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Direito das Sucessões

Uma primeira aproximação ao Direito das Sucessões – art.º 2024º a 2334º


Dados legais e preliminares clássicos:

A sucessão é deferida/permitida por lei, testamento ou contrato – art.º 2026º.

A sucessão deferida por lei é a designada sucessão legal, que, nos termos do artigo 2027º, comporta duas
espécies, consoante possa, ou não, ser afastada pelo autor:
1. Sucessão legítima – pode ser afastada pelo autor da sucessão;
2. Sucessão legitimária – não pode ser afastada pelo autor da sucessão.

A sucessão deferida por testamento ou contrato é a designada sucessão voluntária – em função da vontade
do de cuiús = aquele de cuja sucessão se trata.
A sucessão deferida por testamento identifica-se com a sucessão testamentária.
A sucessão deferida por contrato é a chamada sucessão contratual, tendo caráter excecional conforme
patente no art.º 2028º/2 CC, tendo tal caráter obstado à sua consideração em um título próprio.

Divisão do livro V do CC – Direito das Sucessões:


 Sucessão legítima;
 Sucessão legal supletiva – título II;
 Sucessão legal imperativa – título III;
 Sucessão testamentária – título IV.

O sistema sucessório português


Características gerais do sistema

 O sistema sucessório português é misto, possuindo elementos do sistema individualista, familiar e social:
 A liberdade de transmissão por morte (art.º 62º CRP) é uma manifestação do princípio da autonomia
privada: o autor da sucessão possui uma liberdade ampla para determinar quem vão ser os
destinatários dos seus bens.
 No Direito Civil, é assegurado pelo princípio da liberdade de dispor por testamento e pelo
primado da sucessão testamentária.
 Mas, este princípio é limitado pela existência de uma quota indisponível, no caso de haver
herdeiros legitimários (membros da pequena família) respeito pelo princípio da
solidariedade familiar (art.º 67º CRP).
 Em certos casos extremos, o Estado pode ser considerado sucessível legítimo, na qualidade de
fisco.
o Finalidade (art.º 81º a) e b) CRP): contribuir para a maior igualdade dos cidadãos e
recolher meios patrimoniais que permitam a realização de uma política social.

Raízes históricas do sistema

 Direito sucessório português faz parte da família romano-germânica:


 Os traços individualistas provêm do Direito Romano - o direito de dispor por morte é corolário do
direito de propriedade (liberdade total de dispor).
 A quota indisponível e legítima tem a sua origem no Direito Germânico - visa assegurar a
permanência de um património familiar (impossibilidade de dispor totalmente).
 Os aspetos estruturais básicos da sucessão mortis causa derivam do Direito Romano - liberdade
testamentária, herdeiros legitimários, proibição da propriedade “vinculada” …

Simão Fino
Princípios do Direito sucessório português

A. Enquadramento constitucional
1. Direito fundamental à propriedade privada e à livre transmissibilidade em vida e por morte (art.º 62º CRP)

 Direito fundamental à propriedade privada - pressuposto do princípio da dignidade da pessoa humana (art.º
1º CRP)
 Direito à livre transmissibilidade em vida ou por morte - pressuposto do direito ao livre desenvolvimento da
personalidade (art.º 26º CRP): prevê a possibilidade de se transmitir bens por morte

2. Relevância da Família como instituição fundamental da sociedade e sua proteção (art.º 36º, 67º CRP)

 A Família é uma instituição fundamental da sociedade, tendo de ser protegida no fenómeno sucessório.
 Solidariedade familiar intergeracional - proteção da continuação do património na família.
 Há uma ideia programática de que os pais são responsáveis pelos filhos até à maioridade, devendo-lhes
deixar alguma coisa mesmo depois de morrerem.
 Além disso, presume-se que uma pessoa, sozinha, não consegue criar um património autonomamente.
 Hoje em dia, já não existe o imposto sucessório (imposto sobre as doações e as sucessões) - existe, sim, um
imposto de selo.
 MAS, há uma isenção para os herdeiros legitimários (art.º 6º e) CIS): cônjuges, descendentes,
ascendentes e unidos de facto.
 Ex: um irmão que recebeu uma herança paga imposto de selo.
 Motivo: se tal não acontecesse, o imposto sucessório poderia ser muito injusto
 Ex: A casa com B num regime de comunhão geral de bens. B tem património e A não. Ao
morrer, A vai passar a sua parte do património para B, e este teria de pagar imposto sobre
aquilo que já era seu anteriormente.

O que é o Direito das Sucessões:


Conjunto de normas jurídicas que regulam a instituição “sucessão” - chamamento de uma ou mais pessoas à
titularidade das relações jurídicas patrimoniais de uma pessoa falecida e a consequente devolução de bens a que a esta
pertenciam – 2024º CC.

Podemos dizer que a sucessão corresponde: em sentido amplo, ao ato pelo qual uma pessoa assume o lugar de
outra, substituindo-a na titularidade de determinados bens. O termo sucessão de forma genérica significa o ato jurídico
pelo qual uma pessoa substitui outra nos seus direitos e obrigações, podendo ser consequência tanto de uma relação
entre pessoas vivas quanto da morte de alguém. O Direito, portanto, admite duas formas de sucessão: inter vivo (no
momento vivo) e mortis causa (no momento morte). Sucessão é diferente de herança, sendo sucessão o ato de alguém
substituir outrem nos direitos e obrigações, em função da morte, e herança é o conjunto de direitos e obrigações
que se transmite, em virtude da morte, a uma pessoa ou várias pessoas, que sobreviveram ao falecido.
Assim, segundo a lei, na sucessão, uma ou mais pessoas ocupam a posição que cabia a outra enquanto titular
de relações patrimoniais. A sucessão respeita apenas a pessoas singulares, só estas falecem. As pessoas coletivas, por
sua vez, extinguem-se.
Por fim, ainda à luz do conceito legal, a sucessão tem por causa a morte de uma pessoa, respeita a
situações jurídicas patrimoniais.

A formulação do artigo 2024º presta-se a várias críticas, por apresentar a sucessão enquanto fenómeno
estritamente ligado à morte de uma pessoa, quando não é menos verdade a alusão à sucessão em vida - fenómeno que
resulta de um negócio jurídico – art.º 1058º.
A sucessão por morte em sentido estrito comporta várias fases:
 Abertura da sucessão – ocorre no momento da morte da pessoa que era titular de situações jurídicas – 2031º;
 Vocação – tende a coincidir com a altura da abertura da sucessão, consistindo na atribuição do direito de
suceder, aceitar ou repudiar a sucessão aberta, sendo suscetível de ser encarada pelo lado das pessoas a
quem esse direito é atribuído (chamamento) ou pelo lado das situações jurídicas a que elas são chamadas a
suceder (devolução);
 Pendência da sucessão ou herança jacente – período em que o sucessível ainda não exerceu a faculdade de
aceitar ou repudiar a herança – 2046º;
 Aquisição da sucessão – verificada, normalmente, quando o sucessível chamado declarar aceitar – 2050º/1.

Simão Fino
O conceito do art.º 2024º considera unicamente a fase da vocação, chamamento ou devoção. A sucessão por
morte em sentido técnico inicia-se com a abertura da sucessão e só termina com a aceitação. É com a aceitação que
as situações jurídicas voltam a ter titular.
Por outro lado, a herança, que constitui o património que é objeto de sucessão por morte, comporta um lado
ativo e um lado passivo. Mais uma vez, a redação do artigo 2024º não foi a mais feliz, dado que sugere que a sucessão
implica meramente direitos sobre bens. O artigo 2068º prevê que a herança responde por certos encargos, em que se
incluem as dívidas do falecido; e o art.º 2071º regula a responsabilidade do herdeiro pelos encargos. A sucessão por
morte compreende, assim, o ativo e o passivo do património da pessoa falecida (ou de cuiús), direitos e obrigações,
bens e dívidas.

Noção e objeto do Direito das Sucessões:

Todo o Direito das Sucessões existe em função de um facto, a morte, fato que suscita uma panóplia de
sentimentos e reações, desde aqueles que a ignoram, à angústia e perda de entes queridos.
Para o Direito, a morte nada mais é do que um facto jurídico instantâneo e extintivo da personalidade
jurídica.
Contudo, ainda numa perspetiva civilista, a morte não é um final. A memória da pessoa falecida é tutelada
nos termos do art.º 71º. A morte pode, de igual modo, criar a obrigação de indemnizar – 496º CC.
Atendendo ao art.º 2024º é possível acreditar numa ideia de continuidade. Isto é, o património da pessoa
falecida não se extingue, nem fica ao abandono, cabendo ao Direito das Sucessões “dar um sujeito” às situações
jurídicas patrimoniais que ficaram sem sujeito.

Sucessão vs. transmissão:

 O direito das sucessões visa assegurar a continuidade das relações jurídicas em que o de cuiús é parte.
 Com o fenómeno sucessório, há uma modificação subjetiva dessas relações: o sucessor assume, numa
relação jurídica pré-existente, a mesma posição jurídica que era ocupada anteriormente pelo de cuiús.
 Sucessão: fenómeno jurídico através do qual se verifica a substituição do sucessor em determinada
posição jurídica que o autor da sucessão ocupava - essa posição jurídica mantém-se a mesma, apenas se
alterando subjetivamente.
 Transmissão: fenómeno jurídico através do qual se adquire e se transmite um direito já constituído - há
uma mera transferência, em que os sujeitos se mantêm os mesmos, alterando-se a titularidade dos
direitos.
 Esta distinção é importante para distinguir as figuras do herdeiro e do legatário:
 Herdeiro – aquele que sucede na totalidade ou numa quota do património do de cuiús.
 Legatário – aquele que sucede em bens ou valores determinados.

 Modalidades de aquisição:
 Originária: o direito do adquirente é considerado um direito novo, que não depende do direito do
anterior titular - não há sucessão. Ex: usucapião (art.º 1287º e ss. CC);

 Derivada:
 Constitutiva: na constituição de uma servidão ou de um usufruto, o direito adquirido, apesar
de fundado num direito do anterior titular, ainda não existia como direito autónomo na sua
esfera jurídica;
 Restitutiva: o titular de um direito real menor ou limitado (usucapião, servidão) renuncia ao
seu direito, extinguindo-se - o anterior titular do direito vê restituído o seu pleno direito de
propriedade, devido à sua elasticidade;
 Translativa: o direito adquirido é o mesmo direito que pertencia ao anterior titular -
corresponde ao fenómeno de sucessão.

Simão Fino
Transmissão: Sucessão:
PIIRES DE LIMA E ANTUNES VARELA: PIIRES DE LIMA E ANTUNES VARELA:
Deslocação de bens de uma pessoa para outra. Uma pessoa ocupa o lugar de outra.

Dois professores de Coimbra - 2024º:


“chamamento” – sucessão mortis causa como sucessão
em sentido próprio, não se estando perante uma simples
transmissão.
OLIVEIRA ASCENSÃO: OLIVEIRA ASCENSÃO:
Legatário como transmissário. Ingresso de um sujeito na posição que outro ocupara, e
não na passagem de situações jurídicas de um para
Variante autonomista que colide com a lei: art.º 2030º outro. As situações jurídicas permanecem tal qual, e só
se verifica uma substituição do titular.
Herdeiro como sucessor.
Variante autonomista que colide com a lei: art.º 2030º
GALVÃO TELLES GALVÃO TELLES
Construção artificial. Sucessor e transmissário, ambos, Constrição artificial. Sucessor e transmissário, ambos,
adquirem situações jurídicas e ocupam a posição que adquirem situações jurídicas e ocupam a posição que
coube a outrem. coube a outrem.

JDP: “não obstante a ausência de uma separação rígida entre sucessão e transmissão, salvo o devido respeito, não nos
parece que a sucessão por morte possa ser entendida como uma espécie do género “transmissão”.
A transmissão consiste numa aquisição (ou vinculação) derivada translativa, na passagem de direito e
obrigações da esfera jurídica de uma pessoa para a outra. Frequentemente haverá transmissão na sucessão por morte.
Casos em que assim não sucede: (a) o legado do usufruto; (b) o legado válido de uma coisa que não pertença ao de
cuis; (c) uma cláusula testamentária que se exprima no perdão de uma dívida.

A definição da sucessão por morte como uma aquisição por morte de uma liberalidade (doações;
disposições testamentarias…) (ou vinculação) à custa/mercê o património do falecido afigura-se como mais
adequada; só abrangendo situações jurídicas patrimoniais.

NOTA: prestações como o apanágio do cônjuge sobrevivo – 2018º - ou o direito que é atribuído ao membro
sobrevivo de exigir alimentos da herança do falecido – 2020º - a pensão de sobrevivência, o subsídio por morte não
correspondem a uma liberalidade à custa do património do falecido, não têm caráter sucessório.

 O conceito de sucessão - chamamento de uma ou mais pessoas à titularidade das relações jurídicas
patrimoniais de uma pessoa falecida e a consequente devolução de bens a que a esta pertenciam/ fenómeno
jurídico através do qual se verifica a substituição do sucessor em determinada posição jurídica que o autor da
sucessão ocupava – 2024º CC é amplo - abrange a sucessão inter vivos e a sucessão mortis causa.

 Sucessão inter vivos: os efeitos do ato ou negócio jurídico, ou a modificação subjetiva da relação
jurídica, produzem-se ainda em vida do anterior titular da relação.
 Sucessão mortis causa: a morte é a causa da sucessão - a produção de efeitos ou a modificação
subjetiva da relação jurídica só se verificam após a morte do anterior titular da relação

A sucessão que é regulada pelo Direito das Sucessões é a designada sucessão por morte ou mortis causa,
sendo o facto “morte” a causa, facto determinante, ou principal, da aquisição de situações jurídicas.

Existem dificuldades em relação a certos negócios jurídicos em que é difícil verificar se estamos perante
doação por morte (art.º 46º CC):
 Uma pessoa adquirir direitos que pertencem a outra, durante a vida desta;
 Adquirir direitos que pertencem a outra, no momento em que ela falece, quando a morte do titular falecido
não seja mais do que um facto acessório, simples termo ou condição do negócio aquisitivo.
EXEMPLO: não há sucessão por morte nos casos de doação com reserva de usufruto, de doação com reserva
do direito de dispor, de venda com reserva de propriedade e de doação cum moriar (bens doados só se
transferirem para o donatário quando o doador falecer).

Simão Fino
1. Na doação com reserva de usufruto (958º) até à morte do doador, a “consolidação” da propriedade do bem
doado na esfera jurídica do donatário só ocorre quando falecer o doador – todavia, a doação produz efeitos
antes da morte do doador, sendo o donatário o proprietário dos bens doados. Gozo alheio temporário sem
modificar a forma e a sua substância. Não há negócio mortis causa.
2. Na doação com reserva do direito de dispor (959º) até à morte do doador, algo de semelhante se passa – o
donatário só tem um pleno direito de propriedade sobre os bens doados, mas o efeito de transmissão da
propriedade (ainda que não plena) produz-se com a doação, em vida do doador.
3. Na reserva de propriedade (409º) até à morte do vendedor, o comprado só adquire a propriedade do bem
quando o vendedor morrer. Não obstante, a causa da aquisição será a compra e venda, em vida.
4. Na doação cum moriar o doador estipula que só quando falecer os bens doados se transmitem para o
donatário ou podem ser exigidos por este. A causa da transmissão é a doação. A aquisição é imediata, ficando,
contudo, a produção de efeitos sujeita a termo suspensivo.
5. Doação se morrer primeiro: doação que é sujeita a termo suspensivo, mas que é acrescida de uma condição
suspensiva. (946º - ANTUNES VARELA considera proibida por este artigo. + 1755º CC).
6. MENEZES LEITÃO: o art.º 946º proíbe as doações mortis causa, mas também todas as doações que
produzem efeitos por morte do doador.
7. Partilha em vida – 2029º: Não é havido por sucessório o contrato pelo qual há uma partilha em vida - o
doador está vivo, mas já tem herdeiro, mas quer antecipar a partilha de determinados bens a ocorrer apos a sua
morte, procedendo a um negócio jurídico, correspondendo, do ponto de vista estrutural, a uma doação em
vida. Estão em causa direitos (ao bem doado e às tornas) que são adquiridos pelos sucessíveis legitimários
(donatários e não donatários) em vida do de cuiús. Normalmente tem o intuito de evitar desavenças que
poderiam surgir numa partilha sucessória.
 Requisitos:
 Doação feita entre o doador e os donatários, que têm de ser os seus sucessíveis presumíveis
(herdeiros legitimários);
 Têm de intervir todos os herdeiros legitimários presumíveis, que recebem todos ou apenas
alguns bens;
 No final da partilha em vida, todos têm de sair iguais - aqueles que recebem a mais têm de
pagar tornas (compensações) aos outros, de modo a receberem todos exatamente o mesmo
valor. Não é preciso que este pagamento seja feito na altura - nasce o dever jurídico desse
pagamento.

EXEMPLO: Além dos bens de uso pessoal, “A” tem um imóvel onde reside. Com o consentimento
de todos os seus filhos, “B”, “C” e “D”, “A” doa o referido imóvel, com reserva de usufruto, a “B”,
que se compromete a pagar a C e a D tornas no montante correspondente à quota que lhes caberia. O
bem doado foi avaliado em 600, obrigando-se o donatário a pagar 200 a “C” e 200 a “D”.

 Mas, pode surgir um novo herdeiro legitimário (ex.: doador tem um filho que nasce depois da
partilha em vida; a pessoa que partilhou em vida casa-se depois da partilha). Art.º 2029º CC: a
partilha em vida não fica posta em causa, mas o novo herdeiro legitimário pode exigir que lhe seja
composta em dinheiro a parte correspondente;
 Será nula a partilha em vida em que tenha havido omissão intencional de legitimários prioritários
(2029º e 294º);
 O objeto da partilha NÃO tem de corresponder à totalidade da herança.

A morte como pressuposto da abertura da sucessão (Princípio estrutural do sistema sucessório):

 A morte é a causa do fenómeno sucessório, mas não faz parte do fenómeno em si;
 Morte tem de ser demonstrada (normalmente descoberta do cadáver + 68º/3).
 Morte física: as normas de direito sucessório pressupõem, diretamente, a morte natural ou física - tem o efeito
extintivo de fazer cessar a personalidade jurídica das pessoas singulares ou humanas (art.º 68º/1 CC)
 As normas à sucessão aberta por morte presumida apenas se aplicam subsidiariamente (art.º 115º, 117º CC).
 Art.º 2031º CC: a abertura da sucessão ocorre com a morte do autor da sucessão (o de cuius) - causa da
sucessão.
 É um facto jurídico - facto da vida real juridicamente relevante;
 Involuntário (exterior ou natural): independente da vontade humana;
 Constitutivo de novas relações jurídicas

Simão Fino
 Ex: direito ao pagamento de um seguro de vida, direito de indemnização (art.º 496º/2, 3 CC)
 Modificativo de relações jurídicas do falecido
 Ex: os bens, direitos e obrigações que não se extingam por morte do seu titular são objeto de
devolução ou transmissão sucessório, abrindo-se a sucessão em relação aos mesmos.
 Extintivo das relações jurídicas intransmissíveis do falecido (art.º 2025º CC) e da sua personalidade
jurídica (art.º 68º/1 CC).
 Critério definidor da morte: o critério legal para determinar o momento da morte é a morte cerebral (art.º
2º, 3º Lei nº 141/99) - ocorrência de lesões irreversíveis no sistema nervoso central, mesmo que ainda haja
atividade respiratória ou cardíaca.
 Motivo: é muito importante identificar o exato momento em que a pessoa morreu
 Ex: o fenómeno sucessório é diferente consoante tenha morrido primeiro o pai, o filho ou a
mãe, no caso em que estes tenham morrido ao mesmo tempo.
 A declaração da morte tem de ser feita por um médico

Registo da morte

 A morte tem de ser registada: não pode ser invocada pelos herdeiros do de cuius, ou por terceiros, enquanto
não for lavrado o registo do óbito - inatendibilidade e invocabilidade;
 Art.º 1º/1 p), 2º e 192º e ss. CRC: efeito retroativo dos factos sujeitos a registo;
 Art.º 3º, 4º CRC: prova dos factos sujeitos a registo e valor probatório dos factos registado.
 Prova da morte:
o Acesso à base de dados do registo civil;
o Certidão de morte (art.º 211º, 212º e ss. e 220ºA e ss. CRC).
 O assento de óbito é, normalmente, feito no prazo de 48 horas, com base nas declarações das pessoas
que têm o ónus jurídico de o declarar (art.º 192º, 193º, 203º CRC);
 A omissão dessa declaração é uma contraordenação (art.º 295º, 198º, 98º CRC);
 Art.º 194º e ss. CRC: essas declarações devem ser confirmadas pela apresentação do
certificado médico de óbito; Art.º 195º CRC: caso em que há uma impossibilidade absoluta
de comparência médica;
 Art.º 201º CRC: no assento de óbito devem constar os requisitos gerais (art.º 55º CRC), os
elementos de identificação pessoal do falecido, e a hora, data e lugar de falecimento ou
aparecimento do cadáver;
 Elementos importantes em matéria de abertura de sucessão (art.º 2031º CC) e de vocação
sucessória (art.º 2032º, 2033º CC);
 Relevância da causa da morte nos casos descritos no artigo 197º CRC - incapacidade por
indignidade sucessória (art.º 2034º CC);
 Há casos em que é necessário que se verifique um processo de justificação judicial do óbito
para poder lavrar o registo dos óbitos nos termos do artigo 233º e ss. CRC (art.º 204º/2 e 3,
207º, 208º CRC) - caso de presunção de morte (art.º 68º/3 CC)

Presunção de morte e justificação do óbito

 Presunção de morte (art.º 68º/3 CC): a pessoa cujo cadáver não foi encontrado, mas cujo desaparecimento foi
dado em circunstâncias que não permitem duvidar da morte, tem-se por falecida
 Quando não aparece o cadáver, é necessário realizar um inquérito para presumir que a pessoa morreu -
processo de justificação judicial do óbito;
 M. Pinto e R. Capelo de Sousa: se o presumido morto reaparecer, aplicam-se, por analogia, as regras
quanto aos efeitos pessoais e patrimoniais da morte presumida por ausência (art.º 115º-120º CC)

Morte presumida

 Morte presumida (art.º 114º e ss. CC): ocorre quando determinadas pessoas estão ausentes sem notícias
durante um certo lapso de temo - 10 anos ou 5 anos, se a pessoa tiver completado 80 anos entretanto.
 Decorrido este tempo, os interessados (cônjuge, herdeiros) podem requerer a declaração de morte
presumida;
 Antes de ser declarada a morte presumida, podem ocorrer duas fases, em que o estatuto jurídico do
ausente é diferente:
 Curadoria provisória (art.º 89º e ss. CC): simples mecanismo de administração de bens do
ausente - se permanecer ausente durante 2 anos, pode tornar-se em curadoria definitiva;
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 Curadoria definitiva (art.º 99º e ss. CC): para além dos efeitos da administração de bens,
verifica-se a produção de outros efeitos.
o Dr. R. Capelo de Sousa: estão em causa efeitos para-sucessórios;
o Pereira Coelho: ainda não há presunção de morte, mas a lei já começa a preparar a
sucessão definitiva, porque se suspeita da morte:
o Art.º 101º, 102º a 104º, 109º, 110º, 112º, 113º CC: ainda não se abriu a sucessão,
mas já se começa a fazer de tudo para isso acontecer.
 Efeitos (art.º 115º CC): produz os mesmos efeitos que a morte, mas não dissolve o casamento, sem
prejuízo do disposto no artigo 116º CC - o cônjuge do ausente pode contrair novo casamento, mas se
souber que o ausente está vivo, o primeiro casamento considera-se dissolvido por divórcio  Entrega
dos bens do ausente aos sucessores (art.º 117º, 101º e ss. CC);
 Regresso do ausente (art.º 119º CC): o património é lhe devolvido no estado em que se encontrar (ex
nunc) - vocação resolúvel.

Presunção de comoriência

 Presunção de comoriência: caso em que há morte simultânea de várias pessoas, ou em momentos tão
próximos que não é possível determinar a sua ordem cronológica - para a produção de certos efeitos jurídicos,
exige-se a sobrevivência de uma das pessoas em relação à outra.
 A prova do momento da morte pode-se fazer por todos os meios possíveis: prova documental,
pericial, testemunhal, por inspeção e presunções judiciais (art.º 349º/351º CC), nos casos em que
estas são admitidas (art.º 392º, 393º, 395º, 396º CC);
 Mas, pode haver casos em que não é produzida prova suficiente, há contradição probatória ou
as presunções judiciais não convencem o julgador (art.º 346º, 396º CC) - aplica-se a
presunção de comoriência (art.º 68º/2 CC): quando certo efeito jurídico depender da
sobrevivência de uma outra pessoa presume-se, em caso de dúvida, que ambas faleceram ao
mesmo tempo
EXEMPLO: pai e filho morrem no mesmo acidente de carro.
o Presumindo que faleceram ao mesmo tempo, não se verifica o pressuposto da
sobrevivência na vocação sucessória (art.º 2032º/1, 2033º CC) - não há sucessão
entre quem é aplicada a presunção porque, para ser herdeiro, tem de se encontrar
vivo no momento da abertura da sucessão
EXEMPLO: A faz testamento a favor de B, vindo os dois a falecer no mesmo acidente de
automóvel, sem ser possível provar quem faleceu primeiro - é diferente considerar a
pré-morte de A ou de B.
o Se A morre antes de B - B é chamado à sucessão de A, podendo B aceitar ou repudiar
a herança (art.º 2058º CC);
o Se B morre antes de A - como B não tem descendentes, a disposição testamentária
caduca (art.º 2317º/1 a) CC), sendo chamado à sucessão os herdeiros legítimos de A
(art.º 2131º e ss. CC);
EXEMPLO: C é casado com D. Têm um filho A, que é casado com B, e que por sua vez têm
um filho E. Num acidente de automóvel, A e E falecem, sendo que A e E deixaram
uma herança de 15.000€ cada. Não foi possível provar o momento da morte de cada
um, aplicando-se a presunção de comoriência.
o Em relação à herança de A - princípio da preferência de classes (art.º 2142º e ss.
CC): B vai receber 2/3 da herança (10.000€) e C e D vão receber 1/3 da herança
(2.500€ cada);
o Em relação à herança de E - B vai ser chamado para receber a totalidade da herança
(15.000€), uma vez que A morreu ao mesmo tempo que E, não sendo chamado.
o Conclusão: B recebe 25.000€ e C e D recebem 2.500€ cada

O âmbito da sucessão:

Conforme outrora enunciado, o conceito de sucessão só abrange as situações jurídicas patrimoniais.


A exclusão das situações jurídicas não patrimoniais decorre igualmente da noção legal de sucessão (2024º) e
do preceito que caracteriza os sucessores (2030º/2).
Alguma doutrina, como GALVÃO TELLES, enuncia situações jurídicas não patrimoniais que seriam objeto
de transmissão, como os direitos de personalidade. Para JDP é estranho supor que determinadas pessoas adquiram os

Simão Fino
direitos de personalidade do de cuís. Estas pessoas beneficiam de uma legitimação processual para defesa da memória
do falecido, não traduzindo um fenómeno sucessório.
Fora do campo sucessório está ainda o chamado testamento vital e as disposições mediante as quais alguém
determina o destino post mortem dos seus órgãos.
O testamento vital, ou biológico, é o documento que contém indicações respeitantes aos cuidados de saúde a
prestar ao seu autor no caso de ele se vir incapaz para decidir sobre a matéria. EXEMPLO: um documento em que
uma pessoa declara que não pretende ser reanimada na eventualidade de ter uma doença terminal e sofrer uma
paragem cardiorrespiratória. A regulamentação refere-se a um momento prévio. Não há um ato mortis causa, mas um
ato inter vivos suscetível de (contribuir para) causar a morte.
Relativamente ao destino dos órgãos e tecidos: em Portugal são considerados dadores post mortem de órgãos
e tecidos todos os que não tenham manifestado, junto do Ministério da Saúde, a sua qualidade de não-dadores (art.º
10º/1, Lei nº 12/93, de 22 de abril). Disposições relativas a esta matéria, além da oposição, pode ser ainda uma
permissão o uma preferência quanto ao destinatário.

Não constituem objeto da sucessão situações jurídicas patrimoniais que se extinguem por morte do respetivo
titular: que pode ocorrer por força da lei ou por vontade do próprio sujeito – art.º 2025º. Exemplos:
 Usufruto – 1476º
 Direito de uso e habitação – 1676º e 1485º
 Direito de alimentos – 2013º
 Direitos conjugais e paternofiliais de assistência (que cessam no momento em que termina o vínculo
matrimonial ou de filiação)
 Extingue-se à data da morte do respetivo titular por força da lei, por exemplo o direito de aceitação da
proposta contratual – 231º/2
 Situações jurídicas patrimoniais renunciáveis, se a transmissibilidade for estipulada pelo respetivo titular –
ex.: situação de sujeição do proponente – 231º/1.

A intransmissibilidade destas situações jurídicas que se extinguem por morte do respetivo titular decorre de
normas jurídicas supletivas. A intransmissibilidade por natureza das situações jurídicas é reconhecida por normas
injuntivas.

Nada obsta à transmissibilidade por morte do direito de indemnização em geral, por constituir uma situação
jurídica patrimonial que não se extingue por morte do respetivo titular. Não é o caso do artigo 496º/2 e 3 – sofrimento;
aqui a indemnização é autónoma e originariamente adquirida por tais pessoas.
Por sua vez, já cabe no âmbito da sucessão o direito de indemnização do dano do sofrimento que acompanha a
presciência da perda da vida (o medo da morte, a dor de alguém que se apercebe que vai morrer), que foi adquirido
pelo de cuiús entre o momento da lesão e o momento da morte.
A indemnização em geral e a indemnização relativa à presciência da perda de vida podem ser objeto de
disposições testamentárias feitas pelo lesado. Na falta de testamento, o destino da indemnização geral é regulado pelas
regras da sucessão legítima hereditária (2131º e ss.), e a segunda subordinada ao art.º 496º/2 e 3.

Transmissibilidade mortis causa da indemnização por morte ou privação objetiva da vida:


1. Perda do bem vida não é indemnizável. O falecido não pode adquirir a indemnização nem desfrutar dela: não
tem personalidade jurídica na altura em que alegadamente se produziria o dano (art.º 68º CC).
Crítica: indemnização não é necessariamente adquirida no momento em que se produz o dano (ex.: 564º/2) e
a responsabilidade civil não tem de visar exclusivamente a compensação do lesado.
2. Dano morte é indemnizável, mas exclui-se a transmissão da indemnização por via sucessória, por entender-se
que o direito ao ressarcimento é adquirido diretamente pelas pessoas referidas no art.º 496º/2 e 3.
3. Perda do bem vida origina responsabilidade civil e que a indemnização em apreço integra a herança do
falecido – pelo 2024º CC.

JDP: não se afigura plausível a posição que confere a indemnização por dano more originariamente aos familiares do
falecido. A indemnização é primeiramente adquirida pelo de cuis, encontrando-se posteriormente na herança – 2024º.
E enquanto parte do ativo hereditário, responde por eventuais dívidas do falecido, e por outros encargos da herança.

Simão Fino
Espécies de sucessão – 2026º:

 Legal
 Legítima – 2132º e 2133º - opera na ausência da vontade válida e eficaz do de cuiús - cfr. 2131º.
Pode ser afastada pelo autor da sucessão. Regime supletivo. Funciona quando não há testamento, mas
também se por exemplo o testamento for invalido ou não versar sobre a totalidade do património.
Pode não haver, se por exemplo deixar a quota disponível a alguém por testamento. herdeiros
legitimários são aqueles a quem alei obriga a que o autor da sucessão deixe o seu património.
 Legitimária – 2157º + 2132º e 2133º- reserva uma porção de bens que o de cuiús não pode dispor
(cfr. 2136º) ao cônjuge e aos parentes na linha reta do falecido. Não pode ser afastada pelo autor da
sucessão. Regime imperativo. Relacionada com a quota indisponível.

Cônjuge herda sozinho se não houver ascendentes e descendentes.


Cônjuge é herdeiro independentemente do regime de bens – salvo caso de renúncia.

2134º: remissão 2133º. Porque se chama filhos e não netos? Devido à preferência de classes.

Em regra, os herdeiros legitimários são os mesmos que os legítimos.

1 filho – QI metade
2 filhos – QI 2/3

 Voluntária
 Testamentária – constitui o espaço de manifestação da autonomia da vontade do de cuiús do
domínio sucessório. Testamento é o ato unilateral, livremente revogável, unilateralmente, pelo
testador, pelo qual uma pessoa dispõe, para depois da morte e a título gratuito, do seu património.
Assinado somente pelo testador – 2179º/1.

Tipos de testamento:
 Público – perante oficial público (notário); apos a morte torna-se publico, através de um averbamento (?);
deixa de ser confidencial. Vantagem: interferência judicia do notário; sabe-se onde está.
 Cerrado – feitos pelo testador, escritos à mão, assinados pelo testador, mas para ter validade formal em
Portugal precisam de ser assinados pelo notário. Notário só lê se o testador desejar. Vê as interlíneas
rasurando. Testemunhas não ficam a conhecer o conteúdo do testamento. desvantagem: não fica
necessariamente no notário; pode levar para casa, por exemplo.

 Contratual – decorre de um contrato – pacto sucessório. Assinado pelo testador e pelo beneficiário -
2028º. Como o beneficiário aceita, em princípio tem de dar o seu consentimento para ser revogada a
doação.

Mais forte: legitimária; contratual; testamentária e legítima.


Podes aparecer as quatro modalidades de sucessão? Sim. legitima quando não esgota o património.
 É possível um caso onde não haja só sucessão legitimária? Não. Porque é só sobre a QI. Assim, abre-se a QD.
 Pode haver só sucessão contratual? Sim, mas é difícil.
 É possível haver só sucessão testamentária? Sim, se não houver herdeiros legitimários.
 É possível haver só sucessão legítima? Sim, se não houver herdeiros legitimários. Ex: não ter descendente,
ascendentes, cônjuge e nada dispuser. Será chamado, por ex.: irmãos.

(Temos de mencionar, quando assim seja, que os herdeiros são chamados a dois títulos, herdeiros legitimários e
herdeiros legítimos).

Cônjuge não é sempre, necessariamente, herdeiro legitimário – 1700º/1/c (conjugado com o 1700º/3 e 1707º/a) –
porque 1/set/2018 (lei 48/18) (ter atenção à data de aplicação temporal da lei) – só pode renunciar à condição de
herdeiro legitimário caso se casem no regime de separação de bens. Este renuncia recíproca tem a ver com a sucessão
contratual. Renuncia tem de ser prévia à celebração do casamento. Apesar de ser recíproca, acaba sempre por só
produzir efeitos em relação a um, salvo nos casos de comoriência.

1700º/a condição não tem de ser recíproca, não confundir com a renúncia.

Simão Fino
2028º/1:
- Pacto renunciativo – disponho da minha sucessão por contrato (permitido – 1700º/1-c)
- Pacto designativo – disponho de uma herança que ainda tenho de vir a ter (permitido 1700º/a e b)
- Pacto dispositivo (não permitido entre nos)

Espécies de sucessores – 2030º:

 Herdeiro – aquele que sucede na totalidade ou numa quota do património do de cuiús.


 Legatário – aquele que sucede em bens ou valores determinados.

A relevância da distinção traduz-se na responsabilidade pelos encargos da herança, que, em princípio,


incumbe aos herdeiros.
Nos títulos da sucessão legítima e legitimária o legislador alude somente a herdeiros – 2132º e 2157º. Todavia,
pode haver legatários legais.

O Direito das Sucessões no universo das liberalidades e dos efeitos por morte:

Definiu-se sucessão como uma aquisição por morte de uma liberalidade (ou vinculação) à custa ou mercê do
património do falecido. A “expressão liberalidade” era usada, neste contexto, em sentido amplo, abarcando
liberalidades em sentido estrito e atribuições patrimoniais a título gratuito não negociais que não se fundem em
situações de carência do beneficiário. Agora, a palavra “liberalidade” será entendida em sentido estrito”.

 Liberalidade em sentido estrito: ato jurídico de atribuição patrimonial a título gratuito - não há qualquer tipo
de correspetivo ou vantagem patrimonial.
 Um património aumenta de valor, à custa de outro que diminui.

São consideradas liberalidades:


 Atribuições patrimoniais que pretendem remunerar serviço que não tenham natureza de dívida exigível.

Não constituem liberalidades:


 Os donativos conformes os usos sociais (aniversários; casamentos)
 Atribuições patrimoniais feitas em cumprimento de uma obrigação natural.
 A renuncia a direitos e o repúdio de herança ou legado.
 Liberalidades contratuais: o mesmo que doações;
 Liberalidades unilaterais: o mesmo que deixas testamentárias.

 Liberalidades mortis causa: a morte é a causa, o facto principal da aquisição das situações jurídicas. Ex.:
deixas testamentárias e pactos sucessórios designativos.
 Liberalidades inter vivos: as restantes, a generalidade das doações.

Simão Fino
Designação sucessória – pp. 4 e ss + factos designativos Cabana

A designação consiste na operação feita em vida do de cuiús mediante a qual se indicam as pessoas que
podem vir a suceder-lhe, por morte dele – sucessíveis. Sucessível é o beneficiário de um facto designativo que ainda
não foi chamado à sucessão ou que, já tendo sido chamado, ainda não a aceitou. Sucessor é a pessoa que foi chamada
à sucessão e que a aceitou.
A designação corresponde a uma fase pré-sucessória – antes da sucessão.

Modalidades de designação sucessória:


 Critério das fontes ou factos designativos – designação legitimária; legítima; testamentária e contratual;
 Critério do objeto - que permite distinguir herdeiro de legatário.

Designação sucessória em razão do objeto:

O critério legal de distinção entre herdeiro e legatário – 2030º CC.

O critério é qualitativo e não quantitativo – não tem que ver com a porção recebida.

Herdeiro: aquele que sucede na totalidade ou numa quota do património do falecido. A quota é uma fração abstrata
representativa da massa hereditária. Universalidade.

É ainda havido como herdeiro aquele que sucede no remanescente dos bens do falecido, não havendo especificação
destes (art.º 2030º, nº 3).

Legatário: aquele que sucede em bens ou valores determinados - singularidade; sucede em bens especificados ou
designados concretamente. São igualmente legados as deixas de herança ou de quota de herança não partilhadas à qual
foi chamado o testador, bem como a deixa da meação nos bens comuns.
É legatário aquele a quem o autor da sucessão deixou bens determinados, mesmo que se apure que o de cuiús
não tinha outros bens na altura da sua morte – aquisição da totalidade é meramente acidental.
É concebível um legado sem especificação – 2253º. O de cuiús pode deixar ao legatário todos os seus bens
imóveis; aquando da abertura da sucessão, basta ver que imóveis pertenciam ao de cuiús.
O usufrutuário é imperativamente qualificado como legatário, mesmo que o seu direito incida sobre a
totalidade do património (art.º 2030º, nº 4). Contudo, o seu estatuto é próximo do estatuto típico do herdeiro –
nomeadamente, o usufrutuário de uma quota, tem, tal como o herdeiro de uma quota, o direito de exigir a partilha da
herança.

IMPORTANTE: a qualificação dada pelo testador aos sucessíveis não lhes confere o título de herdeiro ou legatário
em contravenção do disposto nos números anteriores – 2030º/5. Trata-se de regras injuntivas (normas de imposição,
que delimitam o exercício da autonomia privada).

Não é de excluir, no entanto, a verificação da figura conhecida por herança ex re certa - sucessível é
considerado herdeiro apesar de lhe ter sido deixado apenas bens determinados. Isto pode ocorrer em duas
situações:

A) Deixas categoriais dicotómicas – 2030º/3


Esgota a totalidade da quota (ex. deixo os imóveis a B e os móveis a C) em duas deixas. Cada deixa funciona
como remanescente da outra, sem que tenha havido especificação. B e C serão herdeiros. O de cuiús reparte a
herança em duas quotas apuradas por referência a uma categoria abstrata.
 Se A deixar a B todos os bens presentes e a C os bens futuros, B seria, na opinião de OLIVEIRA
ASCENSÃO, legatário e C herdeiro. Contra, JORGE DUARTE PINHEIRO defende que a
(im)possibilidade de variação do conteúdo da deixa entre os dois momentos temporais (data do testamento e
data da morte) não pode ser um critério de distinção válido nesta sede, à luz do teor do art.º 2030º.

Simão Fino
A) Legado por conta da quota/legítima - https://dre.pt/web/guest/lexionario/-/dj/123178380/view

Atribuição de bens determinados a um sucessível para lhe preencher a quota que lhe cabe (sucessão
legitimária) ou que o autor lhe atribui (sucessão testamentária e a contratual).
Ex.: legado por conta da legítima (art.º 2163.º). Em testamento, o autor da sucessão pode deixar ao seu filho
um bem x destinado a preencher a quota (indisponível) que lhe assiste a título de sucessível legitimário.
Se o valor dos bens determinados ficar aquém do valor da sua quota, o sucessível que aceitar o legado por
conta tem o direito de exigir a diferença.
O beneficiário do legado por conta da quota sucede simultaneamente numa quota e em bens determinados da
herança. Por isso, há alguma doutrina que considera que o legatário por conta da cota é um herdeiro-legatário –
GALVÃO TELLES. Já JORGE DUARTE PINHEIRO prefere a opção por uma das qualificações: aqui, a de
herdeiro é a que melhor se ajusta. PAMPLONA CORTE REAL diz que ele é legatário ou herdeiro, conforme a parte
que tiver mais valor.
Se o valor do bem excede a quota ele é herdeiro até ao valor da quota e legatário quanto ao valor do bem.

Não se confunda esta figura com o legado em substituição da quota/legítima (art.º 2165º, nº 1 e 2):
disposição mortis causa de bens determinados (legado) cuja aceitação pelo beneficiário implica a não aquisição de
uma quota hereditária (sucessão legitimária) à qual este teria direito de suceder. Se aceito este legado, sou somente
legatário.

Estatutos de Herdeiro e Legatário

A distinção entre herdeiro e legatário é relevante, já que a cada uma das figuras corresponde um regime típico
distinto.

Herdeiro:

A) Direito de exigir a partilha da herança (art.º 2101º, nº1).


 Exceções: herdeiro universal, herdeiro do remanescente quando o resto do património tenha sido
distribuído por legados, herdeiro de herança ex re certa (qualquer um dos dois exemplos supra).
A) Em regra, só há acrescer entre herdeiros (art.º 2137º, nº 2 e 2301º - 2307º).
B) Só os herdeiros têm direito de preferência na venda ou dação em cumprimento do quinhão hereditário (art.º
2130º, nº 1).
C) Só os herdeiros têm legitimidade para requerer providências relativas à ofensa à memória do de cuiús (art.º
71º ss.).
D) O princípio da indivisibilidade da vocação aplica-se aos herdeiros e não aos legatários (art.º 2054º, nº 2,
2055º, 2064º, nº 2 e 2250º).
E) Os herdeiros são beneficiários exclusivos da transmissão do direito de suceder (art.º 2058º).
F) Só os herdeiros estão sujeitos a sanções por sonegação de bens da herança (art.º 2096º).

Legatário:
G) Se apenas dois legatários forem designados para suceder num mesmo objeto, estes não podem recorrer à
partilha da herança, mas apenas ao instituto de divisão da coisa comum.
 Exceção: pode requerer a partilha da herança o legatário que foi contemplado com o usufruto de uma
quota da herança.
A) É possível sujeitar a termo inicial a nomeação de legatário, mas não a instituição de herdeiro (art.º 2243º).

O elemento do regime tido como mais importante na contraposição entre herdeiro e legatário é o da
responsabilidade externa pelos encargos da herança.

Em regra, tal responsabilidade incumbe aos herdeiros – art.º 2068º; 2071º; 2097º e 2098º/1 - incluindo o
cumprimento dos legados (art.º 2068º in fine e 2265º, nº 1).

Excecionalmente, o legatário poderá responder pelos encargos da herança num caso apenas (segundo
JORGE DUARTE PINHEIRO): quando a herança é totalmente repartida em legados, até nada mais sobejar
(art.º 2277º). Compreende-se porquê: não havendo herdeiros, os encargos têm, ainda assim, que ser satisfeitos.

A doutrina aponta mais três casos excecionais de responsabilidade dos legatários pelos encargos da herança, contra
*JORGE DUARTE PINHEIRO:
Simão Fino
a) Herança insuficiente para pagamento dos legados, quando haja passivo (art.º 2278º);
*O herdeiro paga as dívidas da herança em primeiro lugar, e só depois reparte o que restar do ativo entre os
legatários, na proporção dos bens que o autor da sucessão lhes pretendia deixar.
b) Legado onerado com o encargo de pagamento do passivo (art.º 2276º);
*Os herdeiros responderão diretamente perante os credores da herança, embora tenham direito de regresso
sobre o legatário onerado.
c) Legado de usufruto da totalidade ou de uma quota da herança (art.º 2072º).
*O legatário tem apenas a obrigação de entregar aos herdeiros os meios necessários para que estes procedam
ao cumprimento dos encargos. A responsabilidade externa incumbe ainda aos herdeiros.

Sendo certo que em qualquer destes casos os legatários suportam um sacrifício patrimonial, estes nunca
respondem externamente, a não ser na única exceção que supra mencionámos (repartição da totalidade da herança em
legados). Nestes três casos é ainda o herdeiro quem responde diretamente perante os credores da herança
(responsabilidade externa), segundo JORGE DUARTE PINHEIRO.

Se a herança não chegar para se realizar o pagamento integral dos legados, por força do passivo, o herdeiro
paga as dívidas e depois reparte o que restar do ativo entre os legatários, na proporção do valor dos bens que o autor
da sucessão lhes pretendia deixar.
Se o autor da sucessão onerar um legatário com o encargo do pagamento do passivo, a disposição é válida,
mas produz efeitos exclusivamente no plano das relações internas, isto é, entre os sucessores. Os herdeiros
responderão diretamente perante os credores da herança, embora com direito de regresso sobre o legatário onerado.
Por fim, o art.º 2072º, relativamente ao usufrutuário, obriga apenas o legatário a entregar aos herdeiros os
meios necessários para que estes procedam ao cumprimento dos referidos encargos. A responsabilidade externa
incumbe, mais uma vez, aos herdeiros.

Em conclusão, o herdeiro sucede no ativo e no passivo, pelo que é uma espécie de liquidatário da herança,
segundo PAMPLONA CORTE-REAL. O legatário, por seu lado, apenas sucede no ativo (em bens): é uma espécie
de credor de segunda linha da herança (art.º 2070º, nº 1), já que o seu crédito é graduado depois do direito dos
credores da herança próprio sensu.
OLIVEIRA ASCENSÃO sustenta que: o herdeiro é um sucessor pessoal do de cuiús, enquanto que o
legatário seria um mero beneficiário de uma atribuição patrimonial. JORGE DUARTE PINHEIRO reconduz os
estatutos de herdeiro e de legatário a uma atribuição patrimonial, e não a uma qualidade pessoal do sucessível. Esta
interpretação é conforme com o art.º 2030º. O herdeiro e o legatário são ambos adquirentes patrimoniais mortis causa.
Mais, o art.º 2050º/1 ao estabelecer que “o domínio e posse dos bens da herança adquirem-se pela aceitação”,
não apoia a tese da aquisição automática da posse pelo herdeiro.

Abertura da sucessão e vocação – pp. 60 e ss. até 88 Cabana

Simão Fino

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