Você está na página 1de 106

Leopoldo Martins Moreira Neto e William Bossaneli Araújo – atualizado por Carlos Eduardo da Silva Limonge - maio de 2020

CAPÍTULO I
CONCEITO E DIVISÃO DO DIREITO

1- CONCEITO DE DIREITO

É o conjunto de normas gerais e positivas que regulam a vida social.

2- DISTINÇÃO ENTRE DIREITO E MORAL

Ambas são normas de comportamento. No entanto, distinguem-se precipuamente pela


sanção (o direito tem o poder de coerção e a moral não) e pelo campo de ação, que na moral é
mais amplo.

3- DIREITO POSITIVO E DIREITO NATURAL

Direito positivo traduz o ordenamento jurídico em determinado país e em determinada


época. É o direito posto.

Direito Natural é a ideia abstrata de direito, o ordenamento ideal, corresponde a uma justiça
superior.

4- DIREITO OBJETIVO E DIREITO SUBJETIVO

Direito objetivo é o conjunto de normas impostas pelo Estado, de caráter geral, para cuja
observância os indivíduos podem ser compelidos mediante coerção.

Direito subjetivo é a faculdade individual de agir de acordo com o direito objetivo, de


invocar a sua proteção.

5- DIREITO PÚBLICO E DIREITO PRIVADO

Direito público é o que regula as relações de um estado com outro estado ou de um estado
com os indivíduos.

Direito privado é o direito que disciplina a relação entre os indivíduos como tais, nas quais
predomina o interesse de ordem particular.

1
Leopoldo Martins Moreira Neto e William Bossaneli Araújo – atualizado por Carlos Eduardo da Silva Limonge - maio de 2020

CAPÍTULO II

LEI DE INTRODUÇÃO ÀS NORMAS DO DIREITO


BRASILEIRO (LINDB)

1- CONTEÚDO E FUNÇÃO

A LINDB consiste em legislação anexa ao CC, mas autônoma, dele não fazendo parte. Tem
caráter universal, sendo aplicada a todos os campos do direito (é lei de introdução às normas do
Direito brasileiro).

É um conjunto de normas sobre normas (é norma de sobredireito – norma que regula


outras normas). Enquanto o objeto da lei em geral é o comportamento humano, a LINDB tem
como objeto a própria norma, tem a lei como tema central. Dirige-se a todos os ramos do direito,
salvo naquilo que for regulado de maneira específica. Ex.: O direito penal somente admite
analogia in bonam partem.

2- FONTES DO DIREITO

A lei é o objeto da LINDB e a principal fonte do direito. Segundo Goffredo Telles Jr., a
norma jurídica é um imperativo autorizante. Trata-se de um imperativo, pois emanada de
autoridade competente, sendo dirigida a todos (generalidade). Constitui um autorizamento, pois
autoriza ou não autoriza determinadas condutas.

São consideradas fontes formais do direito a lei, a analogia, os costumes e os princípios


gerais do direito.

Art. 4o Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os
costumes e os princípios gerais de direito.

E fontes não formais são a doutrina e a jurisprudência.

Dentre as formais, a lei é a fonte principal e as demais são fontes acessórias.

3- A LEI E SUA CLASSIFICAÇÃO

3.1. PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DA LEI

a) Generalidade: dirige-se a todos os cidadãos indistintamente. O seu comando é abstrato.


b) Imperatividade: impõe um dever, uma conduta. Regula o comportamento humano.
c) Autorizamento: é o fato de ser autorizante, é o que a distingue das demais normas éticas. A
norma jurídica autoriza que o lesado pela violação exija o cumprimento da norma ou a
reparação pelo mal causado.
d) Permanência: a lei não se exaure numa só aplicação, pois deve perdurar até ser revogada
por outra lei. Algumas normas, entretanto, são temporárias, destinadas a viger apenas
durante certo período. Ex.: Leis orçamentárias.

2
Leopoldo Martins Moreira Neto e William Bossaneli Araújo – atualizado por Carlos Eduardo da Silva Limonge - maio de 2020

e) Emanação de autoridade competente: de acordo com as competências previstas na CF.

Como outra característica básica, está consagrado no art. 3º da Lei de Introdução o princípio
da obrigatoriedade da norma, pelo qual ninguém pode deixar de cumprir a lei alegando não a
conhecer. Três são as correntes doutrinárias que procuram justificar o conteúdo da norma:

a) Teoria da ficção legal, eis que a obrigatoriedade foi instituída pelo ordenamento para a
segurança jurídica;
b) Teoria da presunção absoluta, pela qual haveria uma dedução iure et de iure de que
todos conhecem as leis;
c) Teoria da necessidade social, amparada, segundo Maria Helena Diniz, na premissa “de
que as normas devem ser conhecidas para que melhor sejam observadas”, a gerar o
princípio da vigência sincrônica da lei.

A teoria da necessidade social é a que encontra maior acolhida em sede doutrinária.


Constata-se, ainda, que o princípio da obrigatoriedade das leis não pode ser visto como um preceito
absoluto, havendo claro abrandamento no Código Civil de 2002. Isso porque o art. 139, III, da
codificação material em vigor admite a existência de erro substancial quando a falsa noção estiver
relacionada com um erro de direito (error iuris), desde que este seja única causa para a celebração
de um negócio jurídico e que não haja desobediência à lei.

3.2. CLASSIFICAÇÃO DAS LEIS:

a) Quanto à imperatividade se divide em cogentes (de imperatividade absoluta ou de ordem


pública) e dispositivas (ou supletivas). As cogentes são as que ordenam ou proíbem determinada
conduta de forma absoluta, não podendo ser derrogadas pela vontade dos interessados. Normas
dispositivas em geral são permissivas, como a que permite às partes estipular, antes de celebrado o
casamento, quanto aos bens, o que lhes aprouver. Supletiva é a lei que supre a falta de manifestação
de vontade das partes.

b) Quanto ao autorizamento elas se classificam em mais que perfeitas, as quais autorizam a


aplicação de duas sanções, na hipótese de serem violadas. Perfeitas são as que impõem a nulidade
do ato. Menos que perfeitas não acarretam a nulidade ou anulação do ato, somente impondo uma
sanção em caso de violação do ato. E imperfeitas são leis cuja violação não acarreta nenhuma
consequência.

c) Quanto à natureza as leis são substantivas (tratem de direito material) ou adjetivas (tratam de
direito processual).

4- VIGÊNCIA DA LEI

A lei passa por três fases: a da elaboração, a da promulgação e a da publicação.

Embora nasça com a promulgação, só começa a vigorar com a publicação. Com a


publicação tem-se o início da vigência, tornando-se obrigatória, pois ninguém pode escusar-se de
cumpri-la alegando que não a conhece (princípio da obrigatoriedade da norma).

Art. 3o Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece.

3
Leopoldo Martins Moreira Neto e William Bossaneli Araújo – atualizado por Carlos Eduardo da Silva Limonge - maio de 2020

De acordo com o art. 1º da LICC, a lei começa a vigorar em todo o país 45 dias após ser
publicada, salvo disposição em contrário. Portanto, a sua vigência não se inicia no dia de sua
publicação, salvo se assim seu texto o determinar.

Art. 1o Salvo disposição contrária, a lei começa a vigorar em todo o país quarenta
e cinco dias depois de oficialmente publicada.

A LC 95/98, que dispõe sobre elaboração, redação, alteração e consolidação das leis,
assevera, em seu art. 8º, que: A vigência da lei será indicada de forma expressa e de modo a
contemplar prazo razoável para que dela se tenha amplo conhecimento, reservada a cláusula
"entra em vigor na data de sua publicação" para as leis de pequena repercussão.

O intervalo entre a sua publicação e a sua entrada em vigor chama-se vacatio legis. Em
matéria de duração do referido intervalo, foi adotado o critério do prazo único, porque a lei entra
em vigor na mesma data em todo o território nacional (princípio da vigência sincrônica da
lei).

Quando a lei é admitida no exterior a sua obrigatoriedade se inicia três meses depois de
oficialmente publicada.

IMPORTANTE!!! Se durante a vacatio legis ocorrer nova publicação de seu texto, para
correção de erros oficiais ou falha de ortografia, o prazo da obrigatoriedade começará a
correr a partir da nova publicação. Se a lei já entrou em vigor, tais modificações são
consideradas lei nova, tornando-se obrigatória após o decurso da vacatio legis.
§ 3o Se, antes de entrar a lei em vigor, ocorrer nova publicação de seu texto,
destinada a correção, o prazo deste artigo e dos parágrafos anteriores
começará a correr da nova publicação.
§ 4o As correções a texto de lei já em vigor consideram-se lei nova.

Os direitos adquiridos na vigência da lei emendada são resguardados. O juiz ao aplicar a lei
pode corrigir os erros materiais evidentes, mas não os erros substanciais.

Conta-se o prazo de vacatio legis fazendo a inclusão da data da publicação e do último dia
do prazo, entrando em vigor no dia subsequente à sua consumação integral.

IMPORTANTE!!! O prazo de quarenta e cinco dias NÃO se aplica a decretos e regulamentos,


cuja obrigatoriedade é determinada pela publicação oficial.

Salvo alguns casos especiais, a lei tem caráter permanente, permanecendo em vigor até ser
revogada por outra lei (princípio da continuidade). O costume não revoga lei, assim como a lei
não perde sua eficácia pela não aplicação.

Revogação é a supressão da força obrigatória da lei, retirando-lhe a eficácia – o que só pode


ser feito por outra lei. A revogação pode ser total (ab-rogação) ou parcial (derrogação). Se em
seu texto constar o próprio termo, perde a eficácia independentemente de outra lei. A revogação
pode ser expressa ou tácita. Expressa quando a lei nova declara em seu texto, taxativamente, que a
lei anterior ou parte dela fica revogada, tácita (ou por via oblíqua) quando não se traz declaração
nesse sentido, mas mostra-se incompatível com o texto antigo ou regula integralmente a matéria
tratada na lei anterior.

4
Leopoldo Martins Moreira Neto e William Bossaneli Araújo – atualizado por Carlos Eduardo da Silva Limonge - maio de 2020

Art. 2o Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a
modifique ou revogue.
§ 1o A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja
com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei
anterior.

A lei nova que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes não revoga
nem modifica a lei anterior. No caso de incompatibilidade entre a lei geral e especial é possível a
prevalência/preponderância de uma pela outra.
§ 2o A LEI NOVA, QUE ESTABELEÇA DISPOSIÇÕES GERAIS OU
ESPECIAIS A PAR DAS JÁ EXISTENTES, NÃO REVOGA NEM MODIFICA
A LEI ANTERIOR (CAI MUITO EM PROVA – DECORAR!!!!!)

IMPORTANTE!!! A lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência, salvo
disposição em contrário. Não há, portanto, o efeito repristinatório, restaurador da primeira lei
revogada, salvo quando houver pronunciamento expresso do legislador nesse sentido.
§ 3o Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei
revogadora perdido a vigência

LEMBRAR!!! Quando a lei é declarada inconstitucional HÁ efeito repristinatório; quando a


lei é revogada por outra, NÃO HÁ efeito represtinatório.

5- OBRIGATORIEDADE DAS LEIS

Ninguém pode recusar a cumprir uma lei alegando não a conhecê-la.

Como consequência, não se faz necessário provar em juízo a existência da norma jurídica
invocada, pois parte-se do pressuposto de que o juiz conhece o direito (iura novit curia). Esse
princípio não se aplica ao direito municipal, estadual, estrangeiro ou consuetudinário (CPC/15,
art. 376), ou seja, o juiz só tem obrigação de conhecer o direito federal e o daquele do local em que
jurisdiciona.

A teoria que explica a obrigatoriedade da lei para todos é a da necessidade social. Sustenta,
tal teoria, que a lei é obrigatória e deve ser cumprida por todos, não por motivo de um
conhecimento presumido ou ficto, mas por elevadas razões de interesse público, ou seja, para que
seja possível a convivência social.

IMPORTANTE!!! O erro de direito só pode ser invocado quando não houver o objetivo de furtar-
se o agente ao cumprimento da lei. Ex.: Serve para justificar a boa-fé.

6- A INTEGRAÇÃO DAS NORMAS JURÍDICAS

Como o juiz não pode se eximir de proferir a decisão sob o pretexto de que a lei é omissa,
deve se valer dos mecanismos legais destinados a suprir as lacunas da lei, que são: a analogia, os
costumes e os princípios gerais do direito.

A propósito da classificação das lacunas, Maria Helena Diniz define:

5
Leopoldo Martins Moreira Neto e William Bossaneli Araújo – atualizado por Carlos Eduardo da Silva Limonge - maio de 2020

a) Lacuna normativa: ausência total de norma prevista para um determinado caso


concreto;
b) Lacuna ontológica: presença de norma para o caso concreto, mas que não tenha eficácia
social;
c) Lacuna axiológica: presença de norma para o caso concreto, mas cuja aplicação seja
insatisfatória ou injusta;
d) Lacuna de conflito ou antinomia: choque de duas ou mais normas válidas, pendente de
solução no caso concreto.

Art. 4o Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os
costumes e os princípios gerais de direito.

A primeira dúvida concreta que surge em relação ao comando legal é se a ordem nele
prevista deve ou não ser rigorosamente obedecida (hierarquia ou preferência entre os instrumentos
de integração). Em uma visão clássica, a resposta é positiva. Filiado a essa corrente, pode ser citado,
entre tantos outros, Sílvio Rodrigues, para quem “No silêncio da lei, portanto, deve o julgador, na
ordem mencionada, lançar mão desses recursos, para não deixar insolvida a demanda”. No mesmo
sentido, posiciona-se Rubens Limongi França.

Todavia, até pode-se afirmar que essa continua sendo a regra, mas nem sempre o respeito a
essa ordem deverá ocorrer, diante da força normativa e coercitiva dos princípios, notadamente
daqueles de índole constitucional. Em suma, deve-se reconhecer eficácia normativa imediata aos
princípios (constitucionalização dos princípios gerais do direito e o reconhecimento de que os
princípios são normas primárias), em alguns casos, particularmente naqueles que envolvem os
direitos fundamentais da pessoa, ou de personalidade. Isso porque com o Estado Democrático de
Direito houve a transposição dos princípios gerais de direito para princípios constitucionais
fundamentais. Dessa forma, a orientação contemporânea prevalecente sustenta não ser obrigatória a
ordem constante do art. 4º da LINDB de forma rígida e incontestável.

A analogia consiste em aplicar a um caso não previsto em lei um dispositivo legal previsto
para caso semelhante. A analogia pode ser classificada em analogia legal ou legis (aplicação de
somente uma norma próxima, a exemplo da aplicação de norma que prevê uma situação entre
cônjuges à situação entre companheiros) e analogia jurídica ou juris (aplicação de um conjunto de
normas próximas, extraindo elementos que possibilitem a analogia, a exemplo da aplicação por
analogia das regras da ação reivindicatória para a ação de imissão de posse).

IMPORTANTE: Não se pode confundir a aplicação da analogia com a interpretação extensiva. No


primeiro caso, rompe-se com os limites do que está previsto na norma, havendo integração da
norma jurídica. Na interpretação extensiva, apenas amplia-se o seu sentido, havendo subsunção.

O costume é colocado em plano secundário em relação à lei. O juiz só pode recorrer ao


costume, como regra, depois de esgotadas as possibilidades em relação à analogia. É conceituado
como a prática uniforme, constante, pública e geral de determinado ato, com a convicção de sua
necessidade/obrigatoriedade.

Em relação à lei são três as espécies de costume.

a) Secundum legem: quando sua eficácia obrigatória é reconhecida pela lei.


b) Praeter legem: quando se destina a suprir as leis nos casos omissos (costume integrativo).

6
Leopoldo Martins Moreira Neto e William Bossaneli Araújo – atualizado por Carlos Eduardo da Silva Limonge - maio de 2020

c) Contra legem: que se opõe à lei. Em regra, o costume não pode modificar a lei, pois a lei só
se revoga, ou se modifica, por outra lei.

Não se encontrando solução na analogia e nem nos costumes, devem ser utilizados os
princípios gerais do direito. São estes constituídos de regras que se encontram na consciência dos
povos e são universalmente aceitos, mesmo não escritos. Ex.: “ninguém pode lesar outrem”, “é
vedado o enriquecimento sem causa” etc.

IMPORTANTE!!! A equidade NÃO constitui meio supletivo/integrativo de lacuna da lei,


sendo mero recurso auxiliar na aplicação desta. É utilizada quando a lei expressamente a
permite.

7- APLICAÇÃO E INTERPRETAÇÃO DAS NORMAS JURÍDICAS

As normas são genéricas e contêm um comando abstrato, não se referindo especificamente a


casos concretos. Quando o fato se encaixa à norma dá-se o fenômeno da SUBSUNÇÃO.
Quando este enquadramento não ocorre, deve o juiz fazer uso da integração normativa, mediante o
emprego da analogia, dos costumes e dos princípios gerais do direito.

Interpretar é descobrir o sentido e o alcance da norma jurídica. Toda lei está sujeita a
interpretação, não apenas as obscuras e as ambíguas. Por mais clara que seja a lei, esta deve ser
interpretada.

A hermenêutica é a ciência de interpretação das leis, e como toda ciência, tem seus métodos.
A seguir, os principais métodos de interpretação:

a) Quanto às FONTES ou ORIGEM a interpretação classifica-se em autêntica,


jurisprudencial e doutrinária. Interpretação autêntica é a feita pelo próprio legislador,
por outro ato. Ex.: legislador vota uma nova lei para interpretar lei anterior. Interpretação
jurisprudencial é a fixada pelos tribunais, embora não tenha força impositiva, salvo em
caso de súmula vinculante, influencia grandemente os julgamentos nas instâncias inferiores.
A interpretação doutrinária é a feita pelos estudiosos do direito.

b) Quanto aos MEIOS, a interpretação pode ser feita pelos métodos


gramatical/literal/filológico, lógico, sistemático, histórico e sociológico (teleológico). A
interpretação gramatical (literal ou filológica) consiste em exame do texto normativo sob
o ponto de vista linguístico. Na interpretação lógica procura-se apurar a intenção do
legislador por meio de raciocínios lógicos, com abandono dos elementos puramente verbais.
A interpretação sistemática diz que a lei deve ser interpretada em conjunto com as outras
leis pertencentes à mesma província do direito. Assim as normas tributárias devem ser
interpretadas de acordo com os princípios que regem o direito tributário. A interpretação
histórica baseia-se na investigação dos antecedentes da norma, a fim de descobrir seu exato
significado. A interpretação teleológica/finalística tem por objetivo adaptar o sentido ou
finalidade da norma às novas exigências sociais. Tal interpretação é recomendada na
LINDB em seu art. 5º.
Art. 5o Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais (interpretação
teleológica) a que ela se dirige e às exigências do bem comum.

7
Leopoldo Martins Moreira Neto e William Bossaneli Araújo – atualizado por Carlos Eduardo da Silva Limonge - maio de 2020

IMPORTANTE!!! Os diversos métodos de interpretação não operam isoladamente, não se repelem


reciprocamente, mas se completam e complementam.

8- CONFLITO DAS LEIS NO TEMPO

Para solucionar os conflitos da lei no tempo, são utilizados dois critérios: o das disposições
transitórias e o da irretroatividade das normas. Disposições transitórias são elaboradas pelo
legislador no próprio texto normativo, destinadas a evitar e a solucionar conflitos que poderão
emergir do confronto da lei nova com a lei antiga, tendo vigência temporária. Irretroativa é a lei
que não se aplica às relações constituídas anteriormente. Tem por objetivo assegurar a certeza, a
segurança e a estabilidade do ordenamento jurídico. Não possui caráter absoluto, pois razões de
política legislativa podem recomendar que em determinados momentos a lei seja retroativa,
atingindo os efeitos de atos jurídicos praticados sob o império da norma revogada.

A LINDB adotou o princípio da irretroatividade como regra e o da retroatividade


como exceção. Assim, como regra, aplica-se a lei nova aos casos pendentes e aos futuros, só
podendo ser retroativa quando: não ofender ato jurídico perfeito, direito adquirido e a coisa
julgada e quando o legislador expressamente mandar aplicá-la a casos pretéritos.

O art. 6º da LINDB preceitua que a lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitado o
ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada.

Ato jurídico perfeito é o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou.

§ 1º Reputa-se ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao


tempo em que se efetuou

Direito adquirido é o que já se incorporou definitivamente ao patrimônio e a personalidade


de seu titular.

§ 2º Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém por


ele, possa exercer como aqueles cujo começo do exercício tenha termo pré-fixo, ou
condição pré-estabelecida inalterável, a arbítrio de outrem.

Coisa julgada é a imutabilidade dos efeitos da sentença, não mais sujeita a recurso.
§ 3º Chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de que já não caiba
recursos.

9 - EFICÁCIA DA LEI NO ESPAÇO

A regra geral é de que dentro do território brasileiro se aplica a lei brasileira. O art. 7º
permite, excepcionalmente, a aplicação da lei estrangeira no Brasil, nos casos previstos em lei.

A regra geral então é a territorialidade moderada/mitigada.

A exceção à territorialidade mitigada é o estatuto pessoal (lei do domicílio do


interessado). Ou seja, aos casos excepcionais em que não se aplica a lei brasileira, aplica-se o
estatuto pessoal. Os casos de aplicação do estatuto pessoal são:

a) nome
8
Leopoldo Martins Moreira Neto e William Bossaneli Araújo – atualizado por Carlos Eduardo da Silva Limonge - maio de 2020

b) capacidade
c) personalidade
d) direito de família
e) bens móveis que o interessado traz consigo
f) penhor
g) capacidade sucessória

Ex.: Sujeito alemão que na Alemanha é casado e aqui quer casar novamente não pode se casar
porque se aplica o estatuto pessoal.

IMPORTANTE!!! A aplicação do estatuto pessoal só é possível se passar pela filtragem


constitucional. Ex.: Um árabe casado em seu país não poderá se casar novamente no Brasil.

Exceção da exceção!!! Existem três casos de aplicação ou não da lei estrangeira no território
brasileiro com base em critério distinto (e não o estatuto pessoal):

a) Conflito sobre bens imóveis (lei do lugar do bem).


b) Lugar do contrato (no que disser respeito a contrato internacional, o lugar do contrato é a
residência do proponente).
c) Lei sucessória mais benéfica ao cônjuge ou aos filhos.

Também se admite o cumprimento de decisão estrangeira no Brasil. Para que decisão


judicial estrangeira, carta rogatória estrangeira ou decisão arbitral estrangeira possa ser cumprida no
Brasil, exige-se o exequatur do STJ. Quem cumpre a decisão após o exequatur é o juiz federal.
Para que o STJ dê o exequatur é preciso de:

1) prova do trânsito em julgado (súmula 420 do STF)


2) compatibilidade com a CF
3) cumprimento das formalidades processuais (arts. 961 a 965 do CPC/15).

10 – ESTUDO DAS ANTINOMIAS

Conforme ensina Flávio Tartuce (Manual de Direito Civil, volume único), com o surgimento
de qualquer lei nova, ganha relevância o estudo das antinomias, também denominadas lacunas de
conflito. A antinomia é a presença de duas normas conflitantes, válidas e emanadas de autoridade
competente, sem que se possa dizer qual delas merecerá aplicação em determinado caso concreto
(lacunas de colisão). Este estudo não está relacionado com a revogação das normas jurídicas, mas
com os eventuais conflitos que podem existir entre elas.

Os conceitos básicos de solução desses conflitos – os metacritérios clássicos – construídos


por Norberto Bobbio, em sua Teoria do Ordenamento Jurídico, para a solução dos choques entre as
normas jurídicas são:

a) Critério cronológico: norma posterior prevalece sobre norma anterior;


b) Critério da especialidade: norma especial prevalece sobre norma geral;
c) Critério hierárquico: norma superior prevalece sobre norma inferior.

Dos três critérios acima, o cronológico, constante do art. 2.º da Lei de Introdução, é o mais
fraco de todos, sucumbindo diante dos demais. O critério da especialidade é o intermediário e o da
hierarquia o mais forte de todos, tendo em vista a importância do Texto Constitucional.
9
Leopoldo Martins Moreira Neto e William Bossaneli Araújo – atualizado por Carlos Eduardo da Silva Limonge - maio de 2020

Quanto aos metacritérios envolvidos, as antinomias podem ser classificadas em:

a) Antinomias de 1º grau: conflito de normas que envolve apenas um dos critérios


anteriormente expostos;
b) Antinomia de 2º grau: choque de normas válidas que envolve dois dos critérios analisados.

Em havendo a possibilidade ou não de solução conforme os metacritérios de solução de


conflito, é pertinente a seguinte visualização:

a) Antinomia aparente: situação que pode ser resolvida de acordo com os metacritérios antes
expostos;
b) Antinomia real: situação que NÃO pode ser resolvida de acordo com os metacritérios antes
expostos.

De acordo com essas classificações, devem ser analisados os casos práticos em que estão
presentes os conflitos:

a) No caso de conflito entre norma posterior e norma anterior, valerá a primeira, pelo critério
cronológico, caso de antinomia de primeiro grau aparente.
b) Norma especial deverá prevalecer sobre norma geral, emergencial, que é o critério da
especialidade, outra situação de antinomia de primeiro grau aparente.
c) Havendo conflito entre norma superior e norma inferior, prevalecerá a primeira, pelo
critério hierárquico, também situação de antinomia de primeiro grau aparente.

Esses são os casos de antinomia de primeiro grau, todos de antinomia aparente, uma vez
que presente a solução de acordo com os metacritérios antes analisados.

Quanto às antinomias de segundo grau:

a) Em um primeiro caso de antinomia de segundo grau aparente, quando se tem um conflito de


uma norma especial anterior e outra geral posterior, prevalecerá o critério da especialidade
(em relação ao cronológico), prevalecendo a primeira norma;
b) Havendo conflito entre norma superior anterior e outra inferior posterior, prevalece
também a primeira (critério hierárquico), outro caso de antinomia de segundo grau aparente;
c) Finalizando, quando se tem conflito entre uma norma geral superior e outra norma,
especial e inferior (conflito entre critérios hierárquico e de especialidade), qual deve
prevalecer?

Na última hipótese, como bem expõe Maria Helena Diniz, não há uma metarregra
geral de solução do conflito surgindo a denominada antinomia real. Segundo a autora: “No
conflito entre o critério hierárquico e o de especialidade, havendo uma norma superior geral e
outra norma inferior especial, não será possível estabelecer uma metarregra geral, preferindo o
critério hierárquico ao da especialidade ou vice-versa, sem contrariar a adaptabilidade do direito.
Poder-se-á, então, preferir qualquer um dos critérios, não existindo, portanto, qualquer
prevalência. Todavia, segundo Bobbio, dever-se-á optar, teoricamente, pelo hierárquico; uma lei
constitucional geral deverá prevalecer sobre uma lei ordinária especial, pois se se admitisse o
princípio de que uma lei ordinária especial pudesse derrogar normas constitucionais, os princípios
fundamentais do ordenamento jurídico estariam destinados a esvaziar-se, rapidamente, de seu
conteúdo (...)”.
10
Leopoldo Martins Moreira Neto e William Bossaneli Araújo – atualizado por Carlos Eduardo da Silva Limonge - maio de 2020

CAPÍTULO III

VISÃO FILOSÓFICA DO CC/02. AS PRINCIPAIS TESES


DO DIREITO CIVIL CONTEMPORÂNEO

Para que o estudioso entenda efetivamente a codificação privada de 2002, é preciso conhecer
a linha filosófica adotada pela norma emergente.

Na exposição de motivos do CC/02, Miguel Reale demonstra que a comissão revisora


buscou fazer uma alteração principiológica do Direito Privado, em relação aos ditames básicos que
constavam da codificação anterior, buscando a nova codificação valorizar a eticidade, a socialidade
e a operabilidade.

 PRINCÍPIO DA ETICIDADE:

O tipo de Ética buscado pelo novo CC é defendido pela corrente kantiana: é o


comportamento que confia no homem como um ser composto por valores que o elevam ao patamar
de respeito pelo semelhante e de reflexo de um estado de confiança nas relações desenvolvidas,
quer negociais, quer não negociais. É, na expressão kantiana, a certeza do dever cumprido, a
tranquilidade da boa consciência. Pauta-se, pois, pela valorização de condutas éticas, de boa-fé
objetiva (relacionada com a conduta de lealdade das partes negociais).

Esse princípio pode ser percebido pela leitura de vários dispositivos no CC:
Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos
do lugar de sua celebração.

Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo,
excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela
boa-fé ou pelos bons costumes.

Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato,


como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.

 PRINCÍPIO DA SOCIALIDADE:

O CC/02 procura superar o caráter individualista e egoísta que imperava na codificação


anterior, valorizando a palavra “nós”, em detrimento da palavra “eu”. Os grandes ícones do Direito
Privado recebem uma denotação social: a família, o contrato, a propriedade, a posse, a
responsabilidade civil, a empresa, o testamento.

11
Leopoldo Martins Moreira Neto e William Bossaneli Araújo – atualizado por Carlos Eduardo da Silva Limonge - maio de 2020

A função social da propriedade já estava prevista na CF 88 (art. 5º, XXII e XXIII, e art.
170, III), tendo sido reforçada pelo art. 1.228, §1º do CC.
§ 1o O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas
finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade
com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio
ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e
das águas.

Como novidade de grande impacto, a função social dos contratos passou a ser tipificada em
lei, no art. 421 do CC. Trata-se de um princípio contratual de ordem pública, pelo qual o contrato
deve ser, necessariamente, visualizado e interpretado de acordo com o contexto da sociedade.
Art. 421. A liberdade contratual será exercida nos limites da função social do
contrato. (Redação dada pela Lei nº 13.874, de 2019).

 PRINCÍPIO DA OPERABILIDADE:

Tem dois significados: primeiro, há o sentido de simplicidade, uma vez que o CC/02 segue
tendência de facilitar a interpretação e a aplicação dos institutos nele previstos (ex.: distinção feita
entre prescrição e decadência). Segundo, há o sentido de efetividade, ou concretude do Direito
Civil, o que foi seguido pela adoção do sistema de cláusulas gerais.

Percebe-se na atual codificação um sistema aberto ou de janelas abertas, em virtude da


linguagem que emprega, permitindo a constante incorporação e solução de novos problemas, seja
pela jurisprudência, seja por uma atividade de complementação legislativa.

As cláusulas gerais podem ser conceituadas como janelas abertas deixadas pelo legislador
para preenchimento pelo aplicador do Direito, caso a caso. São exemplos de cláusulas gerais
constantes no CC 02:

 Função social do contrato: art. 421.


 Função social da propriedade: art. 1.228, §1º.
 Boa-fé: arts. 113, 187 e 422.
 Bons costumes: arts. 13 e 187.
 Atividade de risco: art. 927, parágrafo único.

As cláusulas gerais têm um sentido dinâmico, o que as diferencia dos conceitos legais
indeterminados, construções estáticas que constam da lei sem definição. Assim, pode-se afirmar
que quando o aplicador do direito cumpre a tarefa de dar sentido a um conceito legal
indeterminado, passará ele a constituir uma cláusula geral.

Muitas das cláusulas gerais são princípios, mas não necessariamente. A função social do
contrato é princípio contratual, mas a cláusula geral de atividade de risco não é princípio da
responsabilidade civil.

A adoção do sistema de cláusulas gerais pelo CC/02 tem relação direta com a linha
filosófica adotada por Miguel Reale. É notório que o jurista criou a sua própria teoria do
conhecimento e da essência jurídica, a ontognoseologia jurídica, baseando-se em duas subteorias: o
culturalismo jurídico e a teoria tridimensional do direto:

12
Leopoldo Martins Moreira Neto e William Bossaneli Araújo – atualizado por Carlos Eduardo da Silva Limonge - maio de 2020

a) Culturalismo Jurídico (plano subjetivo): Reale busca o enfoque no aspecto subjetivo, do


aplicador do direito. Três palavras orientarão a aplicação e as decisões a serem tomadas:
cultura, experiência e história, que devem ser entendidas tanto do ponto de visto do julgador
como do meio em que decisão será tomada.
b) Teoria Tridimensional do direito (plano objetivo) – para Miguel Reale, Direito é fato,
valor e norma. Ensina o mestre que a essa teoria vem sendo concebida desde 1940,
distinguindo-se das demais teorias por ser “concreta” e “dinâmica”, visto que “fato, valor e
norma estão sempre presentes e correlacionados em qualquer expressão da vida jurídica,
seja ela estudada pelo filósofo ou sociólogo do direito, ou pelo jurista como tal, ao passo
que na tridimensionalidade genérica ou abstrata, caberia ao filósofo apenas o estudo do
valor, ao sociólogo do fato e ao jurista da norma.”

Fato, valor e norma serão imprescindíveis a apontar o caminho seguido para a aplicação do
Direito. Dessa forma, dar-se-á o preenchimento das cláusulas gerais, das janelas abertas. Por esse
processo os conceitos legais indeterminados ganham determinação jurídica, diante da atuação do
magistrado, sempre guiado pela equidade.

Primeiro, o magistrado julgará de acordo com a sua cultura, bem como do meio social. Os
elementos culturais e valorativos do juiz serão imprescindíveis para o preenchimento da
discricionariedade deixada pela norma privada. Ganha destaque o valor como elemento formador
do direito.

Em segundo, tudo dependerá da história do processo e dos institutos jurídicos a ele


relacionados, das partes que integram a lide e também a história do próprio aplicador. Aqui, ganha
relevo o fato.

Por fim, a experiência do aplicador do direito, que reúne fato e valor simbioticamente,
visando à aplicação da norma. Esta, sim, elemento central daquilo que se denomina
ontognoseologia, a teoria do conhecimento, da essência jurídica, criada por Reale. Encaixa-se,
assim, perfeitamente a proposta de Reale, para que sejamos juristas (no ponto de vista das normas),
sociólogos (diante da análise dos fatos) e filósofos (sob o prisma dos valores).

O aplicador do direito deve estar atento à evolução tecnológica, para não tomar decisões
descabidas, como a de determinar o bloqueio de todos à internet para proteger determinada pessoa.

As cláusulas gerais são abertas e devem ser analisadas caso a caso. Frase símbolo do atual
sistema: direito é fato, valor e norma.

1- DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL

Em princípio, o Direito Público tem como finalidade a ordem e a segurança geral, enquanto
o Direito Privado reger-se-ia pela liberdade e pela igualdade. Enquanto no Direito Público somente
seria válido aquilo que está autorizado na norma, no Direito Privado tudo aquilo que não está
proibido por ela seria válido. Mas essa dicotomia não é um obstáculo intransponível e a divisão não
é absoluta, como nada é absoluto nos nossos dias atuais.

O direito constitucional, portanto, está baseado em uma visão unitária do ordenamento


jurídico (Gustavo Tepedino). Tepedino entende que “é imprescindível e urgente uma releitura do
CC e das leis especiais à luz da CF”.

13
Leopoldo Martins Moreira Neto e William Bossaneli Araújo – atualizado por Carlos Eduardo da Silva Limonge - maio de 2020

Os próprios constitucionalistas reconhecem o fenômeno de interação entre o Direito Civil e


o Direito Constitucional como realidade do que se convém denominar neoconstitucionalismo, ou da
invasão da CF (constitucionalização do Direito).

Por tal interação, o D. Civil não deixará de ser D. Civil; e o D. Constitucional não deixará de
ser D. Constitucional. O D. Civil Constitucional nada mais é do que um novo caminho
metodológico, que procura analisar os institutos privados a partir da CF, e, eventualmente, os
mecanismos constitucionais a partir do CC e da legislação infraconstitucional, em uma análise
de mão dupla.

Três são os princípios básicos do D. Civil Constitucional (Tepedino):

1) Dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF): superprincípio ou princípio dos
princípios. A valorização da pessoa humana é um dos fundamentos da República Federativa
do Brasil. A proteção da dignidade da pessoa humana, a partir do modelo de Kant, constitui
o principal fundamento da personalização do Direito Civil, da valorização da pessoa
humana em detrimento do patrimônio.

2) Visa a solidariedade social, um dos objetivos da República (art. 3º, I, CF).

3) Princípio da isonomia ou igualdade lato sensu (art. 5º, caput, CF): “todos são iguais
perante a lei, sem qualquer distinção, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros
residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e
à propriedade”. Essa igualdade pode ser a mesma concebida pela seguinte expressão,
atribuída a Aristóteles e Ruy Barbosa: A lei deve tratar de maneira igual os iguais, e de
maneira desigual os desiguais. Do texto, nota-se na sua 1ª parte a consolidação do princípio
da igualdade stricto sensu (a lei deve tratar de maneira igual os iguais), enquanto a 2ª traz o
princípio da especialidade (...e de maneira desigual os desiguais). Essa é a essência da
igualdade substancial. Fala-se, atualmente, em igualdade NA lei (sob o aspecto formal) e
igualdade PERANTE a lei (sob o aspecto material).

2- A EFICÁCIA HORIZONTAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

A eficácia horizontal dos direitos fundamentais é mecanismo que torna possível o D. Civil
Constitucional.

IMPORTANTE!!! Essa horizontalização dos direitos fundamentais nada mais é do que o


reconhecimento da existência e aplicação dos direitos que protegem a pessoa nas relações
entre particulares. Pode-se dizer que as normas constitucionais que protegem tais direitos têm
aplicação imediata (eficácia horizontal imediata), com base no art. 5º, §1º, CF.

A eficácia horizontal dos direitos fundamentais “é indispensável no contexto de uma


sociedade desigual, na qual a opressão pode provir não apenas do Estado, mas de uma
multiplicidade de atores privados, presentes em esferas como o mercado, a família, a sociedade civil
e a empresa”.

Essa eficácia horizontal traz uma nova visão da matéria, uma vez que as normas de proteção
da pessoa previstas na CF sempre foram tidas como dirigidas ao legislador e ao Estado (normas
programáticas). Essa concepção anterior não mais prevalece.

14
Leopoldo Martins Moreira Neto e William Bossaneli Araújo – atualizado por Carlos Eduardo da Silva Limonge - maio de 2020

Do ponto de vista da terminologia, não se justifica mais denominar a CF/88 como uma
Carta Política, fazendo crer que é dirigida ao legislador, tendo uma eficácia vertical. Melhor
denominá-la, portanto, como uma Carta Fundamental, pela prevalência de sua horizontalidade, ou
seja, pela sua subsunção direta às relações privadas. Por exemplo, a dignidade humana é conceito
que pode ser aplicado em qualquer relação, independentemente de qualquer ponte
infraconstitucional.

Como exemplo tem-se um julgado do STF em que a tese foi adotada para assegurar a ampla
defesa a associado que fora excluído do quadro de uma pessoa jurídica (STF, RE 201.819/RJ,
Informativo 405). Segundo Gilmar Mendes, “Um meio de irradiação dos direitos fundamentais
para as relações privadas seriam as cláusulas gerais (Generalklausel) que serviriam de ‘porta de
entrada’ (Einbruchstelle) dos direitos fundamentais no âmbito do Direito Privado”. Trata-se
daquilo que se denomina eficácia horizontal mediata, pois há uma ponte infraconstitucional para as
normas constitucionais: as cláusulas gerais. Tal mecanismo é perfeitamente possibilitado pelo
Código Civil de 2002, diante da adoção de um modelo aberto, conforme antes demonstrado.

Existe uma relação inafastável entre essa eficácia das normas que protegem a pessoa nas
relações entre particulares e o sistema de cláusulas gerais adotado pelo CC.

2.1.3 O DIÁLOGO DAS FONTES

A tese do diálogo das fontes foi desenvolvida na Alemanha por Erik Jayme e trazida ao
Brasil por Claudia Lima Marques, da UFRGS.

A essência da teoria é que as normas jurídicas não se excluem – supostamente porque


pertencentes a ramos jurídicos diferentes –, mas se complementam.

A primeira tentativa de aplicação da tese do diálogo das fontes se dá com a possibilidade de


subsunção concomitante tanto do CDC quanto do CC a determinadas relações obrigacionais,
sobretudo aos contratos. Isso diante da já conhecida aproximação principiológica entre os dois
sistemas, consolidada pelos princípios sociais contratuais, sobretudo pela boa-fé objetiva e pela
função social dos contratos. Supera-se a ideia de que o CDC seria um microssistema jurídico,
totalmente isolado do CC/02.

Claudia Lima Marques demonstra três diálogos possíveis a partir da teoria exposta:

a) Em havendo aplicação simultânea das duas leis, se uma lei servir de base conceitual
para a outra, estará presente o DIÁLOGO SISTEMÁTICO DE COERÊNCIA. Ex.: os
conceitos dos contratos em espécie podem ser retirados do CC mesmo sendo o contrato de
consumo, caso de uma compra e venda (art. 481, CC).

b) Se o caso for de aplicação coordenada de duas leis, uma norma pode completar a outra,
de forma direta (DIÁLOGO DE COMPLEMENTARIDADE) ou indireta (DIÁLOGO DE
SUBSIDIARIEDADE). Ex.: contratos de adesão que também são de consumo – em relação
às cláusulas abusivas, pode ser invocada a proteção dos consumidores constante do art. 51
do CC e ainda a proteção dos aderentes (art. 424 do CC).

c) Os DIÁLOGOS DE INFLUÊNCIAS RECÍPROCAS SISTEMÁTICAS estão presentes


quando os conceitos estruturais de uma determinada lei sofrem influências de outra. Assim,

15
Leopoldo Martins Moreira Neto e William Bossaneli Araújo – atualizado por Carlos Eduardo da Silva Limonge - maio de 2020

o conceito de consumidor pode sofrer influências do CC. É a influência do sistema especial


no geral e vice-versa.

É imperioso dizer que também são possíveis diálogos entre o D. Civil e o do D. do


Trabalho. O D. do Trabalho é ramo do D. Privado, assim como o é o D. Civil.

Conforme o art. 8º da CLT, o direito comum e, logicamente, o D. Civil são fontes


subsidiárias do D. do Trabalho. Na verdade, pela aplicação da tese do diálogo das fontes, o que se
propõe é uma nova leitura desse comando legal. Não se deve mais considerar o D. Civil como
simples fonte subsidiária, mas, em alguns casos, como fonte direta do D. do Trabalho.

Isso porque, em muitas situações atualmente comuns à prática trabalhista, não há normas de
D. do Trabalho regulamentando a matéria. Em tais casos é que as normas do CC serão aplicadas. A
EC 45/2004 ampliou enormemente a competência da Justiça do Trabalho.

Destaque-se que a teoria do diálogo das fontes surge para, no futuro, substituir e superar os
critérios clássicos de solução das antinomias jurídicas (hierárquico, especialidade e cronológico).
No momento, ainda é possível conciliar tais critérios com a referida tese.

3- A INTERAÇÃO ENTRE AS TESES EXPOSTAS E A VISÃO UNITÁRIA


DO ORDENAMENTO JURÍDICO

Há uma relação direta entre o diálogo das fontes, a constitucionalização do D. Civil, a


eficácia horizontal dos direitos fundamentais, a personalização do D. Civil e o sistema de cláusulas
gerais construído pela ontognoseologia realeana.

A constitucionalização do D. Civil nada mais é do que um diálogo entre o D. Civil e a CF


(D. Civil Constitucional). Com isso vai-se até a CF, onde repousa a proteção da pessoa como
máxime do nosso ordenamento jurídico (personalização).

Para que essa proteção seja possível, deve-se reconhecer a eficácia horizontal dos direitos
fundamentais, ou seja, que as normas que protegem a pessoa, previstas no Texto Maior, têm
aplicação imediata nas relações entre particulares. A porta de entrada dessas normas protetivas, nas
relações privadas, pode se dar por meio das cláusulas gerais (eficácia horizontal mediata), ou
mesmo de forma direta (eficácia horizontal imediata), independentemente de qualquer atuação
legislativa infraconstitucional ou até mesmo judicial.

Em síntese, percebe-se que todas essas teorias possibilitam a visão de um sistema unitário,
em que há mútuos diálogos e o reconhecimento da interdisciplinaridade. Assim está sendo
construído o D. Civil Contemporâneo.

16
Leopoldo Martins Moreira Neto e William Bossaneli Araújo – atualizado por Carlos Eduardo da Silva Limonge - maio de 2020

LIVRO I
DAS PESSOAS
CAPÍTULO I
DA PERSONALIDADE E DA CAPACIDADE

1-CONCEITO DE PESSOA NATURAL

É o ser humano considerado sujeito de direitos e deveres. Para ser pessoa basta existir.

Toda a pessoa é dotada de personalidade, isto é, tem capacidade para figurar em uma
relação jurídica. Toda pessoa tem aptidão genérica para adquirir direitos e contrair obrigações
(personalidade).
Art. 1o Toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil.

IMPORTANTE!!! Capacidade é a medida da personalidade. A que todos possuem (art. 1º) é a


capacidade de direito (de aquisição ou de gozo), mas nem todos possuem a capacidade de fato
(de exercício de direito), que é a aptidão para exercer, por si só, os atos da vida civil. Ex.: os recém-
nascidos somente possuem capacidade de direito (de aquisição de direitos), mas não tem capacidade
de fato (de exercício).

IMPORTANTE!!! Capacidade não se confunde com legitimação. Esta é a aptidão para a prática de
determinados atos jurídicos (necessidade de outorga conjugal para vender imóvel, sob pena de
anulabilidade).

Quem tem as duas espécies de capacidade tem a capacidade plena. Quem só tem a de
direito, tem capacidade limitada, por isso são chamados de incapazes.

2- DAS INCAPACIDADES

Não existe incapacidade de direito , pois todos se tornam capazes ao nascer. Existe,
portanto, somente incapacidade de fato ou de exercício. Incapacidade, portanto, é a restrição
ao exercício de atos da vida civil. E pode ser de duas espécies: absoluta e relativa.

A absoluta acarreta a proibição total do exercício, por si só, do direito. O ato somente
poderá ser praticado pelo representante legal do absolutamente incapaz, sob pena de nulidade.

17
Leopoldo Martins Moreira Neto e William Bossaneli Araújo – atualizado por Carlos Eduardo da Silva Limonge - maio de 2020

A relativa permite que o incapaz pratique atos da vida civil, desde que assistido, sob pena
de anulabilidade. Alguns atos, entretanto, podem ser praticados pessoalmente, sem a assistência de
seu representante legal, como por exemplo: ser testemunha, aceitar mandato, fazer testamento etc.

Na representação (incapacidade absoluta) o incapaz não participa do ato, que é praticado


somente pelo seu representante. Na assistência (relativa) reconhece-se ao incapaz certo
discernimento, e, portanto, é ele quem pratica o ato, não sozinho, mas acompanhado, assistido pelo
seu representante.

#O que é benefício de restituição?


Tem origem no direito romano e visava proteger menores e incapazes em geral, caso praticassem
determinado ato que lhes fosse prejudicial. Hoje, o benefício de restituição não pode ser invocado
pelo incapaz.

2.1 INCAPACIDADE ABSOLUTA


Art. 3o  São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos
da vida civil os menores de 16 (dezesseis) anos.  (Redação dada pela Lei
nº 13.146, de 2015)

ATENÇÃO!!! Com o advento do Estatuto das Pessoas com Deficiência, são


absolutamente incapazes APENAS OS MENORES DE DEZESSEIS ANOS!!!! São os menores
impúberes que ainda não atingiram a maturidade suficiente para participar da atividade jurídica.

A partir da lei 13.146/2015 (Estatuto das Pessoas com Deficiência), as pessoas


privadas do necessário discernimento por enfermidade ou deficiência mental e os
excepcionais com desenvolvimento mental incompleto passaram a ser considerados
ABSOLUTAMENTE CAPAZES!!!!

2.2 INCAPACIDADE RELATIVA


Art. 4o São incapazes, RELATIVAMENTE a certos atos, ou à maneira de os
exercer:
I - os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos;
II - os ébrios habituais e os viciados em tóxico; (Redação dada pela Lei nº 13.146,
de 2015) ;
III - aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua
vontade;  (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015) 
IV - os pródigos.
Parágrafo único.  A capacidade dos indígenas será regulada por legislação
especial. (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015)

Como as pessoas listadas acima possuem algum discernimento, podem praticar


determinados atos por si só. Isto, porém, constitui exceção à regra, pois devem estar assistidas por
seus representantes para a prática de atos em geral, sob pena de anulabilidade.

2.2.1. Os Maiores De 16 e Menores De 18 Anos

São menores púberes. Podem praticar apenas determinados atos sem a assistência. Não se
tratando desses atos, precisam estar assistidos, sob pena de anulabilidade do ato.

IMPORTANTE!!! Art. 180 CC.


18
Leopoldo Martins Moreira Neto e William Bossaneli Araújo – atualizado por Carlos Eduardo da Silva Limonge - maio de 2020

Art. 180. O menor, entre dezesseis e dezoito anos, NÃO PODE, para eximir-se
de uma obrigação, invocar a sua idade se DOLOSAMENTE a ocultou quando
inquirido pela outra parte, ou SE, NO ATO DE OBRIGAR-SE, DECLAROU-
SE MAIOR.

Se não houver malícia do menor, anula-se o ato para protegê-lo. Como ninguém pode
locupletar-se às custas alheias, determina-se a restituição da importância paga ao menor, se ficar
provado que o pagamento nulo se reverteu em proveito dele (art. 181 CC).

IMPORTANTE!!! Art. 928 CC


Art. 928. O incapaz responde pelos prejuízos que causar, se as pessoas por ele
responsáveis não tiverem obrigação de fazê-lo ou não dispuserem de meios
suficientes (responsabilidade SUBSIDIÁRIA do menor).
Parágrafo único. A indenização prevista neste artigo, que deverá ser equitativa, não
terá lugar se privar do necessário o incapaz ou as pessoas que dele dependem.

2.2.2. Os Ébrios Habituais e Os Viciados Em Tóxicos

IMPORTANTE!!! Somente os alcoólatras e toxicômanos são considerados relativamente


incapazes. Os usuários eventuais que, por efeito transitório dessas substâncias ficarem impedidos
de exprimir plenamente sua vontade estão também incluídos no rol dos relativamente incapazes,
porém, se encaixam no inc. III (os que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir
sua vontade) (art. 3º).

2.2.3. Os Que, Por Causa Transitória ou Permanente, Não Puderem Exprimir Sua
Vontade

Abrange as pessoas que não puderem exprimir suas vontades por causa transitória, ou em
virtude de alguma patologia (incluindo eventuais deficiências cognitivas). Com o advento do
Estatuto das Pessoas com Deficiência, é POSSÍVEL a interdição daqueles que não puderem
exprimir sua vontade tanto por causa permanente, como por causa transitória, estando tais
pessoas sujeitas à curatela, conforme art. 1767, inc. I, do CC:

Art. 1.767. Estão sujeitos a curatela:


I - aqueles que, por causa transitória ou permanente, não
puderem exprimir sua vontade; (Redação dada pela Lei nº
13.146, de 2015)

2.2.4. Os Pródigos

Pródigo é o indivíduo que dissipa/dilapida seu patrimônio desvairadamente. O CC atual não


permite a interdição do pródigo para proteger seu cônjuge, ascendentes ou descendentes, mas, sim,
para protegê-lo.

IMPORTANTE!!! O pródigo só ficará privado de praticar, sem curador, atos que extravasam mera
administração e implicam comprometimento do patrimônio, como emprestar, transigir, alienar etc.
Pode praticar validamente e sem necessidade de assistência os atos da vida civil que não envolvam
o seu patrimônio. Ex.: contrair matrimônio, autorizar casamento dos filhos etc.

2.2.5. Dos Indígenas


19
Leopoldo Martins Moreira Neto e William Bossaneli Araújo – atualizado por Carlos Eduardo da Silva Limonge - maio de 2020

A capacidade dos indígenas está regulada em legislação especial.

3- CESSAÇÃO DA INCAPACIDADE

Cessa a incapacidade quando cessar a sua causa e pela emancipação. A menoridade cessa
aos dezoito anos completos (primeiro instante do aniversário de 18 anos). Se nascido no dia 29 de
fevereiro de ano bissexto, completa a maioridade em 1º de março.

A emancipação pode ser de três espécies: voluntária, judicial ou legal.

Art. 5o A menoridade cessa aos dezoito anos completos, quando a pessoa fica
habilitada à prática de todos os atos da vida civil.
Parágrafo único. Cessará, para os menores, a incapacidade:
I - pela concessão dos pais, ou de um deles na falta do outro, mediante
instrumento PÚBLICO, independentemente de homologação judicial
(VOLUNTÁRIA), ou por sentença do juiz, ouvido o tutor (tutor não emancipa),
se o menor tiver dezesseis anos completos; (JUDICIAL).
(abaixo são as hipóteses de emancipação LEGAL)
II - pelo casamento;
III - pelo exercício de emprego público efetivo;
IV - pela colação de grau em curso de ensino superior;
V - pelo estabelecimento civil ou comercial, ou pela existência de relação de
emprego, desde que, em função deles, o menor com dezesseis anos completos tenha
economia própria.

A emancipação voluntária é concedida pelos pais se o menor tiver 16 anos completos.


Deve ser concedida por ambos os pais, ou um deles na falta do outro. A impossibilidade de
qualquer deles participar do ato deve ser comunicada em juízo. A divergência entre os pais deve ser
dirimida pelo juiz.

IMPORTANTE!!! Na emancipação voluntária é expressamente exigido o instrumento


público, independentemente de homologação judicial.

IMPORTANTE!!! A emancipação voluntária não produz efeito no que toca à obrigação dos pais
de indenizar as vítimas dos atos ilícitos praticados pelo menor emancipado. Isto se dá para evitar
emancipações maliciosas (essa regra somente se aplica às emancipações voluntárias). A
responsabilidade será SOLIDÁRIA entre os pais e o menor.

Se o menor estiver sob tutela, deve requerer sua emancipação ao juiz, que a concederá por
sentença, depois de verificar a conveniência do deferimento para o bem do menor.

IMPORTANTE!!! O tutor não emancipa, quem emancipa é o juiz através de sentença.

IMPORTANTE!!! A emancipação voluntária e a emancipação judicial devem ser registradas


em cartório, não produzindo efeitos antes do registro. A emancipação legal (casamento,
emprego público etc.) NÃO depende de registro e produzirá efeitos desde logo, a partir do ato
ou fato que a provocou.

IMPORTANTÍSSIMO!!! A emancipação em qualquer de suas formas é IRREVOGÁVEL.


Entretanto, irrevogabilidade não se confunde com a invalidade do ato, que pode ser reconhecida.

20
Leopoldo Martins Moreira Neto e William Bossaneli Araújo – atualizado por Carlos Eduardo da Silva Limonge - maio de 2020

Proclamada a nulidade, ou mesmo a anulabilidade do ato que causou a emancipação, o


emancipado retorna à situação de incapaz, salvo se a contraiu de boa-fé.

Emancipação NÃO tem efeitos penais (o direito penal só se preocupa com a idade
biológica do sujeito para fins de imputabilidade). Por óbvio, cabe prisão civil, que não é penal.

4- COMEÇO DA PERSONALIDADE NATURAL

A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida, o que se constata com
a respiração. “Se a pessoa respirou, viveu”.
Art. 2o A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a
lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.

Nascendo vivo ainda que morra em seguida, o novo ente chegou a ser pessoa, adquiriu
direitos, e com sua morte os transmitiu.

Três teorias procuram explicar e justificar a situação jurídica do nascituro:

1ª) TEORIA NATALISTA: prevalecia entre os autores modernos ou clássicos do Direito Civil
brasileiro, para quem o nascituro não poderia ser considerado pessoa, pois o CC exigia e ainda
exige, para a personalidade civil, o nascimento com vida. Sustenta, pois, que a personalidade
somente é adquirida a partir do nascimento com vida, de maneira que o nascituro não seria
considerado pessoa, gozando de mera expectativa de direito.

Obs.: Vale acrescentar que no sistema brasileiro, diferentemente do art. 30 do CC da Espanha, não
se exige do recém-nascido forma humana, nem sobrevida mínima (teste do pulmão na água. Teste
de Galeno).

É a que foi adotada (de modo mais claro) pelo CC/02. Por ser mais prática. Entretanto,
a teoria natalista esbarra em dispositivos do Código Civil que consagram direitos àquele que
foi concebido e não nasceu. Essa negativa de direitos é mais um argumento forte para
sustentar a total superação dessa corrente doutrinária.

2ª) TEORIA DA PERSONALIDADE CONDICIONAL: é aquela pela qual a personalidade civil


começa com o nascimento com vida, mas os direitos do nascituro estão sujeitos a uma condição
suspensiva, ou seja, são direitos eventuais. Logo, o nascituro, ao ser concebido, adquire
personalidade apenas para efeitos extrapatrimoniais, de modo que apenas consolida para efeitos
patrimoniais a sua personalidade a partir do nascimento com vida. Seriam dois momentos: quando
é concebido só tem personalidade para efeitos não patrimoniais (vida...) e no momento em que
nasce com vida adquire capacidade plena. Como fundamento da tese e da existência de direitos sob
condição suspensiva, pode ser citado o art. 130 do atual Código Civil.

21
Leopoldo Martins Moreira Neto e William Bossaneli Araújo – atualizado por Carlos Eduardo da Silva Limonge - maio de 2020

3ª TEORIA CONCEPCIONISTA: sustenta que o nascituro goza de personalidade jurídica,


inclusive para efeitos patrimoniais (nascituro é pessoa). É a mais moderna e vem sendo
prestigiada no âmbito do Superior Tribunal de Justiça.

Segundo o pensamento de Bevilacqua, a despeito da sedução teórica da corrente


concepcionista, preferiu o legislador, por ser mais prática, adotar a teoria natalista. Todavia, o
próprio autor reconhece a fragilidade desta corrente, ao reconhecer em diversos artigos do CC a
existência de proteção aos direitos do nascituro.

IMPORTANTE!!! O nascituro tem direito a alimentos. Com a nova lei de alimentos gravídicos
não há discussão. São devidos sim, alimentos ao nascituro.

#Nascituro tem direito à reparação por dano moral?


Mãe grávida que acompanhou a tortura do pai no regime militar. Danos morais reconhecidos.

Pai do nascituro assassinado. STJ reconheceu os danos morais por não ter podido
conhecer o pai. O fato de não ter conhecido o pai em vida vai diminuir o quantum. (REsp
399028/SP).

#Grávida com gestação interrompida em razão de acidente de trânsito tem direito ao


recebimento do Seguro DPVAT?

SIM. O STJ decidiu que, se uma gestante se envolve em acidente de carro e, em virtude disso,
sofre um aborto, ela terá direito de receber a indenização por morte do DPVAT, nos termos
do art. 3º, I, da Lei 6.194/74. O Ministro Relator afirmou expressamente que, em sua
opinião, “o ordenamento jurídico como um todo – e não apenas o Código Civil de 2002 –
alinhou-se mais à teoria concepcionista para a construção da situação jurídica do
nascituro, conclusão enfaticamente sufragada pela majoritária doutrina contemporânea”.

#O natimorto goza de proteção jurídica?


Segundo a doutrina, sim, em respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana, devendo-se
respeitar o nome, a memória, a imagem daquele que nasceu morto (enunciado nº 1 da 1ª
jornada de direito civil).

5- EXTINÇÃO DA PERSONALIDADE NATURAL

Somente com a morte real termina a existência da pessoa natural, que pode ser também
simultânea (comoriência).

a) Morte real: prevista no art. 6º CC, ocorre com o diagnóstico da paralisação da atividade
encefálica. A sua prova se faz pela justificação, em caso de catástrofe e não encontro do corpo.
Acarreta a extinção do poder familiar, a extinção dos contratos personalíssimos, a extinção da
obrigação de pagar alimentos, dissolução do vínculo conjugal etc.

b) Morte simultânea ou comoriência: A comoriência traduz uma situação em que duas ou mais
pessoas falecem na mesma ocasião, sem que se possa indicar a ordem cronológica dos óbitos.
Comoriência é um termo do Direito Civil que indica presunção legal de morte simultânea de
duas ou mais pessoas ligadas por vínculos sucessórios. Quando não se sabe quem morreu
primeiro, presumem-se simultâneos.

22
Leopoldo Martins Moreira Neto e William Bossaneli Araújo – atualizado por Carlos Eduardo da Silva Limonge - maio de 2020

Dispõe o art. 8º do Código Civil de 2002:

Art. 8º Se dois ou mais indivíduos falecerem na mesma ocasião, não se


podendo averiguar se algum dos comorientes precedeu aos outros, presumir-
se-ão simultaneamente mortos.

No Brasil não há presunção da ordem dos óbitos (ex.: o mais velho morre antes). Não
se podendo indicar a ordem dos óbitos, presumem-se simultâneos.

IMPORTANTE!!! Para caracterização da comoriência, não há necessidade de que os óbitos


ocorram no mesmo local e situação. Dá-se a comoriência sempre que não se puder identificar a
ordem dos óbitos.

IMPORTANTE!!! Como efeito da comoriência, não há transferência de bens entre os


comorientes.

IMPORTANTE: A presunção decorrente da comoriência é relativa (iuris tantum), podendo ser


afastada por laudo médico ou outra prova efetiva e precisa do momento da morte real. Em caso de
dúvida, no entanto, a jurisprudência tem mantido a presunção legal.

c) Morte civil: Há um resquício dela no CC, art. 1.816, que trata o herdeiro, afastado da herança
por indignidade, como se “morto” fosse antes da abertura da sucessão. Mas somente para afastá-lo
da herança. Conserva, porém, a personalidade para os demais efeitos.

d) Morte presumida: com ou sem a declaração de ausência. Presume-se a morte quanto aos
ausentes quando a lei autoriza a sucessão definitiva.
Art. 6o A existência da pessoa natural termina com a morte; presume-se esta,
quanto aos ausentes, nos casos em que a lei autoriza a abertura de sucessão
definitiva.

A declaração de ausência produz efeitos patrimoniais, permitindo a abertura da sucessão


provisória, e depois a definitiva.

IMPORTANTE!!! O art. 7º do CC permite a declaração de morte presumida, para todos os


efeitos, sem decretação de ausência nos seguintes casos:
I - se for extremamente provável a morte de quem estava em perigo de vida;
II - se alguém, desaparecido em campanha ou feito prisioneiro, não for
encontrado até dois anos após o término da guerra.
Parágrafo único. A declaração da morte presumida, nesses casos, somente poderá
ser requerida depois de esgotadas as buscas e averiguações, devendo a sentença
fixar a data provável do falecimento.

6- INDIVIDUALIZAÇÃO DA PESSOA NATURAL

A pessoa natural se identifica na sociedade pelo nome, pelo estado e pelo domicílio.

6.1. NOME

Conceito: é a designação pela qual a pessoa se identifica no seio da família e da sociedade.


Alguns se identificam pelo pseudônimo. Dispõe o art. 19 CC:
23
Leopoldo Martins Moreira Neto e William Bossaneli Araújo – atualizado por Carlos Eduardo da Silva Limonge - maio de 2020

Art. 19. O pseudônimo adotado para atividades lícitas goza da proteção que se dá
ao nome.

A utilização do nome ou pseudônimo por outrem de maneira ilícita gera direito a


indenização.

6.1.1. Natureza Jurídica

O CC trata o nome como um direito da personalidade. Toda pessoa tem direito ao nome
(art. 16 CC).

Art. 17. O nome da pessoa não pode ser empregado por outrem em publicações ou
representações que a exponham ao desprezo público, ainda quando não haja
intenção difamatória.

Art. 18. Sem autorização, não se pode usar o nome alheio em propaganda
comercial.

Trata-se de direito inalienável e imprescritível, essencial para o exercício regular dos direitos
e cumprimento das obrigações.

6.1.2. Elementos Do Nome Completo

Nome civil = prenome + sobrenome (+ agnome).

Obs.: Agnome traduz a utilização dos termos “filho, neto, júnior, sobrinho...” (William bossaneli
Araujo neto). O agnome é elemento opcional.

6.1.2.1. Prenome

Pode ser livremente escolhido pelos pais desde que não exponham o filho ao ridículo.
Irmãos não podem ter o mesmo nome, a não ser que seja duplo, estabelecendo a distinção.

6.1.2.2. Sobrenome

Sinal que identifica a pessoa indicando a sua filiação ou estirpe. É imutável. Adquire-se com
o nascimento e, portanto, não é escolhido. É obrigatório.

Obs.: No caso de filho havido fora do casamento, não será lançado o nome do pai sem que este
expressamente o autorize. O reconhecimento dos filhos havidos fora do casamento é irrevogável e
será feito pelos modos previstos no art. 1609 CC (escrito particular e testamento).

Obs.: Pseudônimo (ou cognome). Trata-se do nome utilizado por alguém para fins profissionais
lícitos. O pseudônimo não é elemento componente do nome, mas merece a mesma proteção (art. 19
da lei de registros públicos)

IMPORTANTE!!! Nunca confundir pseudônimo com hipocorístico: o pseudônimo é o nome


utilizado para fins profissionais, o hipocorístico é um apelido carinhoso, uma forma de identificação
profissional e pessoalmente (Lula, Xuxa, Pelé...).

24
Leopoldo Martins Moreira Neto e William Bossaneli Araújo – atualizado por Carlos Eduardo da Silva Limonge - maio de 2020

Obs.: O hipocorístico pode ser acrescentado ao nome (Luiz Inácio “lula” da Silva).

6.1.3. Imutabilidade Do Nome

Em se tratando de direito da personalidade, a lei de registros públicos reconhece a


possibilidade de mudança imotivada do nome, a partir do momento em que alcançada a maioridade
civil. Basta, nesse caso específico, a vontade de mudar o nome, nada mais (direito potestativo). Para
essa mudança, o titular deve requerer a mudança ao juiz. O prazo decadencial é de um ano, dos
18 aos 19 anos.

6.1.3.1. Hipóteses De Mudança Do Nome

Até 1999 o Brasil adotava o princípio da imutabilidade absoluta, só sendo possível a


mudança do nome nos casos previstos em lei. Hoje, somos regidos pelo princípio da
imutabilidade RELATIVA, ou seja, é possível mudar não só nos casos previstos em lei, mas
também quando há justificativa plausível, utilizando-se do princípio da razoabilidade.

a) Hipóteses de mudança previstas em lei:

(1) adoção
(2) programa de proteção à testemunha (PROVITA)
(3) nome vexatório
(4) nomes ridículos ou exóticos

b) hipóteses não previstas em lei:

(1) acréscimo do sobrenome do padrasto (com base na tutela jurídica do afeto. É pacífico no
STJ).
(2) viuvez (É admissível o restabelecimento do nome de solteiro na hipótese de dissolução
do vínculo conjugal pelo falecimento do cônjuge. STJ. 3ª Turma. REsp 1724718-MG, Rel.
Min. Nancy Andrighi, julgado em 22/05/2018 - Info 627).
(3) retirada do sobrenome do pai que nunca deu atenção ao filho (STJ).

Obs.: Mudança de nome no casamento e na dissolução do casamento:

 Art. 1565, §1º: permite a qualquer dos noivos acrescerem o nome um do outro. A
mudança de nome é uma faculdade, não uma obrigação.

IMPORTANTE: O cônjuge pode acrescentar sobrenome do outro (§ 1º do art. 1.565, do Código


Civil). Em regra, o sobrenome do marido/esposa é acrescido no momento do matrimônio, sendo
essa providência requerida no processo de habilitação do casamento. A despeito disso, não existe
uma vedação legal expressa para que, posteriormente, no curso do relacionamento, um dos cônjuges
requeira o acréscimo do outro patronímico do seu cônjuge por meio de ação de retificação de
registro civil, especialmente se o cônjuge apresenta uma justificativa. Vale ressaltar que o art.
1.565, §1º do CC não estabelece prazo para que o cônjuge adote o apelido de família do outro, em
se tratando, no caso, de mera complementação, e não alteração do nome. Assim, é possível a
retificação do registro civil para acréscimo do segundo patronímico do marido ao nome da mulher
durante a convivência matrimonial. STJ. 3ª Turma. REsp 1648858-SP, Rel. Min. Ricardo Villas
Bôas Cueva, julgado em 20/08/2019 (Info 655).

25
Leopoldo Martins Moreira Neto e William Bossaneli Araújo – atualizado por Carlos Eduardo da Silva Limonge - maio de 2020

 Art. 1578: como o nome é direito da personalidade, na separação e divórcio a regra


geral é a manutenção do nome, de sorte que só perde o sobrenome se quiser.

EXCEÇÃO: O cônjuge perde obrigatoriamente o nome se preenchidos os requisitos: (1) houver


pedido expresso do outro cônjuge; (2) culpa grave no divórcio/separação; (3) não causar prejuízo à
identificação dos filhos; (4) não causar prejuízo à identificação do próprio cônjuge (ex.: Marta
Suplicy). Essa á uma das poucas hipóteses onde ainda se discute culpa no divórcio/separação.

IMPORTANTE: A regra no ordenamento jurídico é a imutabilidade do prenome (art. 58 da Lei nº


6.015/73). Todavia, sendo o nome civil um direito da personalidade, por se tratar de elemento que
designa o indivíduo e o identifica perante a sociedade, revela-se possível, nas hipóteses previstas em
lei, bem como em determinados casos admitidos pela jurisprudência, a modificação do prenome.
Para que haja, contudo, a retificação de registro civil é necessário que exista uma circunstância
excepcional apta a justificar a alteração do prenome. Ex.: nome que gere constrangimento. Caso
concreto: mulher ingressou com ação pedindo para trocar seu nome de Tatiane para Tatiana, sob a
alegação de que é “popularmente” conhecida como Tatiana. O STJ não aceitou e disse que isso não
é suficiente para afastar o princípio da imutabilidade do prenome, sob pena de se transformar a
exceção em regra. STJ. 3ª Turma. REsp 1728039/SC, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em
12/06/2018.

6.2 ESTADO

É o modo particular de existir.

6.2.1. Aspectos

O estado apresenta três aspectos: individual ou físico, familiar e o político.

a) estado individual: modo de ser da pessoa quanto à idade, sexo, cor, altura, saúde (são ou insano)
etc.

b) estado familiar: é o que indica a situação na família em relação ao matrimônio (solteiro, casado,
viúvo...) e ao parentesco (pai, filho...).

c) estado político: é a qualidade jurídica que advém da posição do indivíduo na sociedade política,
podendo ser nacional (nato ou naturalizado) ou estrangeiro.

6.2.2. Caracteres

Características e atributos do estado:

a) Indivisibilidade: ninguém pode ser simultaneamente casado ou solteiro.


b) Indisponibilidade: trata-se de bem fora do comércio, sendo inalienável e irrenunciável.
c) Imprescritibilidade: não se perde nem se adquire o estado pela prescrição.

26
Leopoldo Martins Moreira Neto e William Bossaneli Araújo – atualizado por Carlos Eduardo da Silva Limonge - maio de 2020

CAPÍTULO II
DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE

1- CONCEITO

Distinguem-se dos direitos de ordem patrimonial por não terem conteúdo econômico
imediato e não se destacarem da pessoa de seu titular. São inerentes à pessoa humana, estando a
ela ligados de maneira perpétua.

Segundo Maria Helena Diniz são “direitos subjetivos da pessoa de defender o que lhe é
próprio, ou seja, a sua integridade física; a sua integridade intelectual; e a sua integridade
moral.”

#E os entes despersonalizados?
Não têm personalidade jurídica, mas são sujeitos de direitos (podem ser contratantes, podem ser
empregado) e têm, em determinados casos, capacidade/personalidade judiciária (capacidade de
ser parte = pode ir a juízo). Frisa-se que, por não ter personalidade jurídica, os entes
despersonalizados NÃO gozam de direitos da personalidade.

Obs.: Discussão na ADI 3510 sobre a possibilidade de pesquisa com células tronco embrionárias. O
STF entendeu que o embrião laboratorial não tem direitos da personalidade, uma vez que o
pré-embrião não se enquadra na condição de nascituro, pois a este, a própria denominação o
esclarece bem, se pressupõe a possibilidade, a probabilidade de vir a nascer, o que não
acontece com esses embriões inviáveis ou destinados ao descarte.

É praticamente unânime na doutrina que os direitos da personalidade estão elencados num


ROL MERAMENTE EXEMPLIFICATIVO. Seria impossível prever todos os direitos a
personalidade.

IMPORTANTE!!! O direito brasileiro traz uma cláusula geral de proteção à personalidade. Esta
cláusula geral é a dignidade da pessoa humana (art. 1º da CF), de modo que todos os direitos da
personalidade (tipificados ou não) perpassam pela dignidade da pessoa humana.

27
Leopoldo Martins Moreira Neto e William Bossaneli Araújo – atualizado por Carlos Eduardo da Silva Limonge - maio de 2020

2- FUNDAMENTOS E CARACTERÍSTICAS
Art. 11. Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são
intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação
voluntária.

São também inalienáveis, imprescritíveis, absolutos (oponíveis erga omnes),


impenhoráveis e vitalícios.
Art. 12. Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade,
e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei.

IMPORTANTE!!! O parágrafo único do art. 12 estabelece que “em se tratando de morto, terá
legitimação para requerer a medida prevista neste artigo o cônjuge sobrevivente, ou qualquer
parente em linha reta, ou colateral até o quarto grau”.

IMPORTANTÍSSIMO!!! O art. 52 CC estabelece que “APLICA-SE ÀS PESSOAS


JURÍDICAS, no que couber, a proteção dos DIREITOS DA PERSONALIDADE.”

2.1. DANO MORAL

O dano moral depende da violação/lesão a direitos da personalidade, ao passo que a


simples e pura dor, sofrimento, não é capaz, por si só, de gerar indenização por dano moral.

Dano moral é resultado, pois, da violação aos direitos da personalidade (violação da honra,
da imagem, da privacidade, da integridade física). Não é imprescindível, para caracterização do
dano moral, a ocorrência de dor, sofrimento (são decorrências do dano moral, não sua causa).
É o que dispõe o enunciado aprovado na V Jornada de Direito Civil: “O dano moral indenizável
não pressupõe necessariamente a verificação de sentimentos humanos desagradáveis como dor ou
sofrimento” (Enunciado n. 445).

#É possível cumular dano moral com dano moral (duas categorias de dano moral)?
Sim. Ex.: dano estético + dano à imagem. Isso é dano moral + dano moral.

O STJ aceita, de forma pacífica, a cumulação de danos morais com danos estéticos. Tal
entendimento encontra-se, inclusive, emoldurado na Súmula 387 do Superior Tribunal de Justiça.

IMPORTANTE: Além do pagamento de uma indenização em dinheiro, presente o dano moral, é


viável uma compensação in natura, conforme reconhece enunciado aprovado na VII Jornada de
Direito Civil (2015): “A compensação pecuniária não é o único modo de reparar o dano
extrapatrimonial, sendo admitida a reparação in natura, na forma de retração pública ou outro
meio” (Enunciado n. 589).

IMPORTANTE!!! A jurisprudência do STJ, majoritariamente, não aceitava o punitive damage.


No Brasil, o dano moral tem caráter meramente compensatório. O dano moral não se presta a punir
o infrator. Pablo Stolze lembra que, embora ainda não aceita amplamente, a teoria do punitive
damage vem ganhando força, inclusive no STJ. Dupla faceta do dano moral (compensar e punir).
Esse panorama tem se alterado para a aceitação ampla da função punitiva do dano moral.

Obs.: Se eu usar a imagem de alguém, indevidamente, para publicar no jornal só elogiando a


pessoa, mesmo assim, existe dano moral a reparar, porque o dano moral é a violação à direito da
28
Leopoldo Martins Moreira Neto e William Bossaneli Araújo – atualizado por Carlos Eduardo da Silva Limonge - maio de 2020

personalidade (no caso imagem), mesmo sem ter havido depreciação do sujeito (dano à imagem
sem dano à honra).

Obs.: Dano moral coletivo. Hoje já se fala em dano moral coletivo (art. 6º, VI, do CDC e art. 1º da
lei da ACP). Ex.: dano ao meio ambiente do trabalho. Essa indenização reverte-se em favor da
coletividade, direcionado a um fundo (Fluid Recovery - art. 13 da lei da ACP), e não em favor de
cada um dos lesados (que podem ingressar com ações individuais).

STJ - DANO MORAL COLETIVO. POSSIBILIDADE (2º


TURMA). Segundo a 2ª turma, o entendimento segundo o qual o
dano moral é incompatível com a ideia de transindividualidade não
pode mais prevalecer. O dano extrapatrimonial coletivo prescinde
da idéia de dor, sofrimento ou abalo psíquico sofrido pelos
indivíduos. Manifesta-se no prejuízo à imagem e moral coletivas e
sua averiguação deve pautar-se nas características próprias aos
interesses difusos e coletivos. Destarte, o dano moral coletivo pode ser
examinado e mensurado.

O entendimento praticamente pacífico, hoje, é pela POSSIBILIDADE da fixação de


dano moral coletivo.

IMPORTANTE: “O dano moral coletivo é a lesão na esfera moral de uma comunidade, isto é, a
violação de direito transindividual de ordem coletiva, valores de uma sociedade atingidos do
ponto de vista jurídico, de forma a envolver não apenas a dor psíquica, mas qualquer abalo
negativo à moral da coletividade, pois o dano é, na verdade, apenas a consequência da lesão à
esfera extrapatrimonial de uma pessoa.” (Min. Mauro Campbell Marques).

O dano moral coletivo não significa a soma de uma série de danos morais individuais. A
ocorrência de inúmeros episódios de danos morais individuais não gera, necessariamente, a
constatação de que houve um dano moral coletivo.

IMPORTANTE: Não basta a mera infringência à lei ou ao contrato para a caracterização do dano
moral coletivo. É essencial que o ato antijurídico praticado atinja alto grau de reprovabilidade
e transborde os lindes do individualismo, afetando, por sua gravidade e repercussão, o círculo
primordial de valores sociais. O dano moral coletivo não pode ser banalizado para evitar o seu
desvirtuamento. STJ. 3ª Turma. REsp 1473846/SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado
em 21/02/2017.

IMPORTANTÍSSIMO!!! #Pode existir dano moral contratual? A violação de um contrato,


por si só, pode implicar em dano moral?
COMO REGRA, NÃO!!! O inadimplemento contratual vai gerar os efeitos do
inadimplemento (perdas e danos). O STJ, todavia, reconhece que, eventualmente, ao se
descumprir um contrato pode-se ferir a dignidade do outro contratante, caso em que haverá
dano moral contratual. Ex.: Quando o plano de saúde nega assistência; corte de energia indevido
etc.

#No que consiste o critério bifásico para fixação de dano moral aplicado por alguns dos
ministros do STJ?

29
Leopoldo Martins Moreira Neto e William Bossaneli Araújo – atualizado por Carlos Eduardo da Silva Limonge - maio de 2020

Pelo método bifásico, fixa-se inicialmente o valor básico da indenização, levando-se em conta a
jurisprudência sobre casos de lesão ao mesmo interesse jurídico. Assim, assegura-se "uma razoável
igualdade de tratamento para casos semelhantes". Em seguida, o julgador chega à indenização
definitiva ajustando o valor básico para mais ou para menos, conforme as circunstâncias específicas
do caso (gravidade do caso, sofrimento das vítimas, condição financeira do responsável, número
de autores etc.).

IMPORTANTE!!! A indenização por dano moral é calculada de acordo com o dano - sistema
aberto. Dessa forma, NÃO pode existir lei que limite a indenização (indenização tarifada).

IMPORTANTE!!! 2.2 DANOS SOCIAIS

O dano  social vem sendo reconhecido pela doutrina como uma nova espécie
de dano reparável, decorrente de comportamentos socialmente reprováveis, pois diminuem o nível
social de tranquilidade, tendo como fundamento legal o art. 944 do CC (A indenização mede-se
pela extensão do dano).

Dano social não é sinônimo de dano moral coletivo. Danos sociais, segundo Antônio
Junqueira de Azevedo, “são lesões à sociedade, no seu nível de vida, tanto por rebaixamento de
seu patrimônio moral — principalmente a respeito da segurança — quanto por diminuição na
qualidade de vida. Os danos sociais são causa, pois, de indenização punitiva por dolo ou culpa
grave, especialmente, repetimos, se atos que reduzem as condições coletivas de segurança, e de
indenização dissuasória, se atos em geral da pessoa jurídica, que trazem uma diminuição do índice
de qualidade de vida da população.” (p. 376).

Os danos sociais são causados por comportamentos exemplares negativos ou condutas


socialmente reprováveis. Alguns exemplos dados por Junqueira de Azevedo: o pedestre que joga
papel no chão, o passageiro que atende ao celular no avião, o pai que solta balão com seu filho. Tais
condutas socialmente reprováveis podem gerar danos como o entupimento de bueiros em dias de
chuva, problemas de comunicação do avião causando um acidente aéreo, o incêndio de casas ou de
florestas por conta da queda do balão etc.
 
Desse modo, diante da ocorrência de ato ilícito, a doutrina moderna tem admitido a
possibilidade de condenação ao pagamento de indenização por dano social, como categoria inerente
ao instituto da responsabilidade civil, além dos danos materiais, morais e estéticos.

Segundo explica Flávio Tartuce, os danos sociais são difusos e a sua indenização deve ser
destinada não para a vítima, mas sim para um fundo de proteção ao consumidor, ao meio ambiente
etc., ou mesmo para uma instituição de caridade, a critério do juiz (Manual de Direito do
Consumidor. São Paulo: Método, 2013, p. 58). É a aplicação da função social da responsabilidade
civil (PEREIRA, Ricardo Diego Nunes. Os novos danos: danos morais coletivos, danos sociais e
danos por perda de uma chance).

Registre-se, ainda, que na V Jornada de Direito Civil do CJF foi aprovado o Enunciado 455,
reconhecendo a existência do denominado dano social: "A expressão dano no art. 944 abrange não
só os danos individuais, materiais ou imateriais, mas também os danos sociais, difusos, coletivos e
individuais homogêneos a serem reclamados pelos legitimados para propor ações coletivas". Para
que haja a condenação em danos sociais, é necessário pedido nesse sentido, sob pena de
julgamento extra petita (STJ - Rcl 12.062-GO -2015).

30
Leopoldo Martins Moreira Neto e William Bossaneli Araújo – atualizado por Carlos Eduardo da Silva Limonge - maio de 2020

3- ATOS DE DISPOSIÇÃO DO PRÓPRIO CORPO

Dispõe o art. 13 e 14 CC:


Art. 13. Salvo por exigência médica, é defeso o ato de disposição do próprio corpo,
quando importar diminuição permanente da integridade física, ou contrariar os bons
costumes.
Parágrafo único. O ato previsto neste artigo será admitido para fins de transplante,
na forma estabelecida em lei especial.

Art. 14. É válida, com objetivo científico, ou altruístico, a disposição gratuita do


próprio corpo, no todo ou em parte, para DEPOIS DA MORTE.
Parágrafo único. O ato de disposição pode ser livremente revogado a qualquer
tempo.

A comercialização de órgãos do corpo humano é expressamente vedada pela CF (art.


199 §4º).

IMPORTANTE!!! Aprovou-se na quarta jornada de Direito Civil o enunciado 276, com o seguinte
teor: “O art. 13 do CC, ao permitir a disposição do próprio corpo por exigência médica, autoriza a
cirurgia de transgenitalização, em conformidade com os procedimentos estabelecidos pelo CFM,
e a consequente alteração do prenome e do sexo no registro civil.”

4- TRATAMENTO MÉDICO DE RISCO


Art. 15. Ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a
tratamento médico ou a intervenção cirúrgica.

5- PROTEÇÃO À PALAVRA E À IMAGEM


Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à
manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra,
ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser
proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe
atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se destinarem a fins
comerciais.

A reprodução da imagem é reprodução da própria pessoa e somente ela pode autorizá-la. A


carta magna foi explícita em assegurar, ao lesado, direito à indenização por dano material ou moral
decorrente da violação da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem da pessoa.

A reprodução da imagem para fins comerciais (ou não, conforme a jurisprudência), sem
autorização do lesado, enseja direito a indenização, ainda que não lhe tenha atingido a honra, a boa
fama ou a respeitabilidade.

IMPORTANTE: Determinada “farmácia de manipulação” utilizou o nome e a imagem da atriz


Giovanna Antonelli, sem a sua autorização, em propagandas de um remédio para emagrecer. O STJ
afirmou que, além da indenização por danos morais e materiais, a atriz também tinha direito à
restituição de todos os benefícios econômicos que a ré obteve na venda de seus produtos (restituição
do “lucro da intervenção”). Lucro da intervenção é uma vantagem patrimonial obtida
indevidamente com base na exploração ou aproveitamento, de forma não autorizada, de um direito
alheio. Dever de restituição do lucro da intervenção é o dever que o indivíduo possui de pagar

31
Leopoldo Martins Moreira Neto e William Bossaneli Araújo – atualizado por Carlos Eduardo da Silva Limonge - maio de 2020

aquilo que foi auferido mediante indevida interferência nos direitos ou bens jurídicos de outra
pessoa. A obrigação de restituir o lucro da intervenção é baseada na vedação do enriquecimento
sem causa (art. 884 do CC). A ação de enriquecimento sem causa é subsidiária. Apesar disso, nada
impede que a pessoa prejudicada ingresse com ação cumulando os pedidos de reparação dos danos
(responsabilidade civil) e de restituição do indevidamente auferido (lucro da intervenção). Para a
configuração do enriquecimento sem causa por intervenção, não se faz imprescindível a existência
de deslocamento patrimonial, com o empobrecimento do titular do direito violado, bastando a
demonstração de que houve enriquecimento do interventor. O critério mais adequado para se fazer a
quantificação do lucro da intervenção é o do enriquecimento patrimonial (lucro patrimonial). A
quantificação do lucro da intervenção deverá ser feita por meio de perícia realizada na fase de
liquidação de sentença, devendo o perito observar os seguintes critérios: a) apuração do quantum
debeatur com base no denominado lucro patrimonial; b) delimitação do cálculo ao período no qual
se verificou a indevida intervenção no direito de imagem da autora; c) aferição do grau de
contribuição de cada uma das partes e d) distribuição do lucro obtido com a intervenção
proporcionalmente à contribuição de cada partícipe da relação jurídica. STJ. 3ª Turma. REsp
1698701-RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 02/10/2018 (Info 634).

IMPORTANTE: Jornal divulgou a foto do cadáver de um indivíduo morto em tiroteio ocorrido em


via pública. Os familiares do morto ajuizaram ação de indenização por danos morais contra o jornal
alegando que houve violação aos direitos de imagem. O STF julgou a ação improcedente
argumentando que condenar o jornal seria uma forma de censura, o que afronta a liberdade de
informação jornalística. STF. 2ª Turma. ARE 892127 AgR/SP, Rel. Min. Carmen Lúcia, julgado em
23/10/2018 (Info 921).

6- PROTEÇÃO À INTIMIDADE
Art. 21. A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do
interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato
contrário a esta norma.

Caso o dano, material ou moral, já tenha ocorrido, o direito a indenização é assegurado


expressamente pela CF (art. 5º X).

IMPORTANTE: Para que seja publicada uma biografia NÃO é necessária a autorização prévia do
indivíduo biografado, das demais pessoas retratadas, nem de seus familiares. Essa autorização
prévia seria uma forma de censura, não sendo compatível com a liberdade de expressão consagrada
pela CF/88. As exatas palavras do STF foram as seguintes: “É inexigível o consentimento de pessoa
biografada relativamente a obras biográficas literárias ou audiovisuais, sendo por igual
desnecessária a autorização de pessoas retratadas como coadjuvantes ou de familiares, em caso de
pessoas falecidas ou ausentes”. Caso o biografado ou qualquer outra pessoa retratada na biografia
entenda que seus direitos foram violados pela publicação, terá direito à reparação, que poderá ser
feita não apenas por meio de indenização pecuniária, como também por outras formas, tais como a
publicação de ressalva, de nova edição com correção, de direito de resposta etc. STF. Plenário. ADI
4815/DF, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 10/6/2015 (Info 789).

IMPORTANTE: Ação de indenização proposta por ex-goleiro do Santos em virtude da veiculação


indireta de sua imagem (por ator profissional contratado), sem prévia autorização, em cenas do
documentário “Pelé Eterno”. O autor alegou que a simples utilização não autorizada de sua imagem,
ainda que de forma indireta, geraria direito a indenização por danos morais, independentemente de
efetivo prejuízo. O STJ não concordou. A representação cênica de episódio histórico em obra

32
Leopoldo Martins Moreira Neto e William Bossaneli Araújo – atualizado por Carlos Eduardo da Silva Limonge - maio de 2020

audiovisual biográfica não depende da concessão de prévia autorização de terceiros ali


representados como coadjuvantes. O STF, no julgamento da ADI 4.815/DF, afirmou que é
inexigível a autorização de pessoa biografada relativamente a obras biográficas literárias ou
audiovisuais bem como desnecessária a autorização de pessoas nelas retratadas como coadjuvantes.
A Súmula 403/STJ é inaplicável às hipóteses de representação da imagem de pessoa como
coadjuvante em obra biográfica audiovisual que tem por objeto a história profissional de terceiro.
STJ. 3ª Turma.REsp 1454016-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Rel. Acd. Min. Ricardo Villas Bôas
Cueva, julgado em 12/12/2017 (Info 621).

CAPÍTULO III
DA AUSÊNCIA

1- DA CURADORIA DOS BENS DO AUSENTE

A situação do ausente passa por três fases:

a) Fase da curadoria (arts. 22 a 25 CC)


b) Fase da sucessão provisória (arts. 26 a 36 CC)
c) Fase da sucessão definitiva (arts. 37 a 39 CC)
Art. 22. Desaparecendo uma pessoa do seu domicílio sem dela haver notícia, se não
houver deixado representante ou procurador a quem caiba administrar-lhe os bens, o
juiz, a requerimento de qualquer interessado ou do Ministério Público,
declarará a ausência, e nomear-lhe-á curador.

Art. 23. Também se declarará a ausência, e se nomeará curador, quando o


ausente deixar mandatário que não queira ou não possa exercer ou continuar o
mandato, ou se os seus poderes forem insuficientes.

Art. 25. O cônjuge do ausente, sempre que não esteja separado judicialmente, ou de
fato por mais de dois anos antes da declaração da ausência, será o seu legítimo
curador.
§ 1o Em falta do cônjuge, a curadoria dos bens do ausente incumbe aos pais ou aos
descendentes, nesta ordem, não havendo impedimento que os iniba de exercer o
cargo.
§ 2o Entre os descendentes, os mais próximos precedem os mais remotos.
§ 3o Na falta das pessoas mencionadas, compete ao juiz a escolha do curador.

2- SUCESSÃO PROVISÓRIA
Art. 26. Decorrido um ano da arrecadação dos bens do ausente, ou, se ele deixou
representante ou procurador, em se passando três anos, poderão os interessados
requerer que se declare a ausência e se abra provisoriamente a sucessão.
33
Leopoldo Martins Moreira Neto e William Bossaneli Araújo – atualizado por Carlos Eduardo da Silva Limonge - maio de 2020

Art. 27. Para o efeito previsto no artigo anterior, somente se consideram


interessados:
I - o cônjuge não separado judicialmente;
II - os herdeiros presumidos, legítimos ou testamentários;
III - os que tiverem sobre os bens do ausente direito dependente de sua morte;
IV - os credores de obrigações vencidas e não pagas.

Art. 28. A sentença que determinar a abertura da sucessão provisória só produzirá


efeito cento e oitenta dias depois de publicada pela imprensa; mas, logo que passe
em julgado, proceder-se-á à abertura do testamento, se houver, e ao inventário e
partilha dos bens, como se o ausente fosse falecido.
§ 1o Findo o prazo a que se refere o art. 26, e não havendo interessados na sucessão
provisória, cumpre ao Ministério Público requerê-la ao juízo competente.
§ 2o Não comparecendo herdeiro ou interessado para requerer o inventário até trinta
dias depois de passar em julgado a sentença que mandar abrir a sucessão provisória,
proceder-se-á à arrecadação dos bens do ausente pela forma estabelecida nos arts.
1.819 a 1.823.

Art. 30. Os herdeiros, para se imitirem na posse dos bens do ausente, darão
garantias da restituição deles, mediante penhores ou hipotecas equivalentes aos
quinhões respectivos.
§ 1o Aquele que tiver direito à posse provisória, mas não puder prestar a garantia
exigida neste artigo, será excluído, mantendo-se os bens que lhe deviam caber sob a
administração do curador, ou de outro herdeiro designado pelo juiz, e que preste
essa garantia.
§ 2o Os ascendentes, os descendentes e o cônjuge , uma vez provada a sua
qualidade de herdeiros, poderão, independentemente de garantia, entrar na posse
dos bens do ausente.

Art. 31. Os imóveis do ausente só se poderão alienar, não sendo por


desapropriação, ou hipotecar, quando o ordene o juiz, para lhes evitar a ruína.

Art. 33. O descendente, ascendente ou cônjuge que for sucessor provisório do


ausente, fará seus todos os frutos e rendimentos dos bens que a este couberem; os
outros sucessores, porém, deverão capitalizar metade desses frutos e
rendimentos, segundo o disposto no art. 29, de acordo com o representante do
Ministério Público, e prestar anualmente contas ao juiz competente.
Parágrafo único. Se o ausente aparecer, e ficar provado que a ausência foi
voluntária e injustificada, perderá ele, em favor do sucessor, sua parte nos frutos e
rendimentos.

Art. 36. Se o ausente aparecer, ou se lhe provar a existência, depois de estabelecida


a posse provisória, cessarão para logo as vantagens dos sucessores nela imitidos,
ficando, todavia, obrigados a tomar as medidas assecuratórias precisas, até a entrega
dos bens a seu dono.

Cessará a sucessão provisória pelo comparecimento do ausente e, converter-se-á em


definitiva: 1) quando houver certeza da morte do ausente, 2) dez anos depois de passado em
julgado a abertura da sucessão provisória, 3) quando o ausente contar 80 anos de idade e
houverem decorridos cinco anos das últimas notícias suas.

3- DA SUCESSÃO DEFINITIVA
Art. 37. Dez anos depois de passada em julgado a sentença que concede a
abertura da sucessão provisória, poderão os interessados requerer a sucessão
definitiva e o levantamento das cauções prestadas.

34
Leopoldo Martins Moreira Neto e William Bossaneli Araújo – atualizado por Carlos Eduardo da Silva Limonge - maio de 2020

Art. 38. Pode-se requerer a sucessão definitiva, também, provando-se que o


ausente conta oitenta anos de idade, e que de cinco datam as últimas notícias
dele.

Art. 39. Regressando o ausente nos dez anos seguintes à abertura da sucessão
definitiva, ou algum de seus descendentes ou ascendentes, aquele ou estes haverão
só os bens existentes no estado em que se acharem, os sub-rogados em seu lugar, ou
o preço que os herdeiros e demais interessados houverem recebido pelos bens
alienados depois daquele tempo.
Parágrafo único. Se, nos dez anos a que se refere este artigo, o ausente não
regressar, e nenhum interessado promover a sucessão definitiva, os bens
arrecadados passarão ao domínio do Município ou do Distrito Federal, se
localizados nas respectivas circunscrições, incorporando-se ao domínio da União,
quando situados em território federal.

TÍTULO II
DAS PESSOAS JURÍDICAS

1- CONCEITO

Pessoas jurídicas são entidades a que a lei empresta personalidade, capacitando-as a serem
sujeitos de direitos e obrigações. Atuam na vida jurídica com personalidade diversa dos indivíduos
que a compõem.

2- NATUREZA JURÍDICA

Várias teorias procuram explicar o fenômeno da “pessoa jurídica”. Podem ser divididas em
dois grupos: teorias da ficção e teorias da realidade.

2.1 TEORIAS DA FICÇÃO

Ficção legal: (Savigny) pessoa jurídica constitui uma criação artificial da lei.

Ficção doutrinaria: criação dos juristas e da doutrina.

Obs.: Não são aceitas. O Estado é uma pessoa jurídica. Dizer que o estado é uma ficção é o mesmo
que dizer que o direito que dele provém também o é.

2.2 TEORIAS DA REALIDADE

Teoria da realidade objetiva: Sustenta que a pessoa jurídica é um ser com vida própria, realidade
sociológica, nasce por imposição das forças sociais. Críticas: grupos sociais não tem vida própria,
personalidade.

35
Leopoldo Martins Moreira Neto e William Bossaneli Araújo – atualizado por Carlos Eduardo da Silva Limonge - maio de 2020

Teoria da realidade jurídica: Considera pessoas jurídicas organizações sociais destinadas a um


serviço ou ofício, e por isso, personificadas. Crítica: não esclarece as sociedades que se organizam
sem finalidade de prestar um serviço.

Teoria da realidade técnica: harmonizou a teoria da ficção e a teoria da realidade objetiva


(orgânica). Para essa teoria, a pessoa jurídica atua nas relações sociais, muito embora a sua
personificação seja decorrência da técnica jurídica. A pessoa jurídica é, portanto, uma realidade
jurídica. A doutrina costuma afirmar que a teoria da realidade técnica foi a adotada pelo CC
brasileiro no art. 45 (art. 45: a personalidade jurídica da pessoa jurídica começa com a inscrição do
ato constitutivo no registro).

3- REQUISITOS PARA A CONSTITUIÇÃO DA PESSOA JURÍDICA

São três: vontade humana (intenção de criar uma entidade distinta da de seus membros),
observância das condições legais e licitude de seus objetivos (objetivos ilícitos ou nocivos
constituem causa de extinção da pessoa jurídica art. 69 CC).

A vontade humana materializa-se no ato de constituição. No caso das associações, esse


ato seria o estatuto. Em se tratando de sociedades simples ou empresárias seriam os contratos
sociais, e escritura pública ou testamento em se tratando de fundações.

O ato constitutivo deve ser levado a registro para que comece, então, a personalidade
jurídica da pessoa de direito privado. Antes do registro, não passará de mera sociedade de fato,
sociedade não personificada. O “nascimento” da pessoa jurídica se dá com o REGISTRO DO
ATO CONSTITUTIVO.

O registro do contrato social da sociedade empresária se dá na junta comercial, enquanto os


atos constitutivos e os estatutos das demais pessoas jurídicas são registrados no cartório de registro
civil de pessoas jurídicas (CRPJ).

IMPORTANTE!!! Algumas pessoas jurídicas ainda precisam de autorização ou aprovação do


poder executivo. Art. 45 CC.
Art. 45. Começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a
inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, precedida, quando
necessário, de autorização ou aprovação do Poder Executivo, averbando-se no
registro todas as alterações por que passar o ato constitutivo.
Parágrafo único. Decai em TRÊS ANOS o direito de anular a constituição das
pessoas jurídicas de direito privado, por defeito do ato respectivo, contado o
prazo da publicação de sua inscrição no registro.

Obs.: Art. 51 CC:

Art. 51. Nos casos de dissolução da pessoa jurídica ou cassada a autorização para
seu funcionamento, ela subsistirá para os fins de liquidação, até que esta se
conclua.
§ 1o Far-se-á, no registro onde a pessoa jurídica estiver inscrita, a averbação de sua
dissolução.
§ 2o As disposições para a liquidação das sociedades aplicam-se, no que couber, às
demais pessoas jurídicas de direito privado.
§ 3o Encerrada a liquidação, promover-se-á o cancelamento da inscrição da pessoa
jurídica.

36
Leopoldo Martins Moreira Neto e William Bossaneli Araújo – atualizado por Carlos Eduardo da Silva Limonge - maio de 2020

De acordo com o art. 75, inc. IX do CPC/15, as sociedades sem personalidade jurídica serão
representadas ativa e passivamente, em juízo, pela pessoa a quem couber a administração de seus
bens.

4- CLASSIFICAÇÃO DA PESSOA JURÍDICA

a) Quanto à nacionalidade: nacional e estrangeira.

b) Quanto à estrutura interna: corporação (conjunto ou reunião de pessoas) e fundação (reunião


de bens).

A corporação visa à realização de fins internos, voltados para seus sócios. A fundação ao
contrário tem fins externos, estabelecidos pelo instituidor. Na corporação também existe
patrimônio, mas é elemento secundário. Na fundação o patrimônio é elemento principal.

As corporações se dividem em associações e sociedades. Sociedades podem ser simples ou


empresárias. As associações não têm fins lucrativos, mas sim morais, culturais, desportivos ou
beneficentes.

IMPORTANTE!!! Art. 57 CC
Art. 57. A exclusão do associado só é admissível havendo justa causa, assim
reconhecida em procedimento que assegure direito de defesa e de recurso, nos
termos previstos no estatuto.

As sociedades simples têm fim econômico e visam lucro, que deve ser distribuído entre os
sócios. Em geral são constituídas por profissionais da mesma área. As sociedades empresárias
também visam lucro. Distinguem-se da sociedade simples porque têm por objeto o exercício de
atividade própria de empresário. Aplicam-se-lhe, no que couber, as disposições concernentes às
associações.

Fundações constituem acervo de bens, que recebem personalidade para a realização de fins
determinados. Compõem-se de dois elementos: o patrimônio e o fim (estabelecido pelo instituidor
e não lucrativo). Somente poderão se constituir para fins religiosos, morais, culturais ou de
assistência.

A formação de uma fundação passa por quatro fases:

1ª) Ato de dotação ou de instituição (reserva de bens livres com indicação dos fins). Faz-se por
escritura pública ou testamento.

2ª) Elaboração dos estatutos. Elaboração direta (pelo próprio instituidor) ou fiduciária (por
pessoa de confiança, por ele designada).
Art. 65. Aqueles a quem o instituidor cometer a aplicação do patrimônio, em tendo
ciência do encargo, formularão logo, de acordo com as suas bases (art. 62), o
estatuto da fundação projetada, submetendo-o, em seguida, à aprovação da
autoridade competente, com recurso ao juiz.
Parágrafo único. Se o estatuto não for elaborado no prazo assinado pelo
instituidor, ou, não havendo prazo, em cento e oitenta dias, a incumbência caberá
ao Ministério Público.
37
Leopoldo Martins Moreira Neto e William Bossaneli Araújo – atualizado por Carlos Eduardo da Silva Limonge - maio de 2020

3ª) Aprovação do estatuto. O estatuto é encaminhado ao MP para aprovação. O MP, em 15 dias,


aprovará o estatuto, indicará modificações que entender necessárias ou denegar-lhe-á aprovação.
Qualquer modificação no estatuto deve ser submetida à aprovação do MP, observando o art. 67 CC.

IMPORTANTE!!! Os bens da fundação são inalienáveis. Mas a inalienabilidade não é


absoluta. Comprovada a necessidade, a alienação pode ser autorizada pelo juiz, ouvido o MP,
aplicando-se o produto da venda na própria fundação. A venda sem autorização judicial é nula.

Obs. Art. 66 CC.


Art. 66. Velará pelas fundações o Ministério Público do Estado onde
situadas.
§ 1o Se funcionarem no Distrito Federal, ou em Território, caberá o encargo
ao Ministério Público Federal. (Vide ADIN nº 2.794-8)
§ 2o Se estenderem a atividade por mais de um Estado, caberá o encargo, em
cada um deles, ao respectivo Ministério Público.

As fundações serão sempre supervisionadas pelo MP, que atua como fiscal da lei por
intermédio da curadoria/veladura das fundações (art. 66). Por regra, a atuação cabe ao MP
estadual, com uma exceção, pois a outra foi declarada inconstitucional pelo STF: para as
fundações que funcionarem em várias unidades da Federação ao mesmo tempo, ou que estenderem
sua atividade por mais de um Estado ou Território, cabe a intervenção conjunta do MP de todos os
estados envolvidos (art. 66, §2º).

4ª) A do registro. Indispensável o registro, que se faz no CRPJ. Só com o registro a fundação
começa a ter existência legal.

A extinção da fundação se dá de acordo com o art. 69 CC:


Art. 69. Tornando-se ilícita, impossível ou inútil a finalidade a que visa a
fundação, ou vencido o prazo de sua existência, o órgão do Ministério Público,
ou qualquer interessado, lhe promoverá a extinção, incorporando-se o seu
patrimônio, salvo disposição em contrário no ato constitutivo, ou no estatuto,
em outra fundação, designada pelo juiz, que se proponha a fim igual ou
semelhante.

c) Quanto à função: as pessoas jurídicas podem ser de direito público ou privado. As de direito
público podem ser de direito público externo (República federativa do Brasil, santa sé, outras
nações, ONU etc.) e de direito público interno. Estas podem ser da administração direta e indireta.
As pessoas jurídicas de direito privado são as corporações (sociedades e associações, partidos
políticos, associações religiosas, sindicatos) e fundações particulares.

Atenção!!! República Federativa do Brasil é pessoa de direito público externo; a União é pessoa
jurídica de direito público interno.

5- DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA (DISREGARD


OF LEGAL ENTITY)
Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio
de finalidade OU pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da
parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo,

38
Leopoldo Martins Moreira Neto e William Bossaneli Araújo – atualizado por Carlos Eduardo da Silva Limonge - maio de 2020

desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações


sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa
jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso. (Redação dada pela Lei nº
13.874, de 2019).
§ 1º Para os fins do disposto neste artigo, desvio de finalidade é a utilização da
pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de
qualquer natureza. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
§ 2º Entende-se por confusão patrimonial a ausência de separação de fato entre os
patrimônios, caracterizada por: (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
I - cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou do
administrador ou vice-versa; (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
II - transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações, exceto os
de valor proporcionalmente insignificante; e (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
III - outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial. (Incluído pela Lei nº
13.874, de 2019)
§ 3º O disposto no caput e nos §§ 1º e 2º deste artigo também se aplica à extensão
das obrigações de sócios ou de administradores à pessoa jurídica. (Incluído pela Lei
nº 13.874, de 2019)
§ 4º A mera existência de grupo econômico sem a presença dos requisitos de que
trata o caput deste artigo não autoriza a desconsideração da personalidade da pessoa
jurídica. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
§ 5º Não constitui desvio de finalidade a mera expansão ou a alteração da
finalidade original da atividade econômica específica da pessoa jurídica. (Incluído
pela Lei nº 13.874, de 2019)

IMPORTANTE: A desconsideração da personalidade jurídica, ainda que com fundamento na


Teoria Menor, não pode atingir o patrimônio pessoal de membros do Conselho Fiscal sem que
haja a mínima presença de indícios de que estes contribuíram, ao menos culposamente e com
desvio de função, para a prática de atos de administração. Caso concreto: consumidor comprou
um imóvel de um cooperativa habitacional, mas este nunca foi entregue; o consumidor ajuizou ação
de cobrança contra a cooperativa, tendo o pedido sido julgado procedente para devolver os valores
pagos; durante o cumprimento de sentença, o juiz, com base na teoria menor, fez a desconsideração
da personalidade jurídica para atingir o patrimônio pessoal dos membros do Conselho Fiscal da
cooperativa; o STJ afirmou que eles não poderiam ter sido atingidos. A despeito de não se exigir
prova de abuso ou fraude para fins de aplicação da Teoria Menor da desconsideração da
personalidade jurídica, tampouco de confusão patrimonial, o § 5º do art. 28 do CDC não dá
margem para admitir a responsabilização pessoal de quem jamais atuou como gestor da
empresa. STJ. 3ª Turma. REsp 1766093-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Rel. Acd. Min. Ricardo
Villas Bôas Cueva, julgado em 12/11/2019 (Info 661).

IMPORTANTE!!! O juiz não pode desconsiderar a personalidade jurídica de ofício, pois a


desconsideração pressupõe um pedido (requerimento da parte ou MP). Este pedido é uma forma de
controle. Contudo, nas hipóteses em que a legislação adota a teoria menor da desconsideração da
personalidade jurídica (ex.: art. 18 do CDC), sustenta-se a possibilidade de desconsideração da
personalidade jurídica de ofício (relações consumeristas e trabalhistas).

Requisitos:

1) Insolvência da pessoa jurídica IMPORTANTE: Nas causas em que a relação jurídica for
cível-empresarial, a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica será regulada pelo
art. 50 do Código Civil. A inexistência ou não localização de bens da pessoa jurídica não é
condição para a desconsideração da personalidade jurídica. O que se exige é a demonstração
da prática de desvio de finalidade ou de confusão patrimonial (art. 50 do CC). Assim, o
incidente de desconsideração da personalidade jurídica pode ser instaurado mesmo nos casos em
39
Leopoldo Martins Moreira Neto e William Bossaneli Araújo – atualizado por Carlos Eduardo da Silva Limonge - maio de 2020

que não for comprovada a inexistência de bens do devedor. STJ. 4ª Turma. REsp 1729554/SP, Rel.
Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 08/05/2018

2) Abuso da personalidade jurídica, pelo desvio de finalidade OU pela confusão patrimonial


(este abuso não pode ser confundido com a intenção de prejudicar).

IMPORTANTE!!! Para se desconsiderar a personalidade jurídica NÃO é necessária a prova do


dolo específico do sócio/administrador (intenção de prejudicar).

Obs.: Desvio de finalidade é a utilização da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e
para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza.

Obs.: Confusão patrimonial é a ausência de separação de fato entre os patrimônios, que se dá


quando se confunde o patrimônio da sociedade com o do sócio ou com o de outra sociedade
(controladora e controlada). Este tipo de desconsideração em que se afasta a personalidade jurídica
de uma entidade para se atingir o sócio(s) da pessoa jurídica que atua por trás (controlada -
controladora), denomina-se desconsideração INDIRETA (afasta-se a personalidade jurídica de
uma pessoa jurídica para se atingir outra pessoa jurídica).

Atenção!!! Desconsideração indireta é diferente de desconsideração inversa (na qual busca-se


atingir o patrimônio da sociedade por dívida contraída pelo sócio – ex.: cônjuge que oculta seu
patrimônio pessoal no patrimônio da sociedade a fim de evitar eventual partilha em divórcio).

IMPORTANTE!!! A desconsideração da personalidade jurídica não decorre somente do desvio de


finalidade que traduza atos fraudatórios contra credores ou a prática de atos ilícitos, podendo o
abuso também consistir na confusão entre o patrimônio social e o dos sócios administradores. Os
efeitos são meramente patrimoniais e sempre relativos a obrigações determinadas, pois a
pessoa jurídica NÃO entra em processo de liquidação (desconsiderar a personalidade jurídica
não é o mesmo que dissolver a pessoa jurídica).

5.1 TEORIA MAIOR X TEORIA MENOR DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE


JURÍDICA.

A teoria maior, adotada no art. 50 do CC, exige, além da insolvência (há entendimento do
STJ de maio de 2018 que dispensa esse requisito, por inexistir referência legal), a prova de
requisitos legais específicos – desvio de finalidade OU confusão patrimonial.

Dica!!!: Teoria maior = mais requisitos, maior diploma (CC).

A teoria menor, mais favorável ao credor, exige apenas a demonstração de insolvência.


Tal teoria foi adotada pelo CDC, pelo direito ambiental e pelo direito do trabalho, onde se aplica
por analogia o CDC.

Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando,


em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder,
infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A
desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de
insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por
má administração.
§ 1° (Vetado).

40
Leopoldo Martins Moreira Neto e William Bossaneli Araújo – atualizado por Carlos Eduardo da Silva Limonge - maio de 2020

§ 2° As sociedades integrantes dos grupos societários e as sociedades


controladas, são subsidiariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes deste
código.
§ 3° As sociedades consorciadas são solidariamente responsáveis pelas
obrigações decorrentes deste código.
§ 4° As sociedades coligadas só responderão por culpa.
§ 5° Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua
personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos
causados aos consumidores.

Dica!!! Teoria menor = menor número de requisitos e menor diploma (CDC)

O CPC/15 trouxe o incidente de desconsideração da personalidade jurídica:

Art. 133.  O incidente de desconsideração da personalidade jurídica será


instaurado a pedido da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber
intervir no processo.
§ 1o O pedido de desconsideração da personalidade jurídica observará os
pressupostos previstos em lei.
§ 2o Aplica-se o disposto neste Capítulo à hipótese de desconsideração inversa
da personalidade jurídica.

Art. 134.  O incidente de desconsideração é cabível em todas as fases do


processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e na execução fundada
em título executivo extrajudicial.
§ 1o A instauração do incidente será imediatamente comunicada ao distribuidor
para as anotações devidas.
§ 2o Dispensa-se a instauração do incidente se a desconsideração da
personalidade jurídica for requerida na petição inicial, hipótese em que será
citado o sócio ou a pessoa jurídica.
§ 3o A instauração do incidente suspenderá o processo, salvo na hipótese do § 2o.
§ 4o O requerimento deve demonstrar o preenchimento dos pressupostos legais
específicos para desconsideração da personalidade jurídica.

Art. 135.  Instaurado o incidente, o sócio ou a pessoa jurídica será citado para
manifestar-se e requerer as provas cabíveis no prazo de 15 (quinze) dias.

Art. 136.  Concluída a instrução, se necessária, o incidente será resolvido por


decisão interlocutória. (Recorrível por agravo de instrumento – art. 1015).
Parágrafo único.  Se a decisão for proferida pelo relator, cabe agravo interno.

Art. 137.  Acolhido o pedido de desconsideração, a alienação ou a oneração de


bens, havida em fraude de execução, será ineficaz em relação ao requerente.

5.2. DESCONSIDERAÇÃO INVERSA

Segundo a Min. Nancy Andrighi, “a desconsideração inversa da personalidade jurídica


caracteriza-se pelo afastamento da autonomia patrimonial da sociedade, para, contrariamente do
que ocorre na desconsideração da personalidade jurídica propriamente dita, atingir o ente coletivo
e seu patrimônio social, de modo a responsabilizar a pessoa jurídica por obrigações do sócio.”
(REsp 1.236.916-RS). Dá-se, como regra, quando a pessoa física oculta seu patrimônio no
patrimônio da pessoa jurídica, valendo-se para tanto da separação patrimonial verificada em relação
à pessoa jurídica. Tudo o que a pessoa tem está em nome da pessoa jurídica. Isto impossibilitaria,
por exemplo, o pagamento de pensão.

41
Leopoldo Martins Moreira Neto e William Bossaneli Araújo – atualizado por Carlos Eduardo da Silva Limonge - maio de 2020

Desconsideração inversa é quando se desconsidera a pessoa física para atingir a pessoa


jurídica.

#Especial perguntas e respostas sobre desconsideração da personalidade jurídica#

1) Diferencie, objetivamente, as teorias maior e menor da desconsideração da personalidade


jurídica das pessoas jurídicas.
 
No Direito pátrio as pessoas jurídicas são consideradas entidades dotadas de existência e
personalidade jurídica próprias e distintas das dos seus membros. Com isso, infere-se que a pessoa
jurídica não se confunde com a figura dos seus sócios, sendo um ente completamente independente
e autônomo em relação a estes. Por conseguinte, em regra, a pessoa jurídica responde pessoalmente,
com seu patrimônio próprio, pelas dívidas que contrai, não sendo possível atingir bens particulares
de seus membros para tanto.
 
Entretanto, paulatinamente, percebeu-se que, muitas vezes, os sócios abusavam da
personalidade independente da pessoa jurídica para praticar atos ilícitos de forma a ficarem imunes
e não serem atingidos. Para evitar tal situação, a doutrina norte-americana desenvolveu a teoria da
desconsideração da personalidade jurídica (disregard of legal entity) de forma a afastar,
episodicamente, a personalidade jurídica da pessoa jurídica e, assim, atingir o patrimônio pessoal
dos sócios.
 
Posteriormente, a doutrina evoluiu e traçou duas vertentes da teoria da desconsideração, uma
maior e outra menor. A TEORIA MAIOR é aquela em que se exige algo a mais, a presença de um
requisito específico (subjetivo ou objetivo) para que se efetive a desconsideração momentânea da
personalidade jurídica. Assim, subdivide-se em: a) teoria maior subjetiva (na qual se exige a
demonstração da fraude ou do abuso com a intenção deliberada de prejudicar terceiros ou fraudar a
lei – exige-se elemento anímico/subjetivo); b) teoria maior objetiva (está centrada na mera
disfunção da empresa por meio de circunstâncias desatreladas da vontade, a exemplo da confusão
patrimonial).
 
A TEORIA MENOR, por sua vez, abrange toda e qualquer situação em que há
comprometimento do patrimônio dos sócios por obrigações da empresa, bastando o mero prejuízo
ao credor para que se possa afastar a personalidade da pessoa jurídica. Não se exige qualquer
requisito subjetivo ou objetivo.

Observa-se, pois, que o ordenamento jurídico doméstico abraçou a TEORIA MAIOR no art. 50 do
CC/2002 e a teoria menor no art. 28, § 5º, do CDC.
 
2) Analise, resumidamente, as hipóteses de desconsideração da personalidade jurídica
previstas no CC/2002.
 
O CC/2002 retratou a teoria maior da desconsideração da personalidade. Para tanto, basta
que se constate uma disfunção da empresa, ou seja, um abuso da personalidade social que pode se
dar de duas formas: a) pelo desvio de finalidade; b) pela confusão patrimonial.

O DESVIO DE FINALIDADE sugere a utilização da pessoa jurídica com o propósito de


lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza.

42
Leopoldo Martins Moreira Neto e William Bossaneli Araújo – atualizado por Carlos Eduardo da Silva Limonge - maio de 2020

A CONFUSÃO PATRIMONIAL, por sua vez, ocorre na medida em que o sócio se utiliza
do patrimônio da pessoa jurídica para efetuar pagamentos de dívidas pessoais ou vice-versa, bem
como quando há transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações, exceto os de
valor proporcionalmente insignificante, atentando, assim, contra o princípio da separação
patrimonial da entidade e de seus membros.

É necessária a demonstração do abuso da personalidade. Por isso, uma mera


irregularidade não é suficiente para que se afaste, provisoriamente, o “véu da sociedade”, assim
como não é requisito para a aplicação da desconsideração a comprovação da insolvência da pessoa
jurídica (segundo posição mais recente do STJ, de maio de 2018). Também é relevante notar que,
uma vez desconsiderada a personalidade da pessoa jurídica, deve-se atingir o patrimônio tão
somente dos sócios abusivos.

Por fim, é de se rememorar o teor do enunciado 146 da Jornada de Direito Civil: “nas
relações civis, interpretam-se restritivamente os parâmetros de desconsideração da personalidade
jurídica previstos no art. 50 (desvio de finalidade ou confusão patrimonial)”.

3) O que vem a ser a “desconsideração inversa” da personalidade jurídica?


 
A desconsideração da personalidade jurídica decorreu da observação de que, por vezes, os
membros de uma pessoa jurídica abusavam da autonomia e independência da entidade para praticar
atos ilícitos de forma que a responsabilidade civil por tais atos ficaria limitada ao ente moral,
deixando os sócios abusivos impunes. Isto porque, em regra, vige o princípio da separação
patrimonial, por meio do qual a pessoa jurídica assume personalidade jurídica e agrega patrimônio
próprio, distintos dos seus membros.

Assim, em casos de abuso da personalidade jurídica, admite-se a desconsideração


momentânea desta para que se possa atingir o patrimônio pessoal dos sócios para saldar dívidas
sociais.  A chamada desconsideração inversa é, como o próprio nome sugere, o reverso da situação
posta, ou seja, é o caso de a pessoa jurídica responder com seu patrimônio por dívidas pessoais
de seus membros.
 
Conquanto seja hipótese excepcional, a jurisprudência nacional já contempla essa
possibilidade, especialmente em sede de Direito de Família, quando o sócio casado transfere bens
que fariam parte da comunhão matrimonial para a pessoa jurídica objetivando fraudar o regime
patrimonial do casamento.

É o que sintetiza o enunciado 283 da Jornada de Direito Civil que reconhece ser “cabível a
desconsideração da personalidade jurídica denominada ‘inversa’ para alcançar bens de sócio que se
valeu da pessoa jurídica para ocultar ou desviar bens pessoais, com prejuízo a terceiro”.

4) O Judiciário pode determinar a desconsideração da personalidade jurídica da pessoa


jurídica de ofício? É preciso a citação pessoal dos sócios para que se possa desconsiderar a
personalidade?
 
Não. A princípio, a aplicação da teoria em apreço demanda iniciativa da parte ou do
Ministério Público (salvo nos casos em que se envolve relação de consumo ou direito
ambiental, onde se aplica a Teoria Menor).

43
Leopoldo Martins Moreira Neto e William Bossaneli Araújo – atualizado por Carlos Eduardo da Silva Limonge - maio de 2020

Inclusive, a doutrina civilista mais abalizada sustenta que a própria pessoa jurídica pode
pedir a desconsideração de sua personalidade para atingir o patrimônio de seus membros. É o que se
concluiu no Enunciado 285 da Jornada de Direito Civil: “a teoria da desconsideração, prevista no
art. 50 do Código Civil, pode ser invocada pela pessoa jurídica em seu favor”.

Quanto à necessidade de citação pessoal dos sócios, com o advento do CPC/15, restou assim
regrado:

Art. 135. Instaurado o incidente, o sócio ou a pessoa jurídica será citado para manifestar-
se e requerer as provas cabíveis no prazo de 15 (quinze) dias.

Se a desconsideração for requerida na petição inicial: § 2o Dispensa-se a instauração do


incidente se a desconsideração da personalidade jurídica for requerida na petição inicial,
hipótese em que será citado o sócio ou a pessoa jurídica.

5) Há alguma relação entre a teoria “ultra vires” e a desconsideração da personalidade


jurídica?
 
A pessoa jurídica tem personalidade jurídica e patrimônio próprio, distinto de seus membros.
Sendo assim, em regra, é a pessoa jurídica quem responde com seus bens pelas dívidas sociais,
sendo inatingível o patrimônio pessoal dos sócios.

Esta regra aplica-se, inclusive, quando os administradores da pessoa jurídica praticam atos
estranhos ao objeto social e com isso causam prejuízo a terceiros por aplicação da teoria da
aparência. Ressalvam-se, no entanto, as hipóteses em que a limitação de poderes do administrador
conste do estatuto social ou, de alguma forma, seja do conhecimento do terceiro ou, ainda, o ato
praticado seja evidentemente estranho ao objeto social da pessoa jurídica (art. 1.015, parágrafo
único, do CC/2002 – teoria dos atos ultra vires – a pessoa jurídica não responde por ato praticado
por seus administradores quando evidentemente estranhos ao objeto social da pessoa jurídica). Com
efeito, a solução adotada pelo Código Civil de 2002 se dá no sentido do acolhimento da teoria dos
atos ultra vires, afirmando, a partir disso, que a sociedade não se vincula se os atos foram
evidentemente estranhos ao objeto social. O STJ já afirmou expressamente que a referida teoria foi
acolhida no direito brasileiro.

A teoria da desconsideração, por sua vez, é situação inversa, na qual se afasta,


provisoriamente, a personalidade própria da pessoa jurídica para se atingir o patrimônio pessoal do
sócio no caso de desvio de finalidade ou de confusão patrimonial (art. 50, do CC/2002).

Portanto, a princípio, são situações diversas com soluções jurídicas díspares. Há, porém,
certa aproximação nas hipóteses que configuram a teoria ultra vires, pois, nestes casos, também os
administradores responderão com seu patrimônio pessoal pelas dívidas que contraíram em nome da
pessoa jurídica com excesso de poderes, mas, em tais situações, os requisitos legais são diversos.

6) Como se caracteriza a desconsideração “expansiva” da personalidade jurídica?


 
Considerando que as pessoas jurídicas têm personalidade jurídica e patrimônio próprio,
distinto de seus membros, em princípio, são elas mesmas que respondem por suas dívidas sociais,
não sendo possível atingir o patrimônio pessoal dos sócios. No entanto, havendo abuso da
personalidade da pessoa jurídica pelos sócios, seja pelo desvio de finalidade ou pela confusão

44
Leopoldo Martins Moreira Neto e William Bossaneli Araújo – atualizado por Carlos Eduardo da Silva Limonge - maio de 2020

patrimonial, é possível desconsiderar a personalidade da entidade e, assim, responsabilizar,


pessoalmente, seus membros (art. 50, CC/2002).

Inclusive, atualmente já se fala na doutrina na expansão da desconsideração da


personalidade jurídica como forma de atingir o patrimônio de sócios ocultos, quando há a
utilização de “laranjas” para cometimento de atos ilícitos. É possível que, por vezes, os sócios
ocultos encontrem-se escondidos na empresa sucessora ou em sociedade empresária diversa. É o
caso, por exemplo, de os sócios resolverem encerrar irregularmente a atividade da pessoa jurídica e,
paralelamente, criar outra sociedade, cujas atribuições são idênticas, ou ao menos bem
assemelhadas, às da primeira, como forma de fraudar a lei. Nestas situações, fala-se na
desconsideração expansiva (ou econômica) da personalidade jurídica para, episodicamente,
afastar o véu da sociedade nova e responsabilizar os sócios que nela se ocultam. A
jurisprudência tem aceitado essa expansão, desde que comprovada a presença do sócio oculto.

7) É viável a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica em processo


administrativo?
 
Conquanto não haja previsão expressa na legislação, há renomada doutrina que sustenta a
possibilidade de o Poder Público, independentemente de decisão judicial, desconsiderar a
personalidade jurídica quando constatar fraudes ou abusos, sobretudo em procedimentos
licitatórios e, assim, evitar prejuízo ao Erário ou à qualidade dos serviços públicos.

Por certo, devem ser observados os requisitos legais dispostos no art. 50, do CC/2002, além
do devido processo legal, assegurando-se o contraditório e a ampla defesa. É o que explicam
ROSENVALD e CHAVES ao lecionar que: “independentemente de decisão judicial, é possível
ao Poder Público desconsiderar a personalidade jurídica para obstar que sociedades de
fachada celebrem contratos com o Estado ou declarar a ineficácia de determinados atos que
impliquem em prejuízo aos interesses públicos ou violação a texto legal. Sempre, porém,
dependendo da prova de ocorrência de um dos requisitos contemplados no art. 50 do Código
Civil”.
 
Também o STJ já teve oportunidade de abraçar a teoria, asseverando que “a Administração
Pública pode, em observância ao princípio da moralidade administrativa e da indisponibilidade dos
interesses públicos tutelados, desconsiderar a personalidade jurídica de sociedade constituída com
abuso de forma e fraude à lei, desde que facultado ao administrado o contraditório e a ampla defesa
em processo administrativo regular” (STJ, ROMS 15166/BA, DJU 08/09/2003).

8) Admite-se a desconsideração da personalidade jurídica quando há insuficiência do capital


social subscrito pelos sócios?
 
Ao firmarem o contrato social, os sócios assumem diversas obrigações, dentre as quais se
encontra o pagamento à sociedade da sua respectiva participação na formação do capital social. A
este ato dá-se o nome de subscrição, por meio do qual o sócio promete transferir à pessoa jurídica
determinado valor ou bens, quando, então, fala-se que o capital social estará integralizado.

Todavia, enquanto não integralizado por completo o capital social, o sócio responde
solidária e integralmente pelas dívidas da empresa, caso esta se mostre insolvente. Observa-se, pois,
que a sub capitalização implica na tentativa de reduzir os riscos do empreendimento, na medida em
que o sócio que deixa de integralizar sua cota social não arrisca perder seu patrimônio se a atividade
da empresa acarretar prejuízos.
45
Leopoldo Martins Moreira Neto e William Bossaneli Araújo – atualizado por Carlos Eduardo da Silva Limonge - maio de 2020

Por tal razão, ROSENVALD e CHAVES defendem que “em casos tais, nos quais ocorre a
infra capitalização de uma sociedade, há de se aplicar a desconsideração da personalidade jurídica
com base no abuso praticado pelo sócio que pretendeu fugir dos prováveis riscos do negócio,
atendido um de seus pressupostos legais”.

9)  Explique, objetivamente, em que situação pode ocorrer a desconsideração indireta da


personalidade jurídica.

A desconsideração indireta não se confunde com a hipótese de desconsideração inversa.


Nesta última, ocorre o contrário da regra geral, ou seja, a pessoa jurídica é chamada a responder por
dívida pessoal de seu sócio em casos como o de transferência de patrimônio do casal para a empresa
como forma de fraudar o regime matrimonial de bens.

A DESCONSIDERAÇÃO INDIRETA, por sua vez, subsiste com frequência nos casos de
empresas controladora e controlada, sobretudo quando a primeira se utiliza da segunda para
praticar fraudes e abusos diversos, sendo possível, nestes casos, levantar o véu da sociedade
controlada para atingir o patrimônio da controladora. É o que ensinam ROSENVALD e
CHAVES:“Nessa hipótese, encontra-se a chamada desconsideração indireta da personalidade
jurídica, através da qual é permitido o levantamento episódico do véu protetivo da empresa
controlada para responsabilizar a empresa-controladora (ou coligada...) por atos praticados com
aquela de modo abusivo ou fraudulento”.

6- EXTINÇÃO DA PESSOA JURÍDICA

A dissolução convencional é aquela deliberada pelos próprios sócios ou administradores.

A dissolução administrativa decorre da cassação do ato de funcionamento (ex.: BACEN


cassando licença do banco).

A dissolução judicial se dá por meio de processo (falência e recuperação).

A dissolução legal se dá em razão de motivo determinante em lei.

A dissolução natural resulta da morte de seus membros.

46
Leopoldo Martins Moreira Neto e William Bossaneli Araújo – atualizado por Carlos Eduardo da Silva Limonge - maio de 2020

TÍTULO III
DO DOMICÍLIO

1- DOMICÍLIO DA PESSOA NATURAL

É em regra no foro de seu domicílio que o réu é procurado para ser citado.

1.1. CONCEITO

É a sede jurídica da pessoa. É onde ela se presume presente para efeitos de direito. Onde
pratica habitualmente seus atos e negócios jurídicos.

Domicílio é o lugar onde a pessoa estabelece a sua residência com ânimo definitivo (art. 70
CC). Portanto RESIDÊNCIA é o elemento objetivo do conceito de domicílio . O elemento
subjetivo é o ÂNIMO DEFINITIVO. Domicílio não se confunde com habitação ou morada,
sendo esses os locais que a pessoa ocupa esporadicamente.

Uma pessoa pode ter um só domicílio e várias residências. Pode também ter mais de um
domicílio. Basta que tenha diversas residências onde alternativamente viva.

Art. 71. Se, porém, a pessoa natural tiver diversas residências, onde,
alternadamente, viva, considerar-se-á domicílio seu qualquer delas.

O art. 72 CC consagra o domicílio profissional:


Art. 72. É também domicílio da pessoa natural, quanto às relações concernentes à
profissão, o lugar onde esta é exercida.
Parágrafo único. Se a pessoa exercitar profissão em lugares diversos, cada um
deles constituirá domicílio para as relações que lhe corresponderem.

47
Leopoldo Martins Moreira Neto e William Bossaneli Araújo – atualizado por Carlos Eduardo da Silva Limonge - maio de 2020

É possível que alguém tenha domicílio sem ter residência fixa. Caso dos ciganos,
andarilhos etc. Eles têm seu domicílio onde forem encontrados.
Art. 73. Ter-se-á por domicílio da pessoa natural, que não tenha residência habitual,
o lugar onde for encontrada.

1.2 ESPÉCIES DE DOMICÍLIO

O domicílio pode ser voluntário ou necessário.

Voluntário: pode ser geral (fixado livremente) ou especial (fixado com base no contrato:
foro contratual ou de eleição). O geral pode ser mudado de acordo com o art. 74 CC.
Art. 74. Muda-se o domicílio, transferindo a residência, com a intenção manifesta
de o mudar.
Parágrafo único. A prova da intenção resultará do que declarar a pessoa às
municipalidades dos lugares, que deixa, e para onde vai, ou, se tais declarações não
fizer, da própria mudança, com as circunstâncias que a acompanharem.

O domicílio fixado em contrato é previsto no art. 78 CC.


Art. 78. Nos contratos escritos, poderão os contratantes especificar domicílio onde
se exercitem e cumpram os direitos e obrigações deles resultantes.

O foro de eleição está previsto no art. 63 do CPC/15. A parte beneficiada pelo foro de
eleição pode abrir mão do benefício e ajuizar a ação no domicílio do réu. Não se tem admitido o
foro de eleição no contrato de adesão, salvo demonstrando a inexistência de prejuízo para o
aderente.

Art. 63.  As partes podem modificar a competência em razão do valor e do


território, elegendo foro onde será proposta ação oriunda de direitos e
obrigações.
§ 1o A eleição de foro só produz efeito quando constar de instrumento escrito e
aludir expressamente a determinado negócio jurídico.
§ 2o O foro contratual obriga os herdeiros e sucessores das partes.
§ 3o Antes da citação, a cláusula de eleição de foro, se abusiva, pode ser
reputada ineficaz de ofício pelo juiz, que determinará a remessa dos autos ao
juízo do foro de domicílio do réu.
§ 4o Citado, incumbe ao réu alegar a abusividade da cláusula de eleição de foro
na contestação, sob pena de preclusão.

Domicílio necessário ou legal: é o determinado pela lei, em razão da condição ou situação


de certas pessoas.
Art. 76. Têm DOMICÍLIO NECESSÁRIO o incapaz, o servidor público, o
militar, o marítimo e o preso.
Parágrafo único. O DOMICÍLIO DO INCAPAZ é o do seu representante ou
assistente; o do SERVIDOR PÚBLICO, o lugar em que exercer
permanentemente suas funções; o do MILITAR, onde servir, e, sendo da
Marinha ou da Aeronáutica, a sede do comando a que se encontrar
imediatamente subordinado; o do MARÍTIMO, onde o navio estiver
matriculado; e o do PRESO, o lugar em que cumprir a sentença.

IMPORTANTE!!! O domicílio do preso é o local onde se encontra cumprindo a sentença, ou seja,


tem que ser preso condenado e não provisório.

48
Leopoldo Martins Moreira Neto e William Bossaneli Araújo – atualizado por Carlos Eduardo da Silva Limonge - maio de 2020

2- DOMICÍLIO DA PESSOA JURÍDICA


Art. 75. Quanto às pessoas jurídicas, o domicílio é:
I - da União, o Distrito Federal;
II - dos Estados e Territórios, as respectivas capitais;
III - do Município, o lugar onde funcione a administração municipal;
IV - das demais pessoas jurídicas, o lugar onde funcionarem as respectivas
diretorias e administrações, ou onde elegerem domicílio especial no seu
estatuto ou atos constitutivos.
§ 1o Tendo a pessoa jurídica diversos estabelecimentos em lugares diferentes,
cada um deles será considerado domicílio para os atos nele praticados.
§ 2o Se a administração, ou diretoria, tiver a sede no estrangeiro, haver-se-á por
domicílio da pessoa jurídica, no tocante às obrigações contraídas por cada uma das
suas agências, o lugar do estabelecimento, sito no Brasil, a que ela corresponder.

LIVRO II
DOS BENS

1- NOÇÕES INTRODUTÓRIAS

Bens são coisas materiais ou imateriais úteis aos homens e de expressão econômica,
suscetíveis de apropriação.

Corpóreos são os bens que tem existência física ou material, e podem ser tangidos pelo
homem (podem ser objetos de compra e venda). Incorpóreos são os que têm existência abstrata,
mas têm valor econômico, como o direito autoral, o crédito etc. (é objeto de cessão). Ambos
integram o patrimônio da pessoa.

Em sentido amplo, o conjunto de bens, de qualquer ordem, pertencentes a um titular,


constitui o seu patrimônio.

Certas coisas, insuscetíveis de apropriação pelo homem, como o ar atmosférico, o mar etc.
são chamados de coisas comuns e, por conseguinte, não podem ser objeto de relação jurídica.
Entretanto, sendo possível sua apropriação em porções limitadas, tornam-se objeto de direito.

As coisas sem dono são chamadas de res nullius. Podem ser apropriadas por quem a
encontrar. A coisa móvel abandonada é chamada de res derelicta. O seu titular a lançou fora com
a intenção de não a ter mais para si, de forma que pode ser apropriada por outra pessoa.

2- CLASSIFICAÇÃO

2.1. BEM DE FAMÍLIA

49
Leopoldo Martins Moreira Neto e William Bossaneli Araújo – atualizado por Carlos Eduardo da Silva Limonge - maio de 2020

2.1.1 Bem de família VOLUNTÁRIO (arts. 1.711 e ss. do Código Civil).

 Conceito – O bem de família voluntário é instituído por ato de vontade do casal (casado ou
em união estável – unidade familiar) ou por ato de terceiro e registrado no Cartório de
Imóveis (art. 167, I, 1, da LRP).

Para instituir o bem de família voluntário na forma do Código Civil deve-se lavrar um
instrumento constituindo aquele imóvel como bem de família e levar a registro perante o cartório de
imóveis. Exige-se, pois:

1) manifestação de vontade e
2) registro.

 Efeitos - Feita essa inscrição no cartório de imóveis, dois efeitos decorrem do bem de
família voluntário:

 Impenhorabilidade
Relativas
 Inalienabilidade

A partir do momento que os instituidores registram o bem de família voluntário,


torna-se o bem, a partir de então, inalienável. Perde-se a liberdade de vendê-lo ou doa-lo como
antes. Agora, para fazer isso, é necessária a observância de certas formalidades que antes não havia.
A inalienabilidade está prevista no art. 1.717, do Código Civil:

Art. 1.717. O prédio e os valores mobiliários, constituídos como bem da família,


não podem ter destino diverso do previsto no art. 1.712 ou serem alienados sem o
consentimento dos interessados e seus representantes legais, ouvido o Ministério
Público.

Então, para vender o bem de família, tem de colher a manifestação de todos os interessados,
não só da minha vontade, mas também da minha esposa e, se houver incapazes, haverá intervenção
do MP. Para poder vender, é preciso CANCELAR o registro do bem de família.

“Registrado o bem de família voluntário, ele se torna impenhorável por dívidas futuras,
com as ressalvas do art. 1.715.”

Art. 1.715. O bem de família é isento de execução por dívidas posteriores à sua
instituição, SALVO as que provierem de TRIBUTOS relativos ao prédio, ou de
despesas de condomínio.
Parágrafo único. No caso de execução pelas dívidas referidas neste artigo, o saldo
existente será aplicado em outro prédio, como bem de família, ou em títulos da
dívida pública, para sustento familiar, salvo se motivos relevantes aconselharem
outra solução, a critério do juiz.

A impenhorabilidade que deriva da instituição do bem de família voluntário, como se vê,


NÃO É ABSOLUTA.

 Características especiais do bem de família voluntário – O Código Civil trouxe duas


grandes inovações no tratamento do bem de família voluntário:

50
Leopoldo Martins Moreira Neto e William Bossaneli Araújo – atualizado por Carlos Eduardo da Silva Limonge - maio de 2020

a) O bem de família não poderá ultrapassar o teto de 1/3 do patrimônio líquido dos
instituidores.

b) O bem de família poderá abranger valores mobiliários (inclusive rendas).

Não pode o bem de família voluntário ultrapassar 1/3 do patrimônio dos instituidores.

Art. 1.711. Podem os cônjuges, ou a entidade familiar, mediante escritura pública


ou testamento, destinar parte de seu patrimônio para instituir bem de família,
DESDE QUE NÃO ULTRAPASSE UM TERÇO DO PATRIMÔNIO
LÍQUIDO EXISTENTE AO TEMPO DA INSTITUIÇÃO, mantidas as regras
sobre a impenhorabilidade do imóvel residencial estabelecida em lei especial.
Parágrafo único. O terceiro poderá igualmente instituir bem de família por
testamento ou doação, dependendo a eficácia do ato da aceitação expressa de ambos
os cônjuges beneficiados ou da entidade familiar beneficiada.

O terceiro aí é um avô, por exemplo, que poderá destinar um apartamento como bem de
família voluntário.

O Código permite que na mesma escritura que afeta o apartamento como bem de família, se
afete também um VALOR MOBILIÁRIO, uma renda que mantém o imóvel. Não é qualquer
renda, mas uma renda que conserva o imóvel.

Art. 1.712. O bem de família consistirá em prédio residencial urbano ou rural, com
suas pertenças e acessórios, destinando-se em ambos os casos a domicílio familiar,
e PODERÁ ABRANGER VALORES MOBILIÁRIOS, cuja renda será
aplicada na conservação do imóvel e no sustento da família.

Então, o valor que tenho depositado em fundo de investimento, por exemplo, é valor
mobiliário. Posso dizer, na escritura, que transformo em bem de família o apartamento e a renda
que o mantém.

Obs.: Situação diversa pode ocorrer: por necessidade econômica, o casal poderá ser compelido a
alugar o seu único imóvel residencial. Pergunta-se: #Neste caso, a renda proveniente do aluguel é
impenhorável pelas regras do bem de família?

Por necessidade econômica, o casal teve que sair do imóvel. Alugou a única casa que tinha e
passou a viver na casa de parentes, vivendo da renda de aluguel do seu único imóvel. #A renda de
aluguel que seu imóvel produz e que mantém a família é impenhorável?

“O STJ já pacificou entendimento no sentido de ser impenhorável a renda produzida pelo


único imóvel residencial locado a terceiros. (REsp 439.920/SP)”.

Súmula 486-STJ: É impenhorável o único imóvel residencial do devedor que esteja locado
a terceiros, desde que a renda obtida com a locação seja revertida para a subsistência ou a moradia
da sua família.

IMPORTANTE: Segundo a redação literal da súmula 486-STJ, "é impenhorável o único imóvel
RESIDENCIAL do devedor que esteja locado a terceiros, desde que a renda obtida com a locação
seja revertida para a subsistência ou a moradia da sua família." A 2ª Turma do STJ, contudo,
ampliou esta proteção e decidiu que também é impenhorável o único imóvel COMERCIAL do
devedor que esteja alugado quando o valor do aluguel é destinado unicamente ao pagamento
51
Leopoldo Martins Moreira Neto e William Bossaneli Araújo – atualizado por Carlos Eduardo da Silva Limonge - maio de 2020

de locação residencial por sua entidade familiar. STJ. 2ª Turma. REsp 1616475-PE, Rel. Min.
Herman Benjamin, julgado em 15/9/2016 (Info 591).

 Administração do bem de família voluntário – art. 1.720.

Art. 1.720. Salvo disposição em contrário do ato de instituição, a administração do


bem de família COMPETE A AMBOS OS CÔNJUGES, resolvendo o juiz em
caso de divergência.
Parágrafo único. Com o falecimento de ambos os cônjuges, a administração
passará ao filho mais velho, se for maior, e, do contrário, a seu tutor.

 Extinção do bem de família voluntário – art. 1.722

Art. 1.722. Extingue-se, igualmente, o bem de família com a morte de ambos os


cônjuges e a maioridade dos filhos, desde que não sujeitos a curatela.

2.1.2 Bem de família LEGAL (regulado pela Lei nº 8.009/90)

Esse sim, diferentemente do voluntário, protege a todos. O bem de família legal é


disciplinado pela Lei n.º 8.009/90.

IMPORTANTE!!! Essa lei que consagrou o bem de família legal poderia ser aplicada para
situações de penhora anteriores a ela? Sabemos que lei civil, como regra, não retroage. O que
retroage é norma penal benéfica. O STJ, em uma interpretação social de resgate à dignidade da
pessoa humana, a despeito do posicionamento no sentido de que o ato jurídico perfeito deve ser
preservado, sumulou que a Lei 8.009 poderia ser aplicada para situações anteriores à sua
vigência.

“A Súmula 205, do STJ, resguardando o âmbito existencial mínimo da pessoa do devedor,


admite a aplicação da Lei 8.009/90 para penhoras realizadas antes da sua vigência.”

IMPORTANTE!!! A lei 8.009/90 resguarda o bem de família de todos, independentemente de


registro cartorário.

Alcance do bem de família legal:

Art. 1º O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é


impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial,
fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais
ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas
nesta lei.
Parágrafo único. A impenhorabilidade compreende o imóvel sobre o qual se
assentam a construção, as plantações, as benfeitorias de qualquer natureza e todos os
equipamentos, inclusive os de uso profissional, ou móveis que guarnecem a casa,
desde que quitados.

#Qual é a hermenêutica do STJ em relação à interpretação do parágrafo único? A proteção


atinge vários bens. É ampla. Contudo, em mais de um julgado, interpretando o alcance do bem de
família legal, o imóvel, em algumas hipóteses, pode ser desmembrado para efeito de penhora.
Isso é limitar o alcance da norma.

52
Leopoldo Martins Moreira Neto e William Bossaneli Araújo – atualizado por Carlos Eduardo da Silva Limonge - maio de 2020

“O STJ, em mais de uma oportunidade (REsp 206.693/SC, REsp 510.643/DF, REsp


501.122/RS), bem como no noticiário de 15/05/2007, tem admitido o desmembramento do imóvel
para efeito de penhora.”

Súmula 449-STJ: A vaga de garagem que possui matrícula própria no registro de imóveis
não constitui bem de família para efeito de penhora.

#Quais são os bens móveis protegidos pela Lei 8.009?

Art. 2º EXCLUEM-SE DA IMPENHORABILIDADE os veículos de transporte,


obras de arte e adornos suntuosos.
Parágrafo único. No caso de imóvel locado, a impenhorabilidade aplica-se aos bens
móveis quitados que guarneçam a residência e que sejam de propriedade do
locatário, observado o disposto neste artigo.

A lei não diz o que está protegido. Diz o que não está protegido.

Exemplos, na jurisprudência brasileira e doutrina, de bens móveis protegidos pela Lei 8.009:
Freezer, máquina de lavar, máquina de secar, computador, televisão, ar-condicionado, instrumento
musical (teclado).

#Vaga de garagem é protegida pela Lei 8009? Cuidado com CESPE porque STJ tem firmado
entendimento a respeito disso:

IMPORTANTE!!! O STJ já consolidou que vaga de garagem com matrícula e registro


próprios é penhorável e NÃO constitui bem de família: Súmula 449.

A garagem, se tiver registro separado, vai ser penhorada. Se estiver conjugada com a área
privativa do apartamento, está protegida. A questão é investigar se há matrícula e registros
separados ou não para efeito de penhora.

O teto de 1/3 do patrimônio líquido é instituído para o bem de família voluntário. A lei 8.009
protege o seu apartamento independentemente de teto.

IMPORTANTE!!! Essa impenhorabilidade do bem de família legal NÃO é absoluta. É relativa.

IMPORTANTE: A proteção legal conferida ao bem de família pela Lei nº 8.009/90 não pode
ser afastada por renúncia do devedor ao privilégio, pois é princípio de ordem pública,
prevalente sobre a vontade manifestada. A despeito disso, o bem de família legal não gera
inalienabilidade. Logo, é possível que o proprietário pratique atos de disposição dele,
podendo, por exemplo, oferecê-lo como objeto de alienação fiduciária em garantia. A
utilização abusiva do direito à proteção do bem de família viola o princípio da boa-fé objetiva e,
portanto, não deve ser tolerada. Assim, deve ser afastado o benefício conferido ao titular do bem de
família que exerce o direito em desconformidade com o ordenamento jurídico. STJ. 4ª Turma. REsp
1595832-SC, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 29/10/2019 (Info 664).

 Exceções à impenhorabilidade do bem de família legal (ponto mais importante)

São aquelas trazidas pelo art. 3º. Doutrinariamente, entende-se que essas exceções à
impenhorabilidade do bem de família da lei 8009/90, que são de ordem pública, devem ser

53
Leopoldo Martins Moreira Neto e William Bossaneli Araújo – atualizado por Carlos Eduardo da Silva Limonge - maio de 2020

aplicadas também ao bem de família voluntário, sob pena de se abrir uma grande brecha para
fraudes no direito brasileiro:

Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil,


fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, SALVO SE MOVIDO:
I - (REVOGADO pela LC 150/2015).

O inc. I trazia a hipótese em que o bem de família poderia ser penhorado para o pagamento
dos créditos dos trabalhadores da própria residência e das respectivas contribuições previdenciárias,
porém tal possibilidade foi REVOGADA pela LC 150/2015.

II - pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à


aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do
respectivo contrato;

Se o agente financeiro financiou a construção ou a aquisição de sua casa própria, não lhe
será oponível a proteção/impenhorabilidade decorrente da figura do bem de família.

IMPORTANTE: O crédito oriundo de contrato de empreitada para a construção, ainda que parcial,
de imóvel residencial, encontra-se nas exceções legais à impenhorabilidade do bem de família. Ex.:
João comprou uma casa antiga para reformar e passar a morar ali com a família. Ele contratou a
empresa FB Engenharia para fazer a reforma. A empresa terminou o serviço e João passou a residir
no local. Ocorre que ele não pagou as últimas parcelas do contrato com a empresa e ficou devendo
R$ 40 mil, materializado em notas promissórias. O imóvel onde João reside poderá ser penhorado
para pagar a dívida, sendo essa uma exceção à impenhorabilidade do bem de família. Fundamento:
art. 3º, II, da Lei nº 8.009/90. Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de
execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido: (...) II - pelo
titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no
limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato; STJ. 4ª Turma.
REsp 1221372-RS, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 15/10/2019 (Info 658).

IMPORTANTE: O art. 3º, II, da Lei nº 8.009/90 prevê que o bem de família poderá ser penhorado
para a cobrança de “crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do
imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato”. A
exceção prevista neste inciso II do art. 3º deve ser estendida também aos casos em que o
proprietário firma contrato de promessa de compra e venda do imóvel e, após receber parte do preço
ajustado, se recusa a adimplir com as obrigações avençadas ou a restituir o numerário recebido, e
não possui outro bem passível de assegurar o juízo da execução. STJ. 3ª Turma. AgRg no AREsp
806.099/SP, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 08/03/2016.
III – pelo credor da pensão alimentícia, resguardados os direitos, sobre o bem,
do seu coproprietário que, com o devedor, integre união estável ou conjugal,
observadas as hipóteses em que ambos responderão pela dívida;        (Redação
dada pela Lei nº 13.144 de 2015)

Não haverá proteção inerente à figura do bem de família se o processo foi movido pelo
credor de pensão alimentícia. A esposa ingressou com execução, o apartamento do ex-marido
devedor pode ser penhorado.

IV - para cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas


em função do imóvel familiar;

54
Leopoldo Martins Moreira Neto e William Bossaneli Araújo – atualizado por Carlos Eduardo da Silva Limonge - maio de 2020

É o caso do processo movido para cobrança de impostos (predial ou territorial), taxas e


contribuições devidas em função do imóvel. Esse inciso IV se baseou no conceito de tributo
(imposto, taxa e contribuição) e diz que não há proteção do bem de família se o processo foi
movido para pagamento de imposto devido em função do imóvel (IPTU, ITR etc.). A exceção
da lei refere-se à cobrança de tributos vinculados ao imóvel.

IMPORTANTE: Para a aplicação da exceção à impenhorabilidade do bem de família prevista no


art. 3º, IV, da Lei nº 8.009/90 é preciso que o débito de natureza tributária seja proveniente do
próprio imóvel que se pretende penhorar. Exemplo: João celebrou com Pedro contrato de “permuta
de imóveis urbanos”. Ficou acertado que João transmitiria a propriedade de sua casa para Pedro e,
em troca, Pedro faria a transferência de seu apartamento a João. Ficou consignado que cada parte
iria transmitir o imóvel sem quaisquer dívidas tributárias. Depois da permuta e da transferência da
posse, Pedro constatou que a casa cedida por João possuía débitos de IPTU. Para regularizar a
situação, Pedro quitou essas dívidas. Em seguida, Pedro ajuizou ação contra João pedindo o
ressarcimento desses valores considerando que houve um descumprimento do contrato neste ponto.
O pedido foi julgado procedente. No cumprimento de sentença, Pedro pediu a penhora do
apartamento que, depois da permuta, passou a pertencer a João e que é seu bem de família. Essa
penhora não pode ser deferida porque não se enquadra no inciso IV do art. 3º da Lei. Pode-se
apontar três argumentos principais: • A dívida era referente a outro imóvel (e não ao que se pretende
penhorar). • Não se está cobrando um imposto devido em função do imóvel; o que se está
pleiteando é o ressarcimento decorrente de inadimplemento contratual. • As hipóteses de exceção à
regra da impenhorabilidade do bem de família são taxativas, não comportando interpretação
extensiva. STJ. 3ª Turma. REsp 1332071-SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em
18/02/2020 (Info 665).

Obs.: “O Supremo Tribunal Federal já firmou entendimento, seguido pelo STJ, no sentido de que A
COBRANÇA DE TAXA DE CONDOMÍNIO RESULTA TAMBÉM NA PENHORA DO
IMÓVEL (RE 439.003/SP)”.

Condomínio não é tributo, mas o STF deu uma interpretação extensiva pelo fundamento de
política social.

Eros Grau em RE: “A relação condominial é tipicamente relação de comunhão de escopo.


O pagamento de contribuição condominial, obrigação propter rem, é essencial à conservação da
propriedade, vale dizer, à garantia da subsistência individual e familiar à dignidade da pessoa
humana. Não há razão para, no caso, cogitar-se de impenhorabilidade.”

Ou seja, se não pagou a taxa de condomínio, penhora o imóvel.

IMPORTANTE: É possível a penhora de bem de família de condômino, na proporção de sua


fração ideal, se inexistente patrimônio próprio do condomínio para responder por dívida oriunda de
danos a terceiros. Ex.: um pedestre foi ferido por conta de um pedaço da fachada que nele caiu.
Essa vítima terá que propor a ação contra o condomínio. Se o condomínio não tiver patrimônio
próprio para satisfazer o débito, os condôminos podem ser chamados a responder pela dívida, na
proporção de sua fração ideal. Mesmo que um condômino tenha comprado um apartamento neste
prédio depois do fato, ele ainda assim poderá ser obrigado a pagar porque as despesas de
condomínio são obrigações propter rem. O juiz poderá determinar a penhora dos apartamentos para
pagamento da dívida mesmo que se trate de bem de família, considerando que as dívidas
decorrentes de despesas condominiais são consideradas como exceção à impenhorabilidade do bem

55
Leopoldo Martins Moreira Neto e William Bossaneli Araújo – atualizado por Carlos Eduardo da Silva Limonge - maio de 2020

de família, nos termos do art. 3º, IV, da Lei nº 8.009/90. STJ. 4ª Turma. REsp 1473484-RS, Rel.
Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 21/06/2018 (Info 631).

V - para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo
casal ou pela entidade familiar;

Então, se o casal ou entidade familiar, voluntariamente foi à instituição financeira pactuar


um contrato de empréstimo e voluntariamente hipotecou o imóvel, não poderá, ao depois, dizer que
se trata de bem de família. Isso viola o princípio do venire contra factum proprium. Na
literalidade da norma, se o casal vai ao banco e hipoteca voluntariamente o apartamento não pode
depois, em contradição manifesta, invocar a proteção do bem de família.

IMPORTANTE!!! “O STJ, por outro lado, como se lê no agravo regimental REsp 813.546/DF,
tem entendido que a simples indicação do bem à penhora NÃO implica renúncia ao benefício da
lei 8009/90.”

IMPORTANTE: Em regra, o bem de família não pode ser penhorado (art. 1º da Lei nº 8.009/90).
O inciso V do art. 3º diz, contudo, que o bem de família pode ser penhorado se o imóvel foi
oferecido em hipoteca como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar. A hipoteca é uma
espécie de direito real de garantia, disciplinada nos arts. 1.473 a 1.505 do Código Civil. Se a parte
que deu o bem em hipoteca não cumprir a sua obrigação, o credor poderá executar a hipoteca,
hipótese na qual o imóvel dado em garantia será alienado e o valor obtido utilizado para pagar o
débito. Assim, em regra, é possível a penhora do imóvel que tiver sido oferecido como garantia
real pelo casal ou pela entidade familiar. O STJ, contudo, ao interpretar esse inciso, faz a
seguinte observação: a penhora do bem de família somente será admitida se o imóvel foi dado
em garantia de uma dívida que beneficiou o casal ou entidade familiar. Desse modo, a exceção
prevista no art. 3º, V, da Lei nº 8.009/90 não se aplica aos casos em que a hipoteca é dada como
garantia de empréstimo contraído em favor de terceiro, somente quando garante empréstimo
tomado diretamente em favor do próprio devedor. STJ. 4ª Turma. AgInt nos EDcl no AREsp
665.233/SC, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 06/02/2018.

IMPORTANTE: O bem de família é IMPENHORÁVEL quando for dado em garantia real de


dívida por um dos sócios da pessoa jurídica, cabendo ao credor o ônus da prova de que o
proveito se reverteu à entidade familiar. O bem de família é PENHORÁVEL quando os
únicos sócios da empresa devedora são os titulares do imóvel hipotecado, sendo ônus dos
proprietários a demonstração de que não se beneficiaram dos valores auferidos. Assim, é
possível a penhora de bem de família dado em garantia hipotecária pelo casal quando os cônjuges
forem os únicos sócios da pessoa jurídica devedora. STJ. 2ª Seção. EAREsp 848498-PR, Rel. Min.
Luis Felipe Salomão, julgado em 25/04/2018 (Info 627).
VI - por ter sido adquirido com produto de crime ou para execução de sentença
penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens.

Os efeitos civis da sentença penal condenatória podem alcançar o bem de família.

VII - por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação.

Este era o mais polêmico. Fiador em contrato locatício não tem bem de família no Brasil,
conforme já decidido pelo STJ e pelo STF.

56
Leopoldo Martins Moreira Neto e William Bossaneli Araújo – atualizado por Carlos Eduardo da Silva Limonge - maio de 2020

“O Supremo Tribunal Federal, por seu plenário, já afirmou ser constitucional a penhora do
imóvel residencial do fiador na locação (RE 352.940-4/SP).”

IMPORTANTE: Não é penhorável o bem de família do fiador no caso de contratos de locação


COMERCIAL. Em outras palavras, não é possível a penhora de bem de família do fiador em
contexto de locação COMERCIAL. STF. 1ª Turma. RE 605709/SP, Rel. Min. Dias Toffoli, red.
p/ ac. Min. Rosa Weber, julgado em 12/6/2018 (Info 906).

IMPORTANTE!!! “A Súmula 364, do STJ, firmou entendimento no sentido de que a proteção


do bem de família alcança, inclusive, devedores solteiros, separados e viúvos.” Ou seja, a pessoa
que vive só também goza da proteção do direito de família. Há ementa de um recurso do STJ que
trata disso: “A interpretação da lei 8.009/93 revela que a norma não se limita ao resguardo da
família. Seu propósito é proteger o direito fundamental da pessoa humana. Não faz sentido
proteger quem vive em grupo e abandonar o indivíduo que sofre o mais doloroso dos sentimentos,
a solidão. É impenhorável o imóvel que reside sozinho o devedor celibatário.”

2.2. BENS CONSIDERADOS EM SI MESMO

2.2.1. Bens Imóveis e Bens Móveis

Classificação fundada na efetiva natureza dos bens. Seus principais efeitos são: os bens
móveis são adquiridos por tradição, enquanto os imóveis dependem de escritura pública
(registro). Os imóveis exigem outorga uxória para serem alienados, já os móveis não precisam
da outorga. Prazos diferentes para a usucapião. A hipoteca é o direito real de garantia para os bens
imóveis e o penhor para os bens móveis.

2.2.1.1 Bens Imóveis

São as coisas que não podem ser removidas de um lugar para o outro sem a sua destruição
(conceito que não abrange os imóveis por determinação legal).

Art. 79. São bens imóveis o solo e tudo quanto se lhe incorporar natural ou
artificialmente.

Art. 80. Consideram-se imóveis para os efeitos legais:


I - os direitos reais sobre imóveis e as ações que os asseguram;
II - O DIREITO À SUCESSÃO ABERTA.

Os bens imóveis em geral podem ser classificados dessa forma: imóveis por natureza, por
acessão natural, por acessão artificial e por determinação legal.

a) Imóveis por natureza: em rigor somente o solo, com sua superfície, espaço aéreo, é imóvel por
natureza. Tudo que é aderido será considerado imóvel por acessão.

b) Imóveis por acessão natural: são as árvores, frutos pendentes, bem como todos os acessórios e
adjacências naturais.

IMPORTANTE!!! As árvores, quando destinadas ao corte, são consideradas móveis por


antecipação.

57
Leopoldo Martins Moreira Neto e William Bossaneli Araújo – atualizado por Carlos Eduardo da Silva Limonge - maio de 2020

c) Imóveis por acessão artificial ou industrial: é a produzida pelo trabalho do homem. São as
construções e plantações. Não se incluem as construções provisórias tais como circos e parques de
diversão.

Obs.: O CC 2002, ao contrário do CC 1916, não faz alusão à acessão intelectual. A razão é que o
CC 2002 trouxe o conceito de pertença.

NÃO PERDEM o caráter de imóveis art. 81 CC:


I - as edificações que, separadas do solo, mas conservando a sua unidade, forem
removidas para outro local;
II - os materiais provisoriamente separados de um prédio, para nele se
reempregarem.

De acordo com o art. 84 CC “Os materiais destinados a alguma construção, enquanto não
forem empregados, conservam sua qualidade de móveis; readquirem essa qualidade os provenientes
da demolição de algum prédio.”

d) Imóveis por determinação legal: O art. 80 CC assim o considera:


I - os direitos reais sobre imóveis e as ações que os asseguram;
II - o direito à sucessão aberta.

São assim considerados para garantir maior segurança jurídica.

IMPORTANTE!!! A renúncia à herança é, portanto, renúncia de imóvel, devendo ser feita por
escritura pública mediante autorização do cônjuge.

2.2.1.2 Bens Móveis

O art. 82 do CC considera móveis “os bens suscetíveis de movimento próprio, ou de


remoção por força alheia, sem alteração da substância ou da destinação econômico-social.” São os
móveis por natureza, que se dividem em semoventes (se movem por força própria, animais), e
propriamente ditos (admitem remoção por força alheia, sem danos, como os objetos inanimados).

IMPORTANTE!!! Navios e aeronaves são bens móveis. São considerados bens imóveis apenas
para fins de hipoteca.

O art. 83 do CC menciona os móveis por determinação legal.


Art. 83. Consideram-se móveis para os efeitos legais:
I - as ENERGIAS que tenham valor econômico;
II - os DIREITOS REAIS sobre OBJETOS MÓVEIS e as ações
correspondentes;
III - os DIREITOS PESSOAIS de caráter patrimonial e respectivas ações.

Existem ainda os móveis por antecipação. São bens incorporados ao solo, mas com a
intenção de separá-lo oportunamente. Ex.: Árvore plantada para o corte.

2.2.2 Bens Fungíveis e Infungíveis.

58
Leopoldo Martins Moreira Neto e William Bossaneli Araújo – atualizado por Carlos Eduardo da Silva Limonge - maio de 2020

Bens fungíveis são os móveis que podem ser substituídos por outros da mesma espécie,
qualidade e quantidade. Infungíveis são os bens que não têm esse atributo.

A fungibilidade é característica dos bens móveis. Mas em situações específicas pode ocorrer
que venha a alcançar os imóveis. Ex.: ajuste sobre loteamento, cada um é dono de X lotes.

A fungibilidade pode resultar da vontade das partes. Ex.: A moeda é um bem fungível, mas
se for de um colecionador se torna infungível.

A importância prática dessa classificação reside na distinção entre mútuo e comodato. O


mútuo só recai sobre bens fungíveis, o comodato tem por objeto bem infungível.

Obs.: A compensação só se efetua entre dívidas líquidas, vencidas e de coisas fungíveis.

2.2.3 Bens Consumíveis e Inconsumíveis

O art. 86 diz que são consumíveis os bens móveis cujo uso importa destruição imediata da
própria substância (consumíveis de fato), sendo também considerados tais os destinados à
alienação (consumíveis de direito).

Inconsumíveis, ao contrário, são os que admitem o uso reiterado da coisa sem importar
destruição.

Pode o bem consumível se tornar inconsumível por vontade das partes e vice-versa. Ex.:
Garrafa de vinho em uma exposição e um livro posto à venda.

Obs.: O usufruto, em regra, não pode recair sobre bens consumíveis. Caso recaia, será chamado de
usufruto impróprio.

2.2.4 Bens divisíveis e indivisíveis


Art. 87. Bens divisíveis são os que se podem fracionar sem alteração na sua
substância, diminuição considerável de valor, ou prejuízo do uso a que se
destinam.

O CC adotou o critério da diminuição considerável do valor, seguindo a melhor doutrina.


Art. 88. Os bens naturalmente divisíveis podem tornar-se indivisíveis por
determinação da lei ou por vontade das partes.

Os bens podem ser indivisíveis por natureza (não se pode fracionar sem alteração da
substância, diminuição de valor), por determinação legal (servidões, hipotecas) e por vontade das
partes (convencional). No caso da convencional, o acordo NÃO poderá tornar a coisa indivisa por
prazo maior de CINCO ANOS.

2.2.5. Bens Singulares e Coletivos

De acordo com o art. 89 CC, são singulares os bens que, embora reunidos, se
consideram de per si, independentemente dos demais. Ex.: A árvore pode ser bem singular ou
coletivo, conforme seja encarada individualmente ou agregada a outras (floresta).

59
Leopoldo Martins Moreira Neto e William Bossaneli Araújo – atualizado por Carlos Eduardo da Silva Limonge - maio de 2020

Os bens coletivos são chamados de universalidade de fato ou de direito. São assim


definidos no art. 90 e 91 CC.

Art. 90. Constitui universalidade de fato a pluralidade de bens singulares que,


pertinentes à mesma pessoa, tenham destinação unitária.
Parágrafo único. Os bens que formam essa universalidade podem ser objeto de
relações jurídicas próprias.

Art. 91. Constitui universalidade de direito o complexo de relações jurídicas, de


uma pessoa, dotadas de valor econômico.

2.3 BENS RECIPROCAMENTE CONSIDERADOS

Dividem-se em principais e acessórios.

Principal é o bem que tem existência própria, que existe por si só. Acessório é o bem cuja
existência dependa do principal. Ex.: Solo é bem principal, e a árvore plantada ao solo é um bem
acessório.

O art. 92 CC diz que “Principal é o bem que existe sobre si, abstrata ou concretamente;
acessório, aquele cuja existência supõe a do principal.” Em consequência disso, como regra, o
bem acessório segue o principal (princípio da gravitação jurídica). Para que tal não ocorra é
necessário que se tenha estabelecido o contrário ou que haja previsão legal (art. 1284 CC).

Consequências da regra “o bem acessório segue o principal”:

a) a natureza do acessório é a mesma do principal.


b) o acessório acompanha o principal em seu destino.
c) o proprietário do principal é também proprietário do acessório.

Na grande classe dos bens acessórios compreendem-se os frutos e produtos que, de acordo
com o art. 95 do CC, podem ser objeto de relações jurídicas.
Art. 95. Apesar de ainda não separados do bem principal, os frutos e produtos
PODEM ser objeto de negócio jurídico.

Produtos são as utilidades que se retiram da coisa, diminuindo-lhe a quantidade, porque


não se reproduzem periodicamente, como as pedras e os metais, que se extraem das pedreiras e das
minas. Distingue-se dos frutos porque a colheita destes não diminui o valor nem a substância da
fonte.

Frutos são utilidades que uma coisa periodicamente produz. Nascem e renascem da coisa
sem lhe acarretar destruição no todo ou em parte. Dividem-se quanto à origem em naturais,
industriais e civis. Naturais são os que se renovam periodicamente em virtude de força orgânica
Ex.: Fruto de uma árvore. Industriais são os que aparecem pela mão do homem. Ex.: Produção de
uma fábrica. Civis são os rendimentos produzidos pela coisa. Ex.: Aluguéis.

Os frutos também podem ser classificados quanto a seu estado em pendentes (enquanto
unidos à coisa que o produziu), percebidos ou colhidos (depois de separados), estantes (separados
para venda), percipiendos (os que deviam ser, mas não foram colhidos ou percebidos) e
consumidos (os que não existem mais porque foram utilizados).

60
Leopoldo Martins Moreira Neto e William Bossaneli Araújo – atualizado por Carlos Eduardo da Silva Limonge - maio de 2020

2.3.1 Pertenças

As pertenças também são consideradas BENS ACESSÓRIOS.


Art. 93. São pertenças os bens que, NÃO constituindo partes integrantes, se
destinam, de modo duradouro, ao uso, ao serviço ou ao aformoseamento de
outro.

Ex.: Máquinas de uma propriedade agrícola (inclusive trator), objetos de decoração de uma casa.

O art. 94 CC nos traz a diferença entre pertença e parte integrante ao dizer que “Os negócios
jurídicos que dizem respeito ao bem principal NÃO ABRANGEM AS PERTENÇAS, salvo se
o contrário resultar da lei, da manifestação de vontade, ou das circunstâncias do caso”.

IMPORTANTE!!! A regra “o acessório segue o principal” se aplica somente às partes


integrantes, não se aplicando às pertenças.

IMPORTANTE: O equipamento de monitoramento acoplado em caminhão é qualificado como


pertença e pode ser retirado pelo devedor fiduciante que o colocou. CC/Art. 94. Os negócios
jurídicos que dizem respeito ao bem principal não abrangem as pertenças, salvo se o contrário
resultar da lei, da manifestação de vontade, ou das circunstâncias do caso. STJ. 3ª Turma. REsp
1667227-RS, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 26/06/2018 (Info 629).
2.3.2 Benfeitorias

Também se consideram acessórias as benfeitorias, qualquer que seja o seu valor.

O art. 96 classifica as benfeitorias em:


Art. 96. As benfeitorias podem ser voluptuárias, úteis ou necessárias.
§ 1o São voluptuárias as de mero deleite ou recreio, que não aumentam o uso
habitual do bem, ainda que o tornem mais agradável ou sejam de elevado valor.
§ 2o São úteis as que aumentam ou facilitam o uso do bem.
§ 3o São necessárias as que têm por fim conservar o bem ou evitar que se deteriore
(normal exploração da coisa).

Esta classificação não tem caráter absoluto, pois uma mesma benfeitoria pode ser
enquadrada em uma ou outra espécie dependendo da circunstância.

As benfeitorias necessárias não são apenas as que se destinam à conservação da coisa, mas
são também aquelas que permitem a normal exploração econômica do bem.

IMPORTANTE!!! Benfeitoria não se confunde com acessão industrial ou artificial. Benfeitorias


são obras ou despesas feitas em um bem já existente. As acessões industriais são obras que criam
coisas novas e tem regime jurídico diverso, sendo um dos modos de aquisição da propriedade
imóvel.

Obs.: Não se consideram benfeitorias os melhoramentos ou acréscimos sobrevindos ao bem SEM


A INTERVENÇÃO do proprietário, possuidor ou detentor.

2.4 BENS QUANTO AO TITULAR DO DOMÍNIO

61
Leopoldo Martins Moreira Neto e William Bossaneli Araújo – atualizado por Carlos Eduardo da Silva Limonge - maio de 2020

Art. 98. São públicos os bens do domínio nacional pertencentes às pessoas


jurídicas de direito público interno; todos os outros são particulares, seja qual for
a pessoa a que pertencerem.

Art. 99. São bens públicos:


I - os de uso comum do povo, tais como rios, mares, estradas, ruas e praças;
II - os de uso especial, tais como edifícios ou terrenos destinados a serviço ou
estabelecimento da administração federal, estadual, territorial ou municipal,
inclusive os de suas autarquias;
III - os dominicais, que constituem o patrimônio das pessoas jurídicas de direito
público, como objeto de direito pessoal, ou real, de cada uma dessas entidades.
Parágrafo único. Não dispondo a lei em contrário, consideram-se dominicais os
bens pertencentes às pessoas jurídicas de direito público a que se tenha dado
estrutura de direito privado.

Art. 100. Os bens públicos de uso comum do povo e os de uso especial são
inalienáveis, enquanto conservarem a sua qualificação, na forma que a lei
determinar.

Art. 101. Os bens públicos dominicais podem ser alienados, observadas as


exigências da lei.

Art. 102. Os bens públicos não estão sujeitos a usucapião.

Art. 103. O uso comum dos bens públicos pode ser gratuito ou retribuído,
conforme for estabelecido legalmente pela entidade a cuja administração
pertencerem.

2.4.1 Bens Públicos

Conceito: são os do domínio nacional pertencente às pessoas jurídicas de direito público interno.

Espécies: de uso comum do povo, de uso especial e dominical.

Os bens de uso comum do povo e os de uso especial são bens de domínio público do estado.
Os dominicais são do domínio privado do estado.

Os bens de uso comum do povo podem ser utilizados por qualquer um do povo sem
formalidades. NÃO perdem essa característica se o poder público regulamentar seu uso, ou tornar
seu uso oneroso. A administração também pode restringir seu uso em razão de segurança nacional.
O povo somente tem o direito de usar tais bens, não tem, portanto, seu domínio.

Os bens de uso especial são os bens que se destinam especialmente à execução dos serviços
públicos.

Características: inalienabilidade, imprescritibilidade e impenhorabilidade.

Obs.: A inalienabilidade não é absoluta. Os bens suscetíveis de valoração patrimonial podem


perder a inalienabilidade pela desafetação. Os bens dominicais podem ser afetados, perdendo o
caráter alienável. A alienabilidade é característica própria dos bens dominicais.

IMPORTANTE!!! Os bens públicos móveis ou imóveis não estão sujeitos à usucapião.

2.4.2 Bens Particulares


62
Leopoldo Martins Moreira Neto e William Bossaneli Araújo – atualizado por Carlos Eduardo da Silva Limonge - maio de 2020

Por exclusão, são todos os outros bens não pertencentes às pessoas jurídicas de direito
público interno, mas a pessoa natural ou jurídica de direito privado.

2.5 BENS QUANTO À POSSIBILIDADE DE SEREM OU NÃO COMERCIALIZADOS

São classificados em:

a) Naturalmente indisponíveis (insuscetíveis de apropriação pelo homem, como o ar atmosférico)


b) Legalmente indisponíveis (bens de uso comum, de uso especial e bens de incapazes)
c) Indisponíveis pela vontade humana (deixados em testamento ou doados pela vontade humana)

Obs.: A cláusula de inalienabilidade inclui a incomunicabilidade e impenhorabilidade, mas a


recíproca não é verdadeira. (Sumula 49 STF e art. 1.911 do CC).

LIVRO III
DOS FATOS JURÍDICOS
TÍTULO I
DO NEGÓCIO JURÍDICO
CAPÍTULO I
DISPOSIÇÕES GERAIS

1- CONCEITOS

Fato jurídico é todo acontecimento da vida relevante para o Direito.

Os fatos jurídicos em sentido amplo podem ser classificados em fatos naturais e fatos
humanos. Os primeiros decorrem da natureza e os segundos da atividade humana. Os fatos naturais

63
Leopoldo Martins Moreira Neto e William Bossaneli Araújo – atualizado por Carlos Eduardo da Silva Limonge - maio de 2020

por sua vez se dividem em ordinários (nascimento, morte etc.) e extraordinários (terremoto, chuva
etc.).

Os fatos humanos ou ato jurídico em sentido amplo são ações humanas que criam,
modificam, transferem ou extinguem direitos; dividem-se em lícitos e ilícitos. Lícitos são as ações
humanas em que a lei defere o efeito almejado pelo agente. Ilícito, por ser praticado em desacordo
com o ordenamento jurídico, produzem efeitos jurídicos involuntários, mas impostos pelo
ordenamento.

1.1 ATOS LÍCITOS

Os atos lícitos dividem-se em:

a) Ato jurídico em sentido estrito: exige-se manifestação de vontade. O efeito da manifestação de


vontade está predeterminado na lei, não havendo por isso qualquer dose de escolha da categoria
jurídica.

b) Negócio jurídico: exige-se manifestação de vontade. A ação humana visa diretamente a


alcançar um fim prático permitido na lei, dentre a multiplicidade de efeitos/resultados
possíveis.

c) Ato-fato jurídico: no ato-fato jurídico ressalta-se a consequência do ato, o fato resultante, sem
se levar em consideração a vontade de praticá-lo. O efeito do ato não é buscado nem imaginado
pelo agente, mas decorre de uma conduta e é sancionado pela lei, como no caso da pessoa que acha
casualmente um tesouro.

2- CLASSIFICAÇÃO DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS

2.1. UNILATERAIS, BILATERAIS E PLURILATERAIS

Unilaterais são os que se aperfeiçoam com uma única manifestação de vontade, como o
testamento, codicilo, promessa de recompensa etc. São de duas espécies, os receptícios, que são
aqueles em que a declaração de vontade tem que se tornar conhecida do destinatário para produzir
efeitos, a exemplo da revogação de mandato. Os não receptícios, por sua vez, são aqueles em que o
conhecimento por parte de outras pessoas é irrelevante. Ex.: testamento etc.

Atenção!!! Testamento é negócio jurídico.

Bilaterais são os que se perfazem com duas manifestações de vontade, coincidentes sobre
o objeto. Podem existir várias pessoas no polo passivo sem que o negócio jurídico deixe de ser
bilateral.

IMPORTANTE!!! Contratos bilaterais são aqueles que são onerosos para ambas às partes,
sinalagmáticos. Sendo diferente de negócio jurídico bilateral (duas manifestações de vontade).

Plurilaterais são os contratos que envolvem mais de duas partes. Ex.: Contrato de sociedade
com mais de dois sócios.

2.2. GRATUITOS E ONEROSOS, NEUTROS E BIFRONTES

64
Leopoldo Martins Moreira Neto e William Bossaneli Araújo – atualizado por Carlos Eduardo da Silva Limonge - maio de 2020

Gratuitos são aqueles em que só uma das partes aufere vantagens ou benefícios. Ex.:
Doação pura.

Onerosos são aqueles em que ambos os contratantes auferem vantagens, as quais, porém,
correspondem a uma prestação. Ex.: Compra e venda.

Neutros se caracterizam pela destinação do bem. Ex.: Tornar um bem inalienável, instituir
determinado bem como bem de família.

Bifrontes são os contratos que podem ser onerosos ou gratuitos, segundo a vontade das
partes, como mútuo, o mandato e o depósito. Só é possível se o contrato é definido em lei como
gratuito, pois tornar gratuito um negócio que a lei prevê como oneroso implicaria ou poderia
implicar na subversão de sua causa. Nem todos os contratos gratuitos podem ser convertidos em
onerosos por convenção das partes. Ex.: doação e comodato ficariam desfigurados, pois se
tornariam venda e locação respectivamente.

2.3. “INTER VIVOS” E “MORTIS CAUSA”

Os negócios celebrados inter vivos produzem efeitos desde logo, com as partes ainda vivas.

Mortis causa são os negócios destinados a produzir efeitos após a morte do agente.

2.4. PRINCIPAIS E ACESSÓRIOS

Principais são os que têm existência própria e não dependem, pois, da existência de
qualquer outro.

Acessórios são os que têm sua existência subordinada à existência do contrato principal
(cláusula penal, fiança). Os acessórios seguem o destino do principal (princípio da gravitação
jurídica). Nulo o principal, também será nulo o acessório, sendo que a recíproca não é
verdadeira.

2.5. SOLENES (FORMAIS) E NÃO SOLENES (DE FORMA LIVRE)

Solenes são os negócios que devem obedecer a forma prescrita para se aperfeiçoar. A
solenidade pode consistir em elemento da própria substância do ato, ou pode ser exigida apenas
como prova do ato.

Não solenes são os negócios de forma livre. Podem ser celebrados inclusive verbalmente.

2.6 SIMPLES, COMPLEXOS E COLIGADOS.

Simples são os negócios que se constituem por ato único.

Complexos são os que resultam da fusão de vários atos sem eficácia independente.

Coligado é o negócio que se compõe de vários outros. Ex.: Arrendamento de posto de


gasolina com arrendamento das bombas etc.

3- INTERPRETAÇÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO


65
Leopoldo Martins Moreira Neto e William Bossaneli Araújo – atualizado por Carlos Eduardo da Silva Limonge - maio de 2020

Art. 111. O silêncio importa anuência, quando as circunstâncias ou os usos o


autorizarem, e não for necessária a declaração de vontade expressa.

Art. 112. Nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas


consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem.

Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os


usos do lugar de sua celebração.
§ 1º A interpretação do negócio jurídico deve lhe atribuir o sentido que: (Incluído
pela Lei nº 13.874, de 2019)
I - for confirmado pelo comportamento das partes posterior à celebração do
negócio; (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
II - corresponder aos usos, costumes e práticas do mercado relativas ao tipo de
negócio; (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
III - corresponder à boa-fé; (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
IV - for mais benéfico à parte que não redigiu o dispositivo, se identificável; e
(Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
V - corresponder a qual seria a razoável negociação das partes sobre a questão
discutida, inferida das demais disposições do negócio e da racionalidade econômica
das partes, consideradas as informações disponíveis no momento de sua celebração.
(Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
§ 2º As partes poderão livremente pactuar regras de interpretação, de
preenchimento de lacunas e de integração dos negócios jurídicos diversas daquelas
previstas em lei. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)

Art. 114. Os negócios jurídicos benéficos e a renúncia interpretam-se


estritamente.

Art. 423. Quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou


contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente.

Art. 843. A transação interpreta-se restritivamente, e por ela não se transmitem,


apenas se declaram ou reconhecem direitos.

Estes são alguns artigos que ajudam a interpretar o negócio jurídico. Algumas regras devem
ser observadas em relação à interpretação do negócio jurídico. A melhor maneira de se apurar a
intenção dos contratantes é verificar o modo pelo qual as partes vinham o executando de comum
acordo. Na dúvida se interpreta de maneira menos onerosa ao devedor. As cláusulas contratuais
devem ser interpretadas em conjunto com as demais, e não isoladamente.

4- ELEMENTOS DO NEGÓCIO JURÍDICO

4.1 REQUISITOS DE EXISTÊNCIA

Os requisitos de existência são seus elementos estruturais. Com ausência de um deles o


negócio jurídico não existe. São os seguintes: declaração de vontade, finalidade negocial e
idoneidade do objeto.

A VONTADE é pressuposto básico do negócio jurídico e é imprescindível que se


exteriorize. Pode ser expressa, tácita ou presumida. Pode ser tácita quando a lei não exigir que
seja expressa. Dispõe o art. 111 que “O silêncio importa anuência, quando as circunstâncias ou os
usos o autorizarem, e não for necessária a declaração de vontade expressa.” Portanto o silêncio
pode ser interpretado como manifestação tácita de vontade quando a lei lhe conferir tal efeito.

66
Leopoldo Martins Moreira Neto e William Bossaneli Araújo – atualizado por Carlos Eduardo da Silva Limonge - maio de 2020

Obs.: Princípio da autonomia da vontade: as pessoas têm liberdade de celebrar os negócios


jurídicos de acordo com sua vontade, observando os preceitos da lei. A “supremacia da ordem
pública” limita a autonomia da vontade, pois o estado deve evitar a opressão dos economicamente
mais fortes sobre os mais fracos (dirigismo contratual).

Obs.: Princípio da obrigatoriedade dos contratos: o contrato faz lei entre as partes (pacta sunt
servanda), não podendo, por regra, ser modificado pelo judiciário. Opõem-se à obrigatoriedade dos
contratos os princípios da revisão do contrato e da onerosidade excessiva, baseados na cláusula
rebus sic stantibus e na teoria da imprevisão, que autoriza o judiciário a rever os contratos ante a
ocorrência de fatos extraordinários e imprevisíveis.

FINALIDADE NEGOCIAL é a vontade de criar, conservar, modificar ou extinguir


direitos.

IDONEIDADE DO OBJETO é necessário para a realização do negócio que se tem em


vista. Ex.: Para se constituir uma hipoteca é necessário que o bem dado em garantia seja imóvel.

4.2 REQUISITOS DE VALIDADE

São eles: capacidade do agente, objeto lícito, possível e determinado ou determinável,


forma prescrita ou não defesa em lei.
Art. 104. A validade do negócio jurídico requer:
I - agente capaz;
II - objeto lícito, possível, determinado ou determinável;
III - forma prescrita ou não defesa em lei.

A capacidade do agente é a aptidão para intervir nos negócios jurídicos como declarante ou
declaratário. A incapacidade de exercício é suprida pela representação e pela assistência.

Objeto lícito é o que não atenta contra a moral, a lei ou os bons costumes. O objeto deve
também ser possível. Quando impossível o negócio é nulo. A impossibilidade pode ser física ou
jurídica. O objeto deve ser também determinado ou determinável (indeterminado relativamente
ou suscetível de determinação no momento da execução).

A forma deve ser prescrita ou não defesa em lei. Em regra, a forma é livre, mas, em
algumas situações, a lei pode exigir forma determinada para garantir a segurança jurídica.
Art. 107. A validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial,
senão quando a lei expressamente a exigir.

IMPORTANTE!!! Art. 108 CC. Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial
à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou
renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário
mínimo vigente no País.

Podem ser distinguidas três espécies de forma:

a) Forma livre: é a predominante no direito brasileiro. Qualquer meio de manifestação de vontade,


não imposto obrigatoriamente pela lei.

67
Leopoldo Martins Moreira Neto e William Bossaneli Araújo – atualizado por Carlos Eduardo da Silva Limonge - maio de 2020

b) Forma especial: é a exigida pela lei como requisito de validade para determinados negócios
jurídicos.
c) Forma contratual: é a convencionada pelas partes. Ex.: art. 109 CC.
Art. 109. No negócio jurídico celebrado com a cláusula de não valer sem
instrumento público, este é da substância do ato.

A forma pode ser também ad solemnitatem (quando determinada forma é da substância do


ato, indispensável para que se produza efeito), ou ad probationem tantum (quando a forma se
destina a facilitar a prova do ato, sem gerar nenhuma consequência pela sua não observância).

4.3 REQUISTOS DE EFICÁCIA

(Será visto em tópico específico mais adiante)

5- RESERVA MENTAL
Art. 110. A manifestação de vontade subsiste ainda que o seu autor haja feito a
reserva mental de não querer o que manifestou, salvo se dela o destinatário tinha
conhecimento.

Ocorre a reserva mental quando um dos declarantes oculta a sua verdadeira intenção, isto é,
quando não quer um efeito jurídico que declara querer. Tem por objetivo enganar o outro
contratante. Se este, entretanto, não souber da reserva, o ato subsiste e produz os efeitos que o
declarante não desejava. A reserva é indiferente ao mundo jurídico e irrelevante no que se refere à
validade e eficácia do negócio jurídico.

Mas se o destinatário conhece a reserva, a solução é outra. Configura-se hipótese de


simulação, resultando na nulidade do negócio jurídico. Na reserva mental, o propósito pode ser
tanto de prejudicar o declaratário – o outro negociante –, quanto terceiros, conforme anotam Nelson
Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery. Para esses doutrinadores, contudo, o ato atingido pela
reserva mental seria inexistente, não nulo. Todavia, Flávio Tartuce está filiado ao
entendimento pelo qual a reserva mental ilícita gera nulidade absoluta do negócio, como quer
Maria Helena Diniz. Do mesmo modo entendendo pela nulidade, leciona Sílvio de Salvo
Venosa.

A reserva mental se configura quando o agente emite declaração de vontade resguardando


o íntimo propósito de não cumprir aquilo que pactuou.

Enquanto a reserva mental estiver só no íntimo do agente, não há qualquer repercussão para
o Direito. Porém, quando a reserva mental se manifesta, existem efeitos jurídicos.

A DOUTRINA PREDOMINANTE sustenta que uma vez manifestada a reserva mental,


e dela tomando ciência a outra parte, o negócio é inválido por dolo ou simulação (conforme o
caso). No entanto, a linha de pensamento do Min. Moreira Alves não é neste sentido, pois
argumenta que, uma vez manifestada a reserva, o negócio se torna INEXISTENTE.

68
Leopoldo Martins Moreira Neto e William Bossaneli Araújo – atualizado por Carlos Eduardo da Silva Limonge - maio de 2020

CAPÍTULO II
DA REPRESENTAÇÃO

Art. 115. Os poderes de representação conferem-se POR LEI OU PELO


INTERESSADO.

Art. 116. A manifestação de vontade pelo representante, nos limites de seus


poderes, produz efeitos em relação ao representado.

Art. 117. Salvo se o permitir a lei ou o representado, é ANULÁVEL o negócio


jurídico que o representante, no seu interesse ou por conta de outrem,
CELEBRAR CONSIGO MESMO.
Parágrafo único. Para esse efeito, tem-se como celebrado pelo representante o
negócio realizado por aquele em quem os poderes houverem sido
substabelecidos.

69
Leopoldo Martins Moreira Neto e William Bossaneli Araújo – atualizado por Carlos Eduardo da Silva Limonge - maio de 2020

Art. 118. O representante é obrigado a provar às pessoas, com quem tratar em nome
do representado, a sua qualidade e a extensão de seus poderes, sob pena de, não o
fazendo, responder pelos atos que a estes excederem.

Art. 119. É ANULÁVEL o negócio concluído pelo representante em conflito de


interesses com o representado, se tal fato era ou devia ser do conhecimento de
quem com aquele tratou.
Parágrafo único. É de cento e oitenta dias, a contar da conclusão do negócio ou
da cessação da incapacidade, o prazo de decadência para pleitear-se a anulação
prevista neste artigo.

Art. 120. Os requisitos e os efeitos da representação legal são os estabelecidos nas


normas respectivas; os da representação voluntária são os da Parte Especial deste
Código.

CAPÍTULO III
DA CONDIÇÃO, DO TERMO E DO ENCARGO

1- INTRODUÇÃO

São elementos acidentais do negócio jurídico. São introduzidos facultativamente pelas


partes. Não são necessários à essência do negócio jurídico, mas, uma vez convencionados, passam
a integrar o negócio jurídico de maneira indissociável.

São três os elementos acidentais: condição, termo e encargo.

70
Leopoldo Martins Moreira Neto e William Bossaneli Araújo – atualizado por Carlos Eduardo da Silva Limonge - maio de 2020

IMPORTANTE!!! Essas convenções acessórias são admitidas nos atos patrimoniais em geral, mas
não podem integrar os de caráter eminentemente pessoal como os direitos de família e os
direitos personalíssimos. Ex.: Reconhecimento de filho, casamento, adoção etc.

2- CONDIÇÃO

Conceito:
Art. 121. Considera-se condição a cláusula que, DERIVANDO
EXCLUSIVAMENTE DA VONTADE DAS PARTES, subordina o efeito do
negócio jurídico a EVENTO FUTURO E INCERTO.

Toda condição pressupõe futuridade e incerteza. A incerteza da condição é quanto à


ocorrência do fato. Identifica-se, em regra, pelas conjunções “se” (condição suspensiva) e
“enquanto” (condição resolutiva).

IMPORTANTE!!! Condição não pode ser relativa a fato passado (ex.: loteria que correu ontem)

IMPORTANTE!!! A morte não é uma condição. Não há incerteza. Exceção: a morte é condição se
o sujeito limitar o evento a um período de tempo. Ex.: Vou doar a minha fazenda se meu tio que lá
mora morrer até o dia 02/02.

IMPORTANTE!!! Toda cláusula que estabelece condição deriva da vontade das partes. Não pode
a lei estabelecer condição (a condiciones júris não é mais possível).

2.1. CLASSIFICAÇÃO DAS CONDIÇÕES

1º) Quanto ao modo de atuação:

a) Suspensiva: a condição suspensiva é aquela que suspende ou paralisa o início dos efeitos
jurídicos do negócio jurídico. Impede que o ato produza efeitos até a realização do evento
futuro e incerto.

De acordo com o art. 125 CC, subordinando-se o negócio jurídico a uma condição
suspensiva, os direitos e obrigações decorrentes ainda não se produzem (o negócio jurídico ainda
não é exigível). A condição suspensiva não se harmoniza com o pagamento antecipado da dívida.

Art. 125. Subordinando-se a eficácia do negócio jurídico à CONDIÇÃO


SUSPENSIVA, enquanto esta se não verificar, NÃO SE TERÁ ADQUIRIDO O
DIREITO, a que ele visa.

b) Resolutiva: enquanto esta não se implementa, o negócio jurídico produz seus válidos efeitos. É a
que extingue, resolve o direito transferido pelo negócio, ocorrendo o evento futuro e incerto.

Art. 127. Se for RESOLUTIVA A CONDIÇÃO (ADQUIRE-SE O DIREITO


DESDE LOGO), enquanto esta se não realizar, vigorará o negócio jurídico,
podendo exercer-se desde a conclusão deste o direito por ele estabelecido.

IMPORTANTE!!! Pendente a CONDIÇÃO SUSPENSIVA, não se terá adquirido o direito a


que visa o negócio jurídico. Na CONDIÇÃO RESOLUTIVA, o direito é adquirido desde logo,
mas pode extinguir-se para todos os efeitos, se ocorrer o seu implemento.

71
Leopoldo Martins Moreira Neto e William Bossaneli Araújo – atualizado por Carlos Eduardo da Silva Limonge - maio de 2020

Art. 128. Sobrevindo a condição resolutiva, extingue-se, para todos os efeitos, o


direito a que ela se opõe; mas, se aposta a um negócio de execução continuada ou
periódica, a sua realização, salvo disposição em contrário, não tem eficácia quanto
aos atos já praticados, desde que compatíveis com a natureza da condição pendente e
conforme aos ditames de boa-fé.

De acordo com o art. 128 CC, a regra geral é que a ocorrência de condição resolutiva não
interfere no que já foi cumprido em um contrato de prestação sucessiva ou periódica.

IMPORTANTE!!! O art. 130 CC permite ao titular do direito eventual, nos casos de condição
suspensiva ou resolutiva, praticar os atos destinados a conservá-lo.
Art. 130. Ao titular do direito eventual, nos casos de condição suspensiva ou
resolutiva, é permitido praticar os atos destinados a conservá-lo.

IMPORTANTE!!! Enquanto não se verifica ou não se frustra o evento futuro e incerto a condição
encontra-se pendente. A verificação da condição se chama implemento. A sua não ocorrência se
chama frustração.

Verificada a condição suspensiva, o direito é adquirido. Embora a incorporação do


patrimônio ocorra somente por ocasião do implemento da condição, o direito condicional
constituir-se-á na data da celebração do negócio, como se desde o início não fosse condicional.

Preceitua o art. 129 “Reputa-se verificada, quanto aos efeitos jurídicos, a condição cujo
implemento for maliciosamente obstado pela parte a quem desfavorecer, considerando-se, ao
contrário, não verificada a condição maliciosamente levada a efeito por aquele a quem aproveita o
seu implemento”.

Prescreve o art. 126: “Se alguém dispuser de uma coisa sob condição suspensiva, e,
pendente esta, fizer quanto àquela novas disposições, estas não terão valor, realizada a condição,
se com ela forem incompatíveis.” Quem adquire um domínio resolutivo está assumindo um risco,
não podendo alegar prejuízo se advier a resolução”.

2º) Quanto à licitude:

a) Lícita: a que não é contrária à lei, à ordem pública e aos bons costumes.

b) Ilícita: a que for contrária à lei, à ordem pública e aos bons costumes.
IMPORTANTE!!! Consideram-se ilícitas também as condições puramente potestativas, como
também o são as condições perplexas (condição perplexa é a condição contraditória, que priva o
negócio jurídico de efeitos. Ex.: Contrato de locação, onde firma-se a condição de não morar no
imóvel).

IMPORTANTE!!! A condição ilícita invalida todo o negócio jurídico e não apenas a cláusula
que impõe a condição.

Art. 122. São lícitas, em geral, todas as condições não contrárias à lei, à ordem
pública ou aos bons costumes; entre as condições defesas se incluem as que
privarem de todo efeito o negócio jurídico (perplexas), ou o sujeitarem ao puro
arbítrio de uma das partes (puramente potestativa).

Art. 123. Invalidam os negócios jurídicos que lhes são subordinados:

72
Leopoldo Martins Moreira Neto e William Bossaneli Araújo – atualizado por Carlos Eduardo da Silva Limonge - maio de 2020

I - as condições física ou juridicamente impossíveis, quando suspensivas;


II - as condições ilícitas, ou de fazer coisa ilícita;
III - as condições incompreensíveis ou contraditórias.

3º) Quanto à origem:

a) Casual (ou causal): uma condição casual é uma condição relativa à um evento da natureza. (Ex.:
Se chover).

b) Mista: são as que dependem, ao mesmo tempo, de um ato volitivo, somado a um evento natural.
Ex.: “dou-lhe um veículo se você cantar amanhã, desde que esteja chovendo durante o espetáculo”.

c) Potestativa: a que deriva da vontade da parte (dependem do elemento volitivo). Existem dois
tipos de condição potestativa.

IMPORTANTE!!!

 Simplesmente potestativa: condição boa. Embora derive da vontade da parte, não é


arbitrária, porque se conjuga a circunstâncias exteriores. (Ex.: Bicho para o jogador
se ele for o artilheiro do campeonato).

Obs.: Caso a condição simplesmente potestativa se torne impossível, passa a se chamar condição
promíscua. (Ex.: O jogador quebra a perna, logo ele não poderá ser o artilheiro).

 Puramente potestativa: condição ilícita. É a que deriva do exclusivo arbítrio de


uma das partes. Esta condição é arbitrária. Ex.: “dou-lhe um veículo, se eu quiser”.

4ª) Quanto à possibilidade:

a) Fisicamente impossíveis: são as que não podem ser cumpridas por nenhum ser humano. Desde
que a impossibilidade física seja genérica, têm-se por inexistentes quando resolutiva, isto é, serão
consideradas não escritas. Quando suspensivas, por outro lado, invalidam o negócio jurídico.
Art. 124. Têm-se por inexistentes as condições impossíveis, quando
RESOLUTIVAS, e as de não fazer coisa impossível.

b) Juridicamente impossível: é a que esbarra em proibição expressa do ordenamento jurídico ou


fere a moral e os bons costumes.
Art. 123. Invalidam os negócios jurídicos que lhes são subordinados:
I - as condições física ou juridicamente impossíveis, quando SUSPENSIVAS;
II - as condições ilícitas, ou de fazer coisa ilícita;
III - as condições incompreensíveis ou contraditórias.

3- TERMO

Termo é o dia que começa ou se extingue a eficácia do negócio jurídico. Termo condicional
é a cláusula contratual que subordina a eficácia do negócio jurídico a evento futuro e certo (difere
da condição que a subordina a evento futuro e incerto). O termo, em regra, é identificado pela
conjunção “quando”.

73
Leopoldo Martins Moreira Neto e William Bossaneli Araújo – atualizado por Carlos Eduardo da Silva Limonge - maio de 2020

IMPORTANTE!!! O termo, diferentemente da condição suspensiva, não impede a aquisição dos


direitos e obrigações decorrentes do negócio jurídico, interferindo apenas na sua exigibilidade.
Art. 131. O termo inicial suspende o exercício, mas não a aquisição do direito.

IMPORTANTE!!! Pode ocorrer que o termo, embora certo e inevitável no futuro, seja incerto
quanto à data de sua verificação. Ex.: Te darei tal bem a partir da morte de tal pessoa.

Sob o aspecto referido acima, o termo pode ser incerto (exemplo acima), ou certo (quando se
reporta a data do calendário ou lapso certo de tempo).

IMPORTANTE!!! Termo de direito é o que decorre da lei e termo de graça é a dilação do prazo
concedido ao devedor.

O termo também pode ser inicial ou suspensivo e final ou resolutivo. O termo inicial
suspende o exercício, mas não a aquisição do direito (diferente da condição suspensiva – que
suspende a aquisição do direito).

Dispõe o art. 135 CC: Ao termo inicial e final aplicam-se, no que couber, as disposições
relativas à condição suspensiva e resolutiva.

IMPORTANTE!!! Termo não se confunde com prazo. Prazo é o intervalo entre o termo a quo e o
termo ad quem. Está regulamentado nos arts. 132 a 134 CC.
Art. 132. Salvo disposição legal ou convencional em contrário, computam-se os
prazos, excluído o dia do começo, e incluído o do vencimento.
§ 1o Se o dia do vencimento cair em feriado, considerar-se-á prorrogado o prazo até
o seguinte dia útil.
§ 2o Meado considera-se, em qualquer mês, o seu décimo quinto dia.
§ 3o Os prazos de meses e anos expiram no dia de igual número do de início, ou no
imediato, se faltar exata correspondência.
§ 4o Os prazos fixados por hora contar-se-ão de minuto a minuto.

Art. 133. Nos testamentos, presume-se o prazo em favor do herdeiro, e, nos


contratos, em proveito do devedor, salvo, quanto a esses, se do teor do
instrumento, ou das circunstâncias, resultar que se estabeleceu a benefício do credor,
ou de ambos os contratantes.

Art. 134. Os negócios jurídicos entre vivos, sem prazo, são exeqüíveis desde logo,
salvo se a execução tiver de ser feita em lugar diverso ou depender de tempo.
4- ENCARGO OU MODO

Conceito: com base na doutrina italiana, podemos conceituar o encargo como sendo um
ônus que se atrela a uma liberalidade (suporta-se um prejuízo em nome de um benefício maior).

O encargo é típico do negócio jurídico gratuito.

Segundo dispõe o art. 136 CC o encargo NÃO suspende a aquisição do direito . O direito
desde já é seu. Se este encargo não for cumprido, a liberalidade pode ser revogada.
Art. 136. O encargo NÃO suspende a aquisição nem o exercício do direito,
SALVO quando expressamente imposto no negócio jurídico, pelo disponente,
como condição suspensiva.

74
Leopoldo Martins Moreira Neto e William Bossaneli Araújo – atualizado por Carlos Eduardo da Silva Limonge - maio de 2020

Art. 553. O donatário é obrigado a cumprir os encargos da doação, caso forem a


benefício do doador, de terceiro, ou do interesse geral.
Parágrafo único. Se desta última espécie for o encargo, o Ministério Público poderá
exigir sua execução, depois da morte do doador, se este não tiver feito.

IMPORTANTE!!! O encargo se difere da condição suspensiva porque esta impede a aquisição do


direito, enquanto aquele (ENCARGO) NÃO SUSPENDE A AQUISIÇÃO NEM O
EXERCÍCIO DO DIREITO. Difere também da condição resolutiva porque não conduz, por si só,
à resolução do ato. O instituidor do benefício poderá ou não propor a ação revocatória, cuja
sentença não terá efeitos retroativos.

Dispõe o art. 137 CC: Considera-se não escrito o encargo ilícito ou impossível, salvo se
constituir o motivo determinante da liberalidade, caso em que se invalida o negócio jurídico .
Em regra, não invalida o negócio jurídico todo, apenas o encargo. Porém, invalida-se todo o
negócio jurídico se o encargo ilícito for o motivo determinante do negócio jurídico.

CAPÍTULO IV
DOS DEFEITOS DO NEGÓCIO JURÍDICO

1- INTRODUÇÃO

Trata-se das hipóteses em que a vontade se manifesta com algum vício que torne o negócio
anulável.

O CC trata de seis defeitos: erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão e fraude contra
credores. É ANULÁVEL o negócio jurídico que contenha tais vícios.

75
Leopoldo Martins Moreira Neto e William Bossaneli Araújo – atualizado por Carlos Eduardo da Silva Limonge - maio de 2020

Art. 171. Além dos casos expressamente declarados na lei, é anulável o negócio
jurídico:
I - por INCAPACIDADE RELATIVA do agente;
II - por vício resultante de ERRO, DOLO, COAÇÃO, ESTADO DE PERIGO,
LESÃO OU FRAUDE CONTRA CREDORES.

Segundo o art. 178 do CC, é de QUATRO ANOS o prazo de decadência para pleitear-se a
anulação do negócio jurídico, contado:
I - no caso de coação, do dia em que ela cessar;
II - no de erro, dolo, fraude contra credores, estado de perigo ou lesão, do dia
em que se realizou o negócio jurídico;
III - no de atos de incapazes, do dia em que cessar a incapacidade.

Excetuada a fraude contra credores, esses defeitos são considerados vícios de


consentimento, porque provocam uma manifestação de vontade não correspondente com o íntimo e
verdadeiro querer do agente. A fraude contra credores é considerada um vício social, pois a vontade
é manifestada com a intenção de prejudicar terceiros, vontade essa que corresponde exatamente ao
seu desejo.

A simulação é também considerada um vício social. O art. 167 CC declara nulo o negócio
jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na forma.

2- ERRO OU IGNORÂNCIA

Erro é a falsa representação positiva da realidade, é um agir equivocadamente; ao passo que


a ignorância traduz um estado negativo de desconhecimento. No erro o agente se engana sozinho.
Quando é induzido em erro pelo outro contratante ou por terceiro se caracteriza o dolo.

Dispõe o art. 138 CC:


Art. 138. São ANULÁVEIS os negócios jurídicos, quando as declarações de
vontade emanarem de ERRO SUBSTANCIAL que poderia ser percebido por
pessoa de diligência normal, em face das circunstâncias do negócio.

IMPORTANTE!!! O ERRO adota o critério do homem médio para a aferição da escusabilidade.


O critério do caso concreto é adotado no caso de COAÇÃO.

IMPORTANTE!!! Não é todo erro que vicia o negócio jurídico. A doutrina clássica costumava
afirmar que o erro, para ser invalidante do negócio jurídico precisa observar dois requisitos:
a) Ser escusável, perdoável - um erro que uma pessoa normal cometeria.

b) Ser SUBSTANCIAL, essencial, capaz de influir no negócio jurídico - o erro deve atacar a
essência do negócio jurídico.

IMPORTANTE!!! Na doutrina moderna, sustenta-se que o erro deva ser essencial, porém não se
deve investigar se a pessoa atuou ou não com diligência normal (não precisa ser escusável). A
doutrina moderna diz que o requisito da escusabilidade não mais é exigível (art. 138), uma vez que
o CC adotou o princípio da confiança (valorização da eticidade). É o que dispõe o Enunciado 12 da
I Jornada de Direito Civil do CJF: “na sistemática do art. 138, é irrelevante ser ou não escusável o
erro, porque o dispositivo adota o princípio da confiança”. Portanto, para o juiz anular o negócio
jurídico por erro, não precisa mais investigar a escusabilidade do erro.

76
Leopoldo Martins Moreira Neto e William Bossaneli Araújo – atualizado por Carlos Eduardo da Silva Limonge - maio de 2020

Espécies de erro (art. 139):

Art. 139. O erro é substancial quando:


I - interessa à natureza do negócio, ao objeto principal da declaração, ou a alguma
das qualidades a ele essenciais; (erro sobre o negócio e erro sobre o objeto)
II - concerne à identidade ou à qualidade essencial da pessoa a quem se refira a
declaração de vontade, desde que tenha influído nesta de modo relevante; (erro
sobre a pessoa)
III - sendo de direito e não implicando recusa à aplicação da lei, for o motivo único
ou principal do negócio jurídico. (erro de direito)

a) Erro sobre o negócio: aquele que incide na estrutura e na causa da declaração negocial, de
maneira que se celebra equivocadamente um negócio por outro (acha que é doação, mas é
empréstimo).

b) Erro sobre o objeto: ataca a natureza ou as características do objeto do negócio jurídico (acha
que é ouro, mas é latão, acha que é marfim, mas é osso de gambá).

c) Erro sobre a pessoa: incide nas características e nos elementos de identificação do outro
declarante. Incide muito no casamento.

d) Erro de direito: ao contrário dos demais, essa modalidade de erro não é erro sobre o fato, mas
sim é um erro jurídico, sobre a ilicitude do fato.

IMPORTANTE!!! O erro de direito trata-se de uma modalidade de erro que, sem traduzir
intencional recusa à aplicação da lei, incide no âmbito de atuação permissiva da norma. O erro é de
interpretação da norma, acha permitido o que é proibido. Constitui exceção ao princípio da
obrigatoriedade da lei, pelo qual ninguém pode deixar de cumprir a lei alegando não a conhecer. A
título de exemplo, imagine-se o caso de um locatário de imóvel comercial que celebra novo contrato
de locação, mais oneroso, pois pensa que perdeu o prazo para a ação renovatória. Sendo leigo no
assunto, o locatário assim o faz para proteger seu ponto empresarial. Cabe, pois, a alegação de erro
de direito essencial ou substancial, a motivar a anulação desse novo contrato.

IMPORTANTE!!! Erro acidental se opõe ao substancial e real. O erro acidental não invalida
o negócio jurídico. Refere-se a circunstâncias de menor importância, que, se conhecida a realidade,
o negócio ainda seria realizado.

IMPORTANTE!!! Não havendo prejuízo, na forma do art. 144, não existirá erro invalidante - pas
de nullité sans grief.

Se a outra parte se dispuser a sanar o prejuízo, não é anulável o negócio jurídico.


Art. 144. O erro NÃO PREJUDICA a validade do negócio jurídico quando a
pessoa, a quem a manifestação de vontade se dirige, se oferecer para executá-la
na conformidade da vontade real do manifestante.

IMPORTANTE!!! Não se confundem os institutos do erro com vício redibitório. O vício


redibitório é ERRO OBJETIVO sobre a coisa, que contém um defeito oculto. O seu fundamento
é a obrigação que a lei impõe a todo alienante de garantir ao adquirente o uso da coisa. Provado o
defeito oculto não facilmente perceptível, cabem as ações edilícias (redibitória, para rescindir o
contrato e quanti minoris, ou estimatória, para pedir abatimento), sendo decadencial e exíguo o
77
Leopoldo Martins Moreira Neto e William Bossaneli Araújo – atualizado por Carlos Eduardo da Silva Limonge - maio de 2020

prazo (30 dias em se tratando de bem móvel e um ano se for imóvel). O erro quanto às qualidades
essenciais do objeto é SUBJETIVO, pois reside na manifestação de vontade . Dá ensejo ao
ajuizamento de ação anulatória, sendo de quatro anos o prazo decadencial.

Dispõe o art. 141 CC:

Art. 141. A transmissão errônea da vontade por meios interpostos é anulável nos
mesmos casos em que o é a declaração direta.

Se o declarante não se encontra na presença do declaratário, e a transmissão de vontade não


se dá com fidelidade, caracteriza-se o vício que propicia a anulação do negócio jurídico.

O motivo do negócio NÃO precisa ser mencionado pelas partes. Motivos são as ideias,
razões subjetivas, interiores, consideradas acidentais e sem relevância para a validade do negócio. O
motivo de um negócio jurídico pode ser conceituado como sendo a razão pessoal da sua celebração,
estando no seu plano subjetivo. O motivo, portanto, diferencia-se da causa do negócio, que está no
plano objetivo. Ilustrando, quando se analisa um contrato de compra e venda, a causa é a
transmissão da propriedade. Os motivos podem ser os mais variados, de ordem pessoal das partes: o
preço está bom, o imóvel é bem localizado, o comprador quer comprá-lo para presentear alguém
etc.

Dispõe o art. 140 CC:


Art. 140. O falso motivo só vicia a declaração de vontade quando expresso como
razão determinante.

Quando expressamente mencionados como razões determinantes, os motivos passam a


condição de elementos essenciais do negócio.

Dispõe o art. 142 CC:


Art. 142. O erro de indicação da pessoa ou da coisa, a que se referir a declaração de
vontade, não viciará o negócio quando, por seu contexto e pelas circunstâncias, se
puder identificar a coisa ou pessoa cogitada.

Ex.: O testador beneficia seu sobrinho José, mas descobre-se que ele não tem sobrinho, mas sim,
um afilhado José.

Segundo o art. 143, o erro de cálculo apenas autoriza a retificação da declaração de vontade.

IMPORTANTE!!! Interesse negativo (uma compensação para o contratante que não concorreu
para o erro). O CC não prevê essa hipótese, mas ela decorre dos princípios gerais do direito,
especialmente o que protege a boa-fé.

3- DOLO

O dolo traduz um artifício malicioso empregado por uma das partes ou por terceiro, com o
propósito de prejudicar outrem, mas proveitoso ao autor do dolo ou a terceiro. Obs.: Dolus bonus é
socialmente aceito e juridicamente permitido (tolerável e aceito nos meios comerciais). Ex.:
Propaganda que realça as características do produto (o que não se aceita é a deturpação das
características do produto ou a omissão de informação).
78
Leopoldo Martins Moreira Neto e William Bossaneli Araújo – atualizado por Carlos Eduardo da Silva Limonge - maio de 2020

Dentro do âmbito da atuação dolosa proibida está inserida a vedação das mensagens
subliminares (mensagem subliminar traduz uma forma sub-reptícia de transferência de informação
não perceptível pelos mecanismos racionais do destinatário). Hoje a proibição é implícita, decorre
dos princípios do CDC.

O dolo invalida o negócio jurídico tornando-o anulável. Para a doutrina brasileira, o dolo se
subdivide em:

a) Dolo principal: é o dolo invalidante (art. 145 CC).

Art. 145. São os negócios jurídicos anuláveis por dolo, quando este for a sua causa.
(dolo principal)

É chamado principal, pois o dolo foi a causa da celebração do negócio jurídico. Ou seja,
sem o dolo o negócio não seria realizado.

b) Dolo acidental: este dolo não invalida o negócio jurídico, mas apenas gera a obrigação de pagar
perdas e danos. (art. 146 CC). É acidental quando apesar do dolo, o negócio seria realizado,
embora de outra maneira. Esse dolo não ataca a substância do negócio.

Art. 146. O DOLO ACIDENTAL (o negócio seria realizado de outra maneira)


só obriga à satisfação das PERDAS E DANOS, e é acidental quando, a seu
despeito, o negócio seria realizado, embora por outro modo.

É chamado acidental, pois não fulmina a essência do negócio jurídico.

#O que é dolo negativo?


O dolo negativo agride o princípio da boa-fé e consiste na OMISSÃO INTENCIONAL de
informação (dever de informação).

Art. 147. Nos negócios jurídicos bilaterais, o silêncio intencional (dolo negativo)
de uma das partes a respeito de fato ou qualidade que a outra parte haja ignorado,
constitui omissão dolosa, provando-se que sem ela o negócio não se teria celebrado.

IMPORTANTE!!! O dolo pode ser proveniente de outro contratante ou de terceiro estranho ao


negócio. O dolo de terceiro somente ensejará a anulação do negócio “se a parte a quem
aproveite dele tivesse ou devesse ter conhecimento”. Entretanto se a parte a quem se aproveita o
negócio não soube do dolo de terceiro, não se anula o negócio. Mas o lesado poderá reclamar
perdas e danos do autor do dolo (terceiro), pois este praticou um ato ilícito.

Resumindo!!! Portanto, o dolo de terceiro só anula o negócio se a parte a quem este aproveita
tivesse ou devesse ter conhecimento.
Art. 148. Pode também ser anulado o negócio jurídico por dolo de terceiro, se a
parte a quem aproveite dele tivesse ou devesse ter conhecimento; em caso contrário,
ainda que subsista o negócio jurídico, o terceiro responderá por todas as perdas e
danos da parte a quem ludibriou.

IMPORTANTE!!! O dolo do representante é tratado no art. 149 CC, que distingue o


representante legal do convencional.

79
Leopoldo Martins Moreira Neto e William Bossaneli Araújo – atualizado por Carlos Eduardo da Silva Limonge - maio de 2020

Art. 149. O dolo do representante LEGAL de uma das partes só obriga o


representado a responder civilmente até a importância do proveito que teve; se,
porém, o dolo for do representante CONVENCIONAL, o representado
responderá SOLIDARIAMENTE com ele por perdas e danos.

#O que é dolo bilateral?


As duas partes tentam, reciprocamente, se enganar. O ordenamento jurídico não interfere onde há
dolo bilateral. O negócio jurídico NÃO será invalidado (art. 150 CC).

Art. 150. Se ambas as partes procederem com dolo, nenhuma pode alegá-lo para
anular o negócio, ou reclamar indenização.

4- COAÇÃO

A coação consiste em uma violência psicológica apta a influenciar a vítima a realizar


negócio jurídico que a sua vontade interna não deseja efetuar.

IMPORTANTE!!! A coação invalidante é a coação moral (vis compulsiva). A coação física (vis
absoluta) interfere na existência do negócio jurídico, uma vez que não há sequer manifestação da
vontade (há corrente doutrinária que critica a tese da inexistência sob o pretexto de que o CC não
trata da inexistência dos negócios jurídicos, resolvendo os vícios que os alcançam no plano da
validade da escada de Pontes de Miranda – escada ponteana da existência, validade e eficácia – a
corrente doutrinária que tece críticas à inexistência afirma que a coação física implica nulidade
absoluta por indeterminação do objeto, diante de uma vontade que não existe).
Art. 151. A coação, para viciar a declaração da vontade, há de ser tal que incuta ao
paciente fundado temor de dano iminente e considerável à sua pessoa, à sua
família, ou aos seus bens.
Parágrafo único. Se disser respeito a pessoa não pertencente à família do paciente,
o juiz, com base nas circunstâncias, decidirá se houve coação.

A doutrina distingue a coação em principal e acidental. A principal seria a causa


determinante do negócio, enquanto a acidental influenciaria apenas as condições da avença, ou
seja, o negócio seria praticado, mas em condições menos desfavoráveis a vítima. A principal
constitui causa de anulação, enquanto a acidental somente obriga o ressarcimento do prejuízo.

Nem toda ameaça configura coação, o artigo 151 especifica os requisitos para que a coação
possa viciar o consentimento. São eles:

a) Deve ser a causa do ato: sem a coação o negócio não se teria concretizado.
b) Deve ser grave: a coação deve ter tal intensidade que efetivamente incuta ao paciente um
fundado temor de dano. “Não se considera coação o simples temor reverencial”.
c) Deve ser injusta: deve ser contrária ao direito, ou abusiva. “não se considera coação a ameaça do
exercício normal de um direito.”
d) Deve ser dano atual ou iminente: dano próximo, afastando assim o dano distante ou remoto.
e) Deve acarretar justo receio de dano.
f) Deve constituir ameaça de prejuízo à pessoa ou aos bens da vítima, ou às pessoas da sua
família: o termo família tem hoje acepção ampla (casamento, união estável). O parágrafo único do
art. 151 dispõe que se a coação disser respeito a pessoa não pertencente à família do paciente, o
juiz, com base nas circunstâncias, decidirá se houve coação.

80
Leopoldo Martins Moreira Neto e William Bossaneli Araújo – atualizado por Carlos Eduardo da Silva Limonge - maio de 2020

De acordo com o art. 152 do CC, a análise de toda coação é feita de acordo com cada caso
concreto, ou seja, ao apreciar a coação levam-se em conta as características da pessoa coagida.

Art. 152. No apreciar a coação, ter-se-ão em conta o sexo, a idade, a condição, a


saúde, o temperamento do paciente e todas as demais circunstâncias que
possam influir na gravidade dela.

Ex.: Coagir um terrorista, homem-bomba das FARC, não é o mesmo que coagir uma velhinha
ingênua.

IMPORTANTE!!! Temor reverencial ou ameaça de agir conforme um direito NÃO caracterizam


coação.
Art. 153. Não se considera coação a ameaça do exercício normal de um direito,
nem o simples temor reverencial.

4.1 DOLO E COAÇÃO PROVENIENTES DE TERCEIRO

Art. 148 CC. Dolo de terceiro: o negócio jurídico só é anulado se a parte a quem aproveita
soubesse ou, pelas circunstâncias, devesse saber do dolo usado pelo terceiro. Caso contrário, o
negócio jurídico subsiste, mas o terceiro responde pelos danos.

Art. 148. Pode também ser anulado o negócio jurídico por dolo, se a parte a quem
aproveite dele tivesse ou devesse ter conhecimento; em caso contrário, ainda que
subsista o negócio jurídico, o terceiro responderá por todas as perdas e danos da
parte a quem ludibriou.

Ex.: Um terceiro fica na porta da loja de relógios falsificados falando para os outros que eram Rolex
originais. Se o dono da loja souber do dolo do terceiro, o negócio jurídico (compra-venda) será
anulado. Se o dono da loja não souber do dolo do terceiro, o negócio jurídico é válido, mas o
terceiro responde pelas perdas e danos.

Art. 154/155 CC. Coação de terceiro: o negócio jurídico só é anulado se a parte a quem
aproveita soubesse ou, pelas circunstâncias, devesse saber da coação usada pelo terceiro. Na coação
de terceiro, foi prevista SOLIDARIEDADE no pagamento da indenização. Se o beneficiário não
souber da coação, o negócio jurídico subsiste, caso em que o autor da coação responde (sozinho)
pelos danos.

Art. 154. Vicia o negócio jurídico a coação exercida por terceiro, se dela tivesse ou
devesse ter conhecimento a parte a que aproveite, e esta responderá solidariamente
com aquele por perdas e danos.

INTERPRETANDO*** Só haverá solidariedade entre o terceiro que pratica a coação e a parte que
se beneficia se aquele sabia (ou devia saber) da coação praticada pelo terceiro.

Art. 155. Subsistirá o negócio jurídico, se a coação decorrer de terceiro, sem que a
parte a que aproveite dela tivesse ou devesse ter conhecimento; mas o autor da
coação responderá por todas as perdas e danos que houver causado ao coacto .

INTERPRETANDO*** No caso de a parte que se beneficia não saber (ou não devesse saber) da
coação praticada pelo terceiro, o negócio jurídico subsiste (pois estava de boa-fé). O terceiro, só ele,
responderá pelas perdas e danos.

81
Leopoldo Martins Moreira Neto e William Bossaneli Araújo – atualizado por Carlos Eduardo da Silva Limonge - maio de 2020

5- ESTADO DE PERIGO
Art. 156. Configura-se o estado de perigo quando alguém, premido da necessidade
de salvar-se, ou a pessoa de sua família, de grave dano conhecido pela outra
parte, assume obrigação excessivamente onerosa.
Parágrafo único. Tratando-se de pessoa não pertencente à família do declarante, o
juiz decidirá segundo as circunstâncias.

O estado de perigo é uma aplicação da teoria do estado de necessidade no direito civil.

Configura-se o estado de perigo quando o agente, diante de uma situação de perigo de


dano (seu ou familiar ou pessoa íntima), conhecida pela outra parte, emite declaração de vontade,
assumindo obrigação excessivamente onerosa. Estado de perigo = situação de perigo conhecida da
outra parte (elemento subjetivo) + onerosidade excessiva (elemento objetivo).

Ex.: Pai que teve filho sequestrado e vende casa por preço muito inferior ao de mercado para pagar
o resgate.

O estado de perigo compõe-se de dois elementos: o objetivo, que é a assunção de obrigação


excessivamente onerosa, e o subjetivo, que é caracterizado pelo constrangimento causado pela
necessidade de “salvar-se ou salvar pessoa de sua família” do risco grave existente.

IMPORTANTE!!! A parte beneficiada deve ser conhecedora do grave perigo por que passa o
declarante.

6- LESÃO

Vício que mais de perto toca o abuso do direito econômico. Configura-se quando alguém
obtém um lucro exagerado, desproporcional, aproveitando-se da inexperiência ou da situação de
necessidade do outro contratante.

Art. 157. Ocorre a lesão quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou por
inexperiência, se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor
da prestação oposta.
§ 1º Aprecia-se a desproporção das prestações segundo os valores vigentes ao
tempo em que foi celebrado o negócio jurídico.
§ 2º Não se decretará a anulação do negócio, se for oferecido suplemento
suficiente, ou se a parte favorecida concordar com a redução do proveito.
(revisão contratual: princípio da conservação do negócio)

IMPORTANTE!!! O contrato será anulado, mesmo que o outro contratante não tenha tido
conhecimento das condições de necessidade ou inexperiência do lesado.

A lesão se diferencia do estado de perigo, dentre outras particularidades, porque exige o


desequilíbrio entre prestações, enquanto o estado de perigo pode conduzir a negócios unilaterais em
que a prestação assumida seja unicamente da vítima. No estado de perigo se exige que a outra
parte saiba do estado de necessidade, ao contrário da lesão.

IMPORTANTE!!! No CDC, em razão da sua principiologia de ordem pública, a lesão é


considerada causa de nulidade absoluta (já que todas as normas do CDC são de ordem pública)
do negócio jurídico. Adota-se, no campo das relações de consumo, a teoria da lesão enorme,
segundo a qual: “são abusivas as cláusulas que configurem lesão pura, decorrentes da simples
82
Leopoldo Martins Moreira Neto e William Bossaneli Araújo – atualizado por Carlos Eduardo da Silva Limonge - maio de 2020

quebra da equivalência entre as prestações, verificada, de forma objetiva, mesmo que não exista
vício na formação do acordo de vontades” (Min. Nancy Andrighi, REsp 1.737.428-RS”. No campo
do CC, em contrapartida, gera a anulabilidade do negócio jurídico.

IMPORTANTE: “Cumpre anotar que o Código Civil de 2002 consagrou a lesão como vício do
consentimento, a gerar a anulação do negócio jurídico correspondente (arts. 157 e 171 do CC).
Todavia, a lesão civilista tem uma feição subjetiva, por exigir a premente necessidade ou
inexperiência, ao lado da onerosidade excessiva. A lesão tratada pelo art. 51, inc. IV, é uma lesão
objetivada, como o é todo o sistema consumerista; bastando o mero desequilíbrio pela quebra da
boa-fé e da função social para a sua configuração. Ato contínuo, a lesão consumerista gera a
nulidade absoluta e não relativa do contrato, trazendo uma consequência de maior gravidade.”
(TARTUCE, Flávio; NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito do Consumidor. 7ª
ed., São Paulo: Método, 2018, p. 336).

#Qual é a diferença entre lesão e teoria da imprevisão?


TEORIA DA IMPREVISÃO (que foi influenciada pela teoria da pressuposição) é utilizada
quando um acontecimento superveniente e imprevisível prejudicar o equilíbrio do contrato. A
diferença é que, em se tratando de LESÃO, o desequilíbrio nasce com o negócio jurídico ,
tornando-o inválido. Na teoria da imprevisão, ocorre um fato superveniente e imprevisível ,
pressupõe um negócio jurídico válido que se desequilibra depois de iniciado, resultando em sua
revisão ou dissolução.

#O que é dolo de aproveitamento?


É um dos elementos subjetivos da lesão. É a vontade de enriquecer às expensas de outrem (é a
vontade de se aproveitar às custas da ingenuidade da outra parte). A lei brasileira não exige, para
a configuração da lesão, o dolo de aproveitamento, ou seja, não é preciso comprovar que a
parte quis lesar a outra.

No art. 157 do CC não há menção ao dolo de aproveitamento. O art. 157 não trouxe critérios
objetivos para avaliar a lesão. O CC usou o sistema aberto, o juiz deve analisar cada caso concreto.

IMPORTANTE!!! Não se decretará a anulação do negócio jurídico se for oferecido suplemento


suficiente, ou se a parte favorecida concordar com a redução do proveito (revisão contratual).
Princípio da conservação do negócio jurídico.

Art. 157.
§ 2º Não se decretará a anulação do negócio, se for oferecido suplemento suficiente,
ou se a parte favorecida concordar com a redução do proveito. (revisão contratual:
princípio da conservação do negócio jurídico)

7- FRAUDE CONTRA CREDORES

É vício social. A fraude contra credores consiste na prática de um ato negocial que diminui o
patrimônio do devedor insolvente prejudicando credor preexistente.

IMPORTANTE!!! Esta só se caracteriza se o devedor já for insolvente, ou se tornar


insolvente. Se for solvente, é ampla a sua liberdade de dispor seus bens. Só ocorrerá também em
relação a CREDORES PREEXISTENTES, ou seja, para os credores futuros não se aplica esse
vício do negócio jurídico.

83
Leopoldo Martins Moreira Neto e William Bossaneli Araújo – atualizado por Carlos Eduardo da Silva Limonge - maio de 2020

Art. 158. Os negócios de transmissão gratuita de bens ou remissão de dívida, se


os praticar o DEVEDOR JÁ INSOLVENTE, OU POR ELES REDUZIDO À
INSOLVÊNCIA, ainda quando o ignore, poderão ser anulados pelos credores
quirografários, como lesivos dos seus direitos.
§ 1o Igual direito assiste aos credores cuja garantia se tornar insuficiente.
§ 2o Só os credores que já o eram ao tempo daqueles atos podem pleitear a
anulação deles. (Só credores anteriores à suposta fraude é que podem pleitear
sua anulação - PREEXISTENTES)

Na fraude contra credores a vítima é específica: é o credor preexistente.

IMPORTANTE!!! A ocorrência de fraude contra credores exige:


a) a anterioridade do crédito;
b) a comprovação de prejuízo ao credor (eventus damni);
c) que o ato jurídico praticado tenha levado o devedor à insolvência e
d) o conhecimento, pelo terceiro adquirente, do estado de insolvência do devedor (scientia
fraudis).
2. Agravo interno parcialmente provido.
STJ. 4ª Turma. AgInt no REsp 1294462/GO, Rel. Min. Lázaro Guimarães (Desembargador
Convocado do TRF 5ª Região), julgado em 20/03/2018.

Para os casos de disposição gratuita de bens, ou de remissão de dívidas (perdão de


dívidas), o art. 158 do CC dispensa a presença de elemento subjetivo (consilium fraudis), bastando
o evento danoso ao credor. Isso porque o dispositivo enuncia que, nesses casos, tais negócios
podem ser anulados ainda quando se ignore o estado de insolvência.

Em se tratando de negócios onerosos, para que sejam anulados, é necessária a presença da


colusão, conluio fraudulento entre aquele que dispõe do bem e aquele que o adquire.

IMPORTANTE: Disposição onerosa de bens com intuito de fraude – é necessária a verificação do


conluio fraudulento (consilium fraudis) + evento danoso (eventus damni). Disposição gratuita de
bens ou remissão de dívidas – é necessária apenas a verificação do evento danoso (eventus damni).

Obs.: Parcela respeitável da doutrina (Maria Helena Diniz) sustenta que determinados negócios
fraudulentos, por sua gravidade, têm a má-fé (consilium fraudis) presumida. Em tais casos, restaria
apenas a prova do dano. Ex.: Pessoa atolada de dívidas que está doando gratuitamente bens.

Exemplos legais de fraudes contra credores:

a) Negócios de transmissão gratuita de bens. Art. 158 CC. (Ex.: Doação). O sujeito é insolvente e
ainda está doando bens. Nesses casos os credores não precisam provar o conluio fraudulento, pois a
lei presume a existência do propósito de fraude.

Art. 158. Os negócios de transmissão gratuita de bens ou remissão (perdão) de


dívida, se os praticar o devedor já insolvente, ou por eles reduzido à insolvência,
ainda quando o ignore, poderão ser anulados pelos credores quirografários, como
lesivos dos seus direitos.

b) Na remissão (perdão) de dívida. Art. 158. Perdão fraudulento.

c) Contratos onerosos do devedor insolvente em duas hipóteses (art. 159):

84
Leopoldo Martins Moreira Neto e William Bossaneli Araújo – atualizado por Carlos Eduardo da Silva Limonge - maio de 2020

 Quando a insolvência for notória


 Quando houver motivo para ser conhecida do outro contratante

Art. 159. Serão igualmente anuláveis os contratos onerosos do devedor insolvente,


quando a insolvência for notória, OU houver motivo para ser conhecida do
outro contratante.

Obs.: O devedor insolvente que está realizando um contrato oneroso pode não estar cometendo
fraude. A demonstração da fraude depende da comprovação do eventus damni e do consilium
fraudis, e que a outra parte estava agindo em conluio, seja porque a insolvência era notória ou
porque havia motivo para que a insolvência fosse conhecida do outro contraente.

d) Antecipação de pagamento feito a um dos credores quirografários em detrimento dos


demais (art. 162).

Art. 162. O credor quirografário, que receber do devedor insolvente o pagamento da


dívida ainda não vencida, ficará obrigado a repor, em proveito do acervo sobre que
se tenha de efetuar o concurso de credores, aquilo que recebeu.

e) Outorga de garantia de dívida dada a um dos credores em detrimento dos demais (art. 163).
O que se anula nessa hipótese é somente a garantia, a preferência concedida a um dos credores.
Continua ele, porém, como credor, retornando à condição de quirografário.

Art. 163. Presumem-se fraudatórias dos direitos dos outros credores as garantias de
dívidas que o devedor insolvente tiver dado a algum credor.

Dispõe o art. 164 CC que “presume-se, porém, de boa fé e valem os negócios ordinários
indispensáveis à manutenção de estabelecimento mercantil, rural, ou industrial, ou à
subsistência do devedor e de sua família”. O dono do estabelecimento pode continuar vendendo
suas mercadorias. Não pode, entretanto, alienar o próprio estabelecimento.

7.1. AÇÃO PAULIANA

Ação Pauliana é um tipo de ação revocatória à disposição do credor para alegar fraude
contra credores.

Legitimidade ativa para propor a ação pauliana é do CREDOR PREEXISTENTE, seja


ele quirografário ou não (mesmo o credor que tem garantia real, se esta garantia se mostrar
insuficiente, poderá propor ação pauliana; nesse caso há interesse de agir). Os que se
tornaram credores depois da alienação, encontrando desfalcado o patrimônio do devedor e
mesmo assim negociaram com ele, nada podem reclamar.

Art. 158. Os negócios de transmissão gratuita de bens ou remissão de dívida, se os


praticar o devedor já insolvente, ou por eles reduzido à insolvência, ainda quando o
ignore, poderão ser anulados pelos credores quirografários, como lesivos dos seus
direitos.
§ 1º Igual direito assiste aos credores cuja garantia se tornar insuficiente.
§ 2º Só os credores que já o eram ao tempo daqueles atos podem pleitear a anulação
deles (PREEXISTENTES).

Legitimidade passiva: a ação pauliana é proposta contra o devedor insolvente, devendo


haver litisconsórcio com a pessoa que com ele contratou e, eventualmente, com terceiro de má-fé

85
Leopoldo Martins Moreira Neto e William Bossaneli Araújo – atualizado por Carlos Eduardo da Silva Limonge - maio de 2020

(art. 161). Deverá propor a ação contra todos para que a sentença também produza efeitos em
relação a eles.

Art. 161. A ação, nos casos dos arts. 158 e 159 poderá (DEVERÁ) ser intentada contra
o devedor insolvente, a pessoa que com ele celebrou a estipulação considerada
fraudulenta, ou terceiros adquirentes que hajam procedido de má-fé.

Obs.: Se o bem já foi alienado a terceiro de boa-fé, o bem não é devolvido, cabendo ao credor
buscar outros bens do devedor (homenageia-se a boa-fé do terceiro). Princípio da eticidade (boa-
fé objetiva) e teoria da aparência.

IMPORTANTE: Em uma ação pauliana, se ficar comprovado que o bem foi sucessivamente
alienado fraudulentamente para diversas pessoas, mas que, ao final, o atual adquirente estava de
boa-fé, neste caso deverá o juiz reconhecer que é eficaz o negócio jurídico por meio do qual o
último proprietário adquiriu o bem, devendo-se condenar os réus que agiram de má-fé a indenizar o
autor da pauliana, pagando o valor do bem que foi adquirido fraudulentamente. STJ. 4ª Turma.
REsp 1100525-RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 16/4/2013 (Info 521).

IMPORTANTE!!! A ação pauliana é AÇÃO PESSOAL que NÃO EXIGE OUTORGA


UXÓRIA e tem PRAZO DECADENCIAL DE QUATRO ANOS para sua propositura.

Súmula 195-STJ: em embargos de terceiro não se anula ato jurídico, por fraude contra
credores.

#Qual é a natureza jurídica da sentença na ação pauliana?


A doutrina tradicional e ainda predominante (Nelson Nery, Rosa Nery, Moreira Alves, Bevilácqua)
é no sentido de que a sentença é DESCONSTITUTIVA ANULATÓRIA, (constitutiva negativa)
nos termos do art. 165 CC. Ocorre que uma segunda corrente doutrinária (Pablo Stolze, Yussef S.
Cahali, Alexandre Câmara) discorda categoricamente da natureza anulatória, argumentando que a
sentença na ação pauliana é simplesmente declaratória da ineficácia do negócio fraudulento em
face do credor prejudicado.

A segunda corrente sustenta que o negócio não é inválido, mas apenas ineficaz em relação
ao credor, o contrato pode surtir efeitos (se o devedor ganhar na megasena, ele não será mais
insolvente, e o negócio fraudulento surtirá efeitos), o negócio é apenas ineficaz em face do credor.

7.2. FRAUDE À EXECUÇÃO

IMPORTANTE!!! Não confundir fraude contra credores com a fraude à execução. A fraude à
execução é instituto processual, mais grave do que a fraude contra credores. A fraude à execução
desrespeita a administração da justiça, na fraude à execução já existe demanda contra o devedor.

IMPORTANTE!!! Súmula 195 STJ, “em embargos de terceiro não se anula ato jurídico por
fraude contra credores.” A fraude contra credores não pode ser usada como matéria de defesa.
Assim, imperiosa a necessidade de se promover a dita ação pauliana, não substituída pelos
embargos de terceiro.

7.2.1 Características da fraude à execução

86
Leopoldo Martins Moreira Neto e William Bossaneli Araújo – atualizado por Carlos Eduardo da Silva Limonge - maio de 2020

a) É incidente de processo, regulado pelo direito público, enquanto a fraude contra credores
é regulada pelo direito civil.
b) Pressupõe demanda em andamento, capaz de reduzir o alienante à insolvência.
Configura-se quando o devedor já havia sido citado. A alienação fraudulenta feita antes
da citação caracteriza fraude contra credores.
c) Pode ser reconhecida mediante simples petição, nos próprios autos. A fraude contra
credores deve ser pronunciada em ação pauliana, não reconhecida em embargos de
terceiro (STJ Sumula 195).
d) A má-fé do terceiro adquirente deve ser provada, para a caracterização da fraude contra
credores nas alienações onerosas, bem como da fraude à execução, conforme dispõe a
súmula 375 STJ.

SÚMULA 375 STJ – O reconhecimento a fraude à execução depende do registro


da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente.

e) Torna ineficaz, em face dos credores o negócio jurídico; a fraude contra credores torna
anulável.

CAPÍTULO IV
DA INVALIDADE DO NEGÓCIO JURÍDICO

1- INTRODUÇÃO

A invalidade pode se manifestar de duas maneiras: por meio da nulidade absoluta e por
meio da nulidade relativa.

IMPORTANTE!!! Ter em mente que sempre que o juiz puder, deverá aproveitar o negócio
jurídico inválido, à luz do princípio da conservação.
87
Leopoldo Martins Moreira Neto e William Bossaneli Araújo – atualizado por Carlos Eduardo da Silva Limonge - maio de 2020

Obs.: Exemplificando a aplicação do princípio da conservação, temos o art. 184 do CC que cuida
da redução do negócio jurídico. Não é porque uma cláusula do contrato é inválida, que todo o
contrato o será.

Art. 184. Respeitada a intenção das partes, a invalidade parcial de um negócio


jurídico não o prejudicará na parte válida, se esta for separável; a invalidade
da obrigação principal IMPLICA a das obrigações acessórias , mas a destas não
induz a da obrigação principal.

#O que é nulidade virtual?


A despeito da regra segundo a qual toda nulidade pressupõe texto de lei, a agressão a determinados
princípios constitucionais (Ex.: Função social e boa-fé objetiva) pode nos remeter à ideia de
existirem nulidades implícitas ou virtuais, que dispensam expresso texto de lei. Então, nulidade
virtual é aquela que não tem previsão legal.

2- ATO INEXISTENTE, NULO E ANULÁVEL

O negócio é inexistente quando lhe falta algum elemento estrutural (requisitos de existência,
tal como a manifestação de vontade). Se a vontade foi manifestada, mas encontra-se eivada de dolo
ou coação, por exemplo, o negócio existe, mas é anulável. Se a vontade emana de um
absolutamente incapaz, maior é o defeito, o ato é nulo.

O negócio nulo atinge norma de ordem pública, norma cogente; o negócio é anulável,
quando atinge norma dispositiva, de interesse particular.

3- NULIDADE ABSOLUTA

Os arts. 166 e 167 CC dizem as hipóteses de NULIDADE ABSOLUTA.

Art. 166. É NULO o negócio jurídico quando:


I - celebrado por pessoa absolutamente incapaz;
II - for ilícito, impossível ou indeterMINÁVEL o seu objeto;
III - o motivo determinante, comum a AMBAS as partes, for ilícito
(SIMULAÇÃO);
IV - não revestir a forma prescrita em lei;
V - for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua validade;
VI - tiver por objetivo fraudar lei imperativa;
VII - a lei taxativamente o declarar nulo, ou proibir-lhe a prática, sem cominar
sanção.

Art. 167. É NULO o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se


dissimulou, se válido for na substância e na forma.
§ 1º Haverá simulação nos negócios jurídicos quando:
I - aparentarem conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas daquelas às quais
realmente se conferem, ou transmitem;
II - contiverem declaração, confissão, condição ou cláusula não verdadeira;
III - os instrumentos particulares forem antedatados, ou pós-datados.
§ 2º Ressalvam-se os direitos de terceiros de boa-fé em face dos contraentes do
negócio jurídico simulado.

Obs.: Art. 166 III CC. É nulo o negócio jurídico quando o motivo determinante, comum a AMBAS
as partes, for ilícita. Também é nulo o negócio jurídico quando sua causa for ilícita.

88
Leopoldo Martins Moreira Neto e William Bossaneli Araújo – atualizado por Carlos Eduardo da Silva Limonge - maio de 2020

#O que é a causa do negócio jurídico?


A causa, diferentemente do motivo, que é psicológico, exterioriza-se como sendo a finalidade ou
a função do negócio jurídico.

Obs.: Motivo e causa são coisas diferentes. Motivo é psicológico, é íntimo, não precisa aparecer,
são razões interiores (reserva mental). Já a causa, é a razão típica, é aquilo que se exterioriza (ex.:
na doação é a liberalidade; na venda é a transferência patrimonial).

Pois bem, sempre que em determinado negócio o motivo determinante for ilícito (ainda
que a causa seja lícita), o negócio jurídico será nulo. Ex.: Contrato de locação (cuja causa é a
transmissão da posse) que tenha por motivo determinante a instalação no local de casa de
prostituição é nulo de pleno direito.

3.1 CARACTERÍSTICAS DO NEGÓCIO NULO OU DA NULIDADE ABSOLUTA

a) A nulidade absoluta, dada sua gravidade, pode ser arguida por qualquer pessoa e inclusive
reconhecida de ofício pelo juiz (art. 168). É de ordem pública, decretada no interesse da própria
coletividade.

Art. 168. As nulidades dos artigos antecedentes (absolutas) podem ser alegadas por
qualquer interessado, ou pelo Ministério Público, quando lhe couber intervir.
Parágrafo único. As nulidades devem ser pronunciadas pelo juiz, quando conhecer
do negócio jurídico ou dos seus efeitos e as encontrar provadas, NÃO lhe sendo
permitido supri-las, ainda que a requerimento das partes.

b) A nulidade absoluta não admite confirmação nem se convalesce pelo decurso do tempo (art.
169). O negócio jurídico nulo nunca poderá ser ratificado, nem se convalesce pelo passar do tempo
(é imprescritível). A nulidade absoluta não pode ser sanada pela confirmação nem suprida pelo
juiz.

IMPORTANTE!!! Vale lembrar que os efeitos patrimoniais decorrentes da nulidade absoluta


prescrevem.

c) O negócio nulo deve ser declarado por meio de sentença com efeitos retroativos (ex tunc). O
negócio jurídico é nulo desde o início, como se o negócio nulo nunca tivesse gerado efeitos.

Obs.: Protege-se terceiros de boa-fé.

Obs.: Os efeitos da declaração de nulidade absoluta e o da declaração de inexistência do negócio


jurídico são praticamente os mesmos (não há diferença). A única diferença se dá em relação à causa
de cada um.

d) A nulidade deve ser pronunciada de ofício pelo juiz e seu efeito é ex tunc, pois retroage à data do
negócio, para lhe negar efeitos. O negócio nulo não produz efeito nenhum. A sentença que declara
a nulidade tem natureza declaratória.

4- NULIDADE RELATIVA OU ANULABILIDADE


Art. 171. Além dos casos expressamente declarados na lei, é anulável o negócio
jurídico:
89
Leopoldo Martins Moreira Neto e William Bossaneli Araújo – atualizado por Carlos Eduardo da Silva Limonge - maio de 2020

I - por incapacidade relativa do agente;


II - por vício resultante de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude
contra credores. (na simulação é nulo, não anulável)

4.1. CARACTERÍSTICAS DA NULIDADE RELATIVA OU ANULABILIDADE

a) Decretada no interesse privado da pessoa prejudicada. A anulabilidade deve ser arguida pelo
legítimo interessado, NÃO podendo o juiz reconhecê-la de ofício (art. 177).

Art. 177. A anulabilidade não tem efeito antes de julgada por sentença, nem se
pronuncia de ofício; só os interessados a podem alegar, e aproveita
exclusivamente aos que a alegarem, salvo o caso de solidariedade ou
indivisibilidade.

b) A anulabilidade se convalida com o decurso do tempo, submete-se a prazos decadenciais


(art. 178 e 179). Prazo de 4 anos, essa é a regra!

Art. 178. É de QUATRO ANOS o prazo de decadência para pleitear-se a anulação


do negócio jurídico, contado:
I - no caso de coação, do dia em que ela cessar;
II - no de erro, dolo, fraude contra credores, estado de perigo ou lesão, do dia em
que se realizou o negócio jurídico;
III - no de atos de incapazes, do dia em que cessar a incapacidade.

IMPORTANTE!!! O novo CC consagrou, no art. 179, um prazo decadencial


supletivo/subsidiário (quando a lei não estabelecer o prazo decadencial) de DOIS ANOS (ex.:
aplica-se ao art. 496, venda de ascendente a descendente). Por conta desse prazo a súmula 494 do
STF que dizia que a ação para anular venda de ascendente a descendente era de 20 anos perdeu a
eficácia.
(Trata-se de PRAZO SUPLETIVO)
Art. 179. Quando a lei dispuser que determinado ato é anulável, sem estabelecer
prazo para pleitear-se a anulação, SERÁ ESTE DE DOIS ANOS, a contar da data
da conclusão do ato.

IMPORTANTE!!! Em todos os defeitos do negócio jurídico o prazo é de quatro anos (erro, dolo,
coação, fraude contra credores, estado de perigo e lesão). Será de dois anos quando a lei não
dispuser prazo próprio.

c) Os negócios anuláveis, diferentemente dos nulos, admitem confirmação/ratificação expressa


ou tácita (art. 172/174 CC). Podem ser confirmados pelas partes, salvo direito de terceiro.

Art. 172. O negócio anulável pode ser confirmado pelas partes, salvo
direito de terceiro.

Art. 173. O ato de confirmação (confirmação expressa) deve conter a


substância do negócio celebrado e a vontade expressa de mantê-lo.

Art. 174. É escusada a confirmação expressa, quando o negócio já foi


cumprido em parte pelo devedor, ciente do vício que o inquinava
(confirmação tácita).

Art. 175. A confirmação expressa, ou a execução voluntária de negócio


anulável, nos termos dos arts. 172 a 174, importa a extinção de todas as
ações, ou exceções, de que contra ele dispusesse o devedor.

90
Leopoldo Martins Moreira Neto e William Bossaneli Araújo – atualizado por Carlos Eduardo da Silva Limonge - maio de 2020

IMPORTANTE!!! A sentença anulatória do negócio jurídico gera efeitos retroativos (ex tunc),
dada a sua natureza especial (Humberto Theodoro Jr.).

Obs.: Existe posicionamento que diz que os efeitos são ex nunc.

IMPORTANTE!!! Ter em mente que A SENTENÇA QUE ANULA O NEGÓCIO JURÍDICO


RETROAGE PARA RECOLOCAR AS PARTES NO STATUS QUO ANTE. Caso a sentença
que anula o negócio jurídico tivesse só efeitos para o futuro, não seria possível o retorno ao status
quo ante.

O art. 182 prova isso:

Art. 182. Anulado o negócio jurídico, restituir-se-ão as partes ao estado em que


antes dele se achavam, e, não sendo possível restituí-las, serão indenizadas com
o equivalente.

Quando a anulabilidade do ato resultar da falta de autorização de terceiro, será validado se


este a der posteriormente (art. 176 CC).

#O que é eficácia interimística?


Seguindo o pensamento de Pontes de Miranda, pode-se afirmar que o negócio anulável gera uma
eficácia especial ou interimística até o dia em que a sentença é proferida; não sendo proferida (por
decadência p. ex.) os efeitos do negócio são mantidos.

Art. 177. A ANULABILIDADE não tem efeito antes de julgada por sentença,
nem se pronuncia de ofício; só os interessados a podem alegar, e aproveita
exclusivamente aos que a alegarem, SALVO o caso de solidariedade ou
indivisibilidade.

#Existe nulidade superveniente?

Em regra, as nulidades são analisadas quando da celebração do negócio jurídico. Todavia, parte da
doutrina admite a possibilidade de um negócio jurídico sofrer nulidade superveniente.

d) O efeito do reconhecimento da nulidade relativa é ex nunc. Na anulabilidade a sentença tem


natureza desconstitutiva, pois o negócio anulável vai produzindo efeitos até ser pronunciada a sua
invalidade. Proclamada a anulação, no entanto, as partes devem ser restituídas ao status quo ante.

RESUMINDO!!! A declaração de nulidade absoluta tem efeito ex tunc, levando as partes ao status
quo ante; já a reconhecimento da nulidade relativa na sentença produz efeitos ex nunc (há
divergência), de modo que o negócio produz efeitos até aquele momento!!

4.2 CONVERSÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO

IMPORTANTE!!! É como se fosse o princípio da fungibilidade.

Trata-se de uma medida sanatória do negócio jurídico inválido que consiste no


aproveitamento dos elementos materiais do negócio jurídico viciado, para permitir, segundo a
vontade das partes, a conversão em outro negócio jurídico válido e eficaz.

91
Leopoldo Martins Moreira Neto e William Bossaneli Araújo – atualizado por Carlos Eduardo da Silva Limonge - maio de 2020

Obs.: A conversão não é igual à confirmação do negócio jurídico inválido. Converter é transformar
o negócio jurídico inválido em negócio jurídico válido.

IMPORTANTE!!! A conversão pode ser aplicada tanto ao negócio jurídico nulo, quanto ao
anulável (lembrar que o negócio jurídico anulável possui outras medidas sanatórias. Aplica-se mais
a conversão ao negócio jurídico nulo porque a conversão é a única medida de salvação desse
negócio).

O art. 170 só fala em negócio nulo, mas, quem pode o mais, pode o menos. De acordo com o
CC só cabe a conversão ao negócio nulo.

Princípio Da Conversão
Art. 170. Se, porém, o negócio jurídico nulo contiver os requisitos de outro,
subsistirá este quando o fim a que visavam as partes permitir supor que o
teriam querido, se houvessem previsto a nulidade.

Elemento psicológico: se as partes já soubessem da nulidade teriam praticado o negócio


jurídico válido.

Ex.: É possível converter a doação mortis causa em testamento.

Ex.: Na compra e venda de imóvel acima de 30 salários mínimos sem o registro o negócio é nulo.
Porém, pode-se converter o contrato particular de compra e venda em promessa de compra e venda.

5- DISPOSIÇÕES ESPECIAIS

a) Princípio da conservação
Art. 183. A invalidade do instrumento não induz a do negócio jurídico sempre
que este puder provar-se por outro meio.

b) Dispõe o art. 184 CC que “respeitada a intenção das partes, a invalidade parcial de um negócio
jurídico não o prejudicará na parte válida, se esta for separável; a invalidade da obrigação
principal implica a das obrigações acessórias, mas a destas não induz a da obrigação
principal.”

INTERPRETANDO*** 1ª parte. Ex.: Invalidade da hipoteca por falta de outorga uxória impede a
constituição do ônus real, mas é aproveitável como confissão de dívida. 2ª parte. Consiste na
aplicação da regra de que o acessório segue o principal (princípio da gravitação jurídica).

c) IMPORTANTE!!! Art. 182. Anulado o negócio jurídico, restituir-se-ão as partes ao estado


em que antes dele se encontravam, e, não sendo possível restituí-las, serão indenizadas com o
equivalente (aplica-se à nulidade absoluta e à relativa).

d) Art. 181. Ninguém pode reclamar o que, por uma obrigação anulada, pagou a um incapaz, se não
provar que reverteu em proveito dele a importância paga. Provado que o pagamento nulo se
reverteu ao incapaz, determina-se a restituição, pois ninguém pode locupletar-se a custa alheia. O
ônus da prova incumbe a quem pagou.

6- SIMULAÇÃO

92
Leopoldo Martins Moreira Neto e William Bossaneli Araújo – atualizado por Carlos Eduardo da Silva Limonge - maio de 2020

Na simulação, o negócio jurídico tem aparência normal, mas na verdade não pretende
atingir o efeito que deveria produzir. Na simulação, as duas partes se unem para enganar um
terceiro ou a sociedade (ex.: casamento só para obtenção de “visto”). É chamada de vício social
porque objetiva iludir terceiros ou violar a lei. Se divide em simulação absoluta ou relativa.

6.1 SIMULAÇÃO ABSOLUTA

Simulação absoluta: situação em que na aparência se tem determinado negócio, mas na


essência a parte não deseja negócio algum. As partes criam um jogo de cena, vale dizer, celebra-se
negócio jurídico destinado a não produzir efeito algum. Ex.: a situação em que um pai doa imóvel
para filho, com o devido registro no Cartório de Registro de Imóveis, mas continua usufruindo dele,
exercendo os poderes do domínio sobre a coisa.

6.2. SIMULAÇÃO RELATIVA

Simulação relativa: situação em que o negociante celebra um negócio na aparência, mas na


essência almeja um outro negócio jurídico. Cria-se um negócio jurídico para encobrir outro negócio
cujos efeitos são proibidos por lei. Ex.: o caso em que um proprietário cede um imóvel a outrem
celebrando, na aparência, um contrato de comodato. Mas, por detrás dos panos é cobrado aluguel,
havendo uma locação. Mais comum de ocorrer na prática, a simulação relativa se subclassifica em:
simulação relativa subjetiva (o vício acomete o elemento subjetivo do negócio, pessoa com que este
é celebrado); simulação relativa objetiva (caso em que o vício social acomete o elemento objetivo
do negócio jurídico celebrado, o seu conteúdo).

Obs.: Não confundir simulação com dissimulação. Embora em ambas haja o propósito de
enganar, na simulação procura-se aparentar o que não existe; na dissimulação se oculta o que é
verdadeiro.

IMPORTANTE!!! O novo CC mudou o tratamento da simulação. O CC/02 não considera mais a


simulação como causa de anulabilidade do negócio jurídico, mas sim como causa de nulidade
absoluta. HAVENDO SIMULAÇÃO, ABSOLUTA OU RELATIVA, O NEGÓCIO É NULO.

É nulo o negócio simulado, mas, poderá ser aproveitado o que se dissimulou se for válido na
constituição ou na forma (princípio da conservação do negócio jurídico).

Art. 167. É nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou,
se válido for na substância e na forma.
§ 1º Haverá simulação nos negócios jurídicos quando:
I - aparentarem conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas daquelas às quais
realmente se conferem, ou transmitem;
II - contiverem declaração, confissão, condição ou cláusula não verdadeira;
III - os instrumentos particulares forem antedatados, ou pós-datados.
§ 2º Ressalvam-se os direitos de terceiros de boa-fé em face dos contraentes do
negócio jurídico simulado.

Obs.: O CC/02 não contempla mais a figura da simulação inocente.

IMPORTANTE!!! No CC/16, o art. 104 proibia que um dos simuladores alegasse a simulação
contra o outro. Ocorre que o CC/02 não reproduziu esse artigo, porque trata a simulação como
NULIDADE ABSOLUTA, que pode ser alegada por qualquer um, a qualquer tempo.

93
Leopoldo Martins Moreira Neto e William Bossaneli Araújo – atualizado por Carlos Eduardo da Silva Limonge - maio de 2020

TÍTULO II
DOS ATOS JURÍDICOS LÍCITOS

Art. 185. Aos atos jurídicos lícitos, que não sejam negócios jurídicos, aplicam-se,
no que couber, as disposições do Título anterior.

TÍTULO III
DOS ATOS ILÍCITOS
94
Leopoldo Martins Moreira Neto e William Bossaneli Araújo – atualizado por Carlos Eduardo da Silva Limonge - maio de 2020

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência,
violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato
ilícito.

Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo,
excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela
boa-fé ou pelos bons costumes. (abuso de direito – responsabilidade objetiva)

Art. 188. Não constituem atos ilícitos:


I - os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito
reconhecido;
II - a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a fim de
remover perigo iminente.
Parágrafo único. No caso do inciso II, o ato será legítimo somente quando as
circunstâncias o tornarem absolutamente necessário, não excedendo os limites do
indispensável para a remoção do perigo.

TÍTULO IV
DA PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA
CAPÍTULO I
DA PRESCRIÇÃO

1- INTRODUÇÃO

95
Leopoldo Martins Moreira Neto e William Bossaneli Araújo – atualizado por Carlos Eduardo da Silva Limonge - maio de 2020

No dia 21/12/08, Tício e Caio celebram um negócio jurídico, pelo qual Caio se torna credor
de R$ 100 e Tício devedor de R$ 100. O termo fixado para o vencimento da obrigação é o dia
12/04/09. Chegado esse dia, Ticío frustra seu dever de pagar. Surge nessa data, o poder para Caio,
de coercitivamente, exigir o cumprimento da obrigação (surge a pretensão). Porém, o ordenamento
jurídico só confere esse poder coercitivo dentro de um certo prazo (o prazo prescricional). A
pretensão nasce no dia da violação do direito e morre no fim do prazo.

Sendo assim, a prescrição ataca a pretensão (que é a exigência de subordinação de um


interesse alheio a um interesse próprio), e não a ação. A prescrição se inicia no momento em que
há violação do direito. Tem-se prescrição quando se quer algo da outra parte (pretensão em face da
outra parte).

A prescrição tem como requisitos: a) a inércia do titular ante a violação de um direito seu; b)
decurso do tempo fixado em lei.
Art. 189. Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue,
pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206.

Obs.: Os prazos prescricionais só estão nos artigos 205 e 206 do CC (se estiver fora desses artigos,
o prazo será decadencial).

IMPORTANTE!!! Vencido o prazo prescricional ainda subsiste o direito de ação. Ora, isso é
simples, O DIREITO DE AÇÃO É AUTÔNOMO, é o direito de ir a juízo. Se o exercício do
direito de ação for efetivado após o prazo prescricional, simplesmente a ação será improcedente (o
direito de ação não é o direito a um provimento jurisdicional positivo, como diziam os concretistas).

IMPORTANTE!!! #O que é prescrição intercorrente?


É aquela que se consuma dentro do próprio processo. Analisa o problema das ações enormemente
demoradas. Pode ocorrer a prescrição enquanto o processo ficar engavetado? No direito
tributário, nos termos do art. 40 da lei de execução fiscal, modificado pela lei 11.051/04, admite-se
o reconhecimento da prescrição intercorrente (contra a fazenda). Com o advento do CPC/15,
configurado o abandono do processo, na fase de conhecimento, o juiz deverá determinar a
intimação pessoal do autor, para, só então, se for o caso, proceder à extinção do processo sem
julgamento de mérito (artigo 267, inciso III). Na EXECUÇÃO (ou na fase de cumprimento
de sentença), pelo contrário, constatada a inércia prolongada do exequente, alcançado o
lapso prescricional correspondente, será proclamada a prescrição intercorrente.

2- PRETENSÕES IMPRESCRITÍVEIS

O art. 205 do CC trata do prazo prescricional máximo de 10 anos e o art. 206 trata dos
prazos prescricionais especiais. De acordo com esses artigos, tem-se em vista que, como regra, não
há ações imprescritíveis. Entretanto a doutrina aponta várias pretensões imprescritíveis. Sendo
assim a prescritibilidade é a regra e a imprescritibilidade a exceção.

Não prescrevem: a) ações que protegem os direitos da personalidade, b) as que se prendem


ao estado das pessoas, c) as de exercício facultativo (ou potestativo), em que não há direito violado,
d) referentes a bens públicos de qualquer natureza, dentre outras.

3- PRECLUSÃO E INSTITUTOS AFINS (PRECLUSÃO, PEREMPÇÃO E


DECADÊNCIA)
96
Leopoldo Martins Moreira Neto e William Bossaneli Araújo – atualizado por Carlos Eduardo da Silva Limonge - maio de 2020

A PRECLUSÃO consiste na perda de uma faculdade processual por não ter sida exercida
no momento próprio e oportuno. Só produz efeitos dentro do mesmo processo. A preclusão pode
ser: temporal, referente ao tempo; consumativa, quando o ato já se consumou, não podendo fazê-
lo novamente; lógica, quando se pratica determinado ato que o impeça de fazê-lo de outra forma.

A PEREMPÇÃO também é instituto de natureza processual. Consiste na perda de direito


de ação pelo autor contumaz, que deu causa a três arquivamentos sucessivos. NÃO extingue o
direito material e nem a pretensão, que passam a ser oponíveis somente como defesa.

A DECADÊNCIA atinge diretamente o direito e, por via oblíqua, extingue a ação (é o


próprio direito que perece).

4- DISPOSIÇÕES LEGAIS SOBRE A PRESCRIÇÃO

Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, que se extingue pela prescrição nos
prazos a que aludem os arts. 205 e 206 CC, única e exclusivamente. A exceção prescreve nos
mesmos prazos (direito de defesa).

Art. 190. A exceção (direito de defesa) prescreve no mesmo prazo em que a


pretensão.

O que se procura evitar com este dispositivo é que, prescrita a pretensão, o direito com
pretensão prescrita possa ser utilizado perpetuamente a título de exceção como defesa.

O art. 191 do CC não admite a renúncia prévia da prescrição, isto é, antes que se tenha
consumado, pois a renúncia somente é possível após se consumar a prescrição. Não se admite
a renúncia prévia nem da prescrição em curso.
Art. 191. A RENÚNCIA DA PRESCRIÇÃO pode ser expressa ou tácita, e só
valerá, sendo feita, SEM PREJUÍZO DE TERCEIRO, DEPOIS QUE A
PRESCRIÇÃO SE CONSUMAR; tácita é a renúncia quando se presume de fatos
do interessado, incompatíveis com a prescrição.

Dois são os requisitos para a renúncia da prescrição: a) que a PRESCRIÇÃO JÁ


ESTEJA CONSUMADA; b) que NÃO PREJUDIQUE TERCEIROS. A renúncia pode ser
expressa ou tácita. Tácita é a renúncia quando se presume de fatos do interessado, incompatíveis
com a prescrição. A renúncia expressa decorre de manifestação inequívoca, escrita ou verbal, do
devedor de que dela não pretende utilizar-se.

#O juiz pode reconhecer prescrição de ofício?


A prescrição é uma defesa de mérito do devedor (exceção substancial). Na redação original do
CC/02, o art. 194 falava que a parte a quem aproveita deveria alegar a prescrição, só podendo o juiz
ex offício pronunciar-se a respeito da prescrição em favor de incapaz. A lei 11.280/06 alterou o CPC
de 73 para permitir que o juiz pronuncie de ofício a prescrição (como forma de desafogar o
judiciário). Ou seja, embora diga respeito a direito dispositivo da parte, o reconhecimento da
prescrição de ofício encontra fundamento nos princípios da economia processual e da celeridade,
uma vez que não se justifica aguardar o trâmite processual e o provimento final para reconhecer a
consumação da prescrição, o que resultará em extinção do processo com resolução de mérito.

97
Leopoldo Martins Moreira Neto e William Bossaneli Araújo – atualizado por Carlos Eduardo da Silva Limonge - maio de 2020

Em respeito ao caráter defensivo da prescrição, e nos termos do art. 191, cumulado com o
enunciado 295 da 4ª jornada, o juiz deve, antes de pronunciar de ofício a prescrição, abrir prazo
para manifestação das partes (princípio da cooperação).

Com o advento do CPC/15, o entendimento emoldurado no enunciado da CJF


supracitado restou incorporado ao dispositivo legal que rege a situação:

Art. 487. Haverá resolução de mérito:


II - decidir, de ofício ou a requerimento, sobre a ocorrência de decadência ou
prescrição;
Parágrafo único.  Ressalvada a hipótese do § 1o do art. 332, a prescrição e a
decadência NÃO serão reconhecidas sem que antes seja dada às partes
oportunidade de manifestar-se.

IMPORTANTE!!! Todo prazo prescricional decorre da lei, por isso mesmo, é que NÃO
podem ser alterados pelas partes (art. 192 CC). A prescrição em curso não cria direito adquirido,
podendo seu prazo ser reduzido ou ampliado por LEI superveniente.

Dispõe o art. 193 CC que a prescrição pode ser alegada em qualquer grau de jurisdição,
pela parte a quem aproveita. Pode ser arguida em qualquer fase ou estado da causa, em primeira
ou em segunda instância. Não significa a renúncia tácita a falta de invocação da prescrição na
primeira oportunidade em que falar no processo.

Se a prescrição, entretanto, não foi suscitada na instância ordinária (primeira e segunda


instância), é inadmissível sua arguição no recurso especial ou extraordinário por faltar o
prequestionamento. Dispõe a súmula 282 do STF que “é inadmissível o recurso extraordinário
quando não ventilada na decisão recorrida, a questão federal suscitada”.

Obs.: Nada impede que o STJ ou STF declarem a prescrição de ofício uma vez admitido o recurso,
porém, devem, anteriormente, intimar as partes a se manifestarem sobre a prescrição ou decadência.

Art. 195. Os RELATIVAMENTE incapazes e as PESSOAS JURÍDICAS têm


ação contra os seus assistentes ou representantes legais, que derem causa à
prescrição, ou não a alegarem oportunamente.

INTERPRETANTO*** Se o tutor do menor púbere culposamente permitir que a ação do tutelado


prescreva, deverá indenizá-lo pelo prejuízo causado.

Atenção!!! Entretanto, este artigo NÃO abrange os absolutamente incapazes, mencionados no art.
3º CC, porque contra estes não corre a prescrição.
Art. 196. A prescrição iniciada contra uma pessoa continua a correr contra o seu
sucessor.

Assim, o herdeiro do de cujus disporá apenas do prazo faltante para exercer a ação quando
esse prazo se iniciou em desfavor do autor da herança. O prazo, desse modo, não se inicia
novamente com a morte desse.

6- DAS CAUSAS QUE IMPEDEM OU SUSPENDEM A PRESCRIÇÃO

98
Leopoldo Martins Moreira Neto e William Bossaneli Araújo – atualizado por Carlos Eduardo da Silva Limonge - maio de 2020

Os prazos prescricionais, em regra (art. 197 a 202 CC), e os decadenciais, só por exceção
(art. 26 do CDC, que trata da reclamação do consumidor ao fornecedor e instauração de inquérito
civil), podem se submeter a causas impeditivas, suspensivas ou interruptivas.

Causa impeditiva/suspensiva: art. 197 a 199 do CC. O mesmo acontecimento pode ser ou
causa impeditiva (impede que comece), ou causa suspensiva (impede que prossiga), dependendo do
momento em que ocorra.

A causa impeditiva impede o início do prazo.

A causa suspensiva impede que o prazo continue correndo.

Art. 197. Não corre a prescrição:


I - entre os cônjuges, na constância da sociedade conjugal;
II - entre ascendentes e descendentes, durante o poder familiar;
III - entre tutelados ou curatelados e seus tutores ou curadores, durante a tutela
ou curatela.

O motivo nesses casos é a confiança e a relação afetiva que existe entre as partes.
Art. 198. Também não corre a prescrição:
I - contra os incapazes de que trata o art. 3 o; (ABSOLUTAMENTE
INCAPAZES)
II - contra os ausentes do País em serviço público da União, dos Estados ou dos
Municípios;
III - contra os que se acharem servindo nas Forças Armadas, em tempo de guerra.

Não corre a prescrição contra os ABSOLUTAMENTE incapazes (quando teriam o direito


de propor a ação). A prescrição contra o menor só se inicia quando este completar 16 anos de
idade. Mas é importante ressaltar que a prescrição corre a favor dos absolutamente incapazes
(quando estes poderiam ser acionados).

Art. 199. Não corre igualmente a prescrição:


I - pendendo condição suspensiva;
II - não estando vencido o prazo;
III - pendendo ação de evicção.

Nas duas primeiras hipóteses o direito ainda não se tornou exigível, não sendo possível,
pois, se falar em prescrição. Se o terceiro propõe ação de evicção, fica suspensa a prescrição até o
desfecho final.

Dispõe o art. 200 que “quando a ação se originar de fato que deva ser apurado no juízo
criminal, não correrá a prescrição antes da respectiva sentença definitiva.”

IMPORTANTE: O Código Civil prevê a suspensão do prazo prescricional para a ação de


reparação civil (ação de indenização) se o fato estiver sendo apurado no juízo criminal. Segundo a
jurisprudência do STJ, só deve ser aplicado o art. 200 do CC se já foi instaurado inquérito policial
ou proposta ação penal. Se o fato não será apurado no juízo criminal, não há sentido do prazo
prescricional da ação cível ficar suspenso, até mesmo porque ficaria para sempre suspenso, já que,
se não há ação penal, não haverá nunca sentença penal. STJ. 3ª Turma. REsp 1180237-MT, Rel.
Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 19/6/2012 (Info 500)

99
Leopoldo Martins Moreira Neto e William Bossaneli Araújo – atualizado por Carlos Eduardo da Silva Limonge - maio de 2020

Dispõe ainda o art. 201 “que suspensa a prescrição em favor de um dos credores
solidários, só aproveitam os outros se a obrigação for indivisível.” A prescrição é benefício
pessoal e só favorece as pessoas taxativamente mencionadas, mesmo na solidariedade. Assim,
existindo três credores de dívida em dinheiro, sendo um deles absolutamente incapaz, a prescrição
fluirá normalmente contra os outros dois credores, ficando suspensa apenas em relação ao menor.
Se se tratar, porém, de direito indivisível a prescrição somente começará a fluir para todos quando
o incapaz completar 16 anos. Sendo o direito indivisível, a suspensão aproveita a todos os
credores.

7- DAS CAUSAS QUE INTERROMPEM A PRESCRIÇÃO

O art. 202 do CC diz que o prazo prescricional só pode ser interrompido UMA VEZ
(para evitar abusos), e nos diz as hipóteses de interrupção. De acordo com seu parágrafo único, “a
prescrição interrompida recomeça a correr da data do ato que a interrompeu, ou do último
ato do processo para a interromper.”

A prescrição pode ser interrompida por qualquer interessado (art. 203 CC), incluindo
terceiros que tenham legítimo interesse.
Art. 202. A interrupção da prescrição, que SOMENTE PODERÁ OCORRER
UMA VEZ, dar-se-á:
I - por despacho do juiz, mesmo incompetente, que ordenar a citação, se o
interessado a promover no prazo e na forma da lei processual;
II - por protesto, nas condições do inciso antecedente;
III - por protesto cambial;
IV - pela apresentação do título de crédito em juízo de inventário ou em
concurso de credores;
V - por qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor;
VI - por qualquer ato inequívoco, ainda que extrajudicial, que importe
reconhecimento do direito pelo devedor.
Parágrafo único. A prescrição interrompida recomeça a correr da data do ato
que a interrompeu, ou do último ato do processo para a interromper.

LEMBRAR SEMPRE!!! No direito civil a citação interrompe a prescrição, já no direito penal NÃO!

7.1. OBSERVAÇÕES ACERCA DO INCISO I DO ART. 202.


Art. 202. A interrupção da prescrição, que somente poderá ocorrer uma vez, dar-
se-á:
I - por despacho do juiz, mesmo incompetente, que ordenar a citação, se o
interessado a promover no prazo e na forma da lei processual;

A prescrição considera-se interrompida na data da propositura da ação (registro ou


distribuição da petição inicial). Mas não é este nem aquela que a interrompem, mas sim o
despacho que ordenar a citação, operando, porém, retroativamente à referida data.

O inciso I considera causa interruptiva o despacho do juiz, mesmo incompetente, que


ordenar a citação, desde que esta seja promovida pelo interessado, no prazo e na forma da lei
processual.

Para interromper a prescrição, a citação deve preencher os requisitos de existência e de


validade, segundo a lei processual. A citação ordenada por juiz incompetente interrompe a
prescrição, para beneficiar aqueles que de boa-fé peticionam perante o juiz incompetente. É

100
Leopoldo Martins Moreira Neto e William Bossaneli Araújo – atualizado por Carlos Eduardo da Silva Limonge - maio de 2020

preciso também que a citação seja válida, isto é, que não seja nula por inobservância das
formalidades legais.

Obs.: Tem-se admitido que a citação ordenada em processo anulado é idônea para se interromper a
prescrição, não tendo a nulidade sido decretada exatamente por vício de citação.

Dispõe ainda o art. 204 CC,


A interrupção da prescrição por um credor não aproveita aos outros;
semelhantemente, a interrupção operada contra o co-devedor, ou seu herdeiro,
não prejudica aos demais coobrigados.

INTERPRETANDO*** Os efeitos da prescrição são PESSOAIS. Em consequência, a


interrupção da prescrição feita por um credor não aproveita os outros, assim como aquela
promovida contra um devedor não prejudica os demais coobrigados. Esta regra admite exceção:
§ 1o A interrupção por um dos credores solidários aproveita aos outros; assim
como a interrupção efetuada contra o devedor solidário envolve os demais e
seus herdeiros.
§ 2o A interrupção operada contra um dos herdeiros do devedor solidário NÃO
prejudica os outros herdeiros ou devedores, senão quando se trate de
obrigações e direitos indivisíveis.

No caso do §2º, todos os herdeiros ou devedores solidários sofrem os efeitos da interrupção


da prescrição, passando a correr contra todos eles o novo prazo prescricional. Já decidiu o STJ, “se
o direito é indivisível, a interrupção da prescrição por um dos credores a todos aproveita”.
§ 3o A interrupção produzida contra o principal devedor prejudica o fiador.

Como a fiança é contrato acessório, este segue o destino do principal. A recíproca não é
verdadeira.

8- CONTAGEM DE PRAZO PRESCRICIONAL

A maioria dos prazos do Código Civil foi reduzida. Qual é o prazo prescricional da
pretensão de reparação civil? Para a famosa ação de perdas e danos era de 20 anos. Hoje é de 3
anos. O STJ tem reafirmado a seguinte tese, caso: um determinado ato ilícito, acidente de que
derivou uma vítima, o credor, titular da pretensão tinha prazo de 20 anos para formular a pretensão
em juízo. O credor não fez isso. Deixou o prazo correr. No 12º ano do prazo, entrou em vigor o
Código de 2002, que havia reduzido o prazo de 20 para 3 anos. O prazo prescricional era de 20, o
credor não se movimentou. #Faltariam quantos anos para a prescrição? 3 anos, pelo código
novo ou 8 anos para totalizar 20, pelo código velho? Apesar de o código não ter sido muito
minucioso, adotou uma regra geral sobre isso. A resposta a essa pergunta (quantos anos faltariam
para a prescrição) encontra-se no art. 2028, do Código Civil:

Art. 2.028. Serão os da lei anterior os prazos, quando reduzidos por este Código, e
se, na data de sua entrada em vigor, já houver transcorrido mais da metade do tempo
estabelecido na lei revogada.

O prazo foi reduzido? Sim. De 20 para 3 anos. Então, se no concurso cair uma questão desta,
a primeira pergunta que se deve fazer é se o prazo foi reduzido. Tendo sido reduzido, você aplica o
2.028: se transcorreu mais da metade do prazo da lei velha, continua a aplicar a lei velha.
Faltariam, no exemplo, quantos anos para a prescrição? 8 anos.
101
Leopoldo Martins Moreira Neto e William Bossaneli Araújo – atualizado por Carlos Eduardo da Silva Limonge - maio de 2020

Se no concurso a questão propôs o transcurso de menos da metade, por exemplo, no 7º ano


entra em vigor o código de 2002, faltariam 3 anos para a prescrição.

#Esses três anos, que é o prazo da lei nova, se conta da consumação do ilícito ou da entrada
em vigor do código novo?
A esmagadora maioria da doutrina e a jurisprudência do STJ já firmaram o entendimento no
sentido de que o prazo menor da lei nova deve ser contado a partir da entrada em vigor do
novo Código Civil e não do momento em que o direito é descumprido (ver REsp 896635/MT).

“REsp 896635: (...) O prazo prescricional em curso, quando


diminuído pelo novo Código Civil, só sofre a incidência da redução a
partir da sua entrada em vigor. Precedentes. (...)”

Até porque, se se considerasse o prazo contando a partir do início, se estaria dando


retroatividade ao código novo e fulminando o credor que tinha, 20 anos de prazo e, de repente,
acorda sem nada. Maria Helena Diniz sustenta que o prazo tem que ser contado a partir do direito
descumprido. Mas é posição isolada na doutrina.

CAPÍTULO II
DA DECADÊNCIA

102
Leopoldo Martins Moreira Neto e William Bossaneli Araújo – atualizado por Carlos Eduardo da Silva Limonge - maio de 2020

1- CONCEITO E CARACTERÍSTICAS

Conceito: é a perda do direito potestativo pela inércia do seu titular no período determinado
em lei.

#O que é direito potestativo?


Direito potestativo (ou formativo) é aquele por meio do qual o seu titular interfere na esfera
jurídica de terceiro, impondo uma sujeição, sem que esta pessoa nada possa fazer. Diferenciam-se
dos direitos a uma prestação. Os direitos potestativos são direitos sem pretensão, pois são
insuscetíveis de violação, já que a eles não se opõe um dever de quem quer que seja, mas uma
sujeição de alguém.

Obs.: O prazo para o exercício de um direito potestativo será sempre um prazo decadencial.

2- DISPOSIÇÕES LEGAIS DA DECADÊNCIA

Dispõe o art. 207, “salvo disposição legal em contrário, NÃO se aplicam à decadência as
normas que impedem, suspendem ou interrompem a prescrição.”

IMPORTANTE!!! Art. 26 CDC. Causa impeditiva de prazo decadencial (isso é exceção).

1º) Reclamação perante o fornecedor até a resposta negativa deste.


2º) Instauração de inquérito civil, até seu encerramento.

Os prazos decadenciais podem ser legais ou convencionais.

Prazo decadencial legal: direito de anular um negócio jurídico por vício, a exemplo do dolo
(o que se quer é a anulação do negócio, não quer nada da outra parte).

#O juiz pode reconhecer decadência de ofício?

Art. 210. Deve o juiz, de ofício, conhecer da decadência, quando estabelecida por
lei (DECADÊNCIA LEGAL).

Entretanto,

Art. 211. Se a DECADÊNCIA FOR CONVENCIONAL, a parte a quem


aproveita pode alegá-la em qualquer grau de jurisdição, mas o juiz NÃO pode
suprir a alegação.

O art. 208 CC determina que se aplique a “decadência o disposto nos arts. 195 e 198, inciso
I”, que dizem respeito aos incapazes.

Art. 195. Os relativamente incapazes e as pessoas jurídicas têm ação


contra os seus assistentes ou representantes legais, que derem causa à
prescrição, ou não a alegarem oportunamente.
Art. 198. Também não corre a prescrição:
I - contra os incapazes de que trata o art. 3o;

O art. 209 proclama que “é nula a renúncia à decadência FIXADA EM LEI.”


103
Leopoldo Martins Moreira Neto e William Bossaneli Araújo – atualizado por Carlos Eduardo da Silva Limonge - maio de 2020

IMPORTANTE!!! O referido dispositivo considera irrenunciável apenas os prazos fixados em


lei, e não os convencionais.

TÍTULO V
DA PROVA
104
Leopoldo Martins Moreira Neto e William Bossaneli Araújo – atualizado por Carlos Eduardo da Silva Limonge - maio de 2020

1- CONCEITO E INTRODUÇÃO

É o meio empregado para demonstrar a existência do ato ou negócio jurídico. Deve a prova
ser admissível (não proibida por lei), pertinente (adequada a demonstração dos fatos em questão) e
concludentes (esclarecedora dos fatos controvertidos).

Não basta alegar, é preciso provar (nada alegar e alegar e não provar quer dizer a mesma
coisa). O que se prova é o fato alegado, não o direito a aplicar, pois é atribuição do juiz conhecer e
aplicar o direito. Por outro lado, o ônus da prova incumbe a quem alega o fato e não a quem o
contesta, sendo que os fatos notórios independem de prova.

O art. 212 enumera os meios de prova. Esse rol, porém, é exemplificativo e não taxativo.

2- MEIOS DE PROVA

2.1 CONFISSÃO

OCORRE QUANDO A PARTE ADMITE A VERDADE DE UM FATO, contrário ao


seu interesse e favorável ao adversário.

Pode ser judicial (em juízo) ou extrajudicial (fora do processo), espontânea ou provocada,
expressa ou presumida.

Não tem eficácia a confissão se provém de quem não é capaz de dispor do direito a que
se referem os fatos confessados. Se feita a confissão por um representante, somente é eficaz nos
limites em que este pode vincular o representado.

IMPORTANTE!!! A CONFISSÃO É IRREVOGÁVEL, mas pode ser anulada se decorreu de


erro de fato ou de coação (Arts. 213 e 214 CC) (ação anulatória).

2.2 DOCUMENTO

Pode ser público ou particular. Tem função apenas probatória. Público são os elaborados
por autoridade pública no exercício de suas funções. Particulares quando elaborados por
particulares.
Art. 216. Farão a mesma prova que os originais as certidões textuais de qualquer
peça judicial, do protocolo das audiências, ou de outro qualquer livro a cargo do
escrivão, sendo extraídas por ele, ou sob a sua vigilância, e por ele subscritas, assim
como os traslados de autos, quando por outro escrivão consertados.

Art. 217. Terão a mesma força probante os traslados e as certidões, extraídos por
tabelião ou oficial de registro, de instrumentos ou documentos lançados em suas
notas.

2.3. TESTEMUNHA

105
Leopoldo Martins Moreira Neto e William Bossaneli Araújo – atualizado por Carlos Eduardo da Silva Limonge - maio de 2020

Podem ser instrumentárias ou judiciárias. Estas são as que prestam depoimento em juízo.
Aquelas são as que assinam um instrumento.

Importante observar quem não pode ser admitido como testemunha, e em quais casos
ninguém pode ser obrigado a depor (respectivamente arts. 228 e 229 CC):
Art. 228. Não podem ser admitidos como testemunhas:
I - os menores de dezesseis anos;
II – (Revogado);
III – (Revogado);
IV - o interessado no litígio, o amigo íntimo ou o inimigo capital das partes;
V - os cônjuges, os ascendentes, os descendentes e os colaterais, até o terceiro grau
de alguma das partes, por consangüinidade, ou afinidade.
§ 1o Para a prova de fatos que só elas conheçam, pode o juiz admitir o depoimento
das pessoas a que se refere este artigo. (Redação dada pela Lei nº 13.146, de
2015)
§ 2o A pessoa com deficiência poderá testemunhar em igualdade de condições com
as demais pessoas, sendo-lhe assegurados todos os recursos de tecnologia assistiva.
(Incluído pela Lei nº 13.146, de 2015)

2.4 PRESUNÇÃO

É a ilação que se extrai de um fato conhecido para se chegar a um desconhecido.

Podem ser legais (são as que decorrem da lei) ou comuns (os que se baseiam no que
ordinariamente acontece).

As presunções legais se dividem em ABSOLUTA (IURIS ET DE IURE), que são as que


não admitem prova em contrário. E RELATIVAS (IURIS TANTUM) são as que admitem prova
em contrário.

2.5 PERÍCIA

Exame: apreciação de alguma coisa, por peritos, para auxiliar o juiz a formar sua convicção.

Vistoria: é também perícia, restrita porem a inspeção ocular.

Obs.: Sumula 301 STJ, “Em ação investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se a exame de
DNA, induz presunção júris tantum (relativa) de paternidade”.

106

Você também pode gostar