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Laura Aires

Direito das Coisas

2021/2022
Professora Doutora Mónica Jardim

Natureza Jurídica dos Direitos Reais

Parte Geral

Distinção entre Direito das Coisas e Direito das Obrigações

O Homem para substituir precisa de meios, e, como esses são escassos, tornam-
se bens económicos, sendo alvo de disputas e conflitos. Torna-se necessário regular o a-
cesso a esses bens e, por isso, surge o Direito Civil Patrimonial, que pode ser definido,
de acordo com Mota Pinto, como “aquele conjunto de normas atribuidoras de bens e defi-
nidoras da sua utilização, abrangendo outrossim aquelas regras que regulam a troca dos
bens entre as pessoas e a cooperação prestada por estas umas às outras - bens e coope-
ração avaliáveis em dinheiro”.

Dentro do Direito Civil Patrimonial encontramos 2 ramos:

- Direito das Obrigações - regula o acesso as coisas, sendo que não há um poder dire-
to e um domínio autónomo sobre a coisa.
Exemplo: num contrato de arrendamento o que se pretende é usar a coisa de forma di-
reta e imediata, mas só é possível utilizar essa coisa porque o dono da coisa se obrigou
a facultar a coisa e, então, enquanto não for entregue a coisa, eu não posso utilizá-la.
Trata-se de um compromisso pre-existente.
- Direito das Coisas - regula o domínio autêntico e absoluto sobre as coisas e a direta e
imediata utilização das coisas, de forma autónoma sem mediador ou intermediários
(não pressupõe a interferência de terceiros), esquecendo, neste caso, o Direito das Su-
cessões. Encontra-se regulado no Código Civil, no Código Registo Predial, no Código
do Notariado, no Regime da Propriedade Horizontal e no Direito Real de Habitação Pe-
riódica e Duradoura.

Distinção entre direitos reais e direitos de crédito

Nos termos do artigo 397º do CC podemos retirar uma noção de obrigação, víncu-
lo jurídico, sendo que uma pessoa fica adstrita a realizar determinada prestação a favor
de outra pessoa. Por sua vez, direito de crédito é um vínculo segundo o qual uma pe-
ssoa (credor) pode exigir de outra (devedor) uma determinada prestação, que pode ter co-
mo objeto uma coisa, uma atividade ou uma abstenção.

Porém, para definir direito real torna-se mais difícil e, por isso, várias teorias foram
surgindo na doutrina.

Teoria realista, clássica ou posição tradicional

Segundo esta teoria, o direito real é um poder direito e imediato sobre uma coisa,
existindo uma relação entre uma coisa e uma pessoa, sem que haja um intermediário. A
relação existente tem uma estrutura simples, linear e não intersubjetiva. Ao contrário, os

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direitos de crédito são o poder de exigir de outrem o direito a uma determinada presta-
ção e, portanto, pressupõe uma relação entre pessoas complexa, triangular e intersubjeti-
va.

A caracterização em causa estava subjacente ao Direito Processual Romano.

No entanto, esta teoria não se refere quanto à forma de tutelar o direito real e tam-
bém não realiza a distinção entre direitos reais (poder direto e imediato sobre uma coisa)
e direitos pessoais de gozo (o titular só satisfaz o interesse se atuar direta e imediatamen-
te sobre a coisa).

Teoria personalista

Surgiu no século XIX, inspirada no pensamento Kantiano. Sumariamente, a inter-


subjetividade é um elemento essencial de toda a relação jurídica e, por conseguinte, o
direito real não pode deixar de se traduzir num vínculo entre pessoas.

Críticas da teoria personalista à teoria realista

Em primeiro lugar, a crítica principal é que não existem relações entre homens e
coisas, uma vez que todas as relações são entre pessoas, ou seja, são subjetivas e, por-
tanto, só em sentido figurado é que se pode falar num homem e numa coisa. Qualquer di-
reito subjetivo é uma pretensão dirigida a um comportamento humano, envolvendo sem-
pre 2 pessoas. Como tal, nos direitos reais existe uma relação entre pessoas.

Enquanto que nos direitos de crédito temos um ou mais devedores determinados


e um credor, nos direitos reais os devedores são todos os homens que não sejam titula-
res do direito real e estejam em situação de poder interferir na esfera do direito real.
Acresce que, todos estão obrigados a não cometerem ingerências na esfera jurídica do ti-
tular do direito real, ou seja, a obrigação atinge todos os titulares do direito real e tem um
conteúdo negativo de não fazer.

Deste modo, o direito real traduz-se no poder de afastar e excluir as ingerências


de terceiros, ou seja, de todos os que estão obrigados a não fazer, isto é, os terceiros vin-
culados pela obrigação passiva (é de não fazer) universal (atinge todos os não titulares
do direito). O direito de crédito é o poder de exigir de outrem uma coisa.

Outra crítica que os personalistas dirigem à teoria clássica é que existem direitos
reais que não envolvem tal poder direto e imediato. Por exemplo, a hipoteca é um direito
real que não envolve um poder direto e imediato.

Exemplo: A pretende adquirir um imóvel e pede emprestado dinheiro ao banco (contrato


de mútuo). O banco concede o empréstimo e celebra o contrato de mútuo, mas para ga-
rantir que verá a devolução do seu dinheiro exige uma garantia, uma hipoteca, ou seja,
que a casa adquirida seja dada em hipoteca. A vai usar, utilizar e fruir da casa, sendo que
o banco (hipotecário) não tem o poder de usufruir da coisa. Então, os personalistas consi-
deravam que, neste caso, tínhamos um direito real que não concede o poder direto e ime-
diato.

Por sua vez, Mónica Jardim entende que não é assim, visto que esse poder direto
e imediato dos direitos reais varia consoante as suas dimensões (de garantia, de gozo ou
de aquisição). Neste caso, estamos perante um direito real de garantia (hipoteca). Efetiva-
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mente o credor hipotecário não fica com a coisa, mas tem outro poder direto e imediato, a
venda judicial do bem, satisfazendo o seu crédito com preferência face a outros credores
de A. Como tal, se A não pagar ao banco, o banco pode intentar uma ação executiva. Este
poder consiste numa afetação jurídica de uma as vantagens que a coisa pode oferecer.

De seguida, os realistas consideram que um direito real é um poder direto e ime-


diato sobre uma coisa, mas, os personalistas entendem que existem direitos reais, que,
apesar de envolverem esse poder, esse poder não é a nota caracterizadora do direito. O
interesse é satisfeito de outro modo, e não com um poder direto e imediato. É exemplo o
penhor (direito real de garantia). Enquanto que a hipoteca tem por objeto imóveis ou mó-
veis equiparados, no penhor o objeto são móveis, direitos de crédito, etc (não são imó-
veis).

Exemplo: A precisa de dinheiro e desloca-se ao banco para solicitar um empréstimo. O


banco concorda em celebrar o contrato de mútuo, mas exige uma garantia. Contudo, A
não tem um bem imóvel para dar de garantia. No entanto, este tem um anel extremamen-
te valioso e, então, sugere ao banco dar o anel como garantia. O banco aceita e celebra
com A o contrato de penhor. Mas, o contrato só é satisfeito quando A entregar ao banco o
anel. Note-se que o banco fica com a coisa no seu poder, mas não pode usar a coisa
(artigo 671º/b) do CC). Caso o A não cumpra com a sua dívida, o banco pode promover a
venda judicial do anel e com o produto da venda satisfazer o seu crédito com preferência
face aos demais credores.

Porém, esta crítica também não procede, uma vez que é esquecido que o poder di-
reto e imediato não é sempre o mesmo, depende do direito real em causa (de garantia, de
gozo ou de aquisição).

Por fim, a última crítica demonstra que existem direitos que não são direitos reais
e, que, apesar disso, envolvem um poder direto e imediato sobre a coisa. Então, a nota
caracterizadora não é este poder direto e imediato. É exemplo o direito de um comanda-
tário ou de um arrendatário.

Exemplo: A pede emprestada a casa de B e B celebra um contrato de comodato. A recebe


a chave da casa, tendo um poder direto e imediato sobre a coisa, podendo usufruir dela.

Quanto a esta crítica, rigorosamente, estes direitos não são direitos reais, mas sim
direitos pessoais de gozo, que envolvem um poder direto e imediato sobre a coisa, e
que tem uma eficácia relativa e não erga omnes. São eficazes inter partes, tal como os di-
reitos de crédito. Sendo assim, esta crítica também não procede, uma vez que a fonte dos
poderes dos direitos pessoais de gozo e os efeitos são diferentes da fonte e dos efeitos
dos direitos reais. O direito pessoal de gozo vale perante aquele que se vinculou e não
perante todas as outras pessoas.

No que toca aos direitos pessoais de gozo, estes envolvem um poder direto e
imediato, que não é autónomo nem independente, encontrando a sua fonte numa relação
intersubjetiva. Assim, são um 3º género, uma vez que não são direitos reais, mas também
não são direitos de crédito. Os direitos pessoais de gozo apresentam-se como estrutural-
mente complexos, visto que tem uma zona periférica, consubstanciada por várias obriga-
ções de conteúdo positivo e negativo, e um núcleo central, que procura retirar da coisa
certas utilidades. Logo, são direitos imediatos mas relativos.

Conflitos de direitos reais


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Concurso de direitos

O concurso de direitos ocorre sempre que sobre uma mesma coisa recai mais do
que um direito real, isto é, sobre uma mesma coisa incidem 2,3 ou 4 direitos reais.

Exemplo: sobre um prédio pode incidir um direito de propriedade e de usufruto (direitos de


tipo diferente).

Exemplo: sobre um prédio incide uma servidão de passagem e uma servidão de aqueduto
(direitos do mesmo tipo, mas de conteúdo diverso).

Exemplo: sobre um prédio incidem várias servidores de passagem (direitos do mesmo ti-
po e do mesmo conteúdo)

Para os personalistas, quando tal ocorre entre os titulares de direito real há uma re-
lação de cooperação intersubjetiva. Contudo, Mónica Jardim não considera que assim se-
ja, o que acontece é que os direitos reais são um conjunto de normas que visam realizar a
ordenação direta dos bens, subordinado-os ao domínio e a soberania das pessoas. Mas
para que esta ordenação ocorra não basta indicar quais são os tipos de direitos reais (go-
zo, garantia e aquisição), é preciso ir mais além, definindo o conteúdo e, ainda, determi-
nar os limites objetivos dentro dos quais os poderes podem ser exercidos. Como tal,
quando são fixados os limites, tudo fica resolvido e não há necessidade de relações inter-
subjetivas.

Exemplo: A é proprietária de um prédio rústico e não há outro direito real a incidir sobre
aquele prédio. Se o vizinho, B, decide passar no prédio de A, esta pode reagir, uma vez
que tem o domínio e a soberania sobre a coisa. O vizinho não pode passar no seu prédio,
já que se encontra vinculado ao dever geral de abstenção. Contudo, imaginemos que A
constitui, a favor do tal vizinho, uma servidão de passagem. Já não poderá reagir, dado
que foi constituída uma servidão.

Sendo assim, não implica qualquer relação intersubjetiva, uma vez que os terceiros
apenas devem imiscuir-se, cumprindo o dever geral de abstenção.

Quanto aos direitos reais menores, estes provam que o direito real não envolve
uma relação intersubjetiva. Há direitos reais menores que nascem independentemente de
qualquer relação entre o proprietário (dado que a propriedade é o direito mais amplo) e o
titular do direito real menor. Os direitos reais menores mantém-se à margem do contrato,
que tem apenas uma função genética ou matricial. Além do mais, os direitos reais meno-
res mantém-se mesmo que se extinga o direito de propriedade, por exemplo, quando
esteja em causa móveis. Por fim, os direitos reais menores podem ser adquiridos por
aquisição originária, sem relação jurídica.

Relações de vizinhança

As relações de vizinhança versam as situações de prédios vizinhos que pertencem


a titulares diferentes, isto é, o exercício de cada um dos direitos de propriedade ocorre en-
tre prédios vizinhos.

O direito de propriedade é muito amplo, e, porque assim é, o facto de alguém estar


a exercer um direito de propriedade sobre o seu imóvel e ao lado estar alguém a exercer
um direito de propriedade sobre o seu imóvel pode, inevitavelmente, gerar conflitos. Note-
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se, contudo, que a lei não cria nem pretende criar relações entre os proprietários.

Os personalistas consideravam que se estabeleciam relações entre os titulares dos


prédios vizinhos. No entanto, Mónica Jardim recusa que haja qualquer tipo de relação en-
tre estes. Os limites objetivos do conteúdo de direito podem ir para além dos limites mate-
riais do objeto ou podem até ficar aquém.

Exemplo: em matéria de plantação de árvores na linha do prédio (está além).


Exemplo: em matéria de ruídos e sons (está aquém).

Teoria eclética ou mista

Atualmente, ainda, é hoje dominante em Portugal, sendo que surgiu na Alemanha.

Para esta teoria, ambas as teorias mencionadas acima se revelam insuficientes.

Sendo assim, é preciso analisar o direito real numa dupla perspetiva: lado interno
(conteúdo) e lado externo (sanção e penalização de terceiros). Para o lado interno, o di-
reito real é um poder direto e imediato sobre uma coisa (inspiração realista). Já o lado ex-
terno, é o poder de afastar as ingerências dos terceiros que estejam onerados com a obri-
gação passiva universal - direito com eficácia erga omnes (inspiração personalista). No
âmbito dos direitos de crédito, o lado interno é o poder que incide imediatamente sobre
o comportamento de outrem e mediatamente sobre uma coisa. Quanto ao lado externo,
é a tutela relativa dirigida contra uma pessoa ou pessoas certas e determinadas (devedor)
(eficácia inter partes).

Porém, acabamos por afastar também esta teoria, recusando que se possa definir
o direito real através de uma componente subjetiva, mesmo que sancionatória.

Teoria realista renovada

Esta teoria parte de Henrique Mesquita, sendo que Mónica Jardim e Margarida
Costa Andrade adotam a mesma, atribuindo-lhe esta designação.

Posição de Henrique Mesquita

De acordo com Henrique Mesquita, o direito real traduz-se numa relação jurídica
através da qual uma coisa fica diretamente subordinada ao domínio ou soberania de uma
pessoa, segundo certo estatuto, que constitui fonte de poderes e de deveres que impen-
dem sobre o respetivo titular.

Apesar de defensor de uma teoria realista, a sua teoria acaba por trazer novidades.
Henrique Mesquita trouxe para dentro dos direitos reais, os deveres e as obrigações
reais, que vinculam o titular do direito real pelo simples facto de o ser e são de conteúdo
positivo (o que não significa que o titular do direito real esteja também constrangido por
deveres de conteúdo negativo, apenas não fazem parte do estatuto do direito real). Por
exemplo, quem tem um carro, pelo simples facto de ser proprietário, todos os anos tem de
pagar o IUC (obrigação real).

Exemplo: A compra um livro na Almedina. O interesse de comprar o livro é satisfeito quan-


do A lê, risca ou anota o livro (exercer um poder direto e imediato) ou quando A está com
os seus amigos e sabe que estes não podem ingerir na sua esfera jurídica (afastar inge-
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rências de terceiros).

Para Henrique Mesquita, o interesse é satisfeito com o poder que é exercido direta
e imediatamente sobre a coisa, e não com o afastamento das ingerências de terceiros. E,
então, a nota caracterizadora do direito real é o poder direto e imediato, considerando que
o núcleo de qualquer relação real é o domínio ou soberania de uma pessoa sobre uma
coisa.

Ademais, é evidente que uma relação creditória é uma relação intersubjetiva, en-
tre pessoas (relação de cooperação).

Mas, uma coisa não é devedora de outra coisa nem de outra pessoa. E portanto,
Henrique Mesquita nega as relações intersubjetivas no quadro dos direitos reais, enten-
dendo que é uma relação entre homens e coisas, sendo que os terceiros não estão vincu-
lados por qualquer obrigação. Porém, isso não significa que os homens não tenham de
cumprir com o dever geral de abstenção, que não é a obrigação passiva universal, uma
vez que a coisa está sobre o domínio de uma pessoa (noção mais ampla do que a obriga-
ção - trata-se de uma conduta específica).

Deste modo, atribui-se soberania a uma pessoa sobre uma coisa, sendo que todos
os outros estão afastados. Nesta medida, afasta-se da teoria eclética porque o dever é
uma consequência.

Distancia-se, também, da teoria realista porque dá conta de como se protege o


direito real, através da tutela contra terceiros e do dever que impende sobre terceiros (de-
ver geral de abstenção). Note-se, contudo, que este autor não nega a existência de uma
sanção para quem não cumpra com o dever de não ingerência.

No final, afasta-se da teoria personalista a propósito dos direitos pessoais de


gozo, considerando que as suas críticas não prosseguem. Nos direitos pessoais de gozo
estamos perante uma relação intersubjetiva (fonte obrigacional), enquanto que nos direi-
tos reais se trata de uma relação de domínio ou soberania. Quanto aos efeitos, nos pri-
meiros são sempre eficazes inter partes. Ao invés, de nos segundos serem eficazes erga
omnes, perante todos os homens.

Posição adotada por Mónica Jardim e Margarida Costa Andrade

Tal como Henrique Mesquita, ambas consideram que o direito real traduz-se num
poder direto e imediato sobre uma coisa, no domínio ou soberania de uma pessoa sobre
uma coisa (núcleo essencial) e, portanto, defensoras de uma teoria realista. Em conse-
quência, leva a subordinação da coisa ao domínio do titular do direito (aspeto positivo da
soberania) e a exclusão de terceiros relativamente a mesma esfera de soberania (aspeto
negativo da soberania). Por isso, o direito real é um direito absoluto, uma vez que é um
direito independente e que não pressupõe uma relação com outrem, não existindo uma
relação intersubjetiva - num polo está uma coisa e noutro polo está uma pessoa.

Deste modo, o direito real visa a ordenação direta dos bens, a sua imediata su-
bordinação a uma pessoa e, portanto, não tem de envolver uma relação entre pessoas,
visto que em causa está uma relação ordenadora e atributiva.

Acresce que, por ser um um direito dotado de eficácia erga omnes, impõe a todos
os não titulares do direito (terceiros) um dever geral de abstenção, que não supõe o es-
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tabelecimento de qualquer relação jurídica entre o titular de direito e os terceiros. O dever
geral de abstenção é apenas corolário da soberania positiva.

Assim, o dever geral de abstenção não envolve uma relação de cooperação com
terceiros, porque o titular de um direito real, para satisfazer o interesse que o levou a ad-
quirir esse direito, tem de atuar direta e imediatamente sobre a coisa, e, dessa forma, o
dever geral de abstenção não assume a função de realizar o direito real do titular.

Porém, as relações obrigacionais são, claramente, relações de cooperação entre


pessoas e, portanto, intersubjetivas. O direito de crédito é um direito relativo, tendo eficá-
cia inter partes, uma vez que o titular do direito de crédito pode exigir a prestação ao de-
vedor, mas não a todas as partes. Não concede uma esfera de domínio e soberania ao
seu titular, este apenas pode exigir de outrem uma determina prestação.

Consequências da caracterização dos direitos reais como relações de domínio ou


de soberania positiva sobre uma coisa

Inerência

Traduz-se num direito inerente a coisa, ou seja, está ligado a coisa e, portanto, não
há direito real sem a coisa. Assim, se a coisa se extinguir, o direito real extingue-se e
deixa de existir (artigos 677º, 730º/c), 752º, 761º, 1476º/1/d), 1485º e 1536º/1/e) do CC).
Por sua vez, se apenas se perder parte da coisa (perda parcial), o direito real subsiste na
parte soberana (artigos 1478º e 1428º/2 do CC).

Da inerência resulta que não se pode transmitir um direito real de uma coisa para
outra. O direito está ligado àquela coisa, não pode ser transferido para outra coisa (artigo
1545º do CC).

Relativamente à mutação da coisa, atendemos ao seguinte exemplo.

Exemplo: A é proprietário de um prédio rústico e decide construir um edifício de habitação


nesse prédio. Se A é proprietário de um prédio rústico e decide construir uma moradia, vai
haver extinção do direito de propriedade constituindo-se um novo direito? Quando a coisa
usufruída passa por uma mutação, continua o mesmo direito real. O usufruto continua, já
que quando a coisa passa por mutações pretende-se que o direito se mantenha, não
sofrendo uma nova constituição sobre uma coisa distinta (artigos 1478º/2, 1479º/2 e
1536º/1/b) do CC).

Por sua vez, casos há em que o desaparecimento da coisa leva a que, em seu lu-
gar, apareça outra coisa que toma o seu lugar. É exemplo quando a coisa desaparece,
mas aparece no património do proprietário uma quantia pecuniária (artigos 692º/1, 1465º,
1480º e 1481º do CC).

Eficácia erga omnes e dever geral de abstenção - remissão para a natureza jurídica
dos direitos reais.

Forte tutela

Os direitos reais gozam de uma forte tutela, ou seja, se violarem o dever geral de
abstenção, atue com culpa ou sem culpa, cause ou não danos, tem de repor a situação

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em conformidade com o estatuto do direito real.

O titular do direito real passa a ter um direito de crédito (pretensão real) contra a-
quele que violar o dever geral de abstenção. Se o titular de direito real ficar privado da
coisa, passa a ter o direito de crédito a que a coisa seja restituída e, então, intenta uma a-
ção de reivindicação (artigos 1311º a 1313º do CC). Ao invés, se não ficar privado da coi-
sa, intenta uma ação negatória, de modo a exigir a eliminação da situação material con-
trária ao estatuto do direito. A estes pedidos pode somar-se um pedido indemnizatório, se
tiver existido danos. Este pedido já não é de natureza real, visto que se funda no facto do
outro ter causado danos, sendo necessário o preenchimento dos requisitos da responsa-
bilidade civil.

Por sua vez, num direito de crédito a tutela é bem mais fraca, dado que o terceiro
só pode ser responsabilizado se souber do direito de crédito ou se tiver uma atuação cul-
posa.

Sequela

A sequela é o poder que se reconhece ao titular de um direito real de seguir a coisa


onde quer que ela se encontre quando o titular do direito real se veja privado do exercício
de poderes sobre ela. Trata-se de uma consequência da eficácia erga omnes e que co-
nhece manifestação nos direitos reais de gozo, através da ação de reivindicação.

Segundo a generalidade da doutrina, o conceito de sequela é também adequado


para enquadrar situações em que o titular do direito real limitado pretende exercê-lo em
face do subadquirente do domínio, através de uma ação negatória.

Artigos 5º do Código do Registo Predial e 291º do CC

As normas legais em causa aparecem, por vezes, indicadas como exceções à se-
quela. Todavia, para Mónica Jardim e Margarida Costa Andrade não se trata de exceções,
mas, antes, de um afastamento do princípio nemo plus iuris.

Artigo 5º do Código do Registo Predial

Decorre do artigo 5º/1 do Código do Registo Predial que “os factos sujeitos a regis-
to só produzem efeitos contra terceiros depois da data do respectivo registo”. E do nº4
que “terceiros, para efeitos de registo, são aqueles que tenham adquirido de um autor co-
mum direitos incompatíveis entre si”.

Exemplo: A vende a B um imóvel, de forma válida, mas B ainda não realizou o registo,
sendo que há um prazo para o fazer. Neste lapso de tempo, A vende a C o mesmo imóvel,
também de forma válida e este regista, já que a 1ª aquisição não lhe é oponível. Neste ca-
so, o direito de B deixa de existir, sendo que a a titularidade do direito é reconhecida a C,
pela ordem jurídica, como não podem existir direitos incompatíveis sobre a mesma coisa.
Ora, se o direito de B deixa de existir, não há uma sequela (deixaria de atuar). Por força
do princípio da consensualidade (artigo 408º/1 do CC), o direito de propriedade transmitiu-
se de A para B no momento do contrato. Consequentemente, quando A vendeu o mesmo
imóvel a C celebrou um negócio nulo, de acordo com o princípio nemo plus iuris, a pro-
priedade já não é de A mas sim de B, e ninguém pode vender mais do que aquilo que é ti-
tular. Porém, o direito de propriedade deve ser registado, de modo a ficar consolidado pe-

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rante terceiros. Assim, se o negócio entre A e C não padecer de outra causa de invalida-
de, apenas a não legitimidade da venda de A, o artigo 5º do Código do Registo Predial
atribui o direito de propriedade a C.

Note-se, ainda, que o registo da 2ª aquisição assume uma função atributiva a favor
do 2º adquirente, com efeitos ex nunc, e uma função resolutiva a favor da 1ª aquisição,
que conduz à extinção do direito primeiramente constituído.

Em suma, não existe uma exceção à sequela, porque não temos um sujeito que é
impedido de seguir uma coisa que é sua. Deste modo, trata-se de um afastamento à regra
nemo plus iuris.

Artigo 291º do CC

A norma em causa pressupõe uma cadeia de transmissões.

Exemplo: A vendeu a B um imóvel, mas este negócio é nulo ou anulável. Antes de ter sido
declarada a nulidade ou a anulabilidade, B vendeu a C, sendo que C cumpriu com os re-
quisitos de validade e ainda registou. Já passaram mais de 3 anos e ninguém intentou a
ação de anulabilidade ou nulidade. Nesse caso, se o negócio vier a ser declarado nulo ou
anulado, isso não vai prejudicar C, C vai efetivamente adquirir o seu direito.

Estamos perante um facto aquisitivo complexo de formação sucessiva, sendo que


o terceiro apenas adquire o direito quando obtenha o registo definitivo e válido e decorra o
prazo, sem que tenha sido proposta e registada a ação de invalidade.

Assim, em causa está um afastamento ao princípio nemo plus iuris e não uma ex-
ceção à sequela, porque o adquirente de boa fé adquire o direito e, consequentemente, o
sujeito passivo do facto jurídico originariamente inválido deixa de o ser ou vê o seu direito
contraído, uma vez que sobre uma mesma coisa não podem existir direitos reais total ou
parcialmente conflituantes.

A máxima “posse vale título”

Em alguns países se um sujeito celebrar uma aquisição de um bem móvel quando


o vendedor não é titular do direito, mas tendo o comprador obtido a posse sobre a posse
alienada, o legislador atribui o direito de propriedade ao possuidor. Temos um afloramento
do princípio posse vale título no artigo 1301º do CC.

Preferência

A preferência manifesta-se em caso de conflito, sendo que os direitos reais afastam


os direitos de crédito ou os direitos pessoais de gozo, mesmo que anteriormente constituí-
dos, bem como os direitos reais, parcial ou totalmente incompatíveis, que tenham sido
posteriormente constituídos.

Para Mónica Jardim, não existe, contudo, um verdadeiro conflito no caso dos direi-
tos pessoais de gozo e, portanto, rigorosamente não se pode falar em preferência. Tam-
bém não acontece um conflito entre um direito de crédito ou um direito pessoal de gozo
anteriormente constituído em relação a um direito real, já que temos de um lado um direito
eficaz inter partes e, do outro, um direito eficaz erga omnes.

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Porém, nos direitos reais de garantia, a ideia de preferência já é pertinente, já
que atribuem ao seu titular uma preferência de pagamento à custa do valor da coisa face
aos demais credores e de outros que detenham uma garantia real. Assim, admitindo que
a mesma coisa possa servir de garantia a mais do que um crédito, e pensando na hipóte-
se de incumprimento de um ou mais créditos garantidos, coloca-se o problema de quem
vai ser pago em primeiro lugar. Dado que a preferência é o critério ordenador de paga-
mentos, pagar-se-à primeiro o credor cuja garantia tenha sido constituída em primeiro lu-
gar (eficácia erga omnes), e assim sucessivamente, a não ser que a lei mobilize critérios
de interesses especiais dos credores.

Acresce que, na preferência são enunciadas algumas exceções. Primeiramente,


os privilégios creditórios, em que a lei, em atenção à causa do crédito, concede a certos
credores, independentemente do registo, de serem pagos com preferência a outro (artigo
733º do CC). Quanto aos créditos privilegiados, serão pagos, se incidirem sobre a mesma
coisa, atendendo à origem ou causa do crédito (artigo 745º do CC). Relativamente aos
privilégios por despesas de justiça, quer sejam mobiliários, quer imobiliários, têm prefe-
rência não só sobre os demais privilégios, como sobre as outras garantias, mesmo ante-
riores, que onerem os mesmos bens (artigos 743º e 746º do CC). Havendo créditos com
igual privilégio, satisfazem-se ambos na proporção dos respetivos montantes (artigo 745º/
2 do CC). Acresce que, os privilégios imobiliários especiais preferem à consignação de
rendimentos, à hipoteca e ao direito de detenção, mesmo que estes tenham sido consti-
tuídos anteriormente (artigo 751º do CC). O artigo 759º/2 do CC determina que o direito
de retenção prevalecerá sobre hipoteca, mesmo que anteriormente constituída. Ademais,
se em causa estiver um privilégio imobiliário geral dos referidos no artigo 736º/1 do CC, o
mesmo prefere sobre os privilégios mobiliários especiais, como resulta do artigo 747º/a)
do CC e, portanto, um direito de crédito prefere sobre direitos reais.

Por último, regra potior in tempore, potior in iure não é característica exclusiva da
ordenação dos direitos reais de garantia. Por um lado, os privilégios mobiliários gerais,
que recaem sobre todos os móveis do devedor e, portanto, não podem ser considerados
direitos reais, atribuem aos seus titulares preferência sobre os credores comuns do deve-
dor (artigo 733º do CC). Por outro lado, os direitos pessoais de gozo são ordenados em
função da data da sua constituição (artigo 407º do CC). O legislador estendeu aos direitos
pessoais de gozo a regra da prioridade temporal a que estão subordinados os direitos
reais.

Por fim, note-se que o que foi dito quanto ao carácter excecional dos artigos 5º do
Código do Registo Predial e do artigo 291º do CC, aplica-se também aqui.

Diferenças (ou outras diferenças) entre os direitos reais e os direitos de crédito

Os direitos de crédito envolvem relações intersubjetivas, ao invés os direitos reais


são direitos absolutos que não supõem, portanto, qualquer relação intersubjetiva de coo-
peração, mesmo quando emerge de um contrato, apenas tem uma função genética ou
matricial.

Um direito de crédito é eficaz inter partes, já um direito real é eficaz erga omnes.

Um direito de crédito pode ter por objeto coisa indeterminada, enquanto que o obje-
to de um direito real é uma coisa certa, determinada e atual, sendo que o direito real é
inerente à coisa que assume o estatuto do seu objeto.

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Um direito de crédito pode incidir sobre mais do que uma coisa, um direito real, em
regra, apenas tem por objeto uma coisa (princípio da especialidade). Contudo, como ex-
ceção encontramos a hipoteca, que pode incidir sobre várias coisas certas e determina-
das (artigo 696º do CC).

Nos direitos de crédito vigora o princípio da autonomia privada (artigo 405º do CC),
nos direitos reais valem os princípios da tipicidade e taxatividade (artigo 1306º do CC).

Os direitos de crédito estão sujeitos à prescrição extintiva que não opera por força
da lei, não é de conhecimento oficioso e tem de ser invocada pelo interessado. Por seu
turno, em matéria de direitos reais, os direitos reais de aquisição só prescrevem se a lei
não estabelecer prazo para o respetivo exercício, pois, no caso contrário, o direito ficará
subordinado ao regime da caducidade. Quanto aos direitos reais de gozo sobre coisa
alheia extinguem-se pelo não uso (artigo 298º/3 do CC), exceção do direito de superfície
(artigo 1528º do CC). O direito de propriedade pode extinguir-se por abandono se tiver por
objeto móveis, se tiver por objeto imóveis discute-se na doutrina que se extinga mediante
renúncia abdicativa.

Finalmente, apenas os direitos reais de gozo podem ser adquiridos por usucapião -
forma de aquisição originária (artigo 1287º do CC).

Pontos de contacto ou afinidades entre direitos reais e os direitos de crédito

Quer os direitos de crédito, quer os direitos reais são direitos patrimoniais que con-
cedem o acesso a bens.

Tanto uns como outros podem surgir por mero efeito do contrato, segundo o princí-
pio da causalidade, não sendo necessário qualquer ato posterior tendente à execução da
vontade (como a entrega da coisa ou o registo).

Em regra, ambos são transmissíveis. Porém, surgem exceções quanto ao direito


de uso e habitação que, sendo pessoal, é insuscetível de ser transmitido (artigo 1488º do
CC) e no direito de servidão, que sendo inseparável do prédio dominante, não pode ser
transmitido sem que também seja o direito de propriedade que tem por objeto o referido
prédio (artigo 1545º do CC).

Os direitos reais de garantia são instrumentais face aos direitos de crédito, uma
vez que asseguram a satisfação do credor, compelem o devedor ao cumprimento e permi-
tem uma reação privilegiada em face do eventual incumprimento.

São ainda pontos de contacto entre os direitos de crédito e os direitos reais a pre-
tensão real e a obrigação real.

Obrigações reais

Noção

Obrigações reais são vínculos jurídicos por força dos quais, uma pessoa, na quali-
dade de titular de um direito real, pelo simples facto de o ser, fica adstrita para com outra
pessoa, que pode ou não ser titular de um direito real, à realização de uma prestação de
conteúdo positivo (dar ou fazer), de acordo com o estatuto de um direito. Estruturalmente

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são verdadeiras obrigações, mas estão situadas dentro do conteúdo de um direito real e
emergem do estatuto desse.

Assim, visam satisfazer um interesse público, quando emergem de normas de di-


reito público (por exemplo, pagar o IMI) ou interesses particulares, que podem surgir em
benefício de titulares de outro direito real (por exemplo, a obrigação de pagar o cânone
superficiário - artigo 1530º do CC), de um co-titular do mesmo direito real (por exemplo,
obrigação do comproprietário com as despesas - artigo 1411º do CC) ou um terceiro não
identificado em função da titularidade de um qualquer direito real (por exemplo, a obriga-
ção de dar preferência ao locatário - artigo 1091º/a) do CC).

Acresce que, não englobam nenhuma relação intersubjetiva, o que o legislador faz
é apenas e somente dizer os limites entre os quais se pode exercer o direito próprio, pois
nem sempre os limites do exercício do direito coincidem com limites da coisa.

Nota: quando o credor do cumprimento da obrigação seja titular de um direito real, diz-se
que é titular de um crédito propter rem.

Elementos cumulativos:

- O titular do direito real é o obrigado;


- A obrigação a que está sujeito o titular do direito real justifica-se apenas e só porque é
titular de um direito real e não porque tenha assumido essa obrigação, ou porque atuou
de uma determinada forma;
- Em causa estão sempre prestações de conteúdo positivo, de dare ou de facere;
- Estas prestações integram-se numa verdadeira relação obrigacional.

Deste modo, fica de fora das obrigações reais:

- Pretensões reais - vínculos jurídicos que nascem em virtude da violação de um direito


real, e, por força do qual, aquele que violou um direito real passa a estar obrigado pe-
rante o titular de direito real. Note-se que a pretensão real pode corresponder pelo lado
passivo a uma obrigação propter rem.
Exemplo: se A abrir uma janela que deite diretamente sobre o prédio de B e que fique a
menos de 1.50m da linha divisória (artigo 1360º/1 do CC), B poderá exigir, para defesa
do seu domínio (pretensão real) que a janela seja tapada ou reduzida às dimensões
das aberturas de tolerância (artigo 1363º do CC). Por seu turno, A ficará obrigado a ta-
par ou modificar a janela e essa obrigação é uma obrigação propter rem, uma vez que
recai sobre o titular de um direito real e de-corre da violação do estatuto a que esse di-
reito se encontra subordinado.
- Obrigações que não decorrem diretamente do estatuto do direito real - são obriga-
ções as quais está sujeita determinada pessoa, titular de um direito real, não por força
do regime do próprio direito, mas por uma atuação culposa (comportamento culposo do
titular do direito real) (por exemplo, o artigo 492º do CC).
- Restrições - comportamentos de conteúdo negativo impostos pela lei aos titulares do
direito real, sendo que o legislador apenas impõe limites.
- Deveres de conteúdo positivo a que não corresponde qualquer relação obrigacio-
nal - a maioria dos deveres de facere impostos a titulares de direitos reais por normas
de Direito Público não supõe qualquer relação obrigacional, uma vez que ao órgão pú-
blico não é atribuído o poder de exigir, como credor, o respetivo cumprimento. Em re-
gra, a violação de tais comandos normativos constitui uma contra-ordenação, ou ilícito
penal.
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- Obrigações autónomas.

Regime Jurídico

Fonte e princípio da taxatividade

As obrigações reais estão sujeitas ao princípio da taxatividade, visto que estas fa-
zem parte do conteúdo do direito e, portanto, vale o princípio da taxatividade a que estão
subordinadas, quer quanto às modalidades que podem revistar, quer quanto ao respetivo
conteúdo.

Fontes legais:

- Normas de direito público - exemplo: obrigação do proprietário pagar o IMI;


- Normas de direito privado - exemplo: artigo 1472º do CC;
- Convenção admitida por uma norma de direito privado - exemplo: artigo 1530º do
CC;
- Violação de restrições impostas pelo direito - exemplo: artigo 1360º do CC.

Questão da ambulatoriedade

Por vezes, as obrigações reais são ambulatórias, por exemplo, as obrigações de


fazer dos artigos 1472º e 1567º do CC, dado que estas pertencem ao estatuto do direito
real e, portanto, seguem o destino do organismo de que são parte.

Contudo, na doutrina afirma-se que a autonomia privada não pode ir tão longe, ao
ponto de impor uma obrigação a todo aquele que, no futuro, venha a ser titular do direito
real. Há, então, um vício de raciocínio, por faltar justificação prévia para esta ambulatorie-
dade de obrigações que, nascidas anteriormente, passariam a vincular automaticamente
o subadquirente do direito real, independentemente de qualquer acordo e franca contradi-
ção.

Na perspetiva de Mónica Jardim, tendo por base Henrique Mesquita, são sempre
ambulatórias as obrigações reais de facere que imponham ao devedor a prática de atos
materiais na coisa que é objeto do direito, visto que, por um lado, se o alienante do direito
real deixa de exercer a soberania sobre a coisa, passa a estar impossibilitado de realizar
a prestação debitória, e, se se transmite o direito, transmite-se também a obrigação real
que já houver nascido na sua esfera jurídica. Por outro lado, porque em causa estão obri-
gações que decorrem de certa situação material com o escopo de modificar tal situação
por forma a harmonizá-la com o estatuto real a que ela se encontra sujeita.

Por sua vez, apenas devem ser consideradas ambulatórias as obrigações de dare,
no momento em que é transmitido o direito, se os pressupostos materiais que deram ori-
gem ao surgimento da obrigação ainda estiverem objetivados na coisa. Em caso de trans-
missão do direito real, a obrigação real passa a vincular automaticamente o subadquiren-
te, independentemente de qualquer acordo.

Porém, não devem ser consideradas ambulatórias se não tiverem objetivados os


pressupostos no momento da transmissão. Primeiramente, porque a dívida propter rem
representa o correspetivo de um uso ou fruição que couberam ao alienante. De seguida, a
prestação debitória destina-se a custear atos que foram já realizados no objeto do direito

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real e que lhes aumentaram o valor. Por fim, o subadquirente não dispõe de elementos
para saber se o alienante cumpriu as obrigações e não é justo que se lhes imponha o
ónus de averiguar. Sendo assim, a obrigação real não acompanha o direito real, autono-
mizando-se e permanecendo na esfera jurídica do transmitente e, portanto, tornando-se
numa obrigação autónoma.

Extinção das obrigações reais: (não) prescrição e renúncia liberatória

As obrigações reais não prescrevem, enquanto os pressupostos materiais que de-


ram origem à obrigação permanecerem. Sendo realizada a prestação devida, caso o res-
petivo objeto seja consumido sem que se preencha o fim que determinou a criação do vín-
culo obrigacional, o cumprimento não liberta o titular do direito real. Consequentemente, o
titular terá de efectuar nova prestação, exatamente para o mesmo fim.

Exemplo: num prédio sujeito ao regime de propriedade horizontal, os elevadores avaria-


ram-se, portanto, surge na esfera jurídica dos condóminos a obrigação de pagamento da
sua reparação (artigo 1424º do CC). Contudo, o administrador não pagou, fugindo com o
dinheiro. Assim, a empresa não arranja os elevadores, continuando avariados. A obriga-
ção persiste, porque os pressupostos que a originaram persistem, nascendo todos os dias
na esfera jurídica dos condóminos. O administrador não tem nada que ver com esta obri-
gação, porque ela é uma obrigação real, sendo que quem a deve prestar são os condómi-
nos e o administrador não é titular do direito real em causa. Ela nasce pelo simples facto
de aqueles condóminos serem titulares dos direitos reais e ainda não a terem cumprido.

As obrigações reais extinguem-se por renúncia liberatória. A renúncia liberatória


efetiva-se através de uma declaração unilateral, receptícia e com carácter oneroso. Emiti-
da a declaração e levada a conhecimento do credor, o renunciante fica automaticamente
liberto da obrigação a que estava adstrito e deixa de ser titular do direito real. Trata-se de
uma obrigação alternativa, porque ao devedor assiste o direito potestativo de substituir
por outra a prestação devida. A renúncia liberatória encontra-se prevista na comproprieda-
de (artigo 1411º do CC), usufruto (artigo 1472º/3 do CC) e servidões (artigo 1567º/4 do
CC), sendo que, segundo Henrique Mesquita estes preceitos devem considerar-se a aflo-
ração de um princípio geral válido para todas as obrigações reais. No entanto, esta não é
a opinião do curso, em virtude do princípio da taxatividade.

Obrigação real VS ónus real

Ónus real é uma prestação cujo pagamento o proprietário de determinado prédio


se encontra adstrito, em regra, periódica ou reiterada, de géneros ou dinheiro – pagamen-
to pelo qual responde sempre o imóvel, seja quem for o respetivo proprietário à data da
execução, e dispondo o credor da preferência sobre os demais credores do executado.
Transmitido o prédio, seja qual for o título, o adquirente passa a ser o devedor, não só de
todas as prestações que daí em diante se vençam, mas também das prestações anterior-
mente vencidas e por todas elas responde o imóvel. O ónus real é uma figura composta
que engloba uma obrigação real e uma garantia imobiliária, que não se alteram, permane-
cendo, lado a lado, cada uma com o seu regime.

Categorias dos direitos reais e seus conteúdos - visão panorâmica

Parte Geral

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Direitos reais de gozo

A propriedade como direito real de gozo pleno

O direito mais amplo é o direito de propriedade, que é um direito real de gozo, que
permite ao seu titular usar a coisa, fruir (retirar as utilidades que dela emerjam), dispor,
onerar e alienar a coisa, e, por vezes vezes, até transformar (material e juridicamente) (ar-
tigo 1305º do CC). Acresce que, o proprietário tem o direito de não ser privado arbitraria-
mente da sua propriedade (artigo 1308º do CC).

No artigo 1344º do CC são definidos os limites materiais da propriedade. O princí-


pio superficies solo cedit prevê que tudo o que se implante ou incorpore no solo passa,
em regra, a integrar o direito de propriedade que tenha objeto.

Propriedade horizontal

Com base nos artigos 1414º e 1420º/1 do CC, na propriedade horizontal congrega-
riam-se 2 direitos reais distintos: um de propriedade singular sobre cada uma das frações,
e outro de compropriedade ou comunhão, cujo objeto é constituído pelas partes comuns
do artigo 1421º do CC.

Direitos reais de gozo sobre coisa alheia ou direito reais limitados de gozo

Os direitos em causa surgem quando ocorre uma contração ou retração do direito


de propriedade, que dá espaço à constituição de um direito real menor do que a proprie-
dade, mas que incide direta e imediatamente sobre a coisa. Existe um nexo causal entre a
contração do direito de propriedade e a constituição de um novo direito sobre a coisa, que
se adquire por aquisição derivada constitutiva. Os poderes que ao titular do novo direito
competem correspondem aos poderes que o proprietário deixa de poder exercer, no en-
tanto, este último mantém sempre um potencial domínio absoluto e completo.

Direito de usufruto (artigo 1439º do CC)

O usufruto prevê o uso, fruição, administração e até transformação (benfeitorias -


artigo 1450º do CC - despesas feitas numa coisa que são necessárias e indispensáveis),
temporariamente, mas plenamente, de uma coisa ou direito alheio, sem alterar a sua for-
ma ou a sua substância. Como tal, é, depois da propriedade horizontal e superficiária, o
direito mais amplo, visto que concede uma série de poderes.

Os direitos e obrigações do usufrutuário são regulados pelo título constitutivo, e,


na sua falta ou insuficiência, são observadas as normas supletivas (artigo 1445º e ss do
CC).

O usufruto é um tipo aberto, visto que, apesar do princípio da taxatividade, as par-


tes podem moldar o seu conteúdo, desde que não descaracterizem o direito (artigo 1445º
do CC). Os direitos reais são os previstos na lei, mas o regime de cada direito real pode
ser moldado pelas partes. Em regra, o legislador permite que as partes moldem, em algu-
ma medida, todo e qualquer direito real. Até ao artigo 1445º do CC as normas são impera-
tivas e, portanto, não podem ser afastadas, a partir daí, as normas são dispositivas.

Ademais, o usufrutuário pode alterar o destino económico da coisa (artigo 1446º do


CC).
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O direito de usufruto pode ser temporário, durante o tempo previsto pelas partes,
ou vitalício, durante o tempo de vida do usufrutuário. Se for constituído a favor de pessoa
coletiva a duração máxima são 30 anos (artigo 1443º do CC).

O titular do direito de usufruto pode trespassar, ceder, onerar, arrendar e locar a


coisa que não é sua (artigo 1444º do CC). Quanto à transmissão inter vivos, é possível, e,
ocorrendo a transferência este extingue-se pelo decurso do prazo ou à data da morte do
usufrutuário inicial.

E a transmissão mortis causa?

Ao invés, nesta situação inexiste consenso. Para Mónica Jardim, o direito de usuf-
ruto dura até o tempo de vida do usufrutuário, e, morrendo o usufrutuário, morre o usufru-
to. No caso do usufrutuário ter transmitido o direito, o usufruto extingue-se quando o pri-
meiro a morrer é o usufrutuário originário, visto que o tempo fixado faz parte do regime do
usufruto e mantém-se com a transmissão. Por sua vez, se quem morrer for o usufrutuário
subsequente, ou seja, a quem é transmitido o usufruto, o usufruto mantém-se e é transmi-
tido para os herdeiros do usufrutuário subsequente. Em suma, não se transmite mortis
causa se quem morrer for o usufrutuário inicial ou originário e, portanto, transmite-se sem-
pre que for o usufrutuário subsequente a morrer primeiro.

Direito de uso e direito de habitação (artigo 1484º do CC)

Os direitos em causa são 2 direitos diferentes, quer quanto ao objeto, quer no que
toca às faculdades atribuídas ao seu titular.

- Direito de uso - ao contrário da sua expressão na letra da lei, confere mais do que u-
sar. Trata-se de um direito de usar e fruir de uma coisa alheia, na medida das suas ne-
cessidades e da sua família. Como tal, é um direito intuito personae, e, por isso, não
pode ser trespassado, locado ou onerado (artigo 1488º do CC). É também insuscetível
de aquisição por usucapião (artigos 1485º e 1293º/b) do CC).
- Direito de habitação - consiste no direito de uso apenas da casa de morada, sem po-
der trespassar, onerar ou locar.

Devemos ter em conta quem é considerada a família do usuário ou do morador (ar-


tigo 1487º do CC).

Direito de superfície (artigo 1524º do CC)

Atribui ao seu titular a faculdade de fazer e manter obra ou plantação em terreno


alheio ou a faculdade de manter obra ou plantação em terreno alheio, quando a plantação
já existe. O dono de um terreno atribuí a outrem a faculdade de plantar (plantação dura-
doura) ou construir (construções que se incorporam no solo ou no subsolo - artigo 1525º/2
do CC).

Essas faculdades podem ser de forma temporária ou perpetuamente (artigos


1524º e 1538º do CC), a título gratuito ou oneroso (artigo 1530º do CC). Neste último ca-
so pode ser fixada uma única prestação (preço) ou uma prestação anual (cânone super-
ficiário - obrigação real).

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Note-se que o artigo 1528º do CC prevê o desmembramento do objeto do domí-
nio, dado que a propriedade do solo permanece no património de um sujeito e a proprie-
dade da obra ou plantação passa para outro.

2 modalidades (dualidade do direito de superfície):

- 1º modalidade (fazer e manter) - a de fazer a obra/plantar e manter a obra/plantação já


existente no prédio alheio. O objeto do direito de superfície tem de ser determinado ten-
do em conta os 2 momentos. Num 1º momento limita-se ao direito real de gozo de
construir ou plantar sobre aquela parcela de solo alheio. Já no 2º momento, o objeto do
direito de superfície é o solo e a obra ou plantação.
- 2º modalidade (manter) - a de manter obra/plantação já existente, em prédio alheio,
que envolve o desmembramento do objeto do domínio. O objeto do direito de superfície
é o solo e a obra ou plantação.

A propriedade do superficiário não corresponde à propriedade clássica. Por um la-


do, porque lhe falta a característica da exclusividade, visto que supõe sempre a proprieda-
de do dono do solo. Por outro, porque lhe falta a plenitude de poderes, sendo que este so-
fre limitações. Por fim, porque nem sempre é perpétua. Por tudo isto, é tida como proprie-
dade superficiária.

Deste modo, na posição do curso, quando ainda não foi feita a obra ou plantação,
estamos perante um direito real menor de gozo. Feita a obra ou a plantação, o superficiá-
rio passa a ter o direito a manter, que é também um direito real menor de gozo, bem como
o domínio sobre a dita obra ou plantação (direito muito próximo ao direito de propriedade,
sendo que se aplicam algumas regras, nomeadamente a faculdade de alienar e onerar -
artigos 1534º e 1541º do CC).

Por fim, este direito envolve uma exceção ao princípio superficies solo cedit, já que
ao proprietário do solo não pertence tudo o que a ele se vem implantar ou a incorporar.

Servidão predial (artigo 1543º do CC)

Trata-se de um encargo imposto a um prédio, em benefício de outro prédio, perten-


centes a donos diferentes - relação de predialidade. O prédio sujeito à servidão designa-
se como serviente e o que beneficia da servidão como dominante. As servidões podem ter
um qualquer objeto e uma qualquer utilidade.

- Servidão é um encargo;
- Encargo que recai sobre um prédio;
- Aproveita outro prédio;
- Os prédios devem pertencer a donos diferentes. Contudo, os prédios não tem que ser
vizinhos nem confinantes.

Deste modo, não pode ser um encargo imposto a uma pessoa a favor de um pré-
dio, visto que isso são servidões de gleba que não são admitidas, nem pode ser um en-
cargo a favor de uma pessoa.

Exemplo: A atribui a B o direito de instaurar a sua rolote no seu prédio durante a volta a
Portugal. Será que estamos perante uma servidão? Não, visto que não estamos perante 2
prédios, a rolote não esta incorporada no solo (artigo 204º do CC).

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Características das servidões:

- Atipicidade de conteúdo (artigo 1544º do CC) - quaisquer utilidades que o prédio po-
ssa proporcionar podem ser objeto de uma servidão. A servidão é um tipo aberto, sen-
do que o seu conteúdo pode ser moldado segundo a vontade das partes.
- Inseparabilidade (artigo 1545º do CC) - as servidões não se separam dos prédios. A
servidão predial recai sobre o prédio serviente, independentemente de quem seja o
proprietário, e o proprietário do prédio dominante não pode transmitir a servidão sem
transmitir a propriedade do prédio.
- Indivisibilidade (artigo 1546º do CC) - caso a divisão respeite ao prédio dominante, a
servidão mantém-se, passando a beneficiar cada um dos novos titulares, que a podem
usar sem alteração nem mudança. Se for dividido o prédio serviente, cada uma das
parcelas continua a suportar a servidão, tal como ela existia anteriormente, na parte
que já a onerava, enquanto parte do todo.

Distingue-se:

- Servidões legais (artigo 1547º/2 do CC) - são as que estão previstas na lei e podem
ser constituídas coercivamente, mediante decisão judicial ou administrativa. Exemplo:
artigo 1550º/1 do CC.
- Servidões voluntárias (artigo 1547º/1 do CC) - são as que não podem ser constituídas
coercivamente. Podem ser constituídas por contrato, usucapião e destinação de pai de
família.

- Servidões aparentes (artigo 1362º/1 do CC) - revelam-se por sinais visíveis e perma-
nentes. São oponíveis independente de registo (artigo 5º/2 do Código do Registo Pre-
dial).
- Servidões não aparentes (artigo 1548º/2 do CC) - não se revelam por sinais visíveis e
permanentes. Não podem ser adquiridas por usucapião (artigos 1293º/a) e 1548º/1 do
CC). Devem ser registadas, para produzirem efeitos por terceiros. No artigo 1280º do
CC menciona-se a relevância das ações de defesa da pose, sendo que não são aplicá-
veis as ações de defesa da pose, a não ser que se funde em título provindo do proprie-
tário do prédio serviente ou de quem lho transmitiu.

Direito real de habitação periódica (time sharing)

Pode ser entendida enquanto esquema ou regime de exploração de um empreen-


dimento turístico a quem ficam subordinados certos edifícios que nele se integram ou en-
quanto situação jurídica adquirida pelos utentes desse empreendimento (direito parcelar
da habitação periódica).

Assim, o direito em causa é a faculdade de utilizar durante um ou vários períodos


determinados de tempo, em cada ano, para habitação, uma unidade de alojamento inte-
grada em hotéis-apartamentos, aldeamentos turísticos ou apartamentos turísticos, me-
diante o pagamento de uma prestação periódica (ónus real) ao proprietário, ao cesssioná-
rio do empreendimento ou quem o administre (artigos 1º, 21º, 22º e 23º do DL 275/93).
Esta prestação pode ter um valor fixo ou variável e ser sujeita a atualização (artigo 22º/3 e
3 do DL 275/ 93).

Direito real de habitação duradoura

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De acordo com o artigo 2º do DL 1/2020, este direito faculta a uma ou várias pe-
ssoas o gozo de uma habitação alheia para residência permanente, por um período vitalí-
cio, mediante o pagamento de uma caução e ainda de contrapartidas periódicas, cujo
montante é estabelecido no contrato (artigo 7º/1 do DL 1/2020). Contudo, o direito de go-
zo desdobra-se nas faculdades de uso e fruição, e, não é isso que está em causa aqui.
Assim sendo, o direito real de habitação duradoura não concede ao morador o gozo, mas
apenas o uso de coisa alheia.

O morador terá de promover ou permitir a realização das avaliações do estado de


conservação da habitação, e, se necessário, suportar as respetivas obras de conservação
ordinária (artigos 9º/1/d) e 3º/d) do DL 1/2020).

Já o proprietário tem de assegurar que a habitação é entregue ao morador em es-


tado de conservação, no mínimo, médio (artigo 8º/a) do DL 1/2020), sendo que a seu car-
go estão as obras extraordinárias (artigo 3º/e) do DL 1/2020), cabendo ao morador a obri-
gação de avisar (artigo 8º/d) e e) do DL 1/2020).

Quando a habitação seja fração de um prédio sujeito ao regime de propriedade


horizontal, lê-se do artigo 8º/b) do DL 1/2020 que o proprietário será chamado a “pagar,
na parte relativa à habitação, os custos de obras e demais encargos relativos às partes
comuns do prédio e, no caso de condomínio constituído, pagar as quotizações e cumprir
as demais obrigações enquanto condómino”.

O direito real de habitação duradoura é um direito vitalício (inscrito no registo - arti-


go 22º do DL 1/2020), de modo que o legislador espera que ele se extinga apenas com a
morte do morador, não sendo autorizada o termo ou a condição resolutiva. É proibida a
transmissão mortis causa.

Contudo, é possível onerar o direito em causa com uma hipoteca, mas apenas
quando esta sirva para garantir o crédito que seja concedido ao morador para pagar, no
todo ou em parte, o valor da caução (artigo 13º/1 do DL 1/2020).

Acresce que, nada impede o proprietário de alienar o seu direito (artigo 11º do DL
1/2020). Porém, com exceção da hipoteca, sendo que não pode constituir outros direitos
ou garantias reais sobre a mesma (artigo 11º/1 do DL 1/2020). Note-se que, o proprietário
só pode hipotecar a casa, depois de constituir o direito real de habitação duradoura.

Com base no artigo 5º/3 do DL 1/2020, o contrato é celebrado por escritura pública
ou por documento particular, sendo que está sujeito a inscrição no registo predial - o mo-
rador deve requerer no prazo de 30 dias a contar da data de celebração do contrato (arti-
go 5º/4 do DL 1/2020).

No que toca à extinção deste direito, pode ocorrer por reunião do direito real de ha-
bitação duradoura com a propriedade na mesma pessoa, caducidade, renúncia e resolu-
ção do contrato por meio do qual se constituiu o direito. A extinção determina que o mora-
dor fica obrigado à entrega do imóvel e o proprietário fica obrigado à devolução da caução
(artigo 15º/1 do DL 1/2020).

Direitos reais de garantia

Os direitos reais de garantia são direitos que asseguram a realização, ainda que
subsidiária, de um crédito, ou seja, contribuem para assegurar o cumprimento das obriga-
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ções. Assim, através destes, o titular do direito real de garantia pode promover a venda ju-
dicial de um bem e com um produto da venda satisfazer o seu crédito, com preferência fa-
ce aos demais credores. Deste modo, podemos assumir que os direitos reais de garantia
tem uma função instrumental face aos direitos de crédito.

O titular do direito real de garantia não pode, em regra, praticar atos de uso ou frui-
ção. Porém, é consagrada uma exceção, sendo que, na consignação de rendimentos, po-
de desencadear um ato de disposição da coisa, satisfazendo-se paulatinamente através
do crédito, uma vez ocorrido o incumprimento.

Hipoteca (artigo 686º do CC)

A hipoteca é uma garantia real que confere ao credor o direito de ser pago pelo va-
lor de certas coisas imóveis e móveis equiparados (veículos automóveis, navios e aerona-
ves - artigo 688º/1/f) do CC) pertencentes ao devedor ou a terceiro com preferência sobre
os demais credores que não gozem de privilégio especial ou prioridade sobre o registo.
Podem também ser objeto os direitos, por exemplo, ser hipotecado o usufruto de uma
casa.

Embora seja um direito acessório, que apenas existe em função da obrigação cujo
cumprimento assegura, a hipoteca pode garantir uma obrigação futura ou condicional, nos
termos do artigo 686º/2 do CC.

Note-se que a coisa hipotecada não tem que pertencer ao devedor. Assim, quem
pode alienar o bem é quem pode constituir a hipoteca (artigo 715º do CC). Além do mais,
a hipoteca não envolve a perda da posse sobre a coisa objeto da garantia.

A sua constituição está dependente da inscrição do facto constitutivo no registo,


configurando uma exceção ao princípio da consensualidade.

3 modalidades da hipoteca quanto ao título constitutivo:

- Voluntárias (artigo 712º do CC) - encontram o seu título num contrato ou numa decla-
ração unilateral do seu autor, sendo que se exige forma (artigo 714º do CC). Uma vez
que a hipoteca deve ser registada, o registo funciona como modo (artigos 687º do CC e
4º/2 do Código do Registo Predial).
- Legais (artigo 704º do CC) - estão previstas na lei e podem ser constituídas logo que
exista a obrigação a que servem de garantia, através do registo. O registo é constitutivo
e pressuposto da existência de direito.
- Judiciais (artigo 710º do CC) - nasce de uma sentença de condenação, que condena o
devedor à realização de uma prestação de venda em dinheiro ou de outra coisa fungí-
vel (título) e do registo da sentença (modo). Tem o valor de pré-penhora.

A hipoteca está sujeita a conjunto de princípios:

- Princípio da especialidade (artigos 693º e 716º do CC e 96º do Código do Registo


Predial) - deve incidir sobre uma coisa certa e determinada e o valor deve ser determi-
nado.
- Proibição do pacto comissório (artigo 694º do CC) - não pode ser convencionado
entre o devedor e o credor a oneração da coisa, em caso de incumprimento.
- Proibição da cláusula de inalienabilidade dos bens hipotecados (artigo 695º do
CC) - o credor não pode impor ao devedor que não pode vender o bem.
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- Tendencial indivisibilidade (artigo 696º do CC - norma supletiva) - se a coisa se divi-
dir, a hipoteca continua a vigorar sobre tal crédito.

Por fim, podem existir garantias ocultas, não registadas que, em alguns casos, pre-
valecem sobre os direitos do credor hipotecário. É exemplo os privilégios creditórios imo-
biliários (artigo 751º do CC) e direito de retenção (artigo 759º/2 do CC).

Penhor (artigo 666º do CC)

O penhor confere ao credor o direito à satisfação do crédito, bem como os juros, se


houver, com preferência sobre os demais credores. O penhor pode garantir uma obriga-
ção presente, futura ou condicional.

Tem por objeto coisas móveis (não equiparadas a imóveis) e direitos que tenham
por objeto móveis suscetíveis de transmissão (que não sejam objeto da hipoteca) (artigos
666º/1 e 680º/1 do CC). Quando em causa esteja um penhor de um direito de crédito, na
perspetiva do curso, não existe qualquer direito real.

Apenas tem legitimidade quem poder alienar a coisa, sendo que o objeto empenha-
do pode ser do devedor ou de terceiro.

A constituição do penhor exige, em geral, a entrega da coisa empenhada, salvo se


ocorrer a entrega de um documento que atribua a disponibilidade exclusiva dessa coisa
ao credor pignoratício ou a um terceiro, e, portanto, consagra-se uma exceção ao princí-
pio da consensualidade (artigo e 669º do CC). Em regra, está em causa um contrato real
quanto aos efeitos e constituição. O artigo 669º/2 do CC consagra a possibilidade do pe-
nhor de coisa se constituir mediante a atribuição de composse que impeça o devedor pig-
noratício de dispor materialmente da coisa empenhada.

Quando em causa esteja um penhor de direitos, a constituição está sujeita a forma,


que é a necessária para a transmissão dos respetivos direitos (artigo 681º do CC).

O penhor, ao contrário da hipoteca, não está sujeito a registo, em regra, a não ser
que seja um penhor de um direito de crédito assegurado por uma hipoteca ou consigna-
ção de rendimentos (artigo 2º do Código do Registo Predial).

Deste modo, o artigo 678º do CC remete para os preceitos em matéria de hipoteca,


valendo em matéria de penhor os grandes princípios que regem a hipoteca.

O credor que tenha a coisa, em regra, não pode usar a coisa, a não ser que seja
indispensável para a sua conservação (artigo 671º/b) do CC). Na falta de convenção em
contrário, se a coisa móvel objeto do penhor gerar frutos, o credor pode ir abatendo a sua
dívida, ou seja, em vez de satisfazer o crédito com a prestação voluntária do seu vende-
dor ou mediante a venda judicial, pode satisfazer gradualmente o crédito com o que a coi-
sa vai gerando (assemelha-se à consignação) (artigo 672º do CC).

Direito de retenção (artigo 754º do CC)

Existe quando alguém detém licitamente uma coisa de outrem que deve entregar,
se, em simultâneo, estiver em posição de devedor quanto à entrega da coisa e for credor
do seu credor por despesas feitas na coisa ou por danos por ela causados. Assim, não só

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pode recusar a entrega da coisa, como pode promover a sua execução judicial, para se
pagar à custa do valor da coisa com preferência face aos de-mais credores.

Requisitos do artigo 754º do CC:

- Titular do direito dever licitamente uma coisa que deva entregar a outrem;
- Titular do direito, obrigado à restituição da coisa, ser simultaneamente credor daquele a
quem a deve restituir;
- Entre os 2 créditos exista uma relação de conexão.

O artigo 755º do CC enumera os casos excecionais, que integram as hipóteses o


transportador, o albergueiro, o beneficiário de um contrato de promessa em caso de tradi-
ção da coisa, etc.

O direito de retenção pode ter por objeto coisas imóveis, móveis equiparados a
imóveis (aplica-se o regime da hipoteca - artigo 758º do CC) ou coisas móveis não equi-
paradas aos imóveis (aplica-se o regime do penhor - artigo 759º do CC).

O direito de retenção não está sujeito a registo para consolidar a oponoibilidade pe-
rante terceiros.

Privilégios creditórios especiais (artigo 733º do CC)

Trata-se da faculdade atribuída por lei, e apenas por lei, a certos credores de se-
rem pagos por preferência em relação aos demais, em atenção à natureza dos seus cré-
ditos independentemente de registo.

Encontramos privilégios imobiliários e mobiliários, gerais ou especiais. Apenas são


direitos reais de garantia os privilégios especiais, quer sejam imobiliários (artigos 743º e
744º do CC) ou mobiliários (artigos 738º a 742º do CC), já que apenas estes recaem
sobre coisa certa e determinada. Os privilégios gerais re-caem sobre todo o património do
devedor, quer mobiliário quer imobiliário.

Os privilégios creditórios imobiliários especiais são direitos reais, mas são um peri-
go para um comércio jurídico. Para além de se constituírem e serem oponíveis para ter-
ceiros, independentemente de registo, gozam de preferência sobre os restantes direitos
reais de garantia anteriormente constituídos.
O direito real de garantia que resulta da penhora e do respetivo registo

Trata-se do direito que resulta da penhora e do respetivo registo no âmbito de uma


ação executiva.

Qualquer credor pode, no caso de incumprimento, intentar a ação executiva. A dife-


rença deste credor, é que quando nomeia a penhora de certos bens não tem a certeza se
tem a possibilidade de satisfazer o seu crédito com aqueles bens, porque, sobre aqueles
bens, podem recair garantias reais, sendo que os credores destes direitos reais de garan-
tia são os que satisfazem o seu crédito com preferência face ao credor comum que inten-
tou a ação executiva.

Da penhora e do respectivo registo, decorre um direito real de garantia para o cre-


dor que era um credor comum, e, este passa a estar noutra situação, tendo preferência na
satisfação do seu crédito em relação aqueles bens.
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A penhora, em sentido amplo, pode ser definida como um conjunto de atos ordena-
dos, complementares e funcionalmente ligados com vista a produzir um efeito único: a
vinculação dos bens a satisfação do crédito do que intenta a ação executiva ou a vincula-
ção dos bens ao processo, assegurando a viabilidade dos atos executivos. Em sentido es-
trito, a penhora traduz-se num ato de apreensão de bens identificados e individualizados,
bens esses que vão ser vendidos no âmbito da ação executiva, para satisfação do crédito.
O ato de apreensão produz efeitos jurídicos e um deles é o previsto no artigo 822º do CC,
sendo que o credor exequendo passa a ter o poder de ser pago com preferência a qual-
quer outro credor que não tenha garantia real anterior à custa do valor dos bens apreendi-
dos. Ou seja, a penhora não é um direito real de garantia, mas da penhora e do registo
nasce um direito real de garantia.

Consignação de rendimentos (artigo 656º do CC)

Traduz-se na afetação ou adjudicação de rendimentos de certos bens móveis sujei-


tos a registo ou imóveis, ao cumprimento da obrigação. Atribui ao seu titular o poder de ir
satisfazendo gradualmente o seu crédito à custa do rendimento de certos e determinados
bens, sendo que a obrigação extingue-se através da entrega desses rendimentos. Podem
ser rendimentos de bens imóveis ou móveis sujeitos a registo, incluindo-se créditos nomi-
nativos (artigo 660º/2 do CC). No caso de pressupor o cumprimento da obrigação, bem
como o pagamento de juros, os frutos são imputados primeiro nos juros e só depois no
capital (artigo 661º/2 do CC).

Não atribui ao seu titular o poder de venda judicial do bem, e, por isso, é um direito
real diferente.

A consignação pressupõe a legitimidade para dispor desses rendimentos (artigo


657º do CC), sendo que pode ser constituída por terceiros (artigos 658º e 717º/1 do CC).

Pode garantir uma dívida já existente, futura ou condicional (artigo 656º/1 do CC).
Pode ser voluntária ou judicial (artigo 658º do CC). A primeira resulta de negócio entre vi-
vos ou de testamento, constituída pelo devedor ou por terceiro, já a segunda resulta de
decisão judicial. No caso de consignação voluntária, depende de escritura pública, docu-
mento particular autenticado ou testamento, se o objeto for bens imóveis ou simples escri-
to particular, se for móvel (artigo 660º do CC). Em qualquer caso, está sujeita a registo
(artigo 2º/1/h) do Código do Registo Predial). Mas, se for créditos nominativos, basta a
menção nos títulos e averbamento (artigo 660º do DL 116/2008).

De acordo com o artigo 659º do CC, o prazo pode ser fixado até ao pagamento da
dívida ou a consignação pode ser estabelecida até que a dívida seja paga. Nesta última
hipótese, se estiverem em causa bens imóveis, não pode exceder os 15 anos.

Apesar de ter por objeto rendimentos de certas coisas, essas coisas podem conti-
nuar na mão do devedor ou podem ser entregues ao credor e o credor é equiparado ao
locatário que é mero detentor ou podem ser entregues a um terceiro (artigo 661º/1/a), b) e
c) do CC - modalidades do direito de retenção).

Por fim, o artigo 665º do CC realiza uma remissão para o regime da hipoteca.

Direitos reais de aquisição

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Atribuem ao seu titular a faculdade de aquisição de um direito real de garantia ou
de gozo e, portanto, tem uma função instrumental. Apenas estamos perante um direito
real de aquisição se através do seu exercício se conseguir adquirir um direito real de ga-
rantia ou de gozo. Em causa tem de estar um verdadeiro direito. É uma construção da
doutrina da jurisprudência germânica, tendo um campo de aplicação relativamente redu-
zido.

Não pode ser apenas uma faculdade que a lei concede a todas as pessoas, ou se-
ja, que a lei atribui indiscriminadamente a todas as pessoas. Nesta hipótese está o caso,
por exemplo, do artigo 1323º do CC, referente à ocupação, sendo que quem encontrar um
animal ou uma coisa móvel perdida terá de tentar saber a quem pertence, avisando as au-
toridades. Contudo, se continuar sem determinar o dono, a coisa será havida como perdi-
da decorrido 1 ano, sendo que quem encontrou pode fazer sua a coisa. Qualquer pessoa
pode tornar-se proprietária da mesma, desde que siga os passos fixados no artigo. Esta é
uma faculdade que a lei atribui indiscriminadamente e, portanto, não estamos perante um
direito real de aquisição.

Não pode ser um poder ou uma faculdade contida no conteúdo inderrogável de um


direito, por exemplo, o direito de propriedade, em que o proprietário tem o poder de usar,
fruir, transformar, etc. - faculdades contidas no direito de propriedade, com conteúdo inde-
rrogável. Contudo, por vezes surgem faculdades no conteúdo de um direito real que per-
mitem a aquisição de outro direito. Se estiver em causa o conteúdo inderrogável de outro
direito real não estamos perante um direito real de aquisição, é o que acontece à faculda-
de que é atribuída ao proprietário de um prédio encravado de adquirir uma servidão de
passagem ou de trânsito sobre prédios vizinhos. Do conteúdo inderrogável do direito de
propriedade, sobre um prédio encravado consta a faculdade de vir a adquirir uma servi-
dão e, portanto, não é um direito real de aquisição.

- União ou confusão de boa fé na acessão industrial imobiliária (artigo 1333º/1 do CC);


- Obras, sementeiras ou plantações feitas de má fé em terreno alheio na acessão indus-
trial imobiliária (artigos 1341º e 1342º/1 do CC);
- Prolongamento de edifício por terreno alheio na acessão industrial imobiliária (artigo
1343º/1 do CC);
- Possibilidade de afastamento da servidão pela aquisição de prédio encravado (artigo
1551º/1 do CC);
- Direito de habitação na casa de morada de família e direito de uso do recheio no qual o
cônjuge sobrevivo pode ser encabeçado no momento da partilha (artigo 2103º-A/1 do
CC).

Direto do promissário no contrato promessa de transmissão ou constituição de di-


reitos reais sobre imóveis ou móveis sujeitos ao registo quando as partes atribuem
eficácia real (artigo 413º do CC)

Na nossa perspectiva, não se trata de um direito real de aquisição.

O contrato-promessa é dotado de eficácia real se tiver por objeto a transmissão ou


constituição de direitos reais sobre imóveis ou móveis sujeitos ao registo, se for reduzido
a escrito, se constar menção expressa que as partes pretendem dotar de eficácia externa
e se for sujeito a registo.

Para parte da doutrina, estamos perante um direito real de aquisição, sendo assim,
há quem entenda que a ação de execução específica, depois de ser registada, se traduz
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num direito real de aquisição. Do contrato promessa nasce um direito de crédito a que ve-
nha a ser celebrado o contrato definitivo e nasce também o direito a intentar a ação espe-
cífica.

Na nossa perspectiva, o direito à execução específica não é um qualquer direito


real de aquisição. O direito à execução especifica é potestativo e acessório ao direito de
crédito (a celebração do contrato prometido). Do contrato promessa nasce um direito de
crédito, bem como o direito de exigir da outra parte a declaração negocial. A par deste
direito, existe o direito à execução específica, sendo que, quando dotada de eficácia real
permite a satisfação do direito de crédito in natura (vai ser emitida a declaração negocial)
e não por equivalente. O objetivo é que o tribunal, através de sentença constitutiva, dê por
celebrado o contrato e, portanto, não há aqui um direito real de aquisição.

Para além desta posição na doutrina, há outra, nos termos da qual, o direito do
promissário é um direito real de aquisição, porque o promissário tem um direito de crédito
à prestação, tem o direito de intentar a ação de execução específica e depois, do tribunal
se substituir ao faltoso e emitir a declaração, a pessoa adquire o direito real com prevalên-
cia sobre o terceiro porque sempre teve um direito real de aquisição, desde o início. Esta
é a posição maioritária. Na nossa perspetiva continua a não fazer sentido falar em direito
real de aquisição, já que se pode chegar ao mesmo resultado de outro modo.

No entanto, Calvão da Silva diz que nasce um direito de crédito com eficácia pe-
rante terceiros, nasce o direito à execução específica e depois, do tribunal se substituir ao
faltoso e emitir a declaração, o promissário vê o seu direito prevalecer em relação aos ter-
ceiros, porque a sentença constitutiva vai retroagir os seus efeitos à data do contrato pro-
messa. Na nossa perspetiva, é certo que em causa está um direito de crédito fortemente
tutelado, mas Mónica Jardim não concorda com a ideia de que a sentença proferida deva
retroagir os efeitos, porque é uma sentença constitutiva. Para que uma sentença produzi-
sse efeitos retroativos, tinha de haver normas nesse sentido e não existe. Por último, o
fundamento não é efetivamente o mais correto, dado que o registo da sentença vai retroa-
gir os seus efeitos ao registo provisório, de acordo com o artigo 6º do Código do Registo
Predial.

Note-se que, nem sempre é feito um registo provisório para depois ser feito um re-
gisto definitivo. No caso da sentença e de acordo com o Código do Registo Predial, antes
de haver o registo da sentença, há o registo da ação provisório, e quando é proferido o re-
gisto da sentença este retrotrai-se à data do registo da ação (não é a data do contrato-
promessa). Os efeitos que se retrotraem são os do registo.

Em suma, na nossa perspetiva temos apenas um direito, um direito de crédito a


exigir a prestação (declaração negocial necessária para ser celebrado o contrato prometi-
do), sendo que a este direito se junta um direito potestativo (direito de intentar a execução
específica). Deste modo, não precisamos de falar de um direito real de aquisição.

O legislador português admitiu que, a par dos direitos reais, determinados direitos
de crédito, pudessem aceder ao registo (inscrição definitiva). Quando permitiu isso foi
para atribuir a eficácia equiparada a um direito de crédito em face de terceiros, o tal direito
de crédito, uma vez registado, não muda de natureza, isto é, não passa a direito real, mas
passa a ser eficaz perante a terceiros para efeitos de registo. Quando o promissário faz o
registo do direito de crédito, passa a ter um direito oponível perante terceiros. Consequen-
temente, todos os negócios que celebrar com terceiros que ponham em causa a celebra-
ção do contrato prometido serão tidos como ineficazes perante aquele direito de crédito.
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Se for celebrado o contrato prometido, no final de uma ação executiva, todos os negócios
celebrados com terceiro que podiam impedir a celebração do contrato prometido que pa-
deceram de eficácia relativa e provisória, quando for celebrado o contrato e for feito o re-
gisto de aquisição, todos esses negócios passam a ser definitivamente ineficazes.

Direito de preferência dotado de eficácia em relação a terceiros (artigo 421º do CC)

Na nossa perspectiva não se trata de um direito real de aquisição.

Parte da doutrina, entende que os direitos de preferência legais e convencionais


dotados de eficácia em relação a terceiros são direitos reais de aquisição. Outra parte da
doutrina, entende que são direitos potestativos constitutivos. Na nossa perspetiva, não é
assim, não é necessário recorrer a figura do direito real de aquisição e, por outro lado,
não é apenas um direito potestativo constitutivo. Na verdade, a doutrina quando analisa a
natureza do direito de preferência apenas tem em conta a fase final, altura em que é
intentada a ação de preferência e o preferente é havido como parte contratual e por isso
adquire um direito.

No pacto de preferência, se uma parte se decidir a alienar, terá de dar preferência.


Pode ocorrer que a pessoa se vincule a dar preferência e depois não dá. Neste caso, se
for dotado de eficácia real, o preferente pode intentar a ação de preferência e substituir-se
ao terceiro, sendo havido como parte, e por isso vir a adquirir o direito.

Analisando o direito de preferencia nas suas várias fases:

- 1º momento (direito de crédito a ser notificado) - o obrigado a dar preferência decidiu


que ia alienar a coisa, arranjado um comprador, com um preço determinado (contrato
de compra e venda). O obrigado à preferência deve notificar o preferente. O preferente
tem o direito a esta prestação. Aquele que está obrigado a dar preferência está vincula-
do por uma obrigação, sendo que o preferente é titular de um direito de crédito. Não há
qualquer direito real nem direito potestativo neste 1º momento.
- 2º momento (direito potestativo de preferir) - ocorreu a notificação e o titular da prefe-
rência pode: nada dizer e deixa caducar; não aceitar a preferência (renunciar ao direito
potestativo) ou preferir.
- 3º momento (obrigação de celebrar o contrato e o direito de crédito a que seja emitida
a declaração necessária para ser celebrada o contrato) - se preferir, vai colocar o que
está obrigado pela preferência inevitavelmente numa determinada situação, produzin-
do-se efeitos jurídicos na sua esfera jurídica, visto que fica obrigado à declaração nego-
cial e a celebrar o contrato definitivo. O direito de dizer “prefiro” é um direito potestativo.
O titular do direito de preferência passa a ter um novo direito de crédito, isto é, a cele-
bração do contrato definitivo.

Na perspetiva de preferente não há qualquer direito real nestes 3 momentos. Note-


se que, o que diz prefiro também passa a estar obrigado a celebrar o contrato. Quando se
exerce positivamente o direito de preferência cria-se uma situação próxima ao contrato
promessa.

E se a pessoa obrigou-se a dar preferência e não cumpriu com a obrigação de notificar?


Ou notificou e depois do preferente dizer prefiro ainda assim alienou a terceiro? Ou houve
violação de dar preferência e o negócio foi celebrado com terceiro?

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O preferente deve intentar a ação de preferência. Através da ação de preferência, o
preferente pede ao tribunal que o substitua face ao terceiro. O preferente quer a posição
contratual do terceiro para si, pretendendo sub-rogar-se à posição do terceiro. Trata-se de
um direito potestativo. Nesta última fase não se deve pedir que o contrato com terceiro se-
ja declarado nulo, anulado ou ineficaz. O que o preferente pretende é efetivamente aquele
contrato, e, naturalmente, quer um contrato válido. Do ponto de vista do registo, também
não se pede o cancelamento, continua a valer mas para o preferente. Todos os atos cele-
brados pelo terceiro são considerados como atos sobre coisa alheia, sendo nulos.

Em causa está uma relação jurídica complexa e não um direito real de aquisição,
sendo que é integrada por vários direitos de crédito e direitos potestativos.

Objeto dos Direitos Reais

Parte Geral

Noção de coisa suscetível de constituir objeto de um direito real

De acordo com o artigo 202º do CC, coisa que é o objeto dos direitos reais é “tudo
aquilo que pode ser objeto de relações jurídicas”. Contudo, este artigo não é particular-
mente feliz, de acordo com Mónica Jardim, dado que nem tudo o que é objeto de relação
jurídica é uma coisa - não são coisas as pessoas e as pessoas são suscetíveis de serem
objeto de relação jurídica; não são coisas as prestações e são objeto de relação jurídica e
não são coisas as situações económicas, sendo que são suscetíveis de ser apropriadas.
Assim, entende-se que a noção é demasiado ampla. Não podem ser objeto de direitos
reais as coisas que estão no domínio público e as que sejam insuscetíveis, por natureza,
de apropriação pessoal. Deste modo, o conceito jurídico de coisa tem de ser restringido.

Para estarmos perante coisas devem reunir-se os seguintes requisitos:

- Impessoalidade - carência de personalidade jurídica.


- Autonomia - objeto com existência autónoma ou distinto e separado, que seja certo,
atual e determinado.
- Utilidade - é um objeto apto a satisfazer necessidades, portanto, é dotada de economi-
cidade.
- Apropriabilidade - suscetibilidade de apropriação exclusiva. Só estamos perante uma
coisa se ela for suscetível de ser apropriada e aproveitada, subordinando-se à disponi-
bilidade jurídica de um homem ou de alguns homens, mas não por todos.

Exemplo: uma mesa da sala de aula reúne todas estas características, mas o painel de a-
zulejos poderia estar a venda, se fosse de domínio privado, e então não está individuali-
zado, visto que faz parte de um todo, isto é, da faculdade, e porque assim o é não é con-
siderado coisa. Assim, este painel de azulejos fixado na parede, uma vez que não é uma
coisa não pode beneficiar de direitos reais, com a ressalva de enquanto aquele painel não
for autonomizado (individualizado). Mas se esse painel for retirado da parede já será indi-
vidualizado e então será uma coisa.

Neste sentido, não cabe na noção jurídica de coisa o que tenha personalidade jurí-
dica (pessoas), qualquer objeto que não tenha existência autónoma (partes integrantes e
partes componentes), algo insuscetível de apropriação, ou seja, que o homem não possa
dispor ou usar ou algo que seja suscetível de apropriação mas não seja exclusiva. Tam-

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bém não são coisas aquilo que não seja apto a satisfazer necessidades ou interesses hu-
manos.

Para Orlando Carvalho, coisa é uma entidade do mundo externo, dotada de sufi-
ciente individualidade e economicidade para assumir o estatuto permanente de objeto de
domínio.

Em suma, coisas são sempre bens, mas nem todos os bens são coisas.

Classificações das coisas relevantes para o Direito das Coisas

Coisas corpóreas e coisas incorpóreas

Enquanto que as coisas corpóreas são suscetíveis de serem apreendidas pelos


sentidos, ou seja, não é necessariamente uma coisa com corpo e que ocupa um espaço,
por exemplo a eletricidade. As coisas incorpóreas são insuscetíveis de serem apreendi-
das pelos sentidos, sendo apreendidas pelo intelecto, por exemplo, os direitos objetos de
outros direitos.

Coisas imóveis e móveis (artigos 204º e 205º do CC)

O legislador português não formula uma distinção entre ambas, realizando apenas
uma enumeração taxativa. Assim, o que não conste do artigo 204º do CC é havido como
móvel. Esta distinção releva em matéria de forma, de registo, de direitos reais e de usuca-
pião.

Coisas fungíveis (artigo 207º)

São coisas que se determinam pelo seu género, qualidade e quantidade. Por outro
lado, são determinadas por conta, peso e medida, de acordo com Manuel de Andrade.

Não são entidades certas e determinadas na espécie, sendo que só se tornam cer-
tas e determinadas depois da escolha, e, portanto, não são suscetíveis de serem objeto
de direitos reais.

Coisas futuras (artigo 211º do CC)

São aquelas que não estão em poder do disponente ou que este não tem direito ao
tempo da relação negocial.

Distingue-se:

- Coisa relativamente futura - coisa que já existe mas ainda não está no poder do dis-
ponente ao momento da declaração negocial. No entanto, ele tem a legítima expectati-
va de vir a adquira-la, dando conta disso à contraparte e o negócio é celebrado nessa
suposição (artigos 408º/2, 893º e 942º do CC).
- Coisa absolutamente futura - coisa que não existe mas que é esperada.
- Coisa alheia - já existe, não está em poder do disponente e este não tem a legítima
expectativa de vir a adquirir (artigo 892º, 893º, 942º e 956º do CC).
- Coisa inexistente - não existe na disponibilidade do disponente, nem de quer que seja,
sendo que o disponente não tem a legítima expectativa de vir a adquirir.
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Partes componentes e partes integrantes

As partes componentes são constituintes da estrutura da coisa, ou seja, são ele-


mentos que compõe a coisa, sem os quais não está completa ou não está apta ao uso ou
ao fim que se destina, sendo que, apesar disto, podem ser separadas da coisa. É exem-
plo a porta ou as telhas de uma casa.

Enquanto que, as partes integrantes (artigo 204º/3 do CC) são coisas móveis
unidas materialmente e com carácter de permanência, com o intuito de aumentar as utili-
dades da coisa, tornando-a mais produtiva, mais segura, mais cómoda ou embelezar. Não
fazem parte da estrutura e sem ela a coisa continua a estar apta ao fim e ao uso a que se
destina, portanto, podem ser levantadas. É exemplo a louça sanitária ou um painel solar.

Ambas não podem ser objeto de direitos reais autónomos enquanto não forem se-
paradas da coisa principal. Assim, podem ser objeto de negócio distinto daquele que tem
por objeto a coisa principal, ou seja, posso vender a porta principal da minha casa. No en-
tanto, enquanto ela estiver na estrutura da casa, este negócio da venda da porta não vai
produzir efeitos reais, mas apenas efeitos obrigacionais. Só no momento da separação é
que se produz o efeito real.

Deste modo, o negócio que tenha por objeto a coisa principal abrange quer partes
componentes, quer partes integrantes. No entanto, pode haver negócios que tenham por
objeto apenas as partes componentes ou as partes integrantes.

Se tivermos uma coisa autónoma, certa e determinada, que perca a sua autonomia
e passe a ser parte integrante ou componente de uma coisa principal deixam de poder ser
objeto de relações jurídico reais autónomas (artigo 408º/2 do CC).

Exemplo: os elevadores são coisas autónomas, mas, se forem integrados num prédio su-
jeito a um regime de propriedade horizontal, deixam de ser objeto do direito de proprieda-
de que existia anteriormente e passam a ser objeto da propriedade horizontal, pois pa-
ssam a ser parte do prédio.

Coisas acessórias (artigo 210º do CC)

São coisas autónomas, separadas e distintas, que não compõe a estrutura de ou-
tra, nem estão ligadas com carácter de permanência a outra coisa, ou seja, não são par-
tes componentes (não fazem parte da estrutura) nem são partes integrantes (não tem ca-
rácter de permanência). No entanto estão afetadas de forma duradoura ao serviço ou a
ornamentação de outra, estando ligadas a uma coisa apenas pelo destino económico.

O negócio que tenha por objeto a coisa principal não abrange a coisa acessória,
sendo uma coisa distinta. Contudo, não será assim se tal for convencionado (artigo 210º/2
do CC). Quanto aos negócios reais que tenham por objeto coisas acessórias produzem os
seus efeitos quando as partes o previrem, ou seja, imediatamente, se nada for dito.

Exemplo: A vende a B o seu apartamento, com a propriedade do imóvel não segue o re-
cheio, a não ser que o contrário seja expressamente acordado.

Frutos (artigo 212º e ss do CC)

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Laura Aires

O legislador atribui a característica da periodicidade, sendo que se trata de tudo a-


quilo que a coisa produz periodicamente sem prejuízo da sua substância.

Assim, distinguem-se os frutos naturais que provem diretamente da coisa, por


exemplo as laranjas, dos frutos civis que se traduzem em rendas ou interesses que a
renda produz em consequência de uma relação jurídica, por exemplo as rendas que uma
casa gera em virtude de um contrato de arrendamento ou juros.

Por sua vez, os frutos pendentes são os que já existem mas ainda não foram co-
lhidos. Os frutos percebidos já foram produzidos e já foram colhidos. E os frutos perce-
biendos são frutos que a coisa poderia ter gerado, mas não gerou, já que estavam em
poder de outrem.

Benfeitorias (artigo 216º do CC) e acessões

De acordo com o artigo 216º/1 do CC consideram-se benfeitorias todas as despe-


sas feitas para conservar ou melhorar a coisa.

Desta forma, distinguem-se as benfeitorias necessárias que correspondem a


despesas feitas numa coisa para evitar a sua perda ou deterioração, das benfeitorias ú-
teis que se traduzem em despesas feitas numa coisa que, não sendo imprescindíveis pa-
ra evitar a perda ou deterioração, lhe aumentam o valor e das benfeitorias voluptuárias
que são despesas que não são feitas para evitar a deterioração ou perda da coisa nem
lhe aumentar o valor, mas para o recreio do benfeitorizante.

As acessões são inovações realizadas em uma coisa à margem de qualquer rela-


ção jurídica, constituindo um título de aquisição originária do direito de propriedade imobil-
iária, ao lado da usucapião.

Distinguir ambas tem sido um trabalho doutrinal ao longo dos anos. Assim, benfei-
toria é uma despesa feita numa coisa já existente com vista ou à sua conservação, ou à
sua valorização ou a gerar um maior recreio. Já a acessão conduz a um ato que se traduz
num ato de inovação e criação de uma nova realidade.

No Código de Seabra distinguia-se afirmando que a benfeitoria beneficiava uma


coisa já existente (despesa), já uma acessão era uma ato de inovação que alterava a
substância de uma coisa. Contudo, Cunha Gonçalves veio dizer que esta distinção não
era suficiente, já que não basta dizer que é uma despesa existente ou que é apenas um
ato de inovação que introduza uma altercação na substância, sendo que há negócios em
que se introduz uma inovação, se altera a substância da coisa e ainda assim o legislador
manda aplicar o regime das benfeitorias.

No atual código, Antunes Varela, Pires Lima e António Carvalho Martins conside-
ram que a distinção deve ser feita com base na existência ou inexistência da relação jurí-
dica. A benfeitoria é praticada por quem tenha uma relação jurídica com a coisa e a ace-
ssão por quem não tem uma relação jurídica com a coisa.

A posição de Mónica Jardim é que as benfeitorias são despesas realizadas numa


coisa que não alteram a sua substância, despesas com vista a conserva-la, valoriza-la ou
garantir um maior recreio. Já a acessão é uma aquisição originária da propriedade que

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Laura Aires
supõe um ato de inovação, criando um novo corpo e alterando a substância, mas apenas
por quem não tiver uma relação jurídica com a coisa.

Consensualidade, taxatividade, tipicidade e publicidade - 4 princípios


orientadores dos direitos reais

Parte Geral

Princípios dos direitos reais

Princípio da consensualidade (artigo 408º do CC)

De acordo com este princípio, os direitos reais constituem-se e transmitem-se pelo


mero efeito do contrato. Basta um título e uma justa causa, não é preciso um modo e um
lado de execução, vigorando o sistema de título. Note-se que abarca também a modifi-
cação e extinção, isto é, qualquer vicissitude ocorre por mero efeito do contrato.

Exemplo: se celebrar um contrato de compra e venda, automaticamente, se for na forma


prevista na lei, a pessoa torna-se logo proprietária, sendo que não interessa que não te-
nha havido a entrega da coisa, o pagamento do preço ou o registo.

Este princípio deve ser cruzado com um outro princípio, o princípio da causalida-
de, bastando que o tal contrato de compra e venda não padeça de causas de inexistência
(vícios substancias), seja válido (vícios formais) e que seja apto a produzir efeitos reais,
apoiado o efeito jurídico-real numa causa de atribuição real.

Neste sentido, distingue-se:

- Título de aquisição - é o fundamento jurídico ou a causa que justifica a aquisição, po-


dendo abranger, em princípio, todas as razões em que se funda a aquisição (transmi-
ssão ou constituição), modificação ou extinção de um jus in re.
- Modo de aquisição - é o ato pelo qual se realizam efetivamente a aquisição, a modifi-
cação ou a extinção do direito real.

Sistema de título e outros sistemas de produção de efeitos reais

Em Portugal, França, Bélgica, Itália e Luxemburgo vigora o sistema de título, bas-


ta o título, que é simultaneamente obrigacional e dispositivo. O registo não é, em regra,
constitutivo, uma vez que não é condição necessária nem suficiente para alterar a situa-
ção jurídico-real. O assento registal assume a função declarativa e, por isso, visa apenas
consolidar a oponibilidade erga omnes perante certos e determinados terceiros.

Porém, há países em que vigora o sistema de título e de modo, sendo que pode
ser simples ou complexo.

No caso de sistemas de título e modo simples, como ocorre em Espanha e em


certas zonas da Itália, a aquisição e a transmissão de um direito real fundada em negócio
depende da validade desse negócio obrigacional e dispositivo, e ainda, de um modo, que
pode ser a entrega da coisa ou o registo. Assim, o efeito real depende do modo e do títu-
lo, sendo que o princípio que rege é o da causalidade. Por fim, quando estejam em causa
bens imóveis a inscrição registal assume eficácia constitutiva ou declarativa.
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Laura Aires
Já nos sistemas de título e modo complexo, nomeadamente na Áustria e na Suí-
ça, o título que produz efeitos meramente obrigacionais tem de ser acompanhado por um
modo que não se reduz à traditio ou à inscrição registal. No ordenamento jurídico austría-
co exigem-se 3 elementos: negócio obrigacional válido (título), negócio de disposição (ne-
gócio real) e entrega da coisa nos bens não sujeitos a registo ou entabulação do direito no
livro fundiário para os imóveis ou móveis sujeitos a registo. Estes 2 elementos concorrem
na formação do modo de aquisição. Assim, este sistema adota o princípio da causalidade
(nemo plus iuris). No sistema suíço, também depende da verificação de 3 elementos: ne-
gócio obrigacional válido (título), um distinto negócio (unilateral) de disposição (estando
em causa um imóvel, é uma declaração de consentimento) e a tradição da coisa quando
sejam bens não sujeitos a registo ou a inscrição do direito em nome do adquirente. Este
sistema, também segue o princípio da causalidade, atribuído ao registo uma função cons-
titutiva.

Exceções do princípio da consensualidade (artigo 408º do CC)

De acordo com o curso, podem identificar-se exceções ao princípio da causalidade


apenas naqueles casos em que o legislador, para a produção de efeito real, não se basta
com o título, exigindo, ainda, a verificação do modo.

Assim, no caso da doação de móveis, exige-se no artigo 947º/2 do CC a tradição


de coisa, por se tratar de um negócio gratuito, espera-se um reforço da vontade translati-
va, uma confirmação do desejo do proprietário.

Por sua vez, no penhor de coisa não basta o acordo, é necessária a entrega da
coisa, nos termos do artigo 669º do CC.

Já no penhor de direitos de crédito é preciso a notificação do devedor daquele


que quer ser credor penhoratício (artigo 681º/2 do CC).

Do artigo 408º/2 do CC não resulta uma exceção

Apesar do curso considerar que não corresponde a uma excecão, alguns autores
consideram que é. Quanto ao artigo 408º/2 do CC, não é exceção porque diz respeito a
coisas futuras, que não são objeto de direito real. Relativamente, às partes integrantes e a
partes componentes, ainda não são coisas, só o são depois da separação. Assim, não in-
cidem sobre direitos reais coisas inexistentes e futuras. Enquanto a coisa não for suscetí-
vel de ser objeto de direito real existe uma impossibilidade legal objetiva do contrato pro-
duzir efeitos reais, sendo que essa eficácia real fica diferida, em suspenso.

Do artigo 409º/1 do CC não resulta uma exceção

Já o artigo 409º/1 do CC consideramos que não é uma exceção, já que diz respeito
ao diferimento da produção do efeito real e não supõe a ocorrência de um modo. Assim, o
legislador permite que as partes, através de cláusulas, difiram a eficácia real. O que não
consagra é a possibilidade de subordinarem a produção do efeito real à prévia verificação
de um modo. Não obstante o efeito real ser um efeito do mero contrato (princípio da con-
sensualidade), este pode ser diferido e não ocorrer com a celebração do mesmo, bastan-
do que as partes o convencionem.

Princípio da taxatividade ou numerus clausus (artigo 1306º do CC)

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Laura Aires
Vale no direito português o princípio numerus clausus, nos termos do qual são di-
reitos reais aqueles que, como tal, estejam previstos na lei. Os direitos reais oferecessem-
se em tipos característicos, por força dos usos. Apesar do legislador ter uma ampla con-
sagração legislativa, não consagra todos os tipos de direitos reais.

Neste sentido, esta prevista uma tipologia taxativa, visto que o legislador, expressa
ou tacitamente, pode decidir que os agentes económicos não são livres de constituir ab
libitum um direito real diferente dos previstos na lei, bem como não são livres de conceder
esse estatuto a um dos tipos sociais não escolhidos pelo legislador.

O regime dos direitos reais é aberto ou fechado?

A generalidade dos direitos reais podem ser moldados, à exceção do direito de pro-
priedade. Deste modo, os tais tipos aceites pelo legislador são mais ou menos abertos, já
que podem ser alterados. Rigorosamente, todos os tipos, à exceção do direito de proprie-
dade, são de algum modo abertos, sendo que o legislador permite regular. Assim, o
preenchimento dos elementos que não compõem, definem, diferenciam ou identificam o
tipo é deixado à autonomia privada, pela previsão de regras supletivas.

Exemplo: no direito de superfície, pode ser fixado o cânone superficiário (artigo 1530º do
CC).

Exemplo: no usufruto as partes é que moldam os direitos e deveres. No entanto, as partes


não podem descaracterizar os tipos (artigo 1445º do CC).

Exemplo: nas servidões quaisquer utilidades podem ser objeto de servidões (artigo 1544º
e 1564º do CC).

O princípio da taxatividade, com pouco rigor, é como se estivesse em 3 patamares:

- 1º patamar: direitos reais - estabelecido pelo legislador.


- 2º patamar: regime dos direitos reais - estabelecido pelo legislador.
- 3º patamar: tipos de constituição dos direitos reais.

Vantagens deste princípio:

- Defesa contra o feudalismo, implicando a redução ao máximo dos obstáculos criados à


circulação dos bens, já que quanto mais encargos existirem sobre a coisa, menor será
o valor dela e, assim, menor seria o seu potencial de serviço à garantia do crédito. Além
de que, bens onerados com vários direitos reais não podem ser explorados tão intensi-
va e eficazmente.
- Diminui-se a conflitualidade social, que naturalmente surgirá aquando da convergência
de interesses divergentes sobre um mesmo objeto.
- Os direitos reais enquanto disciplinam a relação homem-coisa, são matéria ligada a in-
teresses superiores de ordem público-económica que, como tal, devem ser ordenados
exclusivamente pela lei.
- A eficácia real impede que as partes livremente constituam direitos reais, pelo risco que
tal importa para a certeza e segurança do tráfico jurídico.
- A taxatividade facilita o funcionamento do registo, que se torna mais claro e certo.
- Do ponto de vista economicista, a taxatividade diminui os custos de informação impos-
tos a terceiros, bem como, o possível erro de serem surpreendidos com um direito que
lhes é oponível.
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Qual é a consequência de descaracterizar um direito ou gerar um direito real com um tipo


que não está previsto na lei?

Ora, havendo a violação do princípio da taxatividade e, portanto, de uma norma im-


perativa, a sanção deveria ser a nulidade, nos termos do artigo 294º do CC. No entanto,
no artigo 1306º do CC não está prevista a nulidade, o que se entende é que o negócio
não produz efeitos reais, em princípio. Contudo, a regra favor negotii tenta favorecer e
salvar o negócio, através da conversão do negócio jurídico do artigo 293º do CC em ne-
gócio obrigacional, ou seja, desde que se verifiquem, no negócio inválido, os requisitos
substanciais e formais do negócio no qual se vai converter e, ainda, a vontade conjetural
das partes no sentido da conversão. Porém, como é uma mera presunção, as partes po-
dem vir dizer que nunca quiseram que aquele negócio produzisse apenas efeitos obriga-
cionais. Não impõe uma conversão ope legis, já que se não corresponde à vontade das
partes, pode ser feita a prova e o negócio é considerado nulo.

Exemplo: A e B celebram um negócio tendente à constituição de um direito de usufruto,


de A a favor de B. É atribuído ao usufrutuário o poder de usar a coisa, apenas, e não de
fruir. As partes estão a tentar constituir um direito real diverso do direito de usufruto. O di-
reito usufruto supõe o direito de usar e fruir. Viola-se o princípio da taxatividade e uma
norma imperativa. Neste caso, presume-se que as partes teriam querido um negócio me-
ramente obrigacional, que B não ficasse com um direito de usufruto, mas apenas com um
direito obrigacional. Mas, B pode dizer que aceitou tornar-se titular de usar a coisa, já que
pensou, que, ainda assim, poderia ter um direito de usufruto e, portanto, se assim não é,
não corresponde a sua vontade e quer que o negócio seja declarado nulo.

Princípio da publicidade

Os direitos reais são eficazes erga omnes, atribuindo um domínio e soberania aos
seus titulares, e, portanto, são eficazes perante terceiros, vinculados pelo dever geral de
abstenção. O titular de direito real corre mais riscos de ver violado o seu direito, do que
um titular de um direito de crédito, que apenas tem o devedor para cumprir a prestação.
Os terceiros tem mais riscos de violar um direito real do que um direito de crédito, não
obstante atuem de boa fé.

Acresce que, sem o registo, um terceiro que, não seja titular de um direito real, mas
que pretenda ser, corre o risco de estar a negociar um direito real com alguém que nunca
tenha sido titular desse direito ou já não o era.

Na ausência de um registo, o nº de direitos reais menores ocultos, que depois se


podiam revelar, poriam em causa todo o tráfego jurídico e não traria estabilidade ao co-
mércio jurídico.

Com o aumento dos negócios jurídicos, os legisladores aperceberam-se que não


podiam tutelar apenas o titular do direito real, ou seja, não podiam defender apenas a se-
gurança jurídica estática, era preciso defender a segurança dinâmica e do tráfico jurí-
dico. Nesta altura, os ordenamentos jurídicos criaram os sistemas registais.

Alguns ordenamentos jurídicos impuseram o registo constitutivo, não há altera-


ção da situação, antes do registo, e, portanto, não é oponível a terceiros sem registo. As-
sim, os direitos reais só são oponíveis erga omnes com o registo, isto é, os direitos reais

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constituem-se, transmitem-se e modificam-se apenas com o registo. Os terceiros nunca
são afetados pelos direitos reais, porque não existem enquanto não são registados.

Noutros ordenamentos, como é o caso do português, optaram por afirmar que os


direitos reais constituem-se, transmitem-se e modificam-se independentemente do registo
(princípio da consensualidade), e, portanto são eficazes erga omnes à margem do registo,
ou seja, ganham eficácia independentemente do registo. Mas, é preciso assegurar os ter-
ceiros, e, então, os titulares adquirem um direito real, à margem do registo, que adquire
eficácia erga omnes, mas tem de o registar para consolidar a oponibilidade. Se não regis-
tarem, não consolidam a oponibilidade relativamente a determinados terceiros, nomeada-
mente os do artigo 5º do Código do Registo Predial. Se não consolidarem a oponibilidade
do seu direito e se posteriormente aparecer um dos terceiros do artigo 5º do Código do
Registo Predial, o direito que antes nasceu e era eficaz erga omnes vai extinguir-se ou fi-
ca onerado. Neste sentido, atribuem uma função declarativa ao registo, que Mónica
Jardim entende como efeito consolidativo.

Não obstante, também existem registos que dão publicidade à situação jurídica dos
bens móveis.

Características do sistema registal português:

- Sistema de fólio real - os factos publicitados pelo registo dizem respeito a prédios. No
fólio pessoal, que vigora em outros países europeus, os factos são associados à pe-
ssoas.
- Sistema que está a cargo de serviços públicos - o registo é desempenhado por ser-
viços públicos, nomeadamente as Conservatórias do Registo Predial.
- Não vigora a regra da competência territorial - não é preciso registar no sítio onde
queremos comprar.
- Os atos de registo são suscetíveis de recurso hierárquico ou impugnação judi-
cial.

Desta forma, vale o princípio da obrigatoriedade do registo, sendo que se não


for solicitado o registo, o que estava obrigado a fazê-lo, sofre uma sanção pecuniária (arti-
go 8º-A do Código do Registo Predial). Note-se que quem está obrigado é o titulador, que
é aquele que dá forma ao ato. Vale, ainda, o princípio da prioridade, de modo que o di-
reito primeiramente registado impede a entrada no registo de direitos incompatíveis (artigo
6º do Código do Registo Predial); o princípio da instância, pressupondo que o registo é
feito a pedido dos interessados e não oficiosamente (artigo 36º do Código do Registo Pre-
dial); o princípio da legitimação registal, existindo uma obrigatoriedade indireta de que
ninguém pode alienar ou onerar um direito sem previamente ser titular registal (artigo 9º
do Código do Registo Predial); o princípio do trato sucessivo, sendo que ninguém con-
segue obter o registo a seu favor se do registo não constar como titular aquele que lhe
onerou ou alienou o direito (artigo 34º do Código do Registo Predial) e o princípio da le-
galidade, em que o conservador não pode registar nenhum facto jurídico sem fazer o
controlo formal e substancial do título.

Efeitos do registo:

- Presunções ilidíveis - gera a presunção de que o direito existe e gera a presunção de


que o direito pertence ao titular registal (artigo 7º do Código do Registo Predial).
- Efeito consolidativo - visa consolidar a oponibilidade erga omnes da situação jurídico-
real perante certos e determinados terceiros.
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- Efeito constitutivo - o registo não é condição para a aquisição do direito real. É obri-
gatório mas não é constitutivo. Excecionalmente, o registo é constitutivo para a hipote-
ca (artigos 4º do Código do Registo Predial e 687º do CC).
- Efeito enunciativo - como ocorre com a servidão aparente e com a usucapião, sendo
que não serve para solidificar a inoponibilidade (artigo 5º/2 do Código do Registo Pre-
dial).
- Efeito atributivo - atribui o direito a alguém que não o devia ter, de acordo com as nor-
mas de direito substantivas puras (artigos 5º do Código do Registo Predial e 291º do
CC - exceção ao nemo plus iuris).

Por fim, pode adquirir-se por usucapião contra alguém que é titular registal.

Posse

Conceito de posse: conceção subjetiva e conceção objetiva

De acordo com o artigo 1251º do CC, a posse é o poder que se manifesta quando
alguém atua por forma correspondente ao direito de propriedade ou de outro direito real.

A posse manifesta-se quando alguém exerce poderes empíricos sobre a coisa,


com intenção de atuar como titular do direito, neste caso, do direito real. Supõe, então, a
atuação, o exercício de poderes ou a possibilidade de os exercer, em termos de direito de
propriedade ou de outros direitos reais.

Podemos distinguir 2 tipos de posse:

- Posse causal - a posse que acompanha a titularidade do direito, é uma mera projeção
ou reflexo do direito.
Exemplo: A é proprietária do livro e tem poderes de facto sobre o livro.
- Posse formal ou autónoma - a posse é desacompanhada de um qualquer direito,
sendo que a pessoa exerce poderes de facto sobre a coisa como se fosse titular de um
direito real, mas não o é.
Exemplo: A pretendeu constituir a favor de B uma servidão de passagem sobre o seu
prédio, sendo que celebraram um acordo por escrito e o B pagou. A forma que era exi-
gida era escritura pública ou documento particular autenticado. As partes não recorre-
ram a este documento e o acordo padece de um vício de forma, e, portanto, B não ad-
quire um direito de servidão, já que este vício conduz a nulidade do negócio. Associado
ao princípio da consensualidade, está o princípio da causalidade - embora os direitos
reais se transmitam por mero efeito do contrato, este contrato deve ser válido, quer do
ponto de vista substancial, quer do ponto de vista formal. B não adquiriu o direito de
servidão. Não obstante, B tem passado pelo prédio de A, como se fosse titular do direi-
to de servidão de passagem, excedendo poderes de facto. O B tem posse, mas é autó-
noma, já que não encontra a sua causa num direito.

Porque se tutela a posse formal, que é como um anti-direito? Que razões


conduzem a tutela da posse autónoma?

É uma forma de assegurar a paz social e a paz jurídica. Enquanto que não há a
certeza do direito, protege-se a situação, garantindo-se a paz e evitando-se a autotutela. A
tutela da posse surge para facilitar o verdadeiro titular do direito. Protege-se o possuidor
porque se parte do pressuposto que essa posse é causal, ou seja, de que há um titular do

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direito. Protege-se a posse, visto ser mais fácil fazer prova da posse do que da proprieda-
de. A posse surge como uma guarda avançada da propriedade ou de qualquer outro
direito real em cujo os termos se esteja a possuir.

Apesar dos direitos reais terem uma forte tutela e existir um conjunto de ações, co-
mo a causa de pedir nessas ações é o facto jurídico de que deriva o direito real, a prova
de que se é titular do direito é muito complicada e difícil (prova diabólica).

Se o titular do direito real tiver adquirido originariamente, a prova é simples, de-


monstrando que praticou uma série de atos que levaram aquela aquisição. Se for uma
aquisição derivada, não basta ao titular do direto real juntar o contrato de compra e
venda ou a escritura pública. Nestes casos, a aquisição só será válida se o alienante
efetivamente for titular do direito, de acordo com o princípio nemo plus iuris. Assim, tem
que o provar através da aquisição originária.

O problema da prova em matérias de ações de direitos reais é superado quando há


posse, já que, havendo posse, presume-se a titularidade do direito. É, ainda, superado
quando existe o registo, a favor do sujeito passivo, dado que gera a presunção do direito.
Deste modo, facilita o titular do direito real, ao assegurar a possibilidade de ser tutelado o
seu direito sem ter que fazer a prova diabólica.

A posse pode ser vista como uma categoria autónoma, produtora de utilidades, já
que alguém exerce poderes de facto. A posse, só por si, deve ser vista como categoria
autónoma, tutelada por si própria, sendo uma realidade com valor económico.

Ademais, se a posse for mantida durante um lapso de tempo, de forma pacífica e


pública, pode garantir a aquisição do direito, através da usucapião. Portanto, a posse e
todo o regime da posse visa tutelar o possuidor, enquanto não se souber a certeza do di-
reito real definitivo, e, em simultâneo, abre o caminho para o possuidor vir a adquirir o di-
reito.

Posto isto, existem 2 conceções a nível dos diversos ordenamentos jurídicos:

- Conceção subjetiva da posse

Foi defendida por Savigny e é defendida pela doutrina maioritária em Coimbra.

Para que haja posse é necessário que estejam reunidos 2 elementos: o corpus,
que consiste no domínio de facto ou no exercício de poderes de facto sobre a coisa; e o
animus (possidendi), que é a intenção de atuar como titular de um direito real - a inten-
cionalidade é específica, já que a intenção é a de atuar como titular de um direito real.

Não é necessário exercer poderes de facto, basta que haja a possibilidade empíri-
ca para tal exercício. Pressupõe que o exercício dos poderes de facto seja feito com algu-
ma continuidade, o que não significa que não possam existir interrupções, que os atos
não possam ser exercidos de forma reiterada, ou que os atos materiais tenham de ser os
mesmos.

Deste modo, só são possuidores aqueles que exercem poderes de facto, como titu-
lares de um direito real. Não são possuidores aqueles que exercem poderes de facto co-
mo titulares de um direito de crédito, por exemplo, não são possuidores os locatários. Não
são possuidores, também, os que exercem poderes de facto sobre a coisa mas de forma
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fugaz e transitória, por exemplo, quando vamos ao médico, em regra, na sala de espera
estão revistas, e ao lermos estamos a exercer poderes de facto fugazes e transitórios.

- Conceção objetiva da posse

Foi defendida por Ihering, e, entre nós, por Menezes Cordeiro.

De acordo com esta conceção, para haver posse basta que haja corpus (exercício
de poderes de facto sobre a coisa ou possibilidade empírica desse exercício), exercido
com uma intencionalidade, mas uma qualquer intencionalidade. Ou seja, a posse supõe o
exercício de poderes de facto sobre uma coisa, com uma intenção e vontade, mas não
com uma intencionalidade específica.

Assim, podem exercer-se poderes com a intenção de atuar como titular do direito
real, ou como titular de um direito de crédito ou como titular de um direito pessoal de go-
zo.

Os possuidores são todos aqueles que exercem poderes de facto sobre a coisa,
com uma intencionalidade. Na verdade, só não são possuidores os que exercem poderes
de facto sobre a coisa na direta e imediata dependência de outrem, como subordinados,
por exemplo, os empregados domésticos. Não são, também, possuidores os que exercem
poderes de facto sobre a coisa mas de forma fugaz e transitória.

O ordenamento jurídico português consagra a conceção subjetiva da posse, que


decorre da noção de posse e dos artigos 1251º e 1263º do CC.

Neste sentido, são meros detentores os que exercem poderes de facto, sem a in-
tenção de atuar como titular de direito real, não tem animus possidendi.

Quem é detentor (artigo 1253º do CC)?

- Os que exercem poderes de facto sem intenção de agir como beneficiário de um direi-
to. O titular do direito não exerce um poder ou uma faculdade contida no regime do seu
direito e em virtude desse não exercício um terceiro acaba por ter um benefício.
Exemplo: A, proprietário de um prédio superior, onde existe uma fonte ou nascente, es-
te pode usar a totalidade da água, mas pode deixar a água escorrer para prédio inferior,
sendo que o proprietário do prédio inferior pode aproveitar essa água (artigos 1351º e
1391º do CC). O proprietário do prédio inferior pode ter água, porque o proprietário do
prédio superior não exerceu uma faculdade contida no seu direito. O proprietário do
prédio inferior beneficia da inércia, sendo um detentor por ato facultativo, de acordo
com o Código de Seabra.
- Os que se aproveitam da tolerância do titular do direito. Os que praticam atos porque
houve um consentimento por parte do titular do direito. Supõe, então, que determinada
pessoa exerça poderes de facto sobre a coisa alheia, que não podia exercer, em princí-
pio, sob pena de violar o dever geral de abstenção, mas pratica-os, porque o titular do
direito consentiu. São atos de intromissão excecional.
Exemplo: A, proprietário de um imóvel com acesso à via pública, tem um longo caminho
até lá. B, seu vizinho, possibilita a passagem pelo seu prédio para que seja mais rápido
aceder à via pública. B nunca onerou o seu direito de propriedade com uma servidão
de passagem. Portanto, A está a praticar um ato sobre um prédio alheio, que lhe estaria
vedado, sendo que não tem qualquer direito, apenas pratica o ato porque B tolerou.
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- Os representantes, mandatários, comandatários e todos os que possuem em nome de
outrem. Atuam com base num título jurídico.

Com base no artigo 1252º/2 do CC, em caso de dúvida, presume-se a posse de


quem exerce o poder de facto, dado que a intenção pode ser de difícil prova. Ou seja,
fazendo-se prova do corpus, presume-se o animus.

O legislador português atribuiu aos possuidores determinados meios de tutela e de-


fesa da pose, com diversas ações. Estas ações, em princípio, só deviam poder ser usa-
das pelos possuidores. Não obstante, é permitido que alguns detentores, excecionalmen-
te, utilizem os meios de defesa da pose (extensões objetivas da tutela possessória). É
o caso do locatário (detentor com base no título jurídico - artigo 1037º/2 do CC), comoda-
tário (artigo 1133º/2 do CC), depositário (artigo 1188º/2 do CC) e parceiro pensador (artigo
1125º/2 do CC).

Ao longo dos anos, tem se questionado se é possível estender a tutela possessória


a outros detentores para além dos supra mencionados. Mónica Jardim entende que se
chegarmos a conclusão de que houve uma lacuna, que o legislador não previu, podemos
aplicar as regras dos 4 artigos mencionados por analogia.

Em que direitos é que se exerce a posse?

A posse não é apenas exercida em direito de propriedade.

Deste modo, há posse em termos de todos os direitos reais de gozo.

Porém, não há posse em termos de direitos reais de aquisição, porque estes não
envolvem um exercício de um poder de facto sobre a coisa e esgotam-se no seu exercício
de forma muito rápida, e a posse supõe uma estabilidade e durabilidade.

Quanto aos direitos reais de garantia, a maioria da doutrina, considera que não
existe posse, porque não envolvem um exercício de um poder de facto sobre a coisa.
Outra parte da doutrina, nomeadamente Orlando Carvalho, acompanhado pela Mónica
Jardim, considera que existe posse em termos de penhor e de direito de retenção, sendo
que nos outros não.

De facto, Mónica Jardim considera que a maioria dos direitos reais de garantia não
envolvem um exercício de poderes de facto, mas ressalva o penhor, que supõe a entrega
da coisa, e o direito de retenção, que supõe guardar a coisa nas suas mãos até a venda
judicial. A maioria da doutrina afirma que também não há posse, porque reduzem este
exercício de poderes de facto a um exercício de poderes de uso e de fruição. No entanto,
segundo Mónica Jardim, a posse não tem que se reduzir. Mais, o legislador reconhece ao
credor penhoratício e ao retentor o direito de intentar uma ação de defesa de pose
(artigos 670º/a) e 758º do CC).

Natureza jurídica da posse

A questão da natureza jurídica da posse formal é uma questão muito controvertida


na doutrina, sendo que a questão que se faz é: será que está em causa um direito real?

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Na perspetiva de Carlos Mota Pinto, a posse é um direito real provisório, que po-
de deixar de existir logo que o titular do direito real surja, já que, havendo conflito entre a
titularidade do direito e a posse, vencerá sempre a titularidade. A posse formal é um direi-
to real, mas provisório, sendo que, em regra, os factos que fazem nascer os direitos de-
vem se substituir. Assim, a posse é um direito real, eficaz erga omnes, com valor econó-
mico, suscetível de transmissão (inter vivos e mortis causa) e de ser registado (artigos 2º/
1/f) e 1º do Código de Registo Predial) e incide sobre coisa certa e determinada.

Na nossa perspetiva (curso), em causa não está um direito real. Desde logo, não é
uma situação oponível erga omnes, a partir do momento que se sabe que a posse cai pe-
rante o verdadeiro titular do direito real. Também não é um direito suscetível de ser regis-
tado, sendo que o que se regista é a mera posse (artigo 1295º do CC). Quanto ao facto
de ter valor económico, sim, tem, e, portanto, é suscetível de ser transmitida inter vivos e
mortis causa. Acresce que, é suscetível de defesa.

Sendo assim, não estamos perante um direito, mas antes um facto juridicamente
relevante, e, por isso, o legislador permite a sua defesa, o registo da mera posse e a pro-
dução de efeitos. Mónica Jardim não considera que é um direito porque, de acordo com o
artigo 1268º do CC, a posse gera a presunção da titularidade de um direito. Mas, não faz
sentido assumir que um direito autónomo pode gerar a presunção de outro direito.

Formas de aquisição da posse

A posse pode ser adquirida originariamente ou derivadamente. Adquire-se a posse


originária quando a posse não se funda na posse anterior. Adquire-se a posse derivada
quando a posse se funda na posse anterior do anterior possuidor. Note-se que os direitos
também se podem adquirir originariamente ou derivadamente.

A posse pode ser adquirida de acordo com o artigo 1263º do CC. Existem outras
formas de aquisição para além das previstas no artigo, por exemplo, através de esbulho.
Além do mais, não está prevista a aquisição mortis causa. Assim, as formas previstas não
são taxativas.

Formas de aquisição originária

As formas de aquisição originária previstas na lei conduzem sempre a que a posse


seja não titulada, dado que ninguém adquire um direito real por mudar de ânimos. Ressal-
va-se a acessão e a ocupação que geram uma forma titulada.

- Posse adquirida por acessão (artigos 1325º e ss do CC)

Quando a coisa que é propriedade de alguém se incorpora com coisa pertencente


a outrem.

Exemplo: acessão industrial e imobiliária - artigo 1340º do CC. A, de boa fé, autorizado
por um titular de um terreno ou ignorando que o terreno era alheio, fez uma obra ou plan-
tação. Se o valor que gerar com a nova realidade predial for superior ao da antiga realida-
de predial, pode torna-se proprietário do todo, desde que pague o valor da antiga realida-
de predial. Imaginemos que A não paga e não pretende pagar e está a comportar-se co-
mo proprietário do solo - não adquiriu a propriedade, porque não pagou, mas adquire po-

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sse originariamente. Dá-se à aquisição da posse quando não se verifica todos os requisi-
tos previstos na lei, mas se tem corpus e animus, tem a posse.

- Ocupação (artigo 1318º e ss do CC)

De acordo com este artigo, quem encontrar animal ou coisa móvel abandonada,
deve tentar apurar o dono. Decorrido 1 ano, se o dono não aparecer, o achador tem o di-
reito de ficar com a coisa. Deste modo, trata-se de uma forma de aquisição originária de
coisas móveis e animais.

Exemplo: A encontra um animal perdido, sem identificação, sendo que o levou ao veteri-
nário, mas o animal não tinha chip, e, portanto não fica a saber de quem é o animal. Con-
tudo, não avisa as autoridades que encontrou o animal. Daí a diante comporta-se como
proprietário do animal. Mas, não é o proprietário, ou seja, não adquire direito de proprie-
dade porque não se verificam os requisitos da lei. Assim, adquire a posse do animal por
ocupação.

- Aquisição paulatina (artigo 1263º/a) do CC)

Adquire-se a posse pela prática reiterada de atos materiais (não jurídicos) corres-
pondentes ao exercício do direito, desde que essa prática ocorra com publicidade. Para
se adquirir posse por aquisição paulatina deve praticar-se de forma reiterada atos mate-
riais, mas, não significa que seja contínua e que tenha que ter uma certa periodicidade.
Note-se que a publicidade à vista da comunidade social não tem nada a ver com o carác-
ter da posse de posse pública. Relativamente ao exercício do direito, antes de haver a
aquisição da posse, há um pré-corpus e pré-animus, isto é, uma pré-posse antes de se
adquirir a posse.

Exemplo: A, proprietário e possuidor, emigrou e deixou de dar notícias. O vizinho, B, aper-


cebendo-se que o prédio estava abandonado, sem que seja cultivado, começou a cultivar
aos poucos, praticando atos materiais e comportando-se como titular do direito real, sen-
do que fez isto com publicidade. Assim, acaba por adquirir a posse com aquisição paulati-
na.

É de ressalvar que quando há aquisição paulatina não se consegue determinar o


momento exato da aquisição da posse.

- Inversão do título de posse (artigos 1263º/d) e 1265º do CC)

Traduz-se nas situações de quando um detentor passa a possuidor. Quando al-


guém que exercia poderes de facto sem intenção de atuar como titular de direito real, pa-
ssa a exercer poderes de facto com intenção de atuar como titular de direito real. Muda de
ânimos e passa a ter outra intencionalidade.

- Por oposição do detentor ou até ali possuidor

Essa oposição pode ser de forma explícita, em que há um ato declarativo de infor-
mação e notificação, ou seja, o detentor muda de ânimos e informa e declara ao até ali
possuidor, portanto, pressupõe um comportamento declarativo; ou implícita, em que há a
prática de atos positivos inequívocos de mudança de ânimos, apesar de não haver uma
informação direta, chegam ao conhecimento do possuidor. Esta posse tem a característi-
ca da publicidade, já que é conhecida em ambos os casos.
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Exemplo: A é arrendatário de um apartamento, portanto, detentor. A dada altura, descobriu


um testamento que estava revogado, mas sobre isso nada sabia, ficando convencido de
que seria proprietário. Então, A mudou de animus e adquire a posse por inversão de título
de posse. Pode até deixar de pagar a prestação ao senhorio, pois ele é agora proprietário,
achando ele.

- Por ato de terceiro

Não está em causa um ato de terceiro suscetível de transferir a posse. Neste caso,
temos um terceiro que não é titular do direito real, não é possuidor, nem é detentor.

Exemplo: imaginemos uma relação entre um possuidor e um detentor, sendo que aparece
um terceiro que convence o detentor que é ele o titular do direito real, celebrando um ne-
gócio, em abstrato, idóneo à transmissão do direito e à constituição do direito real. Por for-
ça da celebração desse negócio, o detentor muda de ânimos e passa a comportar-se co-
mo possuidor. Não é por ato de terceiro capaz de transferir a posse, como diz no artigo. O
terceiro é terceiro perante a relação de posse e detenção. Este terceiro pode ser ou não
titular do direito - mas não é possuidor.
A causa da aquisição da posse é a alteração do animus, a alteração do animus
deu-se por causa daquele negócio, mas a causa de aquisição da posse é ter havido uma
mudança de intencionalidade.

- Esbulho

Está previsto no âmbito das ações de defesa da posse, sendo que cabem todas as
formas de aquisição da posse contra a vontade do até ali possuidor sempre que atua com
intenção de ficar com a posse de outro.

Formas de aquisição derivada

- Sucessão mortis causa da posse ou tradição ficta (artigo 1255º do CC)

De acordo com o artigo, por morte do possuidor a posse vai continuar nos herdei-
ros do possuidor, desde o momento da morte. Há uma ficção, já que, quando alguém mo-
rre, dá-se a abertura da sucessão, depois a herança fica jacente à espera de aceitação ou
repúdio, depois de aceitação a herança fica em divisa e depois faz-se a partilha. Portanto,
pode haver um grande lapso de tempo entre a hora da morte e a hora da partilha, isto é,
hora em que os herdeiros ficam com bens certos e determinados no poder.

No entanto, no caso de sucessão da posse, os herdeiros são havidos como possui-


dores desde o tempo da morte. O legislador ficciona que o herdeiro sempre teve a posse,
desde o momento em que o de cujus se findou. As características da posse do herdeiro
são as mesmas do de cujus, ou seja, não tem uma nova posse.

- Tradição real (tradição da posse inter vivos)

Ocorre efetivamente naquele momento a tradição da posse.

- Explícita

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Em regra, é explícita. O antigo possuidor transmite para o novo possuidor, sendo
que este último pratica atos materiais sobre a coisa, isto é, há atos de empossamento da
coisa. O novo possuidor passa a exercer poderes de facto sobre a coisa (tendo corpus e
animus), que antes nunca tinha exercido, e, portanto, supõe um ato de empoçamento.

Note-se que não basta o mero acordo, é necessário que haja um ato de empossa-
mento.

- Implícita

Não envolve o tal ato de empossamento, visto ser desnecessário.

- Traditio brevi manu

Alguém adquire posse fundando-a no antigo possuidor. Mas é uma aquisição implí-
cita, porque o novo possuidor não vai receber a coisa, não vai exercer poderes de facto
sobre ela, porque já era detentor, e, portanto, exercia poderes de facto com outra intencio-
nalidade.

Ocorre sempre que previamente existia um possuidor e um detentor, e o possuidor


transmite a posse ao detentor. Há um acordo tendente a tal, sendo que depois há uma
mudança de ânimos - conversão em posse uma situação de simples detenção.

É uma situação equiparada a inversão do titulo de posse.

- Constituto possesório (artigos 1263º/c) e 1264º do CC)


- Bilateral (artigo 1264º/1 do CC)

Há intervenção de 2 pessoas. O que era possuidor, através de negócio jurídico,


transmite a sua posse. Mas, por força de outro negócio, adquire a coisa. O novo possui-
dor não passa a exercer diretamente poderes de facto sobre a coisa, porque o até ali po-
ssuidor vai exercer poderes de facto sobre a coisa, como detentor. O titular da posse
transmite a posse para outrem, através de um negócio jurídico, mas em virtude de um ne-
gócio subsequente passa a ter a detenção da coisa.

Portanto, temos 2 negócios: a transmissão da posse e a detenção da coisa.

- Trilateral (artigo 1264º/2 do CC)

Há a intervenção de 3 pessoas. O possuidor de certa coisa, de que um terceiro é


detentor, transfere o direito real para outrem (que não o detentor), mantendo-se a relação
da detenção. O possuidor transmite a posse a um terceiro, convencionando (ou não, pode
decorrer da lei) que a relação de detenção se vai manter.

Caracteres da posse
(artigos 1258º e ss do CC)

Posse titulada e posse não titulada


(artigo 1259º do CC)

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- Posse titulada - é a posse fundada em qualquer título, e não modo, legítimo de adqui-
rir o direito. É titulada a posse que se funda em qualquer título legítimo, em abstrato,
para adquirir o direito. Se o título for um negócio jurídico, o transmitente não for o titular
do direito nem existir invalidade substancial não obsta a que seja titulada. Não pode é
padecer de vícios formais. A ocupação e a acessão são meios, em abstrato, idóneos
para adquirir o direito de propriedade, logo a posse em termos de ocupação e acessão
é uma posse titulada.
- Posse não titulada - é a posse fundada no negócio jurídico, em abstrato, idóneo à a-
quisição do direito, mas que padeça de vícios de forma. A exigência formal resulta à
contrário. A aquisição paulatina e a inversão, são sempre não tituladas porque a posse
é titulada quando se funda num título em abstrato idóneo à aquisição do direito real em
cujos termos possui.

Exemplo: A vende um imóvel a B, que não era seu, era de C. B comporta-se como possui-
dor, em termos de direito de propriedade. Esta posse adquirida por B, é tutelada? Funda-
se ou não num título, em abstrato, idóneo à aquisição do direito de propriedade? A com-
pra e venda é ou não idónea para adquirir o direito de propriedade? É, então, temos título.
Tendo em contra que título é negócio jurídico, devemos ver o restante artigo. Aparente-
mente, temos uma posse titulada. Mas, se A tiver vendido a B, através de contrato de
compra e venda mas sem escritura pública ou documento particular autenticado, haverá
vício de forma. Aí, a posse de B passa a ser não titulada.

Uma das críticas da doutrina face ao artigo 1259º do CC é a possibilidade dos ví-
cios formais afastarem o carácter tutelado da posse, mas os vícios substanciais (por
exemplo, o direito não pertencer a quem o transmitiu) não assumirem qualquer relevância.

Exemplo: se A vender a B um bem que é de C, e se o vender na forma prevista na lei, o B


adquire posse e adquire posse titulada. Por outro lado, se A vender a B, um bem que é
seu, mas por documento particular, a posse é não titulada.

No entanto, apesar da regra, há hipóteses em que os vícios substancias assumem


relevância. Há vícios substancias que afastam a própria posse, portanto, não faz sentido
questionar se é titulada ou não titulada. É o caso da simulação absoluta e a reserva men-
tal absoluta, bem como a simulação relativa e a reserva mental relativa, sempre que o ne-
gócio dissimulado ou oculto não seja apto a produzir efeitos reais, nem sequer há posse.

Exemplo: A, proprietário e possuidor do imóvel, celebra com B um contrato de compra e


venda, mas padece de simulação absoluta. A não quis transmitir a posse, sendo que o B
não quis exercer a posse. Portanto, se não há posse não faz sentido questionar se é titu-
lada ou não.
Por outro lado, há outros vícios substanciais, que não afastando a posse, afastam
o título, e conduzem a que a posse seja não titulada. Estes vícios são os geradores de in-
existência do negócio, como a coação física, declarações jocosas ou não sérias, a falta de
vontade ou consciência de declaração, etc.

Qual é a relevância de saber se a posse é ou não titulada?

- Em virtude de presunções: artigos 1260º/2 - a posse titulada presume-se de boa fé; a


posse não titulada presume-se de má fé - e 1254º/2 do CC - a posse atual não faz pre-
sumir a posse anterior, a não ser que a posse atual seja titulada.

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- Efeitos de prazo de usucapião, já que os prazos variam para aquisição do direito real,
consoante seja titulada ou não titulada (artigos 1294º, 1296º, 1298º, 1299º e 1300º do
CC).

Posse de boa fé e posse de má fé


(artigo 1260º do CC)

- Posse de boa fé - o possuidor ignorava ao adquiri-la que estava a lesar o direito de


outrem.
- Posse de má fé - o possuidor sabia ao adquiri-la que estava a lesar o direito de ou-
trem.

O critério adotado pelo legislador é, portanto, um critério psicológico não jurídi-


co: é do conhecimento do possuidor, isto é, sabia ou não que estava a lesar do direito de
outrem. Para Orlando de Carvalho, o que interessa é a ignorância efetiva, seja ou não
culposa.

A boa ou má fé avalia-se no momento da aquisição da posse e é uma característi-


ca permanente da situação possessória. Porém, a alteração superveniente atribui à lei
relevância em 2 pontos: quanto ao regime dos frutos (artigos 1270º e 1271º do CC) e em
resultado da interrupção do prazo de usucapião nos termos do artigo 323º e ss do CC.

Qual é a relevância de saber se a posse é boa ou de má fé?

- Se for de boa fé, os prazos para invocar a usucapião diminuem.


- Em matéria de efeitos de posse nos termos do artigo 1269º e ss do CC.
- Em matéria de benfeitorias, sendo que se o possuidor tiver de boa fé pode ter o direito
de ser indemnizado. Se estiver de boa fé, poderá exercer direito de retenção, o de má
fé não. Se forem voluntárias, o de boa fé poderá levantar, o de má fé não.

Posse pacífica e posse violenta


(artigo 1261º do CC)

- Posse pacífica - se for adquirida sem coação física ou coação moral.


- Posse violenta - se for adquirida com coação física ou coação moral, nos termos do
artigo 255º do CC.

Qual é a relevância de saber se a posse é pacífica ou violenta?

- A posse violenta é sempre havida como posse de má fé - presunção consagrada no ar-


tigo 1261º/3 do CC.
- Em matéria de tutela possessória, nos termos dos artigos 1267º/2 e 1279º do CC.
- Apenas a posse pacífica pode conduzir à usucapião (artigos 1297º e 1300º do CC).

Posse pública e posse oculta


(artigo 1262º do CC)

- Posse pública - exercida de modo a ser conhecida pelos interessados. Não é nece-
ssário conhecimento efetivo, basta a cognoscibilidade. O que interessa é saber se um
homem médio e diligente colocado na posição do real interessado teria ou não tido co-
nhecimento ou a possibilidade de conhecer (artigo 236º do CC - teoria da impressão do
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destinatário). A cognoscibilidade é apurada não tendo em conta o interessado em con-
creto (anterior possuidor).
- Posse oculta.

Qual é a relevância de saber se a posse é pública ou oculta?

- Para efeitos de defesa da posse nos termos do artigo 1282º do CC.


- Para fins de usucapião, já que a posse oculta nunca conduz à usucapião. Apenas a po-
sse pública conduz (artigos 1297º e 1300º do CC).
- Apenas a posse pública pode ser entendida como mera posse, sendo que pode ser re-
gistada após 5 anos (artigo 1295º/2 do CC).

Perda da posse

Com base no artigo 1267º do CC, o possuidor perde a posse pelo abandono, pela
perda ou destruição, pela cedência e pela posse de outrem mesmo contra a vontade do
antigo possuidor, se a nova posse houver durado por mais de 1 ano.

- Artigo 1267º/a) do CC (perder a posse pelo abandono) - se alguém colocar a coisa fora
da sua disponibilidade empírica e deixar de exercer poderes de facto sobre ela, pode
perder a posse pelo abandono, sendo que deixa de ter a intenção de atuar como titular
de um direito real. Este artigo não tem aplicação à posse dos direitos reais de natureza
perpétua (sendo o caso típico o da propriedade sobre imóveis), isto é, daqueles direitos
que não se extinguem por renúncia do seu titular. Em relação a estes direitos vale o
princípio consagrado no artigo 1257º/1 do CC, sendo que a posse mantém-se enquanto
durar a possibilidade de praticar atos materiais.
- Artigo 1267º/b) do CC (pela perda ou destruição material da coisa) - a posse envolve o
exercício dos poderes de facto ou a possibilidade de os exercer. Se a coisa se perder
ou se destruir deixa de poder haver posse sobre ela, já que a posse só pode ser exerci-
da sobre coisas dentro do domínio jurídico.
- Artigo 1267º/c) do CC (cedência) - em todas as hipóteses de aquisição derivada por tra-
dição real.
- Artigo 1267º/d) do CC (pela posse de outrem mesmo contra a vontade do antigo po-
ssuidor, se a nova posse houver durado por mais de 1 ano) - enquanto não decorrer 1
ano de nova posse contrária a anterior, não se sabe para quem vai contar esse ano. Se
o antigo possuidor reagir e se defender atempadamente e esta for lhe restituída, o tem-
po de posse exercido pelo outro passa a contar como seu. Ao invés, se o antigo possui-
dor se vir confortado com uma posse contrária e não reagir e deixar passar mais do
que 1 ano, esse período de posse vai contar para o novo possuidor. O prazo só come-
ça a contar a partir do momento em que a posse se torna pacifica e pública.

Meios de tutela da posse

Se alguém for possuidor e não for titular do direito real, apenas tem as ações de
defesa da posse. Por outro lado, se for titular de direito real e não for possuidor, apenas
pode intentar ações de defesa dos direitos reais. No caso de ser titular do direito e tiver
posse, pode reagir com ambas.

Os meios de tutela previstos no código são 3 ações (ação de prevenção, ação de


manutenção e ação de restituição), procedimentos cautelares e embargos de terceiro. Pa-
ra além das ações possessórias, o possuidor pode recorrer à ação direta (artigo 1277º do

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CC), não havendo aqui qualquer especificidade, e à legítima defesa da posse (artigo 337º
do CC).

A procedência das ações possessórias, muito embora não exija a prova da existên-
cia de um direito real definitivo, exige, no entanto, a prova da posse. Mas a lei facilita esta
prova, visto que feita a demonstração do corpus, o animus possidendi, em caso de dúvi-
da, presume-se (artigo 1252º/2 do CC).

Note-se que o artigo 1282º do CC prevê o prazo de 1 ano para as ações possessó-
rias.

Ações

Ação de prevenção (artigo 1276º do CC)

Recorre a esta ação quem tiver o justo receio ou o fundado receio de vir a ser
perturbado ou esbulhado da sua posse, em virtude de uma ameaça, que pode ser através
de palavras ou por atos (jurídicos, materiais, administrativos, judiciais, etc.).

A ação de prevenção é intentada por quem venha a ter esse receio (possuidor), e é
intentada contra o autor da ameaça, e não contra os seus herdeiros (legitimidade passi-
va).

Trata-se de uma reação a uma ameaça.

Ação de manutenção (artigo 1278º do CC)

Supõe que o possuidor veja o exercício dos seus poderes de facto diminuídos e
modificados, sendo que este foi perturbado na sua posse, então, houve mais do que uma
ameaça, mas menos do que um esbulho.

Assim, um terceiro deve ter praticado um ato material e não jurídico que diminuiu
ou modificou o exercício dos poderes de facto sobre a coisa. No entanto, o possuidor con-
tinua a exercer o seu direito.

É proposta pelo possuidor, de acordo com o artigo 1281º do CC, ou pelos seus her-
deiros contra o perturbador ou contra os herdeiros, se houver direito a indemnização con-
tra estes.

Se a ação vier a ser julgada procedente, o possuidor é havido como nunca pertur-
bado, sendo que tem direito a ser indemnizado pelo prejuízo que haja sofrido (artigos
1283º e 1284º do CC).

Quanto ao artigo 1278º/2 do CC, entende-se que se a posse perturbada não tiver
mais do que 1 ano, o possuidor vai ter que agir rapidamente. O possuidor que foi pertur-
bado só pode intentar a ação de manutenção ou só verá a sua ação ser procedente se
reagir contra alguém que não tenha melhor posse. Como se sabe quem tem melhor po-
sse? É melhor posse a posse titulada. Na falta de título, a que tem uma duração superior.
Se tiverem igual duração, a posse mais atual. Portanto, tem de reagir rapidamente, já que
pode estar a reagir contra alguém com uma posse titulada, por exemplo, e perderá.

Ação de restituição (artigo 1278º do CC)


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Esta ação é intentada quando alguém foi esbulhado da sua posse e deixa de exer-
cer poderes de facto sobre a coisa. Sendo assim, é uma ação de restituição da posse e
não de restituição da coisa.

É intentada pelo esbulhado ou herdeiros contra o esbulhador ou seus herdeiros e


contra terceiros que tenham adquirido a posse do esbulhador, desde que tivesse ou tenha
conhecimento do esbulho.

A procedência da ação depende da posse ter duração superior a 1 ano (artigos


1278º/2 e 1267º/1/d) do CC). Esta regra tem sido justificada com a consideração de que
uma posse de duração inferior não tem ainda a estabilidade suficiente para merecer tutela
jurídica nem por outro lado, deve poder ser tomada como base para presumir a existência
de um direito. Se a posse não tiver mais de um ano, o possuidor só pode ser restituído
contra quem não tiver melhor posse.

Se a ação for julgada procedente, o tempo da posse contrária vai contar como se
fosse tempo exercido pelo esbulhado, sendo que este terá direito a ser indemnizado
(artigos 1283º e 1284º do CC).

Exemplo: A passa pelo prédio de B, porque o seu prédio é absolutamente encravado, sen-
do que A acha que já tem o direito de servidão de passagem, comportando-se como titu-
lar. A servidão de passagem não pode existir automaticamente, tem de ser constituída por
acordo ou por decisão judicial. B, para reagir à situação, diz que se A volta a passar por
lá, constrói um muro ou solta os cães. Como é que A pode defender a sua posse em ter-
mos de servidão de passagem? Apenas foi ameaçado. Sendo que tem receio de vir a ser
esbulhado. Assim, intenta a ação de prevenção. Imaginemos, por outro lado, que B não
se limita a dizer isto, colocando umas pedras no caminho. O que exercia posse em termos
de servidão de posse, A, continua a exercer. Mas não foi apenas ameaçado, foi mais do
que isso, sendo que viu os seus poderes de facto alterados. Houve um ato de perturba-
ção, e, portanto, intenta uma ação de manutenção da posse, foi mais do que ameaçado
mas não foi esbulhado. Por último, se o dono resolver murar o prédio, há esbulho, já que
A foi privado da sua posse. E, então, intenta-se a ação de restituição da posse, ou seja,
pede que a posse lhe seja restituída, sendo que tem de fazer no prazo de 1 ano e rapida-
mente.

Procedimentos cautelares

Procedimentos cautelares em caso de esbulho violento

Se por acaso o possuidor for esbulhado com violência pode recorrer também a um
procedimento cautelar nominado ou inominado (artigos 1279º do CC e 377º e 378º do
CPC). É um procedimento cautelar. logo pode ser intentado antes da propositura da ação,
mas depois da ação, como incidente.

Se for antes da ação, será uma ação de restituição de posse, sendo que a ação
terá de ser proposta nos 30 dias subsequentes a ser conseguida a providência cautelar.

Embargos de terceiro

Por vezes, quem ofende a posse do possuidor, é o próprio Estado ou Tribunais. É


uma diligência ordenada judicialmente. Nesses casos, em que o possuidor vê a sua posse

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ofendida, perturbada ou esbulhada por uma diligência judicial, pode deduzir embargos de
terceiro.

Para isso, basta fazer prova da posse e presume-se que ele é o titular do direito
(artigo 1268º do CC). Passa a ser o credor a ter que fazer prova de que apesar do bem
ser do possuidor, o proprietário é o devedor.

O possuidor, de facto, tem as ações de defesa da posse. No entanto, o possuidor


perde sempre perante o verdadeiro titular do direito real. Portanto, as ações de defesa da
posse podem cruzar-se com ações de direito real.

Efeitos da posse

- Presunção da titularidade do direito (artigo 1268º do CC)

O possuidor goza da presunção da titularidade de direito. Deste modo, esta pre-


sunção é relevante porque se o possuidor for o titular do direito real pode usar a posse
para fazer prova numa ação de defesa do direito real. Feito a prova da posse, presume-se
a titularidade do direito. Caberá à parte contrária demonstrar que não é o titular do direito.

O registo também gera a presunção do direito, na ação de reivindicação. Então, o


que pode acontecer é que exista a presunção de titularidade do direito a favor do possui-
dor e a presunção de titularidade do direito a favor de outrem no registo - conflito de pre-
sunções. O que resulta do artigo 1268º do CC é que prevalece a posse, sendo que se ti-
verem a mesma data, prevalece a presunção derivada da posse. A presunção do registo
só prevalece se for de data anterior do início da posse.

- Responsabilidade do possuidor pela perda ou deterioração da coisa (artigo 1269º


do CC)

Assume relevância quando o possuidor tem que abrir mão da sua posse para o
verdadeiro titular do direito real.

Exemplo: A é proprietário e possuidor de um determinado imóvel. Em 2006, constituiu a


favor de B um direito de usufruto. No entanto, pretenderam constituir através de um direito
particular, sendo que não obedeceram a forma de escritura pública nem documento parti-
cular autenticado (apenas a partir de 2008). O pretenso usufrutuário nunca se tornou usu-
frutuário, já que, apesar dos direitos reais se transmitirem por mero efeito do contrato, é
preciso que o título não padeça de causas de inexistência, vícios substanciais ou formais.
Neste caso, padece de vício formal. A descobre hoje que o negócio tinha que ser celebra-
do por escritura pública. Consequentemente, A nunca deixou de ser proprietário pleno. Afi-
nal, B nunca se tornou usufrutuário, apenas exercia posse em termos de direito de usufru-
to. Partindo do pressuposto de que não há registo da mera posse (sendo que do título
nunca existia já que padecia de um vício de forma), B não pode invocar a usucapião, já
que não tem anos suficientes. Na falta de título e registo, a regra é de 15 anos, mesmo de
boa fé. Intentada a ação contra o possuidor em termos de direito usufruto vai ter que resti-
tuir a coisa.

Neste sentido, teríamos de aferir se este possuidor estava de boa ou má fé para


ver quais eram as consequências, caso tivesse existido deterioração da coisa (artigo
1269º do CC).
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Ou seja, o que tiver adquirido a posse, desconhecendo que estava a lesar o direito
de outro (boa fé) só responde pela perda ou deterioração se tiver atuado com culpa.

Relativamente ao de má fé, a maior parte da doutrina, entende que o possuidor


responde mesmo que tenha atuado sem culpa, responde com e sem culpa. Contudo, a
posição do curso considera que se deve aplicar ao possuidor de má fé a regra do devedor
em mora, já que sabia que a tinha de restituir. Desde o momento que a tinha, sabia que
estava em mora (artigo 805º/2/b) do CC). Se o fizermos, devemos aplicar, de seguida, o
artigo 807º do CC - apenas responde com culpa ou sem culpa se não provar que os da-
nos sempre teriam ocorrido mesmo que a coisa não tivesse nas suas mãos. Ou seja, não
fazemos uma leitura a contrário do artigo 1269º do CC, aplicamos a regra do devedor em
mora, o que nos permite aplicar o artigo 807º do CC, gerando um tratamento melhor.

- Direitos do possuidor em relação aos frutos produzidos pela coisa

Assume relevância quando o possuidor tem que abrir mão da sua posse para o
verdadeiro titular do direito real.

De acordo com os artigos 1270º e 1271º do CC, se o possuidor estiver de boa fé


faz seu os frutos percebidos, não tendo que os restituir. Quanto aos frutos pendentes, per-
de-os, com o direito a ser indemnizado de todas as despesas de produção. Já os frutos
percebiendos, não responde por eles.

No que respeita ao possuidor de má fé, vai ter de restituir todos os frutos percebi-
dos de todos os anos, mas com o direito de ser indemnizado pelas despesas de produção
(artigo 215º do CC). Relativamente aos frutos pendentes, perde-os, mas sem direito de in-
demnização (artigo 215º/2 do CC). Por fim, responde pelos frutos percebiendos (artigo
1271º do CC).

- Direito do possuidor em relação às benfeitorias feitas na coisa

Assume relevância quando o possuidor tem que abrir mão da sua posse para o
verdadeiro titular do direito real.
Tendo em conta os artigos 1273º e ss do CC, se em causa estiverem benfeitorias
necessárias há direito de indemnização, quer para o possuidor de boa fé, quer para o po-
ssuidor de má fé (artigo 1273º do CC), sendo que o possuidor de boa fé pode exercer di-
reito de retenção, enquanto não for indemnizado. Ao invés, o possuidor de má fé não tem
direito de retenção (artigos 754º e 756º/b) à contrário do CC).

Quanto às benfeitorias úteis (artigo 1273º/1/2º parte do CC), ambos tem, em pri-
meira linha, o direito de as levantar, se não resultar um prejuízo para a coisa. Se não po-
der existir o levantamento sem prejuízo para a coisa, tem o direito a ser ressarcidos nos
termos do enriquecimento sem causa. O possuidor de boa fé, enquanto não for ressarci-
do, pode reter a coisa consigo e eventualmente promover a venda judicial. O possuidor de
má fé não tem direito de retenção.

Por fim, se as benfeitorias forem voluptuárias, o possuidor de boa fé tem o direito


de as levantar, se tal for possível sem prejuízo para a coisa. O possuidor de má fé perde-
as sempre (artigo 1275º/2 do CC).

- Invocação da usucapião

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A posse mantida por um determinado lapso de tempo, de forma pacífica e pública,
pode conduzir à aquisição do direito, em termos do quais se possuiu. Trata-se de uma
forma de aquisição originária do direito real.

Requisitos:

- Deve existir posse (corpus e animus);


- Posse pacífica e pública (artigo 1297º do CC);
- Deve decorrer um lapso de tempo, que varia consoante haja título, registo de título e
da mera posse, boa ou má fé, imóveis ou móveis;
- Invocação da usucapião - não opera automaticamente nem é de conhecimento oficio-
so (artigos 1292º e 303º do CC). A usucapião é invocada judicial ou extrajudicialmente
(qualquer forma).

Apenas podem ser adquiridos por usucapião os direitos reais de gozo (artigo 1287º
do CC). Note-se que, para Mónica Jardim, também há posse em termos do direito de re-
tenção e de penhor. No entanto, essa posse nunca conduz a usucapião. Não são todos os
direitos reais de gozo suscetíveis de serem usucapidos, já que não é possível nas servi-
dões prediais não aparentes e o direito de uso e habitação (artigo 1293º do CC).

De acordo com o artigo 1288º do CC, invocada a usucapião, os seus efeitos retro-
traem-se a data do início da posse.

Quanto aos prazos:

- Se existir título suscetível de ser registado (só há este título, quando a posse foi adqui-
rida derivadamente e existe um documento suscetível de ser levado a registo, sendo
que não pode padecer de vícios de forma) e registo, os prazos são menores (artigo
1294º do CC). Se o possuidor estiver de boa fé, o prazo são 10 anos. Se estiver de má
fé, o prazo são 15 anos.
- Por outro lado, havendo posse e desde que essa posse tenha sido reconhecida atra-
vés de uma justificação notarial ou num processo de justificação, o prazo é reduzi-
do (artigo 1295º do CC). Havendo registo da mera posse e se o possuidor estiver de
boa fé, em 5 anos consegue usucapir, que se somam aos outros 5 anos da justificação,
portanto, são 10 anos. Se estiver de má fé, havendo registo da mera posse, consegue
ao fim de 10 anos, que se devem somar aos 5 que permite o processo de justificação,
portanto, 15 anos.
- Se não houver registo do título nem registo da mera posse, o artigo 1296º do CC dita
que se o possuidor estiver de boa fé o prazo são 15 anos. Se estiver de má fé, o prazo
são 20 anos.

Note-se que todos estes casos dizem respeito à usucapião de imóveis.

No que concerne aos bens móveis, há uma distinção, consoante estejam sujeitos a
registo ou não. Se os móveis tiverem sujeitos a registo, existir título e registo, e o possui-
dor estiver de boa fé, o prazo é de 2 anos. Se, houver título e registo, mas estiver de má
fé é de 4 anos (artigo 1298º do CC). Se os móveis tiverem sujeitos a registo e não hou-
ver registo, o prazo é de 10 anos. Quanto aos móveis não sujeitos a registo, havendo
título e boa fé, o prazo é de 3 anos. Se não houver título ou estiver de má fé, o prazo é
de 6 anos (artigo 1299º do CC).

Entende-se que quem pode invocar é o possuidor, um credor ou um terceiro que


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legítimo interesse (artigo 305º do CC).

Esquema dos prazos:

Imóveis:

• Posse titulada + possuidor de boa fé + posse registada = 10 anos


• Posse titulada + possuidor de má fé + posse registada = 15 anos
• Posse titulada + possuidor de má fé + posse não registada = 20 anos
• Posse não titulada + (logo) não registada + possuidor de boa fé = 15 anos
• Posse não titulada + (logo) não registada + possuidor de má fé = 20 anos

Móveis sujeitos a registo:

• Posse titulada + posse registada + possuidor de boa fé = 2 anos


• Posse titulada + posse registada + possuidor de má fé = 4 anos
• Posse não registada = 10 anos

Móveis não sujeitos a registo:

• Posse titulada + possuidor de boa fé = 3 anos.


• Posse não titulada ou possuidor má fé= 6 anos.

Como se disse, o artigo 1292º do CC manda aplicar um conjunto de regras da


prescrição. Não todas as normas, mas algumas regras da prescrição, nomeadamente os
artigos 300º, 302º, 303º e 305º, bem como as relativas à interrupção e suspensão dos
prazos.

Direito de propriedade

De acordo com o artigo 1305º do CC, o proprietário goza de modo pleno e exclusi-
vo dos direitos de uso, fruição e de disposição (material ou jurídica) das coisas que lhe
pertencem, dentro dos limites na lei. Portanto, pode retirar todas as vantagens da coisa.

A regra geral da proibição do abuso do direito vale para o exercício dos diretos
reais e do direito de propriedade em concreto (artigo 334º do CC).

Note-se que, de acordo com o artigo 1344º do CC, a propriedade abrange o solo
em toda a sua profundidade e altura, inclusive do espaço aéreo existente sob o solo
(princípio superficies solo cedit).

Características:

- Unicidade - é um direito que não pode ser desmembrado e fragmentado, ou seja, não
pode umas faculdades serem de uma pessoa e outras de outra pessoa. O nosso legis-
lador, desde que eliminou a enfiteuse, não admite figuras parcelares ao direito de pro-
priedade (artigo 1306º do CC).

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- Indeterminação (artigos 1305º e 1344º do CC) - a lei não enumera as faculdades que
cabem na propriedade, apenas estabelece as restrições ou limites.
- Elasticidade - o proprietário pode onerar ou comprimir o seu direito, através de direitos
reais menores, sendo que nasce por aquisição derivada constitutiva. Quando o direito
real menor se extingue, o direito de propriedade reexpande-se. A compressão máxima
do direito de propriedade é o usufruto, sobrando apenas a nua propriedade.
- Exclusividade - é entendida num duplo sentido. Apenas há 1 direito de propriedade so-
bre uma coisa, e, portanto, não podem haver 2 direitos sobre a mesma coisa. Por outro
lado, o direito de propriedade é o único que pode existir sozinho, não acompanhado de
outros direitos. Todos os outros direitos reais acompanham um direito de propriedade
pré-existente.
- Transmissibilidade (artigos 1305º do CC e 62º da CRP) - é uma característica própria
da generalidade dos direitos reais, exceptuando o direito de uso e de habitação (é
intuitu personae) e a servidão (tem de ser transmitida com o prédio dominante).
- Tendencialmente perpétuo - não se extingue pelo seu não uso. Não usar ainda é uma
forma de usar a coisa. A única exceção é nas águas originariamente públicas (artigo
1397º do CC).

Quando é que se extingue a propriedade?

- Com a destruição ou perda da coisa;


- A propriedade de coisas móveis extingue-se com o abandono;
- Se for fixada uma condição resolutiva (artigo 1307º do CC);
- Quando há propriedade a termo, nos casos previstos na lei, isto é, na propriedade
superficiária quando este tem prazo (artigos 1286º e 1992º do CC).

Meios de defesa da propriedade

- Ação de reivindicação (artigo 1315º do CC)

Intenta esta ação que se vê privado da coisa (não do direito). É uma ação proposta
pelo proprietário não possuidor contra o possuidor não proprietário, ou contra o detentor
ilegítimo pelo proprietário possuidor. Ou seja, o proprietário fica privado da coisa por ter
constituído sobre ela uma posse contrária ou uma detenção ilegítima.

Sendo assim, este sujeito exercerá o direito de sequela. Envolve 2 pedidos: pede o
reconhecimento do direito de propriedade e a restituição da coisa (artigo 1311º do CC).

- Ação negatória

A ação em causa não está prevista na lei. Intenta esta ação quando, não ficando
privado do direito, há a violação do dever geral de abstenção, ou seja, pretende reagir
contra atos de interferência ou intromissão na coisa.

É uma ação real, que tem de ser registada e a sua causa de pedir é o facto de que
deriva o direito de propriedade. Sendo assim, terá de ser provada a aquisição da proprie-
dade, através da prova diabólica, da aquisição originária e das presunções oferecidas pe-
lo registo e pela posse (artigo 7º do Código do Registo Predial)

Há 3 pedidos possíveis: pedido para que o tribunal declare que foi violado o dever
geral de abstenção e não tem qualquer direito que legitime a sua ação (função declarati-
va); pedido de condenação, para o que violou seja condenado a repor a situação material
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em conformidade com o estatuto do direito real, reposição que pode não ser uma reposi-
ção na íntegra (função reparadora) e pedido para que o tribunal declare que este não vol-
ta a praticar atos daquele tipo (função preventiva).

- Ação de simples apreciação

O titular não é privado da coisa e não necessita que outrem seja condenado a pra-
ticar o ato. Basta uma declaração do tribunal de que o outro não tem qualquer direito que
legitime a sua atuação (ação de simples apreciação negativa) ou o reconhecimento do di-
reito de propriedade (ação de simples apreciação positiva).

- Ação de prevenção contra o dano (artigo 1350º do CC)

É intentada contra o sujeito que seria responsável pelo prejuízo caso este se verifi-
casse (proprietário ou possuidor).

Formas de aquisição da propriedade

Com base no artigo 1316º do CC, o direito de propriedade adquire-se por contrato,
por sucessão por mortis causa, por usucapião, por ocupação e por acessão. Sendo que o
artigo 1317º do CC consagra o momento da aquisição da propriedade.

Formas de aquisição derivada

O artigo 1316º do CC refere-se ainda a "demais modos previstos na lei”. É o caso


de aquisição de frutos do possuidor de boa fé. Outra hipótese é o caso da renúncia à quo-
ta da propriedade quando os comproprietários se querem eximir dos encargos – é um ca-
so excecional em que a propriedade se extingue por renúncia.

Formas de aquisição originária

- Ocupação (artigo 1318º do CC)

Ocorre apenas em relação a animais e coisas móveis, e, apenas se não tiverem


dono, tiverem sido abandonados, estiverem perdidos ou escondidos.

Elemento pessoal: capacidade de gozo de quem ocupa.


Elemento real: não tem dono, foram abandonas, perdidas ou escondidas.
Elemento formal: tem de haver tomada de posse voluntária da coisa ou do animal, não é
necessária a intenção de adquirir a propriedade.

Se a coisa não for reclamada pelo dono, o que achou pode fazer sua a coisa. Se ti-
ver que a restituir, tem direito a ser indemnizado pelo prejuízo ou despesas, portanto, tem
direito de retenção.

- Acessão (artigo 1325º e ss do CC)

Dá-se acessão quando uma coisa que é propriedade de alguém, se une ou incor-
pora, formando um novo corpo, com outra coisa que é propriedade de outrem. Para haver
acessão, tem de haver junção de uma coisa alheia a uma coisa de determinada pessoa, e

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essa junção tem de ser permanente, tem de haver uma ligação estável e permanente,
dando origem a um novo corpo.

Espécies (artigo 1326º do CC):

* Acessão natural - resulta exclusivamente das forças da natureza. Pode ser por aluvião
(artigo 1328º do CC - aquisição automática, imediata e independentemente da vontade)
ou avulsão (ação natural e violenta - artigo 1329º do CC).
* Acessão industrial - ocorre quando, por facto do homem, se confundem objetos per-
tencentes a diversos donos, ou quando alguém aplica o trabalho próprio a matéria per-
tencente a outrem, confundindo o resultado desse trabalho com propriedade alheia. Po-
de ser mobiliária (artigo 1333º e ss do CC - pode ser união, confusão ou especificação)
ou imobiliária (artigos 1339º e ss do CC - obras, sementeiras ou plantações feitas em te-
rreno alheio).

Restrições ao direito de propriedade

Podemos distinguir as restrições de direito privado, bem como as restrições de di-


reito público.

Restrições de direito público:

- Requisição - apenas pode ocorrer nos casos previstos na lei e mediante uma indemni-
zação (artigos 1309º e 1310º do CC e do artigo 62º/2-A da CRP). É um ato administrati-
vo através do qual um orgão competente impõe a um particular, verificadas certas cir-
cunstâncias previstas na lei, a obrigação de: prestar serviços, receber coisas móveis ou
solventes ou consentir na utilização de temporária de quaisquer bens. Tem por objeto
quer imóveis, quer móveis. Nunca conduz a perda do direito de propriedade. É limitada
no tempo - 12 meses seguintes ou interpolados (artigo 80º do código…).
- Expropriação - conduz à extinção do direito de propriedade privado e há a aquisição
por parte do estado, ou seja, o estado apropria-se de um direito de propriedade. Tem
apenas por objeto imóveis. Priva da propriedade do até ali proprietário. Só pode ocorrer
nos casos previstos na lei e mediante indemnização (artigos 1308º e 1310º do CC e do
artigo 62º/2-A da CRP).
- Fracionamento de prédios rústicos (artigo 1376º do CC) - estabelece que os prédios
não podem ser fracionados em unidades inferiores à unidade de cultura.
- Atravessadouros que se dirijam a ponte ou fonte de manifesta utilidade pública (artigo
1384º do CC).

Restrições de direito privado

Em matéria de relações de vizinhança, o legislador não pretende estabelecer rela-


ções intersubjetivas, pretende deixar claro que os limites do direito nem sempre coincidem
com os limites materiais com o objeto desse direito, as vezes vão além outras vezes
aquém.

Assim, estas restrições são destinadas a evitar ou resolver conflitos decorrentes de


relações de vizinhança.

- Emissão de fumo, produção de ruídos e factos semelhantes (artigo 1346º do CC) -


o proprietário de um imóvel pode opor-se a tais emissões de um prédio vizinho se se

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verificar 1 de 2 hipóteses: se as mesmas envolverem um prejuízo substancial para o
uso do seu próprio imóvel (como é que se apura se causam ou não este prejuízo? Ten-
do em conta o fim a que está afeto o imóvel. O que interessa é o fim habitual em geral -
todas estas situações devem ser avaliadas com bom senso) e se tais emissões não re-
sultam da utilização normal do prédio de onde emanam. Basta 1 destes factos, não
sendo comutativas. Podem ser elementos incorpóreos, bem como elementos corpó-
reos. Deve ser sempre considera ilícita quando é direcionada, isto é, se houver mão de
homem e não for natural.

- Passagem forçada momentânea (artigo 1349º do CC) - tem de ser indispensável à


utilização do prédio do vizinho. De acordo com o nº3, o proprietário do prédio que se vê
obrigado a ceder a passagem tem o direito de ser indemnizado pelo prejuízo sofrido.

- Escoamento natural das águas (artigo 1351º do CC) - os proprietários dos prédios in-
feriores são obrigados a receber as águas e os elementos que vierem dos prédios su-
periores. Podem aproveitar essa agua para si, mas não tem direito a qualquer indemni-
zação. Note-se que tem de ser elementos naturais, já que produtos colocados na água
traduzem-se em emissões ilícitas.

- Abertura de janelas, portas, varandas ou obras semelhantes (artigos 1360º do CC)


- nenhum proprietário pode abrir sem deixar um intervalo de 1.50m. Estas restrições
deixam de existir quando se verifique o circunstancialismo verificado no artigo 1361º do
CC. Por outro lado, se o prédio do vizinho se encontrar murado e a janela do outro
vizinho ficar a menos de 1.5m poderá ser feita a janela - pode se construir até a
extrema se o outro vizinho garantir que não sai devassado, devido ao muro. Contudo, o
vizinho pode deitar o muro abaixo e o outro vizinho terá de fechar a janela. Poderá ser
invocada uma servidão de vistas por usucapião, se existir por mais de 20 anos e o
vizinho tiver abandonado o prédio (artigo 1262º do CC). Caso o vizinho não reaja, vai
ter o seu direito de propriedade onerado.

- Abertura de frestas, seteiras ou óculos para luz e ar (artigo 1363º do CC) - podem
ser abertos até a extrema do prédio, com a particularidade do vizinho poder fechar es-
sas frestas e levantar parede ou contramuro.

- Janelas gradadas (artigo 1364º do CC) - o que não se pode abrir junta a extrema ou a
menos de 1.5m são as janelas gradadas.

- Estilicídio (artigo 1365º do CC) - ninguém pode edificar de modo a que a beira do te-
lhado fique a gotejar sobre o prédio do vizinho. Pode-se colocar o telhado até à estre-
ma, mas devem colocar-se caleiras. Porém, se for deixado um intervalo de 0.5m entre
aquela beira e o prédio do vizinho, o proprietário deste não poderá impedir o escoa-
mento.

- Plantação de árvores e arbustos junto à estrema (artigo 1366º do CC) - é lícita a


plantação de árvores e arbustos junto à estrema do prédio. Porém, o dono do prédio vi-
zinho pode arrancar e cortar as raízes e ramos se, pedindo judicial ou extrajudicialmen-
te que o proprietário do outro prédio o faça, no prazo de 3 dias este não o faça.

Compropriedade

Existe propriedade em comum ou compropriedade quando 2 ou mais pessoas são


titulares de direito de propriedade sobre a mesma coisa, lê-se do artigo 1403º/1 do CC. É
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a titularidade do direito que se divide e não a coisa.

Distinguimos as seguintes figuras próximas à compropriedade:

- Comunhão de direitos - existe sempre que um mesmo direito, de cariz patrimonial,


pertencer com titularidade a 2 ou mais sujeitos. Quanto aos direitos reais, importa sa-
lientar que qualquer uma das figuras que neles se enquadrem pode ser objeto de co-
munhão. A compropriedade é, então, uma das manifestações da comunhão. As regras
da compropriedade são aplicáveis, com as necessárias adaptações, à comunhão de
quaisquer direitos, sem prejuízo do disposto especialmente para cada um deles (artigo
1404º do CC).

- Comunhão de mão comum - ocorre quando 2 ou mais pessoas são titulares de um


único direito sobre um único determinado património, global e afeto a um determinado
fim. Esta afetação do património global conduz a que este esteja sujeito a um regime
especial em matéria de dívidas. Apenas existe nos casos previstos na lei, por exemplo,
herança em divisa ou comunhão geral e de adquiridos conjugal. Como os membros da
comunhão não são proprietários de bens específicos, não podem dispor, nem onerar
cada um deles, salvo quando o façam na qualidade de administradores. A comproprie-
dade distingue-se.

- Concurso de direitos reais sobre a mesma coisa - vários sujeitos cada um deles
titular de um direito real que tem por objeto a mesma coisa. Estes sujeitos não são
colocados em posição qualitativamente igual, diferenciando-se da compropriedade.

Neste sentido, a posição do curso entende que a compropriedade não é mais do


que uma comunhão, sendo abrangida pelo instituto da comunhão de direitos, já que há
uma pluralidade de sujeitos, titulares de uma coisa.

Porém, outra parte da doutrina distingue a comunhão de direitos da comproprieda-


de. Assim, entendem que na comunhão de direitos há 2 ou mais pessoas titulares de um
direito patrimonial. Na compropriedade podemos distinguir 2 posições. Em primeiro, Oli-
veira de Ascensão, que defende que há compropriedade quando vários sujeitos são titula-
res, cada um deles, de um específico e próprio direito de propriedade e que todos esses
direitos recaem sobre a mesma coisa. Rejeitamos esta posição porque, tendo em conta a
conceção do direito de propriedade e a sua amplitude, o seu carácter exclusivo, pleno e
indeterminado não podemos entender que sobre uma mesma coisa possam recair vários
direitos de propriedade com sujeitos diferentes. Em segundo, Orlando Carvalho e Mota
Pinto, que entendem que na compropriedade temos vários sujeitos, cada um deles é titu-
lar de um direito de propriedade e esse direito incide sobre quotas partes ideais da coisa.

Sendo assim, é unânime que cada um dos comproprietários pode utilizar a totalida-
de da coisa, dentro dos direitos pressupostos. Cada um pode, sozinho, praticar atos de
administração ordinária e depois apresentar as despesas aos outros comproprietários.

Como é que se adquire a compropriedade e como se constitui?

Nos termos do artigo 1417º e ss do CC, pode ser através de um ato negocial, por
negócio jurídico ou por disposição legal (a lei presume em diversas hipóteses a situação
de compropriedade - artigo 1358º, 1359º/2, 1371º do CC). Pode, ainda, existir comproprie-
dade constituída por decisão judicial (artigo 1370º do CC). Ainda se pode constituir atra-
vés de usucapião.
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Regime jurídico

Cada um dos comproprietários é titular de uma quota parte de um direito de pro-


priedade, ou seja, todos são proprietários de um direito de propriedade sobre uma coisa.
Portanto, o regime é diferente quer estejamos perante a quota ou coisa.

Regime relativo à quota de cada consorte

A quota parte é apenas do comproprietário em questão, sendo que ele pode fazer o
que entender. Pode alienar, onerar, doar, etc. Contudo, ressalva-se que pode o fazer e
não precisa do consentimento dos restantes (artigo 1408º do CC). Pode fazer o que qui-
ser quanto a sua quota parte.

Quanto à disposição da quota de cada proprietário, os comproprietários podem dis-


por livremente da sua quota, estão apenas obrigadas a dar preferência aos outros com-
proprietários caso decidam vender ou dar em cumprimento a estranhos (alguém que não
seja comproprietário). Só há obrigação de dar preferência se quiser vender ou na dação
em cumprimento a sua quota (artigo 1409º do CC). No caso de mais de que um compro-
prietário preferir, a quota é adjudicada a todos na proporção das suas quotas (artigo
1409º/3 do CC). Se não for dada preferência e se se alienar a um terceiro ou estranho, os
outros consortes podem intentar a ação de preferência (artigo 1410º do CC).

O objetivo desta regra é reduzir o número de comproprietários, reduzindo conflitos


e favorecendo a propriedade exclusiva (o legislador tem em vista a extinção da compro-
priedade).

Esta obrigação real não existe para os casos de doação, pois tal colocaria em cau-
sa o carácter intuitu personae deste negócio jurídico, nem se constituirá em caso de per-
muta, porque dificilmente o titular do direito de preferência será capaz de colocar o com-
proprietário disponente na mesma situação em que se encontraria com a celebração do
contrato com o terceiro.

Cada comproprietário exerce posse como comproprietário, sobre as quotas dos


demais é um mero detentor (artigo 1406º/2 do CC).

Cada comproprietário pode renunciar ao seu direito para se libertar de despesas


necessárias a fazer face a benfeitorias - renúncia liberatória (artigo 1411º do CC).

Regime em relação à coisa

De acordo com o artigo 1405º do CC, vale para a fruição, retirada de vantagens e
proveitos.

Quem tem direito a ficar com outras utilidades que a coisa possa produzir sem ser
periodicamente?

Os comproprietários exercem em conjunto todos os poderes e faculdades que são


inerentes e formam o conteúdo do direito de propriedade. Isoladamente, relativamente
aos encargos é na proporção das respetivas quotas. No que respeita às vantagens (ou-
tras utilidades) cada um deles tem direito a fruir e retirar utilidades da coisa na proporção
das suas quotas. De acordo com o artigo 1403º/2 do CC, os direitos dos comproprietários
são qualitativamente iguais, embora possam ser quantitativamente diferentes. Contudo,
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na falta de presunção em contrário, presumem-se que as quotas são iguais quantitativa-
mente.

Assim, ao conjugar o artigo 1403º com o artigo 1405º do CC prevê-se que todos
podem retirar em conjunto e singularmente, isto é, cada um fica com as vantagens e utili-
dades na proporção da sua quota.

De acordo com o artigo 1406º do CC, na falta de acordo (norma supletiva), qual-
quer um deles pode usar a totalidade da coisa, desde que não prive os outros consórcios
ou empregue para fim diferente a que coisa se destina. O uso da coisa pode não decorrer
da forma que está prevista na lei, já que as partes podem convencionar o contrário. Pode
ocorrer que os comproprietários usem a coisa para um fim diferente. Não se deve consi-
derar que não podem usar com um fim diferente, podem usar com um fim diferente, desde
que lícito e que não altere o destino da coisa.

Exemplo: A, B e C são proprietários de um lago, sendo que decidiram que a água desse
lago iria irrigar os terrenos de cada um deles. Contudo, um deles decidiu pescar no lago,
utilizando o lago para um fim diferente para o que se destina. Mas não está a por em cau-
sa a afetação que deram ao lago. Portanto, esse uso deve ser admitido.

No que respeita aos atos de administração ordinária (atos que se traduzem em


benfeitorias necessárias, que pretendem evitar a perda da coisa ou atos de alienação de
frutos perecíveis) o artigo 1407º do CC entende que qualquer um dos comproprietários
pode os praticar, sem necessidade de dar satisfação aos restantes. Se esse ato envolver
despesas, de acordo com o artigo 1405º do CC, os encargos são divididos por todos na
proporção das respetivas quotas (artigo 1411º do CC).

Pode acontecer que o comproprietário demonstre a sua intenção de praticar um ato


de benfeitoria necessária e o outro comproprietário poderá opor-se. Havendo oposição,
antes da prática do ato, de acordo com o artigo 1407º do CC, aplica-se o artigo 985º do
CC (surge em matéria de sociedades). Havendo oposição cabe à maioria decidir sobre o
mérito da oposição (de praticar o ato) e não sobre o ato (artigo 985º/4 do CC). É ainda
preciso que maioria per capita, e que esta corresponda a 50% do valor das quotas. Quan-
do não seja possível formar a maioria legal, artigo 407º/2 do CC dita que qualquer consór-
cio pode recorrer ao tribunal, para uma decisão segundo juízos de equidade. Acresce que,
todos os comproprietários tem igual poder para administrar, na falta de convenção em
contrário.

Para atos de administração extraordinária, não há uma regra em matéria de


compropriedade. Para sabermos se podem praticar tais atos, aplicamos o artigo 1024º do
CC, que surge em matéria de arrendamento. Henrique Mesquita considera que dar de
arrendamento prédio indiviso, por menos de 6 anos (ato de administração ordinária), é
mais oneroso do que normal. Então, o legislador teve o cuidado de se afastar do artigo
1407º do CC e vir exigir que todos os consortes consentissem. Independentemente do
arrendamento ser celebrado por um prazo inferior a 6 anos, e, ser um ato de administra-
ção ordinária, será sempre necessária uma deliberação unânime dos consortes (diferente-
mente do que se dispõe nos artigos 1407º e 985º do CC). Logo, por maioria de razão,
qualquer ato de administração extraordinária necessitará, igualmente, da unanimidade.

Por último, na alienação da parte de coisa comum ou da coisa comum vale o artigo
1408º do CC. Impedem-se os comproprietários, singular ou maioritariamente, de praticar
qualquer ato de disposição ou de oneração de parte especificada da coisa, e, por maioria
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de razão, da coisa comum no seu todo. Trata-se de uma decisão que tem necessariamen-
te de ser tomada pela unanimidade dos consortes, sob pena de aplicação do regime jurí-
dico da alienação/oneração de coisa alheia. Além disso, a alienação de parte especificada
da coisa é nula também por impossibilidade do objeto, na medida em que não pode cons-
tituir-se um direito de propriedade sobre parte, ainda que especificada, de uma coisa (arti-
go 280º e 408º/2 do CC).

Este raciocínio permitirá, porém, considerar a hipótese de conversão do negócio


(inválido) de alienação de parte da coisa num negócio (válido) de alienação da quota. Se
o comproprietário não pode vender parte da coisa, porque está a vender coisa de outrem,
pode, contudo, vender, livremente, a sua quota na comunhão. Isto desde que o fim pro-
sseguido pelas partes permita supor que elas o teriam querido se tivessem previsto a in-
validade e, ainda, desde que o negócio de alienação de parte de coisa contenha os requi-
sitos essenciais de substância e de forma do negócio de alienação da quota (artigo 293º
do CC). Se assim suceder, quem aparecia como comprador da coisa passa a comprador
de quota, sendo-lhe concedida a possibilidade de tornar-se comproprietário. Naturalmen-
te, sendo ele um estranho à compropriedade, haverá que, antes de se sedimentar a sua
posição de consorte, conceder preferência aos restantes consortes (artigo 1409º do CC).

Os comproprietários tem o direito de não permanecer na indivisão, e portanto, po-


dem por termo à indivisão (artigo 1412º do CC). A lei permite que os comproprietários fi-
xem os pactos de indivisão durante 5 anos, renunciando a este direito. Esta cláusula é
oponível a terceiros, mas só vale em relação aos terceiros se a cláusula tiver registado,
para móveis sujeitos a registo e imóveis.

Extinção da compropriedade

Não havendo acordo, aplica-se o regime da ação de divisão da coisa comum


(artigo 925º e ss do CPC). Os comproprietários devem chegar a acordo e praticar os atos
fora do tribunal. Sendo intentada a ação de divisão de coisa comum, a pessoa que intenta
deve apresentar os meios de prova, constante seja divisível materialmente ou não. Depois
disto, se for uma coisa suscetível de divisão material cabe ao tribunal decidir como é que
vai ser divida a coisa e adjudicar. Se não houver acordo em tribunal, faz-se um sorteio. Se
a coisa não for suscetível de divisão material, faz-se uma conferência para ver quem fica
com a coisa e com o dinheiro. Se não houver acordo, a coisa será vendida.

Quando 2 comproprietários querem dividir o bem, não se traduz numa divisão váli-
da. Nenhum deles pode vender o seu lado, porque, qualquer um deles é comproprietário
sobre o direito de propriedade que incide sobre a coisa. Se quiser vender não pode ven-
der um lado ou o outro, sob pena de nulidade. Pode apenas alienar a sua quota parte, e
antes de alienar, deve dar preferência. Mas note-se que o terceiro que tiver a propriedade
não vai ficar com um dos lados, vai ficar com toda a propriedade.

Exemplo: A e B, casados em comunhão de adquiridos, tem uma cama de casal, sendo


que A dorme do lado direito e B do lado esquerdo. Nenhum deles é proprietário do lado
direito nem do lado esquerdo. Ambos são proprietários do direito sobre a cama.

Propriedade horizontal

A propriedade horizontal é mais do que a justa posição de direito de propriedade


com a compropriedade, sendo um direito real de gozo autónomo e complexo.

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Exemplo: imaginemos um edifício de vários andares com várias frações. Se não houvesse
propriedade horizontal, cada fração, existente em cada andar, não era mais do que uma
parte de um edifício e consequentemente não poderia ser objeto de um direito real autó-
nomo.

O legislador vem admitir, com o regime da propriedade horizontal, que fique subor-
dinado a um regime específico e que desse modo as frações (que antes eram partes do
edifício) passem a ser autónomas juridicamente. Este regime permite criar coisas jurídi-
cas, e sobre elas pode incidir um novo direito e um direito diferente. Assim, os condomí-
nios tem um direito de propriedade horizontal. Através deste regime, o legislador permite
que um edifício seja divido por planos horizontais e entre cada plano surja unidades inde-
pendentes com as características da lei e que sejam havidas como coisas jurídicas.

É, também, possível a propriedade vertical, ou seja, também se aplica o regime da


propriedade horizontal a casas geminadas que não tenham autonomia.

Só pode estar sujeito a este regime um prédio ou um edifício em que as ditas fra-
ções não tenham por si só autonomia estrutural e só adquiram autonomia funcional atra-
vés de partes comuns.

A constituição de um edifício em propriedade horizontal acarreta como primeiro


efeito a criação de um novo estatuto desse edifício, através do qual deixa de ser conside-
rado como um coisa unitária (um prédio urbano), para passar a ser constituído por uma
multiplicidade de coisas autónomas – as frações autónomas e as partes comuns, sobre as
quais recaem tantos direitos reais quantas essas coisas.

Passamos a ter um edifício com certas partes que pertencem a todos em compro-
priedade (partes comuns - artigo 1421º/1 e 2 do CC) e outras que são objeto de proprie-
dade individual (frações autónomas).

O artigo 1415º do CC estabelece quais as condições para que o prédio seja sujeito
ao regime da propriedade horizontal.

De acordo com o artigo 1416º do CC, se faltarem os requisitos legais a consequên-


cia é a da nulidade do título constitutivo da propriedade horizontal. Por sua vez, se já tive-
rem sido constituídas alienações, passam a ser comproprietários do todo. Esta nulidade é
atípica, já que só tem legitimidade para arguir os condóminos e o Ministério Público.

Modo de constituição

Com base no artigo 1417º do CC, a propriedade horizontal pode ser constituída por
negócio jurídico, usucapião e decisão administrativa ou judicial.

- Negócio jurídico unilateral - é um negócio jurídico tendente à sujeição de um edifício


ao regime da propriedade horizontal. Ao sujeitar ao regime, o proprietário está a extin-
guir a coisa que antes existia e a dar origem a várias outras coisas juridicamente. Ao
criar as novas coisas, cria diversos direitos de propriedade. Pode ser inter vivos ou
mortis causa (testamento, por exemplo). Este negócio tem de ter a forma que é exigível
para a sua alienação, escritura pública ou documento particular autenticado.

- Usucapião - exemplo: A e B recebem em legado a casa X e cada um dos lados tem


acesso direto para a via pública. Por força do legado, tornaram-se comproprietários.
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Desde que aceitaram o legado, comportaram-se como proprietários de cada um dos la-
dos da casa. Podem vir a constituir a propriedade horizontal por usucapião.

- Decisão judicial - proferida em ação de divisão da coisa comum.


Exemplo: A e B recebem em legado a casa X e cada um dos lados tem acesso direto
para a via pública. Por força do legado, tornaram-se comproprietários. Como tem 2 la-
dos, embora com dependência quanto a elementos estruturais, decidiram que querem
sujeitar aquela casa ao regime de propriedade horizontal. Contudo, não chegam a acor-
do e permanecem comproprietários. A dada altura, um deles intenta a ação de divisão
de coisa comum alegando que a coisa é suscetível de ser divida materialmente. Nesta
ação, o tribunal pode sujeitar a coisa ao regime de propriedade horizontal e determinar
quem fica com a fração A e com a fração B.

Quanto à decisão proferida em processo inventário, no caso da partilha de heran-


ças, pode correr em tribunal, quando não há acordo, ou pode correr num cartório notarial
(decisão administrativa).

Assim, não se podem alienar ou vender frações antes da sujeição do edifício à


propriedade horizontal. Antes, o prédio era uno, havia apenas um direito de propriedade.
No fundo, através do negócio, como nos outros títulos, extingue-se uma coisa una e
extingue-se a propriedade sobre ela, passando a existir várias coisas e vários direitos. O
sujeito que era dono de um prédio e tinha um direito de propriedade, passa a ter várias
coisas e vários direitos de propriedade. O artigo 62º do Código do Notariado estatui que
só podem ser alienadas frações depois de ser lavrado o título constitutivo da propriedade
horizontal. Ou seja, antes tem de haver um registo, e um registo do título constitutivo.

Parte da propriedade horizontal está sob condição suspensiva de alienação de


uma fração, que começa a produzir efeitos aquando da venda ao primeiro condómino.
Note-se que é apenas parte da eficácia que fica suspensa, porque o título produz desde
início efeitos.

Relativamente ao conteúdo, está previsto no artigo 1418º do CC, sendo que deve
constar a indicação de quais são as frações e tem de ser fixado o valor expresso em
permilagem ou em percentagem relativo de cada fração. Estes são os requisitos e são
imperativos. Em regra a fixação do valor acaba por ser feita tendo em conta a área, mas
não há uma imposição legal.

Qual é a relevância de fixar o valor?

Em primeiro lugar, para votar, já que as decisões a serem tomadas sobre as partes
comuns são na assembleia de condóminos, sendo que cada condomínio tem tantos votos
quanto os que cabem no valor da sua fração. É relevante porque em relação as partes co-
muns cada tem de contribuir para a sua preservação, ou seja, a nível de despesas, quan-
to maior o valor da fração, maior é a contribuição. Por fim, é ainda importante porque tam-
bém podem haver lucros e benefícios, devendo ser devidos na proporção do valor das
suas frações.

No entanto, do título podem constar outros elementos, sendo que isto não é impe-
rativo (artigo 1418º/2 do CC).

Note-se que o fim não pode ser alterado, o que consta do título só pode ser modifi-
cado por unanimidade (artigo 1419º do CC). Se um proprietário comprar uma fração que
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se destina ao comércio, não pode utilizá-la para habitação.

No que respeita ao regulamento do condómino este pode disciplinar o uso, fruição,


e conservação, quer das partes comuns, quer das frações autónomas. Se não constar do
título constitutivo, depois tem de haver regulamento do condomínio, desde que os condó-
minos sejam mais que 5. Porém, no regulamento que surge a posteriori só se pode regu-
lar a parte do uso, fruição e conservação das partes comuns (artigo 1429º-A do CC).

Se não forem feitas as menções obrigatórias, o título é nulo por falta de um ele-
mento obrigatório ou ainda no caso de discrepância entre o fim estipulado e o fim aprova-
do no projeto (artigo 1418º/3 do CC).

O administrador-condómino é o órgão supremo de toda a organização do


condomínio, cabendo ao administrador executar as duas deliberações (artigo 1436º/g) do
CC) em tudo quanto respeite à administração das partes comuns.

Se as decisões forem deliberações relacionadas com atos de administração ordiná-


ria, basta maioria simples (artigo 1432º do CC). Se estiverem em causa atos de
administração extraordinária ou atos de inovação, é necessária uma maioria de 2/3 (artigo
1425º do CC). Outras vezes impõe-se a não oposição dos presentes, outras vezes exige-
se a unanimidade.

A assembleia não pode: deliberar contra normas imperativas, nem violar normas
supletivas que não tenham sido até aliafastadas pelo título constitutivo, deliberação ou
acordo unânime; violar o título constitutivo e ir contra o regulamento (constante do título
ou aprovado por unanimidade).

De acordo com o artigo 1433º do CC, as deliberações que excedem as suas


competências são anuláveis, mas há deliberações que são nulas. Há deliberações nulas,
anuláveis, e outras ainda que são completamente ineficazes.

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