Estado, mas formas autónomas de organização das populações locais
residentes nas respectivas áreas. Constituem-se de baixo para cima, emanando das
populações residentes, e não de cima para baixo, emanando do Estado.
O conceito de autarquia comporta, assim, quatro elementos:
a. Território
Este é o elemento de maior importância. Ele é, naturalmente, parte do território
do Estado (e a essa parte chama-se circunscrição administrativa). No entanto, não
devemos confundir a circunscrição administrativa (apenas a porção do território)
com autarquia local (pessoa colectiva organizada com base nesse território).
O território tem uma tripla função: identificar a autarquia local, definir a
população respectiva e delimitar as atribuições e as competências da autarquia e
dos seus órgãos em razão do lugar.
b. Agregado populacional
É em função dele que se definem os interesses a prosseguir pela autarquia e,
também, porque a população constitui o substrato humano da autarquia local. Aqui
é o critério de residência que funciona primariamente, levando à designação de
munícipes – a qualidade de membro da população de uma autarquia local, confere
uma série de direitos e deveres (o direito mais importante é o de voto, como dever
temos o exemplo do dever de pagar impostos locais).
c. Interesses comuns
São estes interesses que servem de fundamento à existência das autarquias
locais, as quais se formam para prosseguir os interesses privativos das
populações locais, resultantes do facto de elas conviverem numa área restrita,
unidas pelos laços da vizinhança.
É a existência de interesses locais diferentes dos interesses gerais da
colectividade nacional que justifica que ao lado do Estado existem entidades
especificamente locais, destinadas a tratar dos interesses locais.
d. Órgãos representativos

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Não há, em rigor, autarquia local quando ela não é administrada por órgãos
representativos das populações que a compõem.
É isto que se passa nos regimes democráticos, estes órgãos são eleitos em
eleições livres pelas respectivas populações, são as eleições locais ou autárquicas

As autarquias locais são compostas, igualmente, por alguns traços gerais:


a. Divisão do território
Só pode ser estabelecida por lei (236º/4).
b. Descentralização
A lei administrativa tem de respeitar este princípio (237º CRP).
c. Património e finanças locais
As autarquias locais possuem património e finanças próprias (238º/1 CRP)
d. Correcção de desigualdades
O regime das finanças locais visará a necessária correcção de desigualdades
entre autarquias do mesmo grau (238º/2 CRP)
e. Órgãos dirigentes
As autarquias locais são dirigidas por uma assembleia deliberativa e por um
órgão colegial executivo (240º/1 e 2 CRP)
f. Referendo local
É autorizado sobre matérias da competência exclusiva da autarquia (240º/3
CRP)
g. Poder regulamentar
As autarquias locais têm poder regulamentar próprio (241º CRP)
h. Tutela administrativa
As autarquias locais estão sujeitas à tutela do Estado. Mas esta tutela consiste
unicamente na verificação do cumprimento da lei por parte dos órgãos autárquicos,
e só pode ser exercida nos casos e segundo as formas previstas na lei (242º/1
CRP), as medidas tutelares que restrinjam a autonomia local são obrigatoriamente
precedidas de parecer de um órgão autárquico (nº2) e a dissolução dos órgãos
autárquicos directamente eleitos só pode ter por causa acções ou omissões ilegais
graves (nº3).
i. Pessoal
As autarquias locais têm quatros de pessoal próprio e a estes funcionários é
aplicável o regime jurídico dos funcionários públicos (243º/1 e 2 CRP).
j. Apoio do Estado
O Estado tem o dever de, nos termos da lei, conceder às autarquias locais
apoio técnico e em meios humanos (243º/3)
Fazem parte das autarquias locais três espécies:
a. Freguesias
b. Municípios
c. Regiões
A CRP prevê-las, no entanto não se encontram ainda em prática.

2. Descentralização, auto-administração e poder local


A existência constitucional de autarquias locais e o reconhecimento da sua
autonomia face ao poder central fazem parte da própria essência da democracia e
traduzem-se no conceito jurídico-político de descentralização. Isto significa que as
tarefas da administração pública não são desempenhadas por uma só pessoa
colectiva, mas por várias pessoas colectivas diferentes.
Pode haver descentralização em sentido jurídico e não em sentido político, foi o
caso do regime da CRP33, mas quando estamos presente os dois modos de
descentralização, estamos em presença de um fenómeno que se chama auto-
administração, as populações administram-se a si próprias (não confundir com auto-
governo).

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E o que é o poder local? Para que exista é necessária ainda mais alguma coisa,
além da auto-administração. Pode haver autarquias locais e não haver poder local,
desde logo se não existir descentralização política. No entanto pode existir
descentralização política e jurídica e não existir poder local.
Só há poder local quando as autarquias locais são verdadeiramente autónomas e
têm um amplo grau de autonomia administrativa e financeira. Existe, sem dúvida em
Inglaterra e na Alemanha (o professor Freitas do Amaral não considera que exista em
Portugal).

3. O princípio da autonomia local


A CRP consagra este princípio mas o entendimento do sentido e do alcance deste
tem variado conforme as épocas históricas e regimes políticos, não havendo, ainda, na
actualidade, unanimidade de opinião acerca do assunto.
O princípio da autonomia local pressupõe e exige, pelo menos, os direitos
seguintes:
a. “O direito e a capacidade efectiva de as autarquias regulamentarem e
gerirem, nos termos da lei, sob sua responsabilidade e no interesse das
respectivas populações, uma parte importante dos assuntos públicos”
(Carta Europeia, art. 3º/1)  domínio reservado
b. O direito de participarem na definição das políticas públicas nacionais que
afectem os interesses próprios das respectivas populações
c. O direito de partilharem com o Estado ou com a região as decisões sobre
matérias de interesse comum
d. O direito de, sempre que possível, regulamentarem a aplicação das normas
ou planos nacionais de forma a adaptá-los convenientemente às realidades
locais

4. A Freguesia
Definição: autarquias locais que, dentro do território municipal, visam a
prossecução de interesses próprios da população residente em cada circunscrição
paroquial. A paróquia é uma expressão sinónima de freguesia e tem, portanto, um,
sentido administrativo e não apenas religioso.
Quais são as atribuições da freguesia? A matéria está regulada no artigo 14º da
Lei 159/99 (lei que estabelece o quadro de transferências de atribuições e
competências do Estado para as autarquias, a LQTACA). As suas principais
atribuições são: recenseamento eleitoral (no plano político), administração dos seus
bens, promoção de obras públicas (no plano económico), prestar assistência social e
desenvolver matéria de cultura popular (no plano social).
A freguesia tem dois órgãos:
a. Assembleia de Freguesia
Reúne ordinariamente quatro vezes por ano. A sua competência está regulada
no art. 17º da LAL e pode ser agrupada em quatro funções: eleitoral, de
fiscalização, de orientação social e decisória
b. Junta de Freguesia
É o corpo administrativo da freguesia e é composta por um Presidente (a
pessoa que tiver encabeçado a lista mais votada para a Assembleia de Freguesia)
e por um certo número de vogais. É de funcionamento regular e reúne
ordinariamente uma vez por mês.
O art. 34º da LAL regula as funções da Junta de Freguesia, que se podem
agrupar em 5 tipos: executiva, de estudo e proposta, de gestão, de fomento e de
colaboração.
É de referir, igualmente, que a Junta de Freguesia pode exercer competências
delegadas pela Câmara Municipal (art.37º e 66º LAL e 13º/2 LQTACA) devendo o
acto de delegação ser objecto de ratificação pela Assembleia Municipal.

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5. O Município
Definição: autarquia local que visa a prossecução de interesses próprios da
população residente na circunscrição concelhia, mediante órgãos representativos por
ela eleitos.
O município é o único tipo de autarquia que tem existência universal, é nele que se
estrutura e pratica a democracia local, chama a si a responsabilidade por um número
muito significativo de serviços prestados à comunidade.
No que à transferência de atribuições da Administração Central para as autarquias
locais vigora a Lei nº 159/99 (LQTACA). Esta tem simultaneamente uma intenção
unificadora (reúne num só elenco atribuições já transferidas e a transferir para as
autarquias) e uma intenção reguladora (traça um quadro lógico dos princípios a que
deve obedecer cada operação de transferência de atribuições). Ela proclama como
objectivo geral a concretização dos princípios da descentralização administrativa e da
autonomia do poder local.
O sistema português não faz, a nível do município, muito sentido. Não e nem um
sistema de tipo convencional, nem de tipo parlamentar, nem de tipo presidencialista.
O município toma decisões através de órgãos (abaixo) mas essas decisões têm
que ser cuidadosamente estudadas e preparadas e, uma vez tomadas, têm que ser
executadas. A preparação e execução das decisões competem aos serviços
municipais. Estes têm duas categorias: os serviços municipais (em sentido restrito,
exemplos: secretaria/tesouraria da câmara) e os serviços municipalizados (exemplos:
captação, condução e distribuição de água, transportes colectivos). Estes últimos são,
do ponto de vista material, verdadeiras empresas públicas municipais que, não tendo
personalidade jurídica, estão integrados na pessoa colectiva município.

Órgãos do município:
a. Assembleia Municipal
É o órgão deliberativo. Pode destituir a Câmara Municipal, pois esta é
responsável perante a Assembleia Municipal e tem o poder de aprovar ou rejeitar a
proposta de orçamento anual apresentada pela Câmara Municipal.
Não e toda ela eleita directamente: é, em parte, constituída por membros
eleitos (que não pode ser inferior ao dos membros por inerência) e, em parte,
constituída por membros por inerência (presidentes das juntas de freguesia).
Tem anualmente cinco sessões ordinárias (Fevereiro, Abril, Junho, Setembro e
Novembro).
Das suas funções destacam-se cinco: orientação geral do município,
fiscalização da Câmara Municipal, regulamentação (emite posturas municipais),
tributária e de decisão superior (exemplo: aprovação do plano de urbanização).
b. Câmara Municipal
Órgão colegial, directamente eleito pela população, de tipo executivo a quem
está atribuída a gestão permanente dos assuntos municipais, é o corpo
administrativo do município. É composta pelo Presidente da Câmara e pelos
vereadores e funciona em sessão permanente.
Tem cinco tipos de funções: preparatória e executiva (prepara as deliberações
da AM e executa-as); consultiva, de gestão, de fomento (apoia, exclusiva ou
conjuntamente, o desenvolvimento de actividades de interesse municipal de
natureza social, cultura, desportiva, etc.) e de decisão (toma todas as decisões de
autoridade que a lei lhe confia, através da prática de actos administrativos,
contratos administrativos ou de emissão de posturas municipais).
c. Presidente da Câmara Municipal
Órgão executivo. A CRP quase que deixa em silêncio esta figura, ele será
ou não órgão consoante os poderes que a lei lhe atribua. Actualmente o basto
elenco de competências anunciadas no art. 65º da LAL confirmam que este é um

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órgão de vasta competência executiva, é a figura emblemática do município e o


verdadeiro chefe da administração municipal.
As suas funções são: presidencial (convoca e preside às reuniões da Câmara),
executiva (executa as deliberações tomadas pela própria Câmara), decisória
(dirige e coordena os serviços municipais, como superior hierárquico dos
respectivos funcionários e resolve todos os problemas que a lei lhe confie ou
Câmara delegue) e interlocutória (fornece informações aos vereadores e à AM).
Além da sua competência própria, cumpre frisar que o PC pode exercer uma
considerável competência delegada (art. 65º/1 LAL).

Neste momento, existem na nossa ordem jurídica três modalidades de cooperação


intermunicipal para a realização de fins gerais: a grande área metropolitana, a
comunidade urbana e a comunidade intermunicipal de fins gerais. As três são pessoas
colectivas de direito público e representam um determinado número de municípios (no
mínimo 9 na primeira, 3 na segunda e 2 na terceira) ligados entre si por um nexo
territorial.
Estas três novas figuras podem suscitar alguns problemas de constitucionalidade,
por serem desconformes com a CRP (art. 236º/2) por força do princípio da tipicidade
da noção de autarquia e pelo facto de a concessão de poder regulamentar a entidades
cujos órgão deliberativos não têm legitimidade democrática directa representa também
uma violação da CRP.
Quanto à intervenção do Estado na administração municipal, esta é marcada pela
tutela do Estado sobre as autarquias locais. No entanto, esta tutela só pode ter por
objecto a legalidade da actuação destas e não também o mérito das suas decisões
(art. 242º CRP). Esta é uma tutela que reveste duas modalidades, inspectiva
(examinar as contas e documentos a fim de verificar se tudo se encontra de acordo
com as leis aplicáveis) e integrativa.
A legitimidade democrática dos titulares dos órgãos autárquicos obriga a um
controlo independente e imparcial das causas da dissolução e perda de mandato, que
só os tribunais administrativos podem levar a cabo. Verificada a ilegalidade(s) pela
entidade tutelar, o processo é remetido ao Ministério Público, a fim de propor, no
tribunal administrativo de círculo competente, a correspondente acção e perda de
mandato. Qualquer órgão colegial pode ser dissolvido, cessando simultaneamente o
mandato de todos os seus membros, quando lhe foram imputáveis acções ou
omissões ilegais graves (art. 242º CRP), a sua dissolução compete, igualmente, aos
tribunais administrativos.
A tutela administrativa sobre as autarquias locais é uma atribuição do Estado, e a
que órgãos do Estado compete exercê-la? Ao Governo (através do ministro
competente em relação à matéria) e aos Governadores Civis.

III. Regiões Autónomas


As Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira são pessoas colectivas de direito
público, de população e território, que pela CRP dispõem de um estatuto político-
administrativo privativo e de órgãos de governo próprio democraticamente legitimados,
com competências legislativas e administrativas, para a prossecução dos seus fins
específicos. Fazem parte de Administração Regional Autónoma.
Estas regiões apresentam alguns fundamentos para a sua autonomia, tais como
as características geográficas, económicas, sociais e culturais. Elas têm, igualmente,
diversos fins a prosseguir: a participação democrática dos cidadãos, o
desenvolvimento económico-social e a promoção e defesa dos interesses regionais.
No entanto, há alguns limites a respeitar, como a integridade da soberania do Estado e
o respeito da CRP.

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Nos termos do art. 6º e 225º CRP, Portugal é um Estado unitário regional. Mas é
parcial e homogéneo, porquanto compreende apenas duas regiões autónomas, não se
encontrando prevista nem permitida na CRP a criação de regiões autónomas do
mesmo tipo no Continente.
Cada uma das novas R.A. é dotada de um estatuto político-administrativo
específico e de órgãos de governo próprio que possuem amplos poderes
administrativos e político-legislativos, destinados a prosseguir o desenvolvimento
económico, social e cultura das regiões.
Órgãos:
a. Assembleia Legislativa
É eleita por sufrágio universal, directo e secreto, dos cidadãos residentes no
arquipélago e de acordo com o princípio da representação proporcional.
Não desempenha somente uma função legislativa, possui uma importante
competência de natureza administrativa, que resulta da conjugação da primeira
parte da alínea d) do nº1 do art. 227º da CRP com o nº1 do art. 232º.
b. Governo Regional
É o órgão executivo de condução da política regional e o órgão superior da
administração pública regional.
É politicamente responsável perante a assembleia legislativa, efectivando-se
essa responsabilidade pelos mecanismos da sujeição do programa do governo a
debate e votação na assembleia, da moção de censura e do voto de confiança.
Tem igualmente de responder às questões que lhe forem colocadas pelos
deputados regionais, sujeitar-se a interpelações e a inquéritos parlamentares, a
comparecer nas comissões, etc.
Compete-lhes aplicar toda a legislação emanada das assembleias regionais
das suas regiões, aplicar nos respectivos territórios uma boa parte da legislação
emanada dos órgãos de soberania mas há legislação que apenas compete ao
Governo da República aplicar. A CRP estabelece directivas gerais para uma
repartição de competências executivas entre o Governo da República e os
governos regionais, mas não traça de uma forma explícita a linha de fronteira entre
as competências de um e de outro.
Existe uma reserva executiva do Governo da República, no âmbito do qual o
legislador nacional não pode remeter para os governos e administrações regionais
o encargo de aplicar nos Açores e Madeira certos diplomas legais emanados dos
órgãos de soberania (é o que sucede nos domínios em que estejam em causa
poderes inerentes ao Estado soberano).
É, à semelhança do Governo da República, um órgão complexo,
compreendendo pelo menos um presidente e vários secretários regionais. A sua
organização interna, a nível de departamentos, segue um modelo muito próximo
do tradicional adoptado na administração directa do Estado.
c. Representante da República
Cabe-lhe nomear o presidente do governo regional, de acordo com os
resultados eleitorais e ouvidos os partidos políticos representados na assembleia
legislativa, bem como nomear, em número variável, sob proposta do respectivo
presidente, os restantes membros do governo regional.
Com a revisão constitucional de 1997 iniciou-se um processo de redefinição do
perfil institucional da figura do Ministro da República (sucessor do Representante
da República), destinado a eliminar as suas competências administrativas e a
aproximá-lo da esfera de competências do Presidente da República.

A estrutura do sistema de governo regional possui as características essenciais de


um sistema de tipo parlamentar.
Os poderes das R.A. são elencados ao longo das alíneas do nº1 do art. 227º da
CRP. No entanto, os poderes de natureza estritamente administrativa são os das
alíneas d), g) (a mais importante), h), j) (estas duas revelam que a autonomia dos

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Açores e Madeira, além das suas dimensões político-legislativas e administrativa, tem


também uma importante dimensão financeira), m) e o) (estas duas conferem ao
Governo da República competência para dirigir a administração directa, superintender
e tutelar a administração indirecta e exercer poder de tutela sobre a administração
autónoma).
Ao contrário das autarquias locais, as regiões autónomas dos Açores e Madeira
não se encontram constitucionalmente sujeitas a um poder de tutela administrativa do
Estado. No entanto, passou-se a ler no nº4 do art. 229º da CRP que o Governo da
República e os governos regionais podem acordar outra formas de cooperação,
envolvendo actos de delegação de competências, por exemplo. Esta disposição é algo
enigmática, que competências do Governo da República são estas cuja delegação nos
governos regionais se prevê?
Por um lado, se estamos no domínio da reserva executiva do Governo da
República, a delegação não é constitucionalmente admissível, por outro, se estamos
no âmbito das competências dos órgãos regionais, o poder executivo dos governos
regionais é próprio e não delegado.
A única interpretação que podemos retirar é a que situa as competências do
Governo da República delegáveis nos governos regionais numa zona de fronteira ou
de transição entre a reserva executiva do Governo da República e o âmbito de
competências dos órgãos regionais. Mas isto tem implicações, o Governo da
República poderá, então, fiscalizar a forma como os órgãos delegados fazem uso das
competências que lhes foram confiadas.
Na verdade, a ausência de um poder geral de tutela do Governo da República
sobre as autoridades regionais não significa que aquele esteja constitucionalmente
impedido de dispor de poderes de supervisão nos casos em que as leis nacionais
aplicadas elas regiões autónomas sejam para estas leis imperativas, isto é, tenham
sido emanadas ao abrigo de uma competências legislativa reservada aos órgãos de
soberania e para se aplicarem uniformemente em todo o território nacional.

INSTITUIÇÕES PARTICULARES DE
INTERESSE PÚBLICO
O Direito Administrativo não regula apenas entidades públicas, também regula
algumas categorias de entidades privadas, precisamente aquelas que pela actividade
a que se dedicam não podem deixar de ser consideradas na óptica do interesse geral,
são as instituições particulares de interesse público.
Tratam-se de pessoas colectivas privadas que, por prosseguiram fins de interesse
público, têm o dever de cooperar com a Administração Pública e ficam sujeitas, em
parte, a um regime especial de Direito Administrativo.
Porque é que isto acontece?
Umas vezes, é a Administração Pública que, não podendo arcar com todas as
tarefas que é necessário desenvolver em prol da colectividade, faz apelo aos capitais
particulares e encarrega empresas privadas de desempenharem uma função
administrativa, é o que se passa, por exemplo, com as concessões de serviços
públicos ou obras públicas. É o exercício privado de funções públicas.
Outras vezes, a lei considera que um certo número de colectividades privadas são
de tal forma relevantes no plano do interesse colectivo que, sem ir ao ponto de as
nacionalizar, decide submetê-las a uma fiscalização permanente ou mesmo a uma
intervenção por parte da Administração Pública, é o que acontece, por exemplo, com
as sociedades de interesse colectivo, junto das quais e designado um delegado do
Governo. É o controlo público de actividades privadas.

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Pode suceder, ainda, que a lei admita que em determinadas áreas de actividade
sejam criadas entidades privadas, por iniciativa particular, para se dedicarem
unicamente à prossecução de tarefas de interesse geral, numa base voluntária e
altruísta, tarefas essas que serão realizadas em simultâneo com a realização de
actividades idênticas pela Administração Pública, é o que sucede, por exemplo, com
as instituições de assistência ou beneficência. É a coexistência colaborante entre
actividades públicas e privadas.
Uma das suas características, neste caso do direito aplicável, é a de o regime
jurídico a que tais instituições estão sujeitas é um misto de direito privado e de Direito
Administrativo. Como se trata de entidades privadas são por natureza reguladas em
princípio pelo direito privado mas há uma submissão em vários aspectos significativos
a um regime específico traçado pelo Direito Administrativo, não as transformando,
contudo, em elementos integrados na Administração Pública.
Estas instituições dividem-se, basicamente, em duas espécies – sociedades de
interesse colectivo e pessoas colectivas de utilidade pública. Estas últimas, por sua
vez, subdividem em três espécies – pessoas colectivas de mera utilidade pública,
instituições particulares de solidariedade social e pessoas colectivas de utilidade
pública administrativa.

I. Sociedades de Interesse Colectivo


São empresas privadas, de fim lucrativo, que por exercerem poderes públicos ou
estarem submetidas a uma fiscalização especial da Administração Pública, ficam
sujeitas a um regime jurídico específico traçado pelo Direito Administrativo. Temos
como exemplos as sociedades concessionárias de serviços/obras públicas, empresas
que exerçam actividades consideradas por lei de interesse colectivo ou de interesse
nacional, empresas geridas por trabalhadores, empresas em situação económica difícil
ou ex-empresas públicas reprivatizadas, se a lei assim o entender, entre outros.
A principal diferença entre estas e as pessoas colectivas de utilidade pública é que
estas últimas não prosseguem fins lucrativos, ao contrário das primeiras.
A subordinação destas a um regime jurídico específico, traçado pelo Direito
Administrativo, justifica-se por um de dois motivos diferentes: ou porque a empresa,
embora privada, se dedica, estatutária ou contratualmente, ao exercício de poderes
públicos que a Administração transferiu para ela, ou porque as circunstâncias
obrigaram a Administração a colocar a empresa privada num regime de fiscalização
especial por motivos de interesse público. Em ambos os casos, a lei sujeita este tipo
de empresas privadas a um regime jurídico administrativo, que se sobrepõe ao regime
de direito comum normalmente aplicável as empresas privadas, apesar deste se
continuar a aplicar em tudo aquilo que não seja contrário às regras especiais de Direito
Administrativo.
Ainda quanto ao regime jurídico, estas têm um regime jurídico duplo – em parte
constituído por privilégios especiais (isenções fiscais, direito de requerer ao Estado
expropriações por utilidade pública, etc.), de que as empresas privadas normalmente
não gozam, e em parte constituído por deveres (incompatibilidades e limitações de
renumeração, fiscalização por parte de delegados do Governo, etc.) ou sujeições
especiais a que tão-pouco a generalidade das empresas privadas se acham
submetidas.
Tem se levantado o problema de saber se as sociedades de interesse colectivo
fazem parte, ou não, da Administração Pública em sentido orgânico ou subjectivo. Há
duas teses principais sobre o assunto, a tese clássica e uma segunda tese.
A primeira é a de que essas entidades, porque são entidades privadas, não fazem
parte da administração Pública. A segunda diz-nos que tais entidades, pelo facto de
exercerem funções públicas, tornam-se órgãos indirectos da Administração.

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Para o professor DFA é a tese clássica que está certa. Baseando-se no art. 82º/2
CRP justifica esta escolha pelo facto de as sociedades de interesse colectivo serem
pessoas colectivas privadas e, por conseguinte, segundo a CRP, pertencerem ao
sector privado, não podendo fazer parte da Administração Pública. Estas entidades
colaboram com a Administração, mas não fazem parte dela: são elementos exteriores
à Administração Pública.

II. Pessoas Colectivas de Utilidade Pública


As associações e as fundações – ou seja, as pessoas colectivas privadas de fim
não lucrativo – podem ser olhadas pela lei como entidades de utilidade particular
(embora sem fins lucrativos, desenvolvem actividades que não interessem
primacialmente à comunidade nacional, regional ou local, apenas a grupos privados)
ou como entidades de utilidade pública.
São pessoas colectivas de utilidade pública as associações e fundações de direito
privado que prossigam fins não lucrativos de interesse geral, cooperando com a
Administração central ou local, em termos de merecerem da parte desta a declaração
de utilidade publica (D.L. nº 460/77 art. 1º/1).
Como exemplo temos as Misericórdias, associações de bombeiros voluntários,
creches e jardins de infância, lares de idosos, sopas dos pobres, Fundação
Gulbenkian, etc.
Dentro das pessoas colectivas de utilidade pública temos:
a. Pessoas colectivas de mera utilidade pública
Intervenção por parte da Administração Pública mínima, pois os fins de
interesse geral tidos em vista não interferem com as funções assumidas pela
Administração, embora esta os veja com bons olhos, limita-se a acompanhar as
suas actividades.
Exemplos: clubes desportivos, colectividades de cultura e recreio, associações
científicas.
b. Instituições particulares de solidariedade social
Intervenção por parte da Administração Pública de tipo intermédio, pois os fins
prosseguidos coincidem com funções da Administração. Esta favorece, mas
também fiscaliza, a coexistência colaborante entre as actividades privadas e
públicas.
Exemplo: Misericórdia.
c. Pessoas colectivas de utilidade pública administrativa
Intervenção por parte da Administração Pública de tipo máximo, pois estas
entidades vêm suprir uma omissão ou lacuna dos poderes públicos e
correspondem, por conseguinte, a uma modalidade de exercício privado de
funções públicas, onde a intervenção e o controlo administrativo e financeiro têm
de ser maiores.
Exemplo: associações de bombeiros voluntários.

Quanto ao regime jurídico das pessoas colectivas de utilidade pública destacam-se


os seguintes pontos: têm de actuar com consciência da sua utilidade pública, gozam
de isenções fiscais previstas nas leis tributárias, dispõem de tarifas reduzidas no
consumo de energia eléctrica, água, bem como nos transportes públicos e podem
requerer a expropriação por utilidade pública.
Muito se tem discutido se estas pessoas colectivas têm natureza privada ou
pública e, por consequência, se são entidades que se limitam a cooperar com a
Administração Pública sem dela fazerem parte, ou se se trata de elementos
integrantes do sector público. Sobre esta questão há duas teses, a tese tradicional e a
tese contrária.

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A primeira, sustentada por Marcello Caetano, via nestas entidades pessoas


colectivas de direito privado e regime administrativo, e não pessoas colectivas de
direito público.
A tese contrária, defendida por Afonso Queiró, considerava estas entidades como
pessoas colectivas de direito público, integradas na Administração, e não como
entidade privadas, fundamentalmente por se acharem sujeitas, no essencial, a um
regime jurídico de direito público.
O professor DFA considera que com o 25 de Abril desaparece a inclusão das
pessoas colectivas de utilidade pública na Administração Pública, bem como a sua
imediata sujeição à superintendência do Governo. Estas cooperam com a
Administração, não sendo elementos integrantes desta.
Podemos incorporá-las num “terceiro sector”, do qual estas são o coração e o
nervo – estão tão longe do sector público pelo seu espírito quanto do sector privado
pelos ses objectivos.

ELEMENTOS DA ORGANIZAÇÃO
ADMINISTRATIVA
Entendemos por “organização administrativa” o modo de estruturação concreta
que, em cada época, a lei dá à Administração Pública de um dado país.
Quanto aos elementos desta, são, basicamente, dois: as pessoas colectivas
públicas e os serviços públicos

I. Pessoas Colectivas Públicas


É importante, antes de tudo, distinguirmos pessoas colectivas públicas (ou de
direito público) de pessoas colectivas privadas (ou de direito privado). São múltiplos os
critérios que podemos utilizar, desde a iniciativa da criação à obrigação ou não de
existência, passando pela capacidade jurídica ou pelo exercício ou não da função
administrativa, entre outros.
O Professor DFA pensa que há que adoptar um critério misto, que combine a
criação, o fim e a capacidade jurídica.
Assim, serão pessoas colectivas públicas as pessoas colectivas criadas por
iniciativa pública (nascem sempre de uma decisão pública), para assegurar a
prossecução necessária de interesses públicos (as instituições particulares de
interesse público, apesar de prosseguirem também interesses púbicos, podem deixar
de o fazer, ou podem simultaneamente prosseguir interesses privados, não existem
necessariamente para prosseguir o interesse público) e, por isso, dotadas, em nome
próprio, de poderes e deveres públicos (não se enquadrando, aqui, as sociedades
concessionárias, que exercem poderes públicos em nome da Administração e não em
nome próprio).
Quais são as categorias de pessoas colectivas públicas no direito português
actual? São seis, ordenadas segundo o critério da maior dependência para a menor
dependência do Estado: o Estado; os institutos públicos; empresas públicas, na
modalidade de entidades públicas empresariais; associações públicas, autarquias
locais e regiões autónomas.
Podemos agrupar estas seis categorias em grupos: pessoas colectivas de
população e território (Estado, R.A. e autarquias locais); pessoas colectivas de tipo
institucional (institutos públicos e entidades públicas empresariais); pessoas colectivas
de tipo associativo (associações públicas).

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Quanto ao regime jurídico, este não é uniforme, depende da legislação aplicável,


mas da análise dos diversos textos que as regulam podemos concluir que os aspectos
predominantes do seu regime jurídico são os seguintes:
a. Criação e extinção
A maioria das pessoas colectivas públicas são criadas por acto do poder
central, mas há casos de criação por iniciativa pública local. Elas não têm o direito
de se dissolver, não se podem extinguir a si próprias.
b. Capacidade jurídica de direito privado e património próprio
c. Capacidade de direito público
São titulares de poderes e deveres públicos, entre eles os poderes de
autoridade (poder regulamentar, tributário, de expropriar, privilégio da execução
prévia, entre outros).
d. Autonomia administrativa e financeira
e. Isenções fiscais
f. Direito de celebrar contratos administrativos
g. Bens do domínio público
h. Funcionários públicos
Os institutos públicos e as empresas públicas constituem importante excepção
a este princípio.
i. Sujeição a um regime administrativo de responsabilidade civil
j. Sujeição a tutela administrativa
k. Sujeição à fiscalização do Tribunal de Contas
l. Foro administrativo
As questões surgidas da actividade pública das pessoas colectivas públicas
pertencem à competência dos tribunais de contencioso administrativo e não à dos
tribunais judiciais.

1. Órgãos
Todas as pessoas colectivas são dirigidas por órgãos. A estes cabe tomar
decisões em nome da pessoa colectiva ou manifestar a vontade imputável à pessoa
colectiva.
A respeito da natureza dos órgãos das pessoas colectivas debatem-se duas
grandes concepções. A primeira, defendida por Marcello Caetano, considera que os
órgãos são instituições e não indivíduos. Os indivíduos é que agem no mundo real em
nome das pessoas colectivas, mas agem como titulares dos órgãos destas, pois os
órgãos são instituições, são centros institucionalizados de poderes funcionais, são
feixes de competências. O órgão é o centro de poderes funcionais, o titular é o
indivíduo que exerce esses poderes funcionais em nome da pessoa colectiva,
portanto, o órgão é uma instituição e o titular do órgão é um indivíduo.
A segunda, defendida por Afonso Queiró e Marques Guedes, considera que os
órgãos são indivíduos, e não instituições. O órgão não é o centro de poderes e
deveres. O conjunto de poderes funcionais chama-se competência, não se chama
órgão, é a competência do órgão. Os indivíduos é que são os órgãos, os conjuntos de
poderes funcionais não são órgãos, são competências.
Na opinião do Professor DFA, ambas as correntes de opinião têm razão, mas só
em parte. Se nos colocarmos na perspectiva da organização administrativa é evidente
que os órgãos têm de ser concebidos como instituições – é óbvio que aquilo que
interessa ao nosso estudo não são os indivíduos que exercem essas funções, são as
funções em si mesmas, o indivíduo é irrelevante.
Mas se mudarmos de posição e nos colocarmos na perspectiva da actividade
administrativa (a Administração a actuar, a tomar decisões, a praticar actos
administrativos, etc.) então veremos que o que interessa é o órgão como indivíduo:
quem decide, quem delibera são os indivíduos, não são os centros institucionalizados
de poderes funcionais. Aqui o órgão da administração é o indivíduo e não a instituição.

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Assim, os órgãos da Administração devem ser concebidos como instituições para


efeitos de teoria da organização administrativa e como indivíduos para efeitos de
teoria da actividade administrativa.
Há diversas classificações possíveis dos órgãos das pessoas colectivas públicas,
entre elas:
a. Órgãos singulares e colegiais
Singulares são os que têm apenas um titular; colegiais os compostos por dos
ou mais titulares.
b. Órgãos centrais e locais
Centrais são os que têm competência sobre todo o território nacional, locais
são os que têm competência limitada a uma circunscrição administrativa.
c. Órgãos primários, secundários e vicários
Primários são os que dispõem de uma competência própria para decidir as
matérias que lhes estão confiadas, secundários são os que apenas dispõem de
uma competência delegada e órgãos vicários são os que só exercem competência
por substituição de outros órgãos (por exemplo, o vice-presidente de um órgão).
d. Órgãos representativos e órgãos não representativos
Representativos são aqueles cujos titulares são livremente designados por
eleição, os restantes são não representativos.
e. Órgãos activos, consultivos e de controlo
Activos são aqueles a quem compete tomar decisões ou executá-las, consultivos
são aqueles cuja função é esclarecer os órgãos activos antes de estes tomarem
uma decisão, de controlo são aqueles que têm por missão fiscalizar a regularidade
do funcionamento de outros órgãos.
f. Órgãos decisórios e executivos
Os órgãos activos podem, por sua vez, classificar-se em decisórios e
executivos. São decisórios aqueles a quem compete tomar decisões, são
executivos aqueles a quem compete executar tais decisões (pô-las em prática).
Dentro dos órgãos decisórios costuma falar-se em órgãos deliberativos, quando
estes tenham carácter colegial.
g. Órgãos permanentes e temporários
São permanentes aqueles que segundo a lei têm duração indefinida, são
temporários os que são criados para actuar apenas durante um certo período.
h. Órgãos simples e complexos
São simples os órgãos cuja estrutura é unitária, os órgãos singulares e os
órgãos colegiais cujos titulares só podem actuar colectivamente quando reunidos
em conselho; são complexos aqueles cuja estrutura é diferenciada, isto é, aqueles
que – como o Governo – são constituídos por titulares que exercem também
competências próprias a nível individual e são, em regra, auxiliados por adjuntos,
delegados e substitutos.

Falaremos, agora, dos órgãos colegiais em especial.


Estes encontram-se regulados no CPA pelos artigos 14º; 15º/1; 17º/1; 19º; 20º;
21º, 22º, 23º, 24º, 25º, 26º, 27º e 28º e pelo CPTA no art. 55º/1 e).
Numerosos termos técnicos são utilizados para identificar as diferentes fases e
operações em que se decompõe a constituição e o funcionamento dos órgãos
administrativos de tipo colegial. Os principais termos a conhecer são os seguintes:
a. Composição e constituição
Composição é o elenco abstracto dos membros que hão-de fazer parte do
órgão colegial, constituição é o acto pelo qual os membros de um órgão colegial,
uma vez designados, se reúnem pela primeira vez e dão início ao funcionamento
desse órgão.
b. Marcação e convocação de reuniões

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Marcação é a fixação da data e hora em que a reunião terá lugar, a


convocação é a notificação feita a todos e cada um dos membros acerca da
reunião a realizar.
c. Reuniões e sessões
Reunião de um órgão colegial é o encontro dos respectivos membros para
deliberarem sobre matéria da sua competência, se o órgão é de funcionamento
contínuo (Governo ou Câmara Municipal, por exemplo), diz-se que está em sessão
permanente, embora possa reunir apenas uma vez por semana, se se trata de um
órgão colegial de funcionamento intermitente (Assembleia Municipal ou
Assembleia de Freguesia, por exemplo), dir-se-á que tal órgão tem duas, três,
quatro, etc. sessões por ano, podendo haver em cada sessão várias reuniões.
d. Membros e vogais
Membros são todo os titulares do órgão colegial, o presidente, vice-presidente,
secretário ou tesoureiro são membros e não vogais. Vogais são apenas os
membros que não ocupem uma posição funcional dotada expressamente de uma
denominação apropriada.
e. Funcionamento, deliberação e votação
O funcionamento realiza-se através de reuniões. Uma das partes essenciais da
reunião é a deliberativa, isto é, aquela em que o órgão colegial é chamado a tomar
decisões em nome da pessoa colectiva a que pertence. O processo jurídico mais
frequente pelo qual os órgãos colegiais deliberam chama-se votação. Há casos em
que, porém, se pode deliberar sem votação, são os casos de deliberação por
consenso.
f. Quórum
É o número mínimo de membros de um órgão colegial que a lei exige para que
ele possa funcionar regularmente ou deliberar validamente. Há que distinguir entre
quórum de funcionamento e quórum de deliberação.
g. Modos de votação
Existe a votação pública e a votação secreta.
h. Maioria
A lei exige, normalmente, para se poder considerar ter sido tomada uma
decisão, que nesse sentido tenha votado a maioria, que se define por mais de
metade dos votos. A maioria diz-se simples ou absoluta, se corresponde a mais de
metade dos votos; relativa se traduz apenas a maior votação obtida entre várias
alternativas, ainda que não atinja mais de metade dos votos; e qualificada ou
agravada se a lei a faz corresponder a um número superior à maioria simples.
i. Voto de desempate e voto de qualidade
A forma mais usual que a lei utiliza para resolver o impasse criado por uma
votação empatada consiste na atribuição ao presidente do órgão colegial do direito
de fazer um voto de desempate ou um voto de qualidade. No primeiro, procede-se
à votação sem que o presidente vote e, se houver empate, o presidente vota
desempatando, no segundo, o presidente participa como os outros membros na
votação geral e, havendo empate, considera-se automaticamente desempatada a
votação de acordo com o sentido em que o presidente tiver votado.
j. Adopção e aprovação
Se a votação é favorável a uma certa proposta ou projecto, diz-se destes que
foram adoptados ou aprovados pelo órgão colegial. A partir daí, tais propostas ou
projectos deixam de exprimir o ponto de vista do membro apresentador ou
proponente para se converterem numa decisão do órgão em causa.
k. Decisão e deliberação
Há quem entenda que decisão é em relação a órgãos singulares e deliberação a
órgãos colegiais, mas o Professor DFA pensa que é mais correcto admitir que todo
o acto administrativo é uma decisão, sendo a deliberação o processo específico
usado nos órgãos colegiais para tomar decisões.
l. Actos e actas

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Os órgãos colegiais da Administração Pública tomam decisões que configuram


actos jurídicos, estes não se confundem com as actas, isto é, os documentos em
que se relata por escrito a ocorrência de reuniões e tudo quanto nelas se tenha
passado.
m. Dissolução e demissão
Só há dissolução quanto a órgãos colegiais designados por eleição, se os
titulares do órgão colegial são nomeados, o acto que põe termo colectivamente ás
suas funções é uma demissão.

2. Atribuições e Competência
As pessoas colectivas existem para prosseguir determinados fins. Os fins das
pessoas colectivas públicas chamam-se atribuições (fins ou interesses que a lei
incumbe as pessoas colectivas públicas de prosseguir). Para o fazerem, precisam de
poderes, são os chamados poderes funcionais. Ao conjunto de poderes funcionais
chamamos competência.
A competência é, assim, o conjunto de poderes funcionais que a lei confere para a
prossecução das atribuições das pessoas colectivas públicas.
Em princípio, e na maior parte dos casos, nas pessoas colectivas públicas, as
atribuições referem-se à pessoa colectiva em si mesma, enquanto a competência se
reporta aos órgãos. A lei especificará, portanto, as atribuições de cada pessoa
colectiva e, noutro plano, a competência de cada órgão. Assim, qualquer órgão da
Administração, ao agir, tem pela frente duas limitações: por um lado está limitado pela
sua própria competência e, por outro lado, está também limitado pelas atribuições da
pessoa colectiva em cujo nome actua. Atribuições e competências limitam-se, assim,
reciprocamente umas às outras.
Esta distinção, ente atribuições e competências tem uma grande importância, não
só para se compreender a diferença que existe entre os fins que se prosseguem e os
meios jurídicos que se usam para prosseguir esses fins, mas também porque a lei
estabelece uma sanção diferente para o caso de os órgãos da Administração
praticarem actos estranhos às atribuições das pessoas colectivas públicas (nulidade)
ou actos fora da competência confiada a cada órgão (anulabilidade).
Cumpre frisar que no Estado, o que separa juridicamente os órgãos uns dos outros
não é apenas a competência de cada um, são também, e sobretudo, as atribuições.
Enquanto no município, por exemplo, os órgãos têm competências diferentes mas
prosseguem todos as mesmas atribuições (as do município), no Estado as atribuições
estão repartidas por ministérios. Isto significa, em termos práticos, que se o Ministro A
praticar um acto sobre matéria estranha ao seu ministério, porque incluída no
ministério B, a ilegalidade do seu acto não será apenas a incompetência por falta de
competência, mas a incompetência por falta de atribuições – o acto será nulo (art.
133º/2 b) CPA).

3. Da competência em especial
O primeiro princípio que cumpre sublinhar é o de que a competência só pode ser
conferida, delimitada ou retirada pela lei: é sempre a lei (ou o regulamento) que fixa a
competência dos órgãos da Administração Pública – princípio da legalidade da
competência (art. 29º/1 CPA). Deste princípio se retiram algumas ideias: a
competência não se presume, é imodificável, irrenunciável e inalienável.
A distribuição de competências pelos vários órgãos de uma pessoa colectiva
pública pode ser feita em função de quatro critérios: em razão da matéria (quando a lei
diz, por exemplo, que à Assembleia Municipal incumbe fazer regulamentos e ao
Presidente da Câmara celebrar contratos), em razão da hierarquia (aqui a lei efectua
uma repartição vertical de poderes), em razão do território (repartição do poder entre
órgãos centrais ou locais) ou em razão do tempo (em princípio só há competência
administrativa em relação ao presente).

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Consequentemente, um acto administrativo praticado por certo órgão da


Administração contra as regras que delimitam a competência dir-se-á ferido de
incompetência.
Quais as espécies de competência? Há sete principais classificações:
a. Quanto ao modo de atribuição legal da competência
Pode ser explícita (quando a lei a confere por forma clara e directa) ou implícita
(é deduzida de outras determinações legais ou de certos princípios gerais do
Direito público).
b. Quanto aos termos do exercício da competência
Pode ser condicionada ou livre, conforme o seu exercício esteja ou não
dependente de limitações específicas impostas por lei.
c. Quanto à substância e efeitos da competência
Pode ser dispositiva (poder de emanar um dado acto administrativo sobre uma
matéria, pondo e dispondo acerca do assunto) ou revogatória (poder de revogar
esse primeiro acto, com ou sem possibilidade de o substituir por outro diferente).
d. Quanto à titularidade dos poderes exercidos
Pode se própria ou delegada/concedida (o órgão administrativo exerce, nos
termos da lei, uma parte da competência de outro órgão, cujo exercício lhe foi
transferido por delegação ou concessão).
e. Quanto ao número de órgãos a que pertence a competência
Pode ser singular ou conjunta (pertence simultaneamente a dois ou mais
órgãos diferentes, tendo de ser exercida por todos eles em acto único – é o que se
passa com as matérias de índole interministerial).
f. Quanto à inserção da competência nas relações interorgânicas
Pode ser dependente ou independente conforme o órgão seu titular esteja ou
não integrado numa hierarquia e, por consequência, se ache ou não sujeito ao
poder de direcção de outro órgão e ao correspondente dever de obediência.
Dentro da competência dependente há que considerar os casos de competência
comum (tanto o superior como o subalterno podem tomar decisões sobre o mesmo
assunto, valendo como vontade da Administração aquela que primeiro for
manifestada) e de competência própria (o poder de praticar um certo acto
administrativo é atribuído directamente por lei ao órgão subalterno). Dentro da
competência própria há, ainda, a considerar três sub-hipóteses: competência
separada (o subalterno é, por lei, competente para praticar actos administrativos,
que podem ser executórios mas não são definitivos, pois deles cabe recurso
hierárquico necessário); competência reservada (os actos são definitivos e
executórios, mas deles, além da correspondente acção em juízo, cabe recurso
hierárquico facultativo); e competência exclusiva (são actos definitivos e
executórios, dos quais não cabe qualquer recurso hierárquico, mas porque não é
órgão independente, o subalterno pode vir a receber do seu superior uma ordem
de revogação).
g. Competência objectiva e subjectiva
Art. 112º/8 CRP. É uma terminologia inadequada, a competência subjectivo é
uma expressão sem sentido que pretende significar a indicação do órgão a quem é
dada uma certa competência.
Falando, agora, das regras legais sobre a competência, o CPA trouxe algumas
regras inovadoras nesta matéria que se encontram nos artigos 30º/1, 2 e 3; 31º/1 e 2;
33º/1; 34º/1, 2, 3 e 4; 42º.

4. Conflito de atribuições e competências


Na prática da vida administrativa ocorrem várias vezes conflitos de atribuições e de
competência, isto é, disputas ou litígios entre órgãos da Administração acerca das
atribuições ou competências que lhes cabe prosseguir ou exercer, podendo estes ser
positivos (reivindicam para si a prossecução da mesma atribuição ou o exercício da

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mesma competência) ou negativos (consideram que lhes faltam


atribuições/competências).
O CPA, CPTA e a CRP vieram trazer critérios gerais de solução que se encontram
nos artigos 42º/2 a), b) e c) e 43º do CPA; no artigo 135º/2 do CPTA e no artigo 201º/1
a) da CRP. Embora o CPA não o diga expressamente, está implícito no art. 43º que a
Administração Pública deve dar preferência à resolução administrativa dos conflitos
sobre a sua resolução judicial.

II. Serviços Públicos


Os serviços públicos constituem as células que compõem internamente as
pessoas colectivas públicas. O Estado é uma pessoa colectiva pública e dentro dele
há direcções-gerais, gabinetes, inspecções, repartições, etc. estes são os serviços
públicos. Do mesmo modo se passam as coisas nas outras pessoas colectivas
públicas, dentro de cada uma delas funcionam diversas organizações, que são os
serviços públicos. São organizações situadas no interior da pessoa colectiva pública e
dirigidas pelos respectivos órgãos, desenvolvendo actividades de que ela carece para
prosseguir os seus fins.
Podem-se definir, então, como as organizações humanas criadas no seio de cada
pessoa colectiva pública com o fim de desempenhar as atribuições desta, sob a
direcção dos respectivos órgãos.
É importante focar bem as relações que existem entre os órgãos das pessoas
colectivas públicas e os serviços públicos. Tais relações são de dois tipo: por um lado
os órgãos dirigem a actividade dos serviços; por outro, os serviços auxiliam a actuação
dos órgãos.
As decisões dos órgãos têm de ser rodeadas de particulares cuidados, em termos
que garantam a escolha da melhor solução possível à face do interesse público a
prosseguir. Daí que se torne necessário, antes da intervenção do órgão com
competência decisória, desenvolver uma actividade prévia de preparação e estudo das
diversas soluções possíveis de modo a habilitá-lo a decidir da forma mais adequada.
Além disso, depois de tomadas as decisões, elas precisam de ser executadas, sob
pena de grave inoperância do aparelho administrativo. Os serviços públicos
desenvolvem a sua actuação quer na fase preparatória da formação da vontade do
órgão administrativo (preparação), quer na fase que se segue à manifestação daquela
vontade, cumprindo e fazendo cumprir aquilo que tiver sido determinado (execução).

1. Regime Jurídico
Os princípios fundamentais do regime jurídico dos serviços públicos são os
seguintes:
a. O serviço público releva sempre de uma pessoa colectiva pública
b. O serviço público está vinculado à prossecução do interesse público
c. A criação e extinção de serviços públicos, bem como a sua fusão e
reestruturação, são aprovadas por decreto-regulamentar
d. A organização interna dos serviços públicos é matéria regulamentar
e. O regime de organização e funcionamento de qualquer serviço público é
modificável
f. A continuidade dos serviços públicos deve ser mantida
g. Os serviços públicos devem tratar e servir todos os particulares em pé de
igualdade
h. A utilização dos serviços públicos pelos particulares é em princípio onerosa
i. Os serviços públicos podem gozar de exclusivo ou actuar em concorrência
j. Os serviços públicos podem actuar de acordo quer com o direito público
quer com o direito privado
k. A lei admite vários modos de gestão dos serviços públicos

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l. Os utentes do serviço público ficam sujeitos a regras próprias que os


colocam numa situação jurídica especial
m. Natureza jurídica do acto criador da relação de utilização do serviço público
pelo particular

2. Organização
Os serviços públicos podem ser organizados segundo três critérios: organização
horizontal (organização em razão da matéria ou fim), territorial (organização em razão
do território) e vertical (organização em razão da hierarquia).
A primeira atende, por um lado, à distribuição dos serviços pelas pessoas
colectivas públicas e, dentro estas, à especialização dos serviços segundo o tipo de
actividades a desempenhar.
A segunda remete-nos para distinção entre serviços centrais e serviços periféricos,
consoante os mesmos tenham um âmbito de actuação nacional ou meramente
localizado em áreas menores.
A terceira modalidade traduz-se na estruturação dos serviços em razão da sua
distribuição por diversos graus ou escalões do topo à base, que se relacionam entre si
em termos de supremacia e subordinação.

3. Hierarquia
Esta terceira modalidade dá origem à hierarquia, colocando-se, aqui, a questão de
que o devemos entender por hierarquia. O Professor DFA dá-nos a seguinte definição:
é o modelo de organização administrativa vertical, constituído por dois ou mais órgãos
e agentes com atribuições comuns, ligados por um vínculo jurídico que confere ao
superior o poder de direcção e impõe ao subalterno o dever de obediência.
Entre nós, e nos países do mesmo tipo de civilização e cultura, a maioria dos
serviços obedece ao modelo vertical hierárquico herdado do Império Romano e da
Igreja Católica.
O modelo hierárquico caracteriza-se pelos seguintes traços específicos: existência
de um vínculo entre dois ou mais órgãos e agentes administrativos, comunidade de
atribuições entre os elementos da hierarquia e vínculo jurídico constituído pelo poder
de direcção e pelo dever de obediência.
Quanto a este último traço, é importante realçar que a vontade do superior tem, em
regra, mais força jurídica do que a do subalterno, mas não dispõe desta, nem a
substitui: o subalterno é que decide, livremente, se obedece ou não às ordens do
superior, ainda que a desobediência lhe possa acarretar sanções e dissabores de
vária ordem. A prova de que o subalterno não é um autómato cego e mecanicamente
obediente está na competência que a lei lhe confere para “examinar a legalidade de
todos os comandos hierárquicos” e para, em certos casos – actos criminosos, por
exemplo – rejeitar a obediência, recusando o cumprimento de determinadas ordens
superiores.
A principal distinção de modalidades de hierarquia é a que distingue entre
hierarquia interna e hierarquia externa.
A primeira é um modelo vertical de organização interna dos serviços públicos que
assenta na diferenciação entre superiores e subalternos. Deparamo-nos com vínculos
de superioridade e subordinação entre agentes administrativos. Não é relacional, é
orgânica. O exercício do comando não é atribuído unicamente ao chefe supremo do
serviço, mas repartido pelos principais subalternos, que ficam, assim, investidos na
posição de subalternos superiores: é uma hierarquia de chefias. O comando/chefia
exercem-se por meio de actos puramente internos, tais como ordens escritas ou
verbais ou instruções.
A segunda não surge no âmbito do serviço público, mas no quadro da pessoa
colectiva pública. É uma hierarquia externa, uma hierarquia de órgãos – os vínculos de
superioridade e subordinação estabelecem-se entre órgãos da Administração. Os
subalternos, aqui, não se limitam a desempenhar actividades, praticam actos

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administrativos. São actos externos, que se projectam na esfera jurídica de outros


sujeitos de direito, atingem particulares – é relacional.
Vamos, agora, tratar do conteúdo propriamente dito da hierarquia – os poderes do
superior e os deveres do subalterno, em especial o dever de obediência.
Quanto aos poderes do superior, estes são, basicamente, três: o poder de
direcção, o poder de supervisão e o poder disciplinar. O primeiro é o principal, todavia,
se pudesse aparecer desacompanhado dos outros dois, a posição de autoridade do
superior ficaria inevitavelmente enfraquecida.
O poder de direcção consiste na faculdade de o superior dar ordens (comandos
individuais e concretos) e instruções (comandos gerais e abstractos) em matéria de
serviço, ao subalterno. A eficácia de tais comandos ou instruções é meramente
interna, cifrando-se o seu desrespeito apenas na responsabilidade disciplinar do
subalterno perante o superior.
O poder de supervisão consiste na faculdade de o superior revogar ou suspender
os actos administrativos praticados pelo subalterno. Este poder pode ser exercido por
duas maneiras: por iniciativa do superior, que para o efeito avocará (chamará a si) a
resolução do caso; ou em consequência de recurso hierárquico perante ele interposto
pelo interessado. A medida em que o superior pode ou não fazer acompanhar a
revogação dos actos do subalterno de outros actos administrativos depende do grau
maior ou menor de desconcentração estabelecida por lei e, portanto, da dose maior ou
menor de competências próprias ou delegadas que o subalterno legalmente detenha.
O poder disciplinar consiste na faculdade de o superior punir o subalterno,
mediante a aplicação de sanções previstas na lei em consequência das infracções à
disciplina da função pública cometidas.
Existem outros poderes normalmente integrados na competência dos superiores
hierárquicos, ou que se discute se o são ou não, tais como: poder de inspecção
(faculdade de o superior fiscalizar continuamente o comportamento dos subalternos e
o funcionamento dos serviços); poder de decidir os recursos (faculdade de o superior
reapreciar os casos primariamente decididos pelos subalternos, podendo confirmar ou
revogar os actos impugnados), poder de decidir conflitos de competência (faculdade
de o superior declarar, em caso de conflito passivo ou negativo entre subalternos
seus, a qual deles pertence a competência); poder de substituição (faculdade de o
superior exercer legitimamente competências conferidas ao subalterno), com o qual o
Professor DFA não concorda, pois isso invalidaria todas as finalidades que levam a lei
a desconcentrar a competência dos superiores nos seus subalternos – se a lei
desconcentra, é porque considera preferível para o interesse público, bem como para
garantia dos interesses privados, que certas decisões sejam tomadas por
determinados órgãos subalternos. No caso de delegação de poderes já é consentida a
avocação e a revogação, a qualquer momento, da delegação.
Quanto aos deveres do subalterno, podemos falar de deveres de obediência,
assiduidade, zelo e aplicação, sigilo profissional, entre outros. Destes deveres
destaca-se o de obediência.
O dever de obediência consiste na obrigação de o subalterno cumprir as ordens e
instruções dos seus legítimos superiores hierárquicos, dadas em objecto de serviço e
sob a forma legal.
Este dever tem três requisitos: que a ordem ou as instruções provenham de
legítimo superior hierárquico do subalterno em causa, que a ordem ou as instruções
sejam dadas em matéria de serviço e que a ordem ou as instruções revistam a forma
legalmente prescrita.
Um problema que tem tido grande dimensão na doutrina é o de saber se, a ordem,
apesar de cumprir os três requisitos anteriores, for intrinsecamente ilegal, deve ou não
o subalterno obedecer?
Existem duas correntes, a hierárquica e a legalista.
Para a primeira (defendida por Laband e Otto Mayer, Marcello Caetano, entre
outros) existe sempre dever de obediência, não assistindo ao subalterno o direito de

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interpretar ou questionar a legalidade das determinações do superior. Admitir o


contrário seria a subversão da razão de ser da hierarquia. Quando muito, em caso de
fundadas dúvidas quanto à legalidade de uma ordem, o subalterno poderá exercer o
direito de respeitosa representação junto do superior expondo-lhe as suas dúvidas,
mas tem de cumprir efectivamente a ordem se esta for mantida ou confirmada por
aquele.
Já para a corrente legalista (defendida por Hauriou, Jèze, Orlando, Santi Romano
ou João Tello de Magalhães Collaço) não existe dever de obediência em relação a
ordens julgadas ilegais.
O Professor DFA inclina-se para a corrente legalista mas numa orientação
moderada. O sistema que prevalece é um sistema legalista mitigado que resulta do
art. 271º/2 e 3 da CRP. Assim, não há dever de obediência senão nos casos em que
as ordens ou instruções sejam emanadas do legítimo superior hierárquico, em objecto
de serviço e com a forma legal nem quando o cumprimento das ordens ou instruções
implique a prática de qualquer crime (art. 271º/3 CRP) ou quando as ordens ou
instruções provenham de acto nulo (art. 134º/1 CPA).
Em conclusão, o dever de obediência a ordens legais é, na verdade, uma
excepção ao princípio da legalidade, mas uma excepção que é legitimada pela própria
CRP.

SISTEMAS DE ORGANIZAÇÃO
ADMINISTRATIVA
Quanto aos sistemas de organização, analisaremos três grandes opções que se
apresentam ao legislador e aos políticos: a opção entre concentração e
desconcentração; a opção entre centralização e descentralização; e a opção entre
integração e devolução de poderes.

I. Concentração e Desconcentração
Cumpre, antes de mais, referir que tanto o sistema da concentração como o
sistema da desconcentração dizem respeito à organização administrativa de uma
determinada pessoa colectiva pública. Mas o problema da maior ou menor
concentração ou desconcentração existente não tem nada a ver com as relações entre
o Estado e as demais pessoas colectivas (como sucede com a
centralização/descentralização): é uma questão que se põe apenas dentro do Estado,
ou apenas dentro de qualquer outra entidade pública.
Importa ter presente que a concentração ou desconcentração têm como pano de
fundo a organização vertical dos serviços públicos. A concentração de competência ou
a administração concentrada é o sistema em que o superior hierárquico mais elevado
é o único órgão competente para tomar decisões, ficando os subalternos limitados às
tarefas de preparação e execução das decisões daquele. Por seu turno, a
desconcentração ou a administração desconcentrada é o sistema em que o poder
decisório se reparte entre o superior e um ou vários órgãos subalternos, os quais,
todavia, permanecem sujeitos à direcção e supervisão daquele.
Em rigor, não existem sistemas integralmente concentrados nem sistemas
absolutamente desconcentrados. O que normalmente sucede é que os sistemas se
nos apresentam mais ou menos concentrados ou mais ou menos desconcentrados.
A CRP consagra no art. 267º/2 o princípio da desconcentração administrativa, esta
é a tendência moderna.
Quais as vantagens da desconcentração? Aumenta a eficiência dos serviços
públicos que se pode traduzir na maior rapidez de resposta às solicitações dirigidas à
Administração; ou pode revelar-se na melhor qualidade do serviço, já que a

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desconcentração viabiliza a especialização de funções, propiciando um conhecimento


mais aprofundado dos assuntos a resolver. Enquanto liberta os superiores da tomada
de decisões de menor relevância, cria-lhes condições para ponderarem a resolução
das questões de maior responsabilidade que lhes ficam reservadas.
No entanto, existem, também, inconvenientes. A multiplicidade dos centros
decisórios pode inviabilizar uma actuação harmoniosa, coerente e concertada da
Administração; a especialização que normalmente acompanha a desconcentração de
competências tenderá a converter-se na redução do âmbito de actividades dos
subalternos, gerando a sua desmotivação. O facto de se atribuírem responsabilidades
a subalternos por vezes menos preparados para as assumir pode levar à diminuição
da qualidade do serviço.
Quais são as espécies de desconcentração? Podemos encontrá-las à luz de três
critérios fundamentais:
a. Quanto aos níveis
Desconcentração a nível central e a nível local consoante se inscreva no
âmbito dos serviços da Administração central ou no âmbito dos serviços da
Administração local.
b. Quanto aos graus
Desconcentração absoluta – tão intensa que os órgãos por ela atingidos se
transformam de órgãos subalternos em órgãos independentes – ou relativa –
menos intensa, é a regra geral no direito português, desconcentração e hierarquia
coexistem.
c. Quanto às formas
Desconcentração originária – decorre imediatamente da lei – ou derivada –
carecendo embora de permissão legal expressa, só se efectiva mediante um acto
específico praticado para o efeito pelo superior.

1. A delegação de poderes
Por vezes sucede que a lei, atribuindo a um órgão a competência normal para a
prática de determinados actos, permite no entanto que esse órgão delegue noutro uma
parte dessa competência.
A delegação de poderes (ou de competência) é o acto pelo qual um órgão da
Administração normalmente competente para decidir em determinada matéria. Esta
tem três requisitos.
Primeiro é necessária uma lei que preveja expressamente a faculdade de um
órgão delegar poderes noutro, é a chamada lei de habilitação. Porque a competência é
irrenunciável e inalienável, só pode haver delegação de poderes com base na lei – art.
111º/2 CRP e art. 29º CPA.
Em segundo lugar é necessária a existência de dois órgãos, o de um órgão e de
um agente, da mesma pessoa colectiva pública ou de dois órgãos de pessoas
colectivas públicas distintas, dos quais um seja o órgão normalmente competente (o
delegante) e o outro, o órgão eventualmente competente (o delegado).
Por último, é necessária a prática do acto de delegação propriamente dito, isto é, o
acto pelo qual o delegante concretiza a delegação dos seus poderes no delegado,
permitindo-lhe a prática de certos actos na matéria sobre a qual é normalmente
competente.
Existem diversas figuras afins da delegação de poderes:
a. A transferência legal de competências
É uma forma de desconcentração originária, que se produz ope legis. É
definitiva, enquanto que a delegação é precária.
b. Concessão
Difere da delegação de poderes na medida em que tem por destinatário, em
regra, uma entidade privada, ao passo que a delegação de poderes é dada a um
órgão ou agente da Administração, além disso, destina-se a entregar a empresas o
exercício de uma actividade económica lucrativa, que será gerida por conta e risco

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do concessionário, enquanto na delegação de poderes o delegado passa a exercer


uma competência puramente administrativa.
c. Delegação de serviços públicos
Também tem em vista transferir para entidades particulares, embora aqui sem
fins lucrativos, a gestão global de um serviço público de carácter social ou cultural.
d. Representação
Os actos que o representante pratica são praticados em nome do
representado, e os respectivos efeitos jurídicos vão se reproduzir na esfera jurídica
deste – na delegação de poderes, o delegado exerce a competência em nome
próprio, pelo que os actos que pratica ao abrigo da delegação persistem sempre
como actos seus, e os respectivos efeitos inserem-se na esfera jurídica da pessoa
colectiva pública a que o delegado pertence. O delegado não é um representante
do delegante, é um órgão da pessoa colectiva de que faz parte.
e. Substituição
Dá-se quando a lei permite que uma entidade exerça poderes ou pratique
actos que pertencem à esfera jurídica própria de uma entidade distinta - é o caso
da tutela substitutiva, por exemplo. Ora, na delegação de poderes, o delegante não
invade a esfera própria do delegado, nem este invade a competência daquele. Por
outro lado, os actos praticados pelo delegado no exercício da delegação não se
projectam na esfera própria do delegante, continuam sempre a pertencer à do
delegado: o contrário se passa na substituição.
f. Suplência
Quando o titular de um órgão administrativo não pode exercer o seu cargo, por
“ausência, falta ou impedimento”, ou por vacatura do cargo, a lei manda que as
respectivas funções sejam asseguradas, transitoriamente, por um suplente. Há um
só órgão que passa a ter novo titular, ainda que provisório. O CPA também chama
a estes casos de suplência substituição (art. 41º).
g. Delegação de assinatura
A lei permite que certos órgãos da Administração incumbam um funcionário
subalterno de assinar a correspondência expedita em nome daqueles, a fim de os
aliviar do excesso de trabalho não criativo que de outra maneira os
sobrecarregaria.
h. Delegação tácita
A lei, depois de definir a competência de um certo órgão, A, determina que
essa competência, ou parte dela, se considerará delegada noutro órgão, B, se e
enquanto o primeiro, A, nada disser em contrário.

Quanto às espécies de habilitação temos a habilitação genérica ou específica. No


primeiro caso a lei permite que certos órgãos deleguem, sempre que quiserem, alguns
dos seus poderes em determinados outros órgãos, de tal modo que uma só le de
habilitação serve de fundamento a todo e qualquer acto de delegação praticado entre
esses tipos de órgãos – art. 35º/2 e 3 do CPA. Este artigo impõe uma limitação
importante: neste tipo de delegações só podem ser delegados poderes para a prática
de actos de administração ordinária, por oposição aos actos de administração
extraordinária, que ficam sempre indelegáveis, salvo lei de habilitação específica.
Como se distinguem os dois conceitos? São actos de administração ordinária
todos os actos não definitivos (actos preparatórios e actos de execução), bem como os
actos definitivos que sejam vinculados ou cuja discricionariedade não tenha significado
ou alcance inovador na orientação geral da entidade pública a que pertence o órgão.
Se se tratar de definir orientações gerais novas, ou de alterar as existentes, estaremos
perante uma administração extraordinária.
Quanto às espécies de delegação, estas podem ser, sob o prisma da sua
extensão, amplas ou restritas e pelo objecto da delegação, específicas ou genéricas.
Importa ainda dizer que há casos de delegação hierárquica e casos de delegação não
hierárquica e que, para além da delegação propriamente dita, ou de primeiro grau,

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existe a subdelegação de poderes, que pode ser uma delegação de 2º, 3º, 4º, etc.
grau.
No que ao regime jurídico da delegação respeita há muito para dizer., vejamos as
linhas gerais:
a. Requisitos do acto de delegação
– Quanto ao conteúdo
Art. 37º/1 CPA. É através desta especificação dos poderes delegados
que se fica a saber se a delegação é ampla ou restrita, e genérica ou
específica. A indicação do conteúdo da competência delegada deve ser
feita positivamente
– Quanto à publicação
Art. 37º/2 CPA. Sujeitos a publicação no Diário da República ou,
tratando-se de administração local, no boletim da autarquia
– Falta de algum dos requisitos exigidos por lei
Os requisitos quanto ao conteúdo são requisitos de validade, pelo que a
falta de qualquer um destes torna o acto inválido; os requisitos quando à
publicação são requisitos de eficácia, pelo que a falta desta torna o acto
ineficaz.
b. Poderes do delegante
Uma vez conferida delegação de poderes pelo delegante ao delegado, este
adquire a possibilidade de exercer esses poderes para a prossecução do interesse
público, mas em que situação fica, a partir do acto de delegação, o delegante?
Sustentam alguns autores (M. Caetano e A. Gonçalves Pereira) que a partir do
acto de delegação o delegante não perde nem os seus poderes nem a
possibilidade de os exercer: delegante e delegado ficarão investidos de
competência simultânea sobre as matérias que foram objecto da delegação, o
primeiro que o fizer impedirá o exercício da mesma competência por parte do outro
(preclusão da competência).
O Professor DFA não concorda com esta posição. O que o delegante tem é a
faculdade de avocação de casos concretos compreendidos no âmbito da
delegação conferida (art. 39º/2 CPA): se avocar, e apenas quando o fizer, o
delegado deixa de poder resolver esses casos, que passam de novo para a
competência do delegante. Mas em cada momento há apenas um órgão
competente. Além do poder de avocação, o delegante tem ainda o poder de dar
ordens, directivas ou instruções ao delegado, sobre o modo como deverão ser
exercidos os poderes delegados (art. 39º/1 CPA). O delegante pode, também,
revogar qualquer acto praticado pelo delegado ao abrigo da delegação (art. 39º/2
CPA).
c. Requisitos dos actos praticados por delegação
Sob pena de ilegalidade, os actos administrativos praticados pelo delegado ao
abrigo da delegação devem obediência estrita aos requisitos de validade fixados
na lei. Para além disso, a sua legalidade depende da existência, validade e
eficácia do acto de delegação. Os actos praticados pelo delegado devem,
naturalmente, obedecer aos requisitos genéricos exigidos por lei para os actos
administrativos, bem como aos requisitos específicos do tipo legal de acto a
praticar em cada caso. Mas há, por serem actos praticados por delegação, mais
um requisito especial: devem conter a menção expressa de que são praticados por
delegação, identificando-se o órgão delegante (art. 38º CPA).
d. Natureza dos actos do delegado
– Os actos do delegado serão definitivos?
Para o Professor DFA os actos do delegado são definitivos e executórios
nos mesmos termos em que o seriam se tivessem sido praticado pelo
delegante.
– Caberá recurso hierárquico dos actos do delegado para o delegante?

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Se se tratar de uma delegação hierárquica, dos actos praticados pelo


subalterno-delegado cabe sempre recurso hierárquico para o superior-
delegante: se os actos do delegado forem definitivos, o recurso hierárquico
será facultativo, se não forem, será necessário. (diferente do professor Tiago
Duarte)
e. Extinção da delegação
Por um lado a delegação pode ser extinta por revogação, pois é um acto
precário; por outro lado, a delegação extingue-se por caducidade sempre que
mudar a pessoa do delegante ou a do delegado (art. 40º b) CPA), a delegação é,
pois, um acto praticado intuitu personae.
f. Regime jurídico da subdelegação
Salvo disposição legal em contrário, qualquer delegante pode autorizar o
delegado a subdelegar (art. 36º/1 CPA): passou, pois, a haver uma habilitação
genérica permissiva de todas as subdelegações de primeiro grau. Quanto às
subdelegações de segundo grau e subsequentes, a lei dispensa quer a
autorização prévia do delegante, quer a do delegado, e entrega-as à livre decisão
do subdelegado, salvo disposição legal em contrário ou reserva expressa do
delegante ou do subdelegante (art. 36º/2 CPA).

Quanto à natureza jurídica da delegação de poderes há três concepções: a tese da


alienação (a delegação de poderes é um acto de transmissão ou alienação de
competência do delegante para o delegado), a tese da autorização (a competência do
delegante não é alienada nem transmitida para o delegado, a lei de habilitação confere
desde logo uma competência condicional ao delegado sobre as matérias em que
permite a delegação) e a tese da transferência do exercício (a delegação de poderes
constitui uma espécie de transferência do delegante para o delegado, não havendo,
porém, a transferência da titularidade dos poderes, mas uma transferência do
exercício dos poderes).
O Professor DFA critica as duas primeiras e acolhe a última.
Quanto à primeira, se a delegação fosse uma autêntica alienação, isso significaria
que os poderes delegados deixariam de pertencer ao delegante, a titularidade dos
poderes passaria, na íntegra, para o delegado. Ora isso não acontece, pois o
delegante pode sempre avocar casos compreendidos no objecto da delegação, pode e
deve orientar o exercício dos poderes delegados e pode revogar os actos praticados
pelo delegado tal como a própria delegação em si.
Quanto à segunda tese são muitas as críticas. Primeiro, é contrária à letra da lei,
que diz “pode delegar os seus poderes…” ao dizer os seus poderes, a lei está
inequivocamente a sublinhar que a competência é do delegante. Segundo, se o
potencial delegado já fosse competente por lei antes de o acto de delegação ser
praticado, não se perceberia que pudesse aparecer qualificado como mero agente (art.
35º/1 CPA). Em terceiro, se ele fosse já titular, teria de se lhe reconhecer um interesse
legítimo na pretensão de exercer a competência delegável, uma vez que esta seria já
sua, o que levaria a uma subversão da hierarquia. Em quarto lugar, na realidade, a
competência do delegado é uma competência alheia e, por isso, se explica que possa
caber por inteiro ao titular dessa competência a designação de quem a vai exercer.
Em quinto, o órgão delegado disporia de uma competência própria para prosseguir as
atribuições não da pessoa colectiva a que pertence, mas da pessoa colectiva a que
pertence o delegante.

II. Centralização e Descentralização


Convém, antes de mais, distinguir entre centralização/ descentralização no plano
jurídico e no plano político-administrativo.

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No plano jurídico, diz-se centralizado o sistema em que todas as atribuições


administrativas de um dado país são, por lei, conferidas ao Estado, não existindo,
portanto, quaisquer outras pessoas colectivas públicas incumbidas do exercício da
função administrativa.
Chamar-se-á, pelo contrário, descentralizado o sistema em que a função
administrativa esteja confiada não apenas ao Estado, mas também a outras pessoas
colectivas territoriais. A descentralização jurídica pode constituir um véu enganador
sobre a realidade de uma forte centralização político-administrativa (CRP33).
No plano político-administrativo, há centralização quando os órgãos das autarquias
locais sejam livremente nomeados e demitidos pelos órgãos do Estado, quando
devam obediência ao Governo ou ao partido único, ou quando se encontrem sujeitos a
formas particularmente intensas de tutela administrativa, designadamente a uma
ampla tutela de mérito.
Pelo contrário, diz-se que há descentralização, em sentido político-administrativo,
quando os órgãos das autarquias locais são livremente eleitos pelas respectivas
populações, quando a lei os considera independentes na órbita das suas atribuições e
competências, e quando estiverem sujeitos a formas atenuadas de tutela
administrativa, em regra restritas ao controlo da legalidade. Coincide com o conceito
de auto-administração.
Os conceitos de centralização/descentralização em sentido jurídico são conceitos
puros e absolutos – ou existe uma, ou existe a outra, enquanto que em sentido
político-administrativo são conceitos relativos.
Quais as vantagens da centralização? Assegura melhor que qualquer outro
sistema a unidade do Estado; garante a homogeneidade da acção política e
administrativa desenvolvida no país e permite uma melhor coordenação do exercício
da função administrativa.
No entanto, tem, igualmente, desvantagens, tais como a geração de hipertrofia do
Estado, provocando o gigantismo do poder central; é fonte de ineficácia da acção
administrativa; é causa de elevados custos financeiros relativamente ao exercício da
acção administrativa; abafa a vida local autónoma, eliminando ou reduzindo a muito
pouco a actividade própria das comunidades tradicionais; não respeita as liberdades
locais e faz depender todo o sistema administrativo da insensibilidade do poder
central, ou dos seus delegados, à maioria dos poderes locais.
Daqui decorrem as vantagens da descentralização: liberdades locais – o poder
local é um limite ao absolutismo ou ao abuso do poder central -; proporciona a
participação dos cidadãos na tomada das decisões públicas em matérias que
concernem aos seus interesses; permite aproveitar para a realização do bem comum a
sensibilidade das populações locais relativamente aos seus problemas e proporciona,
em princípio, soluções mais vantajosas em termos de custo-eficácia.
Daqui se presumem, igualmente, os inconvenientes da descentralização:
descoordenação no exercício da função administrativa e o abrir de portas ao mau uso
dos poderes discricionários da Administração por parte de pessoas que nem sempre
estão bem preparadas para os exercer.
Podemos distinguir algumas formas de descentralização, ela pode ser territorial
(dá origem às autarquias locais), institucional (dá origem aos institutos públicos e às
empresas públicas) e associativa (dá origem às associações públicas).
Quanto aos graus da descentralização, existem os seguintes: simples atribuição de
personalidade jurídica de direito privado; atribuição de personalidade jurídica de direito
público; anterior mais atribuição de autonomia administrativa; anterior mais atribuição
de autonomia financeira; anterior mais atribuição de faculdades regulamentares;
anterior mais atribuição de poderes legislativos próprios – aqui já estamos a sair da
descentralização administrativa para entrarmos na descentralização política.
A descentralização tem de ser submetida a certos limites – a sua ilimitação
degeneraria no caos administrativo e na desagregação do Estado. Esses limites
podem ser de três ordens: limites a todos os poderes da Administração, e portanto,

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também aos poderes das entidades descentralizadas; limites à quantidade de poderes


transferíveis para as entidades descentralizadas; e limites ao exercício dos poderes
transferidos.
Quanto aos do primeiro tipo eles são vários: quando a lei delimita as atribuições e
competências de uma autarquia local está a estabelecer limites à descentralização;
quando a CRP consagra o princípio da legalidade e obriga as autarquias locais a
moverem-se sempre dentro da legalidade administrativa, ou que devem sempre
respeitar os interesses legítimos dos particulares… tudo isto são limitações aos
poderes da Administração.
Quanto aos do segundo tipo, fala-nos o art. 267º/2 da CRP.
Os limites do terceiro tipo são os que resultam, sobretudo, da intervenção do
Estado na gestão das autarquias locais. De todas as formas possíveis dessa
intervenção, a mais importante é a da tutela administrativa.

1. A Tutela Administrativa
Consiste no conjunto de poderes de intervenção de uma pessoa colectiva pública
na gestão de outra pessoa colectiva, a fim de assegurar a legalidade ou o mérito da
actuação.
A tutela administrativa pressupõe, assim, a existência de duas pessoas colectivas
distintas (a tutelar e a tutelada); dessas duas uma é necessariamente uma pessoa
colectiva pública; os poderes de tutela administrativa são poderes de intervenção na
gestão de uma pessoa colectiva; e o fim da tutela administrativa é assegurar, em
nome da entidade tutelar, que a entidade tutelada cumpra as leis em vigor e garantir
que sejam adoptadas soluções convenientes e oportunas para a prossecução do
interesse público.
A tutela não se deve confundir com hierarquia (esta é um modelo de organização
situado no interior de cada pessoa colectiva pública), com controlo jurisdicional (a
tutela administrativa é exercida por órgãos da Administração e não por tribunais) nem
com controlos internos da Administração (falta o requisito da existência de duas
pessoas colectivas).
Há que distinguir as principais espécies de tutela administrativa, quanto ao fim e
quanto ao conteúdo. Quanto ao fim a tutela administrativa desdobra-se em tutela de
legalidade (visa controlar a legalidade das decisões da entidade tutelada) e tutela de
mérito (visa controlar o mérito das decisões administrativas da entidade tutelada –
independentemente de ser legal ou não, se é uma decisão conveniente, oportuna,
correcta, do ponto de vista administrativo, técnico, financeiro, etc.).
Quanto ao conteúdo, há cinco modalidades de tutela administrativa: integrativa,
inspectiva, sancionatória, revogatória e substitutiva.
A primeira é aquela que consiste no poder de autorizar ou aprovar os actos da
entidade tutelar. Distingue-se a tutela integrativa a priori, que é aquela que consiste
em autorizar a prática de actos, da tutela integrativa a posteriori, que é a que consiste
no poder de aprovar actos de entidade tutelada. Tanto uma como outra pode ser
expressa ou tácita, total ou parcial, condicional ou a termo – o que nunca podem é
modificar o acto.
A segunda consiste no poder de fiscalização dos órgãos, serviços, documentos e
contas da entidade tutelada, ou seja, no poder de fiscalização da organização e
funcionamento da entidade tutelada. Por vezes existem, na Administração Pública,
serviços especialmente encarregados desta função, os serviços inspectivos.
A terceira consiste no poder de aplicar sanções por irregularidades que tenham
sido detectadas na entidade tutelada.
A quarta é o poder de revogar os actos administrativos praticados pela entidade
tutelada. Só excepcionalmente existe.
A quinta, e última, é o poder da entidade tutelar de suprir as omissões da entidade
tutelada, praticando, em vez dela e por conta dela, os actos que forem legalmente

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devidos. O órgão tutelar pode substituir-se ao órgão da entidade tutelada (exemplo:


art. 41º/9 LQIP).
Vejamos, agora, as linhas gerais do regime jurídico da tutela administrativa em três
pontos.
Em primeiro lugar, há um princípio geral da maior importância: a tutela
administrativa não se presume, pelo que só existe quando a lei expressamente a
prevê e nos precisos termos em que a lei a estabelecer – só existe nas modalidades
que a lei consagrar, e nos termos e dentro dos limites que a lei impuser.
Em segundo lugar, convém ter presente que a tutela administrativa sobre as
autarquias locais é, hoje, uma simples tutela de legalidade (art. 242º/1 CRP).
Por último, a entidade tutelada tem legitimidade para impugnar, quer
administrativa, quer contenciosamente, os actos pelos quais a entidade tutelar exerça
os seus poderes de tutela (art. 55º/1 c) CPTA).

Em consequência desta exposição, podemos analisar as quatro possíveis


combinações entre estes quatro termos:
a. Centralização com concentração
Existirá apenas uma pessoa colectiva pública – o Estado – ficando reservada
ao Governo a plenitude dos poderes decisórios para todo o território nacional.
b. Centralização com desconcentração
Continuando a existir apenas a pessoa colectiva pública Estado, as
competências decisórias repartir-se-ão entre o Governo e órgãos subalternos do
Estado.
c. Descentralização com desconcentração
Existindo uma multiplicidade de pessoas colectivas públicas, em cada uma
delas haverá apenas um centro decisório – um órgão superior de cada uma.
d. Descentralização com desconcentração
À multiplicidade de pessoas colectivas públicas somar-se-á, dentro da cada
uma delas, a repartição de competências entre órgãos superiores e subalternos.

Em conclusão, a centralização/descentralização têm a ver com a unicidade ou


pluralidade de pessoas colectivas públicas, ao passo que a concentração e a
desconcentração se referem à repartição de competência pelos diversos graus da
hierarquia no interior de cada pessoa colectiva pública.

III. Integração e Devolução de Poderes


Os interesses públicos a cargo do Estado, ou de qualquer outra pessoa colectiva
de fins múltiplos, podem ser mantidos pela lei no elenco das atribuições da entidade a
que pertencem ou podem, diferentemente, ser transferidos para uma pessoa colectiva
pública de fins singulares, especialmente incumbida de assegurar a sua prossecução
(instituto público, ou empresa pública).
Reside nessa alternativa a distinção entre as noções de integração e de devolução
de poderes.
A integração é o sistema em que todos os interesses públicos a prosseguir pelo
Estado, ou pelas pessoas colectivas de população e território, são postos por lei a
cargo das próprias pessoas colectivas a que pertencem.
A devolução de poderes é o sistema em que alguns interesses públicos do Estado,
ou de pessoas colectivas de população e território, são postos por lei a cargo de
pessoas colectivas de fins singulares. Esta expressão é também utilizada para
designar o movimento de transferência de atribuições do Estado para outra entidade.
Existem, também, neste casos vantagens e desvantagens da devolução de
poderes. Como vantagens temos uma maior comodidade e eficiência na gestão, de
modo que a Administração Pública funcione de forma mais eficiente, uma vez que se
descongestionou a gestão da pessoa colectiva principal. Como inconvenientes temos

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a proliferação de centros de decisão autónomos, de patrimónios separados, de


fenómenos financeiros que escapam ao controlo do Estado, etc. – é o perigo da
desagregação, da pulverização do poder e, portanto, do descontrolo.
Quanto ao seu regime jurídico, a devolução de poderes é sempre feita por lei. Os
poderes transferidos são exercidos em nome próprio pela pessoa colectiva pública
criada para o efeito, mas são exercidos no interesse da pessoa colectiva que os
transferiu, e sob a orientação dos respectivos órgãos.
As pessoas colectivas públicas que recebem a devolução de poderes são, assim,
entes auxiliares ou instrumentais, ao serviço da pessoa colectiva de fins múltiplos que
a criou. Apesar de disporem de autonomia administrativa ou até financeira, não
dispõem de auto-administraçao – não são eles que traçam as linhas geris de
orientação da sua própria actividade.
Estes organismos independentes criados pela devolução de poderes estão sujeitos
a tutela administrativa (controlando a legalidade e o mérito) e a superintendência
(orientando a sua actuação).
A superintendência é o poder conferido ao Estado, ou a outra pessoa colectiva de
fins múltiplos, de definir os objectivos e guiar a actuação das pessoas colectivas
públicas de fins singulares, colocadas por lei na sua dependência. É um poder mais
amplo, mais intenso, mais forte que a tutela administrativa, pois esta tem apenas por
fim controlar a actuação das entidades a ela sujeitas, ao passo que a superintendência
se destina a orientar a acção das entidades a ela submetidas. A superintendência
também não se presume, os poderes em que ela se consubstancia são, em cada
caso, aqueles que a lei conferir, e mais nenhuns.
A distinção entre estes dois termos tem, hoje, a sua base jurídica no art. 199º da
CRP.
A superintendência distingue-se, igualmente, do poder de direcção, típico da
hierarquia, sendo menos forte que este. Este consiste na faculdade de dar ordens ou
instruções enquanto que a superintendência consiste na faculdade de emitir directivas
(orientações genéricas, que definem objectivos a cumprir, mas que lhes deixam
liberdade de decisão quanto aos meios a utilizar e ás formas a adoptar para os atingir)
ou recomendações (conselhos emitidos sem força de qualquer sanção ara hipótese de
não cumprimento).
Temos três realidades distintas: a administração directa do Estado, o governo está
em relação a ela na posição de superior hierárquico, dispondo de poder de direcção; a
administração indirecta do Estado, ao Governo cabe sobre ela a responsabilidade da
superintendência, possuindo o poder de orientação; e a administração autónoma, em
que pertence ao Governo desempenhar uma função de tutela administrativa, tendo um
conjunto de poderes de controlo.

Os Princípios Constitucionais sobre


Organização Administrativa
A matéria vem regulada no art. 267º/1 e 2 da RP. Dessas duas disposições
resultam cinco princípios constitucionais sobre a organização administrativa:
a. Princípio da desburocratização;
Significa que a Administração Pública deve ser organizada e deve funcionar
em termos de eficiência e de facilitação da vida aos particulares
b. Princípio da aproximação dos serviços às populações;
Significa que a Administração Púbica deve ser estruturada de tal forma que os
ses serviços se localizem o mais possível junto das populações que visam servir. A
aproximação que a CRP visa não deve ser apenas geográfica, mas também
psicológica e humana.

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c. Princípio da participação dos interessados na gestão da Administração


Pública;
Os cidadãos não devem intervir na vida da Administração apenas através da
eleição dos respectivos órgãos, ficando, depois, alheios a todo o funcionamento do
aparelho e só podendo pronunciar-se de novo quando voltar a haver eleições,
antes devem ser chamados a intervir no próprio funcionamento quotidiano da
Administração Pública e, nomeadamente, devem poder participar na tomada das
decisões administrativas. Ou seja, deve haver esquemas estruturais e funcionais
(art. 7º e 8º CPA) de participação dos cidadãos no funcionamento da
Administração.
d. Princípio da descentralização;
e. Princípio da desconcentração
Importa, entretanto, chamar a atenção para o facto de os dois últimos
princípios terem. Nos termos da própria CRP (art. 267º/1), determinados limites.
Não são princípios absolutos.
Ninguém poderá invocar estes dois princípios constitucionais contra quaisquer
diplomas legais que adoptem soluções que visem garantir, por um lado, a eficácia
e a unidade da acção administrativa e, por outro, organizar ou disciplinar os
poderes de direcção, superintendência e tutela do Governo.

Fim do I Volume

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O PODER ADMINISTRATIVO
I. O Poder Administrativo

O primeiro conceito de que temos de partir para estudar o poder administrativo é o


conceito de separação de poderes.

1. Separação de Poderes
A expressão separação de poderes tanto designa uma doutrina política como um
princípio constitucional.
Corresponde à doutrina política, que teve por objecto a estruturação do poder
político do Estado e que foi desenvolvida por Locke e Montesquieu, uma dupla
distinção: distinção intelectual das funções do Estado e distinção política dos órgãos
que devem desempenhar tais funções.
A separação dos poderes, como princípio constitucional, é uma característica da
forma de governo democrático-representativa e pluralista ocidental, tendo obtido a sua
primeira consagração na Constituição dos EUA de 1787.
Este princípio não foi, no entanto, consagrado em todas as Constituições dos
séculos XVIII e XIX da mesma maneira ou com a mesma rigidez. Ele encontrou uma
tradução no Direito Constitucional e outra no Direito Administrativo.
No plano Constitucional visou retirar ao Rei e aos seus Ministros a função de
legislar, deixando-lhes apenas a função política e administrativa, evitando o arbítrio e o
despotismo da autoridade.
No campo Administrativo visou a separação entre a Administração e a Justiça, isto
é, retirar à Administração Pública a função judicial e retirar aos Tribunais a função
administrativa. Isto resultou da desconfiança do poder revolucionário (reportando à
Revolução Francesa) face aos tribunais judiciais, que representavam ainda a
continuação do “Antigo Regime”, pois estavam nas mãos da nobreza.
Sendo certo que a CRP acolhe o princípio da separação de poderes (art.2º e
111º), apresentam-se os seguintes corolários actuais deste princípio (na parte que tem
a ver com o campo Administrativo):
a. A separação dos órgãos administrativos e judiciais
Têm que existir órgãos administrativos dedicados ao exercício da função
administrativa e órgãos judiciais dedicados ao exercício da função jurisdicional. A
separação de funções tem de traduzir-se numa separação de órgãos.
b. A incompatibilidade das magistraturas
Nenhuma pessoa pode simultaneamente desempenhar funções em órgãos
administrativos e judiciais.
c. A independência recíproca da Administração e da Justiça
Desdobra-se, em dois aspectos:
– A independência da Justiça perante a Administração
A autoridade administrativa não pode dar ordens à autoridade judiciária,
nem pode invadir a sua esfera de jurisdição decidindo questões da
competência dos tribunais.
– A independência da Administração perante a Justiça
Há uma proibição funcional de o juiz afectar a essência de administração
executiva – não podendo ofender a autonomia do poder administrativo nem a
autoridade característica do acto administrativo. Os tribunais comuns não são

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os tribunais competentes para conhecer dos litígios em que esteja em causa a


actuação da Administração Pública no exercício de uma actividade de gestão
pública (art. 212º CRP).

2. O Poder Administrativo
A Administração Pública é um poder público, mas que poder? Não será totalmente
correcto denominá-la de poder executivo, pois ela não se resume ao Estado – existem
outras administrações públicas para além da estadual: as autarquias locais, as regiões
autónomas, as associações públicas. Assim, é preferível utilizar a expressão poder
administrativo, que compreende, de um lado o poder executivo do Estado, e do outro
as entidade públicas administrativas não estaduais.
Quais são as manifestações do poder administrativo? Elas são, basicamente,
quatro:
a. Poder regulamentar
Num sistema de tipo francês, como é o nosso, a administração tem o poder de
fazer regulamentos (art. 199º c); 227º/1 d) CRP) – é a faculdade regulamentaria.
Estes regulamentos que a Administração tem o direito de elaborar são
considerados como uma fonte de direito apesar de colocado abaixo da lei, do
ponto de vista da hierarquia das fontes de direito.
b. Poder de decisão unilateral
Enquanto no regulamento a Administração pública nos aparece a fazer normas
gerais e abstractas, embora inferiores à lei, aqui aparece-nos a decidir casos
individuais e concretos. Ela tem o poder de definir unilateralmente o direito
aplicável a um caso concreto e pode exercê-lo por exclusiva autoridade sua, sem
necessidade de obter o acordo do interessado – tem a possibilidade de traçar,
para além da sua conduta, conduta alheia. Esta definição unilateral é obrigatória
para os particulares, por isso a Administração é um poder.
A lei pode exigir, e regra geral exige, que os interessados sejam ouvidos antes
da tomada de decisão (art. 100º e segs. CPA); pode, também, facultar, e na
realidade faculta (art. 158º e segs. CPA), aos particulares a possibilidade de
apresentarem reclamações ou recursos hierárquicos contra as decisões da
Administração, apesar de estas só virem depois de já estar tomada a decisão; por
último, a lei permite que os interessados impugnem as decisões unilaterais da
Administração perante os tribunais administrativos, a fim de obterem a sua
anulação ou declaração de nulidade no caso de as mesmas serem ilegais e
lesarem posições jurídicas subjectivas, este recurso contencioso só é, igualmente,
permitido após a decisão já ter sido unilateralmente tomada pela Administração.
Esta é uma das mais importantes manifestações do poder administrativo, é o
poder de decisão unilateral, a que alguns autores chamam auto-tutela declarativa.
c. Privilégio da execução prévia
É a faculdade de impor coactivamente aos particulares as decisões unilaterais
constitutivas de deveres ou encargos que tiver tomado e que não sejam por
aqueles voluntariamente cumpridas (149º/1 CPA). É o poder administrativo na sua
máxima força – plenitudo potestatis. Ela não só define unilateralmente o direito,
como também, salvo nalgumas matérias, tem o poder de promover por si própria a
execução forçada desse direito, se o particular não se conformar voluntariamente
com a definição feita. São dois privilégios da administração.
d. Regime especial dos contratos administrativos
Actualmente é cada vez mais frequente a lei considerar que, em certas
matérias, não é possível ou conveniente que a Administração actue por via
unilateral e autoritária. Há certos comportamentos que só se conseguem através
do acordo dos interessados.
No entanto, entendeu-se que não covinha que a Administração se servisse da
figura do contrato civil ou comercial, criando-se a figura do contrato administrativo
(art. 178º/1 CPA).

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Este é assim um regime diferente do regime do direito privado para mais e para
menos. Para mais porque a Administração, para poder garantir a satisfação do
interesse público, fica a dispor de prerrogativas ou privilégios de que as partes nos
contratos civis não dispõem (poder de modificação unilateral, de rescindir o
contrato, entre outras). Para menos porque a Administração Pública fica sujeita a
restrições e a deveres especiais, que não existem nos contratos civis (dever de
fazer preceder a celebração do contrato de um procedimento administrativo
tendente à escolha do co-contratante).

Podemos, finalmente, apontar os três corolários do poder administrativo: o da


independência da Administração perante a Justiça, o do foro administrativo (ou seja, a
entrega de competência contenciosa para julgar os litígios administrativos não aos
tribunais judiciais mas aos tribunais administrativos) e o da existência de um Tribunal
de Conflitos (tribunal superior, de funcionamento intermitente, de composição mista,
normalmente paritária, e que se destina a decidir em última instância os conflitos de
jurisdição que surjam entre os tribunais administrativos e os tribunais comuns.)

II. Princípios Constitucionais sobre o Poder


Administrativo
Vamos, agora, analisar os princípios constitucionais da actividade administrativa
material, contidos no art. 266º da CRP, são eles: princípio da prossecução do
interesse público, princípio da legalidade, princípio do respeito dos direitos e
interesses legalmente protegidos dos particulares, poder discricionário da
Administração, princípio da justiça (sentido amplo), princípio da igualdade, princípio da
proporcionalidade, princípio da boa fé, princípio da justiça (sentido restrito) e princípio
da imparcialidade.

1. Princípio da prossecução do interesse público


O que é o interesse público? É o interesse geral de uma determinada comunidade,
o bem-comum. São Tomás de Aquino definia-o como “”aquilo que é necessário para
que os homens não apenas vivam, mas vivam bem”.Num sentido mais restrito Jean
Rivero vem introduzir a noção da exigência de satisfação das necessidades colectivas.
Este princípio tem numerosas consequências práticas: é a lei que define os
interesses públicos a cargo da Administração; a noção de interesse púbico é variável
com o tempo e, por isso, não pode ser definida de uma forma rígida e inflexível;
definido o interesse público, a sua prossecução por parte da Administração é
obrigatória; a prossecução de interesses privados em vez do interesse público,
constitui corrupção; a obrigação de prosseguir o interesse público exige da
Administração pública a adopção em relação a cada caso concreto das melhores
soluções possíveis, do ponto de vista administrativo – é o dever da boa administração.
Quanto ao dever da boa administração, ou princípio da eficiência, este está
expressamente previsto na alínea c) do art. 81º da CRP e no art. 10º do CPA. Na
opinião do Professor DFA este é um dever jurídico imperfeito, pois não comporta uma
sanção jurisdicional – os tribunais pronunciam-se apenas sobre a legalidade. Há vários
aspectos em que assume uma certa expressão jurídica: 1) existem recursos graciosos,
que são garantias dos particulares, os quais podem ter por fundamento vícios de
mérito do acto administrativo; 2) a violação, por qualquer funcionário público, dos
chamados dever de elo e aplicação constitui infracção disciplinar; 3) no caso de um
órgão ou agente administrativo praticar um facto ilícito e culposo de que resultem
prejuízos para terceiros, o grau de diligência e zelo empregados contribuem para
definir a medida da sua culpa e os termos da sua responsabilidade.
Estes três aspectos significam que o dever de boa administração existe, e que a
sua violação tem algumas consequências a nível jurídico. O dever de a Administração

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tomar decisões equilibradas e ponderar todos os interesses relevantes para o caso


concreto não é um mero dever sem sanção – constitui um dever jurídico que resulta do
princípio da proporcionalidade e imparcialidade.

2. Princípio da legalidade
O interesse público é o “norte” da Administração, o seu guia, o seu fim. Mas a
Administração não pode prosseguir o interesse público de qualquer maneira e, muito
menos, de maneira arbitrária, tem de fazê-lo com observância de um certo número de
princípios e de regras. A Administração pública tem de prosseguir o interesse público
em obediência à lei (art. 266º/2 CRP).
Assim, podemos dizer que o princípio da legalidade se resume da seguinte forma:
os órgãos e agentes da Administração pública só podem agir com fundamento na lei e
dentro dos limites por ela impostos. Não é o princípio da liberdade, é o princípio da
competência, segundo o primeiro pode-se fazer tudo aquilo a que a lei não proíba;
pelo segundo pode fazer-se apenas aquilo a que a lei permite – segundo Orlando de
Carvalho, a actividade administrativa “jamais é produto de uma faculdade permissiva,
de um licere, de um Dürfen; mas sempre de uma faculdade concedente, de um posse,
de um Können.”
Pode-se resumir brevemente a evolução histórica deste conceito. Numa primeira
fase (época da monarquia absoluta), estávamos presente o Estado de polícia: o Poder
é absoluto, não está limitado pela lei, nem pelos direitos subjectivos dos particulares, e
traduz, portanto, uma situação de arbítrio.
Com a Revolução Francesa entramos na segunda fase, a fase do Estado de
Direito liberal (séc. XIX). Nesta fase estabelece-se o princípio de subordinação à lei: a
Administração fica submetida à lei, que é um limite à acção administrativa (formulação
negativa).
Com o evoluir dos tempos, aparecem, na Europa, três regimes diferentes: os
regimes autoritários de direita, os regimes comunistas e as democracias modernas de
tipo pluralista e ocidental.
Nos regimes autoritários de direita substitui-se a noção de Estado de Direito pela
noção de Estado de legalidade – a Administração deve obedecer à lei, mas a lei deixa
de ser a expressão da vontade geral votada no Parlamento representativo da Nação,
para passar a ser toda e qualquer norma geral e abstracta decretada pelo Poder,
inclusive o Poder Executivo. É a subordinação da Administração pública ao Governo.
Quanto aos regimes comunistas, estes entendiam que o objectivo da construção
do socialismo é que devia comandar a interpretação e aplicação das leis; as leis
deviam ser interpretadas e aplicadas de acordo com as directivas e instruções
formuladas pelo partido – noção de legalidade socialista.
No que aos regimes democráticos de tipo ocidental diz respeito, nestes vigora o
Estado social de Direito. O princípio da legalidade é próximo daquele concebido a
seguir à Revolução Francesa nos regimes liberais, mas sofre algumas transformações.
A primeira é a que a ideia de subordinação à lei é completada pela ideia de
subordinação ao Direito, no sentido de que não existe apenas um dever de obediência

à lei ordinária, mas a todo um bloco de legalidade (bloc legal de que nos falava
Maurice Hauriou) constituído pela Constituição, pelo Direito Internacional recebido,
pelos princípios gerais de Direito, pelos regulamentos e actos constitutivos de direitos
que a Administração pública tenha praticado. É o princípio da juridicidade. A legalidade
aparece-nos aqui não apenas como um limite da administração, mas como uma
legitimação.
De tudo isto resulta que, na actualidade do nosso direito, são duas as funções do
princípio da legalidade: assegurar o primado do poder legislativo sobre o poder
administrativo e o de garantir os direitos e interesses legalmente protegidos dos
particulares.

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A maior parte da doutrina administrativa entende, tradicionalmente, que o princípio


da legalidade comporta três excepções: a teoria do estado de necessidade; a teoria
dos actos políticos e o poder discricionário da Administração. No entanto, o Professor
DFA recusa que estas sejam excepções.
A primeira teoria diz-nos que em circunstâncias excepcionais, em verdadeiras
situações de necessidade pública, a Administração fica dispensada de seguir o
processo legal estabelecido para circunstâncias normais e pode agir sem forma de
processo mesmo que isso implique o sacrifício de direitos ou interesses legalmente
protegidos dos particulares – claro que posteriormente terá de indemnizar os
particulares. No entanto, o art. 3º/2 do CPA consagra exactamente esta situação, ou
seja, dá cobertura leal ao estado de necessidade, sendo a própria lei que consagra,
projecta também no estado de necessidade o princípio da legalidade.
Também a teoria dos actos políticos não é, em rigor, uma excepção ao princípio da
legalidade. Segundo ela, os actos materialmente correspondentes ao exercício da
função política não são susceptíveis de recurso contencioso perante tribunais
administrativos. Não é certo dizer que quando se praticam actos políticos não se deve
obediência à CRP ou à lei, o que acontece é que, para esses casos, não há uma
sanção jurisdicional. Mas esses actos se forem de facto ilegais, podem existir para
eles outras sanções (como a responsabilidade civil), pelo que não há aí uma
excepção.
Quanto ao poder discricionário da Administração, ele é um modo especial de
configuração da legalidade administrativa e não uma excepção a ela – só há poderes
discricionários onde a lei os confere como tais. E, neles, há sempre pelo menos dois
elementos vinculados por lei: a competência e o fim.
A doutrina alemã tem feito a distinção entre administração agressiva e
administração constitutiva (ou prestadora de serviços). A primeira aparece-nos como
autoridade, como poder, a impor sacrifícios aos particulares, proíbe, expropria,
nacionaliza, dá ordens, etc. A segunda aparece-nos como prestadora de serviços ou
bens: serviço público escolar, serviço de segurança social, Serviço Nacional de Saúde,
etc.
Ora tudo isto para colocar a questão se estarão estes dois tipos de administração
vinculados ao princípio da legalidade, ou estará apenas o primeiro vinculado a tal?
Na opinião do Professor DFA a administração constitutiva não é dissociável da
ideia de sacrifício de direitos ou interesses legalmente protegidos dos particulares e,
por isso, está obviamente submetida ao princípio da legalidade.

3. Princípio do respeito dos direitos e interesses legalmente protegidos


dos particulares
Qual o sentido do art. 266º/1 da CRP?
Ele significa, fundamentalmente, que a prossecução do interesse público não é o
único critério da acção administrativa, nem tem um valor ou alcance ilimitado. Há que
prossegui-lo, sem dúvida, mas respeitando simultaneamente os direitos subjectivos e
os interesses legalmente protegidos dos particulares.
Durante muito tempo pensou-se que a única forma de assegurar o respeito pelos
direitos subjectivos e pelos interesses legalmente protegidos dos particulares seria
proclamar e garantir o princípio da legalidade. Hoje, porém, vai-se mais longe. Não
basta o escrupuloso cumprimento da lei para que simultaneamente se verifique
respeito integral dos direitos subjectivos e dos interesses legalmente protegidos dos
particulares.
Entre outras formas de protecção aos particulares, destacam-se as seguintes:
possibilidade de suspensão jurisdicional da eficácia do acto administrativo, quando da
execução daquele possam resultar prejuízos de difícil reparação para o particular;
extensão da responsabilidade da Administração aos danos causados por factos
casuais, bem como por actos lícitos que imponham encargos ou prejuízos especiais e

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anormais aos particulares; artigos 100º e seguintes do CPA; artigo 124º do CPA;
artigos 272º/3, 21º e 22º da CRP; entre outras.
Importa agora perceber qual a diferença, em Direito Administrativo, entre direito
subjectivo e interesse legalmente protegido.
(1) Na esteira da concepção tradicional, tem-se sustentado que nas duas figuras
existe um interesse privado reconhecido e protegido por lei. Porém no direito
subjectivo essa protecção é directa e imediata, de tal modo que o particular tem a
faculdade de exigir à Administração um ou mais comportamentos que satisfaçam
plenamente o seu interesse privado. Existe um direito à satisfação de um interesse
próprio. No interesse legítimo, porque a protecção legal, sendo, embora, imediata é,
no entanto, indirecta, o interesse é um interesse público, e o particular não pode exigir
à Administração que o satisfaça, mas apenas que não o prejudique ilegalmente. Existe
um direito à legalidade das decisões que versem sobre um interesse próprio.
Exemplo do primeiro: a lei diz que ao fim de cinco anos de serviço o funcionário
tem direito a uma diuturnidade, o que significa que o funcionário pode legalmente
exigir o pagamento dessa diuturnidade, e que o Estado tem obrigação jurídica de fazer
o respectivo pagamento.
Exemplo do segundo: a lei estabelece que, para preencher um lugar de professor
catedrático é necessário um concurso público, ao qual podem concorrer todos aqueles
que reúnam determinadas condições legais. Suponhamos que uma das pessoas não
se encontra nessas condições, mas que ganha o concurso. Qualquer dos outros dois
candidatos fica prejudicado ilegalmente, eles podem recorrer da decisão, da qual têm
o direito de obter a anulação, mas isso não significa que algum deles tenha direito ao
cargo.
(2) Existem algumas adaptações a esta tese. Vieira de Andrade alega que as
recentes transformações operadas no âmbito da actividade administrativa (que se
alargou e densificou), e no entendimento do princípio da legalidade (transformado em
princípio da juridicidade), mostram-nos existirem posições jurídicas subjectivas que se
devem qualificar como direitos (e não como interesses legítimos ou indirectamente
protegidos), apesar de não terem uma tutela plena em face da Administração (direitos
condicionados – direito de propriedade face à expropriação) ou de não serem
imediatamente accionáveis por o seu conteúdo depender de densificação ou de
concretização administrativa (direitos comprimidos – liberdade de circulação
automóvel dependente da obtenção da carta de condução)
Tal como sucede na figura dos interesses legítimos, divisam-se hoje cada vez mais
também exemplos de direitos subjectivos cujos titulares não beneficiam de uma tutela
plena em face da Administração, e direitos subjectivos cujo conteúdo não está a priori
determinado.
(3) Por outro lado, deve ter-se presente que, ao lado dos direitos subjectivos e dos
interesses legítimos, existem outros tipos de situações jurídico-públicas (de vantagem)
dos particulares em face da Administração, a que globalmente se poderá chamar de
interesses simples.
Finalmente, quanto a esta questão, podemo-nos perguntar qual o alcance prático
desta distinção. Na verdade, não há grande diferença de regime jurídico entre as duas
figuras. Em relação aos direitos subjectivos “clássicos” verifica-se ainda que os
respectivos titulares beneficiam de uma tutela plena em face da Administração
enquanto que os particulares apenas podem esperar daquela, em relação aos
interesses legítimos, que ao prosseguir determinado interesse público não os
prejudique ilegalmente.

4. Poder discricionário da Administração


A Administração está subordinada à lei nos termos do princípio da legalidade.
A regulamentação legal da actividade administrativa umas vezes é precisa e outras
vezes é imprecisa, ou seja, quando é imprecisa, não associa à situação jurídica uma

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única consequência jurídica, mas habilita a Administração a determinar ela própria


essa mesma consequência.
Primeiro exemplo: acto tributário – nesta matéria de impostos, as leis definem
tudo. A Administração, aqui, desempenha tarefas puramente mecânicas, até chegar a
um resultado que é o único legalmente possível. Ou seja, a Administração fiscal
apenas tem de apurar o rendimento da pessoa, fazer os descontos legais, e sobre o
montante que daí resultar aplicar a percentagem correspondente à taxa do imposto em
causa.
Trata-se, sem dúvida, de um acto de autoridade, de uma manifestação de poder
administrativo, porque é uma decisão unilateral que define o direito no caso concreto,
e o define em termos que são obrigatórios, mas é um acto vinculado.
Segundo exemplo: nomeação de um governador civil. - De acordo com a
disposição legal, o Governo pode escolher qualquer cidadão português. Ou seja, a
nomeação é um acto discricionário em bastantes aspectos, no entanto, não o é em
todos, porque o governo não pode, por exemplo, nomear estrangeiros.
Neste caso, a lei praticamente nada diz, nada regula e atribui uma significativa
margem de autonomia à Administração pública. É esta que tem de decidir segundo os
critérios que em cada caso entender mais adequados à prossecução do interesse
público.
Em suma, temos portanto, num caso actos vinculados, no outro actos
discricionários. Vinculação e discricionariedade são, assim, as duas formas típicas
pelas quais a lei modela a actividade da Administração pública. Para a definição dos
conceitos mencionados, podem adoptar-se duas perspectivas diferentes: a perspectiva
dos poderes (teoria da organização) e perspectiva dos actos (teoria da actividade).
O poder é vinculado quando a lei não remete para o critério do respectivo titular,
que pode e deve escolher o procedimento a adoptar em cada caso como mais
ajustado à realização do interesse público protegido pela norma que o confere. Os
actos são vinculados quando praticados pela Administração, e são discricionários
quando praticados no exercício de poderes discricionários. Contudo, em bom rigor não
há actos totalmente discricionários, nem actos totalmente vinculados. É por isso, que
em relação a um poder, em concreto, faz sentido perguntar se ele é um poder
vinculado ou um poder discricionário, já em relação aos actos da Administração não
faz grande sentido perguntar se são vinculados ou discricionários. Mas o que faz
sentido perguntar é em que medida é que são vinculados e discricionários?
Nota: Exemplo 1: no caso do acto tributário, a vinculação é quase total, mas
mesmo assim ainda há uma pequena zona em que existe discricionariedade: é que a
lei dá normalmente um prazo à Administração pública para praticar esses actos, e
dentro desse prazo a Administração pode escolher livremente o momento (dia/hora)
em que pratica o acto.
Exemplo 2: a autonomia conferida ao Governo é bastante ampla, mas a lei
estabelece diversas condicionantes, por exemplo, diz que a competência para nomear
Governadores civis pertence ao Conselho de Ministros, por proposta do Ministro da
Administração Interna. A competência é sempre vinculada, MESMO nos actos
discricionários.
Também o fim do acto administrativo é sempre vinculado. Se o acto for praticado
com um fim diverso daquele para que a lei conferiu o poder discricionário, o acto é
ilegal. Finalmente, a referida decisão administrativa tem de respeitar directivas
dimanadas de certos princípios gerais de Direito vinculativos da actividade da
Administração (proporcionalidade, igualdade, imparcialidade).

Quanto à sua natureza, coloca-se a questão de saber se pode o órgão competente


escolher livremente qualquer uma das várias soluções conformes com o fim da lei?
A resposta é não. O processo de escolha a cargo do órgão administrativo não está
apenas condicionado pelo fim legal, mas também condicionado e orientado por
ditames que flúem dos princípios e regras gerais que vinculam a Administração

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Pública (igualdade, proporcionalidade e imparcialidade), estando assim o órgão


administrativo obrigado a encontrar a melhor solução para o interesse público. Ou
seja, o poder discricionário não é um poder livre, dentro dos limites da lei, mas um
poder jurídico. Portanto, a lei, ao conferir a determinado órgão um poder discricionário,
não contemporiza com qualquer escolha que respeite o seu fim, antes
deliberadamente pretende e espera que seja procurada aquela que, ponderados todos
os factos e as circunstâncias que apenas in concreto podem ser descobertos e
observados os imperativos que decorrem dos princípios da proporcionalidade, da
igualdade, da boa fé e da imparcialidade, o órgão administrativo tiver por a mais
“certa”.
Qual o fundamento e o significado deste poder discricionário?
Há casos em que a lei pode regular todos os aspectos e nesses casos a actuação
da Administração pública é uma actuação que se traduz na mera aplicação da lei
abstracta ao caso concreto, por meio de operações lógicas. mas na maioria dos casos
o legislador reconhece que não lhe é possível prever antecipadamente todas as
circunstâncias em que a Administração vai ter de actuar: nem lhe é possível
consequentemente dispor acerca das melhores soluções para prosseguir o interesse
público. Para além das razões práticas, há também razões jurídicas. É que o poder
discricionário visa, antes de tudo, assegurar o tratamento equitativo dos casos
individuais. Juridicamente, o poder discricionário fundamenta-se, afinal, quer no
princípio da separação dos poderes, quer na própria concepção do Estado Social de
Direito, enquanto Estado prestador e constitutivo de deveres positivos para a
Administração, que pressupõe de uma margem de autonomia jurídica. É a conjugação
desta dupla ordem de razões que justifica, pois, uma abertura no grau de densidade
das normas, através do qual se confere à Administração competência para assegurar
uma melhor adequação da decisão às circunstâncias concretas.
O poder discricionário não é um poder arbitrário, é um poder derivado da lei. O
poder discricionário só pode ser exercido por aqueles a quem a lei o atribuir, só pode
ser exercido para o fim com que a lei o confere, e deve ser exercido de acordo com
certos princípios jurídicos de actuação. Por último há meios jurisdicionais para
controlar o exercício do poder discricionário. O poder discricionário não é uma
excepção ao princípio da legalidade, mas sim uma das formas possíveis de
estabelecer a subordinação da Administração à lei.
Quais os aspectos que a discricionariedade pode abranger, na actuação da
Administração pública? Qual o seu âmbito? Em primeiro, o momento da prática do
acto; depois a decisão de praticar ou não um certo acto administrativo; a determinação
dos factos e interesses relevantes para a decisão; o conteúdo concreto da decisão; a
forma e as formalidades; a fundamentação ou não da decisão; ou a faculdade de apor
ou não no acto administrativo condições, termos, modos ou outras cláusulas
acessórias.
Por fim, quais os seus limites? Em primeiro os limites legais e constitucionais.
Depois, temos os limites que decorram de auto – vinculação
Contudo, a possibilidade de auto – vinculação da Administração não é ilimitada. A
Administração não pode auto–vincular-se com desrespeito do artigo 112.º, n.º 5 da
CRP. Isto quer dizer, que o instrumento normativo através do qual se auto – vincula
não pode cumulativamente ter eficácia externa e interpretar, integrar, modificar,
suspender ou revogar qualquer dos preceitos legais que conferem um poder
discricionário. Depois, pode haver casos em que a lei queira que a Administração
exerça efectivamente caso a caso o seu poder de apreciação das circunstâncias
concretas – aqui a auto-vinculação é ilegal.
Como garantir a observância e o respeito pelos limites do poder discricionário? A
actividade da Administração está sujeita a vários tipos de controlos. Por um lado
controlos de legalidade que podem ser feitos tanto pela Administração como pelos
tribunais. Por outro lado, está sujeita a controlos de mérito, que visam avaliar o bem

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fundado das decisões da Administração, independentemente da sua legalidade – só


pode ser feito pela Administração.
Podemos, ainda, falar de controlos jurisdicionais (efectuam-se através dos
tribunais) e de controlos administrativos (são realizados por órgãos da Administração).

5. Princípio da justiça (sentido amplo)


Este princípio implica falar na ideia ou no ideal de justiça, que é uma das noções
mais difíceis de definir. Podemos dizer que, no seu significado actual, ela significa o
conjunto de valores que impõem ao Estado e a todos os cidadãos a obrigação de dar
a cada um o que lhe é devido em função da dignidade da pessoa humana.
Quanto ao conjunto de valores em si, esse dependerá das opções filosóficas e
intelectuais. Esses, depois, impõem uma obrigação, e impõem-na quer ao Estado,
quer aos cidadãos. Essa obrigação que decorre da justiça é a obrigação de dar a cada
um o que lhe é devido. Tanto os gregos como os romanos usaram uma fórmula
próxima desta: dar a cada um o que é seu. No entanto, a justiça não abrange apenas
o que é seu, mas sim o que esta exija que passe a ser seu (por exemplo, quando o
Estado assegura aos cidadãos mais desfavorecidos direitos sociais como o direito à
saúde, à segurança social ou à habitação não lhes está a dar algo que eles já
possuam). O critério que o Professor DFA entende ser critério geral orientador acerca
do que, em nome da justiça, é ou não devido a cada um é, é a dignidade da pessoa
humana.
Podemos fazer uma divisão de critérios em função de se tratar de justiça colectiva
(respeito pelos Direitos Humanos) ou de justiça individual (igualdade,
proporcionalidade e boa fé).
O princípio da justiça no art. 266º da CRP é algo que está para alem da legalidade.
Neste artigo a CRP não trata de todo o problema da justiça, mas apenas do dever de
actuar com justiça que se impõe à Administração Pública.

6. Princípio da igualdade
Constitui um dos elementos estruturantes do constitucionalismo moderno. Ele
surgiu expressamente consagrado no Virgínia Bill of Rights, de 1776 e na Constituição
de Massachussets, de 1780. Da mesma forma surge, em França, a Declaração dos
Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789. Na nossa actual CRP temo-lo no art.
13º/1.
O princípio da igualdade começou por ser entendido e interpretado, no século
passado, numa perspectiva exclusivamente formal: a igualdade cumpria-se numa igual
aplicação da lei a todos os cidadãos. Ele traduzia-se numa pura exigência da
generalidade da lei, confundindo-se com o princípio de prevalência da lei.
Hoje, porém, igualdade e generalidade não são sinónimos, não constituindo o
princípio da igualdade uma simples “refracção do princípio da legalidade”, envolve,
ainda, uma ideia de igualdade na própria lei, ou através da lei.
Não surpreende, pois, também, a sua inclusão no art. 266º/da da CRP ou no art.
5º/1 do CPA.
A igualdade impõe que se trate de modo igual o que é juridicamente igual e de
modo diferente o que é juridicamente diferente, na medida da diferença. Assim, o
princípio da igualdade projecta-se em duas direcções:
– Proibição da discriminação
Perante uma medida devemos, primeiro, observar, através da interpretação, o
fim visado por tal medida administrativa; depois, isolam-se as categorias que, para
realizar o fim, são objecto de tratamento idêntico ou diferenciado; finalmente,
questiona-se, para a realização do fim tido em vista, se é ou não razoável, à luz
dos valores dominantes do ordenamento, proceder àquela identidade ou distinção
de tratamento.
– Obrigação de diferenciação

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Por vezes, a obrigação de diferenciação parte da ideia de que a igualdade não


é uma igualdade absoluta e cega. Daí que haja na CRP e nas leis a previsão da
adopção de medidas administrativas especiais de protecção em relação aos mais
desfavorecidos, em relação às classes mais pobres da sociedade, ou em relação
àqueles grupos de pessoas que pela sua situação física ou social careçam de uma
protecção mais forte, designadamente a protecção especial à infância, terceira
idade, trabalhadores, etc. Decorre, sobretudo a partir dos EUA, igualmente, uma
ideia de protecção das minorias, que decorre da necessidade de tratar
desigualmente o que deve se igual mas ainda é desigual (discriminações
positivas).

7. Princípio da proporcionalidade
Constitui uma manifestação constitutiva do princípio do Estado de Direito – num
Estado de Direito democrático, as medidas dos poderes públicos não devem exceder
o estritamente necessário para a realização do interesse público.
A proporcionalidade é o princípio segundo o qual a limitação de bens ou interesses
privados por actos dos poderes públicos deve ser adequada e necessária aos fins
concretos que tais actos prosseguem, bem como tolerável quando confrontada com
aqueles fins.
Esta definição evidencia três dimensões essenciais deste princípio
– Adequação
Significa que a medida tomada deve ser causalmente ajustada ao fim que se
propõe a atingir. Procura-se, deste modo, verificar a existência de uma relação
entre duas variáveis: o meio, instrumento, medida ou solução de um lado, o
objectivo ou finalidade, do outro.
– Necessidade
Significa que, para além de idónea para o fim a que se propõe alcançar, a
medida administrativa deve ser a que lese em menor medida os direitos e
interesses dos particulares.
– Equilíbrio
Exige que os benefícios que se esperam alcançar com uma medida
administrativa adequada e necessária suplantem os custos que ela por certo
acarretará.

8. Princípio da boa fé
Originário da dogmática e do direito privados, o princípio da boa-fé exprime, hoje,
um vector geral de todo o ordenamento jurídico. Vemo-lo consagrado no art. 6º-A do
CPA. Ou seja, hoje, também a Administração Pública está obrigada a obedecer à
bona fide nas relações com os particulares. Mais: ela deve mesmo dar, também aí, o
exemplo aos particulares. Sem isso nunca se poderá afirmar que o Estado é pessoa
de bem.
Este princípio, embora dotado de elevado grau de abstracção, encontra a sua
concretização através de dois princípios básicos: o princípio da tutela da confiança
legítima e o princípio da materialidade subjacente.
A ideia de protecção da confiança está já bastante tempo subjacente a uma série
de institutos do Direito Administrativo. Por exemplo, os limites do art. 140º do CPA à
revogação dos actos administrativos constitutivos de direitos ou interesses legalmente
protegidos e no dever da Administração repor o equilíbrio financeiro em termos de
contrato administrativo (art. 180º a) CPA).
A administração não pode mudar injustificadamente de critério, não pode dar o dito
por não dito, não pode negar o que já havia prometido, etc. A tutela da confiança, no
entanto, tem quatro pressupostos (segundo o Professor Menezes Cordeiro): a
existência de uma situação de confiança; uma justificação para essa confiança; o
investimento de confiança; e a imputação da situação de confiança, implicando a
existência de um autor a quem se deva a entrega confiante do tutelado.

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Por sua vez, o princípio da materialidade subjacente é fruto do combate histórico


ao formalismo. Através da aplicação deste princípio, a boa fé requer que o exercício
de posições jurídicas se processe em termos de verdade material, ou seja, não
bastando apurar se tais condutas apresentam uma conformidade formal com a ordem
jurídica, mas impondo-se uma ponderação dos valores em jogo.

9. Princípio da justiça (sentido restrito)


Além de ser um princípio compósito, ou o princípio dos princípios (o princípio
aglutinador), é, também, residualmente, um princípio directamente constitutivo de
regras jurídicas que se venham a apresentar como consequência imediata e
irrecusável daquilo que vimos constituir o seu cerne. O seu conteúdo está, assim,
aberto à evolução dos tempos.

10. Princípio da imparcialidade


Ser imparcial é não tomar o partido de uma das partes em contenda, o que
significa que tem de se estar numa posição fora e acima das partes (super partes).
Começou por se exigir a imparcialidade do juiz. Dispõe-se, hoje, no art. 6º do CPA
este princípio. Densificando esta ideia, pode-se dizer que este princípio impõe que os
órgãos e agentes administrativos ajam de forma isenta e equidistante relativamente
aos interesses em jogo nas situações que devem decidir ou sobre as quais se
pronunciem com carácter decisório.
O princípio da imparcialidade tem duas vertentes:
– Negativa
A imparcialidade traduz, desde logo, a ideia de que os titulares de órgãos e os
agentes da Administração Pública estão impedidos de intervir em procedimentos,
actos ou contratos que digam respeito a questões do seu interesse pessoal ou da
sua família, ou de pessoas com quem tenham relações económicas de especial
proximidade, a fim de que não possa suspeitar-se da isenção ou rectidão da sua
conduta – artigos 44º a 51º do CPA.
– Positiva
Aqui, a imparcialidade significa o dever, por parte da Administração Pública, de
ponderar todos os interesses públicos secundários e os interesses privados
equacionáveis para o efeito de certa decisão, antes da sua adopção. Devem-se
considerar parciais os actos ou comportamentos que manifestamente não resultem
de uma exaustiva ponderação dos interesses juridicamente protegidos.

Por fim, na opinião do Professor DFA, o princípio da imparcialidade não é uma


mera aplicação da ideia de justiça. Ora, um órgão da Administração pode violar as
garantias da imparcialidade, intervindo num procedimento em que a lei o proíbe de
intervir e, no entanto, tomar uma decisão em si mesma justa; e o contrário também é
verdadeiro.

III. O Exercício do Poder Administrativo: Introdução


Para levarem a cabo a sua missão, as entidades que integram a Administração
Pública exercem o poder administrativo de vários modos.
Em primeiro lugar, sucede com frequência que os órgãos administrativos
competentes se vejam confrontados com a necessidade de completar ou desenvolver
os comandos genéricos contidos na lei, cm vista a viabilizar a sua aplicação aos casos
concretos. É a emanação de regulamentos administrativos.
No entanto, o exercício do poder administrativo não se esgota na emanação de
normas de conduta gerais e abstractas. A Administração é, muitas vezes, solicitada a
resolver situações específicas, problemas individuais, casos concretos. Ela actua de

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outra forma, actua segundo acto administrativo – é a aplicação da lei e dos


regulamentos às situações da vida real.
Para além destes dois modos, cumpre referir o contrato administrativo. Há casos
em que a Administração, em vez de actuar unilateralmente, impondo pela via da
autoridade as suas decisões, celebra acordos bilaterais com entidades privadas. Ela
actua em colaboração com os particulares, na base de um contrato – é o contrato
administrativo.
Por fim, apesar de não desenvolvermos esta matéria, pode-se ainda falar das
operações materiais. É exemplo uma operação física de demolição de um imóvel que
ameaçava ruína. Não produzem qualquer alteração na ordem jurídica.

IV. O Exercício do Poder Administrativo: o


Regulamento Administrativo

Os regulamentos administrativos são as normas jurídicas emanadas no exercício


do poder administrativo por um órgão da Administração ou por outra entidade pública
ou privada para tal habilitada por lei. Eles constituem o nível inferior do ordenamento
jurídico administrativo, uma fonte secundária (sendo os níveis superiores ocupados
pelas normas e princípios constitucionais, pelas normas de direito internacional e
comunitário e pela lei ordinária).
Eles constituem um produto da actividade da Administração indispensável ao
funcionamento do Estado moderno, pois permitem ao Parlamento desonerar-se de
tarefas que considera incómodas ou para as quais não está tão qualificado e porque
possibilitam uma adaptação rápida do tecido normativo a múltiplas situações
específicas da vida que se encontram constantemente em mutação.
A noção de regulamento apresentada encerra três elementos essenciais:
a. Elemento de natureza material
Do ponto de vista material, o regulamento administrativo consiste em normas
jurídicas. É uma regra de conduta da vida social, dotada das características da
generalidade (aplica-se a uma pluralidade de destinatários) e da abstracção
(aplica-se a uma pluralidade de situações).
Enquanto comando abstracto não se esgota, normalmente, numa aplicação;
pelo contrário, ao contrário do acto administrativo, verificar-se-á sempre que em
concreto se verificarem as situações típicas que nele se encontram previstas.
O regulamento administrativo não é um mero preceito administrativo, é uma
norma jurídica e, por isso, pode ser imposta mediante a ameaça de coacção e cuja
violação pode levar a aplicação de sanções.
b. Elemento de natureza orgânica
Do ponto de vista orgânico, este é ditado não só por pessoas colectivas
públicas integrantes da Administração Pública, como também por pessoas
colectivas públicas não integrantes da Administração (o Parlamento, por exemplo)
quer por entidades de direito privado.
c. Elemento de natureza funcional
Como elemento funcional, cumpre referir que o regulamento é emanado no
exercício do poder administrativo. Este aspecto é sobretudo relevante naqueles
casos em que o órgão considerado não é exclusivamente órgão da Administração
(como sucede com o Governo e as Assembleias legislativas regionais que são
também órgãos políticos e legislativos), assim, só se pode tratar de regulamento
administrativo nestes casos quando estas duas entidades tiverem actuado no
desempenho das suas atribuições administrativas.

1. Espécies

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As espécies de regulamentos podem ser apuradas à luz de quatro critérios


fundamentais:
a. Relação entre o regulamento e a lei
Há que distinguir, aqui, duas espécies: os regulamentos complementares ou de
execução (aqueles que desenvolvem ou aprofundam a disciplina jurídica constante
de uma lei) e os regulamentos independentes ou autónomos (regulamentos que os
órgãos administrativos elaboram no exercício da sua competência, para assegurar
a realização das suas atribuições específicas, sem cuidar de desenvolver ou
completar nenhuma lei especial).
Dentro dos primeiros temos os regulamentos espontâneos (aqui a lei nada diz
quanto à necessidade da sua complementarização) e os devidos (é a própria lei
que impõe à Administração a tarefa de desenvolver a previsão do comando
legislativo). Esta distinção está reflectiva no art. 112º/7 e 8 da CRP.
Os regulamentos complementares ou de execução são regulamentos
secundum legem, sendo, portanto, ilegais se colidirem com a disciplina fixada na
lei.
Os regulamentos independentes ou autónomos não complementam qualquer
lei anterior, a sua missão é estabelecer autonomamente a disciplina jurídica que
há-de pautar a realização das atribuições específicas cometidas pelo legislador
aos entes públicos considerados.
Para que o poder regulamentar existe a CRP ou a lei têm que o prever.
Existem apenas dois casos em que isso não acontece: o caso de regulamentos
internos – entende-se que os órgãos das diferentes pessoas colectivas públicas
que compõem a Administração têm, por natureza, este poder, com fundamento no
poder de direcção -; e o caso dos regimentos de órgãos colegiais – entende-se
que estes têm o poder de elaborar e aprovar os seus próprios regulamentos de
organização e funcionamento, são os regimentos, com fundamento no poder de
auto-organização dos órgãos colegiais.
b. Objecto
Há que referir, fundamentalmente, os regulamentos de organização, de
funcionamento e os de polícia.
Os primeiros são aqueles que procedem à distribuição das funções pelos
vários departamentos e unidades de uma pessoa colectiva pública, bem como à
repartição de tarefas pelos diversos agentes que aí trabalham.
Os segundos disciplinam a vida quotidiana dos serviços públicos.
Os terceiros são aqueles que impõem limitações à liberdade individual com
vista a evitar que, em consequência da conduta perigosa dos indivíduos, se
produzam danos sociais.
c. Âmbito da sua aplicação
Podem ser gerais (vigoram em todo o território continental), locais (têm o seu
domínio de aplicação limitado a uma dada circunscrição territorial) e institucionais
(emanam de institutos públicos ou associações públicas, para terem aplicação
apenas às pessoas que se encontram sob a sua jurisdição).
d. Projecção da sua eficácia
Podem se dividir em regulamentos internos e externos.
Os primeiros são os que produzem os seus efeitos jurídicos unicamente no
interior da esfera jurídica da pessoa colectiva de que emanam.
Os segundos são aqueles que produzem efeitos jurídicos em relação a outros
sujeitos de direito diferentes, isto é, em relação a outras pessoas colectivas
públicas ou em relação a particulares.
Esta classificação levanta, fundamentalmente, dois problemas.
O primeiro consiste em saber se os regulamentos institucionais que visam
disciplinar o comportamento dos utentes de um serviço público são regulamentos
internos ou externos. Há quem entenda que são internos por não se dirigirem a
todos os cidadãos em geral, mas apenas a alguns em especial. O Professor DFA

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não concorda. Para ele são externos pois não projectam a sua eficácia apenas na
esfera jurídica de uma pessoa colectiva pública mas produzem também efeitos em
relação a pessoas que são sujeitos de direito distintos da pessoa colectiva em
causa. Os alunos, os presos, os doentes, etc. não são elementos da
Administração, mas particulares que usam os seus serviços. Daí que estes
regulamentos possam, por eles, ser impugnados contenciosamente, se forem
ilegais ou inconstitucionais.
O segundo problema é o de saber se são internos ou externos os
regulamentos que a Administração elabora para disciplinar a actuação dos seus
próprios funcionários. O Professor DFA entende que se impõe distinguir se se
tratam de regulamentos aplicáveis aos funcionários na sua qualidade de
funcionários, com o fim de disciplinar apenas a organização ou o funcionamento do
serviço (serão, então, internos); ou se, pelo contrário, se tratam de regulamentos
aplicáveis aos funcionários na sua qualidade de cidadãos, sujeitos a uma relação
jurídica de emprego com a Administração, com o fim de disciplinar essa relação e
os direitos ou os deveres recíprocos que a integram (são, então, externos).

2. Distinção entre regulamento e lei


Um primeiro critério, de que partiu a escola clássica francesa, assenta na
diferenciação entre princípios e pormenores – à lei caberia a formulação dos princípios
e ao regulamento a disciplina dos pormenores. No entanto este é um critério vago.
Um segundo critério (sustentado, entre nós, por Marcello Caetano), reconhecendo
haver algumas afinidades no plano material entre os dois, considera possível distingui-
los porque ao regulamento falta a novidade, que é a característica da lei. Mas este
critério cria o problema dos regulamentos independentes ou autónomos, pois estes
não pressupõem na sua base nenhuma lei.
Um terceiro critério baseia-se na identidade material entre os dois, a distinção
entre ambos só pode ser feita no plano formal e orgânico. Ela está na diferente
posição hierárquica dos órgãos de onde emanam e, consequentemente, do diferente
valor formal de um e de outro.
Quanto ao Professor DFA, este concorda com este último critério. A nossa CRP
não fornece qualquer critério de definição de fronteira material entre o domínio
legislativo e o regulamentar. Em cada área normativa deverá haver uma parte
legislativa e uma regulamentar, mas a proporção em que isso acontece depende da
lei. Ela tanto pode esgotar a regulamentação da matéria, consumindo o regulamento
(pois não há reserva de regulamento) como pode, igualmente, limitar-se a diferir para
regulamento de certa entidade a tarefa de regulamentação material do assunto. Entre
esses dois extremos existem diversas possibilidades.
À luz do direito positivo vigente, é lei todo o acto que provenha de um órgão com
competência legislativa e que assuma a forma de lei, ainda que o seu alcance seja
estritamente individual ou contenha disposições de carácter regulamentar; é
regulamento todo o acto dimanado de um órgão com competência regulamentar e que
revista a forma de regulamento, ainda que seja independente ou autónomo e, por
conseguinte, inovador.
Qual é a importância prática desta distinção?
Funciona como fundamento jurídico pois, a lei, em regra, baseia-se unicamente na
CRP; o regulamento só será válido se uma lei de habilitação atribuir competência para
a sua emissão. Uma lei contrária a outra lei, por exemplo, revoga-a, enquanto que um
regulamento contrário a lei é ilegal. Quanto à impugnação contenciosa, a lei só pode
ser impugnada contenciosamente com fundamento em inconstitucionalidade,
enquanto que o regulamento ilegal é, em regra, impugnável contenciosamente.

3. Distinção entre regulamento e acto administrativo


Tanto um como outro são comandos jurídicos unilaterais emitidos por um órgão
competente no exercício de um poder público de autoridade: mas o regulamento,

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como norma jurídica, é uma regra geral e abstracta, ao passo que o acto
administrativo, como acto jurídico, é uma decisão individual e concreta.
Na maioria dos casos a distinção entre estes termos é fácil, no entanto há três
casos excepcionais que levam a dificuldades:
a. Comando relativo a um órgão singular
Por exemplo, ao Presidente da República. É norma, não é acto, se dispuser em
função das características da categoria abstracta e não da pessoa concreta titular
do cargo.
b. Comando relativo a um grupo restrito de pessoas, todas determinadas ou
determináveis
Por exemplo, a disposição que promove ao posto imediato todos os actuais
funcionários da Direcção Geral X. É norma, e não acto, desde que disponha por
meio de categorias abstractas tais como promoção, actuais, funcionários, etc. Será
ato se contiver a lista nominativa dos indivíduos abrangidos, identificados.
c. Comando geral dirigido a uma pluralidade indeterminada de pessoas, mas
para ter aplicação imediata numa única situação concreta
Por exemplo, a ordem dada por certa Câmara Municipal aos habitantes de
certa povoação para que hoje, por ter nevado, limpem a sua rua. Grande parte da
doutrina considera haver aqui acto administrativo, mas o Professor DFA pensa que
há norma pois existe a generalidade, o que não há é vigência sucessiva.

4. Limites do poder regulamentar


Em primeiro lugar os princípios gerais de Direito, a Constituição e os princípios
gerais do Direito Administrativo
De seguida temos a lei, com o princípio de preferência de lei e o princípio de
reserva de lei e a disciplina jurídica constante dos regulamentos editados por órgãos
que se situem num plano superior ao do órgão que editou o regulamento.
O poder de emissão de regulamentos está, entre nós, repartido entre o Governo e
os múltiplos órgãos dos entes públicos que constituem o aparelho administrativo.
Oram, embora pertençam ao mesmo nível, encontramos entre os regulamentos uma
subordinação hierárquica ou, pelo menos, uma ordem de preferência de aplicação. Os
regulamentos do Governo prevalecem sobre todas as outras normas administrativas,
mesmo posteriores, em caso de conflito. Quanto às autarquias locais, a regra é a de
que prevalecem os regulamentos emanados de autarquia de grau superior (um
regulamento de freguesia deve obediência a um regulamento municipal).
É, também, um limite a proibição de o regulamento dispor retroactivamente. A esta
limitação escapam os regulamentos em relação aos quais a lei haja concedido à
Administração a faculdade de regular retroactivamente ou o caso de regulamento
administrativo que se pretende aplicar retroactivamente consagrar um regime mais
favorável para os particulares.
Por último, o poder regulamentar está sujeito a limites de competência e de forma.
Sendo a CRP e a lei que determinam a competência dos órgãos, sofrerá de
inconstitucionalidade ou ilegalidade orgânica um regulamento editado por um órgão
que não disponha de poderes para tal.

5. Competência e forma
Quem são os titulares do poder regulamentar, e a que forma ou formas devem
submeter-se os regulamentos administrativos?
a. Regulamentos do Governo
Art. 199º c) e g) CRP. A regra em relação ao exercício da competência do
Governo é de que ela há-de ser actuada pelo Ministro da pasta respectiva, só
intervindo o Conselho de Ministros quando a lei expressamente o preveja (decorre
do art. 201º/2 a) da CRP).
Qual a forma dos regulamentos do Governo? Há várias possíveis.

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Como forma solene de regulamento temos o decreto regulamentar – art. 112º/6


CRP. Os decretos regulamentares estão sujeitos a um regime mais exigente, a
promulgação do P.R. e referenda do Governo.
Em segundo temos a resolução do Conselho de Ministros. Estas não têm
necessariamente a natureza de regulamentos: podem ser materialmente
regulamentos, mas também podem corresponder materialmente a actos
administrativos.
Quando o regulamento é dimanado de um ou mais ministros em nome do
Governo, estamos perante a portaria, figura que não é expressamente
autonomizada pela CRP. Tem uma forma jurídica própria, especial, prescrita por
lei. Raramente é aprovada em Conselho de Ministros.
Quando um regulamento dimana em nome do seu ministério, e não em nome
do Governo, estamos perante o despacho normativo. Também estes podem conter
matéria regulamentar, embora não seja adequado que o façam.
b. Regiões Autónomas
Tanto a assembleia legislativa regional como o governo regional dispõem de
poder regulamentar – art. 227º/1 d) CRP. A CRP não define, no entanto, a forma
que devem revestir os diversos actos dos órgãos de governo próprio das regiões,
fazem-no, no entanto, os seus estatutos político-administrativos.
c. Autarquias locais
Art. 241º CRP. Esta é a sua forma de “legislação”, ou seja, de regular, por via
normativa, as questões da sua competência. Permite responder às especificidades
locais e materiais, às quais nem o legislador nem os regulamentos governamentais
estariam em condições de responder. Note-se que a concessão do poder
regulamentar a uma autarquia habilita todos os seus regulamentos, que só têm de
indicar a lei que concede o poder regulamentar, não se exige, assim, uma lei
prévia individualizada para cada caso.
d. Institutos Públicos e Associações Públicas
Não existe forma especial para os regulamentos deles emanados.

6. Publicação e vigência dos regulamentos; a inderrogabilidade singular


Dos regulamentos haverá naturalmente que dar conhecimento a todos os seus
destinatários potenciais. O princípio da publicidade dos actos é uma exigência que
decore do princípio do Estado de direito democrático.
Nos termos da alínea h) do nº1 do art. 119º da CRP, são publicados no Diário da
República. A falta de publicidade dos regulamentos determina e sua ineficácia jurídica
(art. 119º/2 CRP), ou seja, são perfeitamente válidos, mesmo sem a publicação, sendo
apenas ela requisito de eficácia (não obrigatoriedade e não oponibilidade em relação a
terceiros). Quanto aos regulamentos autárquicos, estes são publicados em boletim
próprio da autarquia.
Aquando da sua publicação, os regulamentos iniciam a sua vigência na data que
neles estiver fixada ou, faltando tal fixação, cinco dias após a publicação (descontando
o dia em que ocorra) para o Continente e dez dias para as Regiões Autónomas.
Quanto à sua modificação ou suspensão, estas cabem quer aos órgãos que os
elaboraram, quer aos órgãos hierarquicamente superiores com poder de supervisão,
quer aos órgãos que, nos termos da lei, assumam poderes tutelares com esse
conteúdo ou, quer ainda, ao legislador (nada é vedado à lei).
De conferir ainda o artigo 119º/1 do CPA, que nos diz que não há senão um limite
à modificação e suspensão dos regulamentos: quando elaborados em consequência
de expressa obrigação imposta por lei à Administração, esta não pode modificá-los
sem, concomitantemente, editar novas regras e, por maioria de razão, não poderá,
pura e simplesmente, suspendê-los. Pretende-se com este artigo evitar vazios em
matéria regulamentar que inviabilizem a efectiva aplicação das leis.
Agora quanto à inderrogabilidade singular. A Administração pode modificar,
suspender ou revogar um regulamento anterior por via geral e abstracta. O que a

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Administração não pode fazer é, no que toca a regulamentos, derrogá-los sem mais
em casos isolados, mantendo-os em vigor para todos os restantes casos – princípio da
inderrogabilidade singular dos regulamentos. Por força deste princípio o regulamento
que derroga outro para um caso concreto e individual não é um regulamento: é um
acto administrativo ilegal por violação de regulamento.
Por força do princípio da legalidade, a Administração não pode, pois, contraditar,
em casos singulares, isto sem justificação material válida, o regulamento que ela
própria haja elaborado.

7. Termo
Os regulamentos podem cessar a sua vigência por: caducidade, revogação ou
decisão contenciosa.
Na caducidade o regulamento cessa automaticamente a sua vigência, por
ocorrerem determinados factos que ope legis produzem esse efeito jurídico, são eles:
o caso de regulamentos temporários; se forem transferidas as atribuições da pessoa
colectiva para outra autoridade administrativa, ou se cessar a competência
regulamentar do órgão que fez o regulamento (duas excepções: a competência passa
para um outro órgão da mesma pessoa colectiva ou uma pessoa colectiva é extinta
mas outra sucede-lhe por determinação legal); quando for revogada a lei que se
destinava a executar, sem que esta tenha sido substituída (se o tiver sido o
regulamento subsistirá, até um novo ser elaborado, na parte em que se mostrar
conforme à nova disciplina legislativa).
Quanto à revogação, nesta o regulamento deixa de vigorar quando um acto
voluntário dos poderes públicos impõe a cessação dos efeitos, total ou parcial do
regulamento. Ela pode ser expressa ou tácita, operada por outro regulamento, de grau
hierárquico e forma idênticos, por autoridade hierarquicamente superior ou por
regulamento de forma legal mais solene; ou então pode-se dar uma revogação
expressa ou tácita por lei. O nº2 do art. 119º do CPA pretende combater a prática das
revogações implícitas no domínio da actividade regulamentar da Administração
Pública, é uma prática em homenagem à segurança jurídica, já que a revogação tácita
coloca sempre inúmeras dúvidas quanto à sua extensão.
No que ao termo por decisão contenciosa diz respeito não há muito a dizer,
sempre que um tribunal para tanto competente declare a respectiva ilegalidade,
nulidade ou anule os regulamentos, no todo ou em parte, estes deixam de vigorar
(total ou parcialmente).

V. O Exercício do Poder Administrativo: o Acto


Administrativo
Originariamente este conceito delimitava certos comportamentos da Administração
em função da fiscalização da actividade administrava pelos tribunais, tendo, dessa
perspectiva, primeiro servido como garantia da Administração e, depois, como garantia
dos particulares.
Ainda hoje este conceito desempenha esta importante função de delimitar
comportamentos susceptíveis de fiscalização contenciosa, designadamente através do
meio processual do recurso contencioso de anulação (art. 268º/4 CRP).
Mas, a par dela, cumpre também uma função substantiva (a realização, num caso
concreto, da medida geral e abstractamente estabelecida na norma jurídica, vinculada
ou discricionariamente) e uma função procedimental (a Administração está perante
uma situação de facto ou de direito que lhe demanda a prática de um acto com as
características correspondentes às da noção de acto administrativo constantes no art.
120º do CPA).

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1. Definição do conceito: elementos e análise


O acto administrativo é o acto jurídico unilateral praticado, no exercício do poder
administrativo, por um órgão da Administração ou por outra entidade pública ou
privada para tal habilitada por lei, e que traduz uma decisão tendente a produzir efeitos
jurídicos sobre uma situação.
Daqui podemos retirar que os elementos deste conceito são:
a. Um acto jurídico
Ou seja, é uma conduta voluntária produtora de efeitos jurídicos. Ficam, assim,
excluídos do conceito os factos jurídicos involuntários ou naturais, as operações
materiais e as actividades juridicamente irrelevantes – nenhuma destas categorias
pode, assim, ser susceptível de recurso contencioso nem está sujeita ao regime
procedimental e substantivo que figura na no CPA, salvo no que respeita às
operações materiais, que devem conformar-se com os princípios e normas
daquele diploma que concretizam preceitos constitucionais (art. 2º/5 CPA).
b. Um acto unilateral
Ou seja, provém de um autor cuja declaração é perfeita independentemente do
concurso de vontades de outros sujeitos. Não se confunde, assim, o acto
administrativo com o contrato administrativo.
O acto de nomeação de um funcionário público é um acto unilateral, fica válido
pela declaração de vontade da Administração Pública, no entanto a aceitação do
interessado é um requisito de eficácia.
Ficam, assim, fora do conceito de acto administrativo, todos os actos bilaterais
da Administração e, nomeadamente, todos os contratos por ela celebrados.
c. Um acto de um órgão administrativo
O acto administrativo deve ser praticado no exercício do poder administrativo,
isto é, ao abrigo de normas de direito público.
Daqui resulta que não são actos administrativos os actos jurídicos praticados
pela Administração Pública no desempenho de actividades de gestão privada nem
os actos políticos, legislativos e jurisdicionais.
d. Um acto materialmente administrativo
Significa que é um acto praticado ou por um órgão da Administração Pública
em sentido orgânico ou por um órgão de uma pessoa colectiva privada, ou por um
órgão do Estado não integrado no poder executivo, por lei habilitados a praticar
actos administrativos.
Note-se, no entanto, que não é qualquer funcionário público ou agente
administrativo que pode praticar actos administrativos. Os indivíduos que por lei ou
delegação de poderes têm aptidão para praticar actos administrativos são órgãos
da Administração; as nossas leis denominam-nos também autoridades
administrativas.
Assim, são administrativos certos actos praticados por órgãos de pessoas
colectivas que não se integram na Administração Pública em sentido orgânico –
determinadas pessoas colectivas privadas colaboram intimamente com a
Administração Pública na prossecução de atribuições desta, por força disso, a lei
atribui-lhes competência para praticarem actos administrativos (art. 51º c) e d)
ETAF e artigos 2º e 4º do CPA).
Por outro lado, são também administrativos certos actos jurídico-públicos
praticados por órgãos do Estado não pertencentes ao poder executivo, ou seja,
órgãos integrados no poder moderador, no poder legislativo ou no poder judicial
(art. 26º/1 b), c) e d) ETAF).
Não são actos administrativos, por não provirem de um órgão da Administração
Pública ou de um órgão legalmente habilitado a praticar actos administrativos, os
actos praticados por indivíduos estranhos à Administração Pública. Neste caso, se
um indivíduo sem qualquer vínculo com a Administração se faz passar por órgão
desta e pretende praticar actos administrativos, decorrem daí três consequências:

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tais actos são inexistentes, é cometido o crime de usurpação de funções, e é


constituída responsabilidade civil.
e. Um acto decisório
O acto administrativo é uma decisão proveniente de um órgão administrativo.
Isto implica que nem todos os actos jurídicos privados praticados no exercício de
um poder administrativo e que visem produzir efeitos jurídicos numa situação
individual e concreta são actos administrativos, só o sendo os que corresponderem
a um conceito estrito de decisão, quer dizer, a uma estatuição ou determinação
sobre uma certa situação jurídico-administrativa. A expressão decisão corresponde
aos significados de estatuição, determinação e prescrição.
Só tem sentido submeter aos regimes procedimental e substantivo do acto
administrativo do CPA condutas administrativas susceptíveis de definir, por si sós,
imediata ou potencialmente, a esfera jurídica dos particulares, ou, por outras
palavras, condutas idóneas a produzir uma transformação jurídica externa.
Exclui-se, assim, do conceito de acto administrativo, vários actos jurídicos da
Administração como os actos preparatórios – chamar alguém ao procedimento
para se pronunciar, optar por ouvir peritos, etc.
f. Um ato que versa sobre uma situação individual e concreta.
Este último elemento visa estabelecer a distinção entre os actos
administrativos, que têm conteúdo individual e concreto, e as normas jurídicas
emanadas da Administração Pública, os regulamentos, que têm conteúdo geral e
abstracto. Ficam, assim fora do conceito de acto administrativo os actos
legislativos e os regulamentos.
Há, ainda, que falar aqui dos actos colectivos, dos actos plurais e dos actos
gerais.
Os actos colectivos são os que têm por destinatário um conjunto unificado de
pessoas. Por exemplo, quando o Governo toma a decisão de dissolver um órgão
colegial, este é um acto administrativo. Não se trata, aí, de formular regras gerais e
abstractas (se não seria “sempre que se verifiquem as circunstâncias X e Y, o
Governo pode dissolver os órgãos A e B”). Os destinatários do acto, aqui, são os
membros do órgão colegial e não a instituição. Em rigor, portanto, sob a aparência
externa de um acto dirigido a várias pessoas, o que na realidade existe na ordem
jurídica são tantos actos quantas as pessoas abrangidas pela dissolução.
Vêm, depois, os actos plurais. Estes são aqueles em que a Administração
Pública toma uma decisão aplicável por igual a várias pessoas diferentes. Por
exemplo, um despacho ministerial nomeia vinte funcionários públicos para vinte
vagas que existem numa determinada direcção-geral. Na realidade, também aqui,
o que existem são vinte actos administrativos
Em terceiro lugar, vêm os actos gerais, estes são aqueles que se aplicam de
imediato a um grupo inorgânico de cidadãos, todos bem determinados, ou
determináveis no local. Por exemplo, juntam-se vinte pessoas a ver uma
determinada montra e vem um agente da polícia que manda as pessoas
dispersarem. Estes actos gerais não são normas jurídicas, são ordens concretas,
dadas a pessoas concretas dadas a pessoas concretas e bem determinadas – são
um feixe de actos administrativos, que se reportam a verias situações individuais e
concretas. Diferentemente, se um determinado comando administrativo não
permite a identificação dos seus destinatários individualizadamente e se dirige a
categorias, classes ou grupos de sujeitos é norma, é um comando genérico.

2. Natureza jurídica do acto administrativo


A estrutura do acto administrativo compõe-se de quatro ordens de elementos:
a. Elementos subjectivos
O acto administrativo típico põe em relação dois sujeitos de direito: a
Administração Pública e um particular ou, em alguns casos, duas pessoas
colectivas públicas (autorizações ou aprovações tutelares, por exemplo) ou duas

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pessoas colectivas privadas (acto de rescisão por motivo de interesse público de


um contrato de cessão de exploração de um restaurante situado numa ara de
serviço de uma auto-estrada por um concessionário de obras públicas, por
exemplo).
Existem, no entanto, várias excepções a esta regra, como é o caso dos actos
administrativos multipolares, direccionados erga omnes, com eficácia em relação a
terceiros.(exemplo: classificação de um bem como sendo do domínio público).
Assim, um dos sujeitos que o acto relaciona é uma pessoa colectiva pública
que integra a Administração ou, por vezes, uma pessoa colectiva privada titular de
poderes de autoridade que com ela colabora.
b. Elementos formais
Todo o acto administrativo tem sempre necessariamente uma “forma”, isto é,
um modo pelo qual se exterioriza ou manifesta a conduta voluntária em que o acto
consiste. Não se deve, no entanto, confundir a forma do acto administrativo com a
forma dos documentos em que se contenha a redução a escrito de actos
administrativos (decreto, portaria, despacho, etc.).
Além da forma do acto administrativo, há, ainda, a assinalar as formalidades
prescritas pela lei para serem observadas na fase de preparação da decisão ou na
própria fase da decisão. São todos os trâmites que a lei manda observar com vista
a garantir a correcta formação da decisão administrativa, bem como o respeito
pelos direitos subjectivos e interesses legítimos dos particulares.
As formalidades, ao contrário da forma, não fazem parte do acto administrativo,
em si mesmo considerado. No entanto, a lei apenas permite aos particulares
atacar contenciosamente a inobservância de formalidades através da impugnação
do acto administrativo a que elas respeitem, por isso, tudo se passa na prática
como se as formalidades fizessem parte do próprio acto.
c. Elementos objectivos
São o conteúdo e o objecto.
O conteúdo é a substância da conduta voluntária em que o acto consiste.
Fazem parte do conteúdo do acto administrativo: a decisão essencial tomada pela
Administração, as cláusulas acessórias e os fundamentos da decisão tomada.
O objecto do acto administrativo consiste na realidade exterior sobre que o acto
incide (uma pessoa, uma coisa ou um acto administrativo primário).
d. Elementos funcionais
Comporta três elementos funcionais:
– Causa
É um elemento que tem sido muito discutido na doutrina e sobre o qual não
há consenso entre os autores. Para o Professor DFA é a função jurídico-social
de cada tipo de acto administrativo (vertente objectiva) ou, noutra perspectiva,
o motivo típico imediato de cada acto administrativo (vertente subjectiva).
– Motivos
São todas as razões de agir que impelem o órgão da Administração a
praticar um certo acto administrativo ou a dotá-lo de um determinado conteúdo.
– Fim
É o objectivo ou finalidade a prosseguir através da prática do acto.

Dentro da estrutura dos actos administrativos podemos, ainda, distinguir entre:


a. Elementos
São as realidades que integram o próprio acto, em si mesmo considerado.
Dividem-se em elementos essenciais (sem os quais o acto não existe ou não pode
produzir efeitos) e elementos acessórios (podem ou não ser introduzidos no acto).
b. Requisitos
São as exigências que a lei formula em relação a cada um dos elementos do
acto administrativo, para garantia da legalidade e do interesse público ou dos

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direitos subjectivou e dos interesses legítimos dos particulares. Dividem-se em


requisitos de validade e requisitos de eficácia.
c. Pressupostos
São as situações de facto de cuja ocorrência depende a possibilidade legal de
praticar um certo acto administrativo ou de o dotar com determinado conteúdo.

3. Espécies de Actos Administrativos


A primeira distinção que podemos fazer é entre actos primários e actos
secundários. Os primeiros são aqueles que versam pela primeira vez sobre uma
determinada situação da vida, dividem-se em actos impositivos (que impõem a alguém
uma certa conduta ou a sujeição a determinados efeitos jurídicos) e os actos
permissivos (possibilitam a alguém a adopção de uma conduta ou a omissão de um
comportamento que de outro modo lhe estariam vedados). Os actos secundários são
aqueles que versam sobre um acto primário anteriormente praticado, que é o seu
objecto.
Dentro dos actos primários na sua vertente de actos impositivos temos:
a. Actos de comando
São aqueles que impõem a um particular a adopção de uma conduta positiva
ou negativa. Assim, se impõem uma conduta positiva, chamam-se ordens; se
impõem uma conduta negativa, chamam-se proibições. O domínio destes actos é
o direito da polícia.
b. Actos punitivos
São aqueles que impõem uma sanção a alguém. Por exemplo a aplicação de
uma pena disciplinar em virtude da violação de algum dever.
c. Actos ablativos
São aqueles que impõem a extinção ou a modificação do conteúdo de um
direito. Têm como exemplo as expropriações de terrenos, nacionalizações de
empresas, etc.
d. Juízos
São actos pelos quais um órgão da Administração qualifica, segundo critérios
de justiça, pessoas, coisas ou actos submetidos à sua apreciação. Exemplos:
classificações, graduações, valorações, etc.

Dentro dos actos primários na sua vertente permissiva podemos dividir, ainda,
entre os actos que conferem ou aplicam vantagens e os actos que eliminam ou
reduzem encargos.
Dentro dos primeiros temos:
a. Autorização
Acto pelo qual um órgão da Administração permite a alguém o exercício de um
direito ou de uma competência preexistente. Alguém é titular de um direito
subjectivo, mas a lei estabelece que esse direito só pode ser exercido mediante
autorização, dada caso a caso pela autoridade administrativa competente – o
titular do direito é o particular, mas o respectivo exercício está condicionado pela
necessidade de obter uma autorização da Administração Pública.
b. Licença
Acto pelo qual um órgão da Administração atribui a alguém o direito de exercer
uma actividade privada que é por lei relativamente proibida. Na licença o particular
não é titular de nenhum direito face à Administração: a actividade que ele se
propõe a desenvolver é até, em princípio, proibida pela lei, mas, em certos casos e
a título excepcional, a Administração pode permitir o exercício de tal actividade
(exemplo: porte de arma de fogo; exploração de um canal privado de televisão)
c. Concessão
Acto pelo qual um órgão da Administração transfere para um entidade privada
o exercício de uma actividade pública, que o concessionário desempenhará por
sua conta e risco, mas no interesse geral. Na licença é concedido ao particular o

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exercício de uma actividade privada, aqui é uma actividade pública (exemplo:


exploração de um serviço público).
d. Delegação
Acto pelo qual um órgão da Administração, normalmente competente em
determinada matéria, permite, de acordo com a lei, que outro órgão ou agente
pratiquem actos administrativos sobre a mesma matéria. Aqui tudo se passa na
esfera da própria Administração, ao contrário das três primeiras categorias.
e. Admissão
Acto pelo qual um órgão da Administração investe um particular numa
determinada categoria legal, de que decorre a atribuição de certos direitos e
deveres (exemplo: acto de matrícula num estabelecimento de ensino).
f. Subvenção
Acto pelo qual um órgão da Administração atribui a um particular uma quantia
em dinheiro destinada a cobrir os custos inerentes à prossecução da uma
actividade de interesse público.

Dentro dos segundos, temos:


a. Dispensa
Acto administrativo que permite a alguém, nos termos da lei, o não
cumprimento de uma obrigação geral. Tem duas modalidades, a isenção
(concedida a particulares para a prossecução de um interesse público relevante) e
a escusa (concedida a outro órgão ou agente administrativo a fim de garantir a
imparcialidade da Administração).
b. Renúncia
Consiste no acto pelo qual um órgão da Administração se despoja da
titularidade de um direito legalmente disponível. Equivale à perda do direito.

No que respeita especialmente a certas espécies de actos permissivos


ampliadores de vantagens como a autorização ou a licença, a doutrina administrativa
vem aludindo ao conceito de pré-decisões (que se verificam, sobretudo, nos
procedimentos administrativos escalonados ou faseados, e pretendem diminuir o risco
de investimento dos particulares, pois cada uma delas funciona como um pré-aviso em
relação ao que pode acontecer no fim do processo), que abarca duas realidades: os
actos prévios e os actos parciais.
Actos prévios sãos os actos administrativos pelos quais a Administração resolve
questões isoladas de que depende a posterior decisão da pretensão autorizatória ou
licenciatória formulada pelo particular. Não tem qualquer efeito permissivo – no caso
de uma autorização, por exemplo, o particular não pode ainda exercer o seu direito
antes da decisão final.
Actos parciais são os actos administrativos pelos quais a Administração decide
antecipadamente uma parte da questão final a decidir em relação a um acto
permissivo. É já uma decisão definitiva sobre uma parte do que foi requerido e tem
efeito permissivo.

Voltando à distinção inicial, debrucemo-nos, agora, sobre os actos secundários.


Estes agrupam-se em três categorias:
a. Actos integrativos
São os actos que visam completar actos administrativos anteriores. Podemos
distinguir as seguintes categorias dentro destes:
– Homologação
É o acto administrativo que absorve os fundamentos e conclusões de uma
proposta ou de um parecer apresentado por outro órgão. Quando o órgão
competente diz “homologo”, isto significa que faz seu o conteúdo tanto das
conclusões como das fundamentações do acto homologado (conferir art. 124º/

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2 CPA). A homologação é o acto administrativo principal, não o acto


homologado.
– Aprovação
Acto pelo qual um órgão da Administração exprime a sua concordância
com um acto anterior praticado por outro órgão administrativo, e lhe confere
eficácia. Ao contrário da homologação, na aprovação, antes de esta acontecer,
existe já um acto administrativo, que só não era eficaz (art. 129º a) CPA). O
acto principal aqui é o acto aprovado. Distingue-se da autorização pois aqui
concorda-se com um acto já praticado no passado, enquanto que na
autorização se permite a futura prática de um acto ou um futuro exercício de
um direito.
– Visto
Acto pelo qual um órgão competente declara ter tomado conhecimento de
outro acto ou documento, sem se pronunciar sobre o seu conteúdo (visto
cognitivo) ou declara não ter objecções, de legalidade ou mérito, sobre o acto
examinado, conferindo-lhe eficácia (visto volitivo). O visto volitivo distingue-se
da aprovação pois aqui o órgão não adere nem concorda com o acto, apenas
se limita a não objectar. É o exemplo do visto do Tribunal de Contas.
– Acto confirmativo
Acto administrativo pelo qual um órgão da Administração reitera e mantém
em vigor um acto administrativo anterior. Não altera nada, apenas confirma a
decisão.
– Ratificação-confirmativa
É o acto pelo qual o órgão normalmente competente para dispor sobre
certa matéria exprime a sua concordância relativamente aos actos praticados,
em circunstâncias extraordinárias, por um órgão excepcionalmente
competente. Se a ratificação é recusada, então o acto caduca.
b. Actos saneadores
c. Actos desintegrativos

Categoria ainda não referida é a dos actos instrumentais. Estes não envolvem uma
decisão de autoridade, antes são auxiliares relativamente a actos administrativos
decisórios. Que actos se incluem nesta categoria? São eles:
a. Declarações de conhecimento
São os actos auxiliares pelos quais um órgão da Administração exprime
oficialmente o conhecimento que tem de certos factos ou situações. É o caso das
participações, certificados, certidões, atestados, informações, etc. Estes actos
limitam-se a verificar a existência ou a reconhecer a validade de situações que já
existiam e têm, por isso, efeito retroactivo – o reconhecimento vale a partir do
momento em que os direitos ou situações reconhecidas nasceram.
b. Actos opinativos
São actos pelos quais um órgão da Administração emite o seu ponto de vista
acerca de uma questão técnica ou jurídica. Há três modalidades:
– Informações burocráticas
São as opiniões prestadas pelos serviços ao superior hierárquico
competente para decidir.
– Recomendações
São actos pelos quais se emite uma opinião, consubstanciando um apelo a
que o órgão competente decida de certa maneira, mas que não o obrigam a tal.
– Pareceres
São actos opinativos elaborados por peritos especializados em certos
ramos do saber, ou por órgãos colegiais de natureza consultiva. Estes
agrupam-se em duas classificações: por um lado são obrigatórios ou
facultativos, conforme a lei imponha ou não a necessidade de eles serem
emitidos; por outro, são vinculativos ou não vinculativos, conforme a lei

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imponha ou não a necessidade de as suas conclusões serem seguidas pelo


órgão decisório competente.
A regra geral no nosso direito é de que os pareceres são obrigatórios e não
vinculativos (art. 98º/2 CPA). Se assim o for, a sua falta gera o vício de forma.
Todavia, quando os pareceres são vinculativos, na realidade quem decide é a
entidade que emite o parecer.
Sobre os pareceres conferir os artigos: art. 99º/1, 2 e 3; e art. 133º/2 CPA.

Ainda sobre as classificações dos actos administrativos. Podemos classificá-los


quanto:
a. Ao autor
A doutrina costumava chamar decisões aos actos administrativos provenientes
de órgãos singulares e deliberações aos provenientes de órgãos colegiais. No
entanto, o Professor DFA entende que decisões são todos os actos administrativos
(art. 120º CPA) e deliberações são apenas as decisões tomadas por órgãos
colegiais.
b. Aos destinatários
Os actos podem ser singulares, colectivos, plurais e gerais (conferir acima).
c. Aos efeitos
Distinguem-se, aqui, os actos de execução instantânea (o cumprimento esgota-
se num acto ou facto isolado) e os actos de execução continuada (a sua execução
perdura no tempo).
d. À respectiva localização no procedimento e hierarquia administrativos
O acto administrativo praticado pela Administração não surge de repente, é
sempre precedido por uma série de formalidades, de actos preparatórios, de
estudos, de pareceres, projectos, etc. que vão ajudando a formar e esclarecer a
vontade da Administração. O acto definitivo é a conclusão de todo um processo
que se vai desenrolando no tempo (definitivo em sentido horizontal). Só são
definitivos os actos praticados por aqueles que em cada momento ocupam o todo
de uma hierarquia, ou sejam independentes (definitivo em sentido vertical).
Distinguem-se assim os actos definitivos, que têm por conteúdo uma decisão
horizontal e verticalmente final; dos actos não definitivos, que são todos aqueles
que não contêm resolução final ou não são praticados pelo órgão máximo de certa
hierarquia ou por órgão independente.
e. À susceptibilidade de execução administrativa
Distinguem-se, aqui, os actos executórios dos actos não executórios.
Executórios são os actos administrativos simultaneamente exequíveis (não o
são os actos secundários e permissivos) e eficazes (para saber os que não são
conferir artigos: 27º/4; 130º/2; 150º/1 a), b e c); 150º/2; 163º/1; 170º/1) cuja
execução coerciva por via administrativa não seja vedada por lei.
São executórios os actos voluntariamente incumpridos pelos particulares cuja
execução coerciva administrativa seja pró lei permitida.
Nota: não são executórios, ainda que sendo exequíveis e eficazes, os actos
tributários e, em geral, os actos de que resulte a obrigação de pagar uma quantia
em dinheiro. A sua execução só pode ser feita através dos tribunais.

4. Procedimento Administrativo
A actividade administrativa não se esgota na tomada de decisões, antes de cada
decisão há sempre numerosos actos preparatórios, estudos, averiguações, exames,
vistorias, etc. e, depois de tomada a decisão, há controles, registos, vistos,
publicações, etc.
A tudo isto se chama de procedimento administrativo – sequência juridicamente
ordenada de actos e formalidades tendentes à preparação da prática de um acto da
Administração ou à sua execução.

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A regulamentação jurídica do procedimento administrativo vida, por um lado,


garantir a melhor ponderação da decisão a tomar à luz do interesse público e, por
outro, assegurar o respeito pelos direitos e interesses legítimos dos particulares.
Quanto à natureza jurídica do procedimento, apesar de haver uma tese anti-
processualista, o Professor DFA é partidário da tese processualista, apesar de admitir
que existem diferenças (um é actuado pela Administração outro pelos tribunais; um
tem por objectivo actos da Administração, o outro sentenças; um corresponde ao
exercício da função administrativa, o outro a jurisdicional).
Quais os princípios fundamentais do procedimento administrativo?
a. Carácter escrito
O modo de funcionamento da Administração não se compadece com a
oralidade (Marcello Caetano). Há, no entanto, excepções.
b. Simplificação do formalismo
É muito menos formalista que o processo judicial. A lei traça apenas algumas
linhas gerais de actuação e determina quais as formalidades essenciais.
c. Natureza inquisitória
Os tribunais são passivos, aguardam as iniciativas dos particulares – a
Administração é activa, goza do direito de iniciativa (art. 56º CPA; e como
manifestação deste principio conferir artigos 86º e seguintes CPA).
d. Colaboração da Administração com os particulares
Consagrado no art. 7º do CPA.
e. Direito de informação dos particulares
Art. 286º/1 CRP e art. 61º do CPA. Não só no momento da resolução final mas
durante todo o procedimento, se o cidadão quiser ser informado sobre o estado de
um processo que lhe diz respeito, tem esse direito. A CRP só exige dois requisitos:
que o particular requeira a informação à Administração e que seja directamente
interessado no processo.
f. Participação dos particulares na formação das decisões que lhes respeitem
Art. 267º/5 CRP e art. 8º do CPA. Este direito genérico de participação
manifesta-se sob várias formas, a mais relevante é o direito de audiência prévia
dos particulares relativamente à tomada de qualquer decisão administrativa que
lhes diga respeito, ou o direito de formular sugestões e prestar informações à
Administração (art. 7º/1 b) e 86º CPA).
g. Princípio da decisão
Art. 9º CPA. Pretende-se não só que a Administração se Pronuncie sempre que
para tanto é solicitada pelos particulares mas também facilitar a protecção dos
particulares em face de omissões administrativas ilegais, designadamente
garantindo a formação do acto tácito pela previsão genérica de um dever legal de
decidir.
h. Princípio da desburocratização e eficiência
Art. 10º CPA. Implica que a Administração se deva organizar de modo a
possibilitar uma utilização racional dos meios ao seu dispor, simplificando tanto
quanto possível as suas operações como o relacionamento com os particulares.
i. Princípio da gratuitidade
Art. 11º CPA.

Dentro dos procedimentos administrativos decisórios (os que têm por objecto
preparar a prática de um acto da Administração) podemos distinguir entre
procedimentos decisórios de 1º grau e de 2º grau (como reclamações ou recursos
hierárquicos), conforme visem preparar a prática de um acto primário ou de um acto
secundário.
Dentro do procedimento decisório de primeiro grau temos as seguintes fases:
a. Fase inicial
É a fase em que se dá início ao procedimento (artigos 74º a 85º CPA). Inicio
que pode ser desencadeado pela Administração ou por particular (art. 54º CPA).

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Desta fase pode ainda fazer parte a tomada de medidas provisórias (art. 84º/1
CPA). Sempre que a Administração tenha justo receio de que a situação se
degrade antes de se chegar à decisão final, pode no decurso do procedimento,
tomar medidas provisórias, tais como a suspensão preventiva do arguido, por
exemplo.
b. Fase da instrução
Destina-se a averiguar os factos que interessam à decisão final e,
nomeadamente à recolhe das provas que se mostrarem necessárias (artigos 86º a
99º CPA). Trata-se de uma fase dominada pelo princípio do inquisitório (art. 56º
CPA). Pode ser conduzida pelo órgão competente para tomar a decisão final ou
por um instrutor especialmente nomeado para o efeito (art. 86º CPA). Durante a
fase da instrução pode ser ouvido o particular cujo requerimento tenha dado
origem ao procedimento ou contra quem este tenha sido instaurado, é uma
diligência instrutória (não confundir com a audiência prévia).
c. Fase da audiência dos interessados
Artigos 100º a 105º do CPA. Trata-se de uma pequena revolução na nossa
ordem jurídica, pois não havia, na generalidade dos casos, qualquer participação
dos particulares na formação das decisões que lhes dissessem respeito. É a fase
do procedimento administrativo em que é assegurado aos interessados num
procedimento o direito de participarem na formação das decisões que lhes digam
respeito. Há casos em que a lei diz que não há lugar a esta, e outros em que esta
permite ao instrutor dispensá-la (art. 103º CPA).
No caso de esta ser obrigatória por lei e não ocorra constitui-se uma
ilegalidade, traduzindo-se num vício de forma que leva ou à anulabilidade (se o
direito à audiência prévia não for concebido como um direito fundamental) ou à
nulidade (se o tiver sido) – artigos 133º/2 d) e 135º CPA.
d. Fase da preparação da decisão
Esta é a fase em que a Administração pondera adequadamente o quadro
traçado na fase inicial, a prova recolhida na fase de instrução e os argumentos
aduzidos pelos particulares na fase de audiência dos interessados. A
Administração vai preparar-se para decidir: primeiro os funcionários apresentarão
as suas informações burocráticas, depois os órgãos consultivos elaborarão os
pareceres, o procedimento é então levado ao órgão singular competente para
despacho, ou é inscrito na agenda da próxima reunião do órgão colegial
competente para a deliberação.
e. Fase da decisão
Artigos. 106º e seguintes CPA. Se a competência decisória compete a um
órgão singular, as regras específicas a observar são muito poucas, se pertencer a
um órgão colegial serão já numerosas as disposições aplicáveis (artigos 14º e
seguintes CPA).
Além da extinção através de decisão expressa há diversas modalidades de
extinção, como as dos artigos 108º a 113º do CPA.
f. Fase complementar
É aquela em que são praticados certos actos e formalidades posteriores à
decisão do procedimento: registos, arquivamento de documentos, sujeição a
controles internos ou a aprovação tutelar, visto do Tribunal de Contas, publicação
do Diário da República, notificação aos destinatários quando necessária, etc.

Trataremos, agora, em especial de uma forma de decisão do procedimento, a


decisão tácita. Por vezes a Administração nada faz ou diz acerca dos assuntos de
interesse público que tem entre mãos. Nalgumas situações a lei atribui ao silêncio um
determinado significado, daí decorrendo efeitos jurídicos.
Se a Administração nada disser está a violar a lei, está a ofender um direito
subjectivo de um cidadão. Mas como a garantia dos cidadãos se traduz,
fundamentalmente, no direito de recorrer contenciosamente dos actos praticados pela

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Administração mas, se esta nada disse, o particular não poderá recorrer de nenhuma
decisão.
Há várias maneiras de resolver o problema. A primeira consiste em a lei atribuir ao
silêncio da Administração o significado de acto tácito positivos: perante o silêncio da
Administração, a lei considera que o pedido foi deferido. Aqui o silêncio vale como
manifestação tácita da vontade da Administração num sentido positivo para o
particular. (artigo 108º CPA)
A segunda maneira de resolver o problema consiste em a lei atribuir ao silêncio da
Administração o significado de acto tácito negativo: entende-se que tal pedido foi
indeferido. (artigo 109º CPA)
Qual a vantagem para o particular desta figura do acto tácito negativo? É que
desta forma ele poderá recorrer contenciosamente contra o indeferimento tácito da sua
pretensão. Esta garantia para os particulares foi considerada, nos inícios do século
XX, muito importante. No entanto, hoje, ganhou-se consciência de que este direito não
é muito forte.
Assim, alguns países evoluíram para a aceitação de uma acção contra as
omissões indevidas da Administração, em que esta pode ser condenada pelo tribunal
administrativo a praticar os actos devidos.
Levanta-se, aqui, a questão de saber qual a natureza jurídica do acto tácito. Há
três correntes de opinião: a primeira (Marcello Caetano) diz que o acto tácito é um acto
administrativo; a segunda (André Gonçalves Pereira) diz que o acto tácito é um
simples pressuposto do recurso contencioso; a terceira (DFA) diz que o acto tácito é
uma ficção legal de acto administrativo (não é um verdadeiro acto administrativo, pois
não há uma conduta voluntária, mas tudo se passa como se o acto tácito fosse um
verdadeiro acto administrativo).
Para finalizar a parte do procedimento, podemos, ainda, falar da actuação da
Administração Pública sem respeito das formas legais do procedimento, nos casos de
estado de necessidade (art. 3º/2 CPA) e urgência.
No primeiro caso ocorrem situações nas quais a lei permite à Administração uma
actuação imediata e urgente com vista à salvaguarda de bens essenciais, mesmo que
para isso os agentes administrativos tenham de ignorar o respeito de regras
estabelecidas para circunstâncias normais; é o caso de um incêndio, por exemplo. O
estado de necessidade tem três pressupostos: a urgência, a natureza imperiosa do
interesse público a defender e a excepcionalidade da situação.
Quanto ao segundo caso, a urgência, este caracteriza-se em três ideias: é uma
realidade ordinária, ainda que eventual, da acção da Administração; os procedimentos
administrativos de urgência traduzem formas simplificadas de agir (art. 19º e 103º/1, a)
CPA); e a actuação administrativa urgente está, em qualquer caso, prevista na lei.

5. Validade e Eficácia
A validade é a aptidão intrínseca do acto para produzir os efeitos jurídicos
correspondentes ao tipo legal a que pertence, em consequência da sua conformidade
com a ordem jurídica.
A eficácia é a efectiva produção de efeitos jurídicos, a projecção na realidade da
vida dos efeitos jurídicos que integram o conteúdo de um acto administrativo.
A lei formula, em relação aos actos administrativos em geral, um certo número de
requisitos. Se não se verificarem em cada acto administrativo todos os requisitos de
validade exigidos por lei, o acto será inválido; se não se verificarem todos os requisitos
de eficácia exigidos por lei, o acto será ineficaz.
Um acto administrativo pode ser válido e eficaz, válido mas ineficaz, inválido mas
eficaz ou inválido e ineficaz.
Trataremos, primeiro dos requisitos de validade (artigos 120º a 126º CPA). Estes
são todas as exigências que a lei faz relativamente a cada um dos elementos deste:
a. Sujeito

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Quanto ao sujeito temos os seguintes requisitos: que o acto se inscreva no


âmbito das atribuições da entidade a que pertence o órgão seu autor; que tal órgão
tenha a competência para praticar esse acto e que esteja concretamente
legitimado (ou seja, não sofra de algum impedimento, por exemplo, no caso de um
órgão singular ou, no caso de um órgão colegial, que esteja regularmente
constituído, regularmente convocado, etc.).
b. Forma e formalidades
Recorde-se: a forma é a o modo pelo qual se exterioriza a conduta voluntária
em que o acto se traduz; formalidades são os trâmites que a lei manda observar
com vista a garantir a correcta formação da decisão administrativa ou o respeito
pelas posições jurídicas subjectivas dos particulares.
Em relação às formalidades, o princípio geral é de que todas as prescritas por
lei são essenciais, gerando a sua inobservância ilegalidade. Esta regra comporta,
contudo, três excepções: as formalidades que a lei declarar dispensáveis, as
formalidades cuja omissão ou preterição não tenha impedido a consecução do
objectivo visado pela lei ao exigi-las (degradação das formalidades essenciais em
formalidades não essenciais) e as formalidades meramente burocráticas, de
carácter interno, tendentes a assegurar apenas a boa marcha dos serviços.
A obrigação de fundamentação (artigos 124º a 126º CPA) é, por exemplo, uma
formalidade essencial. A fundamentação de um acto administrativo consiste na
enunciação explícita das razões que levaram o seu autor a praticar esse acto ou a
dotá-lo desse conteúdo. Este é muito importante, não apenas para o particular
lesado, mas também na perspectiva do tribunal e, ainda, na óptica do próprio
interesse público. Os seus objectivos essenciais são a defesa do particular, o
autocontrolo da Administração, a pacificação desta com os particulares e a
clarificação e prova dos factos sobre os quais assenta a decisão. A falta de
fundamentação quando exigida por lei, ou se existir mas não corresponder aos
requisitos, o acto administrativo é ilegal por vício de forma e, como tal, anulável
(art. 135º CPA).
Quanto à forma, esta tem as suas regras do artigo 122º do CPA. Podemos
distinguir, desde já, formas simples de formas solenes. As primeiras são aquelas
em que a exteriorização da vontade do órgão administrativo não exige a adopção
de um escrito sujeito a um modelo especial; as segundas são aquelas em que o
escrito tem de obedecer a um certo modelo legalmente estabelecido.
c. Conteúdo e Objecto
Exige-se que tanto o conteúdo como o objecto do acto administrativo
obedeçam aos requisitos da certeza, legalidade e da possibilidade, tal como
sucede relativamente aos negócios jurídicos privados (artigos 280º e 281º C.C.).
Assim, sob pena de viciação, o objecto tem de ser possível, determinado, idóneo e
estar legitimado para suportar os efeitos do acto.
Por sua vez, os efeitos – conteúdo do acto – têm também de ser determinados,
possíveis e lícitos. Além disso, a lei exige também que a vontade em que o acto
administrativo se traduz seja esclarecida e livre, pelo que, mesmo verificados os
requisitos de validade, o acto não será válido se a vontade da Administração tiver
sido determinada por qualquer influência indevida – erro, dolo ou coacção.
Por outro lado, podem ser apostas ao acto administrativo cláusulas acessórias,
como é o caso do termo, da condição, do modo ou da reserva de revogação, mas
elas apenas serão válidas se não contrariarem a lei ou o fim a que o acto se
destina (art. 121º CPA).
d. Fim
A lei exige que o fim efectivamente prosseguido pelo órgão administrativo
coincida com o fim que ela teve em vista ao conferir os poderes para a prática do
acto. Este requisito só é relevante no caso de actos praticados no exercício de
poderes discricionários (no domínio dos vinculados o fim não tem autonomia).

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Quanto aos requisitos de eficácia (artigos 127º a 132º CPA) do acto administrativo,
a regra geral é a de que o acto administrativo produz efeitos desde a sua prática (art.
127º/1 CPA): é o princípio da imediatividade dos efeitos jurídicos.
Quando se considera, então, o acto praticado (art. 127º/2 CPA)? Logo que se
encontrem reunidos os seus elementos essenciais, ou seja, aqueles elementos cuja
falta determina a nulidade do acto administrativo (art. 133º CPA).
No entanto, à regra geral da imediatividade dos efeitos jurídicos, abre a lei duas
excepções: o acto administrativo pode produzir efeitos retroactivos (produz efeitos a
partir de um momento anterior ao da sua prática – art. 128º CPA) ou efeitos com
eficácia diferida (produz efeitos apenas em momento posterior ao da sua prática - art.
129º CPA). Estas duas categorias podem, igualmente coexistir em actos que, quando
(ou se) se tornarem eficazes, vinculam (também para o futuro).

6. Interpretação e Integração
A interpretação do acto administrativo é a operação jurídica que se traduz na
determinação do sentido e do alcance juridicamente relevante de um acto
administrativo. Os seus elementos são: o texto da decisão (incluindo os fundamentos),
os elementos cosntantes do procedimento, o comportamento posterior da
Administração ou do particular, o tipo legal de actos, as leis aplicáveis, o interesse
público a prosseguir, as praxes administrativas e os princípios gerais do Direito
Administrativo. Na interpretação devem ter-se em conta duas presunções: a de que o
órgão não quis afastar-se do tipo legal do acto que praticou e a do art. 124º/1 d) do
CPA. A interpretação cabe aos tribunais administrativos e à própria Administração
(actos interpretativos ou aclarações).
Os princípios da interpretação aplicam-se, com as devidas alterações, aos da
integração de lacunas do acto administrativo. Há que, sobretudo, recorrer à lei para
preencher as lacunas dos actos vinculados e, nos actos discricionários, à vontade
hipotética do autor do acto.

7. Invalidade
A invalidade é o valor jurídico negativo que afecta o acto administrativo em virtude
da sua inaptidão intrínseca para produzir efeitos jurídicos. A ilegalidade foi, durante
muito tempo, considerada como a única fonte de invalidade. Hoje, porém, o Professor
DFA entende que há outras formas de invalidade, para além da ilegalidade.
Começando pela ilegalidade, quando se diz que um acto administrativo é contrário
à lei, utiliza-se a palavra lei num sentido muito amplo, no sentido do bloco de
legalidade. A ilegalidade do acto administrativo pode assumir várias formas, que se
denominam de vícios do acto administrativo:
a. Usurpação de poderes
É o vício que consiste na prática por um órgão administrativo de um acto
incluído nas atribuições do poder legislativo, moderador ou judicial. Trata-se de
uma violação do princípio da separação de poderes (art. 2º e 111º CRP). Tem três
modalidades: a usurpação do poder legislativo (criação de um imposto pela
Administração); a usurpação do poder moderador (despacho do Primeiro-Ministro
a demitir um funcionário da Presidência da República); e usurpação do poder
judicial (deliberação de uma câmara municipal que declare a nulidade de um
contrato civil). Gera nulidade em todos os casos.
b. Incompetência
É o vício que consiste na prática, por um órgão administrativo, de um acto
incluído nas atribuições (incompetência absoluta) ou na competência de outro
órgão administrativo (incompetência relativa). Podemos distinguir quatro
modalidades de incompetência: em razão da matéria, em razão da hierarquia, em
razão do lugar ou em razão do tempo. A incompetência absoluta gera nulidade; a
relativa anulabilidade.

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c. Vício de forma
É o vício que consiste na preterição de formalidades essenciais ou na carência
de forma legal. Comporta três modalidades: a preterição de formalidades
anteriores à praticas do acto; relativas à prática deste; ou carência de forma legal.
Nota: a eventual preterição de formalidades posteriores à prática do acto não
produz ilegalidade mas apenas ineficácia. A carência absoluta de forma legal; as
deliberações tomada tumultuosamente, sem quórum, sem ser pela maioria exigida
por lei ou que nomeiem ilegalmente funcionários sem concurso são nulas; todos os
outros vícios de forma geram anulabilidade.
d. Violação de lei
É o vício que consiste na discrepância entre o conteúdo ou o objecto do acto e
as normas jurídicas que lhes são aplicáveis. Configura uma ilegalidade de
natureza material, é a própria substância do acto, é a decisão, que contraria a lei.
Este vício produz-se, normalmente, no exercício de poderes vinculados. Mas pode
também ocorrer no exercício de poderes discricionários, quando sejam infringidos
os princípios gerais que limitam ou condicionam a discricionariedade ou os
princípios constitucionais como o de justiça, da imparcialidade, da boa fé, etc.
A violação de lei comporta várias modalidades: a falta de base legal; a
incerteza, ilegalidade ou impossibilidade tanto do conteúdo como do objecto do
acto; a inexistência ou ilegalidade dos pressupostos relativos ao conteúdo ou ao
objecto do acto administrativo; a ilegalidade dos elementos acessórios incluídos
pela Administração no conteúdo do acto; ou qualquer outra ilegalidade do acto
administrativo insusceptível de ser reconduzida a outro vício. Os casos de violação
de lei referidos no art. 133º do CPA geram nulidade, todos os restantes,
anulabilidade.
e. Desvio de poder
É o vício que consiste no exercício de um poder discricionário por um motivo
principalmente determinante que não condiga com o fim que a lei visou ao conferir
tal poder. O desvio de poder pressupõe, assim, uma discrepância entre o fim legal
e o fim real. Existem duas principais modalidades: o desvio de poder por motivo de
interesse público e o desvio de poder por motivo de interesse privado. Em
qualquer um dos casos o acto é ilegal e inválido. Todos os casos geram
anulabilidade.

Falando, agora, de outras fontes de invalidade, temos:


a. Ilicitude do acto administrativo
A ilicitude do acto administrativo coincide com a sua ilegalidade, mas há casos
em que, na opinião do Professor DFA, o acto pode ser ilícito sem ser ilegal. Esses
casos são quatro: casos em que o acto administrativo, sem violar a lei, ofenda um
direito subjectivo ou um interesse legítimo de um particular; casos em que o acto
administrativo viole um contrato não administrativo; casos em que o acto
administrativo ofenda a ordem pública ou os bons costumes; e casos em que o
acto administrativo contenha uma forma de usura (artigos 282º a 284º C.C.).
b. Os vícios da vontade no acto administrativo
Os vícios da vontade são o erro, o dolo e a coacção. Tradicionalmente,
Marcello Caetano considerava que estes eram casos de ilegalidade, mas o
Professor DFA tem uma opinião diferente.

Cumpre, agora, falar das consequências da invalidade, ilicitude ou vícios da


vontade, nomeadamente a nulidade e a anulabilidade – formas de invalidade do acto
administrativo (artigos 133º a 136º CPA).
A nulidade é a forma mais grave da invalidade. Os seus traços são:
– O acto nulo é totalmente ineficaz, desde o início (art. 134º/1 CPA)

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– A nulidade é insanável, quer pelo decurso do tempo, quer por ratificação,


reforma ou conversão – o acto nulo não é susceptível de ser transformado em
acto válido (art.137º CPA)
– Os particulares e os funcionários públicos têm o direito de desobedecer a
quaisquer ordens que constem de um acto nulo, tendo o direito de resistência
passiva (art. 21º CRP)
– Um acto nulo pode ser impugnado a todo o tempo (art. 134º/2 CPA)
– O pedido de reconhecimento da existência de nulidade de um acto
administrativo pode ser feito junto de qualquer tribunal (art. 134º/2 CPA)
– A nulidade pode ser conhecida a todo o tempo, por qualquer órgão
administrativo (art. 134º/2 CPA)
– O reconhecimento judicial da existência de uma nulidade toma a forma de
declaração de nulidade e tem natureza meramente declarativa, não se pode
anular um acto nulo, se ele o é declara-se a sua nulidade.

A anulabilidade é uma forma menos grave de invalidade e tem características


distintas:
– O acto anulável, embora inválido, é juridicamente eficaz até ao momento em
que venha a ser anulado ou suspenso, enquanto não o for produz efeitos como
se fosse válido (art. 127º/1 CPA a contrario)
– A anulabilidade é sanável, quer pelo decurso do tempo, quer por ratificação,
reforma ou conversão. Se o acto anulável não for objecto de revogação
oficiosa pela Administração ou de impugnação pelo interessado dentro de um
certo prazo, acaba por se transformar num acto inatacável
– O acto anulável é obrigatório
– O acto anulável só pode ser impugnado dentre de um certo prazo legal
– O pedido de anulação só pode ser feito perante um tribunal administrativo
– O reconhecimento de que o acto é anulável por parte do tribunal determina a
sua anulação
– A anulação contenciosa de um acto administrativo tem efeitos retroactivos

No nosso direito, a nulidade tem carácter excepcional e a anulabilidade geral (art.


135º CPA). Isto por razões de certeza e segurança da ordem jurídica.
É, ainda, possível fazer uma referência à irregularidade, censura ligeira. Pode
acontecer que o incumprimento da certas normas de procedimento não acarrete a
invalidade do acto, quer por se tratar de normas meramente indicativas – formalidades
não essenciais – quer por tal incumprimento não importar, no caso concreto, uma
lesão efectiva dos valores e interesses protegidos pela norma violada, por estes
alcançarem a sua realização por outra via – é a chamada degradação de formalidades
essenciais em não essenciais. O seu conceito desdobra-se em dois tipos: no de o
vício não afectar a eficácia do acto; e no de a afectar, diminuindo-a ou alterando-a,
mas não a impedindo. Exemplo: actos praticados ao abrigo de delegação ou
subdelegação de poderes que não mencionem a existência dessas delegações ou
subdelegações (art. 123º/1 a) CPA).
Nas invalidades, tal como nas ilegalidades, pode haver cumulação de formas.
Neste caso, se todas as fontes de invalidade que afectam o caso forem geradoras de
anulabilidade ou de nulidade não há dúvidas, no entanto, se uma ou mais fontes de
invalidade gerarem anulabilidade e outra ou outras determinarem nulidade, então
prevalece a sanção mais forte, sendo o acto nulo.
Por fim, cumpre realçar que os actos administrativos ilegais são sanáveis, ou seja,
podem transformar-se em actos com força de caso decidido, o seu fundamento é a
certeza e a segurança na ordem jurídica. A sanação pode ocorrer de duas formas: por
acto administrativo secundário (art. 136º/1 CPA) ou pelo decurso do tempo (casos de
anulabilidade).

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8. Extinção e Modificação
Os efeitos jurídicos do acto administrativo podem extinguir-se por variados modos.
Em certos casos cessam imediatamente com a prática do acto (actos de execução
instantânea); noutros os efeitos perduram no tempo, só se extinguindo quando
decorrido um certo período (actos de execução continuada); outros, por sua vez,
podem ter sido apostos a um termo final ou a uma condição resolutiva e, então, uma
vez atingido, o termo ou a condição, os efeitos cessam; pode ainda acontecer que o
acto se extinga por ter sido praticado um outro cujo conteúdo é oposto. Não é, todavia,
destas situações de que nos vamos ocupar, mas sim da revogação.
A revogação é o acto administrativo que se destina a extinguir os efeitos de um
acto administrativo anterior. Com a prática da revogação, ou acto revogatório (que
pertence à categoria dos actos secundários), extinguem-se os efeitos jurídicos do acto
revogado.
As espécies de revogação podem apurar-se à luz de diversos critérios, dos quais
se destacam quatro:
a. Iniciativa
Quanto a esta, a revogação pode ser espontânea (é a revogação oficiosa,
praticada pelo órgão competente, independentemente de qualquer solicitação) ou
provocada (é motivada por um requerimento de um interessado dirigido ao órgão
com competência revogatória) – art. 138º CPA.
b. Autor
Pode ser feita pelo próprio autor do acto revogado ou por órgão administrativo
diferente: no primeiro caso estamos perante a retractação, no segundo o acto
revogatório é praticado pelo superior hierárquico do autor (em relação a actos do
subalterno), ou pelo delegante/subdelegante ou, ainda, nos casos previstos por lei,
pelos órgãos tutelares (art. 142º CPA).
c. Fundamento
A revogação pode basear-se na ilegalidade ou na inconveniência do acto que é
seu objecto. Quando assenta no primeiro fundamento fala-se de anulação
administrativa, com ela visa-se reintegrar a ordem jurídica violada; se tem por
fundamento a inconveniência, a prática do acto revogatório encontra a sua razão
de ser num juízo de mérito, numa nova valoração administrativa à luz do interesse
público.
d. Efeitos
A revogação embora consista sempre na extinção dos efeitos do acto
revogado, pode revestir uma de duas modalidade: a mera cessação para o futuro –
revogação ab-rogatória – ou a destruição total dos efeitos do acto revogado –
revogação anulatória.
A eficácia da primeira é ex nunc (“desde agora”); e da segunda, que tem
eficácia ex tunc (“desde então”). Dada a particular dureza da revogação anulatória,
que não dispõe apenas para o futuro, mas interfere com o passado, e num sentido
diferente daquele com que aos particulares era lícito contar, abalando assim a
confiança do público na Administração, não é discricionária a escolha entre a
prática de uma revogação ab-rogatória ou de uma revogação anulatória.
A revogação ab-rogatória ajusta-se aos casos em que o órgão administrativo
competente mude de critério e resolva extinguir um acto anterior por o considerar
inconveniente (art. 145º CPA); a revogação anulatória é, por regra, reservada pela
lei para os casos em que o acto a revogar seja inválido.

Falando, agora, do regime da revogabilidade dos actos administrativos, a primeira


grande regra é a de que os órgãos administrativos dispõem da faculdade de,
respeitados certos limites, extinguir os efeitos jurídicos dos actos que anteriormente
praticaram, desde que os reputem inválidos ou inconvenientes – a revogabilidade é
uma característica própria do acto administrativo; em contraste com a irrevogabilidade

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da sentença transitada em julgado. O regime legal da revogação encontra-se nos


artigos 139º, 140º e 141º do CPA:
a. Actos insusceptíveis de revogação (art. 139º)
Há casos em que a revogação não pode ter lugar nem lógica nem
juridicamente porque não há efeitos a extinguir. É o caso dos actos inexistentes ou
nulos, dos actos cujos efeitos já tenham sido destruídos e o caso dos actos cujos
efeitos tenham caducado ou se encontrem esgotados (estes últimos não podem
ser objecto de revogação ab-rogatória mas podem, ainda, destruir-se os seus
efeitos produzidos, se tiverem sido ilegais, através da revogação anulatória).
b. Regime da revogabilidade dos actos válidos (art. 140º)
A regra geral que se extrai deste artigo é de que os actos administrativos
válidos são livremente revogáveis. Esta regra decore da subordinação da
Administração ao princípio constitucional da prossecução do interesse público.
Existem, por outro lado, situações em que o órgão administrativo, não
deparando com uma impossibilidade absoluta de revogação (art. 139º), não pode,
todavia, sob pena de ilegalidade, revogar actos que haja anteriormente praticado.
São fundamentalmente duas as situações: não se devem revogar actos válidos
que tenham sido praticados no exercício de poderes vinculados e em estrita
obediência a uma imposição legal; nem os actos administrativos válidos de que
resultem para o autor obrigações legais ou direitos irrenunciáveis.
Finalmente, o legislador considera que são de revogação condicionada os
actos constitutivos de direitos ou interesses legalmente protegidos – o princípio da
confiança postula que os cidadãos têm o direito de poder confiar em que as
decisões públicas incidentes sobre os seus direitos ou posições jurídicas,
alicerçadas em normas jurídicas vigentes e válidas, se ligam os efeitos jurídicos
previstos e prescritos por essas normas. Estes só podem ser revogados: na parte
em que sejam desfavoráveis aos interessados ou no caso de todos os
interessados darem a sua concordância à revogação do acto, desde que não se
trate de interesses/direitos indisponíveis.
O Professor DFA fala, ainda, de um outro grupo de situações em que pode ter
lugar, a título excepcional, a revogação deste tipo de actos: por alteração da
situação de facto, ou por mudança fundamentada das concepções da
Administração, o interesse público torne conveniente, ou até imperiosa, a
revogação de um acto favorável aos particulares, havendo uma indemnização para
os particulares. Como enfatiza Pedro Gonçalves, não faz sentido que a
Administração não o possa fazer, quando tem direitos como o de expropriação, ou
pode rescindir de contratos unilateralmente.
c. Regime da revogabilidade dos actos inválidos (art. 141º)
Os traços principais deste artigo são: o fundamento exclusivo da revogação é a
invalidade do acto anterior; a revogação de actos inválidos pode ser efectuada
pelo autor do acto, pelo seu superior hierárquico, pelo órgão
delegante/subdelegante ou, nos casos legalmente previstos, pelo órgão tutelar; a
revogação dos actos inválidos deve ser feita dentro do prazo fixado na lei para o
recurso contencioso que no caso couber e uma vez interposto o recurso
contencioso, até à resposta da autoridade administrativa recorrida.

Importa agora definir quem tem competência revogatória, e qual o fundamento


dessa competência:
a. O autor do acto
Art. 142º/1 CPA. O fundamento desta competência revogatória reside na
competência dispositiva do autor do acto sobre a matéria a decidir, encontrando-se
este, por conseguinte, legalmente habilitado a resolver, conforme entenda melhor,
acerca do assunto. Caso essa competência dispositiva seja transferida por lei para
outro órgão, passa este a dispor do poder de revogar os actos praticados pelo
órgão originariamente competente.

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Questão mais complicada é a de saber quem dispõe de competência


revogatória naqueles casos em que o acto foi praticado por órgão incompetente.
Há quem entenda que tanto o autor do acto como o órgão competente para decidir
sobre aquela matéria têm competência revogatória: o primeiro porque a lei, ao
abrigo do princípio do autocontrolo de legalidade, dá ao autor do acto competência
revogatória e não exclui os casos de incompetência, o segundo por possuir
competência dispositiva sobre a matéria. A favor no CPA temos o art. 137º.
O Professor DFA discorda, no entanto, desta concepção. Apenas o autor
efectivo do acto tem competência para revogá-lo, aceitar a competência
revogatória do titular da competência dispositiva sobre os actos praticados por
órgãos incompetentes seria admitir um poder de superintendência. A favor no CPA
temos o art. 142º/1.
b. O superior hierárquico
O superior hierárquico do autor do acto é competente para revogar, salvo se se
tratar de acto da competência exclusiva do subalterno (142º/1 CPA). Daqui deriva
que a competência revogatória do superior só existe os casos de competência
comum e de competência própria.
O art. 174º do CPA permite, no entanto, que o superior hierárquico, sendo
solicitado para tal pela interposição por um particular do recurso administrativo,
revogue actos da competência exclusiva do subalterno. O legislador, com isto, quis
reservar o poder de revogação do superior hierárquico relativamente a actos
praticados pelo subalterno no uso de competência exclusiva apenas para os casos
em que sejam os particulares a tomar a iniciativa da revogação. Nestes termos, a
revogação do art. 142º/1 fica reservada à revogação espontânea.
c. O delegante
É também competente para revogar o delegante/subdelegante, em relação a
actos praticados pelo delegado/subdelegado, no âmbito dos poderes cujo exercício
lhes foi transferido (art. 142º/1 CPA).
É que a partir do momento em que o órgão subalterno recebeu do delegante a
possibilidade de exercer uma determinada competência deste, a relação
hierárquica como que ficou temporariamente “paralisada” nesse preciso domínio,
no sentido de que o subalterno passou a poder actuar nos mesmos termos que o
superior-delegante, guindando-se, nessa medida, à sua “posição”. Por virtude da
delegação, o delegado deixa de actuar como subordinado, para proceder em lugar
do delegante, no exercício da mesma competência e, portanto, no mesmo plano
dele. Nesta relação mantém-se a supremacia do delegante face ao delegado, há
que aquele continua a ser o órgão titular do poder e, se o delegante pode, em
qualquer momento, revogar o acto de delegação, bem se compreende em termos
lógicos, que o possa revogar.
d. O órgão tutelar
Por princípio o órgão tutelar não dispõe deste poder, a não ser que a lei
expressamente o inclua no elenco dos poderes tutelares, falando-se, a esse
propósito, de tutela revogatória (art. 142º/3 CPA).

Cumpre, agora, falar da forma e das formalidades da revogação. Em sede de


revogação não vigora o princípio da liberdade de forma, este princípio cede ao da
identidade ou do paralelismo das formas, quer isto dizer, tanto as formalidades como a
forma do acto revogatório se hão-de apurar por referência às formalidades e à forma,
legalmente prescritas, do acto revogatório. Há duas excepções a esta regra, nas quais
o acto de revogação deve revestir a forma que tiver sido efectivamente utilizada e não
a devida (art. 143º/2 CPA): quando a lei não estabelecer forma especial alguma para o
acto revogado, ou quando o acto revogado tiver revestido forma mais solene do que a
legalmente prevista.
Outra questão que se coloca quanto à revogação é, qual o fim do acto de
revogação? Temos duas hipóteses, no caso de revogação por acto inválido, o fim é a

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defesa da legalidade; no caso de revogação por inconveniência, o fim é a melhor


prossecução do interesse público.
Para finalizar o tema da revogação, há, ainda, que falar dos efeitos repristinatórios.
Há quem entenda que a revogação é essencialmente um acto de natureza
negativa ou destrutiva: através dele, o órgão administrativo extingue os efeitos de um
acto anterior, por ilegalidade ou inconveniência, e com isso destrói ou elimina da
ordem jurídica uma determinada decisão – o órgão com competência dispositiva
poderá acrescentar à revogação uma nova decisão, mas este será um novo acto.
Outros autores, porém, concebem a revogação essencialmente como acto de
natureza positiva ou construtiva: através dele, o órgão administrativo não se limita a
extinguir ou eliminar uma dada decisão tomada sobre determinado caso concreto, mas
substitui certa decisão por outra. Ou o órgão competente faz logo acompanhar a
extinção do acto anterior de uma nova decisão sobre o caso concreto ou não o faz.
Nesta segunda hipótese, sustentam os partidários da corrente construtivista que a
revogação acarreta sempre o chamado efeito repristinatório. Ou seja, a revogação C
do acto B tem como consequência a reposição em vigor do acto A que tina sido
revogado pelo B.
O Professor DFA diz-nos: se for revogada a revogação de um acto vinculado, a
segunda revogação terá ou não efeitos repreistinatório consoante o sentido imposto
pela vinculação legal; no caso de revogação de um acto discricionário, a produção ou
não do efeito repristinatório depende da vontade que o órgão administrativo manifestar
a esse propósito, é isso que nos diz o art. 146º do CPA.
Saindo agora do tema da revogação e entrando numa figura afim desta, a
suspensão. A suspensão é a paralisação temporária dos efeitos jurídicos de um acto,
ele pode ser suspenso por um de três modos distintos: por efeito da lei (art. 164º/1 ou
170º/1 CPA ou a subordinação de um acto administrativo a condição suspensiva ou
termo inicial); por acto administrativo (pode ser efectuada pelos órgãos a quem a lei
confira o poder de suspender, aos órgãos competentes para revogar ou aos órgãos
tutelares a quem a lei conceda esse poder – art. 150º CPA); por decisão de um
tribunal administrativo.
Outra figura afim é a rectificação do acto administrativo. Esta é o acto secundário
que visa emendar os erros de cálculo ou os erros materiais contidos num acto
administrativo anterior – art. 148º/1 CPA.
Por último, temos a ratificação, reforma e conversão do acto administrativo (art.
137º). A ratificação é o acto administrativo pelo qual o órgão competente decide sanar
um acto inválido anteriormente praticado suprindo a ilegalidade que o vicia (exemplo:
repetição por escrutínio secreto da votação ilegalmente feita por votação nominal ou a
prática de um acto incluindo a fundamentação legalmente exigida que dele não
constava anteriormente) – em caso de incompetência, o poder de ratificar o acto ilegal
cabe ao órgão competente para a sua prática (art. 137º/3 CPA); reforma é o acto
administrativo pelo qual se conserva de um acto anterior a parte não afectada da
ilegalidade; e conversão é o acto administrativo pelo qual se aproveitam os elementos
válidos de um acto ilegal para com eles se compor um outro acto que seja legal
(implica a transfiguração jurídica do acto – caso da nomeação definitiva que é
convertida em provimento interino por se encontrarem preenchidos naquela apenas os
requisitos legalmente previstos para este).
As linhas gerais comuns a estes três elementos são: não são susceptíveis deles os
actos nulos ou inexistentes (art. 137º/1 CPA); as normas de competência e
tempestividade aplicáveis são as da revogação dos actos inválidos (art. 137º/2 CPA);
em regra os três têm eficácia retroactiva (art. 145º/2 e 137º/2 CPA).

9. Execução
Esta é uma matéria que está disciplinada nos artigos 149º e seguintes do CPA.
Em primeiro lugar, vimos que a Administração Pública goza, no nosso
ordenamento jurídico da possibilidade de definir imperativamente o direito aplicável no

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caso concreto, criando, modificando e extinguindo situações jurídicas de outras


entidades, cujos efeitos se projectam imediatamente nas suas esferas jurídicas, com
plena força obrigatória e independentemente de qualquer decisão judicial (princípio da
autotutela declarativa).
Em segundo lugar, a Administração tem a faculdade de executar coactivamente tal
definição sem necessidade de qualquer prévia decisão judicial (art. 149º/2 CPA –
privilégio da execução prévia).
Em terceiro lugar, quando classificamos os actos administrativos em executórios e
não executórios, referimos os termos em que se pode verificar a execução coerciva
por via administrativa dos actos administrativos, para que isso suceda será necessário:
que exista um acto administrativo que, de forma imediata, crie ou estabeleça deveres
ou encargos para um particular, obrigando-o a uma determinada prestação; que se
verifique a recusa do destinatário do acto ao seu cumprimento voluntário; e que a lei
se não oponha à execução por via administrativa.
Depois destes pontos síntese, passamos para os princípios gerais da execução, a
que se submetem os actos administrativos impositivos de deveres ou encargos que
não sejam voluntariamente cumpridos pelos destinatários: Estes são cinco:
a. Princípio da legalidade da execução
Toda a execução coactiva por via administrativa tem de ser feita com
fundamento na lei e pelas formas e nos termos por ela previstos (art. 149º/2 CPA).
b. Princípio do acto administrativo prévio
A Administração não pode realizar operações materiais e executivas,
designadamente pelo uso da força, sem ser com base num acto administrativo
anterior que as legitime.
c. Princípio da proporcionalidade
Na execução coactiva, na medida do possível, se utilizados os meios que,
garantindo a realização integral dos seus objectivos, envolvam menos prejuízo
para os direitos e interesses dos particulares (art. 151º/2 CPA).
d. Princípio da subsidariedade
A Administração apenas deve impor as suas decisões pela força uma vez
esgotada definitivamente a possibilidade de as mesmas serem voluntariamente
cumpridas pelos respectivos destinatários.
e. Princípio da humanidade da execução
Art. 157º/3 CPA – a Administração, mesmo que tenha a possibilidade de usar a
força contra os indivíduos, não pode utilizar meios de coacção que violem direitos
fundamentais ou sejam contrários ao respeito devido à pessoa humana, como
seria por exemplo a tortura.

Temos, de seguida, as condições da execução:


a. Existência de um acto administrativo exequendo
Art. 151º/1 CPA – a existência de um acto exequendo é condição sine qua non
para qualquer acto ou operação material de execução de que resulte limitação de
quaisquer posições jurídicas subjectivas dos particulares. Sem acto administrativo
prévio, válido e eficaz, ou perante casos de inexistência ou nulidade deste, não é
possível à Administração lançar mão do processo de execução coactiva.
Mesmo perante actos administrativos válidos ou meramente anuláveis, a
respectiva execução coactiva apenas se poderá efectivar dentro dos limites do
acto exequendo, devendo considerar-se sem título legítimo toda a execução
administrativa que exceda ou modifique os ermos do acto exequendo (art. 151º/3
CPA). Se o acto de execução for ele próprio directamente desconforme com o
regime legal instituído para actos de tal categoria executiva, passa a ser também
administrativa e contenciosamente impugnável (art. 151º/4 CPA).
b. Tipicidade legal das formas e dos termos de execução
Art. 149º/2 CPA.
c. Notificação do destinatário

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É ainda necessário que a respectiva decisão seja posteriormente notificada ao


seu destinatário antes de se iniciar a execução (art. 152º/1 CPA). Desta notificação
devem constar, além do texto do acto exequendo, a indicação de um novo prazo
de cumprimento e o aviso de que, findo tal prazo, a Administração executará
coercivamente aquele acto exequendo através de meios especificamente
determinados. O art. 152º/1 prossegue um duplo objectivo: por um lado a
economia de meios administrativos, por outro, permitir ao particular a possibilidade
de desencadear mecanismos passíveis de obstar à execução administrativa.

Quanto aos fins de execução (art. 154º CPA), pode esta ter um de três fins:
a. O pagamento de quantia certa
Art. 155º/1 CPA - a lei portuguesa não autoriza a execução forçada por via
administrativa de um acto que, por exemplo, fixa um imposto, uma taxa ou uma
coima. Em tais casos, o único caminho a seguir é o da via judicial, através do
processo de execuções fiscais.
b. A entrega de coisa certa
Se o particular não fizer a entrega da coisa devida à Administração (por
exemplo, um automóvel) poderá esta proceder às diligências que sejam
necessárias para tomar posse administrativa dela (art. 156º CPA), ou seja, poder a
Administração investir-se no seu corpus com animus possidendi em virtude de
simples declaração do seu direito a essa possa, podendo usar a força pública, se
necessário, para o efeito de se assenhorear dela e de a manter.
c. A prestação de um facto
Se o particular não realizar a prestação de facto positivo a que se encontra
obrigado dentro do prazo que lhe for fixado por notificação administrativa. Há que
distinguir duas sub-hipóteses:
– Se se tratar de facto positivo fungível (um facto que tanto pode ser
realizado pelo particular como por um terceiro, sem prejuízo para a
Administração), pode a Administração optar entre a execução directa
pelos seus próprios meios e a execução por terceiro por si contratado
para o efeito, ficando em qualquer dos casos as despesas a cargo do
particular faltoso (art. 157º/1 e 2 CPA) – execução subrogatória
(exemplo: demolição de uma construção).
– Se se tratar de facto positivo infungível (um facto que tem
necessariamente de ser praticado pelo particular em causa), poderá a
Administração utilizar a coacção física sobre o obrigado. Note-se,
porém, que esta coacção sobre o obrigado só pode ter lugar nos casos
expressamente previstos na lei, e sempre com observância dos direitos
fundamentais consagrados na Constituição e do respeito devido à
pessoa humana (art. 157º/3 CPA).

Por sua vez, se o particular não realizar a prestação de facto negativo a que se
encontra obrigado, é também necessário destrinçar consoante se esteja perante
facto fungível ou infungível:
– Se se tratar de facto fungível, os termos da execução são os da
execução para prestação de facto positivo. Imagine-se o caso de um
particular a quem a Administração proibira o não prosseguimento de
determinada obra ter persistido na sua realização.
– Se se tratar de facto infungível, a execução é, em bom rigor,
tecnicamente impossível. Imagine-se o caso de um particular
administrativamente obrigado a não revelar determinado segredo
proceder a essa revelação. Pode, no entanto, converter-se numa
execução para pagamento de quantia certa (art. 155º/1 CPA) se a
Administração determinar o pagamento de uma indemnização e o
destinatário o não fizer voluntariamente

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Finalmente, se o particular não cumprir uma obrigação infungível de pati


(submeter-se a determinada vacina, por exemplo), pode a mesma ser
coactivamente imposta, embora aí se devam respeitar importantes limites
constitucionais, designadamente o princípio da proporcionalidade em matéria de
restrições aos direitos fundamentais (aplica-se o art. 157º/3 CPA).

VI. O Exercício do Poder Administrativo: o


Contrato Administrativo

Normalmente a Administração pratica actos administrativos, muitas vezes, porém,


e a tendência actual vai no sentido do incremente deste modo de agir, a Administração
Pública actua de forma diferente, desta feita em colaboração com os particulares,
usando a via do contrato, que é uma via bilateral, para prosseguir os fins de interesse
público que a lei põe a seu cargo. Isto significa que, nestes casos, a Administração
Pública necessita de chegar a acordo com aqueles para constituir modificar ou
extinguir relações jurídicas administrativas.
É o que se passa, por exemplo, quando a Administração precisa de executar obras
públicas e por isso se socorre de empreiteiros de obras públicas, que são empresas
privadas: aqui não faz sentido que a Administração vá impor unilateralmente a um
empreiteiro que lhe faça uma determinada obra; ela tem de contratar com ele os
termos e as condições em que a obra vai ser executada.
No entanto, o contrato administrativo não é sinónimo de qualquer contrato
celebrado pela Administração Pública com outrem: só é contrato administrativo o
contrato com um regime jurídico traçado pelo Direito Administrativo. o elemento
essencial do regime jurídico destes contratos administrativos é a possibilidade de o
conteúdo das suas prestações ser alterado, durante a execução do contrato, par
satisfação das novas exigências do interesse público – no entanto, o princípio do
equilíbrio financeiro do contrato deve ser sempre respeitado, de tal forma que o
interesse público não seja satisfeito à custa dos legítimos interesses dos particulares,
nem estes possam sobrepor-se à necessária garantia do primeiro.
Sendo ambos acordos de vontades, o contrato administrativo e o contrato de
direito privado distinguem-se pela diferente natureza jurídica dos seus efeitos, ou,
noutra perspectiva, pela especial intensidade que o factor interesse público
desempenha no primeiro. Como diz o Professor Marcelo Rebelo de Sousa, o que
autonomiza os contratos administrativos é o facto de o interesse público prosseguido
pela Administração não só encontrar-se presente como também prevalecer sobre os
interesses privados em presença, o que explica o afastamento do regime de Direito
privado.
Alguns autores alemães (Otto Mayer, Jellinek) entendiam que a figura do contrato
era incompatível com o espírito e a essência do direito público: só no direito privado é
que seria possível encontrar e construir a figura do contrato. Os seus argumentos são:
o Estado é soberano e, portanto, não se pode vincular por contrato a um particular; o
contrato pressupõe a igualdade jurídica entre as partes, e essa igualdade só pode
existir no âmbito do direito privado, o Estado não se pode demitir da sua autoridade.
A isto responderam os partidários da admissibilidade da figura do contrato
propriamente dito: nem toda a Administração Pública é Estado e o Estado, quando
actua no âmbito do Direito Administrativo, não é o Estado-soberano, mas sim o
Estado-administração; para além disso, o Estado, no contrato administrativo, o Estado
não se demite da sua autoridade, a Administração não se despoja dos poderes de
autoridade que tenha de conservar, o contrato administrativo não é um contrato
baseado na estrita igualdade jurídica entre as partes.

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1. Espécies
Existem, no artigo 178º/2 do CPA, oito espécies de contratos administrativos:
a. Empreitada de obras públicas
b. Concessão de obras públicas
c. Concessão de serviços públicos
d. Concessão de exploração do domínio público
e. Concessão de uso privativo do domínio público
f. Concessão de exploração de jogos de fortuna ou azar
g. Fornecimento contínuo
h. Prestação de serviços para fins de imediata utilidade pública

Existem, ainda, outras espécies de contratos administrativos, no entanto não


tipificados tais como os contratos de cessão a título precário de bens do domínio
privado do Estado; contratos de desenvolvimento para habitação, contratos de
urbanização, entre outros.

2. Regime Jurídico
O regime jurídico dos contratos administrativos é constituído quer por normas que
conferem prerrogativas especiais de autoridade à Administração, quer por normas que
impõem à Administração especiais deveres ou sujeições. Este regime é traçado
principalmente pelo Direito Administrativo – pelo CPA e pelos princípios gerais do
Direito Administrativo – mas também por algumas normas de Direito Financeiro e
Direito Comunitário.
Os princípios gerais aplicáveis aos procedimentos conducentes à celebração de
contratos administrativos são os seguintes:
a. Princípio da legalidade
Este princípio exige, desde logo, que o fundamento normativo de qualquer
procedimento adjudicatório deve basear-se num acto legislativo. A entidade
adjudicante (adjudicação é o acto administrativo pelo qual o órgão competente
escolhe a proposta preferida, seleccionando o particular com quem a
Administração decide contratar), para iniciar, carece, pois, de uma norma
habilitante proveniente do poder legislativo. Tal norma deverá formular um quadro
ou descrição fundamental suficiente para demarcar o âmbito da actuação
autoritária do órgão administrativo sobre as esferas jurídicas dos particulares e
para repartir o âmbito de actuação entre os diversos órgãos das pessoas
colectivas que integram a Administração.
No que toca especificamente aos procedimentos concursais, não é
seguramente admissível a abertura de um concurso sem a publicação prévia das
normas que o disciplinam. A lei pode conferir ao promotor do concurso maior ou
menos autonomia na condução dos trâmites do procedimento do concurso e na
própria escolha do co-contratante, mas há uma condição que, em qualquer caso,
tem de se observar: essa autonomia há-de ter a lei por sua base e medida. Ou
seja, mesmo nos domínios não cobertos pelo princípio da reserva de lei, a
Administração num concurso não deixa de estar adstrita à obrigação de fixar e
divulgar as regras do “jogo”.
b. Princípio da proporcionalidade
Este princípio impõe que os procedimentos que precedem a celebração de
contratos administrativos devem garantir um equilíbrio nas relações entre cidadãos
e ainda entre eles e a própria Administração, proibindo contrastes intoleráveis
entre vantagens reconhecidas a um ou alguns sujeitos de direito e sacrifícios que
impendem sobre os demais.
Por outro lado, deste princípio decorre que, dentro dos limites da lei, deve ser
escolhido o procedimento mais adequado ao interesse público a prosseguir,
ponderando-se os custos e os benefícios decorrentes da respectiva utilização e,
por outro lado, que no procedimento apenas se devem efectuar as diligências e

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praticar os actos que se revelem indispensáveis à prossecução dos fins que


legitimamente se visem alcançar.
c. Princípio da igualdade
Além de assegurar a inexistência de desequilíbrios entre situações jurídicas
contratuais, ele está subjacente à opção preferencial do legislador pelo
procedimento concursal na formação dos contratos administrativos (artigos 182º e
183º CPA). O procedimento preferido pelo legislador visa, justamente, assegurar a
publicidade, a transparência e a não discriminação entre os interessados no
procedimento e decisão do concurso. Viola, portanto, o princípio da igualdade, a
reformulação, para efeitos de decisão das propostas concorrentes, ainda que a
pretexto de facilitar ou tornar possível a comparação.
d. Princípio da imparcialidade
Veda quer o favorecimento ou desfavorecimento injustificado de qualquer
virtual co-contratante, quer qualquer desigualdade devida a desígnio de
identificação da posição da Administração com um dos sujeitos jurídico-privados
envolvidos. Impõe, ainda, o dever por parte da Administração de ponderar todos os
interesses públicos e privados equacionáveis para o efeito de decisão antes da
sua adopção. Ou seja, na formação de um contrato administrativo deve a
Administração proceder à exaustiva ponderação de interesses envolvidos, o que
supõe o conhecimento cabal dos dados de facto a eles respeitantes.
e. Princípio da boa-fé
Assume especial importância nos procedimentos concursais. Estes têm
justamente a especificidade de criarem uma relação de confiança juridicamente
tutelada entre a entidade adjudicante e os potenciais co-contratantes. A protecção
da confiança, vertente fundamental do princípio da boa-fé, conhece particular
expressão na manutenção do quadro jurídico delimitado no acto de abertura do
concurso – garantia de transparência, igualdade, estabilidade, clareza e precisão.
f. Princípio da concorrência
Visa assegurar que os entes públicos, na satisfação de interesses
administrativos que lhes estão cometidos o façam da forma publicamente mais
vantajosa possível. Assim, é, por um lado, imprescindível assegurar que todos os
concorrentes respondam aos mesmos requisitos de modo a possibilitar uma plena
comparação e, por outro, existe a vinculação dos concorrentes a não poderem
retirar nem alterar nada das suas propostas a partir do momento em que as
entregaram (salvo em casos de concursos por negociação).
g. Princípio da publicidade
Dentro do respectivo âmbito de candidaturas, quaisquer deliberações da
entidade adjudicante ou das comissões do concurso que tenham relevo no
procedimento concursal devem ser dadas a conhecer a todos os que nele possam
vir a estar ou estejam já interessados.
h. Princípio da transparência
Artigos 267º e 268º CRP. Resume um modo de ser da Administração, um
objectivo ou um parâmetro para medir o desenvolvimento da actividade da
Administração. Postula, em síntese, que a Administração deve fundamentar os
seus actos, garantir cabal audiência dos particulares interessados e não lhes pode
sonegar informação quer sobre o andamento dos processos em que sejam
directamente interessados, quer sobre as resoluções definitivas que sobre ele
forem tomadas.

3. Regime Procedimental
Art. 181º CPA. A formação do contrato administrativo faz-se mediante um
procedimento preparatório, tendente à escolha do co-contratante e à definição do
conteúdo do contrato; esse procedimento é um procedimento de 1º grau e rege-se
pelas regras fixadas na Parte III do CPA para os procedimentos de formação do acto
administrativo. Daqui resulta que a correcta e esclarecida formação da vontade de

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contratar por parte da Administração Pública segue as fases e os trâmites do


procedimento administrativo comum, ainda que com as adaptações e especialidades
que no caso couberem. Tal não sucederá, todavia, se e nos termos em que o
procedimento de formação de determinados contratos administrativos for
regulamentado por leis específicas, é o que ocorre em matéria de empreitada de obras
públicas e de concessão de obras públicas.
A celebração de um contrato administrativo é sempre precedida pela prática de um
acto administrativo, que é o acto de adjudicação, e este é, por sua vez, precedido pelo
respectivo procedimento administrativo.
Como se procede, então, à escolha do co-contratante? A este respeito, é
fundamental começar por ter presente a distinção entre contratos de colaboração e
contratos de atribuição.
Quanto aos contratos de colaboração, a escolha do contraente particular está
sujeita a normas muito estritas (art. 178º/2 e 182º CPA). Ou porque o contrato
implicará em regra o dispêndio de avultadas quantias monetárias, ou porque
transferirá poderes de carácter público para mãos privadas, ou porque representa um
negócio muito apetecível para diversas empresas, havendo que garantir a
transparência e a seriedade no processo de escolha do contraente e a igualdade de
oportunidades na apresentação das várias candidaturas.
A melhor forma de salvaguardar os vários interesses público envolvidos consiste
em fazer a escolha do contraente particular por meio de concurso público (art, 183º
CPA). O concurso público é o procedimento mais exigente e complexo de formação da
vontade administrativa de contratar. Ele consiste num procedimento de iniciativa
pública aberto à livre competição dos interessados admitidos a fazer valer a sua
pretensão de contratar com a Administração em condições de plena igualdade entre
as respectivas propostas, para que aquela possa escolher a que melhor satisfaça o
interesse público.
A característica primeira do concurso público é, pois, a de não se saber à partida
que pessoas ou entidades vão concorrer e, bem assim, a de não haver limite numérico
ao número de concorrentes.
Em matéria de contratos que visem associar um particular ao desempenho regular
de atribuições administrativas, a escolha do contraente particular por concurso
limitado, por negociação ou por ajuste directo tem de considerar-se sempre
excepcional, a regra é o concurso público. Este é o sistema que melhor garante tanto
o direito de livre acesso dos particulares à contratação pública, como a seriedade,
transparência e isenção da escolha a efectuar pela Administração, na base de uma
efectiva igualdade de oportunidades entre todos os interessados.
Quanto aos contratos de atribuição, não vigora a obrigatoriedade de concurso
público. Eles não nascem de uma necessidade sentida da Administração
independentemente da noção de quem deva vir a ser o outro contraente, é a
verificação de uma situação concreta que suscita a necessidade e a possibilidade do
contrato e, desse modo, o co-contratante está naturalmente individualizado desde o
princípio. É o caso dos contratos de urbanização ou da redução da carga poluente.
No que à forma do contrato administrativo diz respeito, a regra geral é a da forma
escrita (art. 184º CPA).
No que agora diz respeito às invalidades do contrato administrativo, estas podem
ser procedimentais (art. 185º/1 CPA – princípio da identidade de desvalor jurídico
entre o contrato e os actos administrativos de que haja dependido a sua celebração)
ou originárias (art. 185º/2 e 3 CPA).

4. Execução
Os principais poderes de autoridade de que a Administração beneficia na
execução do contrato administrativo são cinco (art. 180º CPA):
a. Poder de modificação unilateral

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Muitos contratos administrativos são contratos de longa duração. Assim, por


vezes, as condições ou circunstâncias em que foram celebrados alteram-se no
decurso da sua execução, de tal forma que o conteúdo do contrato tal como tinha
ficado estabelecido entre as partes pode já não representar a melhor forma de
prosseguir o interesse público. Noutras vezes, e em contratos de menor duração,
pode suceder que as prestações dos particulares contratualmente previstas se
tornem inferiores às exigidas pelo interesse público.
Em qualquer dos casos reconhece-se à Administração o poder de modificar
unilateralmente o conteúdo do contrato com vista a ajustá-lo às novas exigências
do interesse público (art. 180º a) CPA).
Porém, em contrapartida, se do exercício deste poder resultar para o cotraente
particular um encargo financeiro que ele não suportaria sem a alteração imposta, e
que sacrifique o lucro legitimamente esperado ou cause prejuízo, diz a lei que a
Administração como preço que tem de pagar por derrogar o princípio da
estabilidade dos contratos, deve assegurar ao particular que a relação obrigacional
alterada sem o seu consentimento lhe continuará a proporcionar satisfações de
intensidade idêntica. A Administração deve, assim, no decurso da execução do
contrato, respeitar sempre o equilíbrio financeiro inicial, pois só assim garantirá o
princípio da honesta equivalência das prestações contratuais.
Existe, igualmente, o dever de respeitar o objecto do contrato. Ou seja, este
poder de modificação unilateral deverá respeitar sempre o objecto do contrato
(designa as actividades através das quais o particular colabora na satisfação de
certa necessidade pública), podendo, no entanto, modificar o conteúdo das
prestações (modos peculiares, técnicos e jurídicos da execução das prestações).
Assim, se a Administração modifica unilateralmente o tipo de prestação
convencionada há uma alteração do objecto (exemplo: a imposição ao
concessionário do serviço público de transportes rodoviários de passageiros do
Norte que passe também a desempenhar o serviço público ferroviário Porto-
Braga).
Mas, se o que a Administração impõe é tão-só um modo diverso de execução
de uma certa prestação, aí há apenas a modificação do respectivo conteúdo
(exemplo: a ordem dada a um fornecedor da Administração para que passe a
entregar mercadorias com características diversas das iniciais e que ele também
comercializa, ou ainda que passe a entregá-las em condições diferentes).
b. Poder de direcção da execução
Uma vez celebrado o contrato, a Administração tem o direito de exigir a
respectiva execução pelo co-contratante particular. Mas o contraente público não
tem de assistir passivamente à execução feita pela parte privada, nem esta tem o
direito de o executar à margem de qualquer tipo de ingerência por parte da
Administração (art. 180º b) CPA).
Contudo, se uma ordem ou instrução do contraente público no sentido de o
particular realizar determinada prestação em falta não for acatada, a Administração
não dispõe do privilégio da execução prévia (art. 187º CPA), a via adequada é a da
acção sobre contratos.
c. Poder de rescisão unilateral
d. Poder de fiscalização da execução
Consiste na faculdade que a Administração tem, como parte pública do
contrato administrativo, de vigiar e controlar a execução do contrato para saber ao
certo como este está a ser executado pelo particular.
e. Poder de aplicar sanções pela inexecução do contrato
A Administração tem o poder de aplicar sanções ao contraente particular, seja
pela inexecução total ou parcial do contrato, seja pelo atraso na execução, por
alguma execução imperfeita ou defeituosa, etc.
As duas modalidades típicas deste poder são a aplicação de mulas e o
sequestro (a Administração tem o direito de assumir o exercício desse poder e as

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obrigações do particular relativamente ao contrato, ela substitui-se ao contraente


particular no desempenho das obrigações contratuais deste, passando a executar
ela própria o contrato, mas as despesas que a esse título fizer devem ser
suportadas pelo património do contraente particular).

No entanto, o facto de um contrato ser qualificado como administrativo não


determina o reconhecimento na titularidade da Administração de todos os poderes
referidos acima. Certas leis especiais podem vedar à Administração a totalidade ou
parte daqueles poderes ou, diferentemente, a própria natureza de um concreto
contrato administrativo pode opor-se à presença no seu seio de algum ou alguns
deles.
Por outro lado, além destes poderes, podem existir outros poderes ou direitos
exorbitantes.
Podemos, ainda, falar do caso imprevisto e da revisão de preços. O caso
imprevisto é o facto estranho à vontade dos contraentes que, determinando a
modificação das circunstâncias económicas gerais, torna a execução do contrato
muito mais onerosa para uma das partes do que caberia no risco normalmente
considerado. Neste caso, a teoria da imprevisão intervém com a finalidde de assegurar
a continuidade do serviço público ou da obra pública, repartindo a álea económica
pelos dois contraentes ao impor à pessoa pública que venha em ajuda da contraparte
em dificuldades para lhe permitir prosseguir o cumprimento do contrato.
Quanto ao direito à revisão dos preços, passou a ser normal nos contratos a
inserção de fórmulas tarifárias cujas variáveis correspondam aos factores da
formulação dos custos, ou a adopção de índices destinados a actualizar os +preços
consoante as modificações que se verifiquem nesses custos.

5. Extinção
Para além das causas normais de extinção do contrato administrativo (caducidade
ou termo), e de outras causas menos frequentes (verificação de condição resolutiva,
impossibilidade absoluta superveniente, anulação judicial, morte do contraente
particular ou a sua declaração de falência), há causas específicas que importa
considerar:
a. Extinção por acordo das partes (revogação)
b. Extinção por decisão unilateral (rescisão)
A rescisão administrativa consiste na extinção do contrato por decisão
unilateral da Administração. Há duas modalidades:
– Rescisão-sanção
É a mais severa e grave sanção em que o co-contratante pode incorrer.
Verifica-se quando o contraente particular não cumpre, de forma culposa,
as obrigações por modo a determinar grave prejuízo para o serviço público.
É uma sanção excepcional, que deve ser aplicada como ultima ratio.
– Resgate
Consiste no acto administrativo pelo qual a Administração, antes de findo o
prazo do contrato, decide retomar o desempenho das atribuições
administrativas de que estava encarregado o contraente particular, não como
sanção, mas por conveniência do interesse público, e mediante justa
indemnização (art. 180º c) CPA).
c. Extinção por facto jurídico alheio às partes (caso de força maior)
O caso de força maior é um facto imprevisível e estranho à vontade dos
contraentes que impossibilita absolutamente o cumprimento das obrigações
contratuais.

Fim do II Volume

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Descarregado por Ana Catarina (anacatarinaplacido200@gmail.com)

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