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UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MOÇAMBIQUE

FACULDADE DE ECONOMIA E GESTÃO

CURSO: DIREITO
4º ANO
1º SEMESTRE

CADEIRA:
CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO

BEIRA, 2023
UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MOÇAMBIQUE

FACULDADE DE ECONOMIA E GESTÃO

CURSO: DIREITO
4º ANO
1º SEMESTRE
CADEIRA:
CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO
TEMA:
MODELOS DE ORGANIZAÇÃO DO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO

Discente:
Joanito Lucas Alberto

Trabalho apresentado com o recurso avaliativo,

Da cadeira: Contencioso Administrativo

Ministrada pelo Prof Doutor: Vasco Macudo

BEIRA, 2023
Índice
Introdução..................................................................................................................... 1

Os modelos de organização do contencioso administrativo ............................................ 2

Caracterização .............................................................................................................. 2

O sistema do administrador-juiz .................................................................................... 2

O sistema dos Tribunais Administrativos ...................................................................... 4

O sistema dos Tribunais Judiciais .................................................................................. 5

Conclusão ..................................................................................................................... 8
Introdução
O contencioso administrativo está historicamente impregnado da controvérsia acerca da
teoria da separação dos poderes, dos princípios organizativos dela decorrentes e das
disputas entre as forças e os interesses que reivindicaram o direito de modelar o novo
Estado saído da Revolução de 89, no trabalho em apreço debruçar-se-á dos modelos de
Organização do Contencioso Administrativo.

1
Os modelos de organização do contencioso administrativo
Os modelos de organização do contencioso administrativo são as formas como os
sistemas jurídicos de cada país estruturam e organizam os órgãos responsáveis por julgar
as questões contenciosas entre a Administração Publica e os particulares.

Caracterização
Na sua obra “Justiça Administrativa”, JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE
estabelece uma tipologia dos modelos básicos de organização da justiça administrativa
que toma como critério principal os órgãos a quem foi sendo atribuída a competência para
decidir: órgãos da Administração activa; tribunais ou autoridades “judiciárias” (órgãos
administrativos independentes, com funções de controlo)1.

Os sistemas possíveis, em matérias de órgãos competentes para conhecer das questões


litigiosas entre a Administração Pública, são três:

 O sistema do administrador-juiz;
 O sistema dos Tribunais Administrativos; e
 O sistema dos Tribunais Judiciais.

O sistema do administrador-juiz
O sistema do administrador – juiz, também chamado de Ministro – juiz ou de jurisdição
reservada, consiste em atribuir à Administração a faculdade de se julgar a si mesma, isto
é, um órgão da Administração activa recebe competência para resolver as questões
contenciosas, a requerimento ou não de outro órgão, “ou para parafrasear DIOGO
FREITAS DO AMARAL: “neste sistema, as questões litigiosas entre a Administração e
os particulares são apreciadas através de um processo jurisdicionalizado por um órgão
independente, mas esse órgão, em vez de proferir uma sentença, limita-se a proferir um
parecer, que é ou não homologado pelo poder executivo”2.

No primeiro caso, o procedimento gracioso prolonga - se numa fase de instrução perante


um órgão administrativo que se limita a emitir parecer sobre o qual recairá decisão final
da autoridade administrativa competente.

1
VIEIRA DE ANDRADE J., A justiça administrativa, Ed. Almedina - Coimbra, 3.ª Edição, 2000, p. 39 e
seguintes.
2
FREITAS DO AMARAL D., IV, op. cit., p. 86.

2
Historicamente o sistema de administrador – juiz apresenta – se em geral como um estado
inicial, precedendo e preparando o aparecimento de uma jurisdição administrativa
autónoma.

Foi o modelo liberal, típico dos primórdios do sistema de administração executiva,


fortemente centralizado no governo e em que o “contencioso” era visto como instrumento
de realização do interesse público, na época concebido como interesse do Estado, (isto é,
do todo da sociedade), estranho aos interesses individuais que compunham as relações
sociais”.

Neste modelo, o contencioso administrativo apresenta-se como “o prolongamento


orgânico do executivo”. Por via de consequência, a essência desta justiça é de ser
governamental. Nesta perspectiva, não é a proteção dos direitos lesados que caracteriza
este modelo de justiça administrativa mas a defesa das medidas tomadas pelo Poder
Público. Por outras palavras, neste modelo, o contencioso administrativo é “um modo de
regulação interno do bom funcionamento da Administração”.

Além disso, o Direito Administrativo em si define-se como um direito “exorbitante” e


deve gozar do privilégio de jurisdição porque situa-se mesmo neste referido
prolongamento orgânico do Poder executivo. O poder de administrar implica
logicamente, no pensamento estruturante deste modelo, o poder de julgar
administrativamente. Hoje ultrapassado visto ser incompatível com a noção de Estado de
Direito, este modelo vigorou em França até 1872, até 1904 na Espanha e em Portugal até
1930.

Este modelo não foi exclusivamente organizado nos países europeus continentais. Pode-
se identificar também este modelo em alguns países anglo-saxónicos e, mais
particularmente, na Inglaterra.

A consagração deste sistema do “Administrador-Juiz” significava o reconhecimento de


que o poder administrativo não podia estar sujeito ao controlo dos tribunais o que marcou
toda a evolução futura do Direito Administrativo e do direito do contencioso
administrativo à maneira a que, VASCO PEREIRA DA SILVA, chamou de “pecado
original”.

Assim, a concepção da Justiça Administrativa, em França, organiza-se em torno da


concepção de um juiz “tendo o espírito do administrador”, um juiz consciente de que as

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suas decisões devem ser um complemento da acção administrativa. Por outras palavras,
decidir em matéria do contencioso administrativo, “é ainda administrar.

Esta concepção “administrativista” da justiça da administração herdou dos caracteres


gerais do processo administrativo gracioso – celeridade, economia e forma expeditiva - o
que fez ainda hoje, a sua especificidade.

Assim, “Foi desta separação de funções que nasceu a jurisdição administrativa”. Este
conceito de Justiça Administrativa lato sensu foi importado por vários países europeus e
outros no mundo através da recepção do sistema de administração executiva ou regime
administrativo que pressupõe a existência de uma jurisdição administrativa. Em Portugal,
esta “importação” foi concretamente realizada no Séc. XIX com a aprovação da Reforma
Administrativa de 1832.

O sistema dos Tribunais Administrativos


O sistema dos tribunais administrativos consiste em confiar o contencioso da
Administração a órgãos administrativos exercendo uma função jurisdicional.

Há, porém, que distinguir subsistemas, consoante os tribunais administrativos sejam


distintos dos tribunais comuns e façam parte do poder executivo ou a jurisdição
administrativa pertença «a tribunais próprios constituindo uma organização judiciária
independente ou integrando o Poder Judicial, mas sem que as suas sentenças fiquem
sujeitas à revisão ou cassação de um tribunal superior da ordem judiciária».

Este último subsistema é também designado por germânico. O sistema dos tribunais
administrativos, no seu primeiro subsistema, teve início, em França, e foi, depois, seguido
em numerosos países, como a Holanda, o Luxemburgo, a Grécia, a Polónia, Portugal, a
Tunísia, etc.

O sistema germânico vigora, como o próprio nome indica, nos países de língua alemã,
como a Alemanha e a Áustria, tendo sido recentemente seguido por Portugal.

Não menos clássicos são os argumentos aduzidos contra o sistema dos tribunais
administrativos. A integração destes tribunais na Administração acabará sempre por os
fazer inclinar para o lado da parte mais forte, com perda de imparcialidade dos respectivos
juízes; mesmo como ordem autónoma há sempre uma tendência natural para nesses
tribunais se dar uma especial e desequilibrada relevância ao interesse público; a dualidade
de jurisdições cria frequentes e dispensáveis conflitos entre elas com prejuízo para a

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celeridade e eficiência da administração da justiça; uma ordem de tribunais
administrativos é uma fonte permanente de pressão financeira sobre o orçamento do
estado, pelo que implica de despesas com as infraestruturas e funcionamento desses
tribunais (v.g. despesas com a manutenção e limpeza das instalações e equipamentos
privativos, despesas com o pessoal, etc.).

Em tese, e sem prejuízo das condicionantes de ordem histórica, económica, social,


jurídica, política e até cultural, que podem influenciar a adopção de um qualquer modelo
de contencioso, parece-nos preferível, sobretudo em países sem grandes níveis de
desenvolvimento, o modelo judicialista ou de unidade de jurisdição.

Por cinco razões principais:

1.º – Permite evitar delicados conflitos de jurisdição que são de natureza a engendrar
atrasos consideráveis na administração da justiça;

2.º – Permite aproximar a justiça dos cidadãos através da simplificação e/ou


uniformização de regras procedimentais;

3.º – Permite agilizar a estrutura burocrática do aparelho jurisdicional do Estado;

4.º – Permite economizar em termos financeiros, evitando um acréscimo de gastos com


instalações e pessoal, disponibilizando verbas para outras funções prioritárias;

5.º – Permite obter ganhos de legitimidade, para o poder judicial3.

Para assegurar níveis superiores de competência técnica, a uniformidade jurisprudencial


e o prestígio dos tribunais perante a própria administração pública, é recomendável, sem
desconsideração do modelo, consagrar a especialização dos tribunais comuns em matéria
de direito administrativo.

O sistema dos Tribunais Judiciais


O sistema dos tribunais judiciais consiste em confiar a resolução dos litígios
administrativos aos tribunais comuns, com ou sem especialização dos juízes competentes.
É o sistema da Common Law e, no universo da Civil Law, o adoptado por países tão
diferentes como o Brasil, a Argélia, Marrocos, etc.

3
Tabrizi Bensalah, La République Algérienne, LGDJ, Paris, 1979:245.

5
No modelo judicialista, “a decisão das questões jurídicas administrativas cabe a tribunais
integrados numa ordem judicial (de acordo com o princípio de que “julgar a administração
é verdadeiramente julgar”), quer se trate de tribunais comuns ou de tribunais
especializados em razão da matéria”. Pode-se distinguir três modelos básicos no tocante
à organização do controlo da Administração por tribunais integrados numa ordem
judicial.

O primeiro, é o anglo-saxónico qualificado por JOSÉ MANUEL SÉRVULO CORREIA


de “não-modelo”, “visto que, enquanto a sua pureza se mantém, a fiscalização
jurisdicional da actividade administrativa não dá lugar a qualquer especialidade na
estruturação dos tribunais”. Todavia, a acelerada formação, em países como o Reino
Unido ou os Estados Unidos da América, de um Direito Administrativo substantivo não
poderia deixar de produzir reflexos no plano da organização jurisdicional.

Mas, particularmente, o desenvolvimento das intervenções do Estado no sector


económico e social induziu um crescimento considerável do contencioso administrativo,
e incitou a criação de organismos especializados encarregados de dirimir conflitos entre
a Administração Pública e os administrados nos termos de um procedimento mais célere
e menos dispendioso que aqueles que vigoram nos tribunais comuns. Assim foram criados
“administrative tribunals” não integrados no Poder Judicial mas tendo ligações orgânicas
com vários ministérios e actuando em vários sectores.

O segundo, é o da especialização para o julgamento de litígios administrativos de


estruturas jurisdicionais colocadas no seio do Poder Judicial numa única ordem
jurisdicional. Os sistemas espanhol, Costa Marfinês, Malgache, Congolês, Senegalês e
Macaense ilustram perfeitamente este modelo organizativo.

Nesses referidos sistemas, os tribunais superiores possuem secções administrativas e, por


vezes, como sucede em Espanha, a primeira instância é entregue a tribunais comuns de
competência especializada nas questões administrativas. No que diz respeito às vantagens
ou inconvenientes deste modelo, JOSÉ MANUEL SÉRVULO CORREIA defende:
“Comparando com a separação das ordens jurisdicionais comum e administrativa, este
método tem a vantagem (que, as vezes, pode raiar o inconveniente) de conferir maior peso
ao juiz das questões administrativas, na medida em que um conflito com este é ao mesmo
tempo um conflito com toda a magistratura judicial. Evidencia-se em sentido contrário o

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inconveniente de um menor asseguramento da especialização do juiz graças à inexistência
de uma carreira ao longo da qual se dedique ao mesmo tipo de questões”.

O terceiro, é o da especialização para o julgamento de litígios administrativos de


estruturas jurisdicionais colocadas no seio de uma ordem jurisdicional
separado/especializado no âmbito do Poder Judicial.

É o exemplo português4, alemão5, finlandês6 ou turco7 no qual, o método seguido é antes


o da divisão do Poder Judicial em diversas ordens jurisdicionais, uma das quais a
administrativa; como escreve JOSÉ MANUEL SÉRVULO CORREIA:
“Tendencialmente, este método assegura em maior plenitude a especialização do juiz
administrativo e a qualidade técnica das decisões proferidas em última instância, uma vez
que a solução anteriormente referida nem sempre afasta dos plenários do tribunal supremo
reunidos para apreciar litígios jurídico-administrativos juízes provenientes de secções
não-administrativas”8.

O primeiro e mais frequente defeito apontado ao sistema judicialista reside na


incapacidade de os tribunais comuns julgarem bem as questões administrativas.

A crescente complexidade destas questões, e a familiaridade dos juízes ordinários com o


cível e o crime, tornaria estes magistrados menos aptos para resolverem os casos que
implicam a aplicação do direito administrativo.

Por outro lado, é clássica a censura feita aos juízes comuns de terem uma especial
propensão para sacrificarem o interesse público ao interesse privado. Argumenta-se, por
fim, que o juiz não pode «brandir o machado de guerra contra quem o traz à cintura»
(Jean Rivero). O que quer dizer que o cumprimento dos julgados da jurisdição comum
ficará na prática dependente da consciência e vontade dos agentes administrativos.

4
FREITAS DO AMARAL D., IV, op. cit., p. 95 e seguintes.
5
SOMMERMANN K.P., "Le système des actions et la protection d’urgence dans le contentieux
administratif allemand", RFD adm. 11 (6) nov.-déc. 1995, p. 1146.
6
0 MODEEN T., “La loi finlandaise sur la procédure administrative contentieuse“, RFD adm. 16 (2)
mars-avr. 2000, pp. 337-341.
7
BÜBÜL E. e SEILLER B., "Le contentieux administratif en Turquie", AJDA 2005, p. 1612.
8
SÉRVULO CORREIA J.M., op. cit., p. 16.

7
Conclusão
Finda a abordagem desta temática se tem por concluído que a implementação de cada
modelo ao longo da historia do contencioso administrativo, a evolução da generalidade
dos sistemas aponta claramente no sentido de uma subjectivização da justiça
administrativa, tendo em conta a comprovada insuficiência dos modelos objetivistas
clássicos para assegurar uma proteção judicial efectiva dos direitos e interesses
legalmente protegidos dos particulares, cuja importância se desenvolveu
exponencialmente, acompanhando o alargamento da intervenção administrativa a todas
as esferas da vida social. Não pode ignorar-se, porém, que cada um dos modelos tem as
suas vantagens e desvantagens.

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