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Nota Prévia
Estes são os apontamentos das aulas teóricas de TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL,
disponibilizados pela Comissão de Curso dos alunos do 2º ano da licenciatura em
Direito da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, para o mandato de
2022/2023.
Foram elaborados pelos alunos Francisca Martins e Diogo Fontes Barroso tendo por
base as aulas e documentos disponibilizados pela docente Maria Raquel Guimarães.
Salienta-se que estes apontamentos São apenas complementos de estudo, não sendo dis-
pensada, por isso, a leitura das obras obrigatórias e a presença nas aulas.

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Índice:

1. Introdução ao Direito Civil e ao seu método...........................................................4


2. Princípios fundamentais de Direito Civil.............................................................. 20
3. Teoria Geral da Relação Jurídica ........... ..............................................................44
4. Teoria Geral dos Sujeitos da Relação Jurídica......................................................89

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1. Introdução ao Direito Civil e ao seu método

No Direito Civil, a pessoa é colocada no topo das preocupações. Desta forma, a pessoa não
é só mais um aspeto que é colocada no Direito Civil, há aqui uma posição paritária de
interesses, existindo uma autodeterminação do indivíduo. No centro da disciplina do Direito
Civil está o papel fundamental de proteger a personalidade do individuo – a tutela da pessoa.
Quer isto dizer que o Direito Civil tem a pessoa como sumo objeto de estudo.

No Direito pode verificar-se que existem dois grandes grupos (confronto objetividade vs
subjetividade) que correspondem aos dois sentidos mais imediatos da palavra:
• Direito objetivo: enquanto ordem, comando ou prescrição jurídica (entendendo
nesta tanto as imposições ou proibições como as simples permissões). Ex.: “o juiz é
que dita o direito” ou “o direito impõe-te a conduta x” (Law);
• Direito subjetivo: enquanto poder ou faculdade. Ex.: o direito à privacidade (“Eu
tenho direito a ter privacidade”). (Right).

No entanto, esta distinção entre os grupos não é, nem pode ser, a única síntese possível dos
vários modos de manifestação do direito. Existem muitos outros pontos de vista, como o
positivismo e o jusnaturalismo (confronto heteronomia vs autonomia):

• Positivismo: perfilha a ideia de que o Direito só nasce de uma autoridade externa


(geralmente o Estado), o Direito Subjetivo deriva do Direito Objetivo, isto é, a
faculdade ou poder de sinal jurídico é simplesmente uma emanação do mundo dos
comandos ou das normas de Direito (a law é causa do right). A relação norma-
faculdade é de causa-consequência.
• Jusnaturalismo: diz-nos que o Direito Objetivo que é imposto advém dos nossos
direitos subjetivos naturais e transcendentais. Todo o comando ou prescrição jurídica
é um reflexo dessas faculdades humanas, sendo uma forma de afirmação ou
consolidação desses poderes (o right é uma consequência do decorrer natural das
coisas e, por isso, esses direitos vão ser posteriormente passados a law).

A dicotomia que invade o sentido da palavra “Direito” é bastante extensa e elaborada; no


entanto, impera trabalhar em cima de uma em específico, que veremos desde logo.

Tem-se como pressuposto que os bens, tanto materiais como imateriais, são escassos. Esta
escassez de bens vai gerar, inevitavelmente, conflitos na sociedade – uma verdadeira “luta
pela vida”. Se o ser humano necessita de viver em sociedade para se realizar, há que
necessariamente resolver estes mesmos conflitos gerados no contexto social.

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Perante esta necessidade de resolver os conflitos, existem duas grandes hipóteses:

• Imposição Autoritária: a resolução de conflitos é imposta verticalmente (um ente


de cima indica a conduta a adotar por cada um- o que cada individuo pode ou não
fazer- e determina o que é que cada uma das partes fica obrigada);
• Composição de Interesses Espontânea: na ação com os demais, as partes
procedem a uma composição/concertação de interesses (até então, conflituantes), de
modo a resolver estes mesmos conflitos.

Não restam dúvidas que estas duas vias se verificam na prática: temos, de facto,
comportamentos que nos são impostos de cima para baixo e, de grosso modo, é que o se
verifica no ramo do Direito Público (no Direito Administrativo ou no Direito Fiscal, o
Estado, munido de ius imperii, impõe verticalmente ao individuo a conduta que ele deve
adotar – pagar impostos, por exemplo).

Já no Direito Privado, no geral, estando aqui incluído o Direito Civil (DC), é um ramo
onde é dada maior liberdade aos sujeitos para guiarem as suas condutas e exporem
espontaneamente os seus interesses.

Aliás, não faltam no DC exemplos de normas supletivas que podem ser afastadas se assim
demonstrado pelo interesse das partes. Poderá o sujeito estabelecer as suas próprias regras
através do contrato, criando uma “lei” pessoal e que não é uma lei imposta unilateralmente,
mas sim específica para aquela relação. Estamos no âmbito da composição espontânea de
interesses, aqui os sujeitos assumem o papel de legislador para as suas relações. Não
obstante, a quebra dos compromissos estabelecidos pode forçar os particulares a recorrer a
mecanismos de coerção fornecidos pelo Estado, de forma a resolver o conflito.
Desta forma, chega-se à conclusão de que o DC é um ramo do direito em que se privilegia
esta concertação de interesses e por isso o seu papel consiste na tutela da pessoa. Preza-se
pela autodeterminação do indivíduo.

Distinção entre o Direito Privado e o Direito Público

Segundo uma clássica distinção que remonta já aos tempos romanos, o direito subdivide-
se em direito público e direito privado. O direito civil constitui o direito privado geral. No
entanto, é difícil estabelecer uma distinção clara. Apesar desta dificuldade, parece claro que
o Direito Público possui uma estrutura vertical enquanto o Direito Privado se rege por uma
estrutura horizontal.
Assim sendo:

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• No Direito Privado, o princípio subjacente é o de que é proibido aquilo que a lei
introduz como limite. Vai no sentido da estrutura horizontal e do princípio da
liberdade precisamente por existirem um conjunto de liberdades e tudo (salvo as
limitações) ser permitido. Caracteriza-se por um princípio de liberdade, igualdade e
equivalência (tudo o que não é proibido, é permitido).
• No Direito Público o contrário se verifica: as entidades públicas concedem
determinadas liberdades aos cidadãos e só podem fazer aquilo que a lei permite.
Relaciona-se com a estrutura vertical precisamente por o Estado impor, estando os
cidadãos limitados por aquilo que a lei permite. É formado por um princípio de
legalidade, competência e subordinação (tudo o que não é permitido, é proibido).

Como já foi referido anteriormente, é difícil encontrar um critério de distinção entre o


Direito Público e o Direito Privado.
Apesar disso, existem vários critérios que pretendem concretizar essa distinção: o Critério
da teoria dos Interesses, Critério da Posição Relativa dos Sujeitos, Critério Normativo e
Critério dos sujeitos.

1. Critério dos interesses


• Direito Público: quando o fim da norma é a tutela do interesse público, ou seja, o
interesse da coletividade.
• Direito Privado: quando a norma visa tutelar ou satisfazer interesses individuais,
isto é, interesses dos particulares como tal.
É o critério clássico descrito por Ulpiano no Digesto para quem o direito público “ad statum
rei romanae spectat” e o direito privado “ad singulorum utilitatem pertinet”.

Não obstante, “acentue-se que todo o direito- público e privado- visa proteger
simultaneamente interesses públicos e interesses particulares.” (M.P.)
Assim é, uma vez que as normas de Direito Público, para além do interesse público visado,
pretendem também dar adequada tutela aos interesses dos particulares, e as normas de
Direito Privado não se dirigem apenas à satisfação de interesses particulares, tendo também
em vista interesses públicos.

Em última instância, o Direito visa o fundamental interesse da coletividade, que seria a


realização do Direito (a certeza e a segurança). Assim sendo, existem interesses comuns ao
Direito Privado e Público, o que dificulta a sua delimitação, como por exemplo:

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• Das regras de acesso à função pública, uma vez que há interesses públicos óbvios
neste aspeto, mas também é do interesse privado que haja, por exemplo, igual acesso
a estes cargos.
• Do artigo 875º CC, relativo às vendas de imóveis sujeitas a escritura pública. Assim
o é uma vez que visa defender as partes contra a ligeireza e precipitação e defender
os interesses públicos, assegurando a segurança do comércio jurídico.

Desta forma, o critério tornar-se-ia verdadeiro se procurar exprimir uma nota tendencial: “o
direito público tutelaria predominantemente (não exclusivamente) interesses da
coletividade, e o direito privado protegeria predominantemente (não exclusivamente)
interesses dos particulares” (M.P.).
Mesmo corrigido este critério apresenta falhas:
• Não pode saber-se, em muitos casos, qual o interesse principalmente tutelado por
certas normas, muitas vezes não restaria senão a dúvida e a incerteza insuperáveis.
• Há normas que, pela sua inserção, e de acordo com a tradição, são normas
classificadas como normas de Direito Privado e, no entanto, visam proteger o
interesse público, e vice-versa.
o São exemplos a maioria das normas imperativas, tais normas não podem, ao
contrário das supletivas, ser afastadas por vontade das partes porque estão ao
serviço de interesses públicos suficientemente importantes para prevalecerem
sobre os interesses particulares.

2. Critério da Posição Relativa dos Sujeitos

• Direito Público: disciplina relações entre entidades que estão numa posição de
supremacia e subordinação.
• Direito Privado: regula relações entre entidades que se encontram numa posição
relativa de igualdade/equivalência/paridade.

Porém, este critério também não é adequado: nem todo o Direito Público se cinge à supra-
ordenação e infra-ordenação e nem todo o Direito Privado se limita à posição relativa de
paridade:

• O Direito Público regula, por vezes, relações entre entidades que se encontram numa
posição relativa de equivalência ou igualdade. Exemplo: É o caso das autarquias
locais (freguesias e municípios).
• Também o Direito Privado disciplina situações onde existem posições relativas de
supra-ordenação e infra-ordenação. Exemplo: É o caso das relações entre pais e
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filhos (poder paternal) ou as relações entre entidade patronal e empregado (relação
laboral).

3. Critério de tipos de normas


Podemos olhar também ao tipo de normas de direito publico e privado.
• Direito Público: as normas públicas normalmente têm uma natureza imperativa, são
regimes que se impõem e estão subtraídos a qualquer vontade dos seus destinatários.
• Direito Privado: as normas são em grande parte de natureza supletiva, sendo que
isto significa que as normas poderão ser afastadas se as partes assim o desejarem.

Apesar disto, não há dúvida que a supletividade das normas privadas é temperada pela
intervenção imperativa do legislador sempre que se entende que há necessidade de se impor
determinado regime, sendo que isto pode acontecer, por exemplo, para proteção da parte
mais fraca (exemplo: artigo 1146º do CC). Desta forma, pode haver regras imperativas no
direito privado, uma vez que o legislador intervém de forma heterónima.

Conclui-se que esta questão é apenas tendencial, porque não se pode dizer que direito
privado é todo ele supletivo e público imperativo.

4. Critério dos sujeitos

Este será, precisamente, o critério mais adequado e que hoje reúne a maioria dos sufrágios.
É assim chamado por “assentar na qualidade dos sujeitos das relações jurídicas disciplinadas
pelas normas a qualificar como de direito público ou de direito privado, melhor, na posição
em que intervêm os sujeitos” (M.P.).

As relações jurídicas ou são entre entes públicos (o Estado nas suas mais variadas faces), ou
são entre particulares ou são entre um ente público e um particular.

• Direito Público: é integrado pelas normas que estruturam o Estado e outras pessoas
coletivas dotadas de qualidades ou prerrogativas próprias do poder estadual. Para
além disto, também estão aqui incluídas as relações jurídicas entre os particulares e
as entidades estaduais quando estas agem dotadas do seu poder de imperium.

• Direito Privado: o direito relativo às relações jurídicas em que os sujeitos são


particulares e, por isso as relações são particulares. Para além disto, também estão
aqui incluídas aquelas que são entre as entidades estaduais e os particulares, quando
a entidade estadual está desprovida do seu poder imperium.
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No caso da responsabilidade civil, para saber em que termos o Estado responde pode ser
difícil porque é necessário averiguar a sua posição (se é de Direito Público ou Privado). Por
exemplo, no caso de um aviador que trabalha como aviador estadual atropelar uma pessoa,
nesta situação, será uma relação de Direito Civil (Privado) e não Público.
Relevância da distinção entre Direito Público e Direito Privado

A distinção entre Direito Público e Direito Privado não é meramente teórica e é legítimo
questionarmos qual o interesse prático ligado a esta diferenciação.

A separação destes dois grandes blocos de regras é fulcral e reveste grande interesse no
próprio plano da aplicação do Direito:

• Desde logo, a distinção entre Direito Público e Direito Privado vai, muitas vezes,
determinar as vias judiciais a que se deve recorrer. “Se o particular tem uma
pretensão contra o Estado ou contra um ente público menor ou vice-versa, há que
averiguar, no fundo, se a relação jurídica donde essa pretensão deriva é uma relação
de direito privado ou de direito público.” - Mota Pinto. É esta distinção que irá ditar,
por exemplo, qual o tribunal competente para apreciar a lide.

• Em termos substantivos, permite que se perceba qual Direito estamos a aplicar.

• Relativamente à “responsabilidade civil, isto é, a obrigação de indemnizar os


prejuízos sofridos, decorrente de uma atividade de órgãos, agentes e representantes
do Estado está sujeita a um regime diverso, consoante os danos causados no
exercício de uma atividade de gestão pública ou de uma atividade de gestão privada.”
- Mota Pinto.
1. Se o Estado atua enquanto ente privado, aplicam-se as regras gerais de
responsabilidade (artigo 500º e 501º do CC).
2. Se o Estado está a atuar com a sua veste de ente público, já́ vai ter regras
distintas e mais específicas (Lei 67/2007, de 31 de dezembro).

Autonomização de outros ramos do Direito Privado

Apesar do Direito Civil constituir o núcleo fundamental do Direito Privado, olhando para
o Direito Privado não há dúvida que o Direito Civil não o esgota- este será apenas o direito
privado comum ou geral.

O desenvolvimento da sociedade, no decurso dos séculos, fez surgir/acentuou necessidades


especificas de determinados setores da vida dos homens – daí que fossem surgindo regras
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especiais, regimes jurídicos próprios e finalidades especificas para esses mesmos setores
particulares.

Portanto, fomos assistindo à autonomização, dentro do próprio Direito Privado, de outros


ramos do Direito: Direito Comercial, Direito do Trabalho, Direito do Consumo e Direito
Bancário.

Desta forma, dentro do Direito Privado temos o Direito Privado Comum, que será o
Direito Civil, e o Direito Privado Especial, que são aqueles ramos de direito que se
autonomizaram devido a específicas necessidades para tal.

Nota: O Direito Civil e os demais ramos de Direito autónomos não se encontram numa
relação de paridade – O Direito Civil, enquanto Direito Privado Comum, regula
(tendencialmente) todas as relações de Direito Privado e os Direitos Privados Especiais
regulam as relações naquilo que elas têm de especial, não as regula exaustivamente. Os
Direitos Especiais só tratam de aspetos relativamente específicos.

Direito Comercial

O Direito Comercial aplica-se aos atos objetivamente comerciais, sejam ou não


comerciantes as pessoas que neles intervêm (artigo 1º do Código Comercial). Para além dos
atos de comércio objetivos, o Direito Comercial regula também os atos subjetivamente
comerciais, ou seja, os atos praticados pelos comerciantes nessa mesma qualidade (artigo 2º
do Código Comercial).

Para além da distinção relativamente à natureza dos atos, podemos ainda estabelecer a
distinção em relação aos tipos de comerciantes, que podem ser comerciantes em nome
individual e sociedades comerciais.

“As necessidades próprias do comércio, que imprimiram especificidade ao direito


respetivo, são, entre outras, as de reforço do crédito, de rapidez e facilidade na conclusão
dos atos jurídicos, de tutela da boa-fé, de fácil movimentação dos valores, etc…” - Mota
Pinto.

Deve-se acrescentar ainda que há uma maior simplicidade quanto à forma e que este ramo
do Direito possui uma especificidade no que toca à legislação e, também, tribunais
especializados em matéria comercial.

Nota: O Direito Comercial e Civil não são ramos autónomos iguais, porque o Direito Civil
é direito privado comum, os outros ramos autónomos só se autonomizaram do direito civil.

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O direito especial vem sempre intervir quando não se regula a situação específica em causa
através do Direito Civil e Geral.

Direito Do Trabalho

O Direito do Trabalho, predominantemente de vertente privada (já que há uma parte do


Direito do Trabalho com uma vertente de Direito Público), autonomizou-se do Direito Civil,
e disciplina diretamente o trabalho prestado a outrem através de um vínculo de subordinação
(art.1152º CC).

Nota: Referimo-nos apenas ao conjunto de normas com natureza jus-privatística porque o


Direito Laboral também integra normas de Direito Público.

O trabalho é executado através da existência de um contrato de trabalho, entre trabalhador


e entidade patronal. O que temos hoje é apenas o artigo 1152º do CC, que apresenta a
definição de contrato de trabalho.

O que justificou a autonomização foi a repercussão que o trabalho tem na vida económica
e social do trabalhador e até no estatuto da pessoa. Houve necessidade de afastar do regime
geral de contratos do Código Civil.

O Direito do Trabalho tem jurisdição, processos e legislação (que consiste no Código do


Trabalho) especiais e próprios.

Nota: A importância do domínio laboral ditou que, por toda a parte, se veio a verificar em
maior ou menor grau um “rigoroso intervencionismo estatal, formulador de normas
imperativas ou reconhecedor de convenções coletivas de trabalho” - Mota Pinto. Isto explica
o contraste entre a legislação atual e o Código Civil de 1867, muito influenciado pelas
conceções individualistas do liberalismo económico, que regulava o contrato de trabalho
apenas nos termos gerais do contrato.

Direito Do Consumo

Já́ existe inúmera legislação especial nesta área e há uma logica própria e necessidades
específicas da proteção do consumidor que justificam a autonomização do Direito do
Consumo. Aplica-se sempre que existe uma relação entre um consumidor e um profissional.

Direito Bancário

Atualmente ainda restam dúvidas se o Direito Bancário efetivamente se integra no Direito


Comercial ou se se assume como um ramo de Direito autónomo.
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No entanto assume-se que há um grau de maturação e especialidade suficiente para extrair
o Direito Bancário do Comercial.

Direito Internacional Privado

O Direito Internacional Privado terá uma natureza instrumental, operando como meio
auxiliar dos ramos de Direito substantivos (Direitos Especiais).
Entra-se numa questão de Direito Internacional Privado quando estão em causa várias
ordens jurídicas distintas e se põe em causa qual ordem jurídica deverá ser aplicada ao caso
(não nos resolve a questão, indica apenas a lei a aplicar).

Exemplo: Imaginando a situação em que uma mulher australiana se casa com um homem
francês na Dinamarca. Vivem na Dinamarca durante anos e, entretanto, pedem o divórcio.
Qual será a ordem jurídica aplicada neste caso? É a este tipo de questões que o Direito
Internacional Privado dá resposta.

Estamos perante regras de conflito (v.g. 25º CC) porque estamos numa situação cujo
objetivo é encontrar qual a ordem jurídica será aplicada à situação em concreto.

Nota: na UE, existem regulamentos gerais que referem os ordenamentos jurídicos que
devem ser aplicados a cada situação, sendo que desta forma se resolvem, dentro do contexto
da UE, este tipo de conflito facilmente. No entanto, quando está em causa um país que não
seja europeu, estas regras já se verificam inexistentes, ou muito rarefeitas, e logo a situação
tem uma resolução mais difícil.

Direito Civil

O Direito Civil regula a atividade de convivência humana, na medida em que a convivência


humana gera conflitos e o Direito Civil atua conferindo autonomia para comporem os seus
conflitos (com alguma autonomia, mas existem regras imperativas).

Definição de Mota Pinto: “O Direito Civil contém a disciplina positiva da atividade de


convivência da pessoa humana com as outras pessoas. Tutela os interesses dos homens em
relação com outros homens nos vários planos da vida onde essa cooperação entre pessoas
se processa, formulando as normas a que ela se deve sujeitar.”

Esta disciplina é realizada numa perspetiva de autonomia da pessoa no desenvolvimento da


sua personalidade. Esta autonomia (poder de autodeterminação nas relações com as outras

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pessoas) supõe necessariamente uma igualdade/paridade na situação jurídica dos sujeitos
que intervêm nas relações jurídicas em causa.

Nos primeiros artigos do CC apresentam-se regras relativas às fontes, relativas à vigência


da lei, quanto à aplicação da lei no tempo, quanto a interpretação... Estas regras aplicam-se
a todo o Direito Civil, a todo o Direito Privado e inclusivamente a todo o Direito Público.
Aplicam-se a todos os ramos do direito, excetuando os casos em que existam regras
especiais para casos específicos, desta forma, são regras gerais.

Fontes do Direito Civil

Quais serão as fontes do Direito Civil?


O próprio Código Civil responde a esta questão nos seus primeiros artigos:
ü 1º artigo CC: fontes imediatas;
ü 2º artigo CC: assentos que desapareceram;
ü 3º artigo CC: valor jurídico dos usos (dependem se a lei lhes atribui valor);
ü 4º artigo CC: referência à equidade.

Temos como fonte principal do Direito Civil as leis. Por lei entende-se “toda a disposição
imperativa e geral de criação estadual, isto é, emanada dos órgãos estaduais competentes
segundo a Constituição” (M.P.).

A lei será a principal fonte de direito, está no topo da pirâmide da hierarquia excetuando a
constituição, acabando por ser a lei fundamental, não havendo lei civil contrária à
constituição, a lei civil recebe os princípios constitucionais e existe em função destes.

O princípio constitucional que encerra a essência do Direito Civil é o artigo 13º CRP, que
refere o princípio da igualdade perante a lei.

Os artigos iniciais do Código, suprarreferidos, referentes a fontes, lacunas, interpretação,


aplicação da lei no tempo, apesar de serem parte integrante do Código Civil, extravasam o
Direito Civil, tendo um papel de “base” importante para todo o ordenamento jurídico. Isto
sucede porque o direito civil foi originalmente, e continua a ser, o centro do ordenamento
jurídico, tendo os outros ramos do Direito uma posição quase que periférica e instrumental.

O CC apesar de não ser a primeira codificação legislativa, nem ser o primeiro Código Civil,
é a primeira codificação com esta sistematização/organização.

História do Código Civil


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O Direito Civil está principalmente contido no CC, apesar de também, naturalmente, existir
legislação avulsa. O Código Civil vai buscar as suas fontes ao direito anterior,
nomeadamente, às ordenações Afonsinas, Manuelinas e Filipinas, assim como outros
diplomas avulsos.
A legislação que antecedeu o primeiro Código Civil (código de Seabra de 1867), foram as
Ordenações Filipinas, que no Brasil vigoraram até 1917.

O autor do primeiro Código Civil foi o Visconde de Seabra, recebendo a nomenclatura de


Código de Seabra, tendo entrado em vigor em 1867.
O Código de Seabra já tinha uma codificação original com uma divisão sistemática em 4
partes e cada parte em Livros, mas esta divisão era antropocêntrica na medida em que
colocava a pessoa no centro desta divisão. Há um primado da pessoa sobre a norma, o que
é visível desde logo no artigo 1º do Código “Só o homem é suscetível de direito e obrigações.
Nisto consiste a sua personalidade jurídica, ou a sua personalidade”.

Desta forma, eis a divisão do código e o conteúdo de cada um dos seus livros:

• Parte I: Capacidade civil, tendo também regras gerais e regras de Direito


Internacional Privado.
• Parte II: Na segunda parte tínhamos a aquisição de direitos, tal como os:
- Livro I: direitos originários e dos que se adquirem por facto e vontade
própria independentemente da cooperação de outrem;
- Livro II: os direitos que se adquirem por facto e vontade própria e de
outrem conjuntamente, onde cabiam os contratos;
- Livro III: dos direitos que se adquirem por mero facto de outrem, e dos que
se adquirem por simples disposição da lei;
• Parte III: Na parte terceira aparecia o direito de propriedade.
• Parte IV: Termina com a ofensa do direito e a sua reparação, e aqui surge a
responsabilidade civil.

Não há dúvida que aqui existe uma sistematização original.

Em 1900 entra em vigor o Código Civil Alemão com toda uma outra sistematização
diferente e com uma ideia de racionalidade e perfeição e, por isso, o nosso código passou a
parecer aos civilistas da época algo quase artesanal.

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Com a Implementação da República, a partir de 1910 aconteceu uma grande alteração do
Direito Civil português através de legislação avulsa ao Código de Seabra, como o
aparecimento do divórcio, a introdução do registo civil obrigatório e no direito da família,
para além do casamento civil, surgiram mudanças importantes na filiação, como a existência
de filhos ilegítimos e legítimos.

Em 1940, entra em vigor a concordata com a Santa Sé, o Direito Civil acolhe-a,
reconhecendo o casamento católico, sendo mais tarde abolidos os divórcios para o
casamento católico. Em 1948 há ainda alterações profundas em matéria de arrendamento.

Todas estas alterações foram impostas através de legislação avulsa, como já fora referido,
dando asas a convulsões aliadas a uma forte crítica.

Código de 1966

O novo código foi publicado através do decreto-lei nº 47 344, de 25 de novembro de 1966.


A publicação de um novo código foi motivada pela existência de numerosa legislação avulsa
posterior a 1867 e pela inadequação do mesmo às conceções sociais e às doutrinas jurídicas
de meados do século XX.

As grandes diferenças das soluções não acontecem com a entrada em vigor do novo código,
a entrada em vigor do nosso código é uma mudança de paradigma em termos de
sistematização, seguindo-se a estrutura alemã de parte geral e parte especial, mas em termos
de soluções muito em linha dos preceitos anteriores.

No entanto, verificam-se mudanças significativas das soluções de Direito Civil,


nomeadamente no ramo da família, são introduzidas alterações em 1977 na consequência
da entrada em vigor da Constituição de 10976, havendo um concerto com as soluções que
provinham do código de Seabra, já que a CRP vai obrigar a adaptação da lei civil face às
leis constitucionais. Verificou-se este acerto relativamente à antecipação da maioridade dos
21 para os 18 (idade eleitoral é fixada nos 18) sendo então necessário alterar inúmeras regras
relativa à emancipação. Hoje só se prevê a capacidade de emancipação a partir do
casamento, mas anteriormente havia uma série de hipóteses.

Há alterações também nas pessoas coletivas, relacionadas com a aquisição da personalidade


das pessoas coletivas, alterando-se devido à liberdade de associação que foi estabelecida na
CRP- isto veio permitir a criação de associações muito facilitada.

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Há alterações também ao nível do casamento, desde logo a própria noção de casamento,
prevista no artigo 1577º. Também se alteraram as relações dos cônjuges, tal como a idade
em que se pode casar, mudou também a igualdade dos cônjuges, presente no artigo 1671º,
que leva ao princípio da igualdade dos cônjuges, com os mesmos direitos e as mesmas
obrigações. Também no domínio do divórcio há uma serie de alterações. Há alterações ao
nível do direito das sucessões em que cônjuge passa a surgir como principal herdeiro.

Vejamos como passou a ser a estrutura externa deste novo código:


• Livro I: parte geral, a interpretação e aplicação da lei e artigos relativos às relações
jurídicas.
• Livro II: Direito das obrigações – obrigações em geral e obrigações em especial.
• Livro III: Direito das coisas – regras relativas à posse, direito de propriedade e
direitos reais menores (do usufruto, uso e habitação, da enfiteuse, do direito de
superfície e das certidões e prediais).
• Livro IV: Direito da família - disposições gerais e relações familiares (como o
casamento, da filiação, da adoção e dos alimentos.
• Livro V: Direito das sucessões – da sucessão legal, da sucessão legítima, da sucessão
legitimária e da sucessão testamentária.

Livro II: Direito das obrigações

No Direito das Obrigações estamos perante as relações em que uma pessoa fica adstrita
para com outra à realização de uma prestação (ar. 397º). Tem-se uma relação onde há um
credor e um devedor, sendo que o credor é o que pode exigir a prestação da coisa e o devedor
é que o tem a obrigação de a prestar.
Esta prestação pode resultar em dar uma coisa, em adotar um comportamento ou não adotar
determinado comportamento.

Livro III: Direito das coisas

No Direito das Coisas estamos perante relações jurídicas cujo objeto é uma coisa (a noção
de coisa está na parte geral).
Trata-se de relações jurídicas em que o sujeito ativo tem o poder direto e imediato sobre
uma coisa. O sujeito passivo é aquele que estará obrigado a respeitar a posição de
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proprietário do outro. Estes direitos são direitos absolutos, erga omnes, que se impõem à
generalidade das pessoas.
Temos um conjunto de Direitos absolutos catalogados em 3 modalidades:
• Direitos Reais de gozo: correspondem a Direitos Reais limitados, que não existem
por si, um pressupõe o outro. Por exemplo, o usufruto pressupõe a propriedade.
Destacam-se neste contexto direito de propriedade, usufruto, direito de superfície,
servidões e a habitação.
• Direitos Reais de garantia: garantem uma operação como o penhor, a hipoteca, os
privilégios creditórios e o direito de retenção.
• Direitos Reais de aquisição: aqui destaca-se o direito de preferência e o contrato-
promessa com eficácia real.

Livro IV: Direito da família

O Direito da Família destina-se a regular as relações familiares que emergem com o


casamento, afinidade, parentesco e adoção. Tem-se em atenção os arts. 1576º e segs CC.

Árvore Genealógica

Legenda:
(A) é pai de (B) e (C), que são irmãos.
(A) É avô de (D) e (E), que são primos.
(B) É pai de (D) e (C) é pai de (E).
(B) é tio de (E) e (C) é tio de (D).

Assim sendo, é importante saber que existem graus de parentesco em linha reta e em linha
colateral.
Quanto aos graus de parentesco: Artigo 1580º do Código Civil
Parentes em linha reta Parentes em linha colateral
A (pai) e B (filho) são parentes em linha reta B e C (irmãos) são parentes em linha colateral
A (pai) e C (filho) são parentes em linha reta D e E (primos) são parentes em linha colateral
A (avô) e D (neto) são parentes em linha reta B (tio) e E (sobrinho) são parentes em linha colateral

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A (avô) e E (neto) são parentes em linha reta C (tio) e D (sobrinho) são parentes em linha colateral

Exemplo: D e E (primos) são parentes em linha colateral e em 4º grau. Isto porque se conta
todo o trajeto de parentes de D até E, sem contar com o progenitor comum ou original, que,
neste caso, é o avô A.
Para a contagem do grau tem-se o seguinte raciocino:
D (+1) → B (+1) → A (não se conta, já que é o progenitor comum) → C (+1) → E (+1)
Conclui-se que com 4 pessoas D e E têm o 4º grau de parentesco.
E se C casar com X?
Se tal acontecer, X é afim dos parentes de C, exatamente nos mesmos graus e linhas.
Exemplo: X é afim em linha reta de 1º grau de A (sogro). Relativamente a B (cunhado), X
é afim em linha colateral em 2º grau.

Livro V: Direito das sucessões

O Direito das Sucessões opera a transmissão de bens por morte do titular. É uma
transmissão mortis-causa dos bens. Os arts. referentes são o 2024º e seguintes do CC.

“Os direitos sucessórios são realidades de família são relações emergentes do casamento,
do parentesco, da afinidade ou da adoção (art. 1576º do CC). É o caso dos vários poderes e
deveres dos herdeiros e dos legatários.” - Mota Pinto.

Trata-se de uma relação estabelecida entre o de cuius e o sucessor: O autor da sucessão é


designado de cuius e o sucessor é aquele que vai suceder no património.

A sucessão é definida por lei, testamento ou contrato.

Distinguem-se vários tipos de sucessão:


• Sucessão Legal: Opera por força da lei.
- Sucessão Legítima (artigo 2027º do CC): Trata-se de uma solução supletiva, que
pode ser afastada por vontade do autor.
- Sucessão Legitimária (artigos 2156º e segs. do CC): Trata-se de uma solução
imperativa e não pode ser afastada por vontade do autor.

• Sucessão Voluntária: Opera por vontade do titular.

- Sucessão Testamentária (artigo 2033º do CC): A lei dá uma liberdade ao testador


de realizar um testamento (ato unilateral).

18
- Sucessão Contratual (artigo 2028º/2): É, em regra geral, proibida. Em princípio, a
lei não permite que os contratos produzam efeitos após a morte. Os testamentos
não são contratos.

A lei refere que existindo determinadas pessoas (sucessores) à data da morte de alguém,
estas têm direito de suceder o de cuius nas suas relações jurídicas. Portanto, dá-se uma
sucessão legitimária e parte do património é reservado aos herdeiros legitimários (são
herdeiros legitimários os cônjuges, os descendentes e os ascendentes- se, aquando da morte,
não existirem sucessores, não há́ sucessão legitimária).

A primeira classe de sucessíveis é o cônjuge e os descendentes e a segunda classe é o


cônjuge e os ascendentes. Isto é, se existirem descendentes (filhos), os ascendentes (pais)
não têm direito a herdar. Só se passa à segunda classe de herdeiros legitimários quando não
existirem descendentes.

Na sucessão legitimária, a sucessão de bens que o de cuius não pode impedir é designada
de parte/quota legítima/não disponível. Esta porção de bens depende de caso para caso (art.
2159º ).

Em relação à quota disponível (o que sobra da herança e a única parte que o de cuius pode,
efetivamente, decidir a quem se destina): ou o autor da sucessão nada disse (morre e não há́
qualquer vontade sua em algum sentido) ou deixou um testamento.

Se há parte disponível e o de cuius nada disser, aplica-se a Sucessão Legítima (art. 2131º)
e se deixar um testamento, aplica-se a Sucessão Testamentária.

Nota: A parte disponível, na inexistência de testamento, pode ser herdada pelos cônjuges,
descendentes ou ascendentes, no entanto, a títulos diferentes porque uma resulta da sucessão
legitimária e a outra da sucessão legítima.

Críticas à sistematização pandectista/germânica do CC:

• O critério utilizado para autonomizar as várias partes do código não é sempre o mesmo.
Se por vezes é o objeto da relação jurídica (reais e obrigações), outras vezes é a fonte da
relação jurídica (família e sucessões). Não existe qualquer regra obrigatória sobre a
necessidade de existir um critério único, mas esta crítica apontada ganha relevo na
perspetiva pandectista. Note-se que o código trata de forma igual pessoas singulares e
coletivas, apesar da pessoa singular ter uma maior centralidade.

19
• Outra crítica, além da disparidade de critérios, é a incompletude, há áreas do Direito
civil que não têm personalidade própria. (ex: é o caso do Direito de Propriedade, que
aparece na Parte geral e não tem o seu alcance e centralidade necessários).
• A noção de temas que aparecem nas partes gerais, provavelmente fariam sentido numa
apresentação em conjunto (ex. questão de maioridade aparece desassociado do regime
de responsabilidade parental. Existe um corte com duas matérias que se justificavam
juntas).
• O nosso código é redigido com uma linguagem erudita, destinado a ser interpretado por
juristas. Desta forma, o CC torna-se impercetível para não juristas.

A razão de ser do Direito Civil é a proteção da pessoa. A ideia de pessoa e da personalidade


está no cerne do Direito Civil. Ser pessoa é ser sujeito de direitos e obrigações. A pessoa é
um, centro de direitos e deveres.

Nem sempre o conceito de pessoa em sentido jurídico correspondeu ao conceito de pessoa


humana. Há pessoas para o Direito que não são pessoas humanas. A personalidade jurídica
da pessoa humana tem fundamento na sua dignidade, essa dignidade exige ao Direito o
reconhecimento da sua personalidade jurídica. Os direitos de personalidade são inerentes à
pessoa que protegem os bens da personalidade em todos os seus aspetos.

2. Princípios fundamentais de Direito Civil

1. Princípio da Igualdade.
2. Princípio do Reconhecimento da Pessoa e dos Direitos de Personalidade.
3. Princípio da Autonomia Privada e da Liberdade Contratual.
4. Princípio da Responsabilidade Civil.
5. Princípio do Respeito pela Propriedade.
6. Tutela da Família.
7. Tutela dos Direitos Pós-morte/Transmissão de Bens mortis-causa (referidos por Mota
Pinto).

A massa de normas civis não é um conjunto desordenado de preceitos avulsos, desprovidos


de conexão. Há uma ordenação dessas normas, que não é apenas formal, mas substancial
ou material. Para além da distribuição das normas por divisões (inspiração germânica),
podemos destacar uma série de princípios fundadores do nosso Direito Constitucional- são

20
“a ossada do direito civil, sustentando as normas que os desenvolvem e dando-lhes um
sentido e uma função”.

Estes princípios oferecem os traços fundamentais do Direito Constitucional, na medida em


que modelam o conteúdo do direito vigente. “Têm o valor de fundamentos impregnadores
do sentido e da função das normas que os acolhem e desenvolvem”.

Mas o Direito Civil, modelado por determinados princípios, não está dotado de uma
validade eterna e universal (ao contrário do direito natural). Os princípios e as normas que
os aceitam e desenvolvem dependem dos circunstancialismos temporais e espaciais. Mas a
verdade é que estes princípios não brotaram espontaneamente, são antes um produto
histórico, sendo que para o seu desenvolvimento concorreram opções fundamentais sobre a
organização económica e social do Homem.

Estas grandes linhas estruturais do Direito Civil estão intimamente ligadas com os
princípios fundamentais dispostos na Constituição da República Portuguesa. O Direito Civil
tem de espelhar aquilo que são os princípios fundamentais da nossa CRP e, por isso, recebe
estas linhas de força e desenvolve as suas soluções com base nelas.

A Constituição aparece no topo da pirâmide da legislação. Nas palavras de Mota Pinto, “a


Constituição tem uma força geradora de Direito Privado”. A legislação ordinária deve
desenvolver-se com base nas normas constitucionais. A aplicação das normas
constitucionais ao direito civil surge no artigo 18º/1 CRP. É por isto que as normas sobre
direitos, liberdades e garantias são diretamente aplicáveis e vinculam diretamente entidades
públicas e privadas- têm eficácia imediata perante os particulares.

Isto leva-nos a querer que o Direito Civil é posterior ao Direito Constitucional, o que não é
verdade. O Direito Civil é, numa perspetiva histórica, anterior ao Direito Constitucional, o
que levou a que o Direito Constitucional, por muitas vezes, tivesse de aceitar aquilo que o
Direito Civil já previa.

Ao longo de todo o direito civil manifestam-se duas ideias fundamentais caracterizadoras


do seu sentido atual: a autonomia e a igualdade.

2.1. Princípio da Igualdade

O Princípio da Igualdade é um princípio base no Direito Civil e encontra-se consagrado no


artigo 13º da Constituição da República Portuguesa. No Código Civil, não existe um artigo

21
com uma redação idêntica ao da CRP, o que existe são soluções de Direito Civil adaptadas
a esse princípio, isto é, a regulamentação do princípio aplicado à realidade do Direito Civil.

Este princípio constitucional tem sobretudo em vista criar o dever do Estado de tratar
igualmente os cidadãos. Todavia, não se esgota no domínio das diretas relações entre Estado
e cidadão. Ainda, o Princípio da Igualdade (artigo 13º CRP) surge ligado ao Princípio da
Não-Discriminação: “Será nulo o conteúdo de um negócio, quando os seus termos
envolvam infração ao princípio da negação de discriminações raciais, religiosas, de
nascimento ou de sexo”.

Este princípio funciona como um limite da liberdade contratual/negocial/autonomia


privada. Isto significa que a sua violação acarretará a invalidade dos atos e dos negócios e
uma obrigação da reparação dos danos causados.

No entanto, é importante realçar que o Princípio da Igualdade não implica que todas as
situações sejam alvo de um tratamento igual, são possíveis tratamentos distintos, mas apenas
quando se trata de situações que material e objetivamente justifiquem um tratamento
desigual. A justiça pressupõe que se trate de forma diferente o que é diferente e que se trate
de forma igual o que é igual, tal como dizia Aristóteles.

2.2. Princípio do Reconhecimento da Pessoa e dos Direitos de Personalidade

A razão de ser do Direito Civil é a proteção da pessoa. A ideia de pessoa e da personalidade


está no cerne do Direito Civil. Ser pessoa é ser sujeito de direitos e obrigações. O direito só
pode ser concebido tendo como destinatários os seres humanos. “A aplicação do direito civil
a essa convivência humana desencadeia uma teia de relações jurídicas entre os homens,
relações traduzidas em poderes (direitos) e deveres jurídicos lato sensu” (M.P.). Num
sentido meramente técnico ser pessoa é ser sujeito de direitos e obrigações, é ser um centro
de imputação de poderes e deveres jurídicos.

No entanto, nem sempre o conceito de pessoa em sentido jurídico correspondeu ao conceito


de pessoa humana. No passado, já se verificaram situações em que nem todos os seres
humanos eram vistos como pessoas para o Direito (escravatura).

Para além disto, é importante salientar que as pessoas em sentido jurídico não são sempre
necessariamente seres humanos, veja-se o exemplo das pessoas coletivas (associações,
sociedades) e certos conjuntos de bens (fundações) a quem o direito atribui personalidade
jurídica.
22
O conceito técnico-jurídico de pessoa não coincide necessariamente com o conceito de Ser
Humano. Não obstante, como o Direito tem por objetivo a disciplina de interesses humanos,
sendo constituído por causa e para serviço dos homens, é lógico afirmar-se que a atribuição
ou reconhecimento de personalidade de, pelo menos, alguns seres humanos é também um
pressuposto lógico do direito.

A personalidade jurídica da pessoa humana tem fundamento na sua dignidade, essa


dignidade exige ao direito o reconhecimento da sua personalidade jurídica. Isto relaciona-
se com um princípio humanista que, com vários fundamentos filosóficos, corresponde ao
ideal de justiça vigente no espaço cultural onde estamos inseridos. Ver art. 66º/1 do CC,
cuja regra implícita é a de que todo o ser humano tem personalidade.

Toda a pessoa jurídica não só pode ser, como é titular de alguns direitos e obrigações. A
pessoa é sempre titular de um certo número de direitos absolutos, que exigem o respeito dos
outros, incidindo sobre “os vários modos de ser físicos ou morais da sua personalidade’’,
são os direitos de personalidade (artigos 70º e segs CC). São um conteúdo mínimo
necessário e imprescindível da esfera jurídica de cada pessoa.

O Direito Civil protege os vários modos de ser físicos ou morais da personalidade (art.
70º/1). O Direito Civil prevê consequências para a violação desses direitos, o que constitui
um ilícito civil, pelo menos com a consequência da responsabilidade civil do infrator. A lei
prevê também a possibilidade de reagir contra essas violações e a possibilidade de tomar
providências não especificadas e adequadas às circunstâncias do caso (art. 70º/2 do CC). A
violação de alguns desses aspetos da personalidade desencadeia também uma punição
estabelecida no código penal.

Dada a sua intensidade ético-jurídica, os direitos de personalidade são irrenunciáveis; mas


podem ser objeto de limitações voluntárias que não sejam contrárias ao princípio da ordem
pública (art. 81º/1).

Exemplo: é admissível o consentimento livre e informado para uma intervenção cirúrgica,


uma vez que sem o seu consentimento ou da família (salvo a impossibilidade de o pedir em
tempo útil) a realização de uma intervenção cirúrgica constitui um facto ilícito; quando o
consentimento é contra a ordem pública, dado os prejuízos irremediáveis que resultariam, a
cirurgia é um facto ilícito, mesmo quando a vítima neles consente.

23
Não é possível limitar direitos de personalidade para além das fronteiras da ordem pública.
As autolimitações são sempre revogáveis (art. 81º/2).

2.3. Princípio da Autonomia Privada e da Liberdade Contratual

O princípio da autonomia privada é fundamental no Direito Civil, e esta tem a sua dimensão
mais visível na Liberdade Contratual (arts. 405º e 406º do CC). Os seus fundamentos mais
explícitos encontram-se nos artigos 26º/1 e 62º da CRP.

“A autonomia da vontade ou autonomia privada consiste no poder reconhecido aos


particulares de autorregulação dos seus interesses, de autogoverno da sua esfera jurídica.”
(M.P.).

A produção de efeitos jurídicos (constituição, extinção e modificação de relações jurídicas)


resulta no tocante à atuação humana juridicamente relevante, de atos de vontade. “Os atos
jurídicos, cujos efeitos são produzidos por força da manifestação de uma intenção e em
coincidência com o teor declarado dessa intenção, designam-se negócios jurídicos.” (M.P.).
Os negócios jurídicos são uma manifestação do princípio da autonomia privada (poder
reconhecido aos titulares de autorregulação dos seus interesses).

É importante salientar que apesar da Autonomia Privada se manifestar, principalmente, no


domínio contratual, a Liberdade Contratual não esgota a autonomia privada, porque também
se manifesta no exercício dos Direitos Subjetivos. “A autonomia privada também se
manifesta no poder de livre exercício dos seus direitos ou de livre gozo dos seus bens pelos
particulares- ou seja, é a autonomia privada que se manifesta na “soberania do querer” - no
império da vontade- que caracteriza essencialmente o direito subjetivo.” (Mota Pinto).

Desta forma, a autonomia privada encontra, pois, os veículos da sua realização nos direitos
subjetivos e na possibilidade de celebração de negócios jurídicos.

A autonomia privada corresponde à ordenação espontânea dos interesses das pessoas,


consideradas como iguais. Em maior ou menor medida está presente nos setores do direito
relacionados com a uma função de modelação da vida social.

Dentro dos negócios jurídicos a autonomia privada revela-se um grande domínio no que
toca à celebração de contratos, verificando-se aqui o princípio da liberdade contratual
(artigos 405º e 406º do CC). No que toca aos negócios unilaterais pode referir-se o artigo
1457º do CC.
24
Dentro dos negócios jurídicos, a autonomia privada tem um campo de aplicação
privilegiada. Neste âmbito temos a celebração de contratos como a grande manifestação de
autonomia privada, e aqui vem a questão da liberdade contratual.

Uma importante classificação dos negócios jurídicos é a resultante do critério do número e


modo de disposição das declarações de vontade que os integram. Assim, podem distinguir-
se em negócios jurídicos unilaterais e os bilaterais:

• Nos negócios jurídicos unilaterais são constituídos por uma só declaração de von-
tade, ou várias no mesmo sentido (v.g. testamento, ato de instituição de uma funda-
ção, denúncia do arrendamento, etc.…);
• Nos negócios jurídicos bilaterais é constituído por, pelo menos, duas manifestações
de vontade convergentes, tendente à produção de um resultado jurídico unitário (v.g.
compra e venda, doação, sociedade, arrendamento, etc.). Este tipo de negócio é mais
conhecido por contrato- só existe quando uma parte formula e comunica uma decla-
ração de vontade (proposta) e a outra manifesta a sua anuência (aceitação).

A verificação do princípio de autonomia privada verifica-se em graus diferentes consoante


o negócio jurídico seja bilateral ou unilateral. Mas tem a sua expressão mais expressiva nos
negócios jurídicos bilaterais. A autonomia da vontade encontra no domínio dos contratos
obrigacionais a sua mais ampla dimensão.
Os tipos possíveis de negócios unilaterais estão previstos na lei, há um princípio de
tipicidade dos negócios (artigo 457º do CC) - a autonomia privada não é excluída, mas
sofre restrições acentuadas. Este princípio de tipicidade limita a autonomia.

Nota: um importante negócio jurídico unilateral (o testamento) permite um grau de


autonomia grande à vontade do legislador, embora não ilimitado.

Nos contratos há um princípio da liberdade contratual (artigo 405º do CC). Ao mesmo


tempo, consagrado o princípio da liberdade contratual, estipula-se, no artigo 406º do CC,
uma regra de acordo com a qual nenhuma relação jurídica contratual pode ser modificada
unilateralmente, a menos que a lei o preveja.
Nenhuma das partes do contrato pode modificar ou extinguir (porque o contrato é
vinculativo para as partes), estando aqui presente o princípio da pontualidade (fundado no
princípio do “pacta sunt servanda”), o contrato deve ser cumprido ponto por ponto. Isto é,
eles formam-se por mútuo consentimento e só por consenso das partes é que o contrato pode

25
ser extinto ou modificado, salvo nos casos em que a lei, dados certos pressupostos, achou
correto afastar esse princípio (cfr. artigo 406º do CC).

A Liberdade Contratual consiste “na faculdade de livremente realizar contratos ou recusar


a sua celebração” (M.P.). Segundo tal princípio, “a ninguém podem ser impostos contratos
contra a sua vontade ou podem ser aplicadas sanções por força de uma recusa de contratar
nem a ninguém pode ser imposta a abstenção de contratar” - artigo 405º do CC.

Dentro dos limites da lei, as partes têm a liberdade de modelação, liberdade de fixação ou
a liberdade de estipulação do conteúdo contratual.

Há duas vertentes da liberdade contratual: liberdade de celebrar (ou não) contratos +


liberdade de modelar o conteúdo dos contratos. O princípio da liberdade de celebração dos
contratos está implicitamente contido no artigo 405º do CC, ter a faculdade de fixar
livremente o conteúdo implica necessariamente ser-se livre de celebrar ou não.

Excecionalmente existem limites à liberdade de celebração de contratos:

a) Consagração de um dever jurídico de contratar, ou seja, a recusa de contratar não


impede a formação do contrato ou sujeita o obrigado a sanções diversas (v.g. cele-
bração obrigatória de um seguro de responsabilidade civil). Num contrato-promessa
o dever de contratar impõe-se às partes;
• Prestação de serviços. Por exemplo, um médico não pode recusar prestar os
seus serviços;
• Seguro automóvel obrigatório. Apesar de haver liberdade de escolha com
quer contratar é obrigatória a criação de um seguro automóvel;

• Situações em que não se pode recusar a contratar. Por exemplo, não se pode
recusar dar eletricidade aquela pessoa, nem se pode deixar de fornecer um
serviço de transporte, tal como não pode proibir alguém de entrar no auto-
carro. Ou seja, as empresas concessionárias de serviços públicos desenvol-
vem atividade de bens essenciais à vida das pessoas e, às vezes em situações
de monopólio/oligopólio, elas não podem recusar a contratar;
• Situações em que as pessoas têm o dever jurídico de contratar através do
contrato-promessa*.
§ Contrato-promessa*: alguém celebra o contrato cujo objeto
é a obrigação de celebrar um contrato no futuro.

26
§ Exemplo: Imagine-se a situação em que ao abrigo da liber-
dade contratual, A e B celebram um contrato e mediante esse
contrato obrigam-se a celebrar um contrato, por exemplo, de
compra e venda. A decisão de comprar e vender no futuro
deixa de ser uma decisão livre, há uma obrigação jurídica a
contratar (eles auto-obrigaram-se a um determinado compor-
tamento), a recusa de celebração desse contrato é ilícita e tem
consequências (nomeadamente em termos indemnizatórios).

b) Proibição de celebrar contratos com determinadas pessoas (v.g. artigos 877º e


953º do CC). Existem situações em que não contratar é um ato ilícito que implica
sanções.

c) Na sujeição do contrato a autorização de outrem (v.g. artigos 1682º/1/3, 1682º-A


e 1682º-B do CC), eventualmente de uma autoridade pública (v.g. aquisição de ex-
plosivos).
Exemplo: O facto de alguém ser casado vem introduzir limitações relativamente à
liberdade contratual quando estão em causa determinados bens (artigo 1682º/1 do
CC). Por exemplo, imaginado a situação em que há um automóvel utilizado por
ambos os cônjuges. Independentemente de quem é o proprietário do automóvel, a
sua alienação precisará sempre de consentimento de ambos os cônjuges,
independentemente de quem é o proprietário, isto porque é utilizado na vida de
ambos. Até mesmo os bens que não são administrados pelo outro cônjuge, é
necessária autorização.

No que respeita aos bens imóveis, nos termos do artigo 1682º do CC, o imóvel pode
ser próprio de um dos cônjuges, mas quando o regime não é separação de bens, no
que toca a alienação de imóveis, é preciso autorização. No entanto, quando o bem
imóvel for a casa de morada de família, carece sempre do consentimento de ambos
os cônjuges (artigo 1682/2/a) do CC). Mesmo no arrendamento da casa de morada
de família, os negócios aí previstos necessitam do consentimento dos 2 cônjuges
(artigo 1682º/2/b) do CC).

Nota: Existem três regimes de bens: comunhão geral de bens; comunhão de bens adquiridos;
Separação de bens

27
A falta de consentimento tem como consequência a anulabilidade (art.1687º).
Normalmente, a anulabilidade pode ser suscitada dentro do prazo geral de 1 ano a
contar da cessação do vício (art. 287º). No entanto, no que toca às relações entre os
cônjuges é estabelecido um regime especial disposto no artigo 1687º do CC: ‘’o
direito de anulação pode ser exercido nos 6 meses subsequentes à data em que o
requerente teve conhecimento do ato, mas nunca depois de decorridos três anos
sobre a sua celebração’’. Desta forma, o cônjuge poderá arguir a anulabilidade que
não consentiu a alienação, na morte, serão os seus herdeiros arguir a mesma. Por
exemplo, se um cônjuge só tem conhecimento do negócio 4 anos depois, não pode
arguir a anulabilidade.

Existe um prazo mais curto porque o legislador não quer que esta situação de
anulabilidade se mantenha durante muito tempo, o cônjuge não consensual tem de
ser diligente para arguir a anulabilidade a partir do momento que toma
conhecimento.

Situação de restrições que decorrem da própria liberdade contratual

Quando dissemos que o princípio da liberdade contratual existe com grande amplitude, a
liberdade contratual o interesse sobretudo reside na possibilidade de exercer a liberdade
contratual, contratando.

No entanto, sempre que alguém exerce a liberdade contratual, contratando, fica vinculado
e o exercício da liberdade contratual, o que leva a restrição das liberdades (Exemplo: eu
celebro um contrato de prestação de serviço com X, eu fico obrigada a todas as semanas
prestar esse serviço a X – eu autolimitei a minha liberdade).

Por exemplo, se A e B celebram um contrato-promessa (a sua definição já foi referida


anteriormente), A e B deixam de ser livres para celebrar esse contrato prometido. Elas
próprias, ao abrigo da liberdade contratual, obrigaram-se a celebrar esse contrato e
autolimitam a sua liberdade.

Concluindo, acontece que não se pode pensar na liberdade contratual como um mero
aumento da amplitude da liberdade do sujeito, isto porque, sempre que alguém ingressa com
a liberdade contratual contratando, fica vinculado e obrigado ao seu cumprimento, deixa de
ser livre, ou seja, o exercício da liberdade contratual limita a liberdade.

28
“A liberdade de modelação do conteúdo contratual consiste na faculdade conferida aos
contraentes de fixarem livremente o conteúdo dos contratos” – Mota Pinto - o princípio está
expresso no artigo 405º do CC.
As partes podem:
• Celebrar contratos com as características dos contratos previstos e regulados na lei
(contratos típicos ou nominados), sem necessidade de convencionar a regulamenta-
ção correspondente;
• Celebrar contratos típicos ou nominados aos quais acrescentam as cláusulas que
acharem necessárias, podendo até conjugar dois ou mais contratos diferentes (con-
tratos mistos);
• Concluir contratos diferentes dos contratos expressamente disciplinados na lei (con-
tratos atípicos ou inominados).
• Juntar dois contratos típicos (v.g. leasing que surge como uma mistura de compra e
venda e locação).

No entanto, é necessário, à luz dos valores de hoje, que o ordenamento jurídico, provenha
limites à liberdade contratual para garantir a justiça e a retidão contratual, assente em
critérios objetivos.
Limites da lei:
• O objeto do contrato deve submeter-se aos requisitos do artigo 280º do CC (são nulos
os contratos contrários à ordem pública, à lei e aos bons costumes);
• São anuláveis em geral os negócios usuários (cfr. artigo 282º do CC);
• A conduta das partes deve pautar-se pelo princípio da boa-fé (artigo 762º/2 do CC);
• “a lei admite e reconhece certos contratos-tipo que, celebrados a nível de categorias
económicas ou profissionais, contêm normas a que os contratos individuais, celebra-
dos por pessoas pertencentes às referidas categorias, têm de obedecer” (M.P.) são os
contratos normativos (v.g. convenções coletivas de trabalho, artigo 531º do CC);
• Alguns contratos em especial estão necessariamente sujeitos a determinadas normas
imperativas.

Contratos de adesão

Há situações em que um contraente celebra um contrato sem que tenha, na prática, a


possibilidade de interferir com o seu conteúdo, os chamados contratos de adesão.
Isto porque uma das partes se limita a aderir a um contrato que já estava pré-determinado
de antemão, não o negociando. Tais contratos são celebrados através de aceitação (adesão)
29
de cláusulas prévia e unilateralmente redigidas para todos os contratos que a parte venha a
celebrar no futuro.
Desta forma, o conteúdo dos contratos de adesão é pré-redigido e unilateral.

O que condiciona aqui a limitação é a diferença de força entre as partes. O que acontece é
que uma das partes tem muito mais força relativamente à contraparte, conseguindo impor
os seus termos. (Exemplo: grande empresa – consumidor). Mesmo que não exista um
desequilíbrio económico e social há sempre um desequilíbrio informacional.

No entanto, verifica-se que existem vantagens nos contratos de adesão:


• A celeridade e a facilidade dos contratos, uma vez que não se tem de discutir o seu
conteúdo;
• Devido aos contratos serem todos iguais é mais fácil a gestão dos mesmos e devido
à uniformização das soluções;
• Exigem menos custos associados.

Por outro lado, também existem duas desvantagens neste tipo de contratos:
• Possibilidade de celebração de contrato que não é livre. Assim o é uma vez que,
efetivamente, existe falta de liberdade no que toca à negociação do conteúdo. Para
além disso, muitas vezes até a liberdade de celebrar ou não celebrar um determinado
contrato é afetada na medida em que até estão em causa bens essenciais (como é o
exemplo de energia elétrica, gás, transportes etc…);
• Quem tem o poder de redigir o contrato é levado a chamar a si os benefícios do
contrato e impõe ao outro os custos e riscos que implica.
Apesar das desvantagens, existem, efetivamente, soluções para as mesmas:
• Inicialmente, o legislador definiu que estes contratos seriam passíveis de resolução
com base no princípio da boa-fé e da concorrência.
• Apesar da possibilidade de resolução com base nestes dois princípios sentiu-se a
necessidade de criar uma legislação específica nestas matérias para reequilibrar a
posição das partes nestes contratos, através do decreto-lei 446/85.

Este regime imposto pelo decreto-lei 446/85 foi bastante pioneiro a nível dos contratos de
adesão mesmo a nível europeu.
Estre diploma veio sobretudo tentar acautelar os contratos celebrados mediante
determinadas cláusulas, designadas cláusulas contratuais gerais.

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Cláusulas contratuais gerais: Cláusulas que são redigidas de forma antecipada, que são
imodificáveis e se destinam a uma generalidade de pessoas (artigo 1º/1 do decreto-lei
446/85). Os destinatários das cláusulas serão indeterminados.

Este diploma não se aplica apenas aos contratos redigidos com cláusulas contratuais gerais,
também se aplica aos contratos individualizados.

Um contrato individualizado, nos termos do artigo 1º/2, vai estar também coberto por este
decreto-lei, mas não é um contrato celebrado mediante cláusulas contratuais gerais, uma vez
que estas cláusulas estão pensadas para aquele contrato em particular, são efetivamente pré-
formuladas e imodificáveis, mas não o são para uma generalidade de aderentes. Estes têm
cláusulas contratuais individualizadas.

O decreto-lei 446/85 não é unicamente um diploma de proteção do consumidor, o legislador


vem estabelecer um regime com vista a proteção do aderente, mas este aderente não tem de
ser necessariamente o consumidor, é qualquer pessoa que faça parte deste tipo contrato
(Exemplo: Imaginando a situação em que este tipo de contrato entre empresários, em que
um dos empresários não pode negociar as cláusulas).

O legislador preocupa-se com quais são as cláusulas incluídas no contrato e se o aderente


está ciente das cláusulas do contrato. Aqui se estabelece um ónus que recai sobre aquele que
faz o contrato, o ónus da comunicação das cláusulas. As cláusulas devem ser sempre
comunicadas, de modo adequado, com o tempo antecedente necessário tendo em conta a
complexidade do contrato (artigos 5º e 8º/a) decreto-lei 446/85). Para além disto também
tem de se ter o ónus da prova da comunicação, ou seja, têm de existir meios que permitam
provar essa comunicação.

Também existe um dever de informação das cláusulas relativamente aos elementos que
se justificam (artigos 6º e 8º/b) decreto-lei 446/85). Este dever é recorrente do princípio da
boa-fé.

31
O que acontece quando as cláusulas não são comunicadas ou não são comunicadas com o
dever de informação é que estas são simplesmente excluídas do contrato (artigo 8º/b)
decreto-lei 446/85). É discutível se são nulas ou se é um problema de inexistência.

O artigo 8º/c) do decreto-lei 446/85 diz ainda que são excluídas as chamadas cláusulas
surpresa, ou seja, aquelas cláusulas que surgem de tal forma que passem desapercebidas,
quer porque estão inseridas num contexto que não deviam estar inseridas, quer porque estão
com uma apresentação gráfica que não permite ser percetível, ou mesmo porque aparecem
após a assinatura, sendo que este último ponto está referido no artigo 8º/d) do decreto-lei
446/85 (artigo 9º/2 decreto-lei 446/85).
• São excluídas as cláusulas do contrato, os contratos mantêm-se e, se houver lacunas,
serão colmatadas (9º decreto-lei 446/85) de acordo com as regras gerais, supletivas.
Se ficar sem conteúdo, o contrato fica nulo. O princípio é o da manutenção do con-
trato. A nulidade do contrato pode prejudicar o aderente.

Tudo isto são meios de obter justiça contratual e impedir que a liberdade contratual seja
usada para enganar a outra parte que adira posteriormente.

Após isto, coloca-se a questão de saber se o conteúdo é ou não nocivo para o aderente.

1. Desta forma a lei prevê a interpretação das cláusulas contratuais gerais:

Em regra, quanto à interpretação remete-se para princípio geral do CC (236º do CC), o


princípio da inversão do destinatário, o contrato vale da forma como foi entendido.

Se utilizado o critério da interpretação se chegar a um resultado ambíguo, as clausulas


devem valer no sentido mais favorável ao aderente (artigo 11º/2 do decreto-lei 446/85).

2. Interpretadas as cláusulas, devemos ver se devem ser consideradas válidas ou não. É o


controlo do conteúdo:

O legislador pretende que o aderente conheça o contrato que acabou de celebrar. Primeiro
o aderente efetivamente tem de saber o conteúdo, mas também não é permitido que as
cláusulas sejam completamente nocivas ao aderente e contrárias à boa-fé, não são válidas
dessa forma.
De acordo com o artigo 12º do decreto-lei 446/85 são nulas as cláusulas que são contrárias
à boa-fé.

32
3. Para além disto, optou-se por tipificar algumas cláusulas recolhidas da experiência prá-
tica que se consideram proibidas, havendo um catálogo de proibições.

O legislador optou por distinguir uma lista de cláusulas absolutamente proibidas e uma lista
de cláusulas que são suspeitas, chamadas cláusulas relativamente proibidas, mas que se terá
de ver a situação em que se integram.

Para além disto, também distinguiu consoante os contratos celebrados entre consumidores
ou entre empresários.

Vejamos então o catálogo das proibições:


• Para as relações entre empresários são proibidas as cláusulas elencadas no artigo 18º
do decreto-lei 446/85, sendo as que estão aqui presentes são absolutamente proibi-
das.
• No artigo 19º do decreto-lei 446/85 estão referidas as proibições para as relações
entre empresários para as cláusulas relativamente proibidas (Ex.: será diferente uma
cláusula de exclusão de exclusividade por danos físicos num transporte de passagei-
ros e num transporte de mercadorias).
• No artigo 21º do decreto-lei 446/85 estão as cláusulas absolutamente proibidas no
que toca às relações com os consumidores.
• No artigo 22º do decreto-lei 446/85 estão as cláusulas relativamente proibidas, tam-
bém na relação com os consumidores.

Como já se percebe, existe um regime diferente para as relações entre os consumidores e


as dos empresários, isto porque o legislador entendeu que deveria proteger mais o
consumidor.
No artigo 20º do decreto-lei 446/85 diz-se que nas relações com os consumidores também
são proibidas as cláusulas que são proibidas entre os empresários, e, por isso, para os
consumidores também se aplicam as proibições para os consumidores as cláusulas presentes
nos artigos 18º e 19º do decreto-lei 446/85.

Mas qual é realmente a distinção entre as cláusulas relativamente e absolutamente


proibidas?
As cláusulas relativamente proibidas são aquelas que num contrato discutido podem ser
admitidas, mas que se forem só impostas não o podem ser.

33
Ao Artigo 21º do decreto-lei 446/85 foi aditada uma alínea, a i) pela lei nº 32/2021, de 27
de maio. Com este aditamento o legislador só quis especificar a questão da apresentação
gráfica, para que as cláusulas contratuais não passem despercebidas por serem ilegíveis.

4. Falta agora analisar as disposições de caráter processual e o alcance de aplicação


deste regime nos contratos de adesão.
As regras de natureza processual são as seguintes:
• Controlo Incidental
-A apreciação da validade das CCG no contexto de um conflito concreto
instalado entre um predisponente e um aderente.
• Controlo Abstrato
- Ação inibitória (artigo 25º do decreto-lei 446/85).
- Caráter coletivo.
- Eficácia ultra partes.
- Legitimidade: artigo 26º + 13º da lei nº 24/96

Quando se levanta a questão da análise do conteúdo destes contratos, o problema das


cláusulas contratuais gerais pode-se levantar em dois contextos distintos, ou o contrato não
negociado é celebrado entre dois profissionais, ou um profissional e um consumidor.

Imaginando que A e B são partes num contrato, A pré-formulou as cláusulas, B não as pode
alterar e B entende que determinadas cláusulas do contrato não são válidas. Neste caso
concreto, o aderente alega a nulidade de determinadas cláusulas, incluídas no seu contrato.
O tribunal irá apreciar se naquele contrato as cláusulas são válidas ou devem ser
consideradas nulas.

No exemplo referido estamos perante uma situação de controlo incidental.


Se se chega à conclusão que a clausula é nula, ela será nula com aquele contrato com B. Se
o contrato for com 500 pessoas, mesmo que tivesse sido declarada nula apenas com uma
pessoa, neste caso B, continua válida com as outras 499 até ser contestada e verificada como
não ter sido comunicada.

A outra hipótese, com alcance mais alargado, é as cláusulas serem apreciadas em abstrato.

Desta forma, a lei abre uma segunda hipótese de tutela através da ação inibitória, tem um
caráter coletivo e uma eficácia ultra partes, abrangendo todos os contratos que tenham sido
celebrados com aquela cláusula (artigo 25º da Lei nº 24/96). Cada um dos aderentes poderá
34
invocar aquela sentença, permanecer-se dela e invocar a nulidade daquela cláusula
específica, tendo uma eficácia muito superior à eficácia do caso concreto.

Elaborando a explicação:
Na medida em que determinada entidade utiliza ou pretende utilizar determinadas cláusulas
contratuais gerais é possível propor uma ação, independentemente de serem ou não incluídas
em determinados contratos concretos. A ação é proposta contra essa entidade no sentido de
a proibir de continuar a usar essas cláusulas e inibe-a de voltar a utilizar as referidas
cláusulas. A sentença que declare a nulidade de determinadas cláusulas contratuais gerais
vale para todos os aderentes que contrataram ou virão a contratar com aquela entidade que
tenham utilizado aquelas cláusulas contratuais gerais.
Assim, e como já foi referido, valerá com eficácia ultra partes.

A ação inibitória tem carácter coletivo e eficácia muito alargada relativamente a um


controlo do caso concreto, na medida em que a sentença pode ser utilizada por todos os que
sejam afetados por ela. A proibição só abrange aquela entidade em causa, a que foi
demandada na ação inibitória (mas também é possível propor uma ação para várias entidades
com cláusulas idênticas).

De acordo com o artigo 26º do decreto-lei 446/85 o próprio consumidor com base no
disposto no artigo 13º da lei da defesa do consumidor (Lei 24/96), tem legitimidade para
pedir a nulidade.

Muitas vezes isto falha pelo facto das pessoas desconhecerem que aquela cláusula já tinha
sido declarada nula numa ação inibitória. É necessário que haja publicidade.

5. Desta forma, torna-se necessário arranjar um mecanismo para publicitar as cláusulas


proibidas.

A própria lei prevê que estas cláusulas declaradas nulas sejam publicitadas (artigo 34º
decreto-lei 446/85).
Devido a isto, existe um serviço de registo de cláusulas proibidas.

Em dezembro do ano passado o decreto-lei 109-G/2021 veio aditar 3 novos artigos a este
diploma, esta alteração resulta também da imposição e uma diretiva comunitária, na medida
em que se chegou à conclusão que apesar de ser um regime abrangente tem problema de
efetividade e a ideia é de garantir que ele efetivamente produz efeitos.
35
Desta forma veio-se acrescentar um conjunto de regras que vieram garantir o respeito pelo
regime imposto pelo decreto-lei 446/85. O seu desrespeito passou a ser uma
contraordenação muito grave, vindo a obrigar quem usa estas cláusulas as pagar coimas.
No artigo 33º do decreto-lei 446/85 está prevista uma sanção pecuniária compulsória.

Acontece que mesmo quando determinada entidade é condenada pela cláusula, continua a
utilizá-la. Isto porque os aderentes não conhecem os seus direitos e não os reclamam. Desta
forma, os que fazem os contratos vão ponderar se vale a pena pagar a contraordenação tendo
em conta o maior lucro que vão fazer por a ter.

Este tema tem uma aplicação prática imensa, já que todos os dias os tribunais aplicam este
regime e é algo que temos de conhecer.

Lei nº 23/96, de 26 de julho: Lei dos serviços públicos essenciais

O regime imposto pela lei nº 23/96 não se confunde com o regime que vimos nos contratos
de adesão. Esta lei tem também como objetivo proteger o aderente em contratos não
negociados. Aqui o problema é também a não negociação contatual, e, por isso, o legislador
introduz medidas para reequilibrar a situação das partes em determinados contratos.

A diferença é que este diploma aplica-se aquelas relações que se estabelecem entre uma
entidade pública ou privada que desempenhe um conjunto de serviços públicos essenciais
(serviços esses que a lei elenca) e uma pessoa singular ou coletiva.

Estes contratos serão também de adesão, sendo que, por isso, se aplica igualmente o regime
do Decreto-Lei 446/85, mas são merecedores de um regime especial- tem em vista acautelar
a posição do aderente que não tem possibilidade de negociar o contrato, atendendo ao objeto,
que serão os serviços públicos essenciais.

O âmbito de aplicação desta lei serão os seguintes serviços públicos:

a) Serviço de fornecimento de água;


b) Serviço de fornecimento de energia elétrica;
c) Serviço de fornecimento de gás natural e gases de petróleo liquefeitos canalizados;
d) Serviços de comunicações eletrónicas;
e) Serviços postais;
f) Serviço de recolha e tratamento de águas residuais;
g) Serviço de gestão de resíduos sólidos urbanos;

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h) Serviço de transporte de passageiros.

As cautelas que esta lei introduz é o:


• Princípio de boa-fé (artigo 3º da lei 23/96): a pessoa que elabora o contrato tem de
agir de boa-fé.
• Dever de informação (artigo 4º da lei 23/96): semelhante ao regime já anteriormente
imposto pelo decreto-lei 446/85. Há a obrigação de informar de forma clara e con-
veniente e com todos os esclarecimentos necessários.
• Proibição da suspensão do fornecimento sem aviso prévio (artigo 5º da lei 23/96):
Refere-se que os serviços não podem ser suspensos sem pré-aviso adequado, com
uma antecedência mínima de 20 dias. Para além disto, é necessário explicar o porque
da interrupção e deve informar o utente dos meios que tem ao seu dispor para evitar
a suspensão do serviço e, bem assim, para a retoma do mesmo, sem prejuízo de poder
fazer valer os direitos que lhe assistam nos termos gerais.
• Exigência de elevado padrão de qualidade (artigo 7º da lei 23/96): deve ser fornecido
um alto padrão de qualidade.
• Proibição de cobrança de consumos mínimos (artigo 8º da lei 23/96): Isto é proibido
ainda que se trate de aluguer de equipamentos;
• Direito a faturação pormenorizada (artigo 9º da lei 23/96): Têm de ser atribuídas
faturas com pelo menos uma publicidade mensal.
• Prazo de prescrição especial (artigo 10º da lei 23/96): O prazo de prescrição aqui é
muito mais curto que o habitual, são 6 meses. Ao fim de 6 meses se não for cobrado
prescreve. O prazo de 6 meses conta-se a partir da prestação do serviço, relativa-
mente ao recebimento do preço. Isto para benefício do utente.
• Ónus da prova (artigo 11º da lei 23/96): Impõe ao prestador do serviço a prova do
cumprimento das suas obrigações (Ex.: a prova de ter dado um elevado grau de qua-
lidade).
• Acertos (artigo 12º da lei 23/96): Se for cobrado um valor que exceda o consumo, o
valor em excesso é abatido numa fatura futura.
• Carácter injuntivo dos direitos (artigo 13º da lei 23/96): Qualquer acordo que venha
limitar os direitos previstos nesta lei será nula. Esta lei tem um carácter imperativo.

O utente será a pessoa singular ou coletiva a quem o prestador do serviço se obriga a prestá-
lo.

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Prestador dos serviços é toda entidade pública ou privada que preste ao utente quaisquer
serviços referidos no artigo 1º/2 da lei 23/96 independentemente da sua natureza jurídica.

As ideias de liberdade contratual e autonomia privada surgem como corolário da


autodeterminação da pessoa. Do outro lado da moeda está a questão da responsabilidade,
ou seja, a liberdade acarreta responsabilidade, e esta responsabilidade acaba por limitar a
liberdade.

2.4. Responsabilidade Civil e os princípios a ela associados

A responsabilidade Civil distingue-se da responsabilidade moral, no entanto, não há dúvida


que há alguns aspetos em comum.
• Mota Pinto defende que no núcleo da responsabilidade Civil está presente um núcleo
de responsabilidade moral. No entanto, a responsabilidade moral prende-se mais
com o dever da pessoa consigo própria.

Quer na ideia da responsabilidade civil ou moral está relacionado com a liberdade do


indivíduo. Aqui corre a ideia de culpa, o primado da culpa é adotado pelo nosso sistema da
responsabilidade.

Culpa como fundamento propulsionador da responsabilidade trata as situações de forma


mais justa e socialmente mais comitente. Assim, adota-se no nosso sistema uma conceção
subjetiva baseada na culpa.

Acontece que quando atuamos de uma forma que não é censurável não respondemos pela
nossa atuação, se não nunca saberíamos se tínhamos de responder por danos ou não.

Conclui-se que só haverá responsabilidade se se verificar uma conduta culposa.

O artigo 483º do CC contém o princípio geral da responsabilidade civil: “Aquele que,


com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição
legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos
danos resultantes da violação”.

O intuito da responsabilidade Civil é tornar o lesado indemne. Consiste na necessidade que


a lei impõe a alguém, que causa prejuízo na esfera de outrem, de colocar o ofendido na
situação em que estaria se não tivesse sofrido dano (artigo 562º do CC).

38
No entanto, normalmente não é possível reestabelecer a situação que existiria se não tivesse
ocorrido o dano. E mesmo quando é possível restabelecer a situação, muitas vezes isso não
basta para reparar o dano.

Apesar do ideal ser uma ideia de reconstituição natural (artigo 566º do CC), normalmente
o que vai acontecer com a responsabilidade civil (não sendo possível a reconstituição ou não
sendo esta suficiente) é ser decretada uma indemnização em dinheiro, uma reintegração
por equivalente (artigo 564º do CC), que tenta repor o lesado na situação patrimonial em
que estaria caso não tivesse sofrido a lesão.

Desta forma, pode-se falar nos danos reais e nos danos patrimoniais:
• Dano real: perdas sofridas pelo lesado em virtude de um determinado facto danoso.
• Dano patrimonial: reflexo do dano natural no património do lesado. Prejuízos sus-
cetíveis de avaliação em dinheiro.

Exemplo: A embate no carro de B. B sofreu um dano real de bater no carro, mas B


também sofreu um dano patrimonial por ter de arranjar o carro, e este será o valor
que será indemnizado.

A indemnização em dinheiro atende só a danos patrimoniais. Obtém-se o valor do dano


patrimonial da seguinte forma: tendo em atenção qual é a situação patrimonial do lesado
depois do dano e qual era a situação do lesado se não tivesse sofrido a lesão (incluindo o
prejuízo e os benefícios que poderia ter obtido e não obteve, os danos evidentes e os lucros
cessantes), a diferença entre estes dois valores resultará no valor da indemnização.

Assim sendo, a lei compreende os danos emergentes, ou seja, prejuízos imediatos sofridos
pelo lesado, mas também as vantagens que deixaram de entrar no património do lesado em
consequência da lesão- lucro cessante (artigo 564º do CC).

Serão também cobertos os danos não patrimoniais que pela sua gravidade mereçam a tutela
do Direito (artigo 496º/1 do CC), não são só os danos patrimoniais são tidos em conta na
responsabilidade Civil.
• Danos não patrimoniais: Danos que são provocados, mas que não têm uma expres-
são patrimonial. Estamos a tratar, por isso, de danos morais.

Mas será possível contabilizar isto em dinheiro? Não.

39
Não obstante a não possibilidade de os traduzir em valor patrimonial os danos não
patrimoniais, a lógica é a de atribuir uma compensação em dinheiro ao lesado para
minimizar a dor.
Aqui, nos danos não patrimoniais, não falamos em indemnização, mas sim em
compensação, porque não se consegue tornar o lesado indemne.

Para que se desencadeie a responsabilidade Civil, têm de se verificar os seguintes


pressupostos:
• Tem de existir um facto que provoque um dano, tem de haver um nexo de causali-
dade entre o facto e o dano;
• O facto terá de ser ilícito, violando interesses, direitos subjetivos (normalmente).
Consiste na violação do direito de outrem destinada a proteger interesses alheios;
• Em regra, deve existir culpa.
Estes danos podem surgir no contexto da celebração de um contrato em que uma das partes
se obriga a uma prestação e não cumpre com a mesma. Mas também podem surgir danos
em virtude da violação da lei. As normas relativas ao cálculo da indemnização são comuns
a ambos os danos (artigos 562º do CC e seguintes).

No entanto há uma diferença relativamente aos pressupostos entre um dano e outro:

• Responsabilidade extracontratual/aquilina (arts. 483º-510º): surge em virtude da


violação de um dever geral de abstenção contraposto a um direito absoluto (direito
real, direito de personalidade).
-O ónus da prova recai sobre o lesado, ou seja, os pressupostos necessários para se
realizar a responsabilidade Civil têm de ser provados pelo lesado.

• Responsabilidade contratual/obrigacional (arts. 798º- 816º): é originada pela vi-


olação de um direito de crédito ou obrigação em sentido técnico- é a responsabili-
dade do devedor para com o credor pelo não cumprimento da obrigação.
-Verifica-se que para ser imposta a responsabilidade Civil têm de se verificar os
mesmos critérios que para a extracontratual. No entanto, no que toca ao pressuposto
da culpa podem verificar-se diferenças, no caso de se tratar de negligência ou inten-
ção de provocar os danos.
Aqui o ónus da prova inverte-se na parte da culpa, aquele que sofre danos em virtude
desse incumprimento tem de provar os pressupostos, mas não tem de provar a culpa,
porque a lei presume que quem incumpre um contrato foi culposo. Para o lesante se
40
ilidir da culpa tem de justificar o incumprimento, e por isso é que se verifica a inver-
são do ónus da prova neste ponto.

De forma simplificada:
Na responsabilidade extracontratual, os danos não são provocados em virtude da violação
do contrato, mas em termos de violação de uma norma. Para o lesado obter uma
indemnização e/ou uma compensação, vai ter de provar que a pessoa atuou de uma forma
ilícita. O lesado terá de provar os pressupostos referidos anteriormente.
No caso da responsabilidade contratual, a presunção de culpa ajuda muito o lesado.

Apesar do referido anteriormente, verificam-se exceções aos pressupostos para a


responsabilidade Civil:
• Há situações que há responsabilidade Civil sem culpa, a chamada responsabilidade
objetiva (483º/2 do CC), existindo a obrigação de indemnizar independentemente
de culpa nos casos tipificados na lei.
• Há situações em que alguém sofre danos e há a necessidade de indemnizar sendo
que a pessoa causadora do dano não tinha culpa. Há situações em que não parece
sequer que se justifique que não haja indemnização para o lesado independentemente
de culpa.

No Direito do Trabalho acontece muito isto, em particular com aquelas áreas de trabalho
perigosas. Por exemplo, quando no trabalho alguém perde um braço porque a atividade é
arriscada, a entidade patronal não teve culpa desse incidente diretamente, no entanto, faz
sentido de indemnize o lesado pelo dano.

Responsabilidade objetiva: Onde não será necessário o requisito da culpa para a


responsabilidade ser desencadeada. É exemplo a responsabilidade pelo risco- ocorre em
domínios em que alguém tira partido de atividade que podem potenciar as suas
possibilidades de lucro, acarretando um aumento de risco para os outros (assim é justo que
tenha a seu cargo as indemnizações dos danos originados pelas atividades lucrativas).

Exemplos: 1- A responsabilidade do comitente (500º do CC); danos causados por veículos


(503º do CC); danos causados por animais (502º do CC); danos causados por energia elétrica
e gás (509º do CC) e responsabilidade do Estado e outras pessoas coletivas públicas (501º
do CC). Há ainda outras situações em legislação avulsa.

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2- Uma sociedade comercial tem um funcionário que é motorista, e numa entrega atropela
uma pessoa. Quem responde perante o lesado? Vai ser a sociedade comercial, porque quem
vai responder é quem tira a vantagem da atividade. No entanto, se houver culpa numa
situação em que é um dano provocado por um veículo não se pode aplicar o artigo 503º.

Por outro lado, há situações excecionais em que temos responsabilidade sem haver
ilicitude.
Exemplo: 339ºdo CC - estado de necessidade; 1322º do CC - tem como epígrafe enxame
de abelhas, a atividade de apanhar abelhas é lícita, mas tem a obrigação de indemnizar pelos
danos que possam ser causados por essa atividade. Ainda é relevante referir como exemplos
os artigos 1348º/2 e 1367º do CC.

Tais situações são excecionais, pretende-se “compensar o sacrifício de um interesse menos


valorado na composição de um conflito teleológico, porque uma prevalência absoluta e total
do interesse oposto seria injusta” (M.P.). A atividade do agente é conforme o Direito, mas
não é justo que a pessoa sacrificada não receba uma reparação.

Responsabilidade Civil e Penal

Responsabilidade Civil o que se visa é a reparação de danos causados a direitos privados


e não é esse o objetivo da responsabilidade Penal, que tem em vista o interesse público, a
existência de uma convivência pacífica.
Na responsabilidade Civil pretende-se repor a situação existente antes dos danos, há uma
ideia de retribuição, mas uma ideia também de prevenção especial, no sentido do próprio
lesante não voltar a atuar daquela forma.

Acontece que muitas vezes o mesmo facto se gera ao mesmo tempo responsabilidade civil
e responsabilidade penal.

2.5. Princípio do Respeito pela Propriedade

A propriedade privada tem proteção constitucional (62º/1 da CRP), o Estado tem de


respeitar a propriedade privada. O Código Civil não define propriamente o direito da
propriedade, mas o artigo 1305º do CC define que o proprietário goza de direito pleno e
exclusivo quanto fruição e uso daquilo que lhe pertence.

Nota: Ver referências nos artigos 61º, 82º e 88º da CRP.

42
O proprietário tem todos os poderes sobre a coisa. O direito proprietário é elástico, ele tem
um âmbito muito alargado, mas pode ser comprimido.

Quando falamos em direitos reais temos o direito de propriedade e temos os direitos reais
limitados.

Direitos reais limitados: São direitos sob coisas de outrem, são direitos sob uma coisa que
é alheia e, por isso, limita a propriedade (Exemplo: direito de usufruto).

Por outro lado, o direito de propriedade é um direito perpétuo, não se extingue pelo não
uso. O proprietário tem tantos direitos sob a coisa que ele até pode decidir não usar a coisa.
Ainda é um direito subjetivo, por excelência, que se impõe à generalidade dos membros da
comunidade. É um direito absoluto, que se impõe erga-omnes, mas que tem deveres,
obrigações, ónus...

Os outros direitos reais limitados extinguem-se por não uso.


2.6. Proteção da família

A família é uma realidade social muito anterior ao Direito. Muitas normas do Direito da
Família são normas que surgiram dentro do seio desta sem regulação alheia, e foram
posteriormente adotadas pelo Direito.

Mas porque é que o Direito vem regular relações familiares? Está relacionado com a
certeza, segurança, igualdade de tratamento, e por isso justificando-se a intervenção do
direito.
Já tem acontecido muitas vezes que o Direito vem impor-se às relações familiares com uma
intenção pedagógica, reformista e transformadora da família.

Nota: a proteção da família está prevista constitucionalmente nos artigos 36º, 67º, 68º e 69º
da CRP, ganhando no Direito Civil uma regulamentação própria.

2.7. Proteção da sucessão mortis causa

Toda a proteção que é dada à propriedade privada faz sentido que também sejam protegidos
os bens se transmitam mortis causa. Transmissão esta que será à família, havendo também,
por isso, uma proteção da família em modos patrimoniais.

Com a morte as relações de natureza patrimonial mantêm-se e as relações de natureza


pessoal extinguem-se.

43
3. Teoria Geral da Relação Jurídica

Estudaremos os vários elementos da relação jurídica devido à importância que esta carrega
para a Parte geral do Código. Mota Pinto diz-nos, inclusive, que a relação jurídica é utili-
zada como meio técnico de arrumação/exposição de Direito, por ser considerada um con-
ceito adequado para exprimir a realidade social – conceito dotado de adequação e transpa-
rência na expressão da realidade social expressada pelo Direito. Mais uma vez aparece-nos
a conceção do Direito enquanto fenómeno social e humano.

O Direito tem como objetivo disciplinar as relações da vida social juridicamente relevan-
tes. Abrange as relações jurídicas em sentido restrito, que se podem traduzir em vínculos
específicos (exemplo: a situação que se estabelece entre um arrendatário e um senhorio),
ou situações jurídicas, o outro lado da relação jurídica, aparentemente solitária, em que se
encontram determinados sujeitos (ex.: situação entre um credor e um devedor).

Definição de Mota Pinto: ‘’Relação da vida social disciplinada pelo Direito mediante atri-
buição a uma pessoa de um direito subjetivo e a imposição a outra de um dever jurídico ou
sujeição’’

O nosso CC parte de uma noção de relação jurídica, mas poderíamos partir da noção de
situação jurídica. A verdade é que toda a relação é estaticamente uma situação e toda a
situação é dinamicamente uma relação.

Desta forma, a relação e a situação são duas faces da mesma moeda. A relação jurídica
tradicionalmente surge-nos numa perspetiva estrutural, que decompõe a sua estrutura nos
seus vários elementos. É importante apelarmos, em determinados contextos, a uma ideia
funcional da relação jurídica e, sobretudo, a relação entre uma perspetiva funcional e es-
trutural.

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Conceitos de relação jurídica:
ü Sentido Abstrato – Não pensamos em nenhuma relação jurídica que se tenha cons-
tituído ou determinado, mas sim uma relação jurídica ideal, ou seja, é um modelo de
relação jurídica. Trata-se de um modelo/paradigma/esquema contido na lei (exemplo:
relação jurídica de arrendamento, de casamento, etc.)

ü Sentido Concreto – Reporta-nos a uma realidade existente, a uma relação


individualizada entre pessoas determinadas, sobre um objeto determinado (exemplo:
A é pai de B, há uma relação jurídica entre A e B, em virtude do parentesco).

ü Instituto jurídico: “conjunto de normas legais que estabelecem a disciplina de uma


série de relações jurídicas em sentido abstrato, ligadas por uma afinidade, normal-
mente a de integradas no mesmo mecanismo jurídico ou ao serviço da mesma fun-
ção”- M.P. A relação jurídica é o objeto sobre o qual o instituto versa. (Ex. institutos
do arrendamento, da compra e venda, etc.).

Perspetiva estrutural da relação jurídica e perspetiva funcional da relação

Perspetiva funcional
A perspetiva funcional está na origem da perspetiva estrutural. Na vida em sociedade
surgem conflitos. A função do Direito Civil é harmonizar as relações sociais e concertar
interesses antagónicos.

É lógico que os interesses de uns prevaleçam sobre os do outro, de acordo com uma pon-
deração de interesses. Quando vemos o Direito Civil sob uma perspetiva funcional, perce-
bemos que o interesse tem de traduzir um poder que se impõe. Este poder traduz-se na atri-
buição de um direito subjetivo. Existe, então um sujeito ativo (o que goza do direito subje-
tivo) e um sujeito passivo (que tem um dever jurídico, ou uma sujeição).
Desta forma, nesta perspetiva reconhece-se a qualquer indivíduo a possibilidade de gerir
autonomamente a sua esfera jurídica de interesses.

Em suma, a perspetiva funcional tem inerente a ideia de autoconservação e de prevalência


de um interesse sobre os outros interesses.

Iremos centrar-nos na análise da relação jurídica e dos seus elementos (perspetiva estru-
tural), mas temos sempre subjacente uma perspetiva funcional da relação jurídica que pode
ser chamada a intervir.
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Ideia básica da relação jurídica funda-se numa composição paritária de interesses, tendo
como base de autodeterminação do individuo- poder jurisgénico.

Nas relações sociais, havendo conflitos de interesses, vai haver uma composição paritária
de interesses e a uma pessoa vai ser reconhecida a prevalência do interesse sobre o inte-
resse dos demais.

O poder jurisgénico é um poder que o Direito reconhece - ele não é atribuído pelo Direito,
é sim um poder que existe sob sanção do ordenamento jurídico em vigor. Não está à som-
bra do Direito, mas um poder que incorpora o próprio controlo do Direito, e se adequa a
este submetendo-se aos limites da Lei.

Perspetiva Estrutural

Pressupõe que o Direito intervém sobre a relação jurídica e a transforma, no sentido se


acautelar os interesses que se revelam na perspetiva funcional. Na perspetiva estrutural o
Direito acautela os interesses prevalecentes através do reconhecimento de um direito sub-
jetivo, a um determinado sujeito, e a imposição aos outros sujeitos de um determinado
dever jurídico ou obrigação.

Entre dois sujeitos estabelece-se uma relação jurídica, existindo um sujeito ativo e um
passivo. A relação incidirá sobre um determinado objeto (será uma coisaou até uma pessoa).

Tem-se um facto jurídico, o elemento causal da relação, aqueleque a desencadeia (exem-


plo: um contrato).

Tem-se ainda a garantia- esta assegura que a relação jurídica é de facto jurídica e não me-
ramente social, ou seja, são os meios postos à disposição do Estado para que o detentor
do direito o efetive.

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No núcleo da relação está o vínculo que se estabelece entre os sujeitos: o direito de um e a
sujeição de outro.

Abuso de direito

O abuso de direito acontece quando há uma desconformidade entre a imagem que é estru-
turalmente correta do direito subjetivo e a finalidade que está na sua base.

Estamos perante uma extrema ratio de sindicação de ilicitude. A doutrina refere-se ao


abuso do direito como ‘’válvula de escape’’. Está em causa saber se o direito é exercido de
acordo com o modelo existente, ou seja, se está a obedecer aos limites de autodeterminação
que é reconhecido ao sujeito.

O abuso de direito coloca em causa, pelo menos para uma parte da doutrina tradicional,o
exercício do direito de acordo com uma regra implícita ou explicita de correção, legalidade
e moralidade, havendo, desta forma, uma lei acima da lei. Esta conceção subjetiva do
abuso de direito parece aplicável na medida em que conduza a uma relativização do di-
reito subjetivo. É criticável já que o direito subjetivo perderia o seu carácter de poder
arbitrário e passaria a estar aplicável na medida de coagir a liberdade.

Um exercício do direito no plano objetivo para além do direito, é ainda como um juízo de
lógico e não propriamente axiológico. sem que haja um controlo extra-norma e pareceque
é esse o resultado final, como uma desconformidade com o exercício do direito subjetivo
para além dos interesses que justificaram no primeiro momento o reconhecimento do di-
reito.
Para se perceber um abuso de direito temos de fazer apelo aquele plano funcional de

relação jurídica.

Teremos uma situação de exercício de abuso de direito quando aquele sujeito a quem foi
reconhecido o direito subjetivo está a exercer o direito para além dos interesses que
justificaram o reconhecimento deste no primeiro momento.

Deve-se remarcar que o direito subjetivo não está limitado aos interesses que levaram ao
seu reconhecimento, porém, em situações limite esta sindicação de interesses será abusiva
quando o exercíciodo direito vai causar um prejuízo ou tem potencial para tal a outra pessoa.
Isto só surge emsituações quase excecionais.

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• Exemplo: Num contrato de arrendamento A é senhorio e B é arrendatário. Há uma
norma que diz que o arrendatário ao fim de x tempo tem direito de preferência caso o se-
nhorio pretenda vender o imóvel- é um direito de preferência que não pode ser afastado
(isto quando as condições que estão a ser dadas entre os que pretendam comprar o
imóvel são iguais). O interesse do arrendatário deve prevalecer devido à segurança pela
estabilidade de já estar a ocupar aquele lugar anteriormente. Atribui-se o direito subje-
tivo de preferência. Imaginando agora que o arrendatário é alguém que A não gosta e
não lhe quer vender o imóvel por esse motivo. Neste caso, se invocasse o abuso de
direito em favor de A (simplesmente porque A não queria vender o imóvel a B), teria
como consequência a não possibilidade do exercício do direito subjetivo de preferência
de B, levando mesmo à responsabilidade civil.

A partir deste exemplo consegue-se perceber que a consequência da existência de um


abuso de direito é radical e, por isso, terá de ser invocado em situações limite, e não em
casos como o referido no exemplo.

• No entanto surgem a seguintes questões: Quando estamos a desvirtuar um direito atra-


vés deste instituto estaremos a passar por cima da lei? Qual é o limite para a utilização
do abuso de direito?

Não poderá haver uma total indefinição da forma utilização deste instituto, uma vez que
depois ficamos no critério de moralidade de quem o aplica. Seria colocado em causa o
princípio da separação de poderes. Isto porque não poderá o tribunal, face à existência
de um direito na lei, de acordo com a sua moralidade dizer que se desaplica, sem mais,
direito previsto. Acontece que os limites da função do tribunal têm de ser ainda dentro dos
limites da lei, sob pena de estar o próprio tribunal a alterar a lei. Tem de haver uma opção
de indicar a ilicitude ainda dentro da lei.

Desta forma, deve ir-se à génese do direito e ver se ainda estamos no plano da consagração
dos direitos ou fora deles.
O abuso do direito está consagrado na lei no artigo 334º

No entanto o texto deste artigo é bastante criticável e não ajuda quando se quer aplicar
uma conceção de abuso de direito objetiva. Denota-se que há uma desconformidade entre
a epigrafe e o texto: “Abuso do direto – É ilegítimo o exercício de um direito, quandoo titular
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exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes oupelo fim
social ou económico desse direito”.

49
Parece que o que está descrito no artigo 334º do CC é o abuso de direito. No entanto,
não será essa a interpretação correta: Isto porque sabemos que o exercício de um direito
contrário à boa-fé é ilícito. Quando se fala aqui de ilegitimidade no artigo perante o
direito contrário à boa-fé conjuntamente com outros elementos, há uma contrariedade,
uma vez que só por si o direito contrário à boa-fé já é ilícito não sendo necessária a soma
dos outros dois elementos (direito contrário aos bons costumes e ao fim social ou eco-
nómico desse direito) para haver ilicitude.

Desta forma, no artigo 334º do CC temos as várias situações em que o exercício de um


direito é ilícito, não é preciso somar os três elementos para haver a ilicitude, porque cada
um já o tem. O artigo parece dizer menos do que aquilo que aparenta.

A melhor interpretação é que se refere ao abuso de direito apenas quando se refere ao


exercício do direito contrário aos fins económicos ou sociais. As outras hipóteses elen-
cadas (exercício que exceda os limites impostos pela boa-fé e pelos bons costumes) já
encerram em si uma ilicitude.

• Situação prática 1: O artigo 875º do CC define que a compra e venda de imóveis


deve ser celebrada através de um contrato valido mediante escritura pública ou
documento particular autenticado. Se a forma não for respeitada a nulidade po-
derá ser invocada por qualquer interessado (artigos 286º e 220º do CC). Supondo
que A e B negoceiam a compra e venda de um imóvel e que A convence B que
não vale a pena gastar dinheiro com o notário e, por isso, celebram um contrato
em papel. A consequência disto é que o contrato é nulo e não produz qualquer
tipo de efeitos. Os interesses subjacentes ao artigo 875º do CC são o interesse
público associado à ideia de publicidade, segurança e transparência. Também
tem subjacentes interesses privados que constam na maior reflexão (há maior
ponderação) e maior facilidade de prova.

Supondo que A passado algum tempo tem uma proposta de compra pelo dobro
do valor. Como A tem maior interesse neste novo negócio do que naquele que
fez com a forma viciada invoca a nulidade do negócio celebrado com B, sendo
que este já estava instalado no terreno. No entanto, B vem dizer que a invocação
da nulidade é abusiva.
-Analisando a situação acima verifica-se que a invocação de abuso de direito nestes ter-
mosparece descabida, a invocação do abuso de direito não pode travar a invocação de

50
uma nulidade, não parece poder transformar um negócio inválido num válido.

• Situação prática 2: Pense-se na hipótese das cláusulas contratuais gerais.


Sabe- se que as que não tenham sido comunicadas não são incluídas nos con-
tratos, consideremos que isto seria uma nulidade. Temos um contrato de adesão
e o aderente vem arguir a nulidade de um conjunto de clausulas invocando que
estas não lhe foram comunicadas. Imagine-se também que já tinham passado
10 anos desde que tinham contratado e o aderente só invocou a nulidade agora.
Face a isto, a outra parte diz que a invocação da nulidade é abuso de direito face
ao facto de já se terem passado tantos anos e nunca antes ter sido invocada a
falta de comunicação da cláusula.

Efetivamente, analisando a situação prática 2, há situações em que arguir a nu-


lidade da cláusula passado tanto tempo é abuso de direito, porque apesar de não
haver prazo para invocar a nulidade, quando passa demasiado tempo tal é ine-
vitavelmente e absolutamente abusivo. No entanto, pode o tribunal também
aceitar a invocação da nulidade porque só surgiu a situação em que se aplicaria
aquela cláusula ao aderente depois de todos aqueles anos e a pessoa nunca se
apercebeu, havendo, nessa situação em específico, legitimidade para invocar a
nulidade.

Pensamento completamente errado: O aderente conheceu as clausulas, mas


o aderente invocou a nulidade das clausulas e, por isso, essa invocação da nuli-
dade seria um abuso de direito. Ora, não ser titular do direito e abusar de um
direito são coisas completamente diferentes, não se podendo falar em abuso de
direito nesta situação.

Neste caso o aderente não tinha o direito subjetivo de invocar a nulidade e por
essa razão não usou abusivamente um direito subjetivo que tinha, apenas tentou
usar um direito subjetivo de que não era titular. Tem de existir, efetivamente,
um direito subjetivo para que possa ser invocada a nulidade.

3.1. Estrutura da relação jurídica

Direito subjetivo em sentido amplo

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Þ O direito subjetivo em sentido amplo corresponde ao “poder jurídico (reconhecido
pela ordem jurídica a uma pessoa) de livremente exigir ou pretender de outrem um
comportamento positivo (ação) ou negativo (omissão) ou de por um ato livre de von-
tade, só de per si ou integrado por um ato de uma autoridade pública, produzir deter-
minados efeitos jurídicos que inevitavelmente se impõem a outra pessoa (contraparte
ou adversário)” (M.P).

Só estamos perante um direito subjetivo quando o exercício do poder jurídico respetivo


está dependente da vontade do seu titular. Por este motivo, é uma manifestação e um meio
de atuação da autonomia privada (não por criar um ordenamento a que o sujeito fica sub-
metido, como acontece com o negócio jurídico, mas porque é fruto da liberdade de atua-
ção, da soberania do querer). Segundo O.C. é o “instrumento preferido da autodetermi-
nação da pessoa e operador por excelência da disciplina civilística”.
A ideia que melhor caracteriza o direito subjetivo é a de intervir autonomamente na es-
fera jurídica de outrem- “uma interferência, repetimos, no equilíbrio jurídico posto de
outra ou outras pessoas do ponto de vista do Direito” (O.C.).

Nota: 1) Por estes motivos não são verdadeiros direitos subjetivos os chamados poderes-
deveres ou poderes funcionais (v.g. poderes integrados o poder paternal), exatamente
por existir uma vinculação ao exercício dos poderes respetivos, por não permitirem uma
completa liberdade de atuação. Devem ser exercidos do modo exigido pela função do
direito.
2) Não são também direitos subjetivos os poderes jurídicos “stricto sensu” ou facul-
dades (v.g. faculdade de testar, de contratar), uma vez que nestes casos não existem rela-
ções jurídicas (não há contraparte vinculada a um dever jurídico em face do direito de
testar, por exemplo) - são meras manifestações da capacidade jurídica do sujeito de direi-
tos.

O direito subjetivo em sentido amplo subdivide-se em duas modalidades fundamen-


tais:
a) Direito subjetivo propriamente dito (stricto sensu)
b) Diretos potestativos

Direito subjetivo em sentido estrito

52
Þ Direito subjetivo em sentido estrito: “é o poder de exigir ou pretender de outrem
um determinado comportamento positivo (ação) ou negativo (abstenção ou omissão).
Contrapõe-se-lhe o dever jurídico da contraparte- um dever de facere ou de non fa-
cere. O dever jurídico é, pois, a necessidade de (ou a vinculação a) realizar o compor-
tamento a que tem direito o titular da relação jurídica.” (M.P.).
Estes, por sua vez, podem ser subdivididos em:
1. Direitos relativos: Têm uma eficácia circunscrita a um dado número de pes-
soas, só em face delas podem ser invocados, ou seja, só elas é que estão obriga-
das a respeitar esse direito- têm uma eficácia inter partes (entre partes). Vg.
Direitos de crédito e direitos reais.

2. Direitos absolutos: são direitos aos quais se contrapõe uma obrigação passiva
universal ou dever de abstenção que impende sobre todas as pessoas. Têm efi-
cácia erga omnes. Relacionam-se, sobretudo, com os diretos de personalidade.
Ao definir direito subjetivo usa-se uma formulação dicotómica- poder de exi-
gir ou de pretender.
Fala-se em poder de exigir porque, na quase totalidade das hipóteses, o titular
do direito subjetivo pode, caso a contraparte não cumpra com o dever jurídico
a que está adstrita, obter dos tribunais e autoridades subordinadas as providên-
cias coercivas necessárias para satisfazer o seu interesse. O titular pode solicitar
ao tribunal que aplique determinadas medidas que lhe proporcionem a mesma
(v.g. a apreensão e entrega da coisa a que tinha direito, cf. Art. 827º e segs CC)
ou uma vantagem equivalente (v.g. a a preensão e venda de bens para paga-
mento da obrigação, cf. Art. 817º e segs. CC) ou outras sanções que impliquem
um sacrifício ao adversário (v.g. a condenação numa indemnização dos danos
causados, cf. Arts. 483º e 562º CC).

Estaremos perante a faculdade ou poder de pretender quando o portador do


direito não tem meios para reagir contra a outra parte se ela decidir não adotar
o comportamento devido. Entende-se, no entanto, que ainda se está perante um
direito subjetivo até porque se o adversário cumprir voluntariamente, a lei trata
a situação como se o comportamento tivesse podido ser exigido.
Isto é o que sucede com as obrigações naturais (402º CC) - o credor não pode
exigir judicialmente o seu cumprimento, mas, se o devedor pagar, não pode

53
reaver o que pagou. Artigo 403º/1 do CC- Princípio da não repetição do inde-
vido: “Não pode ser repetido o que for prestado espontaneamente em cumpri-
mento de obrigação natural, exceto se o devedor não tiver a capacidade para
efetuar a prestação”, sendo esta a única garantia que temos nestes casos em que
o portador do direito apenas pode pretender um comportamento da contra-
parte.

Exemplo 1: Imaginando a situação em que A deve a B uma quantia de


dinheiro que foi emprestada há muitos anos e agora quem emprestou vai
cobrar. Passou o prazo da prescrição e por isso agora há uma obrigação
prescrita, ou seja, quando existem direitos que se extinguem com a pas-
sagem do tempo (artigo 300º e segs. do CC). O sujeito que teria a obriga-
ção, face à prescrição, tem a faculdade de recusar-se ao cumprimento da
prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito pres-
crito (artigo 304º/1 do CC).

A exigência de pagamento que o credor faz ainda é o exercício de um direito,


porque apesar de não poder ser exigida coercitivamente, é certo que se o devedor
pagar voluntariamente (ou seja, ele não invoca a prescrição e paga o que deve), o
credor não tem de devolver.
Em casos de prescrição da obrigação, esta tem de ser invocada pelo interessado,
caso contrário, não vai ser conhecida oficiosamente.

Exemplo 2: Imaginado agora que o direito já está prescrito e o devedor


cumpre a obrigação. Após isto, o devedor aborda ao seu credor afirmando
que apesar de ter pago, agora que sabe que prescreveu o direito, quer o
dinheiro de volta. No entanto, não terá de ser devolvido o dinheiro, há a
não repetição do indevido e foi cumprida uma obrigação natural (artigo
304º/2 do CC). O princípio da não repetição do indevido dá-nos ainda uma
garantia jurídica, ainda que mais ténue do que as obrigações civis.

Direito Potestativo

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Þ Direito potestativo: São poderes capazes de produzir efeitos jurídicos na esfera de
outrem mediante simples declaração de vontade ou ato de autoridade. MP- “são po-
deres jurídicos de, por um ato livre de vontade, só de per si ou integrado por uma
decisão judicial, produzir efeitos jurídicos que inelutavelmente se impõem à contra-
parte.” No âmbito dos direitos potestativos temos o sujeito ativo (o titular do direito)
e o sujeito passivo (contraparte, a quem o direito é imposto).

Aos direitos potestativos corresponde-lhes a sujeição, que, de acordo com M.P., é ‘’a
situação de necessidade em que se encontra o adversário de ver produzir-se forçosa-
mente uma consequência na sua esfera jurídica por mero efeito do exercício do direito
pelo seu titular’’. Por vezes, quando o direito potestativo resulta da lei (e não de via
contratual), afeta-se a esfera de outrem sem que exista sequer o seu consentimento
prévio.
Os direitos potestativos, consoante o efeito jurídico a que tendem, podem ser consti-
tutivos, modificativos ou extintivos de relações jurídicas.
1. Direitos potestativos constitutivos: produzem a constituição de uma relação
jurídica por um ato unilateral do seu titular. Podem ser exercidos através de
um ato unilateral do titular do direito.
V.g. arts. 1550º, 1370º, 1380º, 1409º, 1535º do CC.
Exemplo: Quem tem um prédio encravado tem o direito de pedir ju-
dicialmente que o tribunal determine a constituição de uma servidão
legal de passagem sobre o terreno contíguo, sempre causando o menor
transtorno possível, podendo pagar indemnização se causar algum pre-
juízo. Isto é um direito real de atravessar o prédio do vizinho. Aqui
está em causa o direito a constituir a servidão, estando aqui presente
um direito potestativo. Artigo 1550º do CC.
Nota: o direito de servidão é um direito potestativo, mas o direito de
passar é um direito subjetivo em sentido estrito.

2. Direitos potestativos modificativos: tendem a produzir uma simples modifi-


cação numa relação jurídica existente e que continuará a existir, embora mo-
dificada. V.g. mudança da servidão para outro sítio (art. 1568º), separação
judicial de pessoas e bens (art. 1794º), etc.;

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3. Direitos potestativos extintivos: produzem a extinção da relação jurídica
existente. Podem produzir efeitos pela mera declaração de vontade, enquanto
nas outras modalidades normalmente é necessário o recurso a tribunal.
Vg. Art. 1083º do CC - resolução do contrato de arrendamento, artigo 1101º
do CC - fundamento de denúncia do contrato de arrendamento, artigo
1569º/2 e 3 do CC - extinguir a servidão se já não for necessária, direito ao
divórcio. Os direitos potestativos extintivos são os mais comuns.

Faculdades jurídicas vs direitos potestativos

Não podemos confundir direitos potestativos com faculdades de produzir efeitos jurídi-
cos (simples manifestações de capacidade jurídica).
Þ Direitos potestativos: Poderes, faculdades especiais, que competem apenas a de-
terminadas pessoas que estão numa situação particular. Há uma relação pré-exis-
tente.
Þ Faculdades jurídicas: “faculdades ou poderes em que se desdobra o poder de au-
todeterminação e através dos quais a pessoa se transforma em sujeito de efetivas
RJCs: com o poder de contratar, de casar, de perfilhar, de adotar, de testar, de se
obrigar, de afiançar, de acionar, de representar, etc.” (O.C.).
Podem-se distinguir entre faculdades jurídicas primárias e secundárias.

a) Primárias: anteriores à constituição RJ e potenciam a existência de uma.


São um prolongamento do poder de autodeterminação jurisgénico e, como
tal, “precedem a constituição das RJCs, precedem as concretas situações de
poder que entram no núcleo das relações de direito. São, pois, um prius dos
direitos subjetivos, mas não são direitos subjetivos autênticos.” (v.g. poder
de casar, poder de doar, poder de ser proprietário). Podem até, num sentido
amplo, ser consideradas como uma emanação dos direitos de personali-
dade.
Por exemplo, quando se diz que alguém tem direito de comprar um auto-
móvel, isto é uma faculdade, não um direito. Se eu exercesse essa facul-
dade, efetivamente poderia, consequentemente, após o exercício dessa fa-
culdade resultar em direitos subjetivos. Independentemente da situação da
pessoa ela tem estes poderes.

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b) Secundárias: são posteriores ao surgimento do direito subjetivo e podem
ser entendidas como irradiações deste. “Por muito simples que uma RJC
venha a ser e por pouco denso que seja o direito subjetivo, a situação de
prevalência, que este é, engloba, em regra, um conjunto de poderes ou fa-
culdades em que juridicamente se desdobra o seu conteúdo ou licere (o que
é lícito ao titular desse direito, através e por força de tal mecanismo de au-
tonomia)” – O.C.
Por exemplo, A é titular de direitos de créditos sobre B e, por isso, tem o
poder de interpelar B para cumprir, ou mesmo recorrer a um tribunal para
pedir o meu crédito. Estes poderes só existem porque eu tenho um direito
subjetivo. A estes poderes que decorrem do direito, chamamos faculdades
jurídicas secundárias.

O problema dos poderes-deveres ou poderes-funcionais

A questão que se deve colocar é a de saber se os poderes-deveres ou funcionais devem


ou não ser considerados como direitos subjetivos. Parte da doutrina considera que não
(como o Prof. Mota Pinto), enquanto outra parte defende a tese oposta (como o Prof.
Orlando de Carvalho).

O.C. chama a atenção para o facto de a lei confiar em que cada titular de um poder-dever
(v.g. poder paternal, tutela) administrará os interesses de outrem como se fossem os seus
próprios- confia na “natural inserção dos interesses de outrem na própria esfera de inte-
resses do sujeito”. É por isto que a lei reconhece o titular do direito como um verdadeiro
representante da vontade de outrem: “erguendo a voluntas do titular dos poderes a volun-
tas do beneficiário dos poderes, procedendo a uma verdadeira substituição nessa sede”.

O titular destes poderes é então chamado a agir vi sua et sponte sua (pelo seu poder e
pela sua vontade), embora esteja limitado pela sua finalidade. Assim justifica-se que o
titular do poder funcional usufrui de liberdade no seu exercício, de livre disposição. Por
isso, conclui que estamos perante a mesma realidade, ou seja, não há razão para fazer sair
do quadro estes poderes funcionais.

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Se, por um lado são poderes, por outro são deveres porque são estabelecidos no interesse
de outrem. No caso dos poderes deveres há um sujeito que vem intermediar o poder e o
interesse.
Por exemplo, as responsabilidades parentais encerram um conjunto de direitos que os
pais têm em relação aos filhos. O titular do direito é uma pessoa diferente daquela no qual
o interesse é estabelecido. Os pais exercem os seus poderes em relação aos filhos em
nome do interesse destes. O exercício do direito está funcionalizado ao interesse de ou-
trem (que se tornam interesses próprios; o interesse dos filhos torna-se o interesse dos
pais, por exemplo).

Há quem discorde desta tese advogando que os poderes-deveres não são uma manifesta-
ção da soberania do querer, de liberdade de atuação. “Por falta dessa liberdade de atuação,
por existir uma vinculação ao exercício dos poderes respetivos, não são autênticos direitos
subjetivos os chamados poderes-deveres ou poderes funcionais” (M.P.).

Espectativa jurídica
Situações jurídicas que que, sem serem ainda concretas situações de prevalência, são uma
espécie de antecâmara disso- são como que direitos subjetivos em embrião e protegidos
juridicamente como tal.

É o que sucede quando não existe ainda um ius perfectum por falta de qualquer um dos
elementos de que depende o seu surgimento. Mas não há uma simples esperança longín-
qua e fortuita de vir a ser titular de direito subjetivo, mas sim uma situação intermédia,
mais ou menos consistente, produtora de certos efeitos jurídicos prévios e de algum modo
protegida pelo ordenamento jurídico (v.g. na venda de pais para filhos, art. 877º; e na
proteção dos interesses dos herdeiros contra negócios simuladamente feitos e que os pre-
judiquem, art. 242º/2).

Exemplo: Suponha-se que A quer doar um bem a um filho B, mas para que não seja uma
doação para que seja tida em conta para efeitos sucessórios, simula doar a C que doa a B.
O artigo 242º CC refere a legitimidade para arguir a nulidade de um negócio simulado.
X pode arguir a nulidade deste negócio? Ora, têm legitimidade para arguir a nulidade os
lesados, tal como qualquer interessado, de acordo com o artigo 286º do CC. Interessado,
neste caso, significa qualquer pessoa, que seja sujeito de uma relação jurídica que seja
afetado pela nulidade.

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Olhando para este critério da legitimidade apenas e, sendo que X não é considerado in-
teressado visto que tem uma mera expectativa de ser herdeiro de A, este não tem legiti-
midade para arguir a nulidade.
No entanto, o art.º 242º/2 vem alargar a esfera da legitimidade e, tendo este artigo em
conta, X passa a ter legitimidade para arguir a nulidade, tutelando aquilo que seria apenas
uma simples expectativa, que normalmente não tem direito a tutela diferentemente das
expectativas jurídicas.

Suponha-se agora que A doa a B um bem, com condição suspensiva. A condição traduz-
se num acontecimento futuro e incerto. Imaginando, por exemplo, que B é aluno de
TGDC e a doação verifica-se no caso de obter 16 valores na cadeira. Na pendência da
condição, a posição jurídica de B qual é? O efeito do contrato está suspenso. No entanto,
B não está numa igual posição à que estaria se não houvesse contrato. B tem uma expec-
tativa de aquisição de propriedade por doação, caso tire 16 valores na cadeira. A lei prevê
uma série de possibilidades nestas situações, por exemplo, a lei permite a B atos de con-
servação da coisa (artigo 273º do CC).
Imagine-se, por exemplo, que há uma doação feita a um nascituro (artigo 1798º do CC).
Antes da conceção, tem-se um concepturo. Tem-se, neste caso, a falta de um sujeito (de
acordo com o artigo 66º do CC, o nascituro ainda não tem personalidade jurídica).

Poder-se-ia apelar a uma formação progressiva do direito, mas não é exatamente isso que
ocorre – porque há um momento em que não se é titular de direito e num outro momento
já se é (não há meios direitos), não se vai formando aos poucos (tanto que para a produção
de alguns efeitos é necessário saber o momento concreto de reconhecimento/aquisição de
direito).

Há quem entenda que a existência do direito subjetivo pressupõe um sujeito que exerça
o direito. Neste caso: tem-se um direito de propriedade, mas ainda falta o sujeito? Ou não
se tem direito de propriedade ainda porque falta o sujeito? O que é facto é que a lei permite
esta situação. Neste caso, não se trata de expectativas, dado que seria necessário um
sujeito para as ter. Nesta situação, há uma incerteza quanto à titularidade do direito que
só surgirá num momento posterior.

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Classificações dos direitos subjetivos

1. Direitos subjetivos natos vs. direitos inatos


ü Os direitos inatos têm uma ligação intrínseca às pessoas, porque nascem com as
pessoas, sendo estes a maior parte dos direitos de personalidade.
ü Os direitos natos são direitos adquiridos, como é o exemplo dos direitos de autor.
Estando o sujeito numa determinada situação tem inerente um conjunto de direi-
tos (v.g. são inerentes à condição de pai as responsabilidades parentais).
Nota: há alguns direitos de personalidade que são adquiridos, como, por exemplo, direi-
tos de autor e direito ao nome.

2. Direitos essenciais vs. Não essenciais


A distinção é baseada na relação intrínseca ou extrínseca dos direitos com certos estados
em que a pessoa e que inerem a ela: o próprio estado da pessoa, o estado de família, o
estado de casado, o estado de cidadão.

Os direitos de que a pessoas não pode privar-se sem ser privada de certas condições
concretas são direitos essenciais, os restantes serão não essenciais. V.g. caso dos direitos
de personalidade, mesmo os não inatos; caso dos direitos pessoais dos cônjuges (arts.
1672º e segs.).

3. Direitos pessoais vs. Diretos patrimoniais


Classificação que atende à natureza dos bens em jogo e à sua suscetibilidade de serem
ou não redutíveis a um equivalente pecuniário, dando lugar a sua violação a, se não for
possível a restituição em natureza, a uma restituição por equivalente (caso dos direitos
patrimoniais) ou, sendo impossível a execução específica, a uma compensação (caso dos
direitos pessoais).

4. Direitos disponíveis vs. Direitos indisponíveis


Classificação que atende à possibilidade, ou não, de o sujeito se desligar do direito, trans-
ferindo-o para outrem. Se esta possibilidade existir o direito diz-se disponível, caso con-
trário é indisponível. Não obstante, há graus de indisponibilidade (ou disponibilidade).

Þ Exemplo 1: direitos de personalidade: o direito à vida é indisponível (algo que é


posto em causa com a Eutanásia); mas no direito à integridade física podemos

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dispor desse direito, com regras e limites. Podemos, por exemplo, consentir na
doação de um órgão/intervenção cirúrgica em benefício próprio.

Þ Exemplo 2: A consente que B lhe corte um braço, o consentimento não é válido


porque é contrário à ordem pública e aos bons costumes. O ato de disposição de
A seria ilícito.

Assim, a integridade física, apesar de ser disponível, não é disponível sem limites. Em
regra, os direitos com natureza pessoal não serão disponíveis e os direitos com natureza
patrimonial serão.

Tipos de direitos subjetivos: critério estrutural e institucional

Os direitos subjetivos podem ser organizados de acordo com o critério estrutural e com
o critério institucional.

• Seguindo a perspetiva estrutural existe uma grande distinção: direitos subjetivos


em sentido estrito e direitos potestativos. Contudo, dentro dos direitos subjetivos em
sentido estrito existem mais distinções estruturais:
1. Os direitos de personalidade, direitos da pessoa sobre si própria, corresponde
a estes direitos, pelo lado dos sujeitos passivos, um dever de respeito, que
não se traduz num mero dever de abstenção, mas envolve também prestações
positivas (dever geral de auxílio).
2. Direitos de crédito: têm por objeto comportamentos de pessoa ou pessoas
certas e determinadas (direitos relativos), ou seja, prestações de dar, de fazer
ou de não fazer. Corresponde-lhes uma obrigação.
3. Direitos reais: versam sobre coisas, constituindo poderes diretos e imediatos
que se impõem à generalidade dos membros da coletividade jurídica, obri-
gando-os a abster-se de tudo o que perturbe esse senhorio. Dentro destes di-
reitos existem os direitos de gozo, aquisição e garantia.

• Do ponto de vista do critério institucional, ou seja, do ponto de vista da esfera de


interesses que polariza os diferentes direitos, fazendo-os agir como privilegiados
mecanismos de tutela à sua volta. Os tipos de direitos são os seguintes:

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1. Direitos da pessoa: direitos de personalidade, mas não só, também temos os
direitos potestativos (art. 81º/2), os direitos de crédito (art. 70º/2), e os direi-
tos reais;
2. Direitos das obrigações: todos os que têm como polo a esfera de circulação
dos bens, abrangem os direitos de crédito, mas também direitos reais de ga-
rantia (garantia das obrigações, como o penhor e hipoteca), bem como os
direitos potestativos (direito de resolução por incumprimento, por exemplo).
3. Direito das coisas: todos os que se prendem com a ordenação do domínio
sobre as coisas, abrangem direitos reais (pelo menos os de gozo e aquisição),
direitos potestativos e direitos de crédito.
4. Direitos da família: têm como núcleo a instituição familiar e abrangem di-
reitos sob a pessoa de outrem (no caso das relações parentais); direitos po-
testativos (direito ao divórcio, direito à separação judicial de pessoas e bens);
direitos de crédito entre os cônjuges; direitos reais (regimes de bens no ca-
samento);
5. Direitos sucessórios: giram em torno da sucessão mortis causa e abrangem
direitos potestativos (como o de aceitar a herança) e direitos de crédito (como
de encargos da dívida).
Em suma:
Olhando para o lado passivo, se o comportamento não for adotado de forma espontânea,
o titular pode recorrer a meios coercivos, nomeadamente o recurso aos tribunais, podendo
ter consequências na esfera do sujeito passivo e no seu património.
No caso da sujeição, o sujeito passivo não tem de adotar nenhum comportamento, porque
a alteração na relação jurídica vai ocorrer independentemente da vontade do sujeito pas-
sivo, limitando-se este a observar. Os efeitos impõem-se independentemente de qualquer
atitude do sujeito passivo.

Nota: Figura do ónus jurídico: necessidade de adotar um comportamento para obter uma
vantagem, sendo que a não adoção do comportamento não é visto como antijurídico (ou
seja, não é imposta nenhuma sanção), mas acarreta uma desvantagem.

Classificação das relações jurídicas

As classificações de relações jurídicas são as seguintes:

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Þ Singulares (uma pessoa como sujeito passivo e uma como sujeito passivo) ou
plurais (mais do que um sujeito do lado passivo e ativo);
Þ Bilaterais (duas frentes de interesse) ou plurilaterais (mais de dois polos de in-
teresse, ex.: sociedades comerciais, há tantos feixes de interesse como o nº de
sócios);
Þ Instantâneas (esgotam-se num único instante, embora os efeitos possam perdu-
rar) ou duradouras (perduram no tempo);
Þ autónomas ou não autónomas (dependem ou não de outras relações);
Þ Simples ou complexas (por exemplo, relações nas quais os sujeitos sejam simul-
taneamente sujeitos ativos e passivos).
A propósito das relações jurídicas complexas, sabe-se que muitas vezes as relações
jurídicas, devido à sua complexidade, não nos aparecem isoladas, mas sim interligadas.
Dois tipos possíveis de relações jurídicas:

Þ Relação de acessoriedade: combinação de RJs (normalmente duas) em que uma


delas é meramente instrumental em ordem à outra (a principal), ficando em face
dela em posição de prevalência. Assim, é uma combinação vertical, desenvol-
vendo uma estrutura de supra-infra-ordenação.
ü Exemplo: Garantias como o penhor e a hipoteca estão dependentes de um
direito de crédito. Há uma relação de base em que um sujeito é credor de
outro sujeito e, para garantia de crédito, surge outra relação em que é cons-
tituída uma hipoteca ou penhor A importância de perceber a existência
desta combinação reside em saber que uma relação está dependente da
outra. Extinguindo-se a relação principal, extingue-se a acessória (se o cré-
dito é satisfeito termina a hipoteca/penhor). Artigos 627º/2, 632º/1, 651º e
730º/a) do CC.
Þ Relação de pertinência: combinação de RJs que têm um polo de conexão co-
mum, normalmente um sujeito. É uma combinação horizontal, desenhando uma
estrutura circular ou esférica. “Há uma combinação pertinencial necessária, inde-
fetível em todos os sujeitos ou pessoas em sentido jurídico: é a esfera jurídica, que
coenvolve todas as RJs ativas e passivas que se centram num sujeito” (O.A.). Ou-
tra combinação pertinencial extremamente importante é o património.

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ü Noção de esfera jurídica: não é mais que uma combinação pertinencial
de relações jurídicas - combinação das relações jurídicas ativas e passivas
do mesmo sujeito.

ü Noção de património (subcategoria da noção de esfera jurídica): conjunto


de relações jurídicas com natureza patrimonial que um sujeito é titular. A
posição do sujeito ativo e passivo reconduz-se a um valor patrimonial/pe-
cuniário. Podemos pensar:
§ No património global, em que temos todas as relações patrimo-
niais.
§ No património ilíquido que contém apenas as relações jurídicas
em que a pessoa é sujeito ativo.
§ No património de afetação geral como o conjunto de relações
jurídicas que responde pelas obrigações de determinado sujeito,
garantia geral das obrigações.
§ No património de afetação especial, nomeadamente, patrimó-
nios separados (artigo 298º do CC).
§ No património autónomo, quando é aberta a sucessão, mas a he-
rança ainda não foi aceite, tal constitui um património autónomo.

3.2. A dinâmica da relação jurídica

As relações jurídicas vêm interligadas com diferentes conexões e isso tem consequências
no que diz respeito ao regime a aplicar.
As vicissitudes das relações jurídicas são: Constituição; Modificação; Extinção. A estas
vicissitudes correspondem, respetivamente, a aquisição, modificação ou extinção de di-
reitos.

3.2.1. Aquisição de direitos

Primeiramente, é relevante a distinção entre aquisição de direitos e constituição de direi-


tos.

• A constituição de direitos “é o seu surto, o seu aparecimento pela vez primeira


numa certa ordem jurídica, produzindo uma alteração no equilíbrio geral” (O.A.);
• Já a aquisição de direitos é a entrada do direito na esfera jurídica de certo sujeito.

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Normalmente, os fenómenos estão relacionados. Quando falamos em constituição de um
direito teremos, em regra, a aquisição de um direito, alguns dirão até que isso acontecerá
necessariamente.
Þ Exemplo: No momento em que se nasce há um conjunto de direitos que não exis-
tiam antes e que se constituem, os direitos de personalidade, e são também adqui-
ridos pelo sujeito em simultâneo. Ao mesmo tempo que isto os pais passam a ser
titulares das responsabilidades parentais que se constituem e que se adquirem na-
quele momento.
Þ Parte da doutrina, como Mota Pinto, considera que havendo constituição existirá ne-
cessariamente aquisição. “A constituição de um direito é o seu surgimento, é a criação
de um direito que não existia anteriormente. Toda a criação de um direito implica a
sua aquisição, dado não existirem direitos sem sujeito.”
No entanto, a inversa não é verdadeira, pois nem toda a aquisição de direitos tem lugar
em casos de surgimento ex novo do direito este podia já estar constituído e na titularidade
de outra pessoa (v.g. direito de propriedade sobre uma coisa e que transitou para a esfera
jurídica de outro sujeito).

Þ Já para quem admite que pode haver constituição de um direito antes da sua aquisição,
ou seja, para quem acha que é possível que existam direitos sem sujeito, então pode-
mos ter uma dilação temporal entre a constituição e aquisição. Esta última perspetiva
seria uma explicação possível para situações como a atribuição de bens, por doação
ou por sucessão mortis causa, a um nascituro ou até a um concepturo (arts. 952º e
2033º).
Estas situações em que (aparentemente?) há direito sem sujeito são excecionais.
Desta forma, são situações em que, o direito surge e o sujeito ainda não existe (ou não
está determinado) e leva a que o direito momentaneamente (aparentemente?) exista
sem pertencer a um sujeito.
Outros autores explicam as situações correspondentes aos exemplos dados como es-
tados de vinculação de certos bens, em vista ao surgimento futuro de uma pessoa com
um direito sobre eles, rejeitando a possibilidade lógica de existirem direitos sem su-
jeitos.

Aquisição originária vs derivada

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Existem duas modalidades de relação de aquisição- a originária e a derivada.
Þ Aquisição originária de direitos: o direito depende somente do facto aquisitivo,
não depende, nem juridicamente nem geneticamente de um direito anterior. Não
depende da existência ou extensão de um direito anterior, que pode nem existir.
Caso exista, o direito não foi adquirido por causa dele, mas apesar dele.

Þ Aquisição derivada de direitos: o direito adquirido funda-se ou filia-se na exis-


tência de um direito na titularidade de outra pessoa- depende juridicamente e ge-
neticamente de um direito anterior cuja extinção ou limitação é que geram a aqui-
sição pelo novo titular. O direito adquirido depende do direito anterior quer
quanto a sua existência, quer quanto ao seu conteúdo, quer quanto à sua ampli-
tude:
• Quanto à sua existência: se o direito anterior não existir, o novo também
não existe.
• Quanto ao seu conteúdo: O conteúdo tem de ser o mesmo, ou ser absorvido
pelo conteúdo do direito anterior, não pode ter um conteúdo mais extenso do
que o anterior.
• Quanto à amplitude: Quanto à amplitude o direito terá de ter amplitude
idêntica ou menor à do direito anterior.

Exemplos de aquisição originária:


Þ O caso de ocupação de coisas móveis e animais (art. 1318º). A ocupação é uma
forma de aquisição originária de uma coisa móvel. Supondo a existência de uma
coisa que nunca teve dono ou foi abandonada e a pessoa encontra-a e fica com
ela, ou seja, ocupa-a. O que determina a aquisição do direito neste caso é um di-
reito de propriedade que é adquirido pela pessoa que ocupa aquela coisa móvel,
sendo este o facto aquisitivo. Aqui não depende da existência de qualquer direito
anterior, isto é, não há qualquer direito anterior do qual dependa o novo direito.
Os artigos 1323º e 1324º são ambos casos de ocupação.

Þ A usucapião (arts. 1287º e segs.). Verificados determinados requisitos, a utiliza-


ção da coisa como se fosse do próprio, não sendo, irá determinar a aquisição de
direito de propriedade, verificando-se os requisitos para os quais a lei exige. O

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que determina a aquisição é a posse com as características que a lei especifica,
este é o facto aquisitivo, e aqui o direito adquirido não depende do direito anterior.
Na usucapião o anterior proprietário deixa de o ser, leva a aquisição do direito
contra o anterior proprietário, o direito extingue-se na esfera do anterior proprie-
tário, porque outro adquire o direito.

Þ Os direitos de autor, que se dá quando surge uma obra, sendo este o fato aquisitivo.

Exemplos de aquisição derivada:


Þ O caso de dar o seu CC a alguém, há uma aquisição por parte daquele que recebe
a relação e esta aquisição depende do direito anterior, geneticamente e juridica-
mente. Isto significa que se não houver direito anterior não há aquisição, porque
o direito que seria adquirido aqui depende da existência do outro direito, e se este
não existe ou se tem um conteúdo mais restrito deixamos de ter aquisição. Há uma
estrita relação entre o direito que é adquirido e um direito anterior a aquisição.

Situações me que não se verifica aquisição derivada:

Þ A pretende vender a B uma coisa que não é sua. B adquire? Não, seria uma aqui-
sição derivada e é preciso que o direito existisse na esfera de A para que transite
para a esfera de B, coisa que não acontece.

Þ Se A tem o direito de propriedade sobre um terreno com 1000 m2 não pode vender
um terreno com 2000 m2, não pode ser mais amplo que o objeto do direito do
transmitente. No entanto, A pode vender apenas 500 m2.

Modalidades de aquisição derivada

Aquisição derivada ainda assim comporta diferentes espécies:


Þ Aquisição derivada constitutiva: o direito novo filia-se num direito do anterior
titular. Forma-se à custa dele, limitando-o ou comprimindo-o, mas não preexiste
como entidade autónoma e específica na esfera jurídica dessa pessoa.
Exemplos:
• Servidões legais de passagem que acontecem no caso de existência de pré-
dios encravados. Este direito de passagem é novo, mas ele forma-se à custa

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do direito de propriedade, comprimindo-o. O conteúdo é absorbível pelo
direito de propriedade.
• O direito de usufruto é outro exemplo. Não é um direito que confere a
propriedade, mas um direito sob a coisa de outrem, aquele conjunto de
direitos já existia, mas com outra configuração. O direito que é adquirido,
sendo novo, depende do anterior, quer quanto a existência, quem quanto
ao conteúdo, quer quanto à amplitude.

Þ Aquisição derivada translativa: Quando o direito que é adquirido coincide com


o direito anterior, ou seja, terá o mesmo conteúdo e a mesma amplitude. O mesmo
direito que circula, circula da esfera de um para a esfera de outro.
Exemplo:
• Quando A vende a B o seu automóvel, há uma aquisição derivada trans-
lativa por parte de B.
Para além disto existe também transmissão parcial. Por exemplo, quando A tem
um terreno de 1000m e vende apenas 500m. Ora, esta continua a ser translativa
porque na aquisição translativa o direito transita de uma esfera para a outra. No
entanto, no A tem de ser a totalidade do direito. O conteúdo é o mesmo, ainda que
transmita apenas parcialmente será uma derivada translativa.

Þ Aquisição derivada restitutiva: Este é o fenómeno oposto à aquisição derivada


constitutiva. Existe quando o titular de um direito real limitado se demite dele,
unilateral ou contratualmente, recuperando ipso facto o proprietário a plenitude
dos seus poderes (por força da elasticidade ou força expansiva do direito de pro-
priedade).
Exemplo:
• Imaginando-se que o direito do usufruto se extingue, a respetiva servidão
extingue-se, desta forma o direito de património volta a adquirir as di-
mensões que tinha antes da existência do usufruto. Aquele proprietário
que deixa de estar sujeito ao usufruto, à servidão, passa a usufruir os seus
direitos na totalidade novamente.

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Sucessão

Podemos também falar de sucessão com um sentido semelhante à aquisição derivada


(como se fossem sinónimos). “A sucessão é o subingresso de uma determinada pessoa na
titularidade de todas as relações jurídicas de outrem” (M.P.). Por isso, coincide apenas
com a aquisição derivada translativa, pois só nesta o direito adquirido é o mesmo do an-
terior titular.

Na sucessão de uma relação jurídica (aquisição derivada translativa), o titular do direito


anterior designa-se por autor, antecessor ou causante e o adquirente por sucessor ou cau-
sado. Frequentemente, usa-se o termo sucessão para designar apenas a sucessão mortis
causa (art. 2024º). Neste caso o autor da sucessão denomina-se por hereditando ou de
cujus e os sucessores ou causados são designados herdeiros ou legatários (consoante a
percentagem de património assumido).

A sucessão refere-se também a dívidas e não só a direitos (enquanto a aquisição só diz


respeito a direitos), ora, as dívidas, mesmo mantendo a sua identidade, não se adquirem,
assume-se.
Desta forma, não parece fazer sentido falar numa sucessão de dividas, mas sim numa
assunção de dividas (artigo 595º do CC). Na sucessão temos a aquisição de direitos e
assunção de dividas.

Regra Geral da aquisição derivada

Na aquisição originária a extensão do direito adquirido depende apenas do facto ou título


aquisitivo.

Na aquisição derivada a extensão do direito do adquirente depende do conteúdo do facto


aquisitivo, mas também da amplitude do direito do transmitente, não podendo em regra
ser maior do que a deste direito– nemo plus iuris alium transfere potest quam ipse habet
(ninguém pode transferir mais direitos do que aqueles que é titular), Ulpiano. É esta a
regra geral da aquisição derivada.

Não obstante, este princípio geral em certas hipóteses, o adquirente, não obstante a aqui-
sição ser derivada, pode obter um direito que não pertencia ao transmitente ou é mais
amplo do que aqueles que pertenciam a este. Isto acontece por duas ordens de razões:
• Exceção que deriva das regras do registo.

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• Exceção que deriva da proteção da boa-fé.

v Exceção que deriva das regras do registo


Primeiramente, importa perceber quais são as finalidades do registo. Ora, as finalidades
do registo são a publicidade das situações jurídicas e a segurança.
O Código de Registo Predial refere quais são os acontecimentos que estão sujeitos a
registo. No caso dos bens imóveis as aquisições de direitos estão sempre sujeitas registo.
Por outro lado, alguns bens móveis estão sujeitos a registo, nomeadamente, os automó-
veis, as aeronaves e as embarcações.

Relativamente aos bens móveis, o Código de Registo de Bens Móveis, que não chegou
a entrar em vigor (Decreto-Lei 277/95). Assim, continua a aplicar-se o diploma antigo do
registo móvel, de 1975. No entanto, o que é referido nos diplomas relativos aos bens
imóveis também se aplica aos bens móveis, ou seja, essas regras são extensíveis aos bens
móveis sujeitos a registo.

O registo em Portugal carateriza-se por ser um registo meramente declarativo, ou seja,


dá publicidade à situação jurídica dos imóveis.

Exemplo: A vende a B uma casa, B torna-se proprietário, e, de acordo com o Código de


Registo Predial, os direitos de propriedade sobre imóveis estão sujeitos a registo, e, por
isso, B deverá registar aquele direito de propriedade em seu nome.
O significado de registo declarativo é que, sendo o B proprietário, dará publicidade ao
seu direito de propriedade.

O registo em Portugal não é um meio de aquisição dos direitos, sendo o ato plenamente
eficaz inter partes, seus herdeiros ou representantes, mesmo na falta de registo. A conse-
quência da falta de registo é a ineficácia do ato em relação a terceiros (arts 4º/1 e 5º/1 do
Código do Registo Predial).

Exemplo: Imaginando agora que o negócio celebrado entre A e B é nulo, caso B registe
o direito de propriedade, não sendo o registo constitutivo de direitos, não é pelo facto de
registar que ele adquire o direito, continua a não ter o direito já que o negócio é nulo.

70
No entanto, atualmente, o registo é obrigatório (artigo 8º-A do Código de Registo Pre-
dial).
Temos, no entanto, algumas exceções em que, efetivamente, o registo é constitutivo de
direitos, como é o caso da hipoteca (artigo 4º/2 Código de Registo Predial e artigo 687º
do CC). Se a hipoteca não for registada esta não produz efeitos.

É importante frisar que o que se regista são as mudanças de titularidade dos bens, ou seja,
as vicissitudes das posições ativas e passivas sobre os bens.

O registo tem 3 efeitos fundamentais:


• Efeito Automático: Um efeito automático é o que decorre automaticamente do
registo que é, nomeadamente, a presunção da titularidade do direito registado,
neste caso uma presunção iuris tantum (artigo 7º Código de Registo Predial).
Exemplo: se B está registado comi tendo um direito, presume-se que B tem, efe-
tivamente, esse direito. No entanto, eta presunção poderá ser afastada através de
prova da nulidade do direito.
• Efeitos Laterais: existem vários efeitos laterais e estes não são nem automáticos
nem centrais. Exemplos: 291º, 1294º e 1298º do CC.
• Efeito Central: O efeito central decorre da combinação dos artigos 5º e 6º do
Código de Registo Predial e traduz-se na inoponibilidade dos factos sujeitos a
registo a terceiros, enquanto o registo não existir e o facto do direito inscrito em
primeiro lugar prevalecer sobre os que se lhe seguirem relativamente aos mesmos
bens.
Os terceiros são aqueles que tenham adquirido de um autor comum direitos in-
compatíveis entre si (artigo 5º/4 do Código de Registos Predial).

Tenha-se em atenção agora os seguintes exemplos:

A é proprietário de um terreno e o seu direito de propriedade está registado no seu nome.


Ora, A vende o terreno a B e o negócio em questão é válido. A constituição ou transfe-
rência de direitos reais sobre a coisa determinada dá-se por mero efeito do contrato, salvas
as exceções previstas na lei (art. 408º/1 CC). B tendo adquirido o direito de propriedade
sob um imóvel está obrigado a registar a aquisição desse direito (art. 8º-A do Código de

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Registo Predial), no entanto, acontece que B não inscreve o direito de propriedade a re-
gisto. Não obstante, B é o proprietário do terreno, já que em Portugal o registo é mera-
mente declarativo.

Ora, sabe-se que através do registo assume-se a presunção iuris tantum da titularidade
do direito, e, como B não registou o seu direito, presume-se que A é o proprietário (não
obstante, B é claramente o proprietário e não A). Sabe-se também os factos sujeitos a
registo só produzem efeitos para com terceiros depois deste ser efetuado (art. 5º/1 do
Código de Registo Predial), ou seja, apesar de ser B o proprietário ele não pode invocar
a sua qualidade de proprietário perante terceiros (quando se fala aqui em terceiros é refe-
rente à sua noção técnica, de acordo com o art. 5º/4 do Código de Registo Predial).

Suponha-se agora que A vende o mesmo terreno a C. Apesar do primeiro negócio ser
válido, no registo aparece A como sendo proprietário. O que será este novo negócio? Será
nulo porque é uma venda de um terreno alheio (artigo 892º do CC). Se o primeiro negócio
é válido o segundo será nulo, e se o segundo é nulo então não produz qualquer efeito.

O tipo de aquisição estaria aqui em causa seria uma aquisição derivada translativa. O que
pode interferir com o rumo desta situação, ou seja, a não produção de efeitos do segundo
negócio, é o registo, porque C poderá registar, e poderá apresentar um documento com-
provando que A lhe vendeu o terreno (porque quem aparece no registo como proprietário
é A). O que acontece aqui é o efeito central de registo (arts 5º e 6º do Código de Registo
Predial). Desta forma, B não pode opor a sua aquisição perante alguém que teria adquirido
direitos do mesmo predisponente. O que acontece é que C se torna proprietário pela con-
jugação destas duas regras decorrentes do efeito central de registo, a partir do momento
em que se regista é que C é proprietário, acontece que C é proprietário, mas o negócio
não deixa de ser nulo.

O direito de B extingue-se por decadência. Desta forma, C é proprietário e B também foi


proprietário e depois deixou de ser.
A questão entre B e A, de qualquer das formas, teria de ser resolvida, há um problema
obrigacional- mas o que sabemos de facto é que C adquire o direito.
É importante perceber que se o contrato celebrado entre A e C se, para além da falta de
legitimidade pelo transmitente, tivesse também a falta de forma exigida para a validade
do negócio, e sendo nulo também por esta razão, C nunca adquiriria o direito.

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O registo não apaga vícios de negócio e não é constitutivo de direitos. Apenas poderia
ser C o proprietário, independentemente da nulidade de negócio no caso em que a nuli-
dade se dá por A não ser o transmitente legítimo, todas as outras hipóteses de nulidade
não permitiriam que C fosse proprietário.

Exemplo: Imaginando agora que A vende a B (sendo que B não regista) e, posterior-
mente, A dá o usufruto do terreno a C. Ora, no segundo negócio A já não é proprietário
e, por isso, apenas B poderia constituir o usufruto com C. No entanto, os direitos de B e
de C não são completamente conflituantes. C adquiriu um direito parcialmente conflitu-
ante sobre o direito de propriedade de B. Neste caso, se C registar irá adquirir o direito
do usufruto, só que este usufruto não impede a propriedade de B.
Não obstante, B será um proprietário onerado com o usufruto de C, constituído devido
ao efeito central de registo.

v Exceção que deriva da proteção da boa fé

A segunda exceção ao princípio nemo plus iuris alium transfere potest quam ipse habet
é a proteção da boa-fé. Entendeu-se que se deveria proteger a boa fé de determinados
adquirentes contra a rigidez das aquisições derivadas. Verifica-se esta proteção da boa-fé
nas situações em que há simulações de negócios jurídicos.

Os negócios simulados são nulos (art. 240º/2). No entanto, se o simulado adquirente de


um prédio vender ou doar, por ato verdadeiro, o mesmo prédio a um terceiro e este ignorar
a simulação, o terceiro adquire validamente este objeto (art. 243º). Como o vendedor ou
doador tinha adquirido o prédio por ato simulado (ou seja, nulo) o terceiro adquire de
quem não era proprietário. Isto constitui, portanto, uma exceção princípio de acordo com
o qual ninguém transmite mais direitos que aqueles que é titular.

Tenha-se em atenção agora as seguintes situações: 1) Imagine-se que A e B não tinham


qualquer negócio que pretendiam celebrar, no entanto, simulam a celebração de um ne-
gócio de compra e venda. Suponha-se também que a simulação do negócio era respeitante
a um bem com um valor considerável e B, na posse da coisa e com um título para vendê-
la, vende-a C.

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Acontece que o primeiro negócio é nulo, e por isso o proprietário ainda é A, mas B, que
não tem legitimidade para transmitir a coisa, aliena-a a C. Ora, C ou está de boa-fé (des-
conhecia que o negócio foi simulado) ou não está de boa-fé durante a celebração do ne-
gócio com B:
Þ Se C está de boa-fé aplica-se, nesta situação, o artigo 243º CC- os simuladores
não podem opor a nulidade a terceiros de boa-fé. Daqui decorre que C se torna
proprietário, apesar do contrato celebrado entre B e C ser nulo. A única razão pela
qual C se torna proprietário é por estar de boa-fé, e, por isso, a nulidade do negócio
anterior não lhe é oponível.
A lei protege terceiros em razão de estarem de boa-fé também noutra situação:
A lei também protege terceiros em razão de boa-fé em geral, aplicando-se aqui o regime
do artigo 291º do CC, de inoponibilidade a terceiros de boa-fé, adquirentes a título one-
roso, das nulidades e anulações de negócios respeitantes a imóveis ou móveis sujeitos a
registo.

Neste caso, é terceiro para efeitos de boa-fé aquele que, encontrando-se numa cadeia de
transmissões, vê a sua posição afetada por uma ou mais invalidades anteriores ao negócio
em que é parte.
Esta noção de terceiro é diferente da noção de terceiro para efeitos de registo, aqui o
terceiro encontra-se numa cadeia de transmissões.

Acontece que a boa-fé que é exigida a terceiro na situação anterior, em que se aplicava
o disposto no artigo 242º do CC, é uma boa-fé muito pouco exigente, desde logo porque
se fala em boa fé em sentido subjetivo. No primeiro caso, relativo aos negócios simulados,
não interessava se a boa-fé era culposa ou não, aplicava-se o regime do art. 242º CC,
independentemente da existência de culpa. Para efeitos do art. 291º é considerado de boa-
fé o terceiro adquirente que, no momento da aquisição (“mala fides superveniens non
nocet”), desconhecia, sem culpa, o vício do negócio nulo ou anulável (nº3 do mesmo art.).

Mas o que é uma boa-fé culposa? Será aquela em que o sujeito poderia saber previamente
que o negócio era inválido, no entanto, por sua culpa, não chega descobrir tal facto e
quando celebra o negócio, apesar do anterior ser inválido, está convicto de este seria vá-
lido.
Para melhor visualização, imagine-se o seguinte:

74
Þ C estava a almoçar com A e B, que falavam em como tinham realizado um negó-
cio inválido em frente de C, enquanto este, distraído com a televisão, não prestou
atenção à conversa e, por isso, não sabia da invalidade do negócio entre B e A.
Posteriormente, C celebra um negócio com B, com a boa-fé de que o negócio
celebrado entre A e B era válido, apesar de poder ter conhecido essa invalidade
estando, por isso, de boa-fé culposamente.

Posto isto, pode-se classificar a boa-fé da seguinte forma:


Þ Boa-fé em sentido subjetivo: “tem em vista a situação de quem julga atuar em
conformidade com o direito, por desconhecer ou ignorar, designadamente, em
qualquer vício ou circunstância anterior”. É o sentido tradicional, ao qual a lei
recorre em inúmeras situações.
Þ Boa-fé em sentido objetivo: traduz a dimensão de justiça social e materialmente
fundada. Constitui uma regra jurídica, é um princípio normativo transpositivo e
extralegal para que o julgador é remetido a partir de cláusulas gerais- contém um
critério de solução. “Aplicado aos contratos, o princípio da boa-fé em sentido
objetivo constitui uma regra de conduta segundo a qual os contraentes devem agir
de modo honesto, correto e leal, não só impedindo assim comportamentos desleais
como impondo deveres de colaboração com eles.”

Diferentemente acontece quando se fala com base no artigo 291º do CC. Neste caso, fala-
se também da tutela de boa-fé de um terceiro, mas o regime do artigo 291º do CC vai
aplicar-se a qualquer hipótese de invalidade anterior ao negócio em que ele é parte, sendo
que o anterior (243º) era apenas relativa a simulações.
A tutela de terceiros, neste caso, vai obedecer aos seguintes requisitos (que são muito
mais apertados do que os exigidos no caso da simulação):

1. O terceiro tem de agir de boa-fé, particularmente de boa-fé sem culpa (art. 291º/3
CC). A situação em que seja uma ‘’boa-fé’’ culposa, considera-se, neste contexto,
um caso de má-fé;
2. O objeto do negócio tem de ser um bem imóvel ou móvel sujeito a registo. Se o
bem em causa for um bem móvel que não seja sujeito a registo, o legislador só
permite esta aquisição excecional quando estão em causa bens muito específicos

75
e tem de ser efetuado o registo, o terceiro tem de ter registado. Aqui há o efeito
lateral de registo. Se não houver registo não há proteção com efeito na boa-fé;
3. O negócio em que o terceiro é parte tem de ser um negócio oneroso (se ele rece-
besse bem a título gratuito a lei não faz surgir uma exceção à regra);
4. O terceiro tem de registar antes que seja proposta uma ação de invalidade do ne-
gócio que o afeta;
5. Os direitos de terceiro não são, todavia, reconhecidos, se a ação for proposta e
registada dentro dos três anos posteriores à conclusão do primeiro negócio
(art.291º/2 CC).

3.2.2. Modificação de direitos

Quando falamos em modificação de direitos referimo-nos a situações em que, alterado


ou mudado um elemento de um direito, permanece a identidade do referido direito, apesar
da vicissitude ocorrida. O direito é o mesmo, não é um direito novo.

v Modificação subjetiva: substituição do respetivo titular, permanecendo a identi-


dade objetiva do direito.
1. A primeira hipótese de modificação subjetiva é de substituição, ou seja, um
sujeito ativo é substituído por outro sujeito ativo.
A aquisição derivada translativa de direitos, corresponderá a uma modificação
subjetiva de direitos.
Ex. Imaginando que A morre e só tinha um único filho como, onde tínhamos a
titularidade de direitos de A, passa esta titularidade para a esfera jurídica do
filho de A.

2. Podemos ter uma multiplicação dos sujeitos quando a um sujeito ativo se subs-
tituem vários. Pode verificar-se por:
a) sucessão ou disposição inter vivos ou mortis causa (ex. A vende a sua
casa a B e a C);
b) adjunção: quando o primitivo sujeito agrega à sua titularidade outro ou
outros (ex. A vende 50% de uma cota do terreno que é proprietário, onde
tínhamos a titularidade na esfera de A passamos a ter A e B).

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3. A concentração acontece quando a vários sujeitos ativos sucede um único.
Ex. A e B são proprietários e vendem a C.

v Modificação Objetiva: relativamente à modificação objetiva pode ter-se uma alte-


ração quanto ao conteúdo do direito ou quanto ao objeto.
1. Modificação objetiva relativa ao conteúdo: exemplos dos arts. 1470º e
1482º.
O usufruto é um direito real limitado que se forma à custa do direito de pro-
priedade de outrem, comprimindo esse direito de propriedade. Desta forma,
usufrutuário é alguém que goza do direito de propriedade de outrem.
Sabe-se que há uma prestação de caução pelo usufrutuário, tal como é referido
no artigo 1468º/b) CC: ‘’Prestar caução, se esta lhe for exigida, tanto para a
restituição dos bens ou do respetivo valor, sendo bens consumíveis, como para
a reparação das deteriorações que venham a padecer por sua culpa, ou o para
pagamento de qualquer outra indemnização que seja devida’’.
É importante também referir o art. 1470º/1: ‘’Se o usufrutuário não prestar a
caução devida, tem o proprietário a faculdade de exigir que os imóveis se
arrendem ou ponham em administração, que os móveis se vendam ou lhe se-
jam entregues, que os capitais, bem como a importância dos preços das ven-
das, se deem a juros ou se empreguem em títulos de crédito nominativos, que
os títulos ao portador se convertam em nominativos ou se depositem nas mãos
de terceiro, ou que se adotem outras medidas adequadas’’.
Tendo o usufrutuário de prestar caução, e não prestando, a lei prevê hipóteses
para acautelar a posição do proprietário. O direito que o usufrutuário teria mo-
difica-se, já que ele teria a possibilidade de usar a coisa, sem limitações, toda-
via, uma vez que não prestou a caução, o uso da coisa vai ser prejudicado para
acautelar a posição do proprietário. O conteúdo do direito é transformado, é
limitado, em função do proprietário.
Importa referir também as disposições do artigo 1482º do CC: ‘’ O usufruto
não se extingue, ainda que o usufrutuário faça mau uso da coisa usufruída;
mas, se o abuso se tornar consideravelmente prejudicial ao proprietário, pode
este exigir que a coisa lhe seja entregue, ou que se tomem as providências
previstas no artigo 1470.º, obrigando-se, no primeiro caso, a pagar anualmente

77
ao usufrutuário o produto líquido dela, depois de deduzidas as despesas e o
prémio que pela sua administração lhe for arbitrado’’. Verifica-se aqui que
também no caso de mau uso há providências que irão alterar o conteúdo do
usufruto.

2. Alteração do objeto: o conteúdo do direito mantém-se, mas este passa a inci-


dir sobre um objeto diferente.
Um ótimo exemplo será o caso da substituição ou reforço da hipoteca, que
está explanada no art. 701º: ‘’Quando, por causa não imputável ao credor, a
coisa hipotecada perecer ou a hipoteca se tornar insuficiente para segurança
da obrigação, tem o credor o direito de exigir que o devedor a substitua ou
reforce; e, não o fazendo este nos termos declarados na lei de processo, pode
aquele exigir o imediato cumprimento da obrigação ou, tratando-se de obri-
gação futura, registar hipoteca sobre outros bens do devedor’’.
Isto permite ao benificiário da hipoteca satisfazer os seus créditos relativa-
mente aos credores.
Por exemplo: supondo que alguém tem uma hipoteca sobre a sua casa, se não
pagar, o credor será o primeiro a beneficiar da venda de casa.

Outro exemplo será o da acessão (art. 1325º). Há acessão quando uma coisa
que é propriedade de uma pessoa se une a uma coisa que não lhe pertencia, e
esta poderá ser natural ou industrial.
• Exemplo de acessão natural: A é proprietário de um tereno e B do pro-
prietário do vizinho, e entre estes há um rio, e por ação da passagem da
água vai havendo um desgaste da terra de A e as terras de B vão aumen-
tando a sua área por força da natureza.
• Exemplo de acessão industrial (derivada da ação do Homem): Se eu sou
proprietária de um bloco de mármore e um escultor faz uma escultura
nesse meu bloco, junta o seu trabalho à minha matéria-prima, quem é
que é o proprietário final? Nestes casos, o objeto inicial de um direito
altera-se. É uma questão que exige grande sensibilidade, visto que
agrega a matéria-prima de um proprietário e o trabalho de outro.

78
Modificações das obrigações

Alterações que podem ocorrer no lado passivo da relação, nas modificações na obrigação
são sempre subjetivas, têm sempre a ver com o sujeito.
Existe a hipótese de substituição, multiplicação ou concentração.

1. Substituição: Há uma modificação da garantia geral quando ocorre inter vivos;


quando ocorre mortis causa o património é o mesmo.
Existe, portanto, uma substituição do sujeito passivo que, neste contexto, significa
uma mudança do património que responde pelas obrigações.

Se temos numa relação jurídica um sujeito passivo sobre o qual depende um conjunto
de obrigações, e se esse se substituiu, isto não será indiferente ao credor, porque o
património de um sujeito em comparação com outro pode ser completamente dife-
rente. Isto reflete-se numa alteração geral quando à garantia das obrigações. Por isso,
a lei determina que a transmissão só exonera o antigo devedor, havendo declaração
expressa do credor (art. 595º/2). Só neste caso há assunção translativa, que é uma
forma de modificação subjetiva da obrigação por substituição do devedor.
Na sucessão mortis causa o património que corresponde é o mesmo, porque é o pa-
trimónio do de cuius que responde pelas dívidas da herança.

2. Multiplicação: Na multiplicação, ao invés de apenas um devedor, passa a haver mais


do que um.
Pode acontecer por sucessão, se ao de cuius sucede mais que uma pessoa.
No caso da adjunção ao devedor inicial acresce um novo devedor, desta forma, um
credor que tinha um devedor passa a ter mais do que um (art. 595º/2). Se alguém que
tem uma posição passiva a transmite a outrem, caso o credor não concorde, o primi-
tivo devedor mantém-se obrigado- assunção cumulativa.

3. Concentração: A concentração será o fenómeno inverso da multiplicação, ou seja,


onde tínhamos vários devedores passamos a ter menos devedores. Fenómeno homó-
logo ao da modificação por concentração de direitos.

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3.2.3 Extinção de direitos

Consiste no desaparecimento de um direito da esfera jurídica de uma pessoa. Quebra-se


a relação de pertinência entre um direito e a pessoa do seu titular. As considerações são
válidas mutatis mutandis, para a extinção de deveres jurídicos, sobretudo, obrigações.
Dentro da extinção de direitos distingue-se a subjetiva da objetiva.

Ø Extinção de direitos subjetiva


A extinção subjetiva ou perda de direitos ocorre quando o direito sobrevive em si, apenas
mudando a pessoa do seu titular- a extinção é só na perspetiva do titular do direito. O
direito mudou de titularidade, extinguiu-se para aquele sujeito, mas subsiste na esfera
jurídica de outrem. Verifica-se sempre que tem lugar uma sucessão na titularidade dos
sujeitos.
Pode ocorrer:
1. Por vontade do titular: quando p. ex., A vende algo a B, ocorre uma aquisição
derivada translativa. Se olharmos para a perspetiva do direito temos uma modifica-
ção subjetiva, porque houve uma mudança do sujeito apesar do direito se manter. A
extinção neste caso tem por base a vontade do titular, porque A quis vender a B.
2. Sem vontade do titular: quando se extingue pela morte e os novos titulares passam
a ser os herdeiros legítimos. Verifica-se aqui uma sucessão sem que haja testamento.
3. Contra a vontade do titular: verifica-se esta possibilidade quando o sujeito não
quer a extinção e esta ocorre imperativamente da lei.

Ø Extinção de direitos objetiva


Ocorre quando o direito desaparece, deixando de existir para o seu titular ou para qual-
quer outra pessoa- não há sucessão, transmissão ou aquisição derivada translativa de di-
reitos.
Algumas opções:
1. Destruição do objeto do direito: o direito deixa de existir quando o objeto sobre
o qual incide se destrói;
2. Abandono do objeto: O direito deixa de existir quando o objeto sobre o qual ele
incide é abandonado (nestes casos, o direito que sobre elas incidiam extingue-se,
podendo ser posteriormente adquiridas por outrem por ocupação, mediante uma
aquisição originária);

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3. Decadência: a extinção do direito deve-se pela superveniência de um direito que
é incompatível com o direito anterior. Isto pode acontecer na hipótese da proteção
de terceiros para efeitos de registo, no caso da tutela da boa-fé e também no caso
da usucapião temos uma extinção por decadência.
4. Não exercício: o direito extingue-se pelo não exercício do mesmo.

Importa referir as várias hipóteses de extinção objetiva por não exercício.


• Não uso- Especificamente, nos direitos de uso limitado, temos os artigos
1476º/1/c), 1490º (relativa ao uso e habitação manda-se aplicar a regra do usu-
fruto), 1569º/1/b) (extinção das servidões pelo não uso por 20 anos qualquer que
seja o motivo).
Apesar disto, importa remarcar que, por exemplo, o direito do proprietário não se
extingue pelo não uso. Os poderes de propriedade de um determinado bem são tão
amplos que o proprietário tem o direito de não utilizar a coisa. Não é o simples facto
do não uso que leva à extinção do direito, no entanto, tal poderá acontecer por usu-
fruto.

• Renúncia- alguém é titular de um direito e renuncia ao seu exercício.


Exemplos: artigos 265º/1 do CC, 302º do CC, 867º do CC, 1476º/1/e) do CC, 2057º/1
do CC e 2170º do CC.
No entanto, há direitos que são irrenunciáveis, desde logo, por exemplo, os direitos
de personalidade.
Alguns direitos podem também ser limitados, mas não renunciados.

• Prescrição- Na prescrição o não exercício do direito leva à sua extinção pelo de-
curso do tempo. A partir do momento em que o direito prescreve, deixa de se
poder exigir o comportamento correspondente, passando o sujeito passivo a ser
titular de uma obrigação natural.
Desta forma, o direito subjetivo a exigir um comportamento extingue-se, transforma-
se numa capacidade de pretender o comportamento.
Entramos no regime do artigo 304º do CC, da obrigação natural e não repetição
do indevido.
O artigo 402º reporta à ordem moral e social, pelo que esta não é judicialmente exi-
gida, correspondendo a um dever de justiça.

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Exemplo: em responsabilidade civil, há a possibilidade de se exigir uma indemniza-
ção havendo danos. No artigo 498º do CC é dito que o direito de indemnização pres-
creve no prazo de 3 anos a contar da data que o lesado teve conhecimento do direito
que lhe compete (isto no caso da responsabilidade civil extracontratual). Ao fim dos
3 anos, o direito prescreve. Se o lesante o indemnizar fora de prazo, o lesado continua
a ter o direito de manter a indemnização.
Os direitos de crédito também prescrevem (p. ex. dívida). O prazo é de 20 anos, se-
gundo o artigo 309º do CC, mas a lei prevê prazos diferentes para outras situações,
como se verifica no caso do artigo 310º do CC.
• Caducidade- Na caducidade está sobretudo em causa o direito de acionar, nos
múltiplos casos em que o recurso às instâncias é um ónus dos titulares dos direi-
tos civis (ex. para anulação de negócios jurídicos, para o despejo nos arrenda-
mentos urbanos, para a separação e o divórcio, etc.…). Os direitos que caducam
são normalmente os direitos potestativos.
Exemplo 1: O prazo para propor uma ação com vista à anulação do negócio, regra
geral, é de 1 ano (artigo 287º do CC). Se aquele que tem a possibilidade de arguir a
nulidade não propõe a ação naquele prazo, o direito caduca.
Exemplo 2: O artigo 1085º do CC diz que o direito de resolução de um contrato deve
ser efetivado num prazo de 1 ano, sob pena de caducidade.

Em qualquer dos casos (prescrição e caducidade) está em causa a extinção do direito pelo
seu não exercício durante um determinado período de tempo. Contudo, em termos de
regimes, a caducidade e a prescrição são diferentes.

Nota: Costuma-se dizer que os direitos subjetivos extinguem-se e os direitos potestativos


caducam (tem de se ter em atenção que isto não é rigoroso).

3.3. Vicissitudes das relações jurídicas

Até agora, vimos aquilo que é a dinâmica normal de uma relação jurídica: o seu surgi-
mento, a modificação e a sua extinção. No entanto, também podem existir acidentes de
percurso na vida de uma relação jurídica, isto é, vicissitudes que podem influenciar a
produção dos seus efeitos.

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• Pendência: ocorre quando “uma RJ plenamente formada não pode funcionar em
pleno porque o (primeiro) sujeito ativo ainda não existe ou não está ainda deter-
minado, diz-se que a RJ está in suspenso, ou in pendenti, ou em situação de pen-
dência.” (O.C.).
Exemplo: Imaginando a situação em que é constituído um usufruto sujeito a uma condi-
ção. Portanto, teríamos uma nova RJ que advinha de uma aquisição derivada constitutiva
do direito. Mas, pelo facto de estar sujeita a uma condição, ainda não produz os seus
efeitos, e enquanto não se verificar a condição, o proprietário mantém-se pleno e o direito
de usufruto ainda não funcionou.

Nota: Condição- cláusula acessória de um contrato, que se traduz na subordinação dos


efeitos do negócio a um acontecimento futuro ou incerto.

• Quiescência: situação em que a “RJ já funcionou em pleno, mas por um obstáculo


análogo deixa de ter o seu funcionamento normal, ficando adormecida, fala-se em
situação de quiescência.” (O.C.).

Exemplo 1: Compra e venda sujeita a uma condição suspensiva - Temos uma relação
jurídica em que o direito subjetivo é o direito de propriedade. Este funcionou plenamente
relativamente ao proprietário, sendo um sujeito o vendedor, mas relativamente ao com-
prador não funciona, na medida em que a contraparte está sujeita a uma condição.
Exemplo 2: Na doação a um nascituro a RJ tem como núcleo um direito de propriedade.
Esta funcionou plenamente em relação ao doador, mas relativamente ao beneficiário da
doação não pode funcionar porque ainda não temos um sujeito. Assim, fica paralisada até
ao surgimento do sujeito. Quando este nasce, passamos para a hipótese de revivescência.

• Revivescência: “quando, na pendência ou quiescência, o obstáculo cessa e a RJ


funciona, ou funciona de novo, em pleno, fala-se de revivescência” (O.C.). Assim,
a RJ volta a funcionar plenamente.

Exemplo: No exemplo do nascituro anterior, este nasce e a RJ volta a funcionar plena-


mente após este ínterim em que ela se encontrava, em que os efeitos não se estavam a
produzir como deveriam produzir.

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3.4. Elementos da relação jurídica

Þ Sujeitos
São polos (positivo e negativo) em que assenta a ligação que é a RJC.
Os sujeitos podem ser pessoas humanas, homens concretos, que são os únicos sujeitos
no plano funcional, ou pessoas jurídicas stricto sensu, organizações de interesses que o
Direito trata como sujeitos.
Na versão mais simples da RJ teremos um sujeito ativo e um passivo, mas frequente-
mente, as RJ prossupõem uma pluralidade subjetiva.

Temos o exemplo do direito de propriedade, no qual o sujeito ativo será o proprietário, e


os sujeitos passivos serão todos os sujeitos que poderão perturbar o direito de propriedade.

Þ Objeto

O Direito existe na previsão de conflitos de interesses e o direito subjetivo é um meca-


nismo de tutela que permite se traduz numa situação de prevalência, tendo em vista uma
possível colisão de interesses. Assim, numa disputa acerca de bens sendo que o direito
subjetivo confere ao titular uma vantagem empírica. O objeto da relação jurídica é o bem
que essa vantagem constitui- aquilo sobre que incidem os poderes do titular ativo da re-
lação.

No entanto, não se confunde o objeto da RJ com o conteúdo do Direito subjetivo! O


direito subjetivo e o correspondente dever jurídico formam o conteúdo da RJ. Os poderes
do direito subjetivo são o conteúdo do referido direito.

Sobre o que é que incidem?


• No caso do direito de crédito, o objeto é uma prestação, eu tenho direito a uma
prestação (é isso que posso reclamar do sujeito passivo).
• Mas se o meu direito for real, ele vai incidir sobre um bem, pelo que o objeto é
um bem.
Exemplo 1: Sou proprietário de um carro, o objeto da RJ é o carro.
Exemplo 2: No caso do direito da família, o ‘’objeto’’ do direito será a pessoa de ou-
trem, temos o exemplo das responsabilidades parentais (não se pode falar numa pessoa
como objeto).

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“O objeto da RJ é necessariamente um bem (bem é tudo o que é apto a satisfazer neces-
sidades) e um bem económico (bem escasso), porque só um bem assim suscita conflitos
de interesses. Note-se, contudo, bem não é o mesmo que coisa.” (O.C.).
Por esta razão, parece que quanto aos direitos potestativos estes não têm objeto no sentido
que aqui damos a este termo, mas apenas conteúdo.

Þ Facto jurídico:
O facto jurídico é o elemento causal da RJ. O facto jurídico será o facto que não
é juridicamente indiferente e que faz surgir uma RJ, por exemplo, relações jurí-
dicas que surgem em virtude de um contrato.

Exemplo: A vende a B (temos um contrato de compra e venda que é um negócio jurídico


juridicamente relevante e é um facto jurídico). Que RJ estamos a falar aqui? temos uma
RJ entre A e B, em que A é sujeito passivo do preço e B sujeito ativo do preço; e A é
sujeito ativo da entrega da coisa e B é sujeito passivo da entrega da coisa.
Assim, temos uma RJ que gera obrigações (as prestações quer de A quer de B) e temos
também outra RJ para a qual este facto é juridicamente relevante, isto é, a RJ que tem
como núcleo o direito de propriedade (vai haver uma alteração na RJ em que o núcleo é
o direito de propriedade e é uma RJ que não tem nada a ver com a relação A-B).
Antes havia uma relação jurídica de propriedade de A face às demais pessoas, que após a
venda passa para a esfera jurídica de B (há uma transformação a nível dos sujeitos).
Aqui o contrato vai criar uma RJ nova entre A e B e vai levar a uma aquisição de um
direito na esfera de B e à extinção do direito na esfera de A. Temos a modificação de uma
esfera jurídica, cujo núcleo é a propriedade.

Þ Garantia
“A garantia da relação jurídica é o conjunto de providências coercitivas, postas à dispo-
sição do titular ativo de uma relação jurídica, em ordem a obter satisfação do seu direito,
lesado por um obrigado que o infringiu ou ameaça infringir”. (M.P.).

O Estado põe à disposição do sujeito meios para que esses interesses sejam satisfeitos
(nomeadamente a possibilidade de recorrer aos tribunais). Assim, o sujeito ativo poderá
exigir, por exemplo, a reconstituição da situação, uma indemnização, exigir uma sanção
pecuniária compulsória (artigo 829º-A do CC).

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Isto significa que o titular do direito não pode assegurar os seus interesses pelas suas
próprias mãos, ele terá de recorrer a estes meios de defesa postos à sua disposição pelo
Estado.

Quando falamos em garantia falamos em heterotutela dos direitos.


No entanto, excecionalmente, a lei prevê algumas hipóteses de autotutela de direitos.

Nota: Na opinião da professora, pode-se pensar no direito de retenção como um meio de


autotutela, mas em termos técnicos não é bem assim. A situação de poder reter uma coisa
que deveria ser entregue, mediante alguns requisitos, traduz-se no exercício de um direito
subjetivo, mas sem recurso às vias judiciais. A ideia de autotutela é a ideia de o credor
poder fazer justiça e satisfazer os seus interesses pelas suas mãos, sem ter de recorrer a
outros meios, é uma espécie de salvaguarda do seu direito.

Hipóteses de autotutela

• Ação direta (artigo 336º do CC): lei justifica o comportamento do autor, com o
fim de realizar ou executar o próprio direito, desde que seja impossível recorrer
em tempo útil aos meios coercivos normais e desde que a atuação direta não ex-
ceda o necessário para evitar o prejuízo. É necessário também respeitar uma ideia
de proporcionalidade, pois não se podem sacrificar interesses maiores do que
aqueles que se visa proteger.

• Legítima defesa (artigo 337º do CC): a diferença entre a legítima defesa e a ação
direta é que na primeira temos de estar perante uma agressão que seja atual (imi-
nente ou em início de execução), ou seja, é um meio preventivo, contra a pessoa
ou património do agente ou de terceiros.
Aqui também temos a ideia de proporcionalidade, mas esta não é colocada nos
mesmos termos. Diferentemente do que acontece na ação direta, na legítima de-
fesa pode o defendente lesar interesses superiores aos interesses ameaçados (desde
que o prejuízo causado pelo ato não seja manifestamente superior ao que pode
resultar da agressão- arts. 336º/3 e 337º/1).

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Nos casos de excesso de legítima defesa, não haverá responsabilidade na medida
em que tal resulte de perturbação ou medo. Aqui, já será ilícita, mas não há res-
ponsabilidade na medida em que não haja culpa. Assim, tudo o que resulta do
excesso da legítima defesa já é ilícito, pode é ser desculpável.
Assim, estamos perante as hipóteses em que se admite a intervenção direta numa situação
em que normalmente implicaria o recurso a meios coercitivos normas. Na legítima defesa
a agressão está a ocorrer naquele momento, ao passo que na ação direta, quando a lei se
refere ao recurso à força para assegurar um direito, pressupõe-se que já há um direito que
foi violado e vem-se tentar defender esse direito. Na ação direta, o recurso à força destina-
se a assegurar o próprio direito, ao passo que na legítima defesa está em causa uma agres-
são contra uma pessoa ou património.

Sujeitos da relação jurídica

Quando falamos em sujeitos ou sujeito de direitos, estamos a falar em alguém que é


titular de um conjunto de direitos. Usamos a expressão sujeito ou sujeitos de direito para
nos referirmos a uma suscetibilidade abstrata de ser titular de direitos.

Temos 2 distinções importantes:


• Aquele que pode ser sujeito de uma RJ, nós designados como um sujeito de di-
reito (aqui falamos de uma RJ em abstrato).
• Aquele que efetivamente alguém é titular de direitos designamos como sujeito de
direitos (aqui pensamos numa RJ em concreto).
Isto leva-nos para a questão da personalidade jurídica. Ter personalidade jurídica sig-
nifica ter a qualidade de sujeito, portanto, a qualidade de pessoa ou sujeito de direito, que
se traduz na aptidão para ser titular de relações jurídicas (qualidade abstrata).

Inerente à personalidade jurídica surge a capacidade jurídica/ capacidade de gozo, pelo


que há uma relação muito estreita entre personalidade jurídica e capacidade jurídica, isto
decorre do art. 67º.

Qualquer pessoa, em princípio, tem esta suscetibilidade concreta de ser sujeito de uma
RJ. Mas distinta desta capacidade jurídica/ capacidade de gozo é a chamada capacidade
de exercício de direitos.

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Se em princípio, todas as pessoas são suscetíveis de serem sujeitos de Direito, isto já não
acontece relativamente à capacidade de exercício de direitos. Esta será a capacidade
para se exercer direitos de que se é titular, mas não só, pois engloba também a capacidade
de adquirir esses direitos e assumir as respetivas obrigações e fazê-lo por um ato próprio
voluntário ou mediante a utilização de um representante voluntário.

Assim, podemos até dizer que a capacidade de exercício será a capacidade de movimen-
tar a capacidade de gozo.

Se todos, em regra, têm capacidade de gozo e direitos, o mesmo não vale para a capaci-
dade de exercício, pois esta atuação por ato próprio pressupõe vontade e esta pressupõe
discernimento, capacidade de avaliação das situações e de decidir. Deste modo, há pes-
soas que apesar de terem capacidade de gozo, não têm discernimento que permita a atua-
ção de atos próprios, pelo que não têm capacidade de exercício
Por exemplo, não obstante a capacidade de gozo que os menores têm, não têm capaci-
dade de exercício de direitos e de cumprir com as suas obrigações.

Isto não significa que os menores não possam ser titulares de direitos e obrigações, mas
coisa diferente é poder exercer esses direitos. Os direitos podem existir na sua esfera ju-
rídica, mas o exercício desses direitos pressupõe a intervenção de alguém que suprima a
falta de discernimento e maturidade.
Þ Artigo 130º do CC: aquele que fizer 18 anos adquire, em regra, plena capacidade
para o exercício de direitos. Aqui junta-se à capacidade de gozo, a capacidade de
exercício.
Assim, temos estes 3 conceitos que se encontram intimamente relacionados:
• A ideia de personalidade jurídica - suscetibilidade abstrata de ser titular de di-
reitos e obrigações.
• Capacidade de gozo - ser sujeito para o Direito implica ser sujeito de direitos.
• Capacidade de exercício - o exercício desses direitos mediante ato próprio e ex-
clusivo (pressupõe uma vontade esclarecida e maturidade para o efeito).

Assim, há uma relação muito forte entre o ser pessoa e o ser titular de direitos (para
alguns até uma relação necessária no sentido em que não existem direitos sem um sujeito
que os encabece).

88
4. Teoria geral dos sujeitos da relação jurídica

A subjetividade jurídica (qualidade de quem está sujeito ao Direito) pressupõe no Ho-


mem a personalidade jurídica que, por sua vez, pressupõe a personalidade humana. “É
porque o homem é pessoa- pessoa humana- que ele se reconhece como pessoa em sentido
jurídico e, logo, como sujeito para o Direito” (O.C.). A personalidade jurídica não é algo
que subsista por si mesmo, mas que subsiste porque existe personalidade jurídica.
Assim, há que concluir que a personalidade jurídica é a projeção no Direito da persona-
lidade humana. Do que resultam os seguintes corolários (que são também as grandes rei-
vindicações feitas ao Direito por essa personalidade humana):

1. Essencialidade: a personalidade jurídica é essencial- pressupõe a personalidade


humana. Só com personalidade humana existe personalidade jurídica. As “outras
personalidades jurídicas” são meramente analógicas e instrumentais;

2. Indissolubilidade/inseparabilidade: A personalidade jurídica é indissociável da


personalidade humana, existindo tanto e enquanto esta personalidade existir. Isto
envolve a irrecusabilidade da personalidade jurídica- ninguém se pode recusar a
ser pessoa para o Direito, que se relaciona com a inadmissibilidade do instituto da
servidão; inadiabilidade- logo que há pessoa deverá haver personalidade, logo
não são admissíveis institutos no sentido de esperar pela viabilidade da pessoa
antes de lhe atribuir a personalidade jurídica; indisponibilidade- impossibilidade
de dispor da personalidade jurídica (inadmissibilidade, p. ex. da constitutivo in
servitutem), não se pode alienar a personalidade.

3. Ilimitabilidade: a tutela da personalidade jurídica deve ser tão ilimitada como a


personalidade humana, o que exclui as chamadas gradações de personalidade
(como sistemas de capitis deminutiones ou numerus clausus de personalidade). O
nosso legislador optou por mobilizar uma cláusula geral, precisamente para dar
cobertura dos aspetos conhecidos e desconhecidos da personalidade. Tem de exis-
tir sempre uma lista aberta e suscetível de ser atualizada neste aspeto.

Nota: A personalidade jurídica das pessoas jurídicas ou pessoas coletivas é meramente


analógica e instrumental e, em última instância, é a tutela da pessoa física.

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a) Começo da personalidade jurídica

A personalidade adquire-se com o nascimento completo e com vida (art. 66º/1). O nas-
cimento completo corresponde à separação do recém-nascido do corpo da mãe, ou seja,
dá-se com o corte do cordão umbilical. Excluem-se, portanto, quer os nado-mortos, quer
os que morrem durante o parto ou ates a separação do cordão umbilical. A nossa lei segue
um princípio de inadiabilidade da personalidade jurídica.

b) O problema jurídico dos nascituros

Ao princípio de que a personalidade jurídica começa com o nascimento parece opor-se a


situação jurídica dos nascituros, a quem a lei reconhece direitos (art. 66º/2).

Não só aos concebido, mas também aos não concebidos, a lei faculta que se façam doa-
ções (art. 952º) e que se defiram sucessões (aos concebidos, em qualquer espécie de su-
cessão- art. 2033º/1, e aos não concebidos só sucessão testamentária e contratual, art.
2033º/2).

Nota: o filho reputa-se concebido dentro dos primeiros 120 dias dos 300 que precedem
o seu nascimento (art. 1798º).

Desta forma, verifica-se que há uma série de direitos atribuídos, quer aos nascituros, quer
aos concepturos.
É claro que os direitos dos nascituros estão dependentes da verificação do nascimento
(art. 66º/2). Ou seja, apesar de não terem ainda personalidade jurídica (não serem sujeitos
de Direito, art. 66º/1) reconhece a nossa lei aos nascituros “direitos”, embora dependentes
do nascimento completo e com vida (art. 66º/2) - isto é, dispensa tutela jurídica à situação.
Os direitos encontram-se numa situação de quiescência.

No entanto, tecnicamente, no art. 66º é afirmado que a personalidade jurídica surge ape-
nas quando se verifica o nascimento completo e com vida. Assim sendo, como se justifica
esta tutela antes do nascimento?
A doutrina diverge:

90
• Estes direitos patrimoniais levam alguma doutrina a considerar que, para esses
fins, os nascituros são já pessoas jurídicas- que a personalidade jurídica, para esses
fins, começa antes do nascimento. Teríamos então uma personalidade ficta (pois
não se apoia sequer num começo de personalidade humana no caso dos nascituros
não concebidos) e personalidade necessariamente provisória ou resolúvel, dada a
necessidade de verificação do nascimento.
• Outros falam em retroação da personalidade: esta só se adquiria com o nasci-
mento, no entanto, “existindo aquelas doações ou aquela devolução sucessória, a
personalidade cobriria retroativamente semelhantes direitos, retroagiria até ao
momento da doação ou da morte do de cujus.” (O.C.).

ü De qualquer das formas, uma personalidade, ou uma retroação da perso-


nalidade, de funil, quer dizer estritamente para a justificação desses direi-
tos patrimoniais. Ora, isto torna-se algo ambíguo uma vez que nestas situ-
ações se recorre à personalidade para justificar certos direitos que, por seu
turno, são a base dessa mesma personalidade, ou seja, para evitar a admis-
são de sujeitos sem direito, cria-se praticamente um sujeito sem direitos
ou uma retroação mais que equívoca dessa condição de sujeito.
Daí que, grande parte da doutrina, rompendo com a ideia de que não há
direitos sem sujeito, negue a existência de um sujeito jurídico e conceba
os direitos do nascituro como direitos que se referem a um “centro autó-
nomo de relações jurídicas” não personalizado (S. Passarelli); ou então,
não rompendo com essa ideia, mas recusando uma personalidade jurídica
de funil, negue a existência de autênticos direitos e conceba “direitos” do
nascituro como meros “estados de vinculação” de certos bens.

Para Orlando de Carvalho o problema da condição jurídica dos nascituros deve ver-se
numa perspetiva mais ampla: concorda com a ideia de S. Passarelli de que os direitos dos
nascituros são direitos, embora sem uma personalidade que os ostente (mas só um centro
de imputação, um património autónomo).

Seja qual for a posição adotada quanto à respetiva construção jurídica, é de admitir a
tutela jurídica do nascituro concebido no que toca a lesões nele provocadas- com este
entendimento não se atribui personalidade jurídica ao nascituro, o direito apenas surge

91
depois do nascimento, momento em que o dano se consuma, mas que a ação que o desen-
cadeou seja anterior. Se o feto “agredido” no ventre não chegar a nascer com vida, não
haverá qualquer indemnização.

Exemplo: Imagine-se que uma mulher grávida é atropelada e, em consequência disso, o


seu filho nasce com sequelas daquele facto que é anterior ao seu nascimento. Parece que
se justifica o direito a ser indemnizado, mas fica no ar o facto de ter de se saber se o dano
é anterior ao nascimento ou o dano só que consubstancia após este. Desta forma, neste
caso há quem entende que a personalidade jurídica existe antes do nascimento, ou seja,
neste caso existiria uma ofensa à integridade física, mas há quem entenda que há uma
retroatividade.

“A personalidade humana não surge no nascimento ex abrupto: surge como termo de


um processo biológico- há uma formação progressiva da personalidade. O Direito não
pode desconhecer tal formação progressiva e deixar de proteger as infra-estruturas da
personalidade que se vão formando nessa fase embrionária” (O.C.).

c) Termo da personalidade jurídica

Com a morte termina a personalidade (art. 68º/1). Com a morte, a esfera jurídica des-
prende-se do sujeito, os direitos de natureza pessoal extinguem-se, mas os de natureza
patrimonial transferem-se para os sucessores mortis causa (aquisição derivada translativa,
sucessão).

Artigo 71º do CC: ‘’Os direitos de personalidade gozam igualmente de proteção depois
da morte do respetivo titular’’. Pires de Lima e Antunes Varela veem neste artigo um
desvio à cessação da personalidade com a morte.
Mota Pinto discorda, defendendo que “a tutela do artigo 71º, nº 1, é uma proteção de
interesses e direitos de pessoas vivas (indicadas no nº 2 do mesmo artigo), que seriam
afetadas por atos ofensivos da memória (da integridade moral) do falecido.”
Problema discutido é a questão de saber se a lesão do direito à vida é suscetível de
reparação. O art. 70º protege os cidadãos contra qualquer ofensa ilícita à sua personali-
dade física ou moral, sendo que a ofensa à vida constitui a máxima ofensa possível da
personalidade.

92
No art. 496º (onde está consagrada a ressarcibilidade dos danos morais) no nº 3 é pres-
crita a possibilidade de atender aos danos não patrimoniais sofridos pela vítima.

Parece que a regra do artigo 68º/1 não é afastada pelo facto da lei prever a compensação
pecuniária do dano da morte, tal como está previsto no artigo 496º/2 do CC. O dano da
morte é compensável, mas note-se que é o último direito que ainda entra na esfera jurídica
de quem morre, e dá-se no momento da própria morte. No entanto, claro que não é o
morto que pode exercer este direito, quem pode exercer este direito são os herdeiros do
de cujus. Não se trata da transmissão do direito à vida, mas sim a transmissão do direito
a uma compensação, que nada impede se integre no património da vítima.

A morte está sujeita a registo civil (art. 1º/p) do Código de Registo Civil), tal como o
nascimento. O CRC regula a forma como este registo é feito, concretamente, no artigo
192º. Compete às pessoas previstas no artigo 193º CRC fazer o registo.
Vejamos algumas referências do CRC relativas ao óbito:
• Artigo 194º do CRC: certificado do óbito;
• Artigo 200º CRC e segs: o regime do registo de óbito está aqui previsto;
• Artigo 201º CRC requisitos do assento de óbito.

Com a morte, o cadáver transforma-se em coisa, ainda que essa tenha um estatuto espe-
cial, cabendo no art. 202º/2: ‘’Considera-se, porém, fora do comércio todas as coisas que
não podem ser objeto de direitos privados, tais como as que se encontram no domínio
público e as que são, por sua natureza, insuscetíveis de apropriação individual’’. Desta
forma, os cadáveres estão fora do comércio jurídico.
Aqui vemos sempre o respeito que merece o tipo de utilização de cadáveres, que será o
último de esquiço de reflecção da dignidade humana, atendendo e respeitando o que a
pessoa foi em vida.

Não obstante, a lei regula situações especiais da possibilidade de o cadáver ser utilizado
para fins de ensino e investigação científica, por dissecação e extração de peças. Está
regulado esta situação no decreto-lei 274/99. Para tal se puder suceder, a pessoa em vida
tem de declarar expressamente o seu consentimento para esse fim, se não o cadáver não
poderá ser utilizado, com a exceção de cadáveres não identificados ou reclamados.

Presunção de Comoriência

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Nos termos do art. 68º/2 quando certo efeito jurídico depender da sobrevivência de uma
a outra pessoa presume-se, em caso de dúvida, que uma e outra faleceram ao mesmo
tempo- presunção de comoriência (mortes simultâneas) que é uma presunção relativa ou
iuris tantum.
Assim, não se verificarão fenómenos de transmissão entre os comorientes.

Exemplo: Imaginando a situação em que acontece um acidente de automóvel em que A


e B, que por sinal são casados, morrem. Aqui não se sabe exatamente se morreram ao
mesmo tempo ou quem é que morreu primeiro. Ora, como já foi referido, isto pode ser
importante para efeitos sucessórios. Imaginado que o casal não tem pais nem filhos, mas
têm ambos um irmão. Face a esta situação, existem duas possibilidades:

Þ Se A morre primeiro que B, significa que B é herdeiro de A, e depois, quando morre


B, será o irmão de B o herdeiro, e não o de A. Com este exemplo facilmente se percebe
a importância de saber quem morreu primeiro, já que tal define para que família a
herança vai.

Hipóteses relativas ao desaparecimento da pessoa

No artigo 68º/3 está prevista a hipótese do desaparecimento: ‘’Tem-se por falecida a


pessoa cujo cadáver não foi encontrado ou reconhecido, quando o desaparecimento se
tiver dado em circunstâncias que não permitam duvidar da morte dela’’. Isto acontece
em casos de naufrágios, acidentes de avião, etc…

Face ao desaparecimento nestas circunstâncias, por não se encontrar ou não ser possível
identificar o cadáver, é aberto o chamado processo de justificação ao judicial do óbito,
que deve ser promovido pelo Ministério Público (arts. 207º e 208º CRC).
Julgada a justificação, o conservador lavrará o respetivo assento de óbito com base nos
elementos fornecidos pela sentença e servindo-se de todas as informações complementa-
res recolhidas (arts. 207º/3 CRC).

Se mais tarde se vier a verificar ter havido engano ou incorreção, requerer-se-á a invali-
dação ou retificação do assento de óbito (arts. 233º e segs do CRC).

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Apesar do facto de se ter quase a certeza da pessoa estar morta, a tutela dos seus direitos
de personalidade deverá manter-se mesmo nestas circunstâncias. Aqui um assento de
morte, é um assento de morte real.

Embora a lei não o preveja expressamente deve entender-se que se se aplicam aqui as
regras relativas à morte presumida, sendo ainda claro que, apesar de oficialmente morto,
o reaparecido desfruta dos seus direitos de personalidade mesmo antes de obtida a anula-
ção do óbito.

Hipótese da ausência

Esta hipótese de desaparecimento não se confunde, porém, com a hipótese de ausência.


A lei regula a ausência nos artigos 89º e segs.do CC.
A ausência é a ignorância do paradeiro de uma determinada pessoa, ou seja, não se sabe
onde a pessoa se encontra, e inclui a impossibilidade de comunicar com a pessoa.

Quando se verifica a ausência de alguém pode acontecer que seja necessário a adminis-
tração dos bens da pessoa.
Assim, o CC (art. 89º e segs.) estabelece 3 tipos de hipóteses para resolver o problema:

1- Curadoria provisória

Pode ser designado curador qualquer “dos interessados na conservação dos bens” (92º/1).
Trata-se de uma mera administração no interesse do ausente e, por conseguinte, depen-
dente de este não possuir representante legal ou voluntário (89º/1) ou de este não querer
ou não poder exercer essas funções (art. 89º/2).
De acordo com Mota Pinto, mesmo que haja representante, se este não exercer as suas
funções, pode ser requerida a curadoria provisória.

Esta pode ser requerido pelo Ministério Público ou por qualquer interessado (art. 91º).
O curador será o cônjuge, ou algum dos herdeiros presumidos, ou alguém interessado
nos bens, como por exemplo o credor quer que os seus bens se conservem (art. 92º).

A lei prevê a fixação pelo tribunal de uma caução na entrega destes bens, para assegurar
que o curador irá administrar os bens e não causar prejuízo (art. 93º). O regime que se

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aplica será o regime do contrato do mandato- alguém encarrega outrem de praticar um
ato em seu nome (art. 94º).
Art. 95º: ‘’1- O curador provisório deve prestar contas do seu mandato perante o tribu-
nal anualmente ou quando este o exigir’’.
Art. 96º: ‘’O curador haverá dez por cento da receita líquida que realizar’’.

A curadoria provisória termina quando:


1. O ausente regressar;
2. O ausente toma alguma decisão relativamente à administração dos seus bens (art. 98º,
b) ou compareça pessoas que legalmente represente o ausente ou seja seu procurador
bastante (art. 98º, c);
3. Se houver uma curadoria definitiva;
4. Se se souber que a pessoa morreu, sendo que aqui os bens são todos devolvidos e vão
ser entregues aos herdeiros.
A lei prevê também a inibição do exercício das responsabilidades parentais para estas
situações (art. 1913º/1/c) do CC).

2. Curadoria definitiva

A curadoria definitiva exige que a ausência se prolongue, sendo que devem passar 2 anos
sem se saber o paradeiro do ausente, isto quando este não tem procurador.
Serão 5 anos nos casos em que o ausente tem um representante.
Art. 99º do CC: ultrapassados os prazos, pode o Ministério Público ou um interessado
requerer a justificação da ausência.
Art. 100º do CC: são interessados na justificação de ausência o cônjuge, herdeiros e todos
os que tenham direitos que dependam da sua morte.
Quem tem legitimidade para requerer os bens são o cônjuge e os herdeiros.

Nota-se que o legislador com a passagem do tempo acredita cada vez menos que o au-
sente vai voltar.

Desta forma, não podem atuar como se fossem proprietários destes bens.
Como temos ainda uma curadoria no interesse do ausente existe: sujeição dos curadores,
em princípio, às regras do curador provisório (art. 110º); possibilidade de exigência de

96
caução pelo tribunal (art. 107º); obrigatoriedade de reserva, por parte de certos curadores,
de um terço dos rendimentos líquidos (art. 112º/2).

Não obstante, é também já uma curadoria que se preocupa com os interesses dos suces-
sores e outros beneficiários mortis causa, art. 102º.
Com efeito a falta de notícias poderá significar a morte da pessoa. Face a isto, vai-se
proceder à abertura dos testamentos e os bens vão ser entregues aos herdeiros. Acontece
que estes herdeiros vão administrar os bens não como bens próprios, mas como curadores
definitivos.

Se os curadores forem ascendentes, descentes ou cônjuges, terão direito aos frutos rece-
bidos, ou seja, aos frutos que os bens gerarem e que se tenham vencido.
Exemplo: Imóvel que se encontra arrendado do ausente, o curador neste caso terá direito
às rendas cobradas, porque as rendas são os frutos neste caso.

Art. 112º- a curadoria termina com:


Þ O regresso do ausente;
Þ A notícia de que se sabe onde este se encontra;
Þ As notícias da morte;
Þ A declaração da morte.

3. Morte presumida

Medida em que a convicção de que a pessoa já não regressa e terá morrido mais estará
presente. O interesse que aqui prevalece é o dos sucessores ou habentes causum, isto é, o
interesse na regularização do destino do património cuja chefia se presume extinta.

Esta só pode ser decretada passados 10 anos sobre a data das últimas noticias.
No entanto, a lei prevê casos especiais, podem ser só 5 anos se, entretanto, o ausente tiver
completado 80 anos. Por outro lado, se o ausente for menor, só se pode declarar a morte
presumida passados 5 anos sobre a data em que o ausente atingiria a maioridade.
Pode ser decretada a morte presumida independentemente de ter sido decretada a cura-
doria provisória ou curadoria definitiva.

97
Os efeitos são, em princípio, os da morte (art. 115º), tanto ao nível patrimonial como ao
nível pessoal. Os herdeiros ou outros sucessores ficam na titularidade dos bens, podendo
usar e dispor deles livremente.
A morte presumida não dissolve o casamento, o cônjuge do presumido morto continua
casado (art. 116º), no entanto, pode contrair novo casamento (sendo o casamento civil) e
se, entretanto, houver notícias de que o ausente se encontraria vivo quando foi celebrado
o novo casamento, presume-se que o primeiro casamento se dissolveu por divórcio. Não
havendo segunda núpcias, volta o casamento em pleno vigor (o que significa que o casa-
mento ficou numa situação de quiescência).

Pode-se chegar a situação em que se chegue à conclusão que a pessoa morreu noutra
data que não a declarada, neste caso, ter-se-á de fazer as alterações necessárias à luz da
nova data (exemplo em que nasce mais um filho).
Pode acontecer que o ausente regresse, isto determina a reentrega dos respetivos bens,
nos termos do 119º. Sem dúvida que os detentores do património só são obrigados a en-
trega-lo no estado em que este se encontra, mas, havendo má-fé, o ausente tem direito a
ser indemnizado pelo prejuízo sofrido (art. 119º/2).

Assim, existe como que uma linha de sombra. A fim de garantir a reentrega ao ausente,
na hipótese de este regressar. Daí que ainda que não se exija a caução, se exija sempre o
inventário dos valores do ausente.

4.1. A pessoa e a tutela da personalidade

São direitos de personalidade um certo número de poderes jurídicos pertencentes a todas


as pessoas, por força do seu nascimento (alguma doutrina aponta direitos de personali-
dade não inatos, como o direito moral de autor).
Toda a pessoa é titular de alguns direitos e obrigações, mesmo que no plano patrimonial
não lhe pertençam quaisquer direitos (mesmo sendo esta hipótese praticamente inconce-
bível). São os chamados direitos de personalidade (arts. 70º e segs. do CC) - direitos ab-
solutos que se impõem ao respeito de todos os outros. Incidem sobre os vários modos de
ser físicos ou morais da sua personalidade.

Como nos refere o Doutor Orlando de Carvalho, é necessário reconhecer “um direito de
personalidade ou um direito à personalidade no seu todo, direito que abrange todas as

98
manifestações previsíveis e imprevisíveis da personalidade humana” - direito ao livre de-
senvolvimento da personalidade humana/da pessoa na sua natural evolução. Esta ideia
tem apoio na cláusula geral do art. 70º.

Os direitos de personalidade são direitos subjetivos absolutos, que na sua maioria são
direitos subjetivos inatos. No fundo os direitos subjetivos são um instrumento técnico
que o Direito Civil se mune para proteger os direitos da personalidade.

A tutela jurídica da personalidade traduz-se em várias camadas, com vários níveis de


tutela.
Se imaginarmos uma pirâmide com os diferentes níveis de tutela, do topo para a base,
seriam eles: Constituição da República (direitos fundamentais); Código Penal (Penaliza-
ção de condutas que violam direitos de personalidade); Código Civil (arts. 70º e segs.) e,
por último, o Código do Trabalho (arts. 14º a 22º).

1. A Constituição República Portuguesa protege um grande conjunto de direitos de


personalidade. Os direitos têm dignidade constitucional estão sujeitos ao regime
de proteção dos direitos fundamentais.
Dentro da CRP estão tutelados os seguintes direitos de personalidade:
ü Direito à vida (artigo 24º da CRP);
ü Liberdade de criação cultural (artigo 42º da CRP);
ü Liberdade de informação e expressão (artigo 37º da CRP);
ü Utilização informática (artigo 35º da CRP);
ü Inviolabilidade do domicílio e correspondência (artigo 34º da CRP);
ü Direito à liberdade e à segurança (artigo 27º da CRP);
ü Direito à integridade pessoal (artigo 25º da CRP);
ü Etc…

2. Também o Código Penal protege bens da personalidade com a penalização de


condutas que os violam, apesar disso, não protege todos os direitos de personali-
dade. No entanto, esta tutela através do Direito Penal consiste numa ultima ratio.

3. Dentro do Direito Civil esta tutela desenvolve-se através de uma tutela geral e uma
tutela parcelar. Desta forma, temos uma cláusula geral de proteção e depois temos
diversos aspetos parcelares protegidos. Posto isto, como já foi referido, reconhece-

99
se um direito geral da personalidade, que abrange todas as manifestações previsí-
veis e imprevisíveis da personalidade humana.
O CC (arts. 71º e segs.) autonomiza alguns aspetos parcelares da personalidade:
integridade física e moral; nome; pseudónimo; cartas missivas confidenciais, me-
morias familiares e outros escritos confidenciais; imagem; honra; reserva sobre a
intimidade da vida privada.

4. Existem ainda tutelas especiais de alguns direitos de personalidade, estando aqui


incluído o Direito do Trabalho, que merece um regime específico próprio dentro
das relações laborais. Assim sendo, no Código do Trabalho também estão tutela-
dos alguns direitos de personalidade (artigos 14º a 22 do Código do Trabalho).
Aspetos parcelares da personalidade protegidos no CT: liberdade de expressão e
de opinião; integridade física e moral; reserva da intimidade da vida privada; pro-
teção de dados pessoais; testes e exames médicos; meios de vigilância à distância;
confidencialidade de mensagens e de acesso à informação. Os bens de personali-
dade são protegidos para ambas as partes, não apenas para o trabalhador.

No geral, na proteção dos direitos de personalidade, temos uma ideia de:


• Essencialidade;
• Ilimitabilidade;
• Inseparabilidade;
a) Irrecusabilidade;
b) Inexpropriabilidade;
c) Indisponibilidade;
d) Inadiabilidade.

4.1.1. Direitos especiais

O direito geral de personalidade acolhe alguns direitos especiais, sendo estes naturais
desenvolvimentos das áreas ou projeções da personalidade. À medida que a prática ou a
consciência ético-jurídica o exigem, certas zonas vão-se afirmando como “bens” relati-
vamente autónomos e como “objetos” de direitos distintos.

Há uma certa vantagem em distinguir as diferentes zonas da personalidade para que em


situações práticas seja mais fácil a resolução dos problemas. Trata-se, portanto, de uma

100
forma descentralizada da tutela jurídica da personalidade, o que significa que não esgotam
essa tutela. Ou seja, o direito geral de personalidade é o seu direito fundante, onde enra-
ízam os direitos especiais.

ü Direito à vida

Direito à conservação da vida (não um direto à obtenção da vida), entendida como a


existência biológica do indivíduo.
Apesar disto ser uma questão discutida, no sentido em que há doutrina que acha que o
direito à vida consiste no direito a nascer, não parece que seria isso que o legislador pre-
tendia dizer quando se refere à conservação da vida. Mas será que há um direito a não
nascer? Será que a vida pode ser considerada um dano e se há direito a uma compensação
quando a pessoa nasce e não devia ter nascido? Estas questões podem ser consideradas
como relevantes apesar dos nossos tribunais nacionais não adotarem estas ideias.

Exemplo: Imaginando a situação em que uma senhora está grávida e o feto tem más
formações. Imagine-se também que seria uma situação que daria lugar à possibilidade de
interromper a gravidez, havendo fundamentos médicos para tal, e a mãe opta por dar à
luz ao seu filho. Considere-se que o filho nasce e a dada altura pede uma compensação
por ter nascido aos pais, que optaram que o filho nascesse independentemente das más
formações. Acontece que nesta situação o dano seria a vida. Ora, os nossos tribunais não
consideram que a vida possa ser um dano (a propósito da indissociação entre personali-
dade humana e personalidade jurídica) sendo que desde logo não se poderia pedir esta
compensação aos pais, uma vez que estes teriam a liberdade de escolher se queriam ter o
filho ou não. Os danos a existirem estarão sempre na esfera jurídica dos pais, e não na
criança.
O direito à vida beneficia de uma proteção constitucional (artigo 24º da CRP), sendo que
neste contexto se está a pensar maioritariamente na relação cidadãos-estado. A sua tutela
penal encontra-se nos arts. 131º e segs do CP.

O código penal prevê que o homicídio a pedido da vítima e o incitamento ao suicídio


como crimes (arts 134º e 135º do CP). Neste momento, o direito à vida é indisponível, no
entanto, com a evolução dos tempos é possível que deixe de ser se passar a ser permitida
a eutanásia. Verifica-se que a lei penaliza o auxílio ao suicídio, mas não penaliza o suicí-
dio.

101
Prevê-se a compensação do dano da morte (último direito que integra o património do de
cuius que será exercido pelos seus herdeiros). Compensa-se tanto os danos não patrimo-
niais laterais (os que sofrem, os chamados conviventes da vítima, art. 496º/2/3/4) e o dano
não patrimonial central (o que sofre a própria vítima, dano da vida).

Lei do testamento vital: lei 25/2012 – 5º/b)

ü Direito à integridade física

O direito à integridade física, em sentido amplo, consiste no direito à integridade físico-


psíquica, ou seja, inclui-se o direito à sanidade mental. “É o direito a não se ser lesado na
integridade físico-psíquica tal como se possuiria se não se verificasse tal lesão. Abrange,
como já se deixou entendido, o direito a não sofrer lesões mesmo na fase intra-uterina ou
embrionária” (O.C.).

Para além da tutela civil temos também a tutela penal (v.g.: violência doméstica, maus-
tratos, etc.) prevista a tutela nos artigos 143º e segs do CP e constitucional (art. 25º CRP),
já que há um direito fundamental à integridade físico-psíquica.

O Direito Penal só sanciona os ataques à integridade física como certos caracteres (ofen-
sas mais graves), admitindo a isenção de responsabilidade nas ofensas por negligência
(art. 148º/2 CP).
Na lei civil, ao invés, qualquer agressão será, em princípio, ilícita (art. 70º).

Podemos falar de uma serie de novas agressões, como novas formas de assédio, como o
virtual mobbing e o cyberbulling.

Vejamos alguns diplomas que são pertinentes como regimes especiais:

v Lei 12/93, 22 de abril – Colheita e transplante de órgãos, tecidos e células de


origem humana para fins terapêuticos ou de transplante.

Neste domínio, diz-se que vale o princípio da gratuitidade (artigo 5º da lei 12/93), daqui
retira-se que é proibida a comercialização de órgãos.
Note-se que há um regime bastante cuidadoso à volta desta questão.

102
O artigo 6º admite a colheita em vida de órgãos (quando não seja possível colher os
órgãos pós morte), mas em regra só se admite a colheita mortis causa.

Dentro da colheita de órgãos em vida ainda assim verifica-se a existência de dois regi-
mes distintos um para os órgãos regeneráveis e outro para os órgãos não regeneráveis.

• No caso das colheitas de órgãos ou tecidos em vida não regeneráveis só são ad-
mitidos se uma Entidade de Verificação da Admissibilidade da Colheita para
Transplante (EVA) verificar caso a caso se essa colheita é possível ou não, sendo
esta que tem o poder se admitir a colheita.
• É importante assinalar que relativamente a menores ou outras pessoas que sejam
incapacitadas é sempre proibida a colheita de órgãos não regeneráveis.
• No entanto, relativamente aos órgãos regeneráveis estando em causa menores ou
incapazes, apenas será admitido o transplante se o recetor do doador for irmão ou
irmã do mesmo, que seja necessária a dádiva para a conservação da vida do rece-
tor, e que seja inexistente um dador capaz compatível (artigo 6º/5 da lei 12/93).
Note-se que os requisitos referidos são cumulativos.
• A lei prevê também a forma como o consentimento é colhido, estando este regime
previsto no artigo 8º da lei 12/93: ‘’O consentimento do dador e do recetor deve
ser livre, esclarecido, informado e inequívoco e o dador pode identificar o bene-
ficiário’’.
No que toca à colheita de órgãos pos mortem verifica-se também um regime distinto:
• Tornam-se possíveis doadores de órgãos todos os cidadãos que não tenham mani-
festado uma vontade em sentido contrário durante a vida, sendo que se pode es-
pecificar os órgãos que uma pessoa especificamente não quer doar (arts. 10º e segs
lei 12/93).

Ø Lei 25/2012, 16 de julho – Lei do testamento vital


Esta lei permite que a pessoa manifeste antecipadamente uma vontade no sentido de não
ser submetido a certos tratamentos, como por exemplo, tratamentos experimentais (artigo
2º/2 da lei 25/2012). Isto através de um testamento vital.

• O testamento vital é válido durante 5 anos, não obstante este pode ser renovável
(art 7º). Este testamento pode também ser revogado ou modificado (artigo 8º/1 da
lei 25/2012).

103
• Esta possibilidade está restringida aos maiores de idade, que não estejam em situ-
ação de acompanhamento e se não encontrem capazes de dar o seu consentimento
consciente, livre e esclarecido, nos termos do art. 4º.
• O artigo 5º estipula que: “São juridicamente inexistentes, não produzindo qual-
quer efeito, as diretivas antecipadas de vontade: a) Que sejam contrárias à lei, à
ordem pública ou determinem uma atuação contrária às boas práticas; b) Cujo
cumprimento possa provocar deliberadamente a morte não natural e evitável, tal
como prevista nos artigos 134.º e 135.º do Código Penal; c) Em que o outorgante
não tenha expressado, clara e inequivocamente, a sua vontade.”
• O artigo 6º/4 diz que em caso de urgência ou perigo imediato a equipa medica
responsável não tem o dever de ter em conta às diretivas antecipadas de vontade,
se é um caso entre a vida e a morte. Prevê-se também a objeção de consciência
dos profissionais de saúde relativamente a estas diretivas (artigo 9º).

Ø Lei 32/2006
Está aqui incluída a procriação medicamente assistida.

• As técnicas de procriação devem respeitar a dignidade humana.


• Artigo 4º as técnicas de PNA são um método subsidiário e não alternativo de
procriação. Só se pode utilizar mediante diagnostico de infertilidade, risco de
transmissão de doenças genéticas ou infeciosas ou tratamento de doença grave
(nº 2). As técnicas podem ser utilizadas por todas as mulheres independente-
mente de diagnóstico de infertilidade (art. 4º/3).
• O artigo 6º exprime uma regra que é discutível, refere que podem ser benefi-
ciários os casais de sexo de diferente, os casais de mulheres, bem como as
mulheres independentemente do estado civil e da orientação sexual (tira-se a
conclusão de que podem ser utilizados por todas as mulheres), isto pode colo-
car em causa o principio da igualdade (discriminação dos homens).
• É proibida a clonagem reprodutiva. Esta não pode ser utlizada para criar seres
humanos alterados geneticamente, isto é, querer olhos verdes, pele clara, de-
cidir o sexo, etc…
• A gestação de substituição começou por ser proibida e estipulava-se que quem
nascesse nestas condições era filho da mãe que o deu à luz. Atualmente a lei
foi alterada e veio-se a permitir esta gestação (art. 8º), o TC veio a clarificar

104
que não atentava contra a dignidade de ninguém. A opção do nosso legislador
foi admitir a gestação de substituição mediante contrato, contrato de prestação
de serviço necessariamente gratuito, é proibido qualquer tipo de pagamento
ou doação de qualquer bem à gestante. Na gestação de substituição a gestante
nunca pode doar material genético para o embrião, ou seja, nunca pode ser
biologicamente mãe da criança- o material genético tem que necessariamente
da beneficiária.

ü Direito à liberdade

Num sentido amplo abrangendo liberdade física (deslocação, sexual) e liberdades morais
(religiosa, política).

Liberdade positiva: Abrange o poder da pessoa se autoconformar dentro dos limites im-
postos pelo respeito dos direitos dos outros, da ordem pública e dos bons costumes- pos-
sibilidade de fazer algo.
Liberdade negativa: compreende a possibilidade de recusa de um determinado compor-
tamento, mesmo que este seja juridicamente imposto (sujeitando-se às sanções corres-
pondentes). Impede a execução específica das limitações aos direitos de personalidade.

Aqui temos alguns contingentes especiais:


• Lei da liberdade religiosa (16/2001): domínio onde se podem levantar questões
sobre os limites da liberdade religiosa contra os limites da ordem publica e dos
bons costumes.
• Lei digital (27/2021): as pessoas poderem expressar-se digitalmente de forma li-
vre.

ü Direito à igualdade

O que está em causa é a não discriminação (em função de diversos fatores que a CRP
autonomiza- raça, religião, idade, sexo). Há uma proteção enquanto direito fundamental.
Este direito também se aplica nas relações jurídicas privadas.

Os princípios da autonomia privada e liberdade contratual (art. 405º) implicam que um


agente possa, por exemplo, contratar com A e escolher não contratar com B. No entanto,
estes princípios devem ser compatibilizados com a igualdade.

105
Aquele que é discriminado tem, portanto, um direito de personalidade seu a ser violado.
Isto dará lugar a uma responsabilidade civil e, possivelmente, a uma compensação.
• Lei 14/2008 Dar o acesso a determinados locais ou determinada contratação
• Lei 93/2017: baseada em vários critérios de discriminação
• Lei 38/2018: Direito à autodeterminação e identidade de género

ü Direito à inviolabilidade pessoal

• Projeção física: direito à imagem e a palavra


• Projeção vital: direito ao caracter, historia pessoal
• Projeção moral: direito à honra

v Projeção Física em concreto

Ø Direito à imagem
Tem consagração expressa no art. 79º CC, por força do qual o retrato de uma pessoa não
pode ser exposto, reproduzido ou lançado no comércio sem o consentimento dela.

Existe o direito a controlar a captação e a divulgação de ‘’Retrato’’, incluindo aqui ima-


gens de também outras características físicas que permitam identificar a pessoa. Cada um
deve ter o controlo dos seus aspetos físicos. Os aspetos físicos que permitem a sua iden-
tificação não podem ser divulgados nem captados sem o seu consentimento.

Sendo o direito à imagem um direito a controlar a captação e divulgação da imagem, a


forma mais grave de agressão será a divulgação da imagem, mas a simples captação não
autorizada já traduzirá um ilícito.

No entanto pode haver utilização da imagem sem captação, por exemplo, através da imi-
tação (podendo haver uma pessoa a imitar outra), estando aqui também em causa a ima-
gem da pessoa. A ideia é termos controlo das nossas características físicas.

Este é um direito que é disponível para o titular. Aqui admite-se o consentimento mesmo
num contexto contratual, mediante uma contraprestação em dinheiro.

106
De acordo com o art. 79º/2 pode ser limitado mesmo sem o consentimento do titular, por
razões de ordem objetiva e subjetiva, não obstante a falta de consentimento, ou seja, o
consentimento não é a única base da limitação do direito.

Pode haver razões subjetivas que se prendem com a própria pessoa, como por exemplo,
o cargo que ela exerce (PR). Mas também razões objetivas, como por exemplo, por razões
de justiça, segurança, são factos que são do interesse publico que poderão justificar esta
limitação.

No entanto, há um limite aos limites- deixa de haver justificação ao direito à imagem


sempre que essas limitações ponham em causa o direito à honra (79º/3). A possibilidade
de adotar o direito à imagem é quando o direito à honra é violado.

- Relativamente ao direito a imagem levantam-se inúmeras questões.

Desde logo em relação às redes sociais. Agora temos a captação não consentida da ima-
gem, que acontece com os objetos inteligentes que captam imagens, ou mesmo computa-
dores que captam imagens, sendo estas utilizadas para fins desconhecidos.

Acórdão do STJ, de 3/11/2015) caso relativo a Revenge Porn. Imagens captadas com o
consentimento de ambos, mas não com o consentimento da queixosa para a publicação/di-
vulgação. Os danos eram os danos da divulgação - está em causa o direito à imagem, o
direito à honra, o direito à reserva da vida privada. O tribunal conclui que houve negli-
gência porque o vídeo foi deixado desprotegido no PC.

Outra questão atual é a cedência da imagem de jogadores de futebol, sendo que nos con-
tratos os jogadores vendiam os seus direitos à imagem. Mas não é isto que se verifica, o
que acontece é que há uma cedência da exploração comercial da imagem, mas isso não
significa que a pessoa se desliga do seu direito à imagem. Houve uma altura em que os
tribunais consideravam estes contratos nulos porque achavam, precisamente, que consis-
tia numa cedência do direito da imagem.

Exposição dos filhos nas redes sociais. Este tema está relacionado com as responsabili-
dades parentais; questiona-se se os pais se agem no interesse dos filhos - pode ter influ-
ência na repartição dos poderes paternais e até na inibição dos mesmos.

107
‘’Efeito Streisand’’: tem a ver com o facto de a violação do direito à imagem potenciar
uma muito maior violação do direito à imagem. Quando surge a notícia de que determi-
nada imagem é ilícita, há uma procura enorme dessa imagem. Desta forma, há um efeito
em cascata da violação da imagem.

Ø Direito à palavra

O que está aqui em causa é a expressão sonora de cada pessoa, ou seja, incide sobre
elementos orais, independentemente do seu conteúdo.

O direito à palavra também pode ser violado pela captação da voz, pela audição, pela
divulgação e também pela imitação. O CC não se refere especificamente ao direito à pa-
lavra, mas assume-se que se aplica analogicamente o regime do direito à imagem.
Se o vídeo é divulgado e tem som, para além da questão da imagem temos a questão da
voz, acrescenta mais um aspeto da personalidade que é violado.

Se se trata de uma conversa de uma pessoa que é gravada, está em causa, para além do
direito à palavra, o direito à reserva da vida privada, mas aqui já se está a tomar em conta
o conteúdo das palavras.
O artigo 12º da lei 27/2021 refere o direito à palavra, apesar do CC não referir.

v Projeção vital, em concreto

Ø Direito ao carácter

Está em causa o direito a não ser submetido a avaliações de carácter sem consentimento.
Esta é uma questão que antigamente se dirigia unicamente a testes psicotécnicos ou testes
profissionais. No entanto, em contexto judicial poderão ser feitos testes psicotécnicos sem
consentimento.

A questão é atualmente amplamente discutida porque, com a utilização de meios eletró-


nicos, são feitas avaliações de carácter, através do nosso comportamento online, sem que
seja prestado consentimento. Tem-se concluído que os computadores avaliam o nosso
carácter analisando a nossa conduta, com uma precisão muito maior do que a feita por
um humano.

108
A Carta Portuguesa dos Direitos Humanos na Era Digital (CPDHED) - L27/2021, 17 de
maio prevê, no seu art. 14º, algo relativamente à proteção do perfil. “1 — Na utilização
de plataformas digitais, todos têm o direito de: c) Ver garantida a proteção do seu perfil,
incluindo a sua recuperação se necessário, bem como de obter cópia dos dados pessoais
que lhes digam respeito nos termos previstos na lei.”

Ø Direito à história pessoal

A lei da carta dos direitos humanos digitais vem referir-se também expressamente à pro-
teção do perfil, especificamente no sentido de plataforma digital.

Cada um tem direito à não divulgação da sua história, enquanto percurso pessoal. Existe
uma proibição quanto à publicação de biografias não autorizadas, visto que estas violam
o direito à história pessoal.
Entende-se que este direito se mantém mesmo após a morte, que há uma tutela pos mor-
tem da pessoa- que será de 50 anos.

Isto justifica o ‘’direito ao esquecimento’’ quanto aos dados biográficos publicados on-
line pelo próprio.

Ø Direito à intimidade/reserva da vida privada

Há um direito a controlar informações que contendam com a vida privada. Possui con-
sagração expressa no art. 80º do CC: “todos devem guardar reserva quanto à intimidade
da vida privada de outrem”.

Isto poderá também derivar para o direito à solidão, ‘’right to be left alone’’, que não
pode ser ultrapassado. Consiste no direito a ser deixado sossegado, está aqui em causa
também uma reserva ao direito à intimidade da vida privada.

Tradicionalmente distinguem-se três grandes esferas:


a) Esfera privada: abrange aspetos privados que não são necessariamente pessoais
(ex.: casa de cada um, os locais que frequente, as comidas que come). São aspetos
privados, mas que não têm uma natureza forçosamente pessoal.

109
b) Esfera pessoa: Aqui já temos aspetos pessoais, como as relações íntimas que a
pessoa tem, a religião, as vocações políticas.
c) Esfera de segredo: informações naturalmente secretas, como por exemplo pas-
swords de acesso a contas. Também temos informações secretas que não são na-
turalmente secretas, mas que o são por determinação do próprio. Claramente que
a intromissão na vida privada consoante mais próximo estamos da vida da pessoa.
Na esfera do segredo se não se tratarem de informações naturalmente secretas terá
que ser o próprio a provar que elas eram secretas para obter essa tutela mais agra-
vada, ou seja, o ónus da prova recai sobre aquele cujo o direito foi violado.

Novos problemas:
• ‘’Reality shows’’: a pessoa é filmada 24h por dias numa interação numa casa fe-
chada e as imagens são divulgadas. Temos aqui em causa o direito à imagem, a
palavra, a liberdade e a reserva da vida privada. No entanto, esta participação no
‘’reality show’’ foi do consentimento do próprio, ou seja, consentem-se a limita-
ção de direitos de personalidade através de clausulas contratuais. A questão que
se levanta aqui é que se trata apenas de uma limitação da vida privada ou dos
limites da ordem pública.

Tutela específica

• Lei n.º 41/2004, de 18 de agosto

Proibição de envio de mensagens não solicitadas- necessidade de consentimento.

Exceção relativamente às pessoas coletivas até que estas recusem explicitamente.

A lei excetua as situações em que tenha havido um contacto prévio com o destinatário e
tendo ele a possibilidade de não receber essas mensagens, não se manifestou nesse
sentido.

Mesmo havendo um consentimento expresso, a lei obriga a que, em todas as mensagens


que são enviadas, seja dada uma oportunidade fácil ao destinatário de doravante não
receber mais mensagens.

• DL n.º 57/2008, de 26 de março

Matéria sobre o qual o legislador já se deteve; também está em causa a proteção da vida
privada.

110
Em especial art. 12º- C

• Carta Portuguesa De Direitos Humanos - Lei n.º 27/2021, de 17 de maio

A Prof. suscita a dúvida sobre se deverá ser considerada tutela específica, uma vez que
no art. 8.º há uma mistura com outros direitos e proteção de dados.

Esta Carta refere-se à privacidade no art. 6.º/3 e art. 17.º.

Direito à proteção de dados

É um direito de personalidade que se autonomizou do direito à reserva da vida privada.


Ainda há poucos anos atrás a proteção de dados era falada no contexto da reserva da vida
privada.

Dois diplomas fundamentais:

a) Regulamento Geral sobre a Proteção de dados pessoais- RGPD


(regulamento 2016/679 do parlamento europeu e do conselho, de 27 de
abril);

b) Lei n.º 58/2019, de 8 de agosto

O que é que são dados pessoais para estes efeitos? Art. 4.º/1 RGPD – “«Dados
pessoais», informação relativa a uma pessoa singular identificada ou identificável
(«titular dos dados»); é considerada identificável uma pessoa singular que possa ser
identificada, direta ou indiretamente, em especial por referência a um identificador,
como por exemplo um nome, um número de identificação, dados de localização,
identificadores por via eletrónica ou a um ou mais elementos específicos da identidade
física, fisiológica, genética, mental, económica, cultural ou social dessa pessoa
singular”. Estão excluídas, portanto, as pessoas coletivas.

Excluem-se aqui dados anónimos ou anonimizados (são relativos a determinada pessoa,


mas depois são desligados do seu titular, não sendo possível fazer a relação) - art. 5º/1/e).

São abrangidos os dados pseudonimizados- são considerados dados pessoais porque é


possível chegar-se à identificação de uma pessoa. Ver artigos: 4º/5; 25º/1 e 6º/4/e R
2016/679.

Proteção post mortem: Só se refere a pessoas vivas no RGPD. No entanto, a lei nacional
alargou esta proteção a pessoas já falecidas nas categorias de dados sensíveis (religião,

111
sexualidade), vida privada, imagem e dados relativos à comunicação. Há uma extensão
que a lei nacional faz ao RGPD.

É possível a disposição para efeitos depois da morte através da qual se diga que os nossos
herdeiros não podem exercer direitos relativamente aos nossos dados.

Art. 17º lei n.º 58/2019, de 8 de agosto: nº1- 1 – “Os dados pessoais de pessoas falecidas
são protegidos nos termos do RGPD e da presente lei quando se integrem nas categorias
especiais de dados pessoais a que se refere o n.º 1 do artigo 9.º do RGPD, ou quando se
reportem à intimidade da vida privada, à imagem ou aos dados relativos às
comunicações, ressalvados os casos previstos no n.º 2 do mesmo artigo”.

A Carta Portuguesa refere no seu art. 18.º (direito ao testamento digital) que “Todas as
pessoas podem manifestar antecipadamente a sua vontade no que concerne à disposição
dos seus conteúdos e dados pessoais” e que os herdeiros não podem suprimir contas
pessoais em plataformas digitais com manifestações de vontade no que concerne à
disposição dos seus conteúdos e dados pessoais.

Reserva da vida privada e proteção de dados

1. A reserva de vida privada é um direito a controlar a informação relativa às esferas


pessoal, privada e de segredo da pessoa.

Impõe aos demais um dever geral de respeito e abstenção.


Compreende a esfera privada de cada um, por contraposição à esfera pública, cujo
âmbito varia caso-a-caso.

2. A proteção de dados é um direito ativo, de controlo relativamente ao processamento


de dados, de modo que este seja justo, para objetivos específicos e baseado no
consentimento.

Titular com capacidade de controlo do processamento através de prerrogativas que


a lei prevê.

Compreende o direito de acesso aos dados, à sua retificação, supervisão do seu


processamento por uma entidade competente. Abrange qualquer processamento de
dados independentemente da sua natureza privada.

Há informações relativas à vida privada que não são dados pessoais e vice-versa. Há
informações que são comuns a ambos e aí haverá uma dupla tutela.

112
Ex: Se for publicada uma lista dos alunos da FDUP com as suas moradas, isto tenta contra
a reserva da vida privada.

• Princípios gerais do RGPD

c) Princípio do tratamento lícito, leal e transparente (art. 6.º/1 e 39º): o


tratamento tem que ter na sua base o consentimento do titular (licitude
fundamenta-se no fundamento) ou, não havendo, pode haver outras bases
para o tratamento lícito, nomeadamente quando o tratamento é necessário
para a defesa de interesses vitais do titular;

d) Princípio da limitação das finalidades (art. 6.º/4, 50º e 39º): o dado é


tratado para um ou vários fins específicos que são definidos à partida;

e) Princípio da minimização dos dados - só devem ser recolhidos os dados


mínimos para que aquele fim seja possível;

f) Princípio da exatidão dos dados: os dados devem corresponder à verdade


(art. 39º) há direito à sua correção;

g) Princípio da limitação da conservação - deverão ser destruídos quando já


não forem necessários;

h) Princípio da segurança dos dados - os métodos de tratamento devem ser


desenhados para garantir a segurança (artigos 32º, 33º/1, 34º, 39º);

i) Princípio da responsabilidade do “controlador” dos dados (arts. 24º, 25º,


30º e 37º-39º).

• Direitos dos titulares de dados:

j) Direito à informação - direito a saber se os seus dados estão a ser tratados,


que dados estão a ser tratados e para que fins (12º- 14º);

k) Direito de acesso aos dados - saber que dados estão a ser tratados
(relaciona-se com o anterior) e aceder aos dados (15º);

l) Direito de retificação - dos dados inexatos (16º);

m) Direito de “apagamento” - direito a ser esquecido; direito que se discutia


mas que aparece aqui consagrado (17º);

n) Direito à limitação do tratamento - o tratamento só deve ser levado a cabo


para os fins que lhes digam respeito (18º, 19º);

113
o) Direito de portabilidade - o titular pode pedir a quem está a fazer o
tratamento os seus dados para os entregar a outro prestador de serviços
(20º);

p) Direito de oposição (21º);

q) Direitos relativos a decisões autonomizadas - quando a decisão contenda


com a nossa esfera jurídica- prende-se com a utilização de perfis (22º);

r) Direito de indemnização no caso de violação destes direitos (77º-84º).

São as traves-mestras deste diploma. Apesar da evolução de um regime bastante


complexo relativamente à proteção de dados, estes princípios já estavam presentes na
diretiva anterior, mas sem a densidade que o RGPD prevê.

Critica-se que o regime do regulamento não está compatibilizado com “big data”, a ideia
de licitude está assente no consentimento. Na prática, a ideia de consentimento não é
praticável. Fala-se na desatualização do regime e que é necessário arranjar outras
soluções.

A UE quer dinamizar o mercado dos dados ao mesmo tempo que os quer proteger e estas
duas ideias não são muito compatíveis.

Ø Direito à verdade profunda

Surge-nos como um direito de administrar a vontade. Não é propriamente um direito à


mentira.

É um direito à confidencialidade, direito de administrar a própria verdade. Impede os


meios de deteção da mentira sem autorização da pessoa.

Ex: na seleção de candidatos para um emprego, uma pessoa omite certas características
suas que podiam ser importantes para a sua não seleção. Está em causa o direito à verdade.

v PROJEÇÃO MORAL, EM CONCRETO

Ø Direito à honra

Direito à reputação, ideia que as outras pessoas têm de nós (honra externa, imagem que
projetamos nos outros).

Não tem consagração expressa no CC advém do direito à imagem- art. 79º/3.

114
Temos o aprofundamento da honra nos direitos das obrigações – art. 484º CC “Quem
afirmar ou difundir um facto capaz de prejudicar o crédito ou o bom nome de qualquer
pessoa, singular ou coletiva, responde pelos danos causados”. - Os atentados à honra
geram responsabilidade.

Ligado à retidão de carácter, honestidade. O direito pode ser divulgado pela divulgação
de factos verdadeiros - irrelevância da exceptio veritatis.

Temos direito à honra relativamente ao direito à verdade.

Temos tutela civil além da tutela penal, que trata as violações da honra mais graves.

Tem-se reconhecido o direito à honra das pessoas jurídicas/pessoas coletivas. As pessoas


coletivas têm direitos de personalidade, que podem fazer sentido na sua esfera jurídica
(ex.: quando se diz que uma sociedade comercial não paga aos seus fornecedores é uma
violação da sua honra). Podem, portanto, invocar este direito.

s) Honra propriamente dita - comum a todas as pessoas; círculo variável (de


pessoa para pessoa). É o aspeto mais ligado à dignidade da pessoa.

t) Honra deontológica e profissional - tem a ver com a forma como cada um


desempenha a sua profissão.

u) Honra económica - saber se alguém cumpre as suas obrigações ou não.

v) Decoro - prende-se com hábitos sociais, forma de vestir. Único aspeto da


honra que é disponível, que pode ser objeto de limitação.

Esta distinção permite graduar um pouco as violações que podem existir do direito à
honra. Será mais grave uma violação da honra propriamente dita (que se entende ser
indisponível) do que do decoro.

O direito à honra é indisponível, contudo este direito pode-se limitar com base no direito
ao esclarecimento, quando a informação for necessária num cargo político; informação
necessária por um motivo de força maior.

A Carta Portuguesa refere-se ao direito à honra no art. 12.º: “Todos têm direito à
identidade pessoal, ao bom nome e à reputação, à imagem e à palavra, bem como à sua
integridade moral em ambiente digital.”

Ø Direito à identidade pessoal

115
Direito inato. É o direito à identificação da pessoa (não confundibilidade) e à identidade
em sentido estrito.

Abrange direito aos meios de identificação pessoal:

1. Direito (e proteção) ao nome- art. 72º CC. A lei permite a homonímia- o nome
não é de uso exclusivo, porém os que têm o mesmo nome não podem usar o
mesmo nome fazendo-se passar por outra pessoa.

2. Proteção do pseudónimo: goza da proteção conferida ao próprio nome (74º CC).

Abrange à verdade pessoal: Direito a que não se deforme a verdade através de


informações falsas; é violado pela mentira, ainda que não denegatória.

A identidade pessoal aparece no art. 12.º da CPDHED. Para além disso, o legislador
acrescenta que incumbe ao estado combater a usurpação de identidade (artigo 12º/2).

Ø Direito à criação pessoal

Direito inato, embora abranja a proteção do direito de autor, que não é um direito inato.

É o direito a criar, que é violado quando se limita a liberdade de criação artística,


científica, literária, etc.

Compreende o direito moral de autor, que é um direito adquirido, porque pressupõe a


existência de uma obra (ex. se eu tiver escrito um romance apenas na minha cabeça, não
há um suporte objetivo, só haveria objetivação da minha obra quando, por exemplo, eu o
começasse a dizer). É tutelado pelo Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos.

Tem tutela post mortem: 50 anos após a morte.

Os direitos de autor possuem duas vertentes:

1. Direito patrimonial: são direitos reais- exploração patrimonial da obra.

2. Direito moral de autor: é uma vertente dos direitos de personalidade- direito de


criatividade. Apenas surge quando se realiza uma obra, quando um sujeito se torna
autor. Abrange uma série de faculdades jurídicas secundárias:

A. Direito à paternidade da obra (todo o autor tem direito a que seja


reconhecido a autoria da obra);

B. Direito ao inédito (o autor controla quando a obra deve ser editada);

C. Direito à intangibilidade da obra (direito à obra não ser alterada);

116
D. Direito à dignidade da obra (proibição de atitudes que atentem, por
exemplo, contra o espírito da obra);

E. Direito de sequência (tem um cariz mais patrimonial porque o autor pode


beneficiar das valorizações extraordinárias que a obra possa ter).

Tutela específica do Direito moral de autor:

ü DL nº 252/94, de 20 de outubro
ü Carta portuguesa de direitos humanos na era digital
ü DL nº 252/94, de 20 de outubro

4.1.2 Autolimitação dos direitos de personalidade

4.1.2.1. Consentimento do ofendido

Alguns direitos de personalidade podem ser limitados pelo seu titular. O facto de haver
uma limitação do direito de personalidade não extingue o mesmo.

Limites à autolimitação têm no topo o direito à vida (ainda não vigora a lei da eutanásia)
- as limitações da integridade física não podem pôr em causa o direito à vida. Têm como
limite inferior as exigências da vida em sociedade.

O consentimento é sempre limitado pela ordem jurídica e pelos bons costumes (arts.
81º/1, 340º e 38º/1 do CP). O 280º CC é também aqui integrado na medida em que não
admite objeto de negócio jurídico contrário à ordem publica ou ofensivo dos bons
costumes- é relevante nesta matéria quando a autolimitação de direitos é objeto de um
contrato.

Se a limitação ao direito é consentida pelo seu titular, mas não é lícita, o consentimento
é ilícito. Poderá, contudo, é a questão do consentimento, em termos de indemnização, este
aspeto ser tida em conta.

Dentro deste consentimento a doutrina costuma fazer algumas distinções, o Prof. Orlando
de Carvalho faz uma distinção entre:

a) Consentimento vinculante: confere o pode jurídico de agressão- é resultado de um


negócio jurídico (a revogação configura uma rutura do contrato);
b) Consentimento autorizante: refere-se a um compromisso jurídico sui generis.
confere um poder fático de agressão, revogável a todo o tempo. A quebra dá lugar,

117
não a responsabilidade civil, mas a uma indemnização pelas legítimas
expectativas frustradas (81º/1).
c) Consentimento tolerante: Não atribui um poder de agressão, mas constitui uma
justificação da ação (art. 340º/1) - pode ser presumido.

O consentimento autorizante e vinculante: têm que ser prestados pelo próprio (desde que
tenha discernimento) juntamente com o seu representante, pois requerem capacidade
negocial.
Consentimento tolerante: pode existir consentimento do representante (admite-se
consentimento presumido).

Lei nº 58/2019, de 8 de agosto (lei da proteção de dados pessoais). Estabelece uma idade
mínima para consentir de 16 anos. No entanto, na lei nacional exige-se apenas os 13 dados
relativamente ao consentimento para a oferta de serviços da idade de informação.

• Consentimento dos menores, em específico


Capacidade dos menores para consentirem:

I. Consentimento autorizante e vinculante: devem ser prestados pelo próprio (desde


que tenha discernimento) juntamente com o seu representante, pois requerem
capacidade negocial.
II. Consentimento tolerante: pode existir um consentimento do representante
(admite-se, inclusive, um consentimento presumido).
Não se exige capacidade negocial: o menor pode consentir se tiver
discernimento/maturidade para entender as implicações da agressão (art. 38º/3, Código
Penal: 16 anos).

Art. 16º Lei 58/2019 – consentimento de menores na lei da proteção de dados, baixou a
idade em causa para os 13 anos.

• Revogabilidade
O consentimento é sempre revogável a todo o tempo- art. 82º/2 (1ª parte). Foi isto que
levou, p. ex., o TC a considerar inconstitucional a maternidade de substituição.

Sendo vinculante gera incumprimento contratual- dá lugar a indemnização dos prejuízos


causados com a frustração das legítimas expectativas.

118
Não se admite uma execução específica de um negócio que tenha por objeto o
consentimento porque isso poria em causa a liberdade do titular dos direitos de
personalidade.

Fundamento do “direito ao esquecimento”: possibilidade de apagamento dos dados por


já não existir um consentimento para a sua divulgação.

• Capacidade
Capacidade de gozo vs capacidade de exercício

O princípio é de que todos têm capacidade de gozo (67º). Mas há algumas incapacidades
de gozo que importa referir:
1. incapacidades nupciais- 1601º, 1602º;
2. incapacidade para perfilhar- 1850º;
3. relativamente aos testamentos- 2189º.
Capacidade de exercício: as pessoas singulares têm capacidade de exercício a partir da
maioridade (1130º) ou da emancipação (1133º). Será o regime regra. As pessoas coletivas
não têm capacidade de gozo para além do seu fim específico.
Havendo incapacidade de exercício de direitos temos dois institutos para resolver o caso:

• Substituição: o incapaz é substituído pelo representante. O representante legal


atua em nome e no interesse do representado. Neste caso integra-se a maioridade.
• Assistência: está reservada para situações menos graves- é o próprio incapaz que
atua mediante consentimento do assistente.
Caso do acompanhamento de maiores- a lei prevê, entre outras medidas
alternativas, quer a possibilidade de haver representação, quer a possibilidade de
assistência.

4.2. As incapacidades e o acompanhamento


4.2.1. Capacidade dos menores, em específico

A menoridade é uma incapacidade geral, isso significa que abrange os atos de natureza
pessoal e patrimonial (art. 122º:“é menor quem ainda não tiver completado dezoito anos
de idade” e art. 123ºº: “salvo disposição em contrário, os menores carecem de
capacidade para o exercício de direitos”).

A capacidade dos menores é a exceção. A lei prevê 3 exceções no art. 127º:

1. 127º/1 a) Com bens que o menor adquiriu através de rendimentos provenientes do


seu trabalho pode praticar atos relativamente a esses bens (alienar, administrar…);

119
2. 127º/1 b) Temos um conjunto de conceitos indeterminados; haverá que se ver em
cada caso quais são os negócios próprios da “vida corrente do menor”. Depende,
desde logo, da idade do menor. “Despesas (…) de pequena importância” - pode
ser relevante à situação económica do menor, e nessa medida haverá que
interpretar os diferentes conceitos em cada situação concreta.
3. 127º/1 c) Negócios relativos à profissão: se o menor exerce uma profissão e se
essa profissão implica a celebração de contratos (determinados negócios
jurídicos) para esses negócios jurídicos relativos à profissão, ele tem capacidade
e são válidos.
O menor a partir dos 16 anos pode contrair casamento – a idade núbil é 16 anos para
ambos os sexos. Embora que com a oposição dos pais ao casamento seja posta em causa
a validade do casamento – 1604º/a. No entanto, a oposição dos pais/tutores ao casamento
é um impedimento impediente (1604º).

1649º- caso o menor com 16 anos casar e não tiver consentimento dos pais/tutores, este
continua sem emancipação para efeitos de administração dos bens, ou seja, os pais/tutores
continuam a administrar os bens.

Consequências do casamento:

a) 132º CC: O menor será emancipado;


b) 133º CC “A emancipação atribui ao menor plena capacidade de exercício de
direitos, habilitando-o a reger a sua pessoa e a dispor livremente dos seus bens
como se fosse maior, salvo o disposto no artigo 1649º.”
Atos praticados pelos menores:

A consequência da prática de atos por parte dos menores que não estejam previstos na
lei é a anulabilidade (art. 125º) se não constar nenhuma exceção. Este artigo é uma
exceção ao regime geral da anulabilidade dos negócios jurídicos (287º).

ü Os pais ou o tutor podem arguir a anulabilidade. O prazo é de 1 ano a contar desde


o momento em que têm conhecimento do facto e que não pode ir para além da
maioridade do filho (nº1);
ü A partir do momento em que o menor atinge a maioridade este tem 1 ano para
arguir a anulabilidade (nº1,b). O direito de arguir a anulabilidade é um direito
potestativo extintivo, caso não seja exercido é extinto por caducidade. Caso o

120
menor morra, e ainda não havia passado o prazo para arguir a anulabilidade, os
seus herdeiros têm 1 ano para arguir a anulabilidade.
ü Se o menor morre durante esse prazo, os herdeiros podem arguir a anulabilidade
no prazo de um ano a contar da data de morte do menor (nº1, c).
A anulabilidade pode ser arguida por via de ação (ação intentada para o efeito por quem
tem legitimidade para tal) ou de exceção (exceções do processo civil- defesa por exceção).

Art. 126º hipótese de o menor ter atuado com dolo. “Não tem o direito de invocar a
anulabilidade o menor que para praticar o ato tenha usado de dolo com o fim de se fazer
passar por maior ou emancipado”. Devemos concluir que os seus herdeiros também não
poderão arguir a anulabilidade, caso o menor tenha agido com dolo. Agir com dolo, neste
caso, significa que o menor agiu fazendo-se passar por maior ou emancipado.
Para se considerar que há dolo não basta dizer que é maior, o dolo exige algo mais
elaborado. Exige documentação falsa ou criação de uma situação para fingir que é maior,
sugestões e artifícios.

Suscita-se a questão de saber se o art. 126º vale ou não para os representantes legais.

ü Há quem acredite que ninguém tem capacidade de arguir a anulabilidade, ou seja,


o próprio menor não tem legitimidade para arguir a anulabilidade nem a têm os
representantes;
ü Parte da doutrina defende que, uma vez que o papel dos representantes é o de
correção da atuação do menor, fará sentido que possam arguir a anulabilidade,
durante a menoridade (respeitando os prazos).
A incapacidade do menor é suprida através do instituto da representação legal (tutela e
poder parental) – art. 124º.

Pode haver administração de bens paralela- art. 1967º.

• Artigo 1888º do CC: Estão aqui referidos atos excluídos da administração dos pais.
Excluem-se da administração dos pais, por exemplo, bens que foram deixados ou
doados aos filhos com a exclusão da administração dos pais.

• Artigo 1889º do CC: Este artigo enumera o conjunto de atos que os pais podem levar
a cabo desde que autorizados pelo tribunal. Nestas situações, exige-se que o tribunal
se pronuncie e, avaliada a situação, os pais poderão praticar estes atos. Incluem-se

121
aqui atos como, por exemplo, alienar bens, votar em assembleias gerais de sociedades
ou contrair obrigações cambiárias.

Quando os pais pratiquem atos contrariamente ao disposto na lei, estes são anuláveis,
conforme o disposto no artigo 1893º do CC: ´´(...) são anuláveis a requerimento do filho
até um ano depois de atingir a maioridade ou ser emancipado, ou, se ele entretanto fale-
cer, a pedido dos seus herdeiros, excluídos os próprios pais responsáveis, no prazo de
um ano a contar da morte do filho’’.

Desta forma, verifica-se que, relativamente a estes atos, se o menor em causa for muito
novo quando eles foram praticados, será possível a invocação da anulabilidade durante
um longo período de tempo, o que gera instabilidade.

O menor está obrigatoriamente sujeito à tutela se, e de acordo com o artigo 1921º:

5. Se os pais houverem falecido;

6. Se estiverem inibidos do poder paternal quanto à regência da pessoa do filho;

7. Se estiverem há mais de seis meses impedidos de factos de exercer o poder paternal;

8. Se forem incógnitos.

4.2.2. apadrinhamento civil.


A lei prefere o apadrinhamento civil à tutela (artigo 1921º/3 do CC).

O apadrinhamento civil permite a criação de uma relação entre um menor e um padri-


nho civil, sendo esta uma relação perpétua. Posto isto, o apadrinhamento civil é algo que
fica no meio termo entre a tutela e a adoção, porque não são quebrados os laços com os
pais, e vai reger-se em parte pelo regime da tutela.

Quem é que pode ser padrinho civil? Maiores de 25 anos habilitados para o efeito.

Os apadrinhados que tenham 12 anos ou mais têm que consentir neste apadrinhamento
civil. Para além disto, o apadrinhamento civil depende de uma decisão judicial.

Um aspeto importante é que, apesar de ser uma relação perpétua e haver deveres recípro-
cos que se mantêm após a maioridade, a relação não tem efeitos sucessórios.

4.2.3. tutela.
A tutela poderá ser exercida por um tutor (artigos 1927º, 1935º e ss do CC) e um conselho
de família (artigo 1951º do CC e segs).

122
O tutor tem os poderes de representação de menor, no entanto, não tão amplos como os
pais teriam na representação de menores. Isto porque se parte do princípio de que o tutor
não é tão próximo do menor como os pais. O artigo 1937º refere especificamente quais
são os atos que o tutor não pode praticar (exemplo: celebrar contratos em nome do pu-
pilo). Já os atos que dependem da autorização do tribunal estão no artigo 1938.º do CC
(exemplo: aceitação de herança).

O artigo 1939º do CC diz-nos que os atos praticados pelo tutor contrários a estas regras
dos artigos 1937º e 1938º do CC são ‘’nulos’’. No entanto, o que se verifica verdadeira-
mente é um caso de invalidade mista (regime intermédio entre a nulidade e a anulabili-
dade). Isto porque, estas situações são sanáveis mediante confirmação e não pode ser
invocada pelo tutor ou pelos seus herdeiros. Se se tratasse de uma verdadeira nulidade o
tutor poderia invocá-la.

4.2.4. Regime dos maiores acompanhados


A lei respetiva a este regime específico é a lei 49/2018 de 14/08.

O regime dos maiores acompanhados é muito recente no CC e veio revogar regimes an-
teriores como a interdição e a inabilitação.

O objetivo da instauração deste regime foi terminar com a impossibilidade de tutelar a


incapacidade dos maiores e também com o estigma desta situação. No entanto, como é
claro, parte-se de um princípio de capacidade geral dos maiores.

Note-se que o legislador retirou a palavra “incapacidade” e utiliza, em vez de maior ‘’in-
capacitado’’, maior acompanhado (tenha-se em atenção com este tipo de linguagem em
sede de exame).

Þ Pressupostos:
Impossibilidade de exercer, plena, pessoal e conscientemente, os seus direitos ou de cum-
prir os seus deveres por razões de saúde, deficiência ou comportamento (artigo 138º do
CC).
O fundamento pode ser uma qualidade natural da pessoa (exemplo: deficiência) e a
questão só se coloca na maioridade, porque até lá a pessoa esteve protegida pela menori-
dade.
Cabem aqui as situações de perda de capacidade em virtude da idade (exemplo: doenças
generativas).

123
Relativamente ao recurso do regime do maior acompanhado vigora um princípio de sub-
sidiariedade, ou seja, só se deve entrar neste regime quando não existem outras alterna-
tivas como, por exemplo, assistência familiar (artigo 140º/2 do CC). Note-se que a lei
privilegia alternativas, utilizando o regime do maior acompanhado como medida de ul-
tima ratio.

Þ Objetivos:

O objetivo de uma medida de acompanhamento é assegurar o bem-estar e a recuperação


do acompanhado. Não é, de todo, um castigo que se impõe a alguém porque não consegue
reger os seus bens (artigo 140º/1 do CC).

Þ Princípios ordenadores do regime:

• Proteção do acompanhado (artigos 146.º/1 e 140.º/1 do CC): deverá atuar-se na di-


ligência de um bom pai de família e manter contacto permanente com o acompanhado.
• Supletividade (artigo 140º/2 do CC): só se utiliza o regime do acompanhamento se
não existirem outras alternativas, nomeadamente, por exemplo, dos deveres de assis-
tência que decorrem das relações familiares, tal como já foi referido anteriormente.
• Estrita necessidade do acompanhamento (artigo 145º/1 do CC): só será decretado
o acompanhamento se for estritamente necessário, isto é, a sentença deverá limitar-se
ao mínimo, privilegiar a capacidade e só decretar incapacidades/limitações à capaci-
dade quando for estritamente necessário.
• Contacto permanente (artigo 146.º/2 do CC): tem de haver um contacto permanente
entre o acompanhado e o acompanhante, existindo uma obrigatoriedade do acompa-
nhante visitar o acompanhado pelo menos uma vez por mês, ou outra periodicidade
que o tribunal considere adequada.

Þ Legitimidade para requerer:


• O próprio;
• Cônjuge, unido de facto ou parente sucessível, mediante autorização do próprio ou,
se o próprio não puder dar, suprimento judicial;
• Ministério Público, neste caso ele poderá requerer um acompanhante independente-
mente de autorização.
Esta legitimidade para requerer acompanhamento vem prevista do artigo 141º do CC.

Þ Acompanhante:

Quem pode ser acompanhante? Tal vem previsto no artigo 143º do CC.

124
O acompanhante tem que ser uma pessoa maior, com pleno exercício dos direitos, que
melhor salvaguarde o interesse imperioso do beneficiário.

1. A lei privilegia aqui a escolha do acompanhante pelo acompanhado, mesmo até ante-
cipadamente.

2. Se não for escolhido pelo acompanhado nenhum acompanhante este será designado
no processo.

Quanto à designação no processo, temos no artigo 143º/2 do CC uma enumeração mera-


mente exemplificativa:

a) Ao cônjuge não separada, judicialmente ou de facto;

b) Ao unido de facto;

c) A qualquer dos pais;

d) À pessoa designada pelos pais ou pela pessoa que exerça as responsabilidades


parentais, em testamento ou em documento autêntico ou autenticado;

e) Aos filhos maiores;

f) A qualquer dos avós;

g) À pessoa indicada pela instituição em que o acompanhado esteja integrado;

h) Ao mandatário a quem o acompanhado tenha conferido poderes de representação;

i) A outra pessoa idónea.

Para além disto, a lei prevê ainda que possam ser designados vários acompanhantes com
funções diferentes, ou seja, não tem de ser uma pessoa única. A sentença especificará
quais são os atos que os acompanhantes podem ter.

Þ Âmbito de atuação:
Note-se que pode existir delimitação pelo tribunal independentemente do pedido. Este
acompanhamento pode traduzir-se em (artigo 145º do CC):
• Responsabilidades parentais ou meios de as suprir (estas serão medidas mais gra-
ves, nas quais existe substituição completa do acompanhado pelo acompanhante, atu-
ando os pais em vez do maior);
• Representação geral ou especial só para determinados atos (regime da tutela);
• Administração total ou parcial de bens;
• Autorização prévia para determinados atos ou categorias de atos;

125
• Outras medidas explicitadas pelo tribunal (não é uma enumeração taxativa, mas ape-
nas exemplificativa);
• Autorização judicial prévia específica para atos de disposição de bens imóveis;
• Autorização expressa para o internamento (ou ratificação posterior, em caso de ur-
gência)
Note-se ainda que pode existir delimitação do tribunal independentemente do pedido.
Tenha-se em atenção que aqui vigora um princípio da proporcionalidade, ou seja, deve
ser aplicado o acompanhamento na medida em que for necessário para a situação em
concreto. Desta forma, deixa de ser um regime uniforme para ser algo personalizado re-
lativamente a cada caso, inclusivamente, aquele que requer o acompanhamento pode in-
dicar uma determinada medida e o tribunal entender que naquele caso deve ser aplicada
uma medida distinta.
Nestas hipóteses cabem regimes semelhantes aos que tínhamos até 2018 (interdição e
inabilitação).

A sentença é que irá determinar a configuração do acompanhamento, ou seja, as restri-


ções à pessoa dependem da sentença. O juiz tem o poder de adaptar as medidas à situação
do acompanhado, como já foi referido.

Þ Princípio da capacidade:

Vale o princípio da capacidade, o que resulta em que tudo o que não estiver previsto na
sentença é permitido ao acompanhado, sendo este livre, assim como é livre quanto à ce-
lebração de negócios da vida pessoal. Isto vale para direitos pessoais e negócios da vida
corrente (artigo 147º do CC).

Vejamos alguns exemplos de direitos pessoais:

• Casar ou consumir união;

• Procriar;

• Perfilhar ou adotar;

• Escolha de profissão;

• Cuidar e educar filhos;

• Deslocação no país ou no estrangeiro;

• Fixação de domicílio e residência;

126
• Estabelecimento de relações;

• Testar.

Nota: Houve um acórdão que entendeu que se poderia restringir o direito ao voto.

Þ Acompanhado - capacidade

Veja-se a este propósito o artigo 154º do CC.

Até à maioridade, aplica-se o regime da menoridade. Os atos praticados pelos menores


são anuláveis mediante o artigo 125º do CC. Note-se que o acompanhamento pode ser
requerido e instaurado dentro do ano anterior à maioridade, para produzir efeitos a partir
desta (artigo 142º do CC). Para além disto encontra-se pendente contra o menor, ao atingir
a maioridade, ação de acompanhamento, mantêm-se as responsabilidades parentais ou a
tutela até ao trânsito em julgado da respetiva sentença (artigo 131º do CC).

A partir da maioridade, atinge-se a capacidade de exercício, pelo que os negócios pra-


ticados pelos maiores são, em regra, válidos.

Quando atingida a maioridade a hipótese que se tem de ressalvar é a de que desta pessoa
não ter uma medida de acompanhamento, pode haver pessoas que não são naturalmente
capazes, mas legalmente capazes (exemplo: falta de discernimento), aplicando-se o re-
gime da incapacidade acidental (artigo 257º do CC), que se aplica a qualquer capaz e
também para um maior com uma incapacidade natural e na pendência de uma ação de
acompanhamento.

Se a incapacidade era conhecida da contraparte, ou deveria (a contraparte era capaz de


perceber que a pessoa não estava em condições de efetuar o negócio ser o negócio será
nulo. O artigo 257º do CC aplica-se em qualquer situação em que uma pessoa capaz esteja
acidentalmente/temporariamente incapaz e também quando alguém é naturalmente inca-
paz.

Na pendência do processo, estas pessoas continuam a ser capazes, pelo que o que a lei
diz relativamente a estes casos é que na pendência da ação, anunciada a ação, os negó-
cios praticados por estas pessoas só são anuláveis se se mostrarem prejudiciais ao acom-
panhado. Se for um negócio que o beneficie não é anulável (artigo 154º/3 do CC).

Resumindo e concluindo, só é anulável se tivermos uma sentença de acompanhamento,


e ainda assim a anulabilidade dependente de um juízo quanto ao prejuízo, isto vale até
ao registo da sentença. Só a partir daí os negócios praticados pelo acompanhado que são

127
contrários à sentença são anuláveis, até lá, só é aplicado o juízo de prejuízo e os requi-
sitos da incapacidade acidental.

Þ Mandato com vista a um futuro acompanhado:

Também há a possibilidade do mandato com vista ao acompanhamento (artigo 156º do


CC). A pessoa, quando está na posse das suas plenas faculdades, pode estabelecer um
mandatário para administração dos bens futuros. O tribunal, numa situação de acompa-
nhamento, pode decidir manter o mandato, algo que antes não era permitido.

Mandato: contrato típico, regime previsto no artigo 1157º do CC e ss – uma das partes
se obriga a praticar um ou mais atos jurídicos por conta da outra.

Aplica-se a estes mandatos o regime geral dos contratos de mandatos (artigo 156º/2do
CC).

O tribunal terá em conta este mandato para definir o âmbito de proteção e para a desig-
nação do acompanhante. O tribunal poderá avaliar este mandato (artigo 156º/3 do CC).

4.3. Pessoas coletivas: doutrina geral

Não só as pessoas humanas, físicas têm personalidade jurídica, também há outras


realidades que gozam de personalidade jurídica, concretamente as pessoas coletivas.

Em rigor devíamo-nos referir a pessoas jurídicas e não pessoas coletivas, tendo-se


vulgarizado esta última expressão. Esta personalidade jurídica tem fundamentos muito
distintos da personalidade jurídica da pessoa humana- será analógica e instrumental,
sedo que o direito atribui personalidade jurídica para que possam prosseguir os seus fins.

As pessoas coletivas são indispensáveis para os negócios jurídicos porque tornam


possível associar grupos de pessoas, arrecadar massa de bens que permitem chegar mais
longe do que uma pessoa sozinha. Em última instância, também visa a proteção da pessoa
individual.

Existem uma multiplicidade de pessoas coletivas, mas a lei consagra um princípio básico
de tipicidade de pessoas coletivas, ou seja, só são permitidas as pessoas coletivas previstas
na lei (princípio da tipicidade). Desta forma, temos duas modalidades:

128
Þ Pessoas coletivas com natureza pessoal: Correspondem às chamadas corporações,
que são conjuntos de pessoas.
Þ Pessoas coletivas com natureza patrimonial: Aqui já não se trata de um conjunto
de pessoas, mas sim de um conjunto de bens, um património, dotados de personali-
dade jurídica. Estas são chamadas as fundações.

Para que surja uma pessoa coletiva precisamos que se reúnam dois elementos (elemento
de facto, o substrato, e elemento de Direito).
Þ Elemento de facto (substrato): pode ser pessoal (corporações, conjunto de pes-
soas) ou patrimonial (fundações, massa de bens que é reunida para um determi-
nado fim).
• Pata além do elemento pessoal e patrimonial tem de se distinguir um ele-
mento teleológico, o fim da pessoa coletiva, que podem ser egoísticos e
altruísticos. As corporações podem prosseguir quer um quer outro, até um
fim lucrativo, mas as fundações prosseguem necessariamente um fim so-
cial, um fim altruístico.
Estando na base da constituição das pessoas coletivas um negócio jurídico
este fim tem de estar de acordo com o previsto e limites propostos para o
negócio jurídico, não pode ser contrário à boa-fé e bons costumes (artigo
280º do CC – ‘’É nulo o negócio jurídico cujo objeto seja física ou
legalmente impossível, contrário à lei ou indeterminável. É nulo o negócio
contrário à ordem pública, ou ofensivo dos bons costumes’’). Estes
requisitos aplicam-se às pessoas coletivas (artigo 158º-A do CC).

Este fim tem de ser comum aos vários elementos dos membros da pessoa
coletiva, portanto, todas elas têm que ter o mesmo fim e esta comunhão
explica a proibição dos pactos leoninos (artigo 994º do CC, note-se que é
aplicado a todas as sociedades comerciais). Exemplo de pacto leonino: O
contrato de sociedade que visa o lucro e os lucros são distribuídos por
todos menos pelos membros X e Y.

Normalmente os fins têm caráter duradouro. No entanto, não parece haver


exigência temporal, pode ser um elemento a considerar para as fundações,
mas não é um requisito necessário.

129
Podemos constituir uma sociedade para um determinado fim com uma
duração limitada, o fim não tem de se prolongar infinitamente.

• Elemento institucional: vontade de constituir uma pessoa coletiva (ani-


mus personificandi).
• Elemento organizatório: a pessoa coletiva fica dotada de órgãos com
vista à prossecução das suas finalidades. Normalmente estas regras quanto
aos órgãos decorrem dos estatutos da pessoa coletiva, podemos distinguir
órgãos deliberativos (tem efeitos internos, fazem escolhas em nome da
pessoa coletiva e formam a vontade da pessoa coletiva) e executivos (tem
efeitos externos, exteriorizando a vontade dos órgãos deliberativos para o
exterior). Ainda podemos contrapor órgãos singulares (emite uma decisão)
e colegiais (delibera), consoante a composição dos mesmos.

Þ Elemento de direito (reconhecimento): atribui personalidade jurídica ao ele-


mento de facto. Dentro do reconhecimento podemos fazer distinções:
• Reconhecimento normativo: a lei estabelece determinados requisitos e,
portanto, preenchendo estes requisitos as pessoas coletivas adquirem per-
sonalidade jurídica.
ü Reconhecimento normativo incondicionado: Corresponde à perso-
nalidade jurídica quando se reúnam os elementos relativos ao subs-
trato, ou seja, basta existir substrato para existir personalidade jurí-
dica.
ü Reconhecimento normativo condicionado: A lei vem exigir alguns
requisitos para além do substrato para que a pessoa coletiva adquira
personalidade jurídica.

No nosso sistema temos um reconhecimento normativo condicionado nas sociedades,


concretamente nas sociedades comerciais. As sociedades comerciais têm de ser
constituídas mediante contrato, tendo de adotar um dos previstos na lei- adotado um
destes tipos estas adquirem personalidade jurídica, mediante registo.

130
O mesmo se passa com as associações, que têm de ser constituídas por escritura pública
ou outro meio admitido, adquirem personalidade jurídica com a verificação da forma
(artigo 158º/1 do CC).

Nas fundações o regime é diferente, tendo estas personalidade jurídica por


reconhecimento individual, sendo competência da autoridade administrativa (Primeiro-
Ministro), com possibilidade de delegação (artigo 158º/2 do CC).
Reconhecimento individual: a personalidade jurídica é reconhecida caso a caso pela
administração pública, mediante ato administrativo de uma autoridade.

4.3.1. Classificação de pessoas coletivas:


Como já se perceber, podem existir as seguintes pessoas coletivas (artigos 57º e ss do
CC):
• Associações;
• Fundações;
• Sociedades.

As sociedades podem ser:


• Sociedades comerciais;
• Sociedades civis sob a forma comercial;
• Sociedades civis simples.

Relativamente às sociedades comerciais estas visam o lucro como seu fim. As


sociedades comerciais estas podem ser de 4 tipos:
• Sociedades em nome coletivo: Os sócios respondem individualmente pelas suas
entradas respondem pelas dívidas da sociedade de forma solidária e subsidiária;
• Sociedades por quotas: Os sócios são responsáveis por entradas convencionais,
mas não respondem pelas dívidas da sociedade. No entanto, note-se que os sócios
respondem solidariamente pelas entradas;
• Sociedades anónimas: O capital é dividido por ações e o sócio só responde pelas
suas ações;
• Sociedades em comandita: São, no fundo, uma mistura entre as sociedades em
nome coletivo e as sociedades anónimas. Existem neste contexto sócios comandi-
tados (respondem pelas dívidas da sociedade da mesma forma que respondem os

131
sócios da sociedade em nome coletivo) e comanditários (têm responsabilidade li-
mitada). Para além disto, podem existir sociedades em comandita simples (capital
não está dividido em ações) ou por ações (seguem as regras de sociedades anóni-
mas).

Para além destas, existem sociedades que não têm fins comerciais, mas podem
constituir-se no código de sociedades comerciais.
Þ Sociedades comerciais: Já referenciados os seus 4 tipos acima, sabe-se que as socie-
dades comerciais têm como objeto a prática de atos de comércio e regem-se pelo CSC.
Se a sociedade praticar uma atividade comercial ou empresarial, vai ser sempre soci-
edade comercial.
Þ Sociedades civis sob forma comercial: Têm fins lucrativos, mas não têm fins co-
merciais e adquirem personalidade jurídica com o registo. São reguladas nos mesmos
termos que as sociedades comerciais, aplica-se igualmente o CSC.

Þ Sociedades civis simples: Não adotam fins comerciais e regem-se por regras do Có-
digo Civil (artigos 980º e segs do CC). A questão que se levanta é a de saber se têm
ou não personalidade jurídica. Dentro deste assunto temos o artigo 158º do CC (per-
sonalidade jurídica das associações e fundações) e o código das sociedades comerci-
ais, mas relativamente as sociedades civis simples não temos nenhuma norma que nos
diga como adquirem personalidade jurídica. Ora, parece que elas também não apare-
cem referenciadas na parte geral do Código Civil como se tratando de pessoas jurídi-
cas, mas esta ideia não é acolhida de forma unanime pela doutrina, não sendo um
argumento decisivo para suportar que as sociedades civis simples não têm personali-
dade jurídica. Por exemplo, Oliveira Ascensão não concorda com isto, e tem a con-
vicção de que estas têm personalidade jurídica.

Analisemos agora as associações. As associações aparecem referenciadas no artigo 167º


e segs do CC.

O âmbito de constituição das associações é por um negócio plurilateral e que é feito por
escritura pública (artigo 158º do CC). Isto tudo sem prejuízo da lei especial, que refere
que o negócio também poderá ser executado por documento particular autenticado nos
momentos em que a associação se constitua.

132
A lei especial será, aqui, a Lei 40/200, que prevê um processo simplificado de
constituição de associações.

Verifica-se que o negócio tem de ter uma série de elementos sob pena de se considerar
um negócio nulo: artigo 167º do CC – “O acto de constituição da associação especificará
os bens ou serviços com que os associados concorrem para o património social, a
denominação, fim e sede da pessoa coletiva, a forma do seu funcionamento, assim como
a sua duração, quando a associação se não constitua por tempo indeterminado”.

Falhando estes requisitos, o negócio será nulo, isto por aplicação do artigo 294º do CC,
e se falhar a forma será nulo por falta de forma por base do artigo 220º do CC.

A lei prevê a publicidade da constituição da pessoa coletiva e dos seus estatutos. Face à
falta de publicação a consequência será a ineficácia da constituição da associação face a
terceiros (artigo 168º/3 do CC). A publicidade também deve existir face à existência de
uma alteração posterior.

O artigo 182º do CC prevê as causas de extinção da associação:


‘’1. As associações extinguem-se:
a) Por deliberação da assembleia geral;
b) Pelo decurso do prazo, se tiverem sido constituídas temporariamente;
c) Pela verificação de qualquer outra causa extintiva prevista no acto de constituição ou
nos estatutos;
d) Pelo falecimento ou desaparecimento de todos os associados;
e) Por decisão judicial que declare a sua insolvência.

2. As associações extinguem-se ainda por decisão judicial:


a) Quando o seu fim se tenha esgotado ou se haja tornado impossível;
b) Quando o seu fim real não coincida com o fim expresso no acto de constituição ou nos
estatutos;
c) Quando o seu fim seja sistematicamente prosseguido por meios ilícitos ou imorais;
d) Quando a sua existência se torne contrária à ordem pública.’’

Falando agora das fundações.

133
As fundações surgem mediante um negócio jurídico unilateral, que pode decorrer de um
testamento ou mediante um ato entre vivos, não nos referimos à constituição de
fundações, mas sim instituição de fundações. - art.185º CC-

Se o negócio jurídico que deu origem à instituição for um testamento, ele rege-se pelas
regras do testamento (artigo 2204º e segs do CC).
Se se tratar de um ato entre vivos o artigo 185º do CC prevê que este ato conste de
escritura pública (salvo o disposto na lei especial) e há um requisito de publicidade para
que a fundação produza efeitos relativamente a terceiros.

Deve ser indicado o fim da fundação e os bens que constituem o substrato patrimonial.
O reconhecimento vai ser requerido pelo instituidor ou herdeiros e o negócio torna-se
irrevogável. Será o instituidor que irá lavrar os estatutos ou os elaborares do testamento
(artigo 187º do CC). A lei manda observar a vontade real do fundador ou vontade
presumida.

Para que a fundação seja reconhecida, vai ser analisado o interesse social indicado, mas
também será negado se o património afetado à fundação for insuficiente.
O artigo 188º/3 do CC enuncia as razões pelas quais pode ser negado o reconhecimento
de uma fundação:

‘’O reconhecimento pode ser negado:


a) Se os fins da fundação não forem considerados de interesse social pela entidade
competente, designadamente se aproveitarem ao instituidor ou sua família ou a um
universo restrito de beneficiários com eles relacionados;
b) Se o património afetado for insuficiente ou inadequado, designadamente se estiver
onerado com encargos que comprometam a realização dos fins estatutários ou se não
gerar rendimentos suficientes para garantir a realização daqueles fins;
c) Se os estatutos apresentarem alguma desconformidade com a lei.’’

A autoridade competente para o reconhecimento é o Primeiro-Ministro.


Em qualquer dos casos, sendo negada a instituição, é preciso saber que destino se dá aos
bens (artigo 188º/5 do CC). Negado o reconhecimento por insuficiência do património,
fica a instituição sem efeito, isto se o instituidor for vivo. Se já houver falecido serão pois
bens entregues a uma associação ou fundação de fins análogos, que a entidade competente
designar, salvo disposição do instituidor em contrário.

134
As causas de extinção de fundação estão no artigo 192ºdo CC e prevê-se que a fundação
pode ser extinta pela entidade competente em que o fim real é diferente do fim que a
instituição previa.

4.3.2. Capacidade das pessoas coletivas

Na personalidade e capacidade importa ver quais os seus contornos. O art. 160º do CC


refere que a capacidade abrange todos os direitos e obrigações necessários e convenientes
para a prossecução dos fins.

Temos a mesma ligação estreita entre personalidade e capacidade como nas pessoas
singulares. A capacidade é de gozo, mas esta é mais restrita do que a capacidade de gozo
de pessoas singulares.

Ainda assim, o legislador consagrou uma capacidade subordinada ao princípio da


especialidade dos fins com limitações, porque aqui o que se prevê é, não só a
possibilidade de ser titular de direitos e obrigações, mas também capacidades
convenientes para a prossecução dos fins, ou seja, podem não ser necessários, mas
convenientes para a realização dos fins.
As limitações de capacidade:
• A possibilidade de ser titular de direitos e obrigações necessários e convenientes
para a prossecução dos fins;
• Direitos e obrigações necessários e convenientes à prossecução dos fins, que não
sejam de natureza pessoal (a pessoa coletiva não poderá casar, perfilhar, etc…);
• Não sejam vedados por lei.

A medida da capacidade de exercício é equivalente à capacidade de gozo. Atos realizados


fora da capacidade de gozo serão nulos, porque serão contrários à lei, nos termos do artigo
294º do CC em relação com o artigo 160ºdo CC.

Falamos de uma capacidade técnico- jurídica de agir. A participação da pessoa coletiva


surge no artigo 163º do CC que nos diz quem representa a pessoa coletiva, sendo
apresentadas duas hipóteses: representação por quem os estatutos determinarem, na falta
de estipulação estatutária cabe à administração ou alguém designado pela administração.
Se a administração designa determinada representação, falamos em representação

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voluntária nos termos gerais, nesta hipótese vamos aplicar as regras da representação
previstas na parte geral do Código Civil, concretamente os artigos 258º e ss.

A aplicação das regras do direito das obrigações e responsabilidade obrigacional exige


a intermediação do artigo 800º do CC em que o devedor responde pelos atos daqueles que
atuaram em sua representação.

Se falamos de responsabilidade extracontratual vale o artigo 165º do CC e diz-nos que


as pessoas coletivas são responsabilizadas de acordo com o artigo 500º do CC, o
legislador não distingue consoante o tipo de representação.

Nas pessoas coletivas a denominação social corresponde ao nome das pessoas singulares,
o CC apenas se refere à denominação na parte geral quanto às associações no artigo 167º.

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