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Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

Teoria Geral do Direito Civil I

Professora Regente: Maria Rosário Palma Ramalho


Professor Assistente: Pedro Pais Vasconcelos
Mafalda Luísa Condelipes Boavida

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A ordem jurídica corresponde a um sistema, um conjunto de comandos
normativos que é ordenado segundo os parâmetros lógicos. Esses parâmetros
permitem que ele seja compreensível do exterior, como um todo.

Sistema Jurídico
- Compõe-se em várias áreas ou subsistemas (tese defendida por Canaris no
livro “O pensamento sistemático da ciência do direito”).

A 1ª grande divisão que aparece no seio do sistema jurídico, e que


remonta a Justiniano e Ulpiano, é a divisão entre Direito Público e Direito
Privado.
Pode dizer se que o direito civil é anterior a esta divisão e os indivíduos
são anteriores ao Estado.
O Estado ocupa se do individuo do que ele tem e das suas relações.
O Direito civil é fundamentalmente diferente do Dto. Público. Este
abrange o relacionamento entre os particulares e o Estado, ou os seus órgãos
ou agentes, e o direito interno do Estado.
A distinção entre o Dto. Privado e o Dto. Público têm ocupado muitas
páginas à doutrina.
No tratado do prof. Menezes Cordeiro, encontramos uma pluralidade de
critérios para esta divisão:

- Critério do interesse subjacente às normas: Critério muito


tradicional, que faz apelo para distinguir entre público e privado, àquilo que
corresponde à motivação essencial das normas jurídicas. Se prosseguem
interesses públicos, então são de Direito Público (ex: interesse da não-
poluição, da paz social...). Se pelo contrário, à norma jurídica subjaz um
interesse particular, então a norma é uma norma de Direito Privado (ex:
interesse de Rui casar, fazer um contrato...).
Mas este critério é falível. Há normas do Direito Privado que
prosseguem interesses públicos muito evidentes (ex: família) e não podem, por
isso, ser afastadas pelos particulares, que não podem alterar critérios de
casamento, etc. Mas também, existem áreas do direito público que são

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relevantes aos interesses dos particulares – por ex: os direitos fundamentais
podem ser invocados por particulares.

- Critério de tipo de sujeitos: Se numa dada situação o titular for o


Estado ou outra pessoa coletiva pública, a norma que o regula será uma norma
de direito público. Se, por outro lado, os sujeitos forem A e B, estamos perante
direito privado.
No entanto, também não é suficiente porque, por vezes o estado
intervém como particular (ex: Se A morre e não tem herdeiros o Estado recebe
os bens).

- Critério da posição relativa do sujeito: Este critério não atende à


natureza jurídica dos sujeitos ou à sua qualidade, mas sim ao modo como
atuam. Deste modo, diz-se que estamos no âmbito do direito público quando
um ente público intervém no âmbito dos seus poderes de autoridade – Jus
imperii.

2 ideias chave de Menezes Cordeiro:


à O Direito Privado é dominado pela ideia de igualdade entre os
sujeitos, no sentido em que os entes estão numa posição de paridade. Pelo
contrário, no Direito Público existe um desnível, há autoridade, porque por
princípio o Estado – enquanto age com jus imperii está numa posição de
autoridade.
à Por outro lado, o Direito privado é dominado pela ideia de
liberdade/autonomia – que se evidencia por os sujeitos privados poderem
tomar todas as atuações que não sejam punidas por lei. Já no Direito Público
evidencia-se a competência – os entes públicos so podem fazer coisas para as
quais tenham competência, sendo esta conferida por lei.

O Direito não tem de ser exclusivamente e exaustivamente público ou


privado e dificilmente poderá sê-lo. No entanto, a sua distinção tem uma longa
tradição e não deixa de ser útil, desde que seja entendida e atuada de modo
polar e gradual e não de um modo dicotómico e exclusivo.

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A distinção entre Dto. Público e Dto. Privado, tal como é
tradicionalmente construída, não incide sobre regulações concretas e
parcelares, mas antes sobre aquilo que se convencionou designar pela
expressão “ramos do direito”.
Incidindo sobre “ramos do direito”, a distinção acaba por separar o
Direito Público do Direito Privado, consoante os interesses dominantemente
tutelados, consoante a natureza pública ou privada tida e assumida pelos
intervenientes e consoante a relação de paridade ou de autoridade em que se
desenvolvem.

O Direito Privado é o mais antigo, sendo então a fonte de todo o direito e


também do Direito Civil.

Entra no Direito Privado e regula as relações entre os privados e


persegue, sobretudo, os interesses dos particulares à direito privado comum.

Constituem o conteúdo fundamental do Direito Civil, desde logo as


realidades extrajurídicas sem as quais o próprio Direito não existiria e que lhe
constituem o fundamento ôntico e ético. São elas as pessoas, os bens e as
ações. Trata-se de realidades que têm existência independente do Direito e
que o condicionam.
As pessoas, desde logo, com prioridade sobre tudo mais, porque todo o
direito existe em função e por causa das pessoas e não tem sequer razão de
ser fora delas e sem elas; todo o Direito é criado pelas pessoas e para as
pessoas, e nasce como consequência da convivência das pessoas umas com
as outras num mesmo espaço social.
Também as ações constituem pontos de partida para o Direito. As
pessoas não são inerentes e atuam na sociedade. As ações são as atuações
humanas que se dirigem a alcançar uma finalidade que o desencadeia e o
orienta. A ação é um dos pontos de partida do direito porque sem ações este
não existiria. Se as pessoas fossem inertes, não haveria contacto social e,
portanto, não haveria direito.

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Finalmente, os bens são o terceiro ponto de partida do Direito. Os bens
são tudo aquilo que não seja pessoa e que seja hábil para satisfazer as
necessidades e apetências das mesmas. Os bens, como se sabe, são sempre
escassos. As pessoas raramente se satisfazem com o que têm e criam sempre
novas necessidades e apetências para a satisfação das quais os meios são
fatalmente escassos. Uma sociedade duradouramente saciada é uma utopia.
Por isso, os bens aptos para satisfazer as necessidades e apetências das
pessoas são causa de contacto social e fonte de conflitos.

Para além das pessoas, das ações e dos bens, como pontos de partida
do Direito, o Dto. Civil enquadra ainda no seu âmbito, institutos, figuras e
processos do exercício jurídico que são comuns a todos os sub-ramos
especiais. O Direito Civil é, assim, o direito comum do Direito Privado.

D. publico/ D. privado/ D. social


(interesses estaduais/interesses individuais/ interesses coletivos);
Esta distinção não é muito útil. Correspondeu à última face da história-
anos 30, 40, 50, ... – mas hoje não faz sentido, porque muitos interesses
coletivos foram abrangidos pelos interesses privados.

Direito comum e institucional


(posição defendida pela regente)
Para Oliveira Ascensão, o direito da família, ou das sucessões, orienta-
se com uma intuição como centro. Mas uma intuição pode ser vista como um
conceito sociológico, o que não abona muito à credibilidade desta tese.

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25/09/2019

Direito privado

Direito comum / direitos especiais à Relação de subsidiariedade

O Direito Civil, enquanto origem de todos os Direitos, é fonte de


princípios e de quadros dogmáticos, ou quadros de referência, para outros
direitos. É bom retermos ainda que o Direito Civil, face aos outros direitos
privados especiais, é tronco comum, e é por isso subsidiário das outras áreas.
Ou seja, não há corte, mas pode haver complementaridade – do especial pode-
se subir ao tronco.
Porque se distingue entre o direito privado comum (direito civil) e
direitos privados especiais? Porque o direito privado comum é o que atende
às situações jurídicas particulares enquanto cidadãos comuns. Por outro lado,
os direitos privados especiais atendem à atuação, e à qualificação dos
cidadãos enquanto comuns. Exemplos disto são o D. Comercial e o D. do
Trabalho. O D. Comercial atende às situações dos cidadãos não enquanto tais,
mas enquanto comerciantes. Isto justifica que haja para eles um subsistema
que se distingue do direito civil. Raciocínio idêntico se aplica no cado do D. do
Trabalho.
Uma 3ª área é a dos direitos de autor, que é reconhecida como área
autonomizada.

Quando falamos em direitos especiais (A e B abrem uma sociedade)


existem na mesma os interesses particulares de cada um, no entanto separa
se a esfera pessoal da esfera profissional.
Com o tempo estas áreas foram se separando do direito civil.
Tradicionalmente conhecem se dois ramos especiais o do d. comercial e o d.
do trabalho.
No 1º os interesses são ligados a atividade de comercio e empresas e
há um conjunto de normal que regulam especificamente essa atividade, os
seus protagonistas são os comerciantes e as sociedades comerciais.

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No 2º os interesses perseguidos são os interesses dos trabalhadores,
dos empregadores, das associações sindicais. é fácil de separar a posição dos
entes, c base nestes interesses o D. do trabalho regula o contrato de trabalho,
os fenómenos de natureza coletiva sindicatos... sendo por isso identificável
como diferente do direito comum/ civil.

A vantagem desta distinção é a facilidade de encontrar e não repetir as


normas. Por vezes, também usamos as normas dos direitos especiais no
direito comum.
Apesar das normas se terem indo separando do tronco comum, a
sua autonomia não é sempre a mesma (autonomia sistemática e dogmática).
O Dto. Comercial tem apenas autonomia sistemática; tem a autonomia
para se organizar num sistema à parte, mas obedece aos princípios do Direito
Civil. É um subsistema, tal como, o Direito do trabalho.
No entanto, os Dtos. de Autor não são iguais, não são tão
desenvolvidos, mas existe autonomia sistemática separada do ramo comum
jurídico.

A autonomia dogmática é quando o conjunto normativo separado tem


também princípios próprios =/= dos do tronco de comum. (Os Dtos. de autor
não têm: quanto ao dto. Comercial a doutrina divide se; já o dto. do Trabalho
sem dúvida que tem direitos próprios e distintos do Direito Civil).

Qual a diferença entre Direito Civil e Teoria Geral do Direito Civil?

Esta distinção pode ser feita através do Código Civil, uma vez que, a
teoria geral é um dos livros do código. Nesta cadeira vamos ocupar-nos da
parte geral, os outros livros serão desenvolvidos noutras cadeiras do curso. O
Código Civil português é baseado no Código Civil alemão e foi aí que fomos
buscar esta divisão. A ideia em estabelecer uma parte geral surge, em primeiro
lugar, para que se possam definir princípios, normas, conceitos, que podem
depois ser aplicados às partes especiais.
Em primeiro, aparece a matéria das pessoas (segunda parte do nosso
estudo) – quem são os sujeitos de uma relação jurídica. Depois, ocupa-se das

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coisas e depois da dinâmica como se formaram as situações jurídicas- negócio
jurídico. A parte geral tem ainda um outro ponto, o da tutela dos direitos – o
exercício ou tutela jurídicos (a nossa quarta parte).
A parte geral ocupa-se ainda de duas outras coisas: uma delas é a dos
direitos de personalidade (art. 70 e ss do CC). Ocula-se ainda da lei aplicável a
situações que envolvam sujeitos de vários regimes jurídicos, que será tratada
em Direito Internacional Privado.

30/09/2019

O direito civil é a área mais antiga do direito, sistema ou subsistema


mais antigo do direito. No caso do direito civil PT a sua origem esta no direito
civil romano, portanto vejam há mais de 2000 anos. Se pensaremos por ex. em
áreas como o direito administrativo a sua origem não se pode pensar antes do
séc. XVII.
Temos, por isso, de analisar o direito romano para vermos de onde
somos originários.
O sistema jurídico romano não era parecido com o nosso relativamente
ao seu sistema de funcionamento.
Este caracteriza-se essencialmente por 3 pontos:

à É um direito de base tópica, ou seja, as soluções encontram-se a


partir dos problemas, a base são os problemas; topicamente para cada um
deles procura-se a solução. Isto quer dizer que não há um sistema com
subsistemas que nos ajudam a resolver os casos perante as normas que estão
definidas;
à É um direito eminentemente pretoriano, assenta em ações levadas
aos pretores que são os agentes judiciais. O papel da retorica é um papel
muito importante, pq é um direito processual baseado nas ações. O d. romano
é de base judicial assente em ações em que os agentes judiciais tem um papel
predominante, assuma na prática jurisprudencial;
à É um direito compilado, objeto de compilações, mas não é codificado.
Temos as normas passadas a escrito e juntas, mas de uma forma acrítica, não
há um fio condutor.

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Influencia toda a civilização ocidental. Esta influência perdura mt para
alem da queda o império, perdura até aos dias de hoje.

(Stevan sewer – sangue romano, livro recomendado)

“O nome da rosa”

Recessões do direito romano à como se interpretam os textos romanos


à luz da tradição cristã.
A idade media é uma época de bastante obscurantismo.
Com a idade moderna procura-se voltar ao original e voltar aos textos
romanos na sua pureza ultrapassado a visão filtrada dos comentadores. Esta
preocupação começou por se desenvolver em FR e Itália. Tentam-se também
as primeiras compilações e ensaia-se uma sistemática periférica, as normas
são mais o menos agrupadas pela sua semelhança.
O humanismo evoluiu numa perspetiva racionalista.

Descartes desenvolve o pensamento cartesiano, em que constrói tudo


em torno do racionalismo, elevada abstração. O seu pensamento tbm é
aplicado ao direito.

3 Grandes conceitos:
-o homem;
- o que tem;
- o que pode fazer;
Esta sistematização central é muito mais sistemática e perfeita do poto
de vista da observação
Os p1ºs códigos civis são o produto desta sistemática racionalista. Estes
só surgem no sec. XIX o primeiro e de Napoleão, e são produto desta
sistemática, é compilado, não tem nenhuma ordem.
O nosso primeiro código civil é o chamado código Seabra.

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Apendetistica – estudo dos textos legais romanos e influenciou a
sistematização do código civil alemão e depois o português.

O direito civil começou por se sentar na resolução de casos práticos sem


preocupações de estabelecer relações entre os problemas e as soluções para
ele encontradas, mas na sua evolução histórica caminhou de uma base pratica
tópica para um base sistemática, conseguindo agrupar as suas normas e partir
da norma para o caso, e não o inverso.

A org. sistemática teve várias fases:


- Sistemática periférica: normas de acordo c as atividades, mas não é
de todo uma distribuição perfeita;
- Sistemática racionalista: base em conceitos fundamentais basicos;
- sistemática integracionista: conjugação dos princípios fundamentais
com a valorização da dimensão cultural da aproximação ao caso ta ontologia
do direito civil.

2/10/2019

A partir do séc. XVI começa também a surgir a ciência jurídica civil. Esta
evolução traduz-se sobretudo na codificação do Direito Civil. O D. Civil é um
ramo do direito codificado. Esta evolução justifica porque é que, apesar da sua
base românica, só muito mais tarde surge a codificação. O produto mais
acabado da 3ª sistemática é o BGB, o Código Civil alemão, o livro de leis do
burgo.

Podemos agora estabelecer uma distinção importante:


codificação e compilação.
A compilação é uma junção de normas sem critérios lógicos. A
codificação é bem mais exigente do ponto de vista jurídico.
A codificação reconduz-se a uma clarificação de normas, que obedece
não só à compilação, mas também a uma reflexão prévia sobre princípios

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gerais. Esta passa por conceitos aglutinadores, deduções lógicas, etc. Por
outro lado, normalmente a codificação não é inovadora. Como pressupõe um
trabalho prévio de reflexão, epa pressupõe um esforço já feito de reflexão, de
trabalho sobre conceitos e normas já estabelecidos. Os expoentes máximos da
codificação civilista são o Código de Napoleão, no inicio do séc. XIX e o BGB
no fim do séc. XIX.

Código Civil francês – Código de Napoleão


- 1804, foi o primeiro diploma a unificar as fontes dispersas do
direito civil francês, que era ao mesmo tempo ainda direito romano, com
o direito consuetudinário, direito canónico, etc.
- Reduziu a escrito uma multiplicidade de práticas que então
existiam.
- Inspira-se nos ideais da revolução francesa, e é a partir dos
seus conceitos chave que trata as diversas relações no âmbito do direito
civil.
- Reflete a sistemática racionalista.
- Os conceitos que o código escolhe são: pessoas, propriedade,
e as convenções.
- Pessoas: trata da sua igualdade, personalidade, incapacidade,
relações familiares, etc;
- Propriedade: o direito das pessoas sobre os bens;
- Contratos/convenções; o que as pessoas podem celebrar; os
contratos entre as pessoas valem entre elas como se fossem lei, e
exercita-se aqui o máximo do principio da liberdade; as pessoas são
livres de celebrar os contratos que quiserem, mas tem de os cumprir;
princípio de responsabilidade civil.

Até hoje estes são os pilares do Direito Civil.

Código Alemão- BGB


- 1896, entra em rigor em 1900; produto da doutrina alemã –
pandectistica; É um diploma mais elaborado, do ponto de vista técnico do que

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o Código napoleónico, mas pelo que há 100 anos de difereça. Base em 1
conceito basilar para todo o código- conceito de relação jurídica.
Na sua estruturação o BGB tem uma parte geral, e tem depois várias
partes especiais que pretendem decompor o conceito de relação jurídica: as
relações jurídicas familiares (casamento, parentesco) e as relações jurídicas
sucessórias (sucessão). Esta é uma organização de grande apuro técnico,
onde se irão decompor as relações oriundas da parte geral. Esta diferença face
ao código francês justifica que haja hoje duas grandes famílias de direito civil:
napoleónicas e germânicas. Portugal é germânico.

Esta classificação germânica é muitas vezes criticada, por várias razões:


à as suas partes especiais não foram desenhadas com base no critério
unitário; as matérias foram la colocadas sem critério uniforme. Mas a esta
critica deve contrapor-se que é uma classificação de grande utilidade – permite
regular tudo de uma forma lógica. Isto ajuda a que resistam muito em termos
de tempo.
à a parte geral tem um pendor excessivamente teórico. É verdade – o
conceito de que parte é fabricado, não tem significado cultural por si só para o
comum cidadão. O que a técnica do BGB faz é relativizar a realidade social da
pessoa.
à o próprio conceito de relação jurídica tem muitas deficiências; nem
todos os fenómenos disciplinares se podem resumir a este conceito. A relação
jurídica pressupõe sempre dois sujeitos, mas nem sempre existem 2 sujeitos.

Vamos referir o conceito de situação jurídica e não o de relação jurídica.

(Menezes cordeiro não tem exatamente a mesma visão da


regente que concorda muito com o código excepto com o conceito
de relação jurídica).

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7/10/2019

Direito Civil Português

A primeira referência a fazer é a base do D. Civil português é o jus civile


romano, mas com as influências dadas pelos canonistas nas receções. É
destas receções que saem as primeiras compilações de normas do Direito Civil
português – as Ordenações (Afonsinas, Manuelinas e Filipinas).
A par com as ordenações, vigoravam diversos diplomas avulsos: as leis
extravagantes; o direito romano comum; o direito canónico nalgumas matérias;
o costume internacional. Isto é o que se passa até ao séc. XIX. No séc. XIX
surgem os primeiros compêndios do D. Civil e, já se nota algma influência em
muitos autores da tradição civilista francesa, ou seja, do código de napoleão –
Pascoal de Melo, Coelho da Rocha, Correia Telles, etc. É na sequência desta
influência que surge o Código Seabra. A codificação surge no séc. XIX devido
à maturação já existente em Portugal. Temos essencialmente aqui a reter 2
códigos: O de Seabra, baseado no francês e o nosso CC atual baseado em
autores germânicos do virar do séc.
Vejamos agora o esqueleto do Código de Seabra, para vermos como foi
influenciado pelo Código Napoleónico.
O Código de Seabra tem uma sistemática assente em 4 partes. Cada
parte é dividida em livros. A 1ª parte chama-se capacidade civil; a 2ª parte trata
da aquisição de direitos; a 3ª parte da propriedade; a 4ª parte da ofensa dos
direitos e da sua separação.
Temos aqui patente uma sistematização, um grande valor dado à
pessoa, e um código de pendor liberal, que transporta o individualismo
associado aos ideais da época, um pouco como o Código Napoleónico.
Este código esteve em vigor durante 100 anos.

Depois do Código de Seabra, há que ter em conta o Código Civil de


1966. A influência desde CC é completamente diferente, sobretudo do ponto de
vista técnico. Os grandes valores são idênticos, diferindo da técnica. Como o
Código de napoleão influencio o Código de Seabra, o BGB influenciou o nosso
CC atual. Os nossos civilistas tinham uma grande influência germânica, o que

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está patente no código civil de 1966. Destacam-se Pires de Lima, Galvão
Teles, etc., que fizeram parte ou que auxiliaram comissões preparatórias,
comissões essas que fizeram vários anteprojetos das diversas partes. Na base
deste código estão algumas críticas feitas ao Código de Seabra, ao longo de
vários anos de aplicação, foi revelado ter várias lacunas, pelo que havia que as
colmatar. Essas lacunas justificaram um alto número de leis avulsas, que se
justificava integrar num único código.
O nosso CC tem um grande mérito no capítulo da técnica jurídica. Com
a arte geral resolve-se uma série de problemas que não são objeto de
tratamento nas partes específicas, e as matérias sã facilmente encontráveis.
Sujeita-se às mesmas críticas do BGB, que elaboramos na aula anterior- parte
geral demasiado teórica, critérios não uniformes de arrumação das matérias,
etc. Por um lado, diz a doutrina que é um Código com muitas definições. O
código tem provado muito bem – é de 1966 e ainda está em vigor -, mas já
teve algumas alterações.

Alterações do CC:
A mais importante foi a que sucedeu ao 25 de Abril, porque o Código
tinha sido pensado à luz de um ideário corporativo. Esta reforma ficou
conhecida por reforma de 1977, e adequou o CC à nova ordem funcional
nalgumas matérias delicadas – igualdade, maioridade ou direito da família.
à Alterou se a idade de maioridade de 21 anos para 18;
à Alterou-se o regime de emancipação;
à Desapareceu a figura do chefe de família;
à Desapareceram as incapacidades da mulher casada;
à Por força do princípio da igualdade desapareceu o conceito de filhos
ilegítimos;
à Foi consagrado o divórcio;
à Foram ainda alterados alguns regimes na matéria das sucessões –
como a mulher poder ser herdeira do marido.
Houve ainda alterações ao CC depois da adesão de Portugal à UE,
sobretudo em normas com incidência financeira – conversão para o euro.

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Apesar da estabilidade, há algumas matérias que são excecionalmente
delicadas, e que foram já alteradas várias vezes ou foram mesmo subtraídas
ao Código para serem postas como diplomas autónomos. Por outro ex., o
contrato promessa foi alvo de muitas alterações, tal como o arrendamento, que
originalmente constava no CC, mas acabou por ser retirado e hoje é tratado
como legislação especial. Outra matéria delicada é a copropriedade, ou
propriedade horizontal, que tem sido alterada e complementada por diplomas
próprios. São ainda alteradas diversas áreas do D. da família (filiação, união de
facto, casamento, divórcio, adoção, etc.). Recorrentemente e fala na reforma
do CC, mas até agora ainda não aconteceu.
Há ainda diversa legislação avulsa. Esta existe no caso do
arrendamento urbano, que tem um regime especial; do arrendamento rural; e
há ainda outro diploma importante, a Li das Clausulas Contratuais Gerais. As
clausulas contratuais gerais têm a ver com a forma de contratação em massa,
em que o contrato é apresentado por uma das partes à outra já todo feito, e a
outra parte que pode vir a assinar sem ter a possibilidade de modificar as
cláusulas.
Temos ainda que contar com a legislação complementar do CC –
diplomas necessários para a aplicação das normas civis. Por exemplo, o
Código de Processo Civil, o Código do Registo Predial, o Código do Notariado,
entre outros.
Por fim, revelam também como fontes importantes do Direito Civil a
Constituição e o D. Europeu em matéria civil, que já não é tão pouco quanto
isso.

Fica assim apresentado o D. Civil do ponto de vista das fontes. Será


aperfeiçoado nas aulas práticas.

A jurisprudência (opinião do tribunal sobre determinada matéria) também


é bastante relevante, uma vez que se os tribunais tiverem uma certa
interpretação sobre um determinado assunto há mts anos, podem ter a certeza
que é muito difícil alterar isso, ainda que raramente aconteça. Isto é apenas
direito civil e disciplina instrumental.

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Irei referir outras áreas que distingui muito brevemente na primeira aula.
As áreas mais tradicionais que se concede uma denominação especial do
direito privado são o D. comercial o D. do trabalho, o D. de consumo, e D. de
autor.

à Direito Comercial:
Separa do direito c pq o que releva são interesses privados ligados a
atividade de comercio ou a atividade comercial. Os protagonistas do direito
comercial são os comerciantes e as sociedades comerciais. O D. Comercial foi
a 1ª área jurídica a separar-se do D. civil. Durante muitos seculos o que
imperou foram os usos do comercio. Inicialmente denominado ius mercatorum,
o 1º foi em 1807, por napoleão; o 1º em PT foi em1833 e depois o Código de
Ferreira Borges 1888; código de veiga beirão.
Os interesses fundamentais do D. Comercial são a tutela dos
comerciantes, foi primeiramente o direito dos comerciantes, com o tempo
passou a ser o direito das empresas comerciais uma vez que a certa altura um
comerciante pretende separar a sua vida pessoal da profissional.
Hoje o Direito Comercial é o D. das sociedades comerciais, empresas
comerciais constituídas sobre forma de sociedade com o objetivo comercial e
adotando uma das modalidades previstas na lei. Hoje o sistema é bastante
complexo, abrange o código comercial e tbm um código das sociedades
comerciais (especial); matéria da concorrência entre as empresas; propriedade
industrial; direito bancário e financeiro; direito dos seguros. Hoje em dia os
usos comerciais são quase todos escritos apesar de algumas exceções.

à Direito do Trabalho:
Ocupa se de 2 tipos de situações: individuais, o empregador, o
trabalhador, considerados separadamente ou o vinculo que os une, sendo este
o contrato de trabalho; coletivas, onde se estudam entes coletivos, sociedades
sindicais, etc., e a contratação coletiva e estudou se ainda os conflitos laborais
coletivos – greves. Estas duas áreas tbm se desenvolveram por separação ao
Direito Civil tendo, por isso, princípios próprios – tem uma dimensão coletiva
dos assuntos e matérias que o CC não tem; o nosso CC é individualista e nas
matérias laborais há muito a ideia de grupo e de interesses coletivos.

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à Direito do Consumo:
Esta em desenvolvimento; O consumo hoje esta muito massificado e é
necessário proteger o consumidor final que nem sempre este totalmente
esclarecido. É uma área influenciada pelo direito europeu, que levou ao
surgimento de um regime de defesa do consumidor, que no caso pt se divide
em diversos diplomas. Existem disposições normativas diversificadas que se
interpreta com o direito eletrónico, existem novas formas de celebrar um
negócio.

à Direito de Autor:
Tem sido reconhecida a sua autonomia, pelos interesses de autonomia
das obras artísticas. O Código dos Direitos de Autor levou a pensar que
estávamos numa área jurídica diferente.
O Direito Civil é composto por princípios fundamentais sendo estes:

à Personalismo ético;
à Princípio da autonomia;
à Princípio da responsabilidade;
à Princípio da confiança e da aparência;
à Princípio da boa-fé;
à Princípio da paridade jurídica;
à Princípio da equivalência;
à Reconhecimento da propriedade e da sua função;
à O respeito pela família e pela sucessão por morte.

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9/10/2019

Todas as áreas jurídicas têm conceitos fundamentais, valores


específicos. O D. Civil foi o primeiro a atingir um estado de maturação – é a
área civil mais sólida.
Os valores fundamentais vão evoluindo e as áreas jurídicas também.
Visão do D. Civil numa visão europeia e cristã.

Dogmática Básica
à Situações Jurídicas: conceito operativo fundamental do D. Civil.
à Eixos fundamentais e valorações axiológicas que influenciam o D.
Civil.

Situações Jurídicas

O direito é uma técnica de resolução de casos; enquanto técnica o


direito serve-se de conceitos técnicos que ajudam a operacionalizar as normas;
A situação jurídica é um desses conceitos, é a aplicação do direito em casos
concretos- situação da vida com relevo jurídico.
Nem todas as situações de vida das pessoas têm relevância jurídica.
Chover não tem relevo jurídico, mas se causar uma inundação causar danos já
tem relevo jurídico.
Uma situação jurídica é uma situação humana. Refere-se a pessoas,
mas a pessoas em sociedade. Todavia, nem todas as situações referentes à
vida em sociedade se podem considerar situações jurídicas. Só aquelas
situações que são valoradas pelo Direito, aquelas situações às quais o Direito
confere relevância para os fins próprios do Direito.

O conceito de relação jurídica é um conceito originariamente


apresentado por relação social com efeitos jurídicos; o código desenvolve a
sua teoria geral estudando primeiro os elementos desta relação.

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Primeiro estuda as pessoas; Segundo estuda as coisas art. 202 e
subsequentes; depois o facto jurídico o que distingue uma relação jurídica.

Porque é que não usamos o conceito de relação jurídica, mas sim de


situação jurídica?
É excessivamente limitado. Realidades com apenas 2 sujeitos e os
deveres de um correspondem aos direitos do outro. Existem outras situações
que n pressupõe duas pessoas.
A doutrina moderna substitui então o conceito, sem deixar de relembrar
que a relação jurídica é um componente da situação jurídica.

O conceito de situação jurídica é suscetível das mais diversas


classificações. Entre elas:
Ativa: quando a nossa posição é vantajosa totalmente ou parcialmente;
a modalidade principal é o direito. Quando o sujeito tem o poder de determinar,
pela sua vontade, os efeitos.

Passiva: quando esta situação se traduz predominantemente numa


desvantagem; a modalidade principal é o dever. Os efeitos de uma dada
situação são colocados na dependência de uma pessoa que não o seu sujeito.

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14/10/2019

Hoje vamos começar a matéria que corresponde à Parte II, a matéria


respeitante aos institutos jurídicos.

Institutos Jurídicos

O reconhecer de um instituto jurídico, é designadamente um instituto


civil, é importante enquanto instrumento de operacionalização designadamente
na teoria geral do D. Civil. A áreas jurídicas situam-se em 2 grandes áreas:
normas e princípios.
As normas têm, como já sabemos, uma divisão interna, entre previsão e
estatuição, no sentido em que definem a situação da vida à qual se aplicam
(previsão) e o comportamento a adotar para essa situação (estatuição). As
normas destinam-se por isso a regular uma situação relativamente concreta –
são gerais e abstratas, mas a situação da vida a que se destinam é uma
situação concreta.
Os princípios, pelo contrário, são preposições jurídicas dotadas de maior
abstração do que as normas. Definem grandes orientações do sistema jurídico,
ou grandes orientações de um ramo do Direito. Entre as normas e os princípios
a doutrina, e designadamente a doutrina civilista, tem desenvolvido um
conceito intermédio, o conceito de instituto.

O que é um instituto?
O conceito de instituto tem um caráter cultural e compreensivo, sendo
mais abstrato que a norma, mas não é apenas uma regra orientadora e geral,
tão abstrata quanto a um princípio, estando, pois, a meio caminho entre a
norma e o princípio. Ele é reconhecido com referência a um conjunto de
normas que têm a característica de se debruçar sobre um conjunto de normas
que incidem sobre um mesmo assunto, ou sobre assuntos concatenados.

20
Há várias ideias para concretizar melhor o que pode ser um instituto
jurídico:
à Estar a meio caminho entre a norma e o princípio;
à O instituto jurídico exige um certo grau de aperfeiçoamento científico
da realidade a que se reporta – quando falamos no instituto de propriedade; ou
seja, a ideia de propriedade compreende mais do que as normas do código
sobre a propriedade;
à Evidencia-se também a carga cultural – a propriedade é um conceito
que invoca que alguém tem um bem, e o significado que isso tem na
sociedade;
à Evidencia ainda os aspetos fundamentais da regulação jurídica de
uma certa categoria de situações – é um conceito retirado da realidade,
operacional, não meramente abstrato.

Ao longo da vida prática vamos reconhecer facilmente os institutos


jurídicos civis. São eles:
à A personalidade – com a tutela da personalidade ligada a este;
à Autonomia privada;
à A boa fé;
à A propriedade – associada à propriedade, as operações relativas à
sua transmissão;
à A imputação dos danos – que podemos falar como responsabilidade
civil.

Mesmo sem as descrevermos, é fácil perceber que o Direito Civil tem


como sua primeira ideia de força a pessoa, a possibilidade de circulação de
bens, de fazer contratos (autonomia privada), a boa fé (definição para o
comportamento correto das pessoas), a propriedade e a responsabilidade pelo
que se faz (imputação dos danos).

O 1º aspeto a ter em consideração é porque é que falamos, ou o que é


que reconhecemos como personalidade e porque não a pessoa?

21
O Direito Civil é o direito das pessoas enquanto tais. Ora a pessoa não
pode ser reduzida a instituto jurídico – é algo que existe antes do Direito, é uma
realidade pré-jurídica. O prof. Oliveira Ascensão chama à pessoa “um dado
pré-legal”. Não se trata por isso de um instituto jurídico. Mas à pessoa também
se pode assacar um sentido jurídico – podemos falar em pessoa jurídica.
Chama-se a atenção que o conceito de pessoa jurídica não coincide
necessariamente com o conceito ontológico de pessoa. Pessoa em sentido
jurídico é também o ser humano, como em sentido ontológico, mas também
pode ser uma organização, a que o direito chama uma pessoa coletiva. A
pessoa, em sentido biológico, é toda ela pessoa jurídica. Ora nem sempre foi
assim.
Ex: nas sociedades da Roma e da Grécia os escravos eram pessoas em
sentido ontológico, mas eram tratados como coisas.

Desenvolveremos mais estas noções quando entrarmos na matéria


relativa a pessoas e falarmos na personalidade jurídica, entre outros.

è Instituto civil

Instituto Civil é tutelar as pessoas em sentido antropológico, ontológico


ou biológico. Isto significa que p 1º eixo fundamental do direito civil é o da
preservação da personalidade, da qualidade de pessoa em sentido biológico, e
dos direitos inerentes a esta qualidade os chamados direitos de personalidade.
Estes são, por exemplo, direito a vida, direito a integridade física, direito ao
nome, direito a honra, direito à imagem, direito a intimidade da vida privada,
etc. pessoa é um dado pré-jurídico. Situação que se impõe a todos.
Alguns dos direitos referidos estão presentes nos Art’s 70 do CC.

Direitos de Personalidade

A primeira consequência dda personalidade é a titularidade de direitos


de personalidade. Estes estão consagrados, principalmente, na CRP e no CC.
Caracterizam-se como:
à São situações jurídicas, e naturalmente situações jurídicas ativas.

22
àSão também não-patrimoniais – os valores que aqui estão em causa
não são avaliáveis em dinheiro, o que não impede que não haja uma
compensação monetária pela violação dos direitos, mas não é uma
compensação reconstitutiva (não dá para voltar atrás; não pode sanar a
violação, mas sim compensá-la). Discussão abordada mais adiante.
à Direitos originários da pessoa – que têm a ver com o ser pessoa. O
Código Seabra chamava-lhe direitos originais.
à Direitos subjetivos e autónomos.
à São direitos privados – são direitos que assistem a um sujeito privado
enquanto tal (estão ligados à qualidade da pessoa humana).
à São direitos gerais – assistem a todas as pessoas
independentemente da raça, sexo, nacionalidade, credo, etc.
à São direitos absolutos – por oposição a direitos relativos. Isto quer
dizer que se impõe só por si, não precisam de uma posição jurídica de sinal
contrário.
à São direitos inatos – são coessenciais à pessoa humana.
à São direitos perpétuos – mantêm-se até à morte dos seus titulares.
Tudo isso está no Art. 71 do CC. Mesmo quando a pessoa morre, o que fica
em causa é o direito de quem vive à memória. Discussão tratada mais adiante.
à São direitos intransmissíveis – ninguém pode transmitir os seus
direitos para outra pessoa.
à São direitos indisponíveis por princípio – não são limitáveis. É
possível que o próprio titular aceite a imposição de restrições, mas estas são
limitadas e têm um regime particular de tutela. Sobre esta matéria dispõe o Art.
81 do CC.

A categoria dos direitos de personalidade, para os civilistas, é uma


categoria presente desde o Código de Napoleão. Já as constituições,
repositórios de normas posteriores ao Código Civil, têm normalmente um
repositório de normas a que chamam direitos fundamentais. Ora dentro destes
direitos fundamentais estão os direitos, liberdades e garantias, e se virmos na
constituição vemos que alguns destes direitos têm uma área de sobreposição
relativamente ampla com os direitos de personalidade que aqui estão no CC. É
preciso pois distinguir as duas categorias.

23
Tradicionalmente não havia grande dificuldade em distinguir direitos de
personalidade de direitos fundamentais – o que está em causa nos direitos
fundamentais é assegurar que o estado não restrinja o individuo em matérias-
chave, e são por isso proposições de salvaguarda dos cidadãos perante o
estado. Contudo estes têm um regime de tutela muito forte, que aumenta a
possibilidade de sobreposição (Art. 18 da CRP), que tem duas regras muito
importantes: os direitos fundamentais vinculam de forma imediata e direta as
entidades públicas e privadas; as restrições aos direitos fundamentais devem
ser reduzidas ao mínimo e o seu núcleo essencial tem que se manter intocado.
Se pensarmos nos direitos fundamentais como proposições de
salvaguarda, o que acontece se o Estado desrespeitar os direitos fundamentais
é que surge aqui uma questão de inconstitucionalidade, por ação ou por
omissão. Coisa bem diferente pode decorrer do facto de se violar a 1ª regra – a
questão de saber se os direitos fundamentais serem proposições dos direitos
dos cidadãos contra o estado também podem ser invocadas pelos cidadãos
uns contra os ouros. É a chamada eficácia civil dos direitos fundamentais, ou
eficácia horizontal.

Se verificarmos também a tal sobreposição, coloca-se o problema de


saber se os direitos fundamentais não absorvem os direitos de personalidade.

Os constitucionalistas tendem a admitir esta ideia de eficácia civil. Mas o


Prof. Gomes Canotilho admite sem grandes dificuldades, outros
constitucionalistas menos radicais, como o Prof. Jorge Miranda, só admitem a
eficácia dos direitos fundamentais no âmbito das relações privadas quando
elas tenham elemento de poder semelhante a uma relação de direito público.
Para os civilistas, em princípio os direitos fundamentais têm o seu reduto na
Constituição, e para que se possa invocar um direito fundamental no âmbito de
uma relação de direito privado é preciso que esta aplicação seja mediada por
princípios gerais do próprio Direito Civil.
Só recorrendo a princípios gerais do Direito Civil (boa fé, abuso de
direito, etc.), se pode concluir que faz sentido que um particular imponha a
outro uma conduta de respeito pelo direito fundamental. Para este efeito é
necessário ponderar outros valores civis em jogo.

24
Ex: não há direito fundamental mais relevante que o direito à vida. No
entanto, se alguém estiver a morrer a fome, isso não o legitima para impor a
outra pessoa que o contrate e que lhe pague, para ele poder comprar comida;
é proibido matar, mas quem mata na guerra não é homicida. A intenção
funcional no exercício daquele ato desvaloriza, ou não permite, criminalizar. Há
pois que distinguir, dentro das situações jurídicas privadas, as que têm um
elemento de poder, e que podem pois ser assimiladas às relações públicas,
das outras. Dentro das outras, só se admite a eficácia dos direitos
fundamentais se mediatizadas por princípios gerais do Direito Civil,
designadamente a boa fé.

- A regente defende que só se aplica a seres singulares ao contrário de


Menezes cordeiro que defende que também pode ser para coletivos

16/10/2019

A lei e a doutrina referem-se usualmente a um direito subjetivo geral de


personalidade e os vários direitos subjetivos especiais de personalidade. O
direito geral de personalidade estaria sediado no Art. 70 do CC e os direitos
especiais de personalidade em preceitos avulsos da lei, designadamente e
sem exaustividade, nos Arts. 72 a 74 (direito ao nome), nos Arts. 75 a 78 e 80
(direito à privacidade), no Art. 79 (direito à imagem), do CC ou no Art. 24 da
CRP (direito à vida).

è Tutela jurídica da personalidade:

Em geral:
O princípio do respeito pela personalidade não pode deixar de beneficiar
de uma tutela jurídica fortíssima. Constitui um princípio do Direito Natural que
se impõe ao legislador, mesmo ao legislador constitucional, que se impõe aos
juízes, aos juristas e a toda a gente.

25
Num segundo plano, a tutela da personalidade está positivada, quer na
lei constitucional, quer na lei civil, quer a lei criminal e na própria lei
internacional.

Existem várias classificações:


Há uma classificação que distingue os direitos de personalidade em
direitos necessários e eventuais. Os direitos necessários são os que existem
sempre que haja uma pessoa humana – uma pessoa só por ser pessoa tem
certos direitos de personalidade, como o direito à vida. Mas há também direitos
de personalidade que são eventuais – a sua existência depende da verificação
de certos pressupostos. É o caso do direito à confidencialidade da
correspondência – tem que ter havido uma carta.

Outra classificação tem em conta os bens a que se reportam os direitos


de personalidade. Os direitos de personalidade reportam-se a certos objetos.
Há direitos de personalidade que integram o círculo biológico, outros direitos de
personalidade integram o círculo moral e outros ainda o círculo social. No
círculo biológico temos direitos como o direito à vida, ou à integridade física; no
círculo moral temos direitos como o direito à integridade moral, ao bom nome
ou à reputação. Já no círculo social temos o direito à intimidade da vida
privada, ao nome, e à imagem.

Uma outra classificação distingue os direitos limitáveis dos não


limitáveis. Há direitos de personalidade que não podem ser restringidos, ou
reprimidos. Qualquer limitação implicaria a sua nulidade. Noutros essa
limitação é operável. Limitáveis é o caso do direito à imagem, não limitáveis é o
direito à vida.

Outra classificação é a que distingue direitos de personalidade entre


patrimoniais e não patrimoniais. Os patrimoniais podem facultar certa vantagem
ao seu titular; os não patrimoniais não o podem fazer.

Há ainda a distinguir entre direitos nominados (têm um nome dado pelo


direito) e os inominados (aos quais a lei não da nome).

26
Podemos ainda classificar os direitos como típicos (têm regulamentação
prevista na lei), ao passo que há também os atípicos (a lei não estabelece
regime). Não tem que haver coincidência entre esta classificação e a anterior –
por exemplo, uma lei pode dar nome a um direito mas sem o sujeitar a certo
regime.

Tutela Civil da Personalidade:


A tutela civil da personalidade concentra-se nos artigos 70 e seguintes
do CC e nos artigos 878 e 890 do CPC.

É importante por isso referir alguns artigos:

à Artigo 70 do Código Civil:


Art. 70 nº 1: não é necessária lei para existirem direitos de
personalidade, mas é útil para ponto de apoio; é mais seguro; genérico; a lei
protege os indivíduos, as pessoas singulares - contra quer ofensas quer
ameaças de ofensa; somos seres culturais – honra o nome. Sempre que temos
problemas de personalidade é aplicável o Art. 70 nº1, só depois aplicamos a
regra especial; quando n há resposta específica esta sempre aqui. Se o
António matar o bento pagar n resolve o problema, pode atenuar pode repor a
confiança, mas n resolve; se alguém nos partir o computador pagar já resolve;
Art. 70 nº 2 o código estatui que, para além da responsabilidade civil a
que haja lugar, a pessoa ameaçada ou ofendida “pode requer as providências
adequadas às circunstâncias do caso com o fim de evitar a consumação da
ameaça ou atenuar os efeitos da ofensa já consumada”. Desta redação são de
retirar três linhas de proteção dos direitos de personalidade: a responsabilidade
civil, a tutela preventiva e a atenuação possível, no entanto, estas não se
colocam todas no mesmo plano. De um lado a responsabilidade civil, que tem
como finalidade o ressarcimento, em termos patrimoniais, dos danos materiais
e morais sofridos pelas vitimas; do outro lado estão os remédios diretos – os
que pretendem evitar as ameaças ou ofensas e os que se destinam a atenuar
a ofensa na impossibilidade de a prevenir. Quanto à natureza do conteúdo das
providências a lei diz apenas que serão “as adequadas às circunstâncias do

27
caso”. Deixa-se assim, uma larguíssima margem de liberdade ao juiz a quem
forem requeridas. A lei prevê um processo especial para o decretamento das
providências nos Art. 878 a 890 do Código de Processo Civil.

A ideia do Artigo é não restringir as possibilidades, deste modo, não há


nenhum direito de personalidade, esteja ele previsto na Constituição da
República, no Código Penal, no Código Civil ou nas Declarações de Direitos do
Homem que se não reconheça na fórmula do Art. 70 do CC.

Os problemas dos direitos de personalidade são muito variados; os


direitos de personalidade são os mais importantes na tutela do direito
português.
Não é necessário haver dado, só com a ameaça já podemos agir.
Não é possível sanar uma violação dos D. de personalidade, só é
possível atenuar; não é solução não fazer nada mm que não resolva mas é
necessário atenuar; A mata B mas n se faz nada pq o B n volta... é necessário
atenuar a dor dos pais mm que n devolva o B.

à Artigo 71 do Código Civil:


Segundo o Art. 71, “os direitos de personalidade gozam igualmente de
proteção depois da morte do respetivo titular”. Nos nº 2 e 3 indica quem tem
legitimidade para requerer as providências preventivas ou atenuantes –
familiares ou herdeiros da pessoa falecida cujos direitos de personalidade
estejam em questão.
Este preceito parece alargar a tutela da personalidade às pessoas já
falecidas, oque tem suscitado uma notável divergência de opiniões na doutrina.
Por exemplo, Pires de Lima e Antunes Varela defendem que “em certa
medida, a proteção dos direitos de personalidade constitui um desvio à regra
do Art. 68”.
Já Pedro P. Vasconcelos e Mota Pinto o que se protege é objetivamente
o respeito pelos mortos, como valor ético, e subjetivamente a defesa da
inviolabilidade moral dos seus familiares e herdeiros. Não se trata de
reconhecer ou tutelar a personalidade dos mortos, que não a têm, mas sim de

28
defender, no âmbito do direito subjetivo de personalidade, o direito que os
vivos têm a que os mortos sejam respeitados.
A difamação ou injuria de um familiar já falecido pode afetar gravemente
a dignidade dos seus parentes ou herdeiros que lhe sobreviveram e pode
causar-lhes sofrimento e afronta grave. É da natureza das coisas que assim
seja. Por isso, faz parte do conteúdo do direito subjetivo de personalidade de
cada um poder de reagir contra ofensas à dignidade dos seus parentes já
falecidos.
Nesta perspetiva, não deve ser negada a faculdade de exigir uma
indemnização dos danos morais e materiais causados.
No nº 1 do Art. 71 constitui fundamento para a qualificação da ofensa
como ilícita; conjugado com o regime do Art. 483, oferece base suficiente para
justificar a vigência do regime geral da responsabilidade civil aquiliana à
indemnização dos danos morais e materiais causados às pessoas vivas pela
ofensa da dignidade dos seus parentes já falecidos.

à Artigo 81 do Código Civil:


Este artigo permite a limitação convencional dos direitos de
personalidade, exceto se for “contra a ordem pública”. Este perceito deve ser
interpretado e concretizado em ligação com o Art. 280 do CC. Não é só
contrariedade à ordem pública, mas também a contrariedade à lei e aos bons
costumes que tornam ilícitos os negócios jurídicos que tenham como objeto
bens de personalidade. A referência à ordem pública exprime a dualidade atrás
enunciada entre o que é disponível nos direitos de personalidade e o que não
é. Por exemplo, não podemos vender o nosso nome e ficar sem nome; n
podemos vender a nossa vida e ficar sem vida; não da para tirar a imagem à
pessoa e vender a outra – n há maneira fisicamente de separar os nossos bens
de personalidade de nós, mas sim dar acesso a outras pessoas que os usem,
por ex: na imagem...
A ordem pública comunga aqui com a moral (bons costumes) e com a lei
injuntiva a função de delimitar o âmbito material da autonomia privada, ou seja,
existe limites onde a nossa autonomia privada não chega e ai entra a ordem
pública. Não são validas as limitações de personalidades referentes à vida –

29
uma pessoa não pode consentir que a matem, se me matarem depois de eu
consentir continua a ser ilícito – tenho direito a vida e não à morte.
Matar por legitima defesa não é lícito, mas pode não ser ilícito; Ex: é
ilícito cortarem braços a pessoas? Depende! Se tiverem cancro e não houver
outra opção e o medico vos pedir autorização para o fazer e vocês autorizarem
é licito; podemos dar órgãos a outras pessoas? Depende! o cérebro não, o
coração não... dar um órgão que leva a morte a uma pessoa viola a ordem
pública; o titular limita o exercício dos D. de personalidade
De específico tem o regime de revogabilidade do nº 2 do mesmo Art. O
contrato, sendo livremente revogável pelo titular é apenas unilateralmente
vinculante. Só uma das partes o pode revogar livremente, e não a outra.
Tratam-se de aspetos da vida humana dos quais a pessoa nunca pode perder
o controlo definitivamente.
Daqui se pode concluir que os negócios de personalidade têm uma
eficácia mais legitimadora e reguladora do que vinculativa.

Será que os direitos de personalidade se dirigem também a pessoas coletivas?

Quanto a esta questão a doutrina diverge.


A referência a “indivíduos”, nos direitos de personalidade é intencional e
tem o sentido de excluir as pessoas coletivas. Alguns autores opinam que
também as pessoas coletivas têm o direito de personalidade e argumentam
com o Art. 484 do CC que comina com responsabilidade civil a afirmação ou
difusão “de facto capaz de prejudicar o crédito ou o bom nome de qualquer
pessoa singular ou coletiva”.
A regente entende que uma pessoa coletiva não tem, certamente, direito
à vida, à integridade física, ou a outros direitos eminentemente pessoais.
Todavia, apesar de não assistirem às pessoas coletivas todos os direitos de
personalidade que são reconhecidos às pessoas humanas, outros que lhe são
reconhecidos – direito ao bom nome, à reputação, etc. Mas mesmo quando
falamos de direitos reconhecidos às pessoas coletivas estamos a falar de
direitos reconhecidos, ainda que mediantemente às pessoas humanas. Mas
isto é claro que uma pessoa coletiva pode ser lesada quanto a certo direito de
personalidade, e pode exigir indemnizações ou recorrer até a forma penal.

30
Doutrina:
No entendimento do Pedro P. Vasconcelos, em primeiro lugar, o direito
de personalidade tem o seu fundamento ético-ôntico na dignidade humana, e
esta não é ofendida pela afirmação ou difusão “factos capazes de prejudicar o
crédito ou o bom nome” de pessoas coletivas. As pessoas coletivas só sofrem
no seu património. A afirmação ou difusão pode porventura ferir a dignidade
dos sócios, dirigentes ou outras pessoas ligadas à pessoa coletiva, mas
quando assim for, do que se trata é do direito de personalidade destas pessoas
singulares. Em segundo lugar, admitir que o Art. 484 atribui direito de
personalidade seria redundante porque, por um lado, este preceito também
contempla as pessoas singulares, que já têm direito ao seu bom nome
consagrado no Art 70 do CC e, por outro lado, porque se as pessoas coletivas
tivessem “direitos de personalidade” estes estariam já regidos pelo Art. 70 que
tornaria inútil o Art. 484. Finalmente, porque o Art. 70 ao limitar o direito de
personalidade aos “indivíduos” exclui expressamente da sua titularidade as
pessoas coletivas.
A razão de ser do artigo 484 é a de admitir expressamente que a ofensa
ao bom nome e crédito das pessoas coletivas por meio da afirmação ou
difusão de factos dá lugar a responsabilidade civil.

21/10/2019

Os direitos de personalidade são direitos absolutos. A sua primeira


caraterística será, pois, a absolutidade. Mas será mesmo assim?
Há uma 1ª hipótese de qualificação -são absolutos porque são oponíveis
erga omnes – o que significa contra todos, ou seja, oponíveis a todos.
Consequentemente, não seria direito inter partes. Com este significado, caberia
dizer que o titular do direito de personalidade poderia exigir o seu acatamento a
qualquer pessoa. Mas será que isto se verifica quanto aos direitos de
personalidade? Quanto a certos direitos, parece que não. Há certos direitos em
que se postula uma relação sujeito a sujeito – em primeira linha são
configurados como um direito de um sujeito sobre um outro sujeito. É o caso

31
das cartas confidências, em que o que se pressupõe é. Uma relação inter
partes, ao menos em primeira linha. Isto impede-nos de dizer que os direitos de
personalidade que são relativos – uma vez mais, é o caso da
confidencialidade.
Tentemos por isso uma 2ª via. Os direitos de personalidade são
absolutos por deverem ser respeitados por todos. Isto sim, é verdade. O direito
de personalidade exige que todos o respeitem, e se não o fizerem o lesante
incorrerá na obrigação de indemnizar. Sendo assim, nos termos do Art. 483 do
CC, a lei confere aos direitos de personalidade a chamada tutela aquiliana –
quem os vir desrespeitados pode pedir responsabilidades a quem lesou.

Outra característica dos direitos de personalidade é a sua não


patrimonialidade – não são permutáveis, nem avaliáveis em dinheiro. Ora um
dos direitos de personalidade é o direito à imagem, e o titular desse direito
pode colocar esse direito à imagem no mercado, pode exigir um preço pela sua
exposição. Temos aqui um direito de personalidade, mas temos também
patrimonialidade, avaliação em dinheiro. Logo esta característica, como sendo
algo de essencial aos direitos de personalidade, não pode ser afirmada, pelo
menos com esta vigência. Todavia, os direitos de personalidade admitem uma
classificação no que respeita à sua não-patrimonialidade.

Esta classificação distingue se em 3 tipos:


à não-patrimonialidade em sentido forte – o direito não admite que
sejam de forma alguma permutados em dinheiro (ex: direito à vida);
à Não-patrimonialidade em sentido fraco – dentro de certas regras, o
direito permite trocá-los por dinheiro (ex: direito à integridade física, que
permite dentro de certas regras que se troque por dinheiro – o caso do boxe);
à Direitos de personalidade com natureza patrimonial – a lei ou o direito
objetivo, admite que possam livremente ser trocados por dinheiro (ex: direito à
imagem).

Vejamos agora outra eventual característica, a da dupla inerência,


tradicionalmente atribuída aos direitos de personalidade. Esta significaria que
os direitos de personalidade respeitam a uma certa pessoa e apenas a uma só

32
pessoa e não a uma pessoa diversa. Esta ideia tem de ser analisada com mais
atenção para podermos chegar a esta conclusão.
Num certo sentido, é indubitável que há uma intransmissibilidade dos
direitos de personalidade. O que acontece é que está a admitir aí uma
limitação, mas é correto afirmar-se que os direitos de personalidade são
intransmissíveis. Nascem numa certa esfera jurídica e ai permanecem ate que
se extingam, o que acontece eventualmente com a morte ou, em relação a
alguns direitos, por extinção do seu objeto – a personalidade. Não é possível
alterar os bens de personalidade sobre os quais incidem os direitos. Neste
duplo sentido que se referiu, podemos dizer que há uma dupla inerência nos
direitos de personalidade, uma ligação entre o direito de personalidade e o
sujeito e entre o direito de personalidade e o seu objeto.

à Direitos de personalidade objetivos e subjetivos:


O direito objetivo e o direito subjetivo de personalidade têm naturezas e
regimes distintos.
O d. objetivo é indisponível e situa-se no campo da heteronomia; o d.
subjetivo é disponível e situa-se no âmbito da autonomia privada.
Naquilo em que o d. de personalidade é objetivo o titular não tem
autonomia no seu exercício, não pode dele prescindir. No que é apenas
subjetivo o titular pode livremente tolerar a ofensa, prescindir da sua defesa ou
mesmo dispor dele gratuita e onerosamente.
Diferem ainda na sua tutela. O objetivo impõe a todos um dever,
enquanto o subjetivo tem o seu conteúdo preenchido por poderes que o titular
pode exercer direta e livremente.

Prevalência de direitos:
à Imagine-se que há uma colisão de um direito de personalidade com
um direito de outro tipo – um direito de crédito, ou um direito relativo.
Por ex. Prevalecerão os direitos de personalidade? A tendência seria
dizermos que sim. Mas será mesmo assim? Imagine-se que alguém pede
esmola a outrem. Dessa esmola pode depender até o direito à vida, de quem
pede. Por outro lado, temos o direito de propriedade da pessoa a quem é
pedida a esmola. Se se sustentasse que o direito de personalidade prevalece

33
sobre os outros direitos, poderíamos concluir que a pessoa a quem é pedida a
esmola teria o dever jurídico de a dar. Como tal, não podemos afirmar que o
direito de personalidade prevalece sempre sobre todos os outros direitos. Não
é possível pois falarmos assim.

à Quando dois direitos de personalidade concorrem entre sum qual


deles deve prevalecer? Como é que isto se resolve?

Não há nenhum código nenhuma regra jurídica que diga que o direito de
personalidade prevalece sobre outro qualquer tipo de direitos. Não obstante, é
indubitável que há certos direitos de personalidade que prevalecem sobre
quaisquer outros. É o caso sem dúvida do direito à vida.
Há certos direitos pois, em que a lei, não admitindo a sua anulação,
determina a nulidade de todos os contratos que superem essas limitações.
Temos aqui um forte indício de que a lei os faz prevalecer sobre outros direitos.
Ainda assim, apesar de podermos em certos casos estabelecer regras de
prevalência, não temos um critério uniforme que resolva todos os casos
concretos. Por isso, em caso de conflito, temos de analisar caso a caso, de
acordo com os critérios normativos que a lei nos possa fornecer, qual deles
deve prevalecer.

Em resumo, a prevalência não é, pois, uma característica dos direitos de


personalidade. Caso a caso podem-se formular juízos de prevalência, mas não
podemos dizer se mais que estes direitos de personalidade prevalecem sobre
direitos de outro tipo.

Passemos então a enumerar, fazendo um breve esmiuçamento, os


direitos de personalidade mais relevantes.

è Direito à vida
O direito à vida é o mais importante direito de personalidade apesar de
não ser referido diretamente no código civil, talvez por se entender que é um
pressuposto.

34
O direito à vida visa a preservação biológica do ser humano. Mas só
mesmo quando está em causa a sobrevivência é que pode estar em causa o
direito à vida, caso contrário haverá apenas direito à integridade física.
Porque é que o direito à vida é tutelado? Há uma doutrina secular sobre
isso. Primeiramente, o titular do direito à vida não tem a sua livre
disponibilidade. Por outro lado, a perda da vida de uma pessoa é um ato anti
social – é uma perda para a sociedade humana. Se o Direito o admitisse, seria
ir contra ele, pois ele regula a sociedade. Por outro lado, há ainda um fator
cultura, que é a nossa herança cristã.

Portugal foi um dos primeiros países a abolir a pena de morte, e hoje


temos o Art. 24 da CRP.

Há ainda um argumento técnico jurídico que sustenta o direito à vida.


Esse argumento é o seguinte: perante conflitos humanos, o direito tenta
estabelecer uma prevalência, segundo certos critérios, de algum dos interesses
em causa. Esse objetivo do Direito depende da própria existência desses
direitos. Inflingir a morte a alguém significa desaparecer toda a tutela e todo o
pensamento ligado ao Direito. Como tal, do ponto de vista técnico-jurídico, a
admissão de que alguém mate outrem é incompatível com o direito civil.

Logo à partida, podem surgir conflitos de várias vidas. Um médico


pode ter que optar por quem administrar um número limitado de medicamentos.
Ora a vida humana não é mensurável, e por isso não é estabelecível sequer
um critério de número. Mas há aspetos que podem ser tidos em conta, e que
são critérios que podem advir da deontologia médica no caso da medicina, que
podem justificar que seja dada prevalência a uma vida sobre outra. Um médico
pode optar legitimamente por auxiliar a pessoa cuja vida é mais viável, por ex.
Por outro lado, o Direito à vida pode ceder perante a legítima defesa. Interessa
ainda ver como é que o D. Civil encara questões como o suicídio, a eutanásia e
o homicídio, uma vez que este é um direito indisponível, inalienável e
irrenunciável.

35
Suicídio
O suicídio, sabemos que o direito à vida é indisponível, nem mesmo pelo
próprio. Por isso um contrato que preveja que alguém seja privado da sua
própria vida é nulo. Se a vida for retirada por um terceiro, mesmo com
consentimento, há violação do direito à vida – o consentimento do próprio é
nulo.
O auxílio ao suicídio é, por isso mesmo, e em si mesmo, um ato nulo em
si. Quanto ao suicídio em si, é também um ato ilícito. Não temos uma proibição
do suicídio, que de resto seria inútil, mas a partir de certos dados do sistema
podemos concluir que é ilícito. O direito à vida é, pois, um direito indisponível.
Mas ficcionemos que alguém se suicida e causa prejuízos a terceiros com esse
ato. Há aqui responsabilidade civil, nos termos gerais do D. Civil, por estar a
cometer um ato ilícito. É claro que pode acontecer que os comportamentos de
alguém resultem em morte, mas que não sejam ilícitos. Alguém pode querer
salvaguardar outros bens jurídicos, ainda que lhe cause a morte. Mas sem
intenção de morrer – aqui temos atos lícitos, porque não visam dispor do direito
à vida.

Os atos que ponham em causa o direito à vida são atos nulos.

Estando em causa um direito de personalidade, temos aqui que saber


qual é a tutela dos direitos de personalidade. Está tudo no Art. 70.

Homicídio causado por um suicídio


Uma pessoa que se faz explodir no meio de tantas outras, causando a
sua morte e a de outros, por exemplo no avião também é homicida.
Por vezes a ordem jurídica atua preventivamente proibindo certas
práticas que podem por em causa a vida do próprio e de outrem. Por ex: roleta
russa, duelos, práticas desportivas muito violentas, etc.

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Eutanásia
O que é a eutanásia? Consiste num encurtamento da vida de pessoas
que estejam em estado terminal e em sofrimento. Ora segundo alguma da
melhor doutrina de hoje, a eutanásia é um ato ilícito. Já que falamos de
eutanásia, interessa fazer algumas distinções.

Eutanásia ativa direta – o agente atua diretamente para encurtar a vida;


Eutanásia ativa indireta – o agente administra ao paciente substâncias
para aliviar a dor (é esta a sua intenção), mas que lhe provocam o
encurtamento da vida. Será isto ilícito? Não. Se ele não queria abreviar a vida,
se esse era o seu objetivo, não é ilícito. Se, por outro lado, o médico tivesse
intenção de encurtar mesmo a vida, então já era ilícito.
Eutanásia passiva – desligar a máquina de alguém que está apenas
artificialmente a respirar. Esta presente não prolongar artificialmente a vida de
uma pessoa. É o médico que define consoante o estádio da medicina mais
avançada naquele momento. Ex: cessação irreversível da função cerebral –
desligar a máquina é apenas não deixar viver artificialmente. Existem casos
mais complexos, por exemplo, uma grávida que esteja ligada à maquina até ao
nascimento do bebé.

A morte é ainda algo irreversível. Se houver algum erro, ele não pode
ser corrigido. É esta também uma das justificações para não haver pena de
morte. Também na eutanásia, se houver um erro, não se poderá voltar atrás.

Ora numa situação em que a eutanásia possa surgir como opção, surge
na prática um conflito entre a vida e a morte. Isto é mais um argumento para a
ilicitude da eutanásia.
Justificada a posição da recusa ou da ilicitude da eutanásia, há que
fazer notar que o terminar da assistência clínica a um doente terminal não é por
si só eutanásia.

A eutanásia é um crime, podendo o consentimento levar a efeitos de


redução da pena, porém, o crime de ajuda ao suicídio não desaparece. Tutela
criminal e tutela civil- responsabilidade civil.

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Duas possibilidades:
àResponsabilidade civil pela violação do direito à vida de outrem (homicida vai
para a prisão e paga indemnização a família);

àResponsabilidade civil por violação do direito à vida do próprio.

Associado à eutanásia surge a figura do testamento vital – declaração


através do qual a pessoa manifesta previamente a sua vontade quanto ao tipo
de tratamento administrado em caso de doença terminal, prevendo que não
possa naquele momento manifestar-se.

Neste tema é importante referir dois artigos do CC:


à Art. 495: indemnização a terceiros pelos danos causados em caso de morte
ou lesão corporal; quando uma pessoa morre a sua personalidade jurídica
finda e a indemnização passa para o descente ou ascendente;
à Art. 496: indemnização por danos não patrimoniais a herdeiros.

O direito à vida não é objeto de tutela em si mesmo.

Problemas na matéria de direito à vida:


à Tutela pré-natal (se há ou não personalidade jurídica antes do nascimento) e
tutela post mortem (fim da personalidade jurídica- cessação)
à Questões relativas à pena de morte- regime claro: em Portugal é proibida a
pena de morte pois o direito à vida é de valor superior e o Estado não pode ter
o direito de acabar com a vida de alguém. Proibir a pena de morte é sinal de
humanismo e de avanço cultural.

38
23/10/2019

è Direito à integridade física


O direito à integridade física tutela o ser biológico e as suas funções
biológicas enquanto não ponham em causa a sua existência, o seu direito à
vida. O direito à integridade física é violado através de agressões diretas
(atropelamento e crimes previstos no CP), e agressões indiretas (ruídos,
emissões, cheiros etc.) que podem causar doenças fatais.
Também as práticas dirigidas, não intencionalmente, à lesão da
integridade física ou psíquica, mas que a tenham como resultado são ilícitas.
Tal sucede, por exemplo, com os ruídos intensos produzidos à noite por obras
ou estabelecimentos de diversão, que sejam molde de impedir o sono. São
muitas as sentenças de “casos de ruido”. Os tribunais têm-se pronunciado no
sentido em que o ruido que impeça o sono constitui uma violação do direito de
personalidade, direito ao repouso, ainda que o nível de ruído não exceda os
limites fixados no respetivo regulamento.
Esta orientação está correta dado que o direito de personalidade não
pode ser restringido por um simples regulamento. Sempre que a saúde de uma
pessoa esteja ameaçada, essa pode requerer ao Tribunal que adote as
providências adequadas à prevenção, à cessação da ofensa ou à atenuação
dos seus efeitos.

Como é que se tutela? Em termos gerais através da indemnização.


Surge aqui uma vez mais o problema da responsabilidade civil, aqui por
violação do direito à integridade física. Os tribunais são a todo o momento
chamados a falar e a atribuir indemnizações caso se desrespeitem o direito à
vida ou à integridade física. Mas a verdade é que os tribunais têm muita
relutância em atribuir indemnizações muito elevadas para o próprio sofrimento,
ou o direito à vida.

Ora a responsabilidade civil é hoje em dia atribuível a seguradoras, por


via dos seguros. Ora aumentar as indemnizações, como vimos acima que seria
desejável, aumentaria também o preço dos seguros, preços para todos.

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O que é indemnizável quando alguém perde a vida? Em primeiro lugar,
os danos patrimoniais ou não patrimoniais sofridos por certas pessoas
próximas do falecido. É ainda indemnizável o sofrimento do falecido. Então e a
vida, será esse um direito indemnizável? Apesar de autores como Oliveira
Ascensão ou Antunes Varela dizerem que não, a doutrina e a jurisprudência
têm sido consensuais a dizer que sim.

Tutela das providências adequadas à circunstância – Art. 70 nº 2 e Art.


496 do CC.

Problema da possibilidade de renúncia ou autolimitação dos direitos de


personalidade:
à Práticas como doação de órgãos, óvulos, medula, barrigas de
aluguer...

Ex: Retirada de órgãos ou de substâncias orgânicas de alguém: retirada


de órgãos de cadáver ou de pessoas em vida. O primeiro é admissível, todos
somos doadores de órgãos depois de mortos – princípio do personalismo. O
segundo caso é muito destinto:
à Sem consentimento do titular: seja quais forem os fins é um atentado
á integridade física, é um ato ilícito que constitui crime, por isso, fonte de
responsabilidade civil;
à Com o consentimento da pessoa com objetivos altruístas e de
salvamento da outra pessoa: se tal levar à morte do dador é uma renuncia ao
direito à vida e por isso ilícito; se não levar a perda de vida é licito, mas dotado
de uma limitação voluntária (Art 81 do CC – o consentimento é revogável, mas
se existir expectativa legitima da outra parte é necessária uma indemnização).

Nota: a lei nº 12/93 permite a colheita e o aproveitamento de órgãos e tecidos


de cadáveres desde que usados para a cura de outras pessoas ou para o
avanço do conhecimento humano. Tema desenvolvido mais adiante.

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Existe ainda outro caso que é o da disponibilização do próprio corpo
(com consentimento) para efeitos com proveito económico – este é um negócio
contrário à ordem pública (Art. 81).

Nota: No caso do direito à imagem este pode ser disponibilizado para fins
económicos, mas não é contrário à ordem pública.

è Direito à integridade moral, ao bom nome e à reputação


O bem jurídico tutelado por este direito é o da honra - que decorre do
Art. 70 nº 1 do CC, mas também do Art. 484 (este estende-se às pessoas
coletivas) do mesmo Código.
A honra existe numa vertente pessoal subjetiva e noutra vertente social
objetiva. A 1ª traduz-se no respeito e consideração que a pessoa tem por si
própria; A 2ª traduz-se no respeito e consideração que cada pessoa merece ou
que goza na comunidade a que pertence.
São particularmente gravosas as ofensas à honra através da
comunicação social, uma vez que, esta tem grande impacto na sociedade. A
liberdade de imprensa não sobrevela o direito à honra. Embora ambos estejam
consagrados na CRP, a defesa da honra situa-se no âmbito superior dos
direitos de personalidade.

Quando há colisão entre direito ao bom nome e etc. existem dois


critérios:
à Absoluta verdade: tudo o que não seja verdadeiro é ilícito;
à Não divulgação de algo, temos ainda que atentar nos seus valores.

O direito ao bom nome e integridade moral são dotados de tutela mesmo após
o falecimento dos respetivos titulares – Art. 71 do CC: o direito passa para o
cônjuge sobrevivo ou qualquer descendente, ascendente, irmão, sobrinho ou
herdeiro do falecido.

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è Direito à imagem
Quanto ao direito à imagem começaremos por chamar a atenção para o
Art. 79 do CC. Como decorre da epígrafe e da letra do nº 1 deste artigo, o que
está essencialmente em causa no direito à imagem é o retrato da pessoa e a
sua reprodução – retrato em sentido amplo. O CC é de uma altura em que
havia muitos retratos, embora hoje haja retratos, imagens, etc., captadas pelas
mais variadas tecnologias.
À ideia de retrato tende hoje a associar-se o logótipo de uma pessoa
coletiva, aquela que é no fundo a imagem, a marca da pessoa coletiva. No D.
comercial também se tutela a marca. O que nós temos aqui no CC é a tutela do
direito à imagem das pessoas singulares.

Quais são as regras da tutela do direito à imagem?


Temos um princípio geral no nº 1, uma restrição do nº 2 e uma exceção
à restrição no nº 3. O princípio geral é o de que a difusão ou reprodução
pública da imagem carece do consentimento da pessoa que seja retratada.
Esta é a regra da 1ª parte do nº1. Deve-se interpretar isto restritivamente,
porque esse consentimento pode ser dado em termos condicionados. A regra
deve ser utilizada nos limites do consentimento do titular.
Na parte final do nº 1 do Art. 79 aparece a possibilidade de ser utilizada
a imagem de uma pessoa falecida. Como é que é operacionalizada aqui a
exigência do consentimento? Atribuem-se às pessoas mencionadas no nº 2 do
Art. 71 – o cônjuge sobrevivo, descendente ou ascendente, etc. É a tutela post
mortem – que se tutela é a memória do falecido, e o interesse que essa
memória tem para os que sobrevivem. O direito a memória é também um
direito de personalidade em si mesmo.
A exceção desta regra encontra-se no nº 2 deste artigo. Com que
critérios é que se pode dispensar o consentimento? Notoriedade, cargo,
exigência de política ou justiça, finalidades científicas ou culturais, ou quando
haja sido captação em lugares ou eventos públicos, grosso modo. Aqui temos
um tempero entre o que é a imagem de cada um e o contexto ou interesse
público dessa imagem. Evidentemente que uma figura pública, por ser pública
é notória, tem um âmbito ligeiramente diferente de aplicação do direito à
imagem.

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O nº 3 vem dizer que o retrato não pode, porém, ser reproduzido,
exposto ou lançado no comércio, se daí resultar prejuízo para a honra, etc.
Aqui temos a aplicação do que os teoristas chamam a teoria das esferas: a
esfera pública, a esfera individual, mas ainda assim social, a esfera privada dos
indivíduos e por fim a esfera íntima de cada um.
Se eu for na rua e for captado por um vídeo de segurança, as
finalidades de segurança daquela imagem permitem que ela seja visualizada
por polícias. Coisa diferente é saber se a pessoa pode ser filmada numa festa
– apesar de ser social é um grupo restrito. Aqui temos a esfera individual, mas
ao mesmo tempo social da pessoa – a mostra dessa imagem demonstra que a
pessoa quis pelo menos ir ali. Temos depois a esfera privada – quando se está
em casa – ou intima – quando se está em cenas íntimas.
Esta teoria alemã das esferas permite-nos dizer que há menos
restrições ao direito à imagem nas esferas de cariz público. É consoante essas
esferas que se definem as diferentes restrições. Isto é uma projeção do direito
à dignidade. É, por isso, da máxima importância fazer uma interpretação do
mais restritiva possível da exceção do nº 2, e bastante amplas quanto às
restrições do nº 3. O critério que parece importante de reter quanto à
interpretação restritiva do nº 2 é um princípio de adequação – as pessoas
podem ser retratadas e a sua imagem divulgada nos termos do nº 2 mas dentro
de um princípio de adequação – as pessoas pode ser retratadas e a sua
imagem divulgada nos termos do nº 2 mas dentro de um princípio de
adequação.

Muitas vezes, a tutela do direito ao nome está associada ao direito à


imagem. O prof. Menezes Cordeiro propõe também que se associe ao direito à
imagem o direito à palavra.

Na opinião da regente o Art. 79 é destinado à pessoa singular. Este tem


ainda um valor patrimonial – a pessoa pode limitar o seu direito – Art. 81.

43
è Direito ao nome
O direito ao nome está presente nos Art’s. 72 a 74 do CC. O direito ao
nome decorre obviamente da individualidade de cada um, tal qual como a
imagem – a pessoa é aquilo que aparenta e o nome que tem. É um direito
tradicionalmente popular. A tutela do direito ao nome no CC tem uma dimensão
positiva e uma dimensão negativa – Art. 72 nº1. A dimensão positiva tem a ver
com o uso do nome – a pessoa tem direito a usar o nome, seja de forma
completa ou de forma abreviada. Tem ainda o direito de impedir que outros
utilizem ilicitamente o seu nome. Esta tutela tem um limite, que tem a ver cum o
uso adequado do nome, nomeadamente em termos profissionais. Uma questão
que se coloca é a questão do Art. 72 nº 2, a necessidade de usar o nome de
forma a não prejudicar quem tenha profissionalmente um nome idêntico. Uma
outra questão interessante relativamente ao nome é que esta tutela abrange os
pseudónimos e os títulos nobiliárquicos (há um acórdão famoso sobre o
Capitão Roby). O Capitão Roby processou a cadeia televisiva SIC, e o tribunal
entendeu que havia tutela de um direito de personalidade pelo uso da
expressão Capitão Roby.

O direito ao nome é um direito de personalidade em sentido próprio, mas


tem também um grande interesse no campo profissional e no campo comercial.

Como é atuada esta tutela? A lei prevê a possibilidade de ser instaurada


uma ação para defesa do nome, chamada defesa do bom-nome (embora bom
nome seja mais associado à honra), sendo esta defesa do nome para evitar
que outros usem o nosso nome. A lei confere legitimidade para instaurar a
ação ao detentor do nome, mas também a outras pessoas.

è Direito à inviolabilidade da correspondência


Rege sobre esta matéria o Art. 75 a 78 do CC. Todos temos direito a
que as nossas cartas não sejam públicas. Mas há que distinguir entre dois
tipos de missivas: as missivas confidenciais e as missivas não-confidenciais.
Uma coisa são as cartas de amor do Fernando Pessoa, ou de outra pessoa, e
outra coisa são os relatórios que se fazem, aqui ou num emprego. Faz sentido
tutelar as missivas confidenciais, não faz sentido tutelar as não-confidenciais. O

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CC refere-se às cartas missivas confidenciais, nos Art’s. 75 a 77, e só no Art.
78 se refere às cartas missivas não confidenciais. Esta designação
“cartas/missivas” tem que ser interpretada com amplitude para abranger outros
meios de comunicação que não apenas a comunicação postal – a
comunicação pela Internet, por exemplo.

Como é que se distinguem as missivas confidencias ou não


confidenciais? Temos que aplicar aqui um critério substancialista. Não é
confidencial só a missiva que o autor assinala como confidencial, mas tem
antes que se entender o seu conteúdo. São confidenciais obviamente escritos
familiares, amorosos, mas também cartas profissionais que envolvam segredo
ou sigilo profissional.

Qual a tutela dada as cartas missivas confidenciais?


à O destinatário tem o dever de guardar reserva sobre o seu conteúdo,
e não deve aproveitar os elementos de informação que decorram dessa carta;
à Se o destinatário já tiver falecido, o autor da missiva pode promover a
restituição da própria missiva (Art. 75 nº 2). Assim como pode ser ordenada a
destruição da missiva confidencial;
à Só se pode publicar uma carta confidencial apenas com o
consentimento do seu autor ou com o suprimento judicial desse consentimento.
Se, todavia, as cartas não tiverem objetivos de interesse público, mas sim
forem de interesse histórico e afins, não há lugar a este suprimento judicial.

Se a missiva não for confidencial a tutela é menor. A lei determina, no


Art. 78 do CC, apenas que a utilização que o destinatário dela faça não seja
contrária às espectativas do autor da própria carta. Temos aqui de novo um
princípio de adequação funcional – os direitos devem ser exercidos de acordo
com a função para que foram instituídos, e não abusivamente.

Noutras áreas jurídicas é conferida uma tutela especial às cartas


missivas. É o caso do Código do trabalho – existe uma norma que protege o
email do empregado – Art. 20.

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è Direito à reserva da intimidade privada
O direito à reserva da intimidade privada é, a seguir aos direitos à vida e
à integridade física, um direito de personalidade por excelência. Este direito é
referido no CC Art. 80, aparentemente sem grande destaque. Mas não nos
devemos deixar enganar pela descrição do Código. O Código é discreto nesta
matéria, mas isso não ilude a importância do direito à intimidade da vida
privada. Na realidade, ela revela-nos um princípio geral desta matéria dos
direitos de personalidade. O que está em questão na tutela desses direitos de
personalidade é em regra a questão da intimidade da vida das pessoas.
O princípio geral nesta matéria é o que vem enunciado no Art. 80 nº 1 do
CC – qualquer um de nós que tenha possibilidade de revelar algo sobre a vida
privada de outra pessoa não o deve fazer. Aplicamos aqui mais um vez a teoria
das esferas – não está em questão um facto público ou notório, nem um facto
social da vida de todos nós. Estamos a tratar de aspetos relativos à vida
familiar e íntima de cada um.

A lei diz-nos a extensão da reserva (Art. 80 ou 81 nº 2), que é definida


pela natureza do caso.
Nos antípodas deste direito está o direito à informação. Um termina
onde a outra começa. No Estado “olheiro” que temos, tende a sobrevalorizar-se
do direito à informação sobre o direito à intimidade da vida privada. O que
podemos dizer por via desta norma cautelar do nº 2 do Art. 80 é que só a
natureza concreta do caso e das pessoas é que certo aspeto da vida privada
deve ser considerado mais relevante que o direito à informação. Todavia, o
princípio prevalente deverá ser, na opinião da regente, o direito à reserva da
intimidade da vida privada. Esta situação típica de colisão de direitos (Art. 335)
– deve prevalecer o que seja superior, ou devem ceder equitativamente.

É claro que, como vimos pelo regime geral dos direitos de


personalidade, estes direitos não são absolutos no sentido em que o seu titular
pode limitar o direito de personalidade. Nós temos situações de limitação
voluntária dos direitos de personalidade muito frequentes nas nossas
sociedades (os Big Brothers desta vida, por exemplo). Sendo possível esta
limitação, a lei é também clara, ao impor-lhe um regime de tutela reforçada,

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admitindo a retração de vontade unilateral do titular da própria limitação que se
tenha imposto – o titular pode unilateralmente revogar o consentimento, em
prejuízo de poder indemnizar, e repor o direito de personalidade na plenitude
da sua conceção – é o que decorre do Art. 81.

O direito à privacidade culide muitas vezes com o direito à liberdade de


expressão – liberdade de impressa –. As ofensas à privacidade cometidas
através da comunicação social são de uma brutal gravidade é igual ao direito à
honra. Mesmo as pessoas com maior notoriedade têm direito à sua
privacidade. Entra aqui o princípio de adequação – ainda que a sua vida seja
mais exposta que a das outras pessoas têm o seu direito e a imprensa não
deve abusar.

Dois ou três pontos ainda sobre os direitos de personalidade:

à O direito de personalidade pode ter, para alem da dimensão pessoa


que já vimos, uma dimensão familiar. É o caso do direito à reserva da
intimidade da vida privada, do nome ou da violação da correspondência –
quando alguém revela factos da sua vida íntima, está a revelar elementos da
vida íntima de outras pessoas.

à Um corolário dos direitos de personalidade é que a responsabilidade


civil é hoje limitada à esfera patrimonial. Nas sociedades antigas, o devedor
que não cumpria era entregue ao devedor. Hoje não é assim, como sabemos.
Depois do cárcere privado de Roma, como vimos, segue-se o cárcere público.
Hoje só o património responde pelas dívidas, exceto se essas dívidas forem
crime.

à Os danos morais, ou seja, os danos decorrentes de violações de


direitos de personalidade, podem dar lugar a uma indemnização, ou sejam,
ressarcíveis patrimonialmente. O direito à indemnização não decorre só de
situações patrimoniais, mas pode decorrer de violações de direitos de
personalidade. Simplesmente a nossa lei, e sobretudo a jurisprudência na
interpretação da lei, tende a reconhecer que os danos não patrimoniais só são

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indemnizáveis se forem graves, e a jurisprudência da interpretação do Art. 496
do CC tem alguma dificuldade em estabelecer as indemnizações, porque não
tem o efeito de reproduzir a situação, mas antes de a compensar pela perda.

Ainda a propósito dos direitos não patrimoniais e da responsabilização, a


lei não é clara quanto à indemnização no caso do direito por morte – de quem
será afinal o direito? Do falecido ou dos que lhe sucedem?

30/10/2019

Instituto da Boa Fé

É instituto de grande importância para o D. Civil. O recurso do apelo à


ideia de boa fé é feito em todos os quadrantes de Direito.
Foi nesta Faculdade que se fez a maior dissertação sobre esta matéria,
dissertação de doutoramento do Prof. Menezes Cordeiro – “Da boa fé no direito
civil”. Nesta dissertação o Prof fez uma apreciação profunda do instituto e do
seu relevo, de onde decorre que o nosso CC há pelo menos 70 artigos que
fazem apelo à boa fé.

A origem deste instituto é romana. No Direito Romano, falava-se em


fides – é o antecedente histórico da boa fé. Ainda não se falava em buona
fides, mas sim só de fides – estar convencido de alguma coisa.
No D. Romano, o instituto da fides serviria justamente para enquadrar
situações novas em matéria de recuso à fides, o pretor podia deferir tendo em
atenção a justiça do caso, a sua convicção sobre o caso, nas situações em que
não estava normativamente previsto.

O princípio da boa fé é um princípio do Direito Justo, ou, o mesmo é


dizer, do direito natural. Vale, quer por força da sua justiça quer por força da
justiça própria, quer por efeito da sua positivação na lei.

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Tem um sentido moral profundo e pode exprimir-se pelo mandamento de
que cada um fique vinculado em fé da palavra dada, que a confiança que
constitui a base imprescindível de todas as relações humanas não deve ser
frustrada nem abusada e que cada um deve comportar como é de esperar de
uma pessoa honrada, de uma pessoa de bem.
Desde sempre que o princípio da boa fé teve uma dupla faceta, até hoje
apresenta: uma faceta subjetiva (convencimento do sujeito sobre determinada
realidade; ou ignorância de determinados factos), e um prisma mais objetivo.

Ao longo da história, a ideia de boa fé começou por se desenvolver um


sentido mais subjetivo. Neste sentido, desenvolveu-se na Idade Média, na
Idade Moderna, e aparece já no Código de Napoleão, no nosso Código de
Seabra.
Numa perspetiva subjetiva decide-se da boa ou má fé em que se
encontra certa pessoa perante uma situação jurídica própria. Assim refere-se
ao possuidor de boa fé aquele que ao possuir ou ao adquirir certa coisa,
ignorava que lesava outrem.
A certa altura, apareceu neste desenvolvimento a ideia de lealdade, de
um comportamento de acordo com as espectativas a outra parte. Esta ideia de
lealdade foi sobretudo desenvolvida pela pandectistica, com base no conceito
de lealdade e de um comportamento leal. Esta evolução (primeiro a ideia de
lealdade, depois a ideia de comportamento leal), e ao mesmo tempo a ideia do
estado de convencimento do sujeito sobre determinados factos, sedimentou o
instituto da boa fé com os dois sentidos que referimos. A boa fé surge aqui
como portadora de critérios de atuação honesta, leal e honrada.
A boa fé subjetiva e objetiva não são duas realidades distintas, mas
antes e apenas duas perspetivas distintas, ou dois pontos de partida diferentes
para submeter as condutas jurídicas a um juízo de honestidade, de honradez e
de decência.
Em conclusão, boa fé tem a ver com a ideia de comportamento das
pessoas de acordo com valores determinantes da ordem jurídica,
designadamente no cumprimento contratual. Nesse sentido objetivo não
estamos já perante um estrato de convencimento do sujeito, mas sim perante
um apelo a regras positivas de comportamento.

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No nosso Código encontramos diversas consagrações da boa fé, quer
num sentido quer noutro. Vejamos algumas como exemplo:

Em sentido subjetivo, veja-se por exemplo o Art. 1219 do CC. O Art. 119
refere-se a suma figura que vamos estudar a propósito das pessoas, e que é a
ausência – alguém desaparece sem se saber o paradeiro. A lei atribui certos
efeitos à ausência, e este art. Trata da situação em que o ausente regressa. No
nº 2 refere-se à má fé dos sucessores. O que é a má fé dos sucessores? É o
conhecimento de que o ausente afinal não estava morto – vide nº 3.

Veja-se o Art. 243. Este artigo refere-se a uma figura que é a simulação,
e que estudaremos a propósito dos vícios do negócio jurídico. A simulação é
um negócio entre A e B para prejudicar. A simulação tem aqui um regime
relativamente a terceiros de boa fé. Aqui a boa fé é a ideia presente no nº 2.

Estamos perante boa fé em sentido subjetivo tutelada pelo direito


quando o direito valoriza o estado de conhecimento, ignorância ou consciência
de determinados factos. A boa fé, subjetiva, é, pela ideia de subjetividade que
carrega, um conceito de difícil apreensão. Bastará que a pessoa conheça ou se
convença de certos factos. Dai distinguir-se em sentido psicológico (alguém se
convence de algo) ou em sentido ético (alguém que se convence ou que ignore
certos factos sem obrigação de os convencer).
Trata-se de limitar o instituto da boa fé na sua aceção subjetiva, dizendo
que só releva a situação em que a pessoa ignora, de facto, mas não tnha
obrigação de saber, ou quando se convence porque esse convencimento lhe
foi criado por outro. A aplicação prática deste instituto é temperada assim por
deveres de informação, de diligência norma, etc. Se a pessoa não os observou,
devendo fazê-lo, não deve funcionar o sentido da boa fé.

A ideia objetiva de boa fé tem como base que o comportamento das


pessoas deve respeitar os valores dominantes da ordem jurídica. Temos
também muitas normas do CC que evidenciam projeções da boa fé em sentido
objetivo, de tal forma que podemos encontrar projeções da ideia de boa fé e

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sentidos menores. É o caso do regime da responsabilidade na formação do
negócio (Art. 227), também chamado culpa in contendo; o relevo da boa fé na
integração de negócios jurídicos (Art. 239); abuso de direito (Art. 334); a boa fé
como fundamento da modificação do contrato por alteração das circunstâncias
(Art. 437 nº1); exigência da boa fé no cumprimento das obrigações (Art. 762 nº
2).

Comecemos por desenvolver a culpa in contendo, ou responsabilidade


na formação do contrato. Abordemos esta matéria mais a frente, a propósito da
formação do contrato, mas para já fica uma ideia do instituto da boa fé. O
conteúdo essencial desta matéria é a seguinte: não só no cumprimento do
contrato, mas também na sua formação, as partes devem atuar com lealdade
(veja-se a ideia de lealdade), apela-se ao comportamento correto. O que temos
aqui é uma remissão para o comportamento das partes de acordo com os
ditames mais adequados da ordem jurídica, e para a concretização destas
regras da boa fé, a doutrina costuma identificar vários deveres que as partes
têm que seguir na formação do contrato: dever de informação (cada uma das
partes deve informar a outra pessoa sobre o que é relevante para a formação
do contrato); dever de lealdade (as partes não devem frustrar as expectativas
contratuais da outra parte); dever de proteção (a tutela de uma pessoa no
ambiente contratual, ainda sem ter celebrado um negócio). Este tipo de
deveres é autonomizado apenas por alguma doutrina – Prof Menezes Cordeiro
autonomiza, o Prof Pais Vasconcelos não. A reter aqui há uma remissão para
os comportamentos corretos.

Temos ainda o Art. 239 que se refere à integração dos negócios


jurídicos. A integração dos negócios jurídicos desempenha o mesmo papel que
a integração da lei, mas para o negócio jurídico. Remete aqui o texto da lei
para as regras que, normalmente, deveria estar no conteúdo de um contrato.

Outra objeção é a que se refere ao abuso de direito (Art. 334).vamos


estudar melhor o abuso de Direito na ultima parte do nosso curso, mas
retenhamos para já que o abuso de direito surgiu em frança no século XIX e a
nossa ideia de pensar que um direito de que a pessoa seja titular deve ser

51
exercido dentro dos limites da razoabilidade, e tendo em conta a razão pela
qual o direito foi atribuído – há como que um dever de exercer o direito de
forma razoável. Não há aqui nenhuma violação da norma legar, mas um uso
manifestamente desadequado de um direito de que dispõe. Admitir o abuso de
direito é admitir uma nova forma de ilicitude – não é uma violação, mas
justamente um uso ilegítimo da norma. Esta figura surgiu da jurisprudência, foi
criada no séc. XIX em frança. A ideia central a reter é que as posições jurídicas
de vantagem, designadamente os direitos subjetivos, devem ser exercidos
dentro dos limites de razoabilidade (os limites impostos pela boa fé), sob pena
de ilicitude.

Outra situação é a presente no Art. 431 nº 1 do CC. Temos aqui como


princípio subjacente que a justiça do sistema tem uma função corretiva – se um
contrato é determinado um acerta taxa de juro, e há depois um Crash da bolsa
e essa taxa passa de 2% para o 20%, isto é uma alteração anormal.

Outra projeção é a que nos surge no Art. 762 nº 2. No cumprimento do


contrato, as partes devem proceder sob regras da boa fé. É uma expressão
objetiva da boa fé. No desenvolvimento de todos os deveres inerentes ao
contrato, as partes devem proceder de boa fé, devem-se comportar de acordo
com os parâmetros expectáveis.

A reter de tudo isto, com ideias fundamentais em relação à ideia de boa


fé objetiva, o Prof. MC desenvolve as 2 grandes ideias que a jurisprudência
tem aplicado recorrentemente: a ideia de tutela da confiança e a ideia da
materialidade subjacente. A primeira ideia fundamental é a da utela da
confiança – a ordem jurídica protege a confiança normalmente depositada. Se
a sua confiança se vir frustrada, então há lugar à tutela, na perspetiva da
confiança que ele investiu.
Todavia, é preciso alguns pressupostos para que se consiga admitir esta
ideia da tutela da confiança. Quais são?

52
à Tem que ter sido criada uma situação de confiança relativamente ao
negócio ou à conduta de outra parte – ou seja, tem que haver um estado de
boa fé subjetiva;
à Tem que haver uma justificação para esse estado;
à Tem que haver um investimento na confiança;
à Isso tem que ser imputável à outra parte.

Verificados estes pressupostos, que se verificam em conjunto (não são


hierárquicos), há razão para tutelar a confiança. E essa tutela é feita por uma
das duas maneiras: ou uma tutela negativa (se o negócio não se celebrou, tem
que se repor a situação anterior), ou uma tutela impositiva (obrigar a que o
negócio se faça).

A segunda ideia é a da primazia da materialidade subjacente. A


concretização da boa fé objetiva exige que as atuações jurídicas sejam feitas
atendendo à substância, e não apenas à forma. O que se quer dizer é que às
vezes a aparência das coisas não corresponde à sua substância, e quando
assim for o direito se deve pautar por uma ideia de cumprimento da substância.

Instituto da autonomia privada

Quando falamos de autonomia privada, podemos entende-a em sentido


amplo ou estrito.
- Em sentido amplo, ela é o espaço de liberdade que é reconhecido a
cada pessoa para agir como entender, ou seja, livremente.
- Em sentido estrito, permite que cada pessoa pratique as atividades
jurídicas que entender, ou seja, pratique os factos jurídicos (porque relevantes
para o Direito) que bem entender.

Estamos a falar de factos jurídicos, factos jurídicos que se caracterizam


por duas liberdades, isto é, perante um facto jurídico cada pessoa tem a
liberdade de praticar ou não esse facto. Chama-se a esta liberdade a liberdade

53
de celebração. Por outro lado, pode ter a liberdade de determinar os efeitos
desse ato (o que é chamado a liberdade de estipulação).
Esta classificação é bastante importante, porque há certos factos
jurídicos relativamente aos quais apenas se verifica uma liberdade de
celebração, isto e cada pessoa tem a liberdade de praticar ou não esse ato, e
com isso se esgota a sua autonomia privada.
Existem ainda factos que para além da liberdade de celebração, há uma
liberdade de estipulação. São os chamados negócios jurídicos. Por exemplo,
os contratos.
Cada cidadão tem a liberdade de celebrar ou não um contrato, mas cada
cidadão tem também a liberdade de, ao celebrá-lo, determinar o seu conteúdo,
ou seja, os seus efeitos jurídicos, os efeitos jurídicos que irá produzir.

Quando dizemos que a autonomia privada abre um espaço de liberdade,


podemos ver essa liberdade sob dois prismas:
à Liberdade de agir – referimo-nos ao sentido positivo;
à Liberdade de reagir ou de oposição a intervenções ilícitas – vemos
aqui a autonomia privada na perspetiva negativa.

A área do Direito em que a autonomia privada se faz sentir com especial


intensidade é o direito das obrigações. Dentro do Direito das Obrigações,
temos em particular a figura prevista no Art. 405 do CC, que permite que os
cidadãos fixem livremente os efeitos dos contratos, que celebrem contratos não
previstos na lei, que cumulem tipo de contratos previstos na lei, etc.

É claro que a autonomia privada tem limitações, todavia essas


limitações nunca poderão chegar ao ponto de suprimir a autonomia privada,
porque ai já não estaríamos dentro do espaço de liberdade. Esta autonomia
privada está também associada a uma ideia de autorresponsabilidade, ou seja,
tem como limite a autonomia privada de outras pessoas e por outro lado o seu
exercício tem associada a possibilidade de serem imputadas a quem a usa as
consequências daí inerentes.

54
Imputação de danos

Dano: suspensão de uma vantagem protegida pelo direito

Há certas vantagens que são protegidas pelo Direito – a vida, o


património, etc. Ora todo o momento ocorre a supressão de algumas
vantagens – alguém perde a vida, alguém sofre um acidente e com isso vai ter
certos encargos, etc. Estamos a falar de haver vantagens que são suprimidas
por força de certas circunstâncias. Estas vantagens que são tuteladas pelo
Direito, podem ser por alguma razão suprimidas, e a essa supressão de uma
vantagem protegida pelo Direito chama-se dano. Isto verifica-se quer haja
supressão ou redução.

É possível estabelecer modalidades de danos, que estudaremos melhor


em Direito das obrigações. Mas para já salientemos duas modalidades:
à Uma distingue os danos patrimoniais dos danos não-patrimoniais: o
dano ou é patrimonial ou não patrimonial consoante a natureza da vantagem
suprimida. Se essa vantagem atinge o património de uma certa esfera jurídica,
diz-se que a sua supressão dá origem a um dano patrimonial. Mas essa
vantagem pode não ter representação patrimonial – por exemplo, quando se
atinge o direito moral de alguém. Estamos perante um dano não patrimonial.
à Dano emergente do lucro cessante: o dano emergente é o que resulta
da supressão de uma certa utilidade, que diretamente recorre do facto de
provocou o dano. O lucro cessante à não obtenção de uma certa vantagem
que de outro modo seria obtida, se não houvesse dano.

à nem sempre os danos são contrários à ordem pública, podem ter


origem em danos lícitos - origem dos danos;
à natureza – podem ser danos de causa natural, fenómenos da
natureza;
à Danos reçarcivel e danos compensáveis;

55
Ocorrendo um dano, levanta-se uma magna questão de quem o
suportará?! Há uma regra básica nesta matéria: o dano é suportado na esfera
jurídica em que ele ocorre. Porque?
Antes de mais, isso corresponde à natureza das coisas – se alguém
perde o direito à vida, é essa pessoa que suporta o dano. Por outro lado, há
aqui uma vantagem em termos práticos: a solução da questão é simples e
prática. Por outro lado, além desta explicação há ainda outra, é que
normalmente a solução mais justa a de que o dano seja suportado por que o
sofre. Porquê? Nós suprimimos uma vantagem – não havia dano – e isso
ocorrerá porque tirou dela benefício, dai sofrer a respetiva desvantagem. Quer
isto dizer que em caso algum esse dano pode ser atribuído a outrem? Seria
absurdo dize-lo. O que se pretende dizer é que a regra é que quem sofre o
dano irá suporta-lo.
Todavia, há um instituto civil que é a imputação do dano – apesar de o
dano ocorrer numa certa esfera, var ser atribuído a outra esfera. Esta atribuição
chama-se imputação.

Esta imputação ocorre em certas situações particulares. Traduz-se no


facto de, apesar de o dano se sentir numa esfera, vai ser atribuído a outra.
Qual é a figura jurídica que permitirá transferir o dano de uma esfera para a
outra? É a figura da responsabilidade civil.

A responsabilidade civil tem lugar através do surgimento de uma


obrigação, obrigação essa que se chama obrigação de indemnizar – quando há
responsabilidade civil, o dano ocorre numa certa esfera, mas ele irá ser
imputado noutra esfera, fazendo surgir nessa a obrigação de indemnizar a
pessoa que sofreu o dano, ou seja, alguém terá o dever de fazer uma
prestação à outra pessoa que sofreu o dano.

A obrigação de indemnizar tem a sua fonte, por um lado, na ocorrência


de um dano e, por outro lado, a sua imputação a outrem.

Qual é o conteúdo dessa obrigação? É a indemnização, ou seja, é o


dever de efetuar uma prestação a favor do lesado.

56
E qual é o objetivo? O objetivo é a supressão do dano.

Ainda sobre a responsabilidade, antes de mais, e na lei, a


responsabilidade civil assenta em certas cláusulas gerais. Essencialmente, a
responsabilidade civil não está prevista na lei em função de certos factos. Há
cláusulas gerais que enunciam certos pressupostos, que se forem preenchidos
constituem o lesante na obrigação de indemnizar o lesado, sem prejuízo de
haver alguns factos em que a lei diga que há obrigação de indemnizar – mas o
que enunciamos primeiro é a regra.

O exemplo por excelência da técnica que referimos é o Art. 483 nº 1 do


CC.
A responsabilidade civil gera uma obrigação – a obrigação de
indemnizar. Por essa razão, a responsabilidade civil é tratada sobretudo no
Direito das Obrigações. Mas o facto de ser estudada em D. das Obrigações
não significa que não seja uma figura que tem aplicação em qualquer ramo do
Direito privado, porque tem.

à Tipos de imputação:
Já vimos que a regra é que o dano é suportado na esfera em que ocorreu.
Daí resulta que só há responsabilidade civil nos casos previstos na lei, e essas
circunstâncias, ou casos, são chamados de títulos de imputação – os títulos
pelos quais é possível imputar o dano a outra pessoa. Atualmente podemos
dizer que há 3 tipos de imputação:
Þ Responsabilidade do facto ilícito ou incumprimento: este é o âmbito
mais alargado da responsabilidade civil. A responsabilidade civil,
neste titulo, é atribuída a alguém que age ilicitamente e que, com
culpa, viola um direito alheio ou uma norma legal destinada a
proteger direitos alheios. É isto que resulta do Art. 483 do CC. Ou
seja, tem que haver um ato ilícito, sem causa de justificação, e com
culpa. Há culpa quando o Direito faz um juízo de censura sobre esse
comportamento. Pode o agente ter querido violar diretamente a
norma jurídica, ou pode ter violado a norma jurídica de forma
necessária, ou até eventual. Aqui estamos perante a figura de dolo

57
como modalidade de culpa. Há ainda outra modalidade de culpa que
é a negligência – o agente não quis violar a norma, toda a via não
teve o dever de cuidado que a situação exigia, e dai ser absurdo o
seu comportamento, havendo negligência;
Þ Responsabilidade pelo risco: uma ideia relativamente recente, com
perto de 2 séculos, e que surge associada a uma ideia fundamental
certas pessoas fazem uso de certos meios que implicam riscos para
terceiros. A utilização desses meios é consentida pelo direito, até
pode mesmo ser tutelada pelo direito. Mas apesar disso, da
utilização desses meios decorre um risco para terceiros. No seu
núcleo essencial, a responsabilidade civil pelo risco traduz-se quando
alguém, sem culpa, causa prejuízo para terceiros. Será justo que
quem tem vantagens desses meios também lhe sejam imputados os
danos sofridos por terceiros. Antes de mais, é preciso ter em conta
que só há responsabilidade pelo risco nos casos previstos na lei (Art.
483 nº 2 do CC). Os casos previstos na lei são os casos do Art. 500 e
seguintes. Alguém agindo licitamente provoca danos a terceiros terá
de os suportar;
Þ Responsabilidade por facto lícito ou pelo sacrifício: alguém causa um
dano a outrem, e causa-o voluntariamente, todavia, esse ato não
contraria a lei. Em regra, não haverá responsabilidade. Mas em
certos casos a lei, uma vez que, aquele que causa o dano pode
retirar certos benefícios dai, a lei imputa-lhe responsabilidade pela
prática desse ato lícito. Ex: Estado de necessidade.

58
Pessoas – tomo IV

6/11/2019

Entramos agora na parte II do programa referente à teoria das pessoas. No


estudo desta matéria é usual destingir entre pessoas singulares e pessoas
coletivas. Vamos agora falar do nascimento e da obtenção da capacidade
jurídica.

Existe uma distinção entre pessoa em sentido ontológico e pessoa em


sentido jurídico. É importante por isso definir o que é a personalidade jurídica e
o que é a capacidade jurídica.

Personalidade Jurídica

A principal consequência do personalismo ético é o reconhecimento da


personalidade jurídica e a tutela dos direitos de personalidade.
A personalidade é a qualidade de ser pessoa. É uma qualidade que o
Direito se limita a constatar e respeitar e que não pode ser ignorada ou
recusada. É um dado extrajurídico que se impõe ao Direito, fica fora do alcance
do legislador. O prof. Oliveira Ascensão chama à pessoa um “dado pré-legal”.
Os escravos eram tratados como coisas jurídicas suscetíveis de
apropriação, objetos possíveis do direito de personalidade, de compra e venda,
de negócios jurídicos e, como tal, não eram pessoas jurídicas. Não eram
tratados como pessoas. Não tinham personalidade. No Código de Seabra
distinguia-se entre pessoa física e pessoa jurídica – porque só as pessoas
coletivas é que eram jurídicas, ou seja, é que eram criação do Direito.
A personalidade é originária e inerente á qualidade humana e adquire-se
com o nascimento, sem que esta qualidade tenha de ser outorgada, atribuída
ou concedida. Por isso, não pode ser alienada, limitada ou condicionada, como
não pode alguém ser privado dela enquanto vivo. A personalidade só se
extingue com a morte.

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A personalidade jurídica costuma ser definida formalmente como a
suscetibilidade de direitos e obrigações ou de titularidade, ou de ser sujeito de
direitos e obrigações ou de situações jurídicas. Pessoa jurídica é, então, nesta
perspetiva, todo o centro de imputação de situações jurídicas ativas ou
passivas, de direitos ou de obrigações.
A personalidade é uma consequência da titularidade de direitos e
obrigações. Partindo deste ponto de vista, torna-se fácil admitir que a lei possa
criar outras “pessoas jurídicas” para além das pessoas humanas, através do
expediente de lhes atribuir “ex lege” direitos e obrigações. É o que sucede com
as pessoas coletivas que resultam da personalização operada pela lei de
certas realidades da vida humana em sociedade.
Este ponto de vista, ao aceitar a personalidade jurídica como algo que
contribuído pelo Direito, de intrajurídico, tem a vantagem de facilitar a
compreensão da personalidade coletiva e da sua inclusão num amplo conceito
geral-abstrato de personalidade jurídica. Tem, todavia, o defeito de colocar no
mesmo plano a personalidade das pessoas humanas e das pessoas coletivas
o que induz por vezes a um equivoco grave que se traduz no reconhecimento
ao Direito e à Lei do poder de atribuir a personalidade e, consequentemente,
de a excluir e condicionar, o que envolve riscos importantes, abrindo o caminho
para construções jurídicas que não respeitem a dignidade humana nem a
centralidade da pessoa em todo o direito.
Em suma, a personalidade jurídica é a qualidade de ser pessoa que o
Direito reconhece a todas as pessoas pelo simples facto de o serem, que se
traduz no necessário tratamento jurídico das pessoas como pessoas, isto é,
como sujeito e não como objeto de direitos e deveres, como originariamente
dotadas de dignidade inviolável de pessoas humanas, que o Direito não pode
deixar de respeitar e que não constitui um dado extra legal, de Direito Natural.
A personalidade jurídica das pessoas coletivas é semelhante, mas diferente, e
tem uma problemática própria de fundamentação e um conteúdo que
corresponde à transposição “mutatis mutandis” para as pessoas coletivas de
módulo jurídico de personalidade das pessoas humanas.
O conceito de personalidade jurídica é apresentado no Art. 66 do CC; este
não a define apenas diz quando começa, no artigo já referido e quando acaba
no Art. 68.

60
Conceito diferente é o conceito de capacidade jurídica. A capacidade
jurídica tem a ver com a medica quantitativa de situações jurídicas de que cada
um é titular. Esta é apresentado no Art. 67 do CC.
A doutrina costuma classificar a capacidade em dois grandes tipos:
à Capacidade de gozo – conjunto de direitos e deveres de que a
pessoa é titular;
à Capacidade de exercício – conjunto de situações que a pessoa pode
exercer;

Embora que a regra seja que eu posso exercer todas as situações de que
sou titular a lei diz que nem sempre é ele que exerce as situações. A ordem
jurídica entende que, nem todas as pessoas têm capacidade para exercer as
suas capacidades – fornece-lhe capacidade de gozo, mas não de exercício.
Estas limitações surgem para proteger a pessoa. Quando isto acontece, o
incapaz tem alguém que exerce os direitos por ele, ou então, só o pode fazer
depois de dada autorização para tal.

Esta distinção surge, por exemplo, para explicar que um bebé pode ser
titular de uma fortuna imensa que herdou, mas não tem capacidade de a gerir,
por motivos óbvios.

Existe ainda um terceiro conceito operatório – o conceito de esfera


jurídica, que tem a ver com o complexo de situações de que uma pessoa é
titular, complexo de situações da sua esfera pessoal.

Vamos abordar agora apenas as pessoas singulares.

à Pessoas singulares – Inicio e personalidade jurídica:

O CC não a define apenas diz quando ela começa e quando ela termina.
A lei refere, no Art. 66 nº 2, que a personalidade jurídica se adquire no
momento do nascimento completo e com vida. Porquê? O que está aqui em
questão, primeiramente, é o nascimento. Quer isto dizer que a lei em princípio
não reconhece personalidade jurídica antes do nascimento. Em segundo lugar,

61
este nascimento tem de ser completo, ou seja, se o óbito ocorrer durante o
parto, não chega a haver personalidade jurídica. No entanto, se o óbito se der
logo a seguir ao parto houve sim personalidade jurídica, que cessou com a
morte. Em terceiro lugar, este nascimento tem que se com vida – um nado
morto não chega a adquirir personalidade jurídica. Isto quer ainda dizer que se
a criança por morta logo a seguir a nascer, há um homicídio.
Mas no nº 2 do mesmo artigo, diz que os direitos que a lei reconhecer aos
nascituros depende do seu nascimento. Aparente contradição. O nº 1 só
reconhece personalidade jurídica com o nascimento, mas o nº 2 fala-se dos
direitos dos nascituros. A razão de ser disto pensa-se se pensarmos nos
concepturos – os que ainda podem ser concebidos. Ex: "Deixo os meus bens
aos filhos da tia Maria que possam vir a nascer”. Ela diz: fixe, não tenho filhos
cá vai disto. Mal, vai mal. O problema aqui é a tutela anterior ao parto, a tutela
anterior à aquisição da personalidade jurídica. A doutrina tem-se dividido muito
relativamente a este regime jurídico.
O nascituro é relevante e merecedor de tutela jurídica enquanto tal,
independentemente da questão ética de lhes atribuirmos personalidade jurídica
ou não – este é um direito em formação tal como a vida.

Nascituros: já foram concebidos; têm vida no seio da barriga da mãe, mas


ainda não nasceram;
Concepturo: ainda não foi concebido; são meras espectativas.

Tutela pré-natal

Outro tipo de problemas são os que estão ligados à tutela pré-natal, a


proteção do próprio nascituro já concebido. Há aqui várias questões a colocar.
Uma delas é desde logo a questão penal: é ou não é crime o aborto?
Depois há questões civis, de grande importância ética: há ou não um direito
dos nascituros a nascer? Ex: alguém faz um aborto que corre mal, e a criança
nasce com uma deficiência. Pode-se depois intentar uma ação contra a mãe,
contra o médico, ou contra o Socrates? Há, ainda, questões laterais
interessantes: caso uma menor aborte, quem lhe dá o consentimento? Os dois
pais? Apenas um? A vizinha de cima?

62
Mas há mais questões como a eventual colisão do direito do nascituro a
nascer com outros direitos, como os direitos à saúde da mãe. Isto deve ser
resolvido à luz do instituto da colisão de direitos, previsto no Art. 35 do CC,
fazendo prevalecer o direito que maior valor tiver, digamos assim.

Alguma doutrina advoga uma posição face ao Art. 66 tendo em atenção


esta questão da tutela pré-natal.
O prof. Menezes Cordeiro simplesmente entende que o início da
personalidade jurídica se deve reportar ao momento da conceção e não ao
momento do nascimento, com base na ideia de que a partir do momento da
conceção há uma pessoa em sentido ontológico, ainda que não em sentido
jurídico. Esta questão é, parece-nos, eminentemente ética.
O que o CC se ocupa é a personalidade jurídica. Bom, mas como qualificar
os direitos dos nascituros do nº 2 do Art. 66? Há várias posições na doutrina.
Uma posição tradicional, diz que são direitos sem sujeito. Não há sujeito
porque ainda não há personalidade jurídica, ou seja, há direitos, mas não têm
titular. Uma segunda posição possível é a de que os direitos dos nascituros são
direitos condicionados. Dependem de um evento futuro incerto para que
passem a ter titular. Uma terceira posição, talvez a mais adequada, que não
precisa da tal divisão do CC para simplesmente fazer retroagir a personalidade
jurídica ao momento da conceção, é a de reconhecer esses direitos como
expectativas jurídicas. Os direitos estão em formação, já lhes é reconhecida
tutrla, mas ainda não são direitos em sentido próprio. Mas porque será uma
expectativa jurídica? Porque os direitos atribuídos aos nascituros não lhes são
atribuídos enquanto tal, mas sim na perspetiva de se verificar o nascimento, e é
nessa perspetiva que lhes é dispensada alguma tutela. É justamente isto que
caracteriza a expectativa jurídica. Esta é uma matéria delicada, e todas as
posições são admissíveis, desde que fundamentadas.

Falta ainda dizer que, tal como acontece com os atos do chamado estatuto
das pessoas, tem que haver uma comunicação oficial do nascimento para
efeitos de registo civil. Isto é apenas a primeira manifestação do que vai estar
associado às principais fases da pessoa na sua vida singular – comunica-se o

63
nascimento, o casamento, a paternidade, a morte. Isto destina-se a possibilitar
transparência, casamentos consanguíneos, etc.

11/11/2019

Termo da Personalidade Jurídica

O CC também se ocupa do termo da personalidade jurídica. A


personalidade cessa em regra com a morte – Art. 68 nº 1. Há aqui um
problema médico: quando surge a morte? O Direito tem aqui que se remeter à
sua modéstia – a morte acontece com a cessação irreversível das funções do
tronco cerebral central. O problema de desligar a máquina de alguém em morte
cerebral não pode ser considerado eutanásia porque a pessoa já estava morta.
Existem ainda mais dois problemas relacionados com a sessação da
personalidade jurídica presentes nos nº 2 e 3 do mesmo artigo.
O primeiro é o das situações em que haja dificuldade de determinar o
momento da morte de várias pessoas. É o problema colocado no nº 2 do artigo.
Quando é que isso pode ser relevante?
Este problema podia resolver-se estabelecendo uma presunção de
premoriência, segundo a qual, se presumiria que os mais velhos
sobrevivessem aos mais novos ou vice-versa, ou que as pessoas de um sexo
sobrevivessem às do outro. No entanto, é uma solução artificial sem qualquer
suporte na natureza das coisas. O CC adotou a regra da comoriência que se
traduz em se presumir que, em caso de dúvida, faleceram simultaneamente.
Ex: pai e filho têm um acidente e morrem os dois. O CC estabelece uma
regra de comoriência, ou seja, morrem os dois em simultâneo, nenhum entra
na sucessão do outro.
O segundo problema, apresentado no nº 3 do Art. 68 do CC são as
situações em que seja difícil identificar ou encontrar um cadáver para fazer o
reconhecimento do óbito. O Art. Dita que tem-se por falecida a pessoa cujo
cadáver não haja sido encontrado ou reconhecido quando o desaparecimento
não deixe dúvidas de que morreu. No pode haver mesmo margem para duvida.

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Estatuto Jurídico do Cadáver

O cadáver é o corpo humano sem vida. A teoria jurídica do cadáver foi


construída por Gomes da silva.
O cadáver já não é pessoa. Mas também não é uma coisa. O prof. Menezes
Cordeiro chama-lhe uma “coisa especial”.
Este também não é um bem jurídico apto a servir de meio para a realização
de fins. É algo sagrado, com um estatuto jurídico muito peculiar.

O cadáver destina-se a desaparecer, mas antes tem de ser manipulado. O


decreto lei 411/98 contém o regime jurídico da remoção, transporte, inumação,
exumação, transladação e cremação de cadáveres.

à transplante de órgãos:
A lei 12/93, 22 de abril, permite a colheita de órgãos e tecidos do cadáver,
desde que usados para a cura ou alívio do sofrimento de outras pessoas, ou
para o avanço do conhecimento humano e não para fins lucrativos.
A colheita tem de ser feita logo após a morte e exige cuidados especiais
ministrados ainda em vida.
Para que tal não ocorra é necessário que a pessoa deixe expressamente
declarado que não é doador, sendo que a indisponibilidade pode ser total ou
restringir-se a certos órgãos ou tecidos.
Concluindo, o art. 19 da referida lei dita que “são considerados como
potenciais doadores post mortem todos os cidadãos nacionais ou apátridas e
estrangeiros residentes em Portugal que não tenham manifestado junto do
Ministério da saúde a sua qualidade de não dadores”.

Há ainda alguns problemas relativos à remoção e sepultamento, regulados


em legislação própria.

65
15/10/2019

Capacidade Jurídica

A capacidade jurídica, ao contrário do conceito de personalidade jurídica, é


um conceito quantitativo. Fala-se em capacidade jurídica para identificar o
conjunto de direitos e obrigações de que uma pessoa é titular. É genérica, isto
é, em princípio não tem restrições embora possa ser restringida pela lei.
Nos somos todos diferentes a única coisa que é sempre igual é a
personalidade jurídica – medida qualitativa. Há pessoas com mais direitos do
que outras e também com mais deveres. Somos quantitativamente diferentes.
Esta pode ser mais ou menos ampla – é gradual.

Podem distinguir-se dois tipos de capacidade:


à Capacidade de gozo: a medida quantitativa das situações jurídicas de
que uma pessoa pode ser titular – a titularidade é uma relação entre a pessoa
e a situação jurídica; quais os direitos e deveres que podemos ter ou não; gozo
no sentido da titularidade;
à Capacidade de exercício: medida quantitativa das situações jurídicas
que se podem exercer livre e pessoalmente – tem uma dificuldade o seu
conteúdo e maior; todos os direitos de que se possa ser titular podem ser
exercidos; exercer livre e pessoalmente.

Os menores são incapazes- tem personalidade jurídica, têm capacidade de


gozo, mas não de exercício. Podem ser titulares de situações jurídicas, mas
não podem agir sobre elas livre e pessoalmente.

Art. 69 do CC – ninguém pode renunciar a sua capacidade jurídica– se


fosse renunciada no todo a personalidade jurídica era apenas formal. Art para
evitar que as pessoas renunciem a coisas.

Legitimidade – confunde-se com a capacidade de exercício. Esta


corresponde a uma posição especial do sujeito em relação ao ato que ele vai
praticar que faz com que ele seja a pessoa que pode praticar o ato. Para que

66
uma pessoa possa praticar um ato que incide sobre um objeto tem de ser titular
de uma situação jurídica que incida sobre o mesmo objeto.
Ex: A tem capacidade de gozo sobre todos os bens que venha a adquirir. A
só pode vender a sua mota, se a tiver.
O problema e que isto só não chega, o facto de ser titular de uma situação
jurídica que incida sobre um bem não significa que eu atue sobre esse bem;
basta pensar nas pessoas que tenham a capacidade de gozo e titularidade da
situação jurídica – por exemplo os bebés ou os menores – são titulares de
situações jurídica, por exemplo de uma casa que herdada, têm personalidade
jurídica, têm capacidade de gozo, mas não tem capacidade de exercício – e
por isso não pode exercer os seus direitos porque não tem legitimidade para
agir.
A capacidade é uma situação e a legitimidade é uma relação.
Vamos aprofundar isto no próximo semestre.

Titularidade – é a relação que existe entra a pessoa e a situação jurídica; ou


se é titular ou não se é; equivale à posição do sujeito na situação jurídica, se a
pessoa for titular da situação jurídica esta é o sujeito.
Quais são os problemas?
- O nome titularidade dá ideia de que a situação é ativa. Mas a situação
pode ser ativa e passiva.

Passivo também pode ser denominada de sujeição. Mas não é certo.


Ninguém aqui em sentido técnico é dono de nada. Não são donos de
óculos - São titulares do direito subjetivo real de propriedade sobre uma coisa
móvel que são os óculos. Somos titulares de situações jurídicas e estas
incorporam os objetos.

Esfera Jurídica

Ao conjunto de todas as titularidades de um sujeito, de uma pessoa chama-


se a esfera jurídica. E o conjunto de todos os direitos e todos os deveres de
que uma pessoa é titular – conceito abstrato.

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A confusão surge entre a esfera jurídica e a capacidade de gozo. Esta
última é a medida quantitativa das situações jurídicas de que uma pessoa pode
ser titular – é a medida quantitativa das titularidades possíveis. A esfera jurídica
é a medida quantitativa das titularidades efetivas.
Quando estamos a falar da capacidade de gozo não sabemos que direitos a
pessoa tem, mas sim os que pode ter. A esfera jurídica são os direitos que a
pessoa tem.

Podemos ter várias situações jurídicas com incidência no mesmo objeto.


Só temos uma esfera jurídica, mas e possível ter várias subesferas lá
dentro.

Esfera patrimonial e a pessoal:


A esfera jurídica pessoal é o conjunto de situações jurídicas ativas ou
passivas de natureza não patrimonial de que uma dada pessoa seja titular a
um dado momento. É o caso dos seus direitos de personalidade, direitos e
deveres familiares, direitos de cidadania, etc. A esfera jurídica patrimonial é o
conjunto de situações jurídicas avaliáveis em dinheiro que uma pessoa tem –
direitos sobre bens, direitos decorrentes de contratos com valor patrimonial, por
ai fora.
No que toca à esfera patrimonial, o conceito essencial a reter é o conceito
de património. Património é o conjunto de situações jurídicas de alguém
suscetível de avaliação em dinheiro. Compreende todas as situações ativas e
passivas de caráter patrimonial, sendo estas direitos e obrigações patrimoniais,
respetivamente.
Naturalmente é relativamente a este, até mais do que à esfera pessoal, que
se verificam alterações. Muitas das vezes dependem de um ato de vontade da
pessoa – ela compra, ela vende, ela doa – ou por vezes decorrem de factos
alheios à pessoa – o José foi roubado, um tufão danificou o carro de Pedro, ou
um raio estragou as culturas de Sandra. Ao património são reconhecidas duas
características essenciais:
à A unidade: pretende evidenciar que cada pessoa tem o seu património.
O mendigo que só tem uma caixa de cartão que lhe serve de cama, tem essa
caixa de cartão como património. O património pode ainda estar numa situação

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de solvência (se for superior às nossas dividas) e de insolvência (se for inferior
às nossas dividas). O património responde pelas dividas das pessoas; não há
pessoas sem património e também não há pessoas com mais do que um
património.
à A autonomia: as dividas de um património restringem se aos ativos
desse património. Este ponto será tratado noutra altura. Pelas situações
passivas (obrigações) de um património respondem apenas as situações
ativas que o integram.

Domicílio

É a sede jurídica da pessoa. Pode ou não coincidir com a sua efetiva e real
localização.

O domicílio é importante na medida em que é importante localizar as


pessoas. Este é a sede jurídica da pessoa, ou seja, o local onde, para efeitos
jurídicos, a pessoa se tem por localizada – Art. 82 do CC. Este conceito é
importante para a citação das pessoas, para o mandato de captura, para
acesso a cuidados de saúde, etc.
Na maior parte dos casos o domicílio coincide com o local onde a
pessoa esta usualmente. Na falta de residência habitual considera-se
domiciliada na sua residência ocasional. Se esta não poder ser determinada o
domicílio é no lugar onde se encontrar – os sem abrigo.

O regime jurídico do domicílio está retratado nos Art’s. 82 e seguintes do


CC, cabendo-lhe várias distinções.

Existem ainda, para alem da regra geral os domicílios especiais:


Art. 83 - Profissional: a pessoa que exerce uma posição profissional para
casos relacionados com a mesma tem domicílio onde a sua profissão é
exercida.
O nº 2 tem a ver c a mesma profissão em dois sítios. O domicílio aqui é em
cada um dos sítios.

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Art. 84 – aplicado em negócios jurídicos em que para efeitos desse contrato
se fixa um domicílio num sítio que pode nada ter a ver com o sítio onde vive ou
passa mais tempo. Domicílio eletivo – ganha especial importância perante o
regime do Art. 224 do CC. Segundo o qual as declarações negociais são
enviadas para o domicílio eletivo da pessoa e tornam-se eficazes a partir do
momento em que chegam lá.
Art. 85 – domicílio dos menores – tem domicílio legal na residência da
família; mesmo que saiam de casa é lá. Se quem vai agir é o representante e
não o incapaz então quem tem de receber a carta é o representante.
Art. 87 – domicílio dos empregados públicos; o prof Rebelo sousa mora no
palácio de Belém; este não vive lá mesmo, mas a sua residência oficial é lá
mesmo. Se alguém precisar de lhe enviar uma carta, mesmo que viva ao lado
da pessoa tem de a enviar para o palácio de Belém.
Art. 88 – agentes diplomáticos; quando tem extraterritorialidade consideram-
se domiciliados em Lisboa, não sabemos sempre onde se encontram.

As pessoas coletivas têm domicílio na sua sede.

Isto é importante porque existem cartas que produzem efeitos jurídicos e se


estas não forem enviadas para o sítio correto não os vão produzir. Vamos
compreender melhor no próximo semestre.
Quando uma pessoa não recebe uma carta por sua culpa ela produz efeitos
na mesma. Quando temos uma carta nos correios e n a vamos buscar ela esta
a produzir efeitos jurídicos e nós nem os conhecemos.

18/11/2019

Instituto da ausência

A ausência trata-se de um instituto jurídico que visa prover a


administração de bens de alguém que desapareceu.
Este instituto é composto por 3 fases:
Þ Curadoria provisória;

70
Þ Curadoria definitiva;
Þ Morte Presumida.
Estas têm tendência a ser sequenciais, mas nada assim o obriga. Cada
uma delas tem os seus requisitos.
É necessário o preenchimento de vários requisitos para se dar a
ausência (Art. 89) – é preciso que alguém desapareça sem se saber onde a
pessoa está e haver duvidas sobre se está viva ou morta (Art. 98, 112 e 119),
tem de haver necessidade de prover os bens de uma pessoa – uma pessoa
que não tenhas bens nenhuns não lhe é atribuído este regime; é necessário
que esta não tenha deixado um representante legal; é ainda necessário que
haja um requerimento sobre esta justificação da ausência, que é feita através
de uma pessoa que vai substituir o ausente (denomina-se curador provisório) –
este gere os bens como consegue.

à Curadoria provisória:
O sentido do regime é o da proteção do património do ausente, na
espectativa do seu regresso. O curador tem o dever de prestar contas da sua
gestão anualmente e sempre que lhe for pedido pelo tribunal; tem ainda direito
a uma remuneração de 10% da receita líquida.
O curador provisório fica sujeito ao regime do mandato geral – Art. 1157.
Cessa com o regresso do ausente ou com a instauração da curadoria
definitiva.
Há medida que a situação se perde no tempo passa a incluir os
interesses dos sucessores daquele que desapareceu. Quando uma pessoa
morre o seu património passa aos seus herdeiros e por isso se uma pessoa
desaparece sem deixar rasto vai se tornando cada vez mais importante tutelar
os bens que pertenciam a pessoa.

à Curadoria Definitiva:
A seguir a esta fase surge a curadoria definitiva, os interesses dos
sucessíveis sobrepõem-se aos do ausente; a perspetiva de que a pessoa vá
regressar vai desaparecendo.
Esta esta regulada nos Art. 99 e seguintes do CC. Os requisitos desta
são os mesmos da fase anterior mais terem decorridos 2 anos do

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desaparecimento. Se o ausente tiver deixado um representante legal este
prazo estende-se para 5 anos. A questão regulariza-se pelos termos do Art.
100.
Pode ainda n ter sido requerida a curadoria provisória e dar-se a
definitiva.

O que é que acontece com a decretação definitiva?


É aberta a sucessão aos herdeiros que a lei reconhece como herdeiros
legítimos. Os bens do ausente são atribuídos a quem o teria sucedido se
tivesse morrido (Art. 101, 102 e 103 do CC).
O legatário é o que assume um bem que o testamento determina.
Estes sucessores recebem os bens não como herdeiros, mas sim como
curadores definitivos, cada um deles deverá administrar os bens com a mesma
diligencia e cuidado que o curador provisório – Art. 104.
Se o desaparecido regressar os bens são lhe restituídos, como
estiverem. Pode ainda cessar com a morte presumida – este regime esta
regulado nos Art. 114 do CC e seguintes.

à Morte Presumida:
Neste regime, a lei descrê a sua sobrevivência e presume a sua morte;
os bens são atribuídos aqueles que os receberiam se o ausente estivesse
morto.
Uma pessoa só pode ser declarada morto presumido se tiverem
passado 10 anos do seu desaparecimento ou 5 se já tiver mais de 80 anos.
Segundo o nº 2 do Art. 114 não poderá ser presumida a morte do ausente
antes de decorridos 5 anos sobre a data em que este completaria a maioridade
se fosse vivo. Os requisitos são os gerais da ausência.

É possível decretar a morte presumida sem ter sido decretada a curadoria


provisória e definitiva.
A declaração de morte presumida produz os mesmos efeitos que a morte.
Os bens são atribuídos aos herdeiros que os recebem como os seus.

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Art. 115 – A declaração de morte presumida produz os mesmos efeitos que
a morte, mas não dissolve o casamento. O cônjuge não fica viúvo, mas este
apesar disso pode contrair outro casamento.

Art. 116 – o cônjuge casado civilmente pode contrair novo casamento, neste
caso se o ausente regressar considera-se o casamento do 1 casamento
dissolvido por divórcio à data da morte presumida.

Art. 118 – têm direito à herança aqueles que naquela data lhe deveriam
suceder.

Art. 119 – os bens são devolvidos ao ausente, em caso de voltar, como se


encontram.

Art. 120 – os direitos que vierem à titularidade do ausente depois do seu


desaparecimento não entram efetivamente na sua titularidade e não virão a
entrar na sua sucessão.

Incapacidades – menores e maiores acompanhados

Este inclui o estudo de 3 grandes problemas:


à Aspetos gerais;
à Regime das incapacidades por menoridade – regime residual – o código
regula-a muito exaustivamente;
à novo regime do maior acompanhado;
à outras situações.
Começa no Art. 122.

Aspetos gerais:

O Direito Civil não pode deixar de ser sensível a situações em que as


pessoas comuns, singulares, por qualquer razão não tenham o discernimento
necessário à adequação das situações jurídicas. É assim que chegamos ao
tema das incapacidades. A capacidade das pessoas é genérica.

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Quando referimos incapacidades, queremos dizer que a pessoa tem uma
incapacidade de ser titular de uma situação jurídica (incapacidade de gozo – é
rara porque o princípio é genérico), ou então não pode exerce-la de forma
pessoal e livre (incapacidade de exercício).

Tendo em conta a natureza e a duração das incapacidades podemos ter:


à Incapacidades momentâneas ou passageiras – regulada mais a frente na
incapacidade acidental – Art. 257 – situações em que a pessoa de forma
imprevista fica privada do discernimento necessário a reger a sua vida e os
seus bens; o negócio pode ser anulado. Estudada a propósito do negócio
jurídico.
à Incapacidades estáveis – são estados duradouros; este regime que
tratamos só apresenta situações estáveis;

Fontes das incapacidades estáveis ou permanentes:


à Idade – é menor quem ainda não tiver completado os 18 anos Art. 123; a
tenra idade está associada a um juízo de menor ponderação e por força dessa
associação esta é reconhecida como uma incapacidade;
à Lei 48 - 2018 14 de agosto – substitui o regime da interdição e
inabilitação pelo dos maiores acompanhados. Este era aplicado a pessoas
cegas ou surdas que são altamente incapazes e por isso não conseguem gerir
os seus bens; o da inabilitação é aplicável a incapazes por deficiência mental
ou física moderada ou sobre um traço de carater – toxicodependente; hoje
temos o regime dos maiores acompanhados que fundiu o anterior regime – é
hoje aplicável as situações em que um maior esteja impossibilitado por
questões de saúde, deficiência, etc.

Este regime tem como objetivo proteger os próprios incapazes através de


meios especificamente estabelecidos para que sejam praticados os atos que
eles não podem praticar.

Quando estamos a falar deste tema temos de fazer uma distinção entre o
meio de suprimento (instituto que a lei predispõe para fazer face a uma
incapacidade – tutelada subsidiariamente no caso da menoridade; os menores)

74
e a forma de suprimento da incapacidade (é como é que o ato é praticado em
termos válido para a ordem jurídica. – O menor não pode vender, então, os
pais vendem por ele. Temos ainda a assistência – ratificação do ato).

20/11/2019

Regime da menoridade

Dentro do regime das incapacidades surgem, desde logo, os menores.


Desde o dia do seu nascimento, em que têm uma vida pouco mais do que
vegetativa e em que a sua liberdade e esclarecimento são praticamente
nenhuns, os menores vão, paulatinamente, desenvolvendo as suas
capacidades físicas e mentais +, e adquirindo experiência, conhecimentos e
liberdade de ação até atingirem a maturidade suficiente para poderem agir na
vida e no Direito com autonomia completa.
O Direito Civil prevê a vigência de regimes especiais de proteção.

Aspetos Gerais:

A incapacidade é um termo genérico.


São menores todas as pessoas desde que nascem, até completarem 18
anos de idade – regra geral prevista no Art. 122.
Esta norma sofreu uma evolução histórica, uma vez que, há uns anos atrás
a maioridade apenas se atingia aos 21 ainda que fosse possível entre os 18 e
os 21 os pais permitirem a emancipação dos filhos. Com a reforma de 1977
este período intermédio desapareceu e fixou-se a data de 18 anos.
É um limite formal, uma vez que, não é de um dia para o outro que o
individuo se torna maturo, é um processo progressivo, no entanto, era
necessário fixar uma idade de acordo com padrões de normalidade e que
correspondesse a um grau de maturidade suficiente.
Podemos, ainda, identificar na lei diferentes estados de maturidade, por
exemplo, aos 7 anos, nos termos do Art. 488 nº 2, cessa a presunção de

75
inimputabilidade do menor; nos termos do Art. 1984 a) prevê-se o
consentimento do menor de 12 anos para a sua adoção etc.
O código combina o critério formal e geral com outras situações.
A começar pelo Art. 123 - incapacidade dos menores – percebemos que os
menores, em princípio, carecem de capacidade de exercício. Tal não significa
que não sejam afetados por incapacidades de gozo, em casos muito cntados,
como são os de falta de capacidade para casar (Art. 1601) e perfilhar antes dos
16 anos (Art. 1850) e, quando não emancipados, para representar os seus
filhos e administrar os seus bens, no âmbito do poder paternal (Art. 1913 nº 2).
Nestes casos não há incapacidade de exercício, mas sim de gozo., não se
trata apenas de uma limitação ao pessoal e livre exercício de direitos, mas
antes à sua titularidade.
É, contudo, no âmbito da capacidade de exercício que o menor sobre de
uma incapacidade geral. O Art. 123 é muito claro, ao estabelecer a regra geral
de incapacidade genérica de exercício com a expressão “Salvo disposição em
contrário”.
As exceções à capacidade de exercício são enunciadas no Art. 127.

Exceções:
à os atos de administração ou de disposição de bens que o menor tenha
adquirido pelo seu trabalho;
à os negócios jurídicos próprios da vida corrente do menor, que estando ao
alcance da sua capacidade natural, só impliquem despesas ou disposições de
bens de pequena importância (vaira consoante a idade, um bebé de 1 ano não
pode fazer o mesmo que uma criança de 7 ou 14, também valores de pequena
importância variam consoante o estatuto da vida económica do menor);
à os negócios jurídicos relativos à profissão, arte ou ofício que o menor
tenha sido autorizado a exercer ou os praticados no exercício dessa profissão,
arte ou ofício.

O nº 2 limita a responsabilidade, aos bens de que o menor tiver livre


disposição, por atos relativos à profissão, arte ou ofício.
É UM REGIME ELÁSTICO, UMA VEZ QUE, TRABALHA COM
CONCEITOS INDETERMINADOS, cabe-nos a nós e ao tribunal interpretar.

76
A incapacidade cessa quando atingem a maioridade ou quando são
emancipados – Art. 129 do CC.

Suprimento da Capacidade:

A capacidade dos menores é suprimida pelo poder paternal, pela tutela e


pelo regime de administração de bens – Art. 124.
O poder paternal é hoje chamado responsabilidades parentais.
Segundo o Art. 1881 nº 1, pertence ao poder paternal o poder de
representação do filho pelos pais no exercício de todos os direitos e no
cumprimento de todas as obrigações, com exceção dos atos puramente
pessoais e que o menor tem direito de praticar livre e pessoalmente. Quando
surge um conflito de interesses cumpre ao tribunal, de acordo com o nº 2, que
representem o menor os curadores especiais.
Segundo o Art. 1921, a incapacidade do menor é suprimida pela tutela,
quando os pais tenham falecido ou estejam inibidos do poder paternal ou
quando sejam incógnitos. O menor é, então, representado pelo tutor.
Poderá ainda ser instituído um regime de administração de bens, nos
termos do Art. 1922.

Em todos estes casos o menor não fica privado dos seus direitos, mas não
pode exercê-los pessoalmente. O menor não age pessoalmente, mas sim
através de outrem, o seu legal representante.

Valor jurídico dos atos praticados pelo menor

Este regime visa resolver os problemas criados quando um menor atua em


matérias que não pode atuar e pratica atos que não lhe são permitidos por
motivos de incapacidade.
A consequência dos atos praticados pessoalmente pelo menor com
violação da sua incapacidade de exercício é a invalidade, na modalidade de
anulabilidade.

77
O sentido e o conteúdo jurídico da invalidade é tratado a propósito dos
negócios jurídicos.
Na matéria específica da incapacidade dos menores deve, no entanto, ser
tratada a legitimidade para pedir a anulação dos atos praticados pelos menores
que consolidam com a sua incapacidade, bem assim, o tempo dentro do qual
pode ser invocada a sua invalidade.

Segundo o Art. 125 nº 1 do CC, tem legitimidade para requerer a anulação


dos atos do menor por incapacidade:
à o progenitor que exerça o poder paternal, ou o tuto ou o administrador
dos bens, dentro do prazo de um ano a contar da data em que teve
conhecimento do ato, mas nunca depois da maioridade ou da emancipação do
menor;
à o próprio menor, no prazo de um ano a contar da sua maioridade ou
emancipação;
à qualquer herdeiro do menor, quando a sua morte ocorra no ano
subsequente à sua maioridade ou emancipação e no prazo de um ano a contar
do óbito.

A anulabilidade pode ser sanada, segundo o nº 2 deste mesmo artigo:


à pelo próprio menor se este confirmar o ato depois de atingir a maioridade
ou de ser emancipado;
à pelo seu legal representante, se este o confirmar e se tratar de um ato
que ele pudesse praticar em representação do menor.

Não poderá, porém, ser invocada a anulabilidade do ato com


fundamento na menoridade do autor, se este, ao praticar o ato se tiver feito
passar por maior, usando de dolo. O dolo é uma sugestão que alguém usa
para enganar outra pessoa; é definido no Art. 253 – negócio jurídico; o menor
que tenha usado um artificio para se fazer passar por maior – falsificar o D.C –
esse menor não pode invocar a anualidade.

78
Este regime, constante do Art. 126 do CC, tem suscitado divergências na
sua interpretação.
Þ Numa interpretação restritiva, esta limitação seria aplicável tão só
quando a anulação fosse pedida pelo próprio menor, não
abrangendo os casos em que o requerimento partisse do seu legal
representante ou de um herdeiro, nos moldes em que tal é permitido
no Art. 125. Esta posição encontraria apoio imanente a todo o regime
da incapacidade dos menores, como regime especial de proteção do
menor, e que sobrelevaria o particular desvalor do dolo do menor,
correspondente ao tipo “venire contra factum proprium”. Embora
justificando uma especial sanção sobre o próprio menor, não
peculiariza a ação do seu representante ou do seu herdeiro. Esta é a
posição de Oliveira Ascensão e da regente.
Þ Uma outra interpretação dita que o dolo bloqueia a invocação da
invalidade quer pelo próprio menor, quer pelos seus legais
representantes ou herdeiros. Há a favor desta interpretação 2
argumentos: um emergente da posição jurídica dos representantes
legais e dos herdeiros em relação ao menor e outro que decorre dos
princípios da boa fé e da confiança e da aparência, e da tutela de
terceiros. Esta é a posição tomada por Menezes Cordeiro e por P.
Pais Vasconcelos.

Emancipação

A emancipação é a possibilidade de o menor ser equiparado, para


diversos efeitos, a maior. Este não passa a ser maior, mas sim menor
emancipado. A emancipação no direito português só pode ocorrer pelo
casamento. Anteriormente, os pais podiam aos 18 anos autorizar a
emancipação entre os 18 e os 21. Hoje tal já não faz sentido.
Para isto acontecer, entre os 16 e os 18 os pais têm de dar autorização
para o casamento. Se os pais não a derem será um casamento irregular com
um regime especial. Se o casamento tiver sido autorizado aplica-se o Art. 132 e
133 se não tiver sido autorizado aplica-se o Art. 1649, que dita que a

79
administração do património anterior ao casamento continua a pertencer, até á
sua maioridade, ao pai e à mãe.

Maior acompanhado – lei 48/2018

Este regime foi alterado o ano passado com a lei 48/18. Inicialmente dividia-
se este regime em dois tipos o da interdição e o da inabilitação.
Verificou-se uma necessidade de renovar o regime das “incapacidades” e,
por isso, desaparecem essas duas figuras e surge a figura do maior
acompanhado.
O regime tem como objetivos:
à a primazia da autonomia do visado, cuja vontade dever ser respeitada e
aproveitada até aos limites do possível;
à a subsidiariedade de quaisquer limitações judiciais à capacidade do
visado: só encaráveis quando o problema não possa ser ultrapassado com
recurso aos deveres de proteção e de acompanhamento comuns, próprios de
qualquer situação familiar;
à a flexibilização da interdição/inabilitação, dentro da ideia de que cada
caso é um caso;
à a manutenção de um controlo jurisdicional eficaz sobre qualquer
constrangimento imposto ao visado;
à o primado dos interesses pessoais e patrimoniais do visado;
à a agilização dos procedimentos, no respeito pelos pontos anteriores;
à a intervenção do Ministério Público em defesa e, quando necessário, em
representação do visado.

O regime do acompanhamento consta dos artigos 138 a 156 do Código


Civil, introduzidos pela lei 49/2018, de 14 de agosto. Além disso os aspetos
processuais – que tem relevo substantivo – resultam dos artigos 891 a 904 do
Código de Processo Civil, na redação derivada, também dessa mesma lei.
Diversos outros diplomas comportam referências ao acompanhamento, de
acordo com a referida lei.

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Podemos fazer uma aproximação ao sistema geral do acompanhamento
com recurso a seis princípios básicos:
- Judicialidade: o acompanhamento pode ser limitativo de autodeterminação
livre do beneficiário; assim, apenas o juiz do Estado, com todas as garantias do
moderno processo civil e ouvindo os visados, os interessados e quem possa
ajudar pode tomar as dadas decisões, vejam-se os artigos 139 e 148;
- Primazia do acompanhado: nas decisões a tomar (Art. 140 nº1) e no modo
de as executar (Art. 146 nº 1), prevalecem sempre o interesse do
acompanhado e os valores a eles associados;
- Supletividade: no âmbito da família e, ainda, por via de certos contratos,
como o de internamento solicitado pelo próprio, surgem deveres gerais de
cooperação e de assistência que podem proteger eficazmente o beneficiário;
nessa eventualidade, não há que recorrer ao acompanhamento que fica
reservado para os casos em que não haja outra saída (Art. 140 nº 2);
- Necessidade: independentemente da existência de outros esquemas de
tutela, o acompanhamento só opera perante a impossibilidade de o próprio
poder agir plena, pessoal e conscientemente (Art. 138); deve entender-se que
essa impossibilidade se manifesta de modo poderoso e continuado; uma falha
secundária e/ou pontual não justifica a proteção legal;
- Minimalismo: o acompanhamento é personalizado, devendo moldar-se a
cada situação, em termos a apreciar pelo juiz e independentemente do que
haja sido pedido (Art. 145 nº 2), devendo cessar ou ser modificado, em função
de evoluir das causas que o justificaram (Art. 149 nº 1).

O acompanhamento é atribuído ao maior impossibilitado, por razões de


saúde, deficiência, ou pelo seu comportamento, de exercer plena, pessoal e
conscientemente os seus direitos ou de cumprir os seus deveres (Art. 138).
Ficam abrangidas, sem qualquer tipicidade, todas as hipóteses de limitações
de tipo pessoal que possam verificar-se.

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à Requerimento de acompanhamento:
O acompanhamento é requerido pelo próprio ou, mediante autorização
deste, pelo cônjuge, pelo unido de facto, por qualquer parente sucessível ou,
independentemente de autorização, pelo Ministério Público (Art. 141 nº 1). A
autorização do beneficiário pode ser suprida pelo Tribunal, quando ele não a
possa dar livre e conscientemente (Art. 141 nº 2). Por razões de eficiência
processual, o pedido de suprimento pode ser cumulado com o de
acompanhamento (Art. 141 nº 3).
O acompanhamento pode ser requerido um ano antes do beneficiário atingir
a maioridade, para produzir efeitos a partir dela (Art. 142).

à Conteúdo do acompanhamento:
O conteúdo concreto do acompanhamento é decidido pelo juiz. O Art. 145
nº 2 refere, algumas das medidas:
à Exercício das responsabilidades parentais ou dos meios de as suprir,
conforme as circunstâncias;
à Representação geral ou representação especial com indicação expressa,
neste caso, das categorias de atos para que seja necessária;
à Administração total dos bens;
à Autorização prévia para a prática de determinados atos ou categorias de
atos;
à Intervenções de outro tipo, devidamente explicitadas.

A própria lei prevê outras medidas e, designadamente, as que delimitem os


direitos pessoais e os negócios da vida corrente acessíveis ao acompanhado.
Dispõe o Art. 147:
à O exercício pelo acompanhado de direitos pessoais e a celebração de
negócios da vida corrente são livres, salvo disposição da lei ou decisão judicial
em contrário;
à São pessoais, entre outros, os direitos a casar ou de constituir situações
de união, de procriar, de perfilhar ou de adotar, de cuidar e de educar os filhos
ou os adotados, de escolher profissão, de se deslocar no país ou no
estrangeiro, de fixar domicilio e residência, de estabelecer relações com quem
entender e testar.

82
Nos termos do Art. 153 nº1, a publicidade é limitada ao estritamente
necessário para defender os interesses do beneficiário e de terceiros, em
termos dependentes de cada caso.
A sentença do acompanhamento fixa, ainda, a periodicidade com que as
medidas de acompanhamento devem ser revistas (Art. 155) tudo isso
pressupõe uma especial habilitação do tribunal.

à O acompanhante:
A figura do acompanhante é uma peça chave do novo regime. Dependendo
do conteúdo da decisão judicial, ele poderá representar total ou sectorialmente
o beneficiário, administrar total ou parcialmente os seus bens, autorizá-lo a
praticar determinados atos ou intervir de outra forma, dando conselhos,
acompanhando-o em conservatórias, em cartórios, em tribunais ou nas
diversas repatriações públicas, em agências bancárias ou em assembleias de
sociedades.
A escolha do acompanhante deve ser criteriosa. Esta descrita no Art. 143.
O nº 2 desse artigo enumera mesmo algumas pessoas, entre elas:
à Ao cônjuge não separado, judicialmente ou de facto;
à Ao unido de facto;
à A qualquer dos pais;
à À pessoa designada pelos pais ou pela pessoa que exerça as
responsabilidades parentais, em testamento ou em documento autêntico ou
autenticado;
à Aos filos maiores;
à A qualquer dos avós;
à À pessoa indicada pela instituição em que o acompanhado esteja
integrado;
à Ao mandatário a quem o acompanhado tenha conferido poderes de
representação;
à A pessoa idónea.

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A escusa e exoneração do cargo de acompanhante está descrita nos
Artigos 144 quando referente a cônjuges, descendentes e ascendentes e no
1934 quando referente a outros acompanhantes.
O acompanhante pode ser removido quando falte ao cumprimento dos seus
deveres.

à Atos do acompanhado: mandato ad conservandum:


O artigo 154 estabelece três situações possíveis:
- Atos posteriores ao registo do acompanhamento: são anuláveis, caso não
observem o que a sentença determine; a esta anulabilidade aplica-se por
analogia e com as necessárias adaptações o regime dos Art. 125 e 126,
relativos aos atos dos menores.
- Atos praticados depois de anunciado o início do processo de
acompanhamento: são anuláveis nos mesmos termos, mas apenas após a
decisão final, quando, naturalmente, contrariem que ela venha a dispor e caso
sejam prejudiciais ao acompanhado;
- Atos anteriores ao anúncio do processo: aplica-se o regime da
incapacidade acidental (nº 3).

Nos dois primeiros casos, o prazo dentro do qual a ação de anulação deve
ser proposta só começa a contar-se a partir do registo da sentença (Art. 154 nº
2). Consegue-se, assim, um suplemento de tutela do acompanhado.

A regente entende que este regime é demasiado amplo e abrangente


gerando até alguns conceitos indeterminados que caberão aos tribunais
resolver.

84
Pessoas Coletivas

Há determinadas situações que uma só pessoa não consegue desenvolver.


E por isso as pessoas têm de se juntar – mas há que distinguir o que é uma
coletividade de pessoas no mundo real e no mundo jurídico.
A coletividade de pessoas no direito é a contitularidade – várias pessoas
como titulares de uma só situação jurídica. Ex: contrato de trabalho – de um
lado o trabalhador e do outro o empregador.
A personalidade jurídica coletiva determinada pela suscetibilidade de ser
titular de situações jurídicas.

Três tipos de entidades com personalidade jurídica:


à Associações;
à Sociedades;
à Fundações.

Ficcionamos que estas entidades são pessoas – têm um cérebro o órgão de


administração, etc.
Se as pessoas coletivas são pessoas então adquirem a personalidade entre
a conceção e o nascimento... elas também não morrem... as vezes têm o
hábito de ressuscitar, de se dividir, de se fundir, podem ter donos... é muito
complicado.
Outra das ideias é ficcionar como património, mas isso não é vdd os
patrimónios não compram, não vendem, não contratam, não têm dinâmica.
Podemos concluir que, as pessoas coletivas são diferentes das pessoas
singulares – não tem direito à integridade física, etc., mas como em tudo o que
é diferente é semelhante. (nunca há semelhança na igualdade) agora a
questão é saber em que é que são semelhantes.

É a qualidade de ser pessoa no direito – consiga ocupar a posição de


sujeito e não de objeto. A pessoa consiste num centro de imputação de normas
jurídicas – as pessoas coletivas podem ser o centro. A única coisa que lhes
falta é o corpo humano.

85
Surge um problema! Assim podemos atribuir suscetibilidade de ser pessoa
no direito a qualquer coisa que tenha estas características – uma arvore, um
cão, etc.
Os indivíduos não têm fim são um fim em si mesmas – não servem para
nada, não podem ser objetos, deixam de ser pessoas e passam a ser meios –
mas as pessoas coletivas têm um fim.

Quais são os fins?


à fins lucrativos – ganhar dinheiro e atribuir a outro. Temos
fundamentalmente as sociedades, serve para ganhar dinheiro aos sócios
à fins não lucrativos – ganhar dinheiro e não atribuir a outro. Temos as
associações e as fundações. O seu fim é por exemplo a erradicação da
pobreza, a promoção da cultura, etc.

É uma expressão reduzida, portanto cuidado.


O estado português é uma pessoa coletiva sem fins lucrativos. Quando têm
lucro não devolvem o dinheiro as pessoas, mas sim usam-no para atingir o seu
fim.
A TVI por exemplo, serve para ganhar dinheiro e entregar aos sócios, tem
um fim lucrativo.

Temos também o elemento patrimonial. As esferas jurídicas são diferentes


das pessoas particulares das pessoas coletivas. As últimas só têm esfera
patrimonial – têm sempre património, podem valer 0 ou ser negativo, mas têm.
As pessoas coletivas têm ou não um elemento pessoal. Nem todas as
pessoas têm substrato pessoal, as sociedades têm substrato pessoal. Mas as
fundações não.
As associações têm sempre associados, as sociedades têm sempre sócios,
as fundações não têm ninguém (são um património personalizado- pertence a
todos, não pertence a ninguém).
Quando uma sociedade é extinta o seu património cai nos sócios, quando
uma fundação é extinta o património não vai para ninguém – tem um regime
especial de extinção.

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As pessoas coletivas têm personalidade jurídica, se não, não era uma
pessoa coletiva. Mas há pessoas coletivas sem personalidade jurídica – são
entidades que parece que têm personalidade jurídica, mas não têm, para o
direito não são pessoas coléticas- são as comissões especiais por exemplo, as
comissões de finalistas.

Art. 160: capacidade das pessoas coletivas. Tem todos os direitos e


obrigações que uma pessoa singular tem exceto os pessoais e os que o direito
proíbe. Há uma serie de operações que só as pessoas coletivas têm – fundir-
se, etc.

As pessoas coletivas não conseguem agir pessoalmente, são incapazes.


Como é que estas atuam então?
Estas são compostas por órgãos, estruturas internas – administração,
fiscalização e a assembleia geral –

Como é que se vincula uma pessoa coletiva? Através do órgão de


administração. Este representa a pessoa.
O órgão tem várias pessoas são elas que vão agir de forma a que os atos
sejam imputados à pessoa coletiva.
Quais são os critérios com os quais devem atuar?

As pessoas coletivas têm fim e objeto. Não é o mesmo. o primeiro e o que


se pretende atingir o objeto é o modo como se pretende atingir.

O que é que acontece quando o órgão de administração atua fora do seu


objeto? Ataações Ultraviras – são uma concessão do estado.
Duas teorias: são nulas ou não há problema nenhum.

Uma pessoa com fins lucrativos pode celebrar negócios mesmo que não
sejam lucrativos. Quando uma sociedade oferece dinheiro por caridade não
ganham nada com isso.
Uma pessoa sem fim lucrativo também pode praticar atos lucrativos.

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O regime é o da plena validade de atuações com exceção dos negócios de
má fé.
O centro de imputação é a sociedade e não as pessoas que as integram.
Os associados e os sócios não estão vinculados à sociedade.

Quando a personalidade coletiva é abusada é possível desconsiderar a


personalidade jurídica e atingir o substrato pessoal das associações e das
sociedades. Pode ter variações.
Há casos em que a lei prevê a sua desconsideração, mas noutras é
apenas. Abuso de direito Art. 334.

2/12/2019

Associações e fundações: nas primeiras importa mais o substrato


pessoal e nas fundações o mais importante e o substrato patrimonial.
Nem todos os entes coletivos têm personalidade jurídica.
As associações eram criadas por uma escritura pública. Hoje podem ser
constituídas por escritura pública ou por outro meio que a lei considere
legalmente admitido.
As fundações adquirem a personalidade pelo reconhecimento.
As pessoas coletivas localizam-se na sua sede.
As pessoas coletivas funcionam através de uma via orgânica.

Um órgão é um centro institucionalizado de poderes. E através deles


que a pessoa coletiva forma a sua vontade e executa o que decide fazer.

à assembleia geral – órgão deliberativo, onde se tomam as decisões,


aprova as contas, aprova o programa de atividades, aprecia os relatórios;
conjunto dos associados; esta pode decidir a extinção.
à direção;
à concelho fiscal.

A pessoa coletiva responde pelos órgãos.

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Desconsideração da pessoa coletiva.

192 – extinção das fundações.

Art. 980 e seguintes – contrato e sociedade.

Será que as sociedades civis têm personalidade jurídica? A doutrina


diverge.

4/12/2019

Problema da desconsideração da personalidade das pessoas coletivas:


à demorou tempo.
à são tratadas como centros autónomos de imputação de normas
jurídicas;
à os principais efeitos são a vontade própria, e capaz de atuar
autonomamente no mundo jurídico; autonomização do património da pessoa
coletiva e é responsável pelos seus atos – responsabilidade patrimonial;
à pode conduzir a resultados perversos quando são utilizadas para fins
ilícitos e pode justificar-se que apesar da sua autonomia em relação ao
substrato pode apagar se o coletivo para chegar as pessoas singulares que
estão por trás da pessoa coletiva. – Desconsideração (há várias doutrinas
sobre a expressão).
Este problema surgiu com a difusão ... serviu para proteger os credores.
Pode ser utilizada para violar direitos contratuais; para prejudicar
terceiros.

Subcapitalização

Os grupos empresariais são o mais comum de de condução de negócios


a partir do momento em que elas têm determinada dimensão.

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Várias teorias: uma diz que so pode ocorrer desconsideração se se
provar que a atuação em causa teve uma intenção fraudulenta – subjetivista;
assim que haja um desvio relevante justifica-se o levantar do veu;

Pontos essenciais:
- acessibilidade concetual das pessoas coletivas – centro autónomo de
imputação de normas jurídicas, a p. coletiva é diferente da singular – e
atribuído pelo direito e n reconhecido; mas não e uma ficção tbm tem uma
forma de organização; e construído a partir de uma certa classificação – traços
fundamentais e os seus fins; sociedades civis, comerciais...; fundações
- Regime – a p. jurídica não é inata, mas sim uma atribuição do direito
ptt pode não existir. A capacidade é limitada pelo fim que pretendem
prosseguir; 160 – princípio da especialidade; o seu fim é sempre relevante para
o direito;
- Organização da pessoa coletiva
- Limites da personalidade coletiva: apesar do interesse que esta na
base da sua autonomização por tras dela esta sempre um conjunto de pessoas
singulares.

8/12/2019

Coisas/Bens

Analise sucinta – vamos retomar esta matéria em direitos reais.


O estudo das coisas implica essencialmente 4 pontos:
à Delimitação essencial de coisa;
à Classificação das coisas;
à Abstenção do domínio público;
à Animais.

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Pontos Gerais

Art. 202 nº 1 – diz-se coisa tudo o que pode ser objeto de relações jurídicas.
Inspirada na técnica da relação jurídica – coisa é o objeto da relação. Este
conceito tem de ser reequacionado. Por outro lado, se compararmos esta
noção com a noção do código de Seabra (é coisa tudo o que carece de
personalidade) – noção muitíssimo ampla. O código atual é mais específico.
Do ponto de vista da regente é conveniente ficarmos a meio caminho dos
dois códigos.
A noção atual de coisa decorre do d. romano – rege. Esta era limitada a
bens corpóreos – apreensível pelos sentidos, realidades com existência física.
Só mais tarde se alargou aos bens incorpóreos – obras intelectuais, marcas,
invenções.
A noção que procuramos e um conceito jurídico e não físico.
Por outro lado, era tradicional a distinção entre coisas públicas e privadas –
nº 2 -.
Na tradição portuguesa é mais comum a designação de coisa, mas bem e
coisa são sinónimos – têm o mesmo sentido. Talvez o termo coisa seja mais
difícil de aplicar a bens incorpóreos. (PODEMOS USAR QUALQUER UMA
DAS EXPRESSÕES).

Esta noção é criticável. Uma coisa não perde a sua qualidade quando não é
objeto de relação jurídica nenhuma. Ex: Se eu perder o meu bem ele não perde
a sua qualidade de coisa, mas não é objeto de situação nenhuma porque eu o
perdi e ainda ninguém o encontrou.

Por outro lado, devemos concentrar-se no conceito chave de pessoa:


- Coisa opõe-se a pessoa – quem é sujeito na relação jurídica não pode ser
objeto e vice-versa;
- A coisa pode ser material ou não material;
- A coisa pode corresponder a um bem com valor económico ou não – uma
fotografia com valor estimativo;
- A noção de coisa é uma criação do direito, pode não ter correspondência
com outros critérios ou contextos. Há juridicamente realidades intermédias

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entre as pessoas e as cousas, aos quais a ordem jurídica trata de forma
diferente – Ex: o cadáver, os animais.

O prof. Menezes Cordeiro diz que, coisa é uma realidade a qual o direito
dispensa um tratamento que foi pensado para seres inanimados – posição
formal.

Classificações

É justamente porque coisa tem um sentido amplo que é útil proceder a


classificações.
Art. 203 – caracterização das coisas. Ainda devemos ter em conta a
distinção entre coisas frutíferas e infrutíferas, as bem feitorias, e o conjunto das
coisas de alguém – o património, e a empresa.

à Coisas no comércio e fora do comercio:


Art. 202 nº 2: existem duas grandes categorias: de coisas fora do comercio
– as que não podem ser objeto de direito privado, porque a lei o proíbe (coisas
de domínio público – mosteiro dos Jerónimos) e as coisas insuscetíveis de
apropriação individual, a impossibilidade é natural – a lua.
O código pretende dizer que se estes bens são fora do comercio e que não
podem ser objeto de direitos privados. As regras de d. civil não se aplicam a
estas coisas.
Nem sempre é fácil distinguir entre coisa pública e privada. Em ultima
análise cabe ao tribunal decidir.

à Coisas corpóreas e incorpóreas:


Esta distinção é uma distinção tradicional – são apreensíveis pelos sentidos
ou não. Quando uma coisa pode ser apropriada – pode haver posse – esta é
corpórea.
Esta distinção é pressuposta por exemplo no art. 1302.
Os líquidos também são coisas corpóreas.

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As coisas incorpóreas têm 4 tipos:
Þ bens intelectuais: abrangem as obras literárias – livros, tradução
plástica ou musical -, os eventos – registo de uma patente, o registo
de um evento/ descoberta é um bem intelectual, e as marcas – sinal
distintivo de uma coisa ou serviço, pode ser constituída por palavras,
desenhos, etc., sujeitam-se ao código da propriedade industrial e tem
de ser registadas. O código de direitos de autor é muito importante
para proteger os bens intelectuais;
Þ as prestações: é conduta humana devida (Castro Mendes) Tem
utilidade jurídica e por isso é uma coisa ainda que incorpórea;
Þ os quia jurídicos: são formas de representar uma determinada
situação jurídica, mas perspetivando-a como um bem. Ex: conta de
uma sociedade. (Art. 204 d) e
Þ bens de personalidade: discute-se se são ou não bens. A regente
considera que são bens e não uma posição intermédia. São
incorpóreos.

11/12/2019

Coisas imóveis e coisas móveis:


As exigências no que toca à forma dos bens imoveis tem descido.
O código n pretende definir, mas sim anunciar as coisas imóveis – Artt. 204
nº 1 e 3. Quanto as coisas moveis são moveis tudo o que não seja imóvel – Art.
205 nº1.
Encontramos imensa heterogeneidade ao olhar para a descrição do art.
204. Coisas de origem natural – águas, prédios rústicos (porções limitadas do
solo) e há coisas da ação do homem (prédios urbanos) e ainda os quia jurídico.
Os bens imoveis estão normalmente ligadas ao solo. A noção de coisas
imoveis é a imobilidade material com a ligação ao solo ou a outra coisa imóvel
– partes integrantes.
Esta enumeração é taxativa – é só o que está aqui. Embora o legislador não
escreva “só são” no 205 nº 1 diz que são moveis todas as coisas que n estão
enumeradas no 204 e por isso considera-se taxativo.

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Para MC a noção de prédio não é descritiva o suficiente.

Prédios – noção jurídica é diferente do comum. Os prédios rústicos são


parte limitada do solo e as construções nele integradas sem benefício
económico – um campo de arroz; um prédio urbano – qualquer edificador ainda
com logradouro (quintal, Páteo). O critério é a afetação económica – se tiver
como finalidade o desenvolvimento agrícola, pecuária, etc é rustico; se a sua
destinação económica essencial tiver a ver com a utilização de uma casa ou de
um edifício, incorporado no solo.
Prédios mistos são por exemplo, uma quinta com uma casa e terreno
agrícola.

Maior parte dos prédios urbanos estão construídos em propriedade


horizontal – tem vários andares e cada um e proprietário de uma parte. A
doutrina dominante diz que frações autónomas é uma parte do prédio e cada
condomínio é proprietário da sua fração e todos são proprietários da parte
comum – elevador -.
Este tem de ser registado como um bem imóvel.
Tem de ser publicitadas no registo predial. O direito tem de ter mecanismos
de segurança. O seu espaço abrange o subsolo e o espaço aéreo que lhe
corresponde. Mas há limites se descobrirem petróleo por exemplo.

Águas privadas/ particulares 1385: o mar e os rios são do domínio publico.


Aqui falamos de nascentes, cursos de agua, etc. estas estão sempre em
movimento mas têm o seu leito e por isso denominam-se imoveis.

Arbustos, arvores, frutos: são bens imoveis so quando estão agarrados ao


solo. Para a regente estas são só partes integrantes do prédio – n tem
autonomia. quando forem retirados do solo passam a ser bens móveis.

Partes integrantes – toda a coisa móvel ligada materialmente ao prédio com


carater de permanência. Ex: um elevador. Lareira. o objetivo é Não se poder
separar esta parte do imóvel quando o bem for transacionado.

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Art. 210 – coisas acessórias –.

Existem coisas moveis que embora n estejam agarradas ao imoveis que n


se podem separar por ex as chaves do carro.

As coisas moveis são uma categoria residual. Podem ser corpóreas ou


incorpóreas. Coisas semoventes – coisas moveis que se mexem – carros,
navios, animais.

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