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DIREITO PENAL II

FACULDADE DE DIREITO DE LISBOA


SIMAO FINO
Índice
Esquema de resolução de casos práticos ........................................................................................................................ 2
DIREITO PENAL ................................................................................................................................................................. 3
ESCOLAS DO PENSAMENTO ............................................................................................................................................. 3
TEORIA GERAL DA INFRAÇÃO ........................................................................................................................................ 12
AÇÃO PENALMENTE RELEVANTE ................................................................................................................................... 14
DISTINÇÃO ENTRE AÇÃO E OMISSÃO ............................................................................................................................ 40
OMISSÕES E POSIÇÕES DE GARANTE ............................................................................................................................ 54
TIPICIDADE ...................................................................................................................................................................... 78
ILICITUDE ...................................................................................................................................................................... 118
CULPA............................................................................................................................................................................ 151
COMPARTICIPAÇÃO ..................................................................................................................................................... 163
TENTATIVA .................................................................................................................................................................... 172
Esquema de resolução de casos práticos

• Identificar o tipo de crime


1º Passo • Verificar se há concurso de crimes
o Efetivo
o Aparente
• Identificar a posição do agente
2º Passo o Autor (art.º 26º)
o Coautor (art.º 26º 2ª parte)
o Instigador (art.º 26º 4ª parte)
o Cúmplice (art.º 27º)
• Identificar se é um caso de:
3º Passo o Ação
✓ Típica
✓ Atos preparatórios (art.º
21º - 271º, 275º)
✓ Tentativa (art.º 22º, 23º e
24º)
o Omissão
✓ Pura/Própria (art.º 200º,
284º)
✓ Impura/Imprópria (art.º
10º)
• Verificar se há imputação objetiva
4º Passo o Conditio sine qua non
o Teoria da causalidade adequada
o Teoria do Risco
• Verificar se há imputação subjetiva
5º Passo o Elemento intelectual (art.º 16º)
o Elemento volitivo (dolo – art.º
13º e 14º)
• Verificar se há alguma causa de exclusão da
6º Passo ilicitude (art.º 31º/2)
o Legítima Defesa? (32º)
o Estado de Necessidade Justificante
(34º)
o Conflito de Deveres (36º)
o Consentimento Justificante (38º)
• Verificar se se pode punir o agente ou se
7º Passo existe alguma causa de exclusão da
culpa
o Excesso de Legítima Defesa
(33º/2)
o Inimputabilidade?
✓ Em razão da Idade (19º)
✓ Em razão de anomalia
psíquica (20º)
o Estado de Necessidade
Desculpante (35º)
o Erro sobre a Ilicitude? (17º)
• Verificar qual a punibilidade atribuída
8º Passo ao agente
DIREITO PENAL
ESCOLAS DO PENSAMENTO
O que vamos falar este semestre? Como se decide a aplicação da lei ao caso
concreto. Mas ao que devemos recorrer? À definição do conceito de crime. Para isso
recorreremos à Teoria Geral da Infração, que procede com base na ideia de expor
os vários elementos do crime, para depois no caso concreto verificar se em face do
comportamento se verificam os elementos. É, portanto, uma proposta de
metodologia.

O que é o crime? O crime é sempre uma ação -lato sensu1- (penalmente relevante)
típica, ilícita, culposa e punível. Estes vários elementos são de verificação
cumulativa, é preciso que todos estejam previstos. Num caso verificamos por esta
ordem. Se falta algum não podemos avançar para o seguinte, revelaremos que nada
percebemos, se assim o fizermos.

Segundo FD, o direito penal é um direito penal do facto e não do agente, abarcando
um duplo sentido:
• Toda a regulamentação jurídico-penal liga a punibilidade a tipos de factos
singulares e à sua natureza, não a tipos de agentes e à sua personalidade;
• As sanções aplicadas ao agente constituem consequências daqueles factos
singulares e neles se fundamentam, não são formas de reação contra
determinado tipo de personalidade.
Para se resolver o problema da imputação é conveniente ter um sistema organizado,
que nos permita de modo uniforme decidir no caso concreto. Entendeu-se que no
conceito de crime, analisado nos seus vários elementos, poderá ser o ponto de partida
desta técnica.

Assim, a Teoria Geral da Infração vem propor uma ordenação lógico-valorativa da


determinação da responsabilidade penal a partir do confronto do fato concreto com
os tipos legais de crime.
Entendeu-se que o conceito de crime, analisado nos seus vários elementos, poderá ser
o ponto de partida desta técnica.

1
Porque abrange as omissões.
O que querem dizer estes elementos?
• Ação: facto humano.
• Típica: caso concreto corresponde ao caso abstrato descrito na lei penal,
pensado pelo legislador.
• Ilícita: contrariedade à ordem jurídica no seu todo (não é bem uma
contrariedade à norma).
• Culposa: consiste na censurabilidade pessoal feita ao agente por este ter
praticado um ato típico e ilícito.
• Punível: responsabilização

Este sistema começou a ser proposto pela Escola Clássica, mais propriamente por
BELING, vindo de forma sistemática e lógica referir que definir o crime como uma
todo e qualquer crime é um facto (ação – comportamento externo que era comandado
pela vontade – ação causal/naturalística), definindo-o como uma ação típica,
ilícita, culposa e punível. Desta forma, seriam estes os critérios que estabelecem a
ponte entre as normas incriminadoras e o caso concreto que culmina na atribuição da
responsabilidade aos agentes.
• Todo e qualquer facto que tenha a qualidade de crime tem de ser
desmembrado nestes elementos para levar a responsabilidade penal –
características de raciocínio qualificador.
• Saber se um certo facto tem características de crime é essencial para a
responsabilização dos agentes, feita através de um modelo instrumental de
decisão dos casos concretos
O autor mostra que a definição de um conceito na sua compreensão2, nas qualidades
que definem o mesmo, nos permite subsumir o caso concreto no conceito. Na parte
especial o crime parece estar concretizado em extensão. Quando definimos o conceito
em compreensão conseguimos, de uma forma mais abstrata e geral, identificar os
critérios que nos permitem concluir que determinada realidade/facto corresponde a
esse conceito, tem as características do mesmo. Identificar o que é um facto (se crime
ou não) é o 1º passo para decidir se se justifica a responsabilidade criminal.
O que BELLING nos mostrou é que uma boa definição de crime, delimitando bem os
diversos elementos constitutivos, nos permitiria na prática, relativamente a factos
absolutamente diversos e relacionados com figuras também diversas, concluir que se
esses factos pudessem concretizadamente mostrar as qualidades do conceito de
crime, então esses factos podiam ser validamente considerados crimes. A definição
será a base orientadora para o intérprete ilidir se o facto é uma ação então típica,
ilícita, culposa e punível.

2
Por sua vez, a definição de um conceito na sua extensão é apresentar um elenco de objetos que têm determinadas características.
Diz-se assim que crime é um FACTO TÍPICO, ILÍCITO, CULPOSO E PUNÍVEL,
expressando um conjunto de exigências e uma ordem do juízo na apreciação de tais
elementos.

O ponto de partida para este autor era identificar a ação sem sentido naturalístico,
depois temos de passar para uma segunda etapa que é averiguar a tipicidade, ou seja,
procurar a identidade da ação, o seu nome específico (crime de quê? Furto? Crimes
contra o património?). Mas isto não basta, temos ainda de averiguar a ilicitude, que
consiste na contrariedade de um comportamento à ordem jurídica, o que permite
também averiguar, se há uma causa de exclusão para a ilicitude, se houver há uma
autorização a esta conduta. E finalmente temos de fazer passar a ação por um único
crivo: verificar-se-á a culpa em concreto, onde nos ocupamos do conteúdo da vontade
(há algum nexo psicológico entre a vontade do agente e o facto? Há algum nexo de
causalidade?).

Ex: primeiro vê-se se A deu tiro a B, se há Homicídio; depois se é ilícito, e se não foi
legítima defesa; por fim se há culpabilidade

E só depois de fazer o confronto entre o comportamento concreto e estes elementos é


que podemos responder à questão, se o comportamento em questão é um crime ou
não. Desta forma, estamos diante de uma perspetiva metodológica simples que
permite grande objetividade no trabalho de interpretação.

Que escolas temos?


• Escola clássica – foi com esta que se sedimentaram as categorias da definição
de crime. No início do século XX foi esta que predominou. Para esta a ilicitude
e culpa relacionam-se entre si como parte externa e interna do delito. Tipo e
ilicitude como elementos objetivos. Culpa como elemento subjetivo. esta
escola era influenciada pelo naturalismo – submeter as ciências do espírito,
incluindo o direito, à mesma exigência de certeza e rigor das ciências da
natureza - tratar o penalista como um cientista que quer conhecer a realidade
de crime. Queria-se reconduzir o direito penal a realidades empíricas – uma
teoria científica do delito. Estes elementos do crime só podiam ser de duas
naturezas: objetiva – do mundo externo e subjetiva – psíquicos, do agente. O
crime é sempre uma ação causal porque tem de haver uma ação que provoca
modificações no mundo exterior. Porque é que a ação tem de ser causal? Porque
é que não contam os pensamentos, atitudes ou intenções, por exemplo? O
direito penal é de facto, e não do agente. O direito penal reage a factos. A factos
que ofendam bens jurídicos jurídico penais – princípio da ofensividade. Ou
seja, os crimes têm de ser comportamentos das pessoas, e não os modos de ser
das mesmas. Para a escola clássica então o crime era sempre uma ação causal.
O tipo aparece para descrever essa modificação no mundo. Só as modificações
tipificadas é que são relevantes para o Direito Penal. Assim, o tipo tem um
carater descritivo e objetivo – se A dispara sobre B e este morre, tenho de
ver que houve uma ação que modificou o exterior, e de seguida vou ver se a lei
descreve este resultado como crime. Na ilicitude há já um juízo valorativo,
e não um juízo descritivo. O que vamos ver é se o facto contradiz a ordem
jurídica no seu conjunto – vou confirmar, porque se o facto é típico em princípio
é ilícito, ele é típico porque o legislador quer punir aquilo. Ou seja, o tipo indicia
a ilicitude, para a escola clássica. Teremos de ver é se há uma causa de
justificação, caso em que o comportamento é típico, mas não ilícito (como por
exemplo a legitima defesa). Quanto à culpa, veremos a parte interna, o
elemento subjetivo (se há um nexo psicológico entre o agente e o
comportamento, o facto– se há dolo, ou negligência). Este trata-se de um juízo
descritivo. Casos há em que o agente pode ser inimputável, afastando-se a culpa.

• Escola neoclássica – Se A rouba a borracha de B sem autorização, mas se não


tinha a intenção de ficar com ele, não há ilegítima intenção de subtração. O
elemento não é típico. Mas não por causa do elemento objetivo, que está
preenchido, mas sim subjetivo – a intenção de ficar com ela. Já a culpa, também
não integra só elementos subjetivos, mas também objetivos. Mas mantinha por
princípio a separação entre ilicitude com elementos objetivos e culpa com
elementos subjetivos. Mas já começam a notar algumas exceções. Entendem que
no ilícito estamos preocupados com a danosidade social, e na culpa com a
censurabilidade. São influenciados pela filosofia dos valores neokantianos (” ser” e
“dever ser”) – uma das ideias é separar as ciências da natureza e a ciência do
espírito (as primeiras referem a realidade a valores, e é com base nestes que o DP
se vai estruturar, é através dela que se vai fazer a sistematização, aparecendo
critérios de valoração, como a danosidade social e a censurabilidade). O tipo não
é uma simples descrição, porque o tipo seleciona certos comportamentos por uma
razão, porque há uma valoração em causa: prevê uma ação proibida por ser
socialmente lesiva – tem de haver a valoração de ser socialmente lesiva. Assim, o
tipo é a razão de ser da ilicitude, e não mero indiciador. O comportamento é ilícito
porque é típico. Tipicidade e ilicitude fundem-se. O comportamento só é típico
se não houver uma causa de justificação. Na culpa começamos a ter uma conceção
normativa, e não meramente psicológica, – para haver culpa tem de haver censura
– tem de ser censurado se se exigisse que atuasse de outro modo.

• Escola finalista – tem o ponto de partida de ação final. A característica


essencial a ação humana é a da pessoa eleger um certo fim e para o atingir seleciona
um ou mais meios e orienta o processo causal para a obtenção desse fim. Só há uma
ação humana de matar se a pessoa obteve a morte orientado a ação causal com esse
fim. Ou seja, se houver dolo – vindo o dolo para o tipo. Leva a uma subjetivação da
ilicitude e uma dessubjetivação da culpa. A filosofia base é ontológica – qual a
realidade do comportamento humano, o que está inscrito na sua natureza. O
Direito Penal é uma ciência que se ocupa da pessoa, tendo por isso de corresponder
a natureza da pessoa, legislador nesse sentido, por isso tem de saber o que estrutura
esse objeto, a pessoa. Por isso a escola finalista quer por um conceito antropológico,
pré-jurídico, na base da teoria do crime, que vem antes dos valores e das
construções do sistema (para a escola neoclássica eram os valores que orientavam).
O sistema vai ser construído com coisas lógicas e reais. Tem de começar por
compreender a logica interna da realidade, e só depois disso é que pode valorá-la.
Crimes só podem ser ações finais. A ação é a ação final – isso é que é uma Acão
humana. O tipo descreve a Acão proibida, mas a Acão proibida é sempre final, pelo
que o tipo tem incluído já o dolo, pelo que temos um tipo subjetivo, além de
objetivo. Continua a ser um juízo formal descritivo, mas agora alem dos
elementos objetivos tem os elementos subjetivos. O ilícito torna-se pessoal –
passa a centrar-se no desvalor da ação, centrado na finalidade, em detrimento do
dano social (como diria a escola neoclássica). A culpa, como ficou só o juízo de
censura, saindo o dolo, temos uma conceção puramente normativa. Da escola
finalista ficou, para a maioria das construções de hoje, o tipo como objetivo e
subjetivo. Ficou também a ideia de um ilícito pessoal, assente num desvalor da ação
e do resultado. Temos um desvalor da ação, um juízo negativo que tem por
referência a violação de uma norma de dever pelo agente. O desvalor do
resultado é também um juízo negativo, mas que relativo a um estado de coisas
que o direito desaprova, mas produzido em consequência da ação do agente. Morte
de B em consequência do comportamento de A (homicídio). Pode haver crimes
sem o desvalor do resultado (homicídio na forma tentada), sendo igualmente
punível. Mas não há crime sem desvalor da ação – tem de haver sempre desvalor
da ação.

o Ação final: tem dificuldades. Desde logo as omissões não causam nada.
Não oriento uma omissão para causar nada. Também há dificuldades com
os crimes negligente – não estou a orientar o comportamento para o
resultado relevante para o Direito Penal. WELVET tentou dizer que há
uma finalidade potencial. Mas se é potencial não tem existência real.
Outra proposta era dizer que houve uma finalidade real (ex. limpar a
arma, mas se não houve intencionalidade de matar é problemático).

• Escola funcionalista: recusa a ideia de partir de realidades ontológicas


previas ao sistema. Preferem construí-lo a partir dos fins do sistema penal,
sobretudo de prevenção (principalmente no caso de ROXIN). Nas outras escolas
tínhamos: na clássica trabalhar o DP como uma ciência da natureza, empírica,
que analisam os seus objetos e decompõem os seus elementos; na neoclássica
havia uma ideia de separação entre ser e dever ser (realidade vs. valor),
trabalhar o sistema por referência aos valores; na finalista que quer fazer
assentar o sistema num conceito de ação tributário de uma filosofia ontológica
– DP tem de identificar as características da realidade humana, o seu objeto – o
comportamento marcadamente humana é a ação final, e é com base nesta que o
sistema vai ser construído e erigido. Os funcionalismos não querem construir o
sistema partindo de realidades ontológicas previas ao sistema, mas sim através
das suas funções, mais concretamente nos fins do sistema penal. Em JAKOBS a
prossecução dos fins visa a proteção da vigência das normas. O funcionalismo
mantém o dolo no tipo. O juízo de tipicidade não é meramente descritivo, mas
sim mais complexo, que exige mais valorações. JAKOBS considera a pena uma
reação à violação da norma, sendo unanime esta consideração – mas para ele
não faz sentido descrever a pena como um mal em contribuição ao mal
cometido. Claro que a pena é um mal, tal como o crime, mas isso é só um aspeto
superficial. O importante é o plano do significado: a pena não vai cumprir o seu
fim ao infligir um mal (isso é um meio). Vai cumprir o seu fim ao mostrar que a
norma vigora, o fim não é o castigo em si, mas sim estabilizar a norma violada.
Nos contactos sociais as pessoas só podem orientar-se se poderem contar com
um mínimo de previsibilidade. Quando iniciam contactos sociais as pessoas
carregam certas expectativas. Quando são defraudadas, é preciso reagir, porque
quer dizer que o modelo de orientação do agente não está enquadrado com a
realidade. O agente nestes casos pode: adaptar as expectativas ou considerar
que os factos é que têm de se adaptar as expectativas. Há expectativas que tem
origem na pretensão de que as outras pessoas vão cumprir as normas. Se o sinal
de um semáforo está verde para peões, considero que os automobilistas vão
parar, não me atropelando. Quando alguém viola a norma é preciso reagir.
Assim, ou abandonamos a expectativa, resignando-nos de que ninguém vai
cumprir as normas, ou mantenho as expectativas e para isso precisamos que os
factos não entrem sempre em confronto com as normas, ou seja, o facto é que
está errado, não merece aprovação. Quando é violada uma norma, para
JAKOBS o importante não são os efeitos externos do comprimento criminoso,
mas sim o significado que eles têm. Se o criminoso teve condições para se
motivar pela norma, para a cumprir, e ainda assim a violou, então afirma no
plano simbólico (comunicativo, de que a norma não vale, não vigora, e,
portanto, a infração é uma desautorização da norma. A infração leva a um
conflito social, levando a questionar a norma como uma orientação de
comportamento. A pena também vai interessar no seu significado (no plano
empírico também, por ex meter a pessoa na cadeira): o significado é dizer com
a pena que a afirmação do agente está errada, a norma continua a vigorar,
podendo as pessoas continuar a confiar. O fim da pena é então a estabilização
contrafática das expectativas da comunidade na vigência da norma violada. Isto
vai refletir no seu conceito de ação: as normas só são postas em causa por
comportamento evitáveis – só adotando comportamentos que podia ter evitado
é que podemos dizer que o agente está a colocar a norma em causa, a questioná-
la. Se não podia atuar de outra maneira não esta a colocar a norma em causa.
Há uma ação penalmente relevante quando haja a produção evitável de um
resultado. Como se vai determinar a evitabilidade? Vamos perguntar olhando
ao caso conceito, se, supondo que havia motivação dominante de cumprir a
norma, contraria ao que fez, podia ter evitado o resultado. Se podia ter evitado
o comportamento é evitável. O DP dá então relevância aos caos em que a
motivação teria funcionado para evitar a produção do facto lesivo. A empurrado
por B e partiu o vidro da monta. Se o A não quisesse ter partido a montra (por
exemplo B era de grande porte sendo completamente fora do seu controlo),
podia ter evitado? Se fosse não, então não é evitável, não sendo um
comportamento penalmente relevante, uma ação. A evitabilidade é saber se a
pessoa podia ter feito de outra maneira. O dolo e a negligencia também já aqui
aparecem: enquanto o conhecimento e a cognoscibilidade são condições de
evitabilidade – se a pessoa podia saber o que estava a fazer, chega para dizer que
tinha condições para evitar o resultado.
ESCOLA CLÁSSICA
(BELLING, VON LISTZ)
• De influência naturalista;
• O sistema do facto punível, o direito penal, deveria constituído a partir de realidades de empiricamente
comprováveis, pertencessem elas à facticidade (objetiva) do mundo exterior ou antes a processos psíquicos
internos (subjetivos);
AÇÃO TIPO ILICITUDE CULPA

- É apreciada objetivamente; - O juízo é meramente - A ilicitude é um juízo - Conceção psicológica.


- O ponto de partida é a existência descritivo e objetivo, formal - basta a
de um comportamento voluntário. resultando apenas da contradição à norma. - Juízo meramente
O significado de voluntariedade correspondência entre uma descritivo e objetivo.
parte da noção causal: para estes figura de crime e um - É também um juízo
autores, bastava uma ação que fosse comportamento concreto. normativo e objetivo. - É entendida como a
causada pela vontade existência de uma
(independentemente do conteúdo - Adotam a conceção do tipo - A ilicitude é adequada ao ligação psicológica /
da vontade que a justifica) - têm na indiciador: a tipicidade carácter secundário e psíquica, entre o agente
sua base uma visão puramente corresponde a um primeiro sancionatório do Direito e o seu facto objetivo,
mecanicista. momento de enquadramento Penal inerente à teoria das suscetível de legitimar a
- Naturalista – a ação traduz-se do facto concreto no facto normas de BINDING – a lei imputação ao agente a
numa modificação objetiva do legal, não produzindo penal configura-se como a título de dolo ou de
mundo exterior através de um quaisquer juízos de valor. sanção das normas negligência.
movimento corporal voluntário. contidas noutros setores
- Basta a voluntariedade formal do - A tipicidade é apenas a do ordenamento jurídico, - Dolo: conhecimento e
comportamento, independenteme- verificação de um indício de por isso, a ilicitude penal vontade de realização
te de a vontade se dirigir à espécie crime, ao qual se segue um resulta do confronto do do facto.
de ação desenhada legalmente, ou processo lógico de facto com todas as Negligência: deficiente
seja, independente do conteúdo, da confirmação do indício de proibições e permissões tensão de vontade
vontade material. ilicitude, mas o tipo não que suscita (na totalidade impeditiva de prever
- O conteúdo ou o objeto concreto implica ilicitude, esta vem no do ordenamento jurídico). corretamente a
da vontade é uma questão a ser passo seguinte. A realização do facto; falta
valorada ulteriormente (dolo/neg.) contrariedade à ordem - A ação será ilícita se não de zelo, de cuidado, de
e não impede a verificação da jurídica é avaliada no intervier uma causa de prudência.
condição de o facto ter a qualidade momento seguinte, ou seja, justificação: situação que,
de ação. na consideração da ilicitude a título excecional, torna a CRÍTICAS:
- Basta-se com uma estrutura ação típica em ação lícita, - Esquece que o
comportamental objetiva, CRÍTICA: esquece as unidades aceite ou permitida pelo inimputável pode agir
independentemente da significação de sentido social que vivem direito. com dolo ou negligência;
no mundo social. nos tipos (ex.: leva a igualar o - Esquece que, ao menos
- Ação como dado empírico ato do cirurgião que salva a CRÍTICA: reduz o juízo de na negligência
observável; elemento externo e vida do paciente com o ilicitude à ausência de inconsciente, não existe
objetivo de um comportamento faquista que esventra a sua uma causa de justificação qualquer relação
voluntário. vítima) do facto típico, o que psicológica comprovável
constitui uma entre o agente e o facto,
CRÍTICAS: restringe de forma compreensão pobre e antes ausência dela;
inadmissível a base de toda a inexata do que vai -Esquece que, indepen-
construção (exclui, por completo, a implicado naquele juízo temente da verificação
omissão e as injúrias); do dolo/negligência,
existem circunstâncias
Como é que justificam? que devem excluir a
- A ação na injúria é a emissão de culpa, nomeadamente a
ondas sonoras dirigidas ao aparelho falta de consciência do
auditivo do recetor; ilícito ou a
- Na omissão releva como ação a inexigibilidade de outro
ação precedente – o movimento da comportamento
contração muscular para não agir.
ESCOLA FINALISTA
(WELZEL)
• Pensamento ontológico – o DP refere-se a valores ínsitos na realidade, independentes de subjetividade - A norma
penal deve estruturar-se a partir da realidade com significado ético-social, que existe prejuridicamente (factividade
humana como realidade prévia à configuração normativa) – o objeto condiciona o método
• O sistema vai ser construído com coisas lógicas e reais. Tem de começar por compreender a logica interna da
realidade, e só depois disso é que pode valorá-la.
AÇÃO TIPO ILICITUDE CULPA

- É apreciada objetivamente e - O juízo é meramente - O juízo é normativo (tem - Conceção normativa da


subjetivamente; descritivo e objetivo- por base a norma) e culpa - o juízo é
- Critica a doutrina causal da ação - a subjetivo. objetivo-subjetivo. meramente normativo,
vontade não pode ser separada do - Adotam a conceção do tipo - A ilicitude é não incorporando
seu conteúdo, sob pena de violação indiciador: o juízo é prévio à antinormatividade. qualquer elemento
do princípio da dignidade da pessoa ilicitude e implica a verificação - A ilicitude é a fusão do psicológico.
humana (só assim se garante o de que o objeto da proibição desvalor do resultado - Puro juízo de desvalor,
respeito pela pessoa, enquanto ser se verifica no caso em (contrariedade aos pelo agente ter agido de
capaz de agir livremente). concreto. valores protegidos pela maneira contrária ao
- Defendem a vinculação do Direito - Só da conjugação das norma - produção dos direito, quando lhe era
ao conceito de ação final - a vontade vertentes objetiva e subjetiva efeitos que a lei pretende possível proceder em
é uma especificidade do pode resultar o juízo de evitar) e do desvalor da conformidade com a
comportamento humano, que contrariedade da ação à ação (contrariedade ao ordem jurídica.
corresponde à condução (ou ordem jurídica (juízo de dever - desvalor - É um juízo negativo:
condutabilidade) para fins ou ilicitude). subjetivo). exclusão daqueles que
objetivos concretos previamente - Elemento objetivo: não são capazes de
selecionados (juízo objetivo e enquadramento legal. conduzir as suas ações
subjetivo). - Elemento subjetivo: de vontade com
- Ação como conceito pré-jurídico, verificação do dolo e da autodeterminação plena
ontologicamente determinado. negligência. São observados de sentidos.
- Exige uma ação final (real ou como objeto da valoração, só - Elementos passíveis de
potencial): a determinação causal de na ilicitude e na culpa se faz a excluir a culpa:
meios pelo agente para obtenção de valoração. imputabilidade,
um certo objetivo – processo consciência do ilícito e
orientado para a modificação do exigibilidade de outro
mundo exterior comportamento.
- Não se trata de analisar as
motivações do agente, mas sim o
processo causal por ele posto em
marcha culminando num
comportamento exteriorizador da
sua vontade.
- Negligência: finalidade potencial –
poderia ter existido no sentido de
evitar o resultado criminoso:
exprime um momento de controlo
sobre os atos; as ações reais e ações
possíveis são iguais na sua dignidade
ontológica (acaba por falar em ação
cibernética, como acontecimento
controlado e dirigido pela vontade).
- Omissão: há intencionalidade –
para atingir um fim não se
empregam factos causais.
ESCOLA NEOCLÁSSICA
(MEZGER, ENGISH, EDUARDO CORREIA)
• De base neokantiana, normativista; entendem que a representação da realidade é feita através das estruturas
lógico-racionais do pensamento, logo, uma representação naturalista da realidade não tem sentido, já que é o
sujeito que faz a realidade.
• Entendem que o dever ser é criado pelo sujeito, não sendo inferido (uma descrição) do ser: esta corrente de
pensamento situa o direito numa zona intermédia entre o mundo do ser e o mundo do dever ser, ou seja, no mundo
das referências da realidade aos valores, do ser ao dever ser e da axiologia e dos sentidos;
AÇÃO TIPO ILICITUDE CULPA

- A ação é um comportamento - Juízo normativo e objetivo – - O juízo é normativo (tem - Conjugam elementos
social relevante, ou seja, o valor da não inclui momentos de por base a norma) e de ordem psicológica
ação, para o Direito, depende da sua violação do dever (dolo e objetivo. (dolo e negligencia) com
relevância social (negação de negligência), ou seja, não - Identifica-se com: elementos normativos
valores). envolve a consideração dos danosidade social, de censurabilidade
- Relativizam o conceito de ação (= aspetos psicológicos do normativismo penal. ético-social do
omissão): não exigem uma comportamento (exceto em - É um juízo de valor que comportamento.
verificação no mundo exterior, casos excecionais, quando o define concretamente o - Conceção normativa da
bastando o significado social de próprio tipo inclui momentos permitido e o proibido. culpa (verificar se aquele
contrariedade ao direito. subjetivos, como a especial - Entendem que o facto é comportamento no
intenção, que ocorre por ilícito por estar em contexto social é
CRÍTICAS: exemplo no furto, em que se contradição com a passível de
- FD: continua a partir do conceito exige uma intenção de própria proibição penal censurabilidade ético-
mecânico-causalista da ação, apropriação da coisa alheia) que se deduz do tipo legal social).
esquecendo não ser aí que reside a - O significado social do (≠clássicos). -Elementos
essência do atuar humano. comportamento é aferido em A contrariedade do constitutivos:
- MFP: despreza a questão de saber função da tipicidade. A comportamento à ordem imputabilidade
qual é a estrutura comportamental tipicidade não é meramente jurídica é analisada (capacidade de o agente
que permite a analogia entre ação e indiciadora, antes conjuntamente com a avaliar a ilicitude do
omissão; opera um alargamento fundamenta a ilicitude (o tipo tipicidade: esta exprime facto e de se determinar
incomportável a comportamentos é a razão de ser da ilicitude). os critérios valorativos do por essa avaliação); dolo
que dificilmente são tidos como - Adotam a conceção do tipo proibido. A tipicidade é e negligência (formas e
voluntários. de ilícito/tipo como ratio antinormatividade. graus de culpa);
essendi: constatação prática - É o tipo legal que exigibilidade
de que os tipos não são fundamenta, por si, toda a (comportamento
descritivos; são a expressão de afirmação de valor adequado ao direito.
validações específicas do possível sobre o facto.
legislador penal na - As causas de justificação
incriminação. são elementos negativos
- Concluem que a tipicidade é do tipo.
o fundamento da ilicitude: a
tipicidade é a fonte da CRÍTICA: esquece ou
antinormatividade; é o minimiza a sua carga
princípio e o fim do juízo ético-pessoal; resultados
valorativo; inaceitáveis como a
- Unidade de sentido inclusão no dolo da
socialmente danoso, ausência de causas de
comportamento lesivo de justificação;
bens juridicamente impraticabilidade no
protegidos processo penal (prova no
- Crítica: não distingue âmbito do processo);
valoração e objeto da
valoração
TEORIA GERAL DA INFRAÇÃO
Uma Teoria geral da infração, baseada numa certa ordenação sistemática dos
elementos da definição de crime leva à referência das características do facto concreto
que justificam a sua qualificação como crime. Tais como:
• A intenção do agente;
• A verificação de uma situação de legítima defesa;
• A capacidade de motivação pela norma penal, a cada elemento da definição de
crime, a tipicidade, a ilicitude e a culpa.

Os princípios estudados no primeiro semestre levam a uma conclusão: todo o


DP é DP do facto, e não do agente. A aplicação das sanções liga-se a tipos de factos
singulares, e não a tipos de agente/pessoas. A parte especial do CP alude a tipos de
crimes, e não de pessoas, ou criminosos. Parte da exterioridade para a interioridade.
O ponto de partida é a verificação de que um bem jurídico-penal foi lesado ou colocado
em perigo, por uma atuação humana. As sanções aplicadas são consequências do
facto, e não reações quanto à personalidade do agente. Há aspetos da personalidade
que podem revelar na análise da teoria do crime, mas só quando forem relevantes para
determinar a reposanbilidade pelo facto, não são relevantes por si. Toda a doutrina do
crime serve o propósito de descobrir o facto punível. E esta construção desdobra-se
em vários degraus: ação (comportamento penalmente relevante), típica, ilícita,
culposa, punível. E para saber o que é crime temos de analisar todos os degraus. Só
passamos para o degrau seguinte se tivermos subido o anterior. Se não há ação não
pode haver tipicidade.

No primeiro degrau, o conceito de ação, vamos ver se há um comportamento


penalmente relevante.
O conceito de ação praticável tem de cumprir várias funções (sendo as duas
primeiras as mais importantes):
• Uma função classificatória/sistemática - tem de ser um conceito capaz de
abranger todas as espécies de atuações humanas relevantes para o DP. O
próprio juízo de ilicitude, isto é, de contrariedade ao Direito, não pode ser
concebido apenas como lesão de bens jurídicos (MOMENTO OBJETIVO DA
AÇÃO), mas tem de incluir um momento de contrariedade da vontade da ação
(MOMENTO SUBJETIVO DA AÇÃO), ao dever jurídico emanado da norma. E
a própria culpa pressupõe a censurabilidade do comportamento previamente
à censurabilidade da personalidade do agente. Só é culpa da pessoa na medida
em que seja referida a um facto censurável.
 Um conceito que abrangesse atuações de animais era um mau conceito.
• Uma função delimitadora – tem de ser um conceito que estabeleça a
fronteira entre o que queremos que entre para o Direito Penal resolver e o que
queremos que não entre – temos de deixar de fora tudo o que não possa ser
crime. Se for um conceito que deixa de fora a mera omissão é um mau conceito.
Se adiciona as intenções também é um mau conceito.
• Uma função objetiva - expressão do princípio da legalidade.
• Uma função garantística - expressão de segurança;

Na tipicidade queremos saber se a atuação do agente corresponde ao que está


descrito do tipo. Esta tem uma vertente objetiva e subjetiva. Podemos falar, portanto,
em tipo objetivo e subjetivo.
• Objetivo – começamos por analisar se preenche este. Devemos ter presente o
crime de resultado e o crime de mera atividade.
o Mera atividade – a consumação do crime (preenchimento integral do
elemento do crime), basta a realização do tipo. Ex.: basta conduzir em
estado de embriaguez.
o Resultado - é preciso que haja um acontecimento/evento que se
distingue no espaço e no tempo e que é imputável ao comportamento do
agente. No caso do homicídio, para se consumar é preciso que haja a
morte. A envia o bolo envenenado dia 1 a B em Lisboa, morrendo este dia
2 no Porto.

Consoante o crime seja de mera atividade ou resultado:


Nos crimes de mera atividade, para ver se o comportamento é típico, limitamo-
nos a ver se o que o agente fez é o que está descrito (conduzir em estado de
embriaguez, por exemplo).
Nos casos de crime de resultado tem haver um evento imputável ao
comportamento do agente. Temos de fazer oi juízo de imputação ao agente. Temos de
ver se o resultado pode ser imputado ao agente. Por exemplo, observar que a morte se
observou devido ao A ter disparado sobre ele.

• Subjetivo: a imputação pode dar-se a título de dolo ou negligencia.


Primeiro observamos a primeira; se não houver vamos ver se a segunda está
preenchida.
o O dolo (natural) tem dois elementos: o intelectual e o volitivo.
• Representação e a vontade da realização do tipo objetivo de ilícito.
O agente representa o tipo objetivo (representa que está a matar
uma pessoa) e tem vontade de realização do tipo (ele quer matar a
pessoa). Querer não quer dizer intenção.
o A negligência é a violação de um dever de cuidado.

Já a ilicitude, como contrariedade à ordem jurídica no seu todo, na prática é ver se


se aplica uma causa de justificação. Se se aplicar o comportamento não é ilícito, não é
proibido. A ilicitude está afastada.

Na culpa vemos se podemos censurar o agente por ter praticado a norma. Apesar da
prática do facto ilícito, ele pode não merecer censura, por exemplo por ser
inimputável, ou merecer ser desculpado por alguma razão.

AÇÃO PENALMENTE RELEVANTE


A ação corresponde a um comportamento externo minimamente controlável pela
vontade, ou seja, minimamente voluntário. Comportamento dominado ou
dominável pela vontade. Só pode ser ação aquilo que revelar o mínimo de
voluntariedade por parte do agente. Só assim se pode dizer que a ação é do agente. Se
eu não conseguir controlar minimamente uma certa ação então, em rigor, aquela ação
não é minha, até pode ser do meu sistema nervoso periférico, pode ser de alguma coisa
que aconteceu no meu corpo, mas se eu não consigo dominar minimamente então a
ação não será minha e, se não é minha, eu não posso responder penalmente por ela.
Ou seja, o que se exige da ação é apenas um mínimo de voluntariedade, apenas um
mínimo de controlo que permita com a ação seja do agente.

Para Maria Fernanda Palma : Conceito de ação surge para responder à questão de
saber a que realidade/objeto se referem as valorações do conceito de crime.
 É o quid valorável por um conjunto de juízos sucessivos que resultam na
definição de crime.
 É um referente conceptual ao qual se reportam as diferentes qualificações.
 A ação é a pedra angular do conceito de crime e sem ela todas as valorações
seguintes caem.
No entender da autora, a ação tem sido o conceito que exprime o pressuposto
básico da responsabilidade por culpa, condicionando o tipo de comportamento
que em geral pode ser designado como crime. Assim, este conceito cumpre esta
função, sendo uma questão fundamental do sistema penal, a garantia de uma
atribuição de responsabilidade baseada na autonomia dos destinatários das normas,
não se bastando com a legitimidade derivada da prossecução de fins preventivos, de
fins sociais, associada à proteção de quaisquer bens jurídicos. É um critério essencial
do sistema que faz depender a responsabilidade penal de uma ideia de autonomia e
responsabilidade pessoa.

Para Jakobs, só haverá ação quando o agente causa um resultado que era
individualmente evitável. Note-se que esse resultado – um efeito objetivamente
autonomizável da ação – pode ser de perigo (o perigo que se exige que exista para um
bem jurídico é, em si mesmo, um resultado – p.e. condução perigosa) ou de dano
(exige-se a lesão de um bem jurídico – p.e. homicídio). Quanto ao facto de este ser
“individualmente evitável”, tem de estar em causa um resultado que o agente, tendo
em conta a sua capacidade em concreto, pudesse ter evitado, no sentido de permitir
que se mantivessem as expectativas da sociedade quanto à vigência da norma.

Já segundo a linha de Roxin, que adota um conceito pessoal de ação, esta é vista
como expressão da personalidade, ou seja, tudo aquilo que pode ser imputado a um
homem como centro de ação anímico espiritual. A ação é controlo do eu – algo que
ainda seja uma manifestação do agente.
• ação reside numa expressão de personalidade em que se abarca tudo aquilo que
pode ser imputado a um homem como centro de ação anímico-espiritual.
Conceito que preenchia todas as funções, mas muito criticável, para FD:
o O comportamento só pode muitas vezes, sobretudo ainda uma vez no
campo da omissão, constituir-se como “expressão da personalidade” na
base de uma sua prévia valoração como juridicamente relevante, também
aqui se antecipando, nesta parte, a sua tipicidade e perdendo o conceito,
nesta precisa medida, a sua função de ligação.
o Não parece seguro que o conceito pessoal de ação possa cumprir
capazmente a sua função de delimitação, uma vez que não é o conceito
apriorístico de ação que cumpre a função de delimitação, antes são os
resultados da delimitação que se reputam corretos, as mais das vezes
obtidos em função das exigências normativas dos tipos, que depois vão ser
atribuídos ao conceito, ao seu conteúdo e aos seus limites

Até onde se pode aceitar a qualificação de um comportamento como ação?


Pensamentos, desejos são ações? Tendo como princípio uma objetiva factualidade
não. Não há a exteriorização num facto que coloque em causa bens jurídico-penais.
Nós temos um direito penal do facto. Por razoes que se prendem com a dignidade
humana, nomeadamente com o princípio da culpa, tem de haver um mínimo de
domínio para ser ação penalmente relevante punível. Se a pessoa não teve o domínio
não é possível formular um juízo de censura.
A doutrina tradicional diria que os pensamentos para o direito nunca seriam ações,
mas se entrarmos no campo da filosofia da ação há quem admita que certos estados
mentais possam ser qualificados como ações.

Numa conceção naturalista os pensamentos não são ações, não estão associados a
comportamentos musculares, exteriores, mas é difícil dizer que enquanto estados
psicológicos são de facto ações. Podem ser em parte ações.

O finalismo quando descreve a ação como antecipação mental do resultado final não
prescinde de incluir o dolo, a representação e vontade da realização do facto, em parte
da ação, não é algo exterior à ação. É uma condição derivada de uma condição
subjetiva da própria orientação, da finalidade do comportamento.

Portanto, é certo que os pensamentos não são ações, mas num certo sentido são parte
de ações, mesmo que entendemos a ação num sentido exterior.

O art.º 20º CP prevê a incapacidade de culpa por anomalia psíquica. Se


olharmos ao 20º/4 verificamos que não deixa de existir responsabilidade por culpa se
o agente preordenar o seu comportamento para a prática de um crime – ação livre
na causa. A pessoa pode estar embriagada, mas coloca-se nessa situação para pré-
ordenadamente praticar um crime. O agente é livre no momento em que cria as
condições. É fundamental para que haja facto típico um momento anterior em que o
agente se coloca nesse estado. Isso é criar ações, mas não a ação central (por exemplo,
matar). Dizer, de todo, que os estados mentais não fazem parte do conceito de ação
não é verdade.

Face ao exposto, ficam de fora não só os meros pensamentos como as questões de


coação física insuperável. Vejamos:

1. Comportamentos sob coação física


Imagine-se que A empurra B para um lago, que por sua vez acerta em C. Não houve
uma ação penalmente relevante por parte de B (mas sim de A). O corpo foi utilizado
como projétil, instrumento - aquele agente não cometeu uma ação jurídico-
penalmente relevante, não existe nenhum comportamento relevante. Não há sequer
ação. Isto aplica-se igualmente às omissões (se um paralítico fica a ver a filha a ser
violada não há ação relevante, porque não se pode levantar, mas se passa alguém e ele
não pede por ajuda então já há ação penalmente relevante).
Não se confunda os casos de coação física insuperável com os casos de coação moral
– estes são considerados ações, ainda que o agente possa vir a não ser sancionado. A
coação moral é sempre superável, há sempre uma possibilidade mínima de domínio -
através de atos de heroísmo, por exemplo, decidindo não ceder à coação. A coação
moral/psicológica coloca um problema de responsabilidade num plano de conflito de
valores.
• Se A empurra B contra uma montra, o B não pratica uma ação penalmente
relevante. Mas se A o ameaça com a vida do filho, de modo a este partir a
montra, neste caso há coação moral havendo uma possibilidade mínima de
domínio. Isto aplica-se igualmente às omissões (se um paralítico fica a ver a filha
a ser violada não há ação relevante, porque não se pode levantar, mas se passa
alguém e ele não pede por ajuda então já há ação penalmente relevante).
• Imagine-se um caso em que ao agente lhe é exigível que escolha de acordo com
o direito, por exemplo a pessoa é ameaçada de uma denuncia da prática sexual,
sobre a sua honra; embora muito difícil para a pessoa, não estamos numa
situação se absoluta exigibilidade.
• Depois há situações em que a pessoa é ameaçada de morte se não colocar uma
bomba nas instalações da polícia: há um conflito de valores – vida contra vida
– não podemos dizer que há uma prevalência de uma sobre as outras, mas a
pressão colocada sobre a pessoa podemos dizer que é enorme; nessas situações
de coação extrema, é muito difícil analisar se o agente é desresponsabilizado;
uma causa de justificação não há, porque o valor vida em conflito é idêntico;
claro que aqui há sempre ação.
 ANTHONY KENNY (filósofo inglês) – nestes casos o agente sob coação
tem de um lado o diabo e do outro o profundo mar azul; o agente é
colocado perante um dilema moral; ou comete o crime (entrega-se ao
diabo), ou aceita as consequências de não cometer (o mar azul, o
precipício), ANTOHNY diz que não devemos subtrair à lei esse conflito.

Nas situações de coação moral não podemos dizer que há ação, porque há sempre
margem de liberdade, há uma possibilidade mínima de domínio.
Caso:
Num belo dia de Verão, A e B encontravam-se a conversar à beira da
piscina, quando, subitamente, uma vespa picou A num braço. A sacudiu
bruscamente o braço, empurrando B. Esta caiu na água em cima de um
banhista, causando-lhe uma lesão na coluna que o deixou paralítico (v.
artigos 144.o e 148.o do CP).
B realizou um comportamento jurídico-penalmente relevante? E A?

Não pode ser considerada ação penalmente relevante um pensamento, por exemplo,
porque não há a exteriorização num facto que coloque em causa bens jurídico-penais.
Nós temos um direito penal do facto. Por razoes que se prendem com a dignidade
humana, nomeadamente com o princípio da culpa, tem de haver um mínimo de
domínio para ser ação penalmente relevante punível. Se a pessoa não teve o domínio
não é possível formular um juízo de censura. Ficam de fora não só os meros
pensamentos como as questões de coação física insuperável. Como é o caso de B
no nosso caso prático. Não se confunda os casos de coação física insuperável com os
casos de coação moral – se A empurra B contra uma montra, o B não pratica uma
ação penalmente relevante. Mas se A o ameaça com a vida do filho, de modo a este
partir a montra, neste caso há coação moral havendo uma possibilidade mínima de
domínio. Isto aplica-se igualmente às omissões (se um paralítico fica a ver a filha a ser
violada não há ação relevante, porque não se pode levantar, mas se passa alguém e ele
não pede por ajuda então já há ação penalmente relevante).
Também não podem ser ações penalmente relevantes os atos reflexos: ex. medico
bate com o martelo no joelho do paciente e imediatamente o paciente dá um pontapé
no medico. Os atos reflexos têm uma natureza fisiológica, não há uma manifestação
da vontade. Pelo que não há comportamento penalmente relevante. Aqui ainda a
consciência comanda, ainda é a consciência, o cérebro, que ordena, mas a pessoa, pela
prática, podia adotar outro comportamento (diferente dos impulsos, em que já não há
interferência da consciência). Assim, relativamente a, não estaríamos perante um ato
reflexo.

Casos mais complicados, de fronteira:


1. Atos reflexos
São reações imediatas em que não intervém a consciência, pelo que não são ações -
são atos em que intervêm aspetos periféricos do sistema nervoso, em que o cérebro
apenas superficialmente intervém. Trata-se de comportamentos consistentes numa
resposta mecânica, automática, a estímulos sensoriais reação fisiológica,
não há uma manifestação da vontade: medico bate com o martelo no joelho do
paciente e imediatamente o paciente dá um pontapé no medico.
São assim, comportamentos compelidos por uma força física irresistível em que está
fora de causa qualquer comportamento voluntário - Todas as pessoas fazem igual, sem
exceção, pois é biológico a reação a estímulos. Aqui não há uma aprendizagem pelas
ligações nervosas, como acontece com os automatismos.
O estímulo, sendo suscitado, desencadearia um reflexo, seria uma reposta automática
dos músculos, que afetaria uma parte periférica do sistema nervoso, apenas a espinal
medula, e não o encéfalo. A resposta automática não envolveria a consciência.
 Atos reflexos inatos – por exemplo, a sucção ao mamar por parte do bebé,
quando nasce.
 Atos reflexos não inatos – por exemplo, tirar a mão de uma vela a arder;
coloca a mão, ao sentir-se a mão a queimar tira-se repentinamente. O estímulo
é o que foi equacionado pelo agente como o problema que tem de resolver.

Distinguem-se dos atos instintivos/impulsos – atos em que há uma possibilidade,


ainda que remota, de controle. Há um querer primitivo, e uma possibilidade de
inibição pelo agente. O agente pode “treinar” para não reagir de determinada forma.
O que aqui intervém é um fator inato que atua a um nível inferior de consciência. A
doutrina tende a admitir que há ação penalmente relevante. Alguns dizem que
depende dos casos. O critério sujeito a discussão é o de ROXIN – o conceito
pessoal de ação – há ação sempre que tivermos algum tipo de expressão ou
manifestação da personalidade. MFP – o que queremos saber é se há uma ação
humana. O comportamento só é expressão de uma pessoa se o adotou de modo
consciente. Há uma ação consciente quando as regras da linguagem social permitam
descrever assim o comportamento – acontece quando conseguimos perceber que o
comportamento do agente ainda pode ser descrito como estando a ser guiado
racionalmente tendo em vista a prossecução de certo fim. Quando há
previsibilidade é que temos uma ação penalmente relevante.

A psicologia e a filosofia da psicologia pensaram nisto dos atos reflexos. John Dewey
coloca em causa o ato reflexo como estímulo-resposta. Na sua obra “O conceito de
arco reflexo”, procura demonstrar que não há um esquema mecanismo de estímulo
exterior – resposta. A chamada resposta não é ao estímulo, mas está nele; isto é, em
vez de uma mecanicidade, o processo é uma solução dada pelo agente a uma
interpretação dada ao exterior, sendo o sistema sensorial variável e dependente de
uma experiência anterior do agente e das suas preferências - assim a resposta ao
estímulo não é mecânica, não é causal, é final. O estímulo conduz uma reação.

Exemplo: Brincadeira de Verão na praia


“A” está a apanhar banhos de sol e encontra-se a escaldar e, não se sabe o motivo, ele
tem uma faca na sua mão. “B” vem por trás de “A” e manda-lhe com um balde de água
gelada, apanhando “A” de surpresa. Devido ao choque térmico, “A” espeta a faca na
pessoa que se encontrava à sua frente, acabando por a matar ou causar-lhe uma ofensa
à integridade física grave.
Pergunta: “A” praticou, ou não, uma ação?
Resposta: Trata-se de um ato reflexo. “A” recebe um choque térmico e ao nível do
sistema periférico esse choque provoca um estímulo muscular, não houve sequer
intervenção do sistema nervoso central de “A”. No caso de, por exemplo, o martelo no
joelho, as terminações nervosas que se encontram no joelho receberam um estímulo
e reagiram logo, imediatamente. Não há nada neste caso que invoque o envolvimento
do agente enquanto centro anímico e psicológico (como acontece nos atos reflexos).
Ou seja, não há o mínimo de controlo pela pessoa relativamente aos atos reflexos e
sendo assim, não poderão ser considerados ações penais.

2. Automatismos
Os automatismos são atos adquiridos pela experiência e pela repetição, controláveis
normativamente, como falar, conduzir, etc. As ações tornam-se inatas - a pessoa
já faz os atos sem refletir, porque a pessoa interiorizou-os pela prática. A
pessoa não estará a refletir conscientemente sobre o que está a fazer, mas ainda assim
parece fácil achar que há uma ação. Correspondem a um domínio do corpo sobre a
vontade, dependente do grau de previsibilidade da situação ou do estímulo que suscita
o ato. Não podemos interpretar um automatismo como expressão da pessoa quando
ele seja uma reção a um estímulo imprevisível – não há ação motivável, aqui é o corpo
a motivar. Por exemplo, ao estarmos a falar não temos exatamente consciência da
palavra que vãos dizer a seguir à outra.

O automatismo não é, como no ato reflexo, uma atuação sem vontade e


biologicamente comandada pela espinal medula, ele tem uma finalidade. O
comportamento está dirigido para uma finalidade e são adquiridos/treinados atos
necessários para a atividade final.
➢ Podem ser impulsivos – resposta a situação que o agente não controlou
➢ Situações que o indivíduo começou e não consegue parar/interromper – pessoa
não é suficientemente livre para parar o comportamento automático. É
comportamento adequado a certo contexto de resposta.

O problema está quando o chamado piloto automático se sobrepõe ao controlo do


próprio agente: tem-se entendido que, nestas situações, há um comportamento final.
Estes comportamentos são comportamentos humanos, finais, enquanto peças de um
comportamento global, não requerendo a consciência, surgindo em modo piloto
automático – o agente não consciencializa, não conduz passo a passo o seu
comportamento. Relativamente a estes comportamentos, MFP entende que muita da
explicação do arco reflexo que DEWEY dá podia integrar estes comportam-tos, em
parte – a diferença é que alguns comportamentos integrados no arco reflexo não são
produto de uma experiência de aprendizagem, mas apenas de uma experiência
anterior, mas que nada a ver com os comportamentos intencionais, como andar,
escrever, falar, são produto de uma experiência quase adaptista, de adaptação ao
mundo.
Uma questão que se levanta a propósito dos automatismos é a de saber se, nos casos
em que o automatismo intervém em lugar do comportamento controlado pela
consciência, existirá ou não ação; ou seja, se em atos desta natureza existirá ainda o
substrato comportamental exigido. É pacífico na doutrina que tem de haver uma
direção mínima do agente conducente àquele resultado, tem de haver uma aceitação
do risco para que se possa falar numa ação.

Os automatismos são geralmente mais complexos e, prima facie, parecem não ser
controláveis, mas, num segundo momento, percebe-se que poderão ser controlados
pela intervenção da consciência. Estão preparados para um agir final mais rápido,
mais eficaz. Os automatismos são ações finais (na teoria de WELZEL), pois para os
finalistas a finalidade da ação não exigiria uma consciência reflexiva e controladora
de todo o desenrolar de um comportamento.

➢ Para Stratenwerth existe ação independentemente de se poder identificar


qualquer estado de consciência ou de afirmar a possibilidade de uma
intervenção controladora da consciência, desde que se possa reconhecer
uma dirigibilidade inconsciente, ou seja, desde que o processo global
(é um comportamento global dirigido a uma finalidade), em que o ato
se enquadre, esteja determinado ou seja explicável pela experiência,
relacionada com a situação e eventualmente acessível a uma dirigibilidade
consciente.
 Assim, esta doutrina entende que, mesmo inconsciente, há um dirigismo
na vontade – pode haver uma dirigibilidade inconsciente e a consciência
não é necessária para que haja ação final - Se a dirigibilidade é
inconsciente, ela podia ser consciente (há ainda uma certa condutibilidade
para atingir um resultado), logo, estamos perante uma ação.

➢ Para Jakobs, seria já a evitabilidade do comportamento, ou seja, o agente


teria de poder evitar o automatismo para que ele tivesse relevância
penal - teria de haver possibilidade de um controle (reconhecível pelo agente)
do automatismo pela consciência.
 Há automatismo se a consciência não consegue intervir. Havendo
possibilidade de a consciência intervir na ação.
 Relevância do automatismo como independente da globalidade da ação -
Secciona o comportamento do agente em partes e há uma “partezinha” do
comportamento que não é ação pois a consciência do agente não
conseguia intervir.
Relativamente aos automatismos, MFP diria que há três posições:
 Tradicional: automatismos não são ações - se a pessoa esta a agir sem
intervenção da consciência são muito próximos dos atos reflexos. Não
havendo consciência não há ação. MFP acha que está ultrapassada, se não
conduzir não seria uma ação.
 Automatismos são sempre ações – aos automatismos preside uma
finalidade e são condutíveis pela vontade. Haveria uma condução, ainda que
inconsciente.
 Menos extrema: Automatismos podem ser ações, mesmo que não
haja consciência, sobretudo se forem altamente intencionais e se forem uma
reposta a partir da própria experiência pessoal do agente e até controláveis
pelo agente (quando uma pessoa conduz coloca-se num estado automático,
mas a todo o tempo pode interromper, se é um condutor diligente).

Quando é que os automatismos podem ser interrompidos? Quando a pessoa está a


orientar/conduzir o processo embora usando os automatismos, mas com a necessária
vigilância sobre si próprio, é muito frequente quando o agente se encontra em
situações imprevisíveis – por exemplo, pessoa vai conduzir numa estrada sem
nenhum obstáculo perturbador de uma condução normal, e, de repente, sem aviso,
encontra num dia que até nem é de temporal vai encontrar óleo. Se não havia
nenhuma advertência, nenhum sinal, o automatismo foi desencadeado para conduzir
a certa velocidade numa estrada que permitiria essa destreza e o agente nesse modo
automático não pode prever, evitar (MFP diria que nestas situações estaríamos
perante um comportamento que não merece ser considerado como ação). Se há um
sinal e o agente nada fez, aí o seu comportamento dever ter a relevância de uma ação.

Caso “A mosca” – condutor que viajava no verão numa estrada campestre e entrou
uma mosca, descontrolando-se faz um movimento brusco, obrigando-o a tirar as
mãos do volante, fazendo guinar o carro para o outro lado, provocando um acidente.
Entende-se, contrariamente ao tribunal, que aí ainda assim havia a tal previsibilidade
– numa estada campestre, no verão, devia-se conduzir com as janelas fechadas; é um
comportamento que se deve ter devido ao perigo. Mas talvez seja um pouco
desproporcional.

Neste caso Stratenwerth via ação; Jakobs não. A grande questão é se, havendo
automatismos, as consequências desses atos ainda são parte integrante deles mesmo.
➢ Se se entender globalmente, há ação, pois as consequências são ações.
➢ Seccionando, há automatismo, aquela “partezinha” que não se controla

MFP: A consciência do ato no sentido mais racionalizado não é critério de


voluntariedade nos comportamentos automáticos, embora seja sustentável a
permanência de um nível baixo de consciência pois será sempre difícil anular a
presença da consciência em atos que se integram num processo dirigido para fins
escolhidos pelo agente. Uma verdadeira causalidade de estados de consciência é
questionável e o entendimento comum do que é voluntário e intencional não depende
desses estados mentais terem tido uma efetiva existência causadora de movimentos.

➢ Para MFP (tem uma posição intermédia), os automatismos não poderão


ser considerados ações (passíveis de responsabilidade penal) onde não
exista desde logo uma reconhecibilidade dos atos como elemento do
processo de um comportamento globalmente final e que é assumido
pela pessoa como sua expressão. A imprevisibilidade de um estímulo não
permitirá orientar a ação que lhe dá resposta para a direção contrária; assim,
torna-se critério a previsibilidade do estímulo externo e a sua
contextualização para aferir se é ou não uma ação. Um comportamento só é
minimamente voluntário se a pessoa podia ter feito outra coisa, ou seja, um
comportamento é uma ação se houve a possibilidade de o agente dirigir o
comportamento de forma consciente - critério da previsibilidade +
evitabilidade.
 A concreta impossibilidade de o agente prever a situação que explica o ato
afasta a relevância como ação dos automatismos, porque não permite
vislumbrar um comportamento motivador.
 A imprevisibilidade de um desencadeamento da conduta automática é
manifestação que o automatismo não é elemento integrante da conduta
global final em que surge como uma intromissão inesperada.
 No entanto, MFP resolve o caso da mosca afirmando que não era
imprevisível que tal acontecesse - estrada campestre, no verão, devia-se
conduzir com as janelas fechadas; é um comportamento que se deve ter
devido ao perigo -, estando perante uma ação final.

Assim, MFP não exclui que os automatismos podem ser ação (Stratenwerth),
mas exclui de classificar como ação um automatismo em que há tempo para a
consciência intervir (Jakobs), pelo que os critérios não são incompatíveis.

A fronteira entre o automatismo que é integrável numa conduta voluntária e aquele


que corresponde apenas a um domínio do corpo sobre a vontade há de depender do
grau de previsibilidade da situação ou do estímulo que suscita o ato - Nos
casos de total imprevisibilidade tem de se retirar o comportamento automático do
conjunto.

Ex: empurro X para a piscina e X morre porque é comido por crocodilos que estavam
lá dentro. Só é ação realmente relevante para o Direito Penal se entre o momento do
empurrão e a queda eu soubesse que estavam lá crocodilos e pudesse ter puxado x. O
agente poderia ter representado aquele fato antes de atuar? Se sim há ação.

Nota: Roxin defende um conceito abrangente de ação - conceito pessoal de ação.


Nesta medida, o automatismo é sempre ação porque demonstra sempre
personalidade.

Exemplo: Caso do Supremo Tribunal Espanhol


José encontrava-se numa taberna onde havia uma pipa. O vinho acabou-se e ele foi à
pipa servir-se de mais. Ao mesmo tempo aparece um sujeito que ao ver José inclinado
na pipa, agarra-lhe os genitais com o objetivo de lhe fazer uma partida. José,
apanhado de surpresa, vira-se com a caneca e dá-lhe com esta na cabeça, matando-o.
Nestes casos, estamos perante um instinto de proteção que serão mecanismos
de defesa. Sendo mecanismos de defesa o ato será do agente, logo será uma ação.
Pode não ser crime, mas é uma ação.

Critério da Profª Maria Fernando Palma: Critério da previsibilidade do estímulo


externo.

Este critério baseia-se na previsibilidade relativamente ao estímulo externo que


provoca o automatismo. O automatismo será então um certo comportamento
realizado sem reflexão. A pessoa não faz nenhuma reflexão, nem sequer pensa
sobre o mesmo. Este só será praticado pois existe uma aprendizagem prévia ou uma
capacidade prévia que o permite realizar. Assim sendo, será necessário ver se o
estímulo externo que provocou o automatismo era previsível. É preciso
saber se existem um mínimo de vontade/controlo, tendo por base a
previsibilidade do estímulo externo.

Quanto ao José, o estímulo que o levou a ter o automatismo também não seria
previsível. Só se, por exemplo, aquela brincadeira fosse a maneira com que se
cumprimentavam. Atos como os que, por exemplo, realizamos na condução resultam
de aprendizagens prévias. Mas atos defensivos como no caso do José, não é
propriamente uma aprendizagem que este terá realizado ao longo da sua vida, mas
sim algo que lhe está inscrito na genética dele, na genética da própria pessoa. O
automatismo será um ato automático que se faz sem refletir e que resulta de uma
aprendizagem prévia. Alguns serão considerados ação, outros não.

Concluindo, o critério da Profª MFP, relaciona-se com a ideia da previsibilidade do


estímulo externo, critério que possui uma lógica -> assim que for possível prever
o estímulo externo já há potencialidade de controlo. A pessoa já tem algum
controlo, alguma forma de poder controlo a solução de forma a evitar um resultado
danoso. Logo, o que neste critério temos de ver é se, na sequência do acontecimento,
se tudo aquilo é coerente (desde o princípio ao fim). Há aqui uma ideia de
potencialidade do controlo – o observador externo que estivesse a olhar para isto,
desde o primeiro momento diria que se estava mesmo a ver que iria acontecer o que
realmente aconteceu. Desde o início houve potencialidade de controlo por parte do
agente. Nada surgiu como imprevisível. Se fosse realmente imprevisível não
haveria potencialidade de controlo.

Critério do Prof Roxin: Critério da manifestação da personalidade.

Para este professor, o automatismo, e qualquer outro comportamento que estamos a


analisar neste contexto, só serão uma ação se forem uma manifestação da
personalidade da pessoa. Disto resultado que quase todos os automatismos são
ações, visto que quase todos os automatismos são manifestações da vontade da pessoa
pois grande maioria deles são atos defensivos que a própria pessoa utiliza para se
defender. Ou seja, se o automatismo for um ato de defesa então, por definição, será
uma manifestação de personalidade. Isto não significa que o professor Roxin
considere estes automatismos crimes, sendo que apenas ainda estamos a analisar a
questão de saber se é uma ação ou não. Este critério deixa um campo muito mais
aberto para o Direito Penal agir uma vez que inclui quase tudo. Esta ideia de prof é
útil para as situações que são manifestamente ações dos estados emotivos violentos
(atos passionais). Nos atos passionais este critério serve muito bem, pois para os casos
em que aquele que matou outro porque “estava fora de si” e que afirma que quem
matou não foi ele, mas “a raiva, ódio, …” o critério diz “Ok, eu de facto acredito em si,
e terá sido o ciúme/raiva/… a matar, mas de quem é o ciúme? De quem é o estado
emotivo que o leva a praticar tal ato?”. Estes sentimentos como o ciúme ou a raiva
serão uma manifestação da própria personalidade do agente, logo será um ato do
próprio agente e consequentemente, uma ação.

3. Sonambulismo e hipnotismo - casos de inconsciência

A consciência é essencial para o conceito de ação?

Quando se fala em consciência pensa-se:


• num fenómeno qualitativamente denso, humana, como o reconhecimento de
si numa situação e na continuidade do si mesmo na sua vida, e no
conhecimento a posteriori; ou
• Mera representação, epifenómeno;
A partir dos anos 80 do seculo XX a consciência seria associada a uma espécie
de potencial preparação do cérebro. A pessoa antes de agir já haveria uma atividade
cerebral como motor da decisão, pelo que a consciência surgiria depois da
preparação do próprio cérebro

Os casos mais discutidos são os do sonambulismo e do hipnotismo

Tanto no sonambulismo como no hipnotismo há uma consciência no sentido estrito


– eventualmente até uma representação de si mesmo, mas não há uma continuidade,
ou porque a pessoa está a dormir ou dominada pela mente alheia.
Não se pode falar numa consciência qualitativamente densa, com uma representação
de si própria e o conhecimento de autoria, características dos fenómenos fortes da
consciência, exigíveis para a reposanbilidade.

A questão em torno dos sonambulismos e hipnotismos trata de saber até que ponto as
ações durante a hipnose e o sonambulismo podem ainda ser expressivas de uma
vontade do agente - na medida em que estando a pessoa numa situação de
alteração do seu autocontrolo não está em igualdade de oportunidades e
condições como uma pessoa que está no seu estado normal.

Relativamente ao hipnotismo, os autores tendem a aceitar que inexiste ação


penalmente relevante. Há quem não acredite em estados de hipnose, afirmando que
há sempre consciência. ROXIN entende que as pessoas neste estado de consciência
limitada não iriam fazer coisas que não fariam numa situação de normalidade (não
controladas pela mente alheia). Há uma certa responsabilização pela
personalidade. Apesar de Roxin considerar que a prática de certos factos
criminosos sob hipnose seria impossível para certas pessoas – sendo-o somente para
quem fosse capaz de cometer esses atos em estados conscientes.
➢ Hipnotismo – a maior parte da doutrina acha que há ação
penalmente relevante. Há quem diga que são comportamentos adaptados
ao mundo exterior. Há quem acredite que não se trata de casos de hipnose, mas
sim de consciência. Outros -ROXIN - que os hipnotizados nunca vão fazer nada
estranho à sua personalidade, que não fizesse num estado normal.

Quanto ao sonambulismo, a doutrina tende a entender que não existe ação


penalmente relevante. Para Roxin, não há uma manifestação da personalidade,
pois o agente está a agir num mundo que está na sua cabeça, ou seja, não está a
interagir com o mundo exterior.
Há um caso canadiano em que um homem matou os sogros numa situação de
sonambulismo – os tribunais acabaram por excluir a responsabilidade, tentando
explicar que não havia nenhuma inimizade, que não era correspondente aquele
comportamento ao seu eu habitual, ao seu caráter, e claro, que sofria de
sonambulismo.
As pessoas num estado de sonambulismo praticam ações com sentido. Quando são
interrompidos é como se alguém os tivesse a acordar, vendo-o como uma ameaça,
obrigando o agente a reagir.
Para MFP, inexiste aqui uma vontade do agente, a não ser nas situações em que
o próprio agente se coloca nesse estado de sonambulismo ou hipnotismo para
alcançar o seu fim; assim, por força do art.º 20º/4 CP, não deixa de existir ação
(actiones liberae in causa) - O agente tem de querer utilizar intencionalmente o
estado em que se colocou.
Actiones liberae in causa - Só são fundamentalmente ponto de apoio da resposta
penal quando elas são deliberadas, justificando a responsabilização penal dos agentes
que dolosamente se tivessem colocado num estado de falta de consciência.
A ação é anterior ao decidir colocar-se nessa situação. Vem admitir-se que a
responsabilidade penal pode assentar em momentos anteriores, pois na realização
dessas condutas persiste ainda uma dimensão da vontade e nelas se espelha o
desenvolvimento corporal e automático, característico da ação humana, de uma
orientação final global da conduta.

➢ Sonambulismo – aplicando o critério de Roxin, o movimento não é


correspondente ao mundo exterior, pelo que não é ação. FD também acha que
não há ação, mas não desenvolve. MFP não podemos qualificar como ação
certos factos em que a pessoa não domina o corpo, a não ser previsível que
aquela situação fosse ocorrer, caso a pessoa se pôs nessa situação igual (ex.:
homem tem sonhos com a mulher e coloca um bastão à cabeceira da cama. Se
não tira o bastão e quando tem outro sonho bate na mulher, então há ação).
Outro ponto: questão da igualdade – se acharmos que aqui há ação, estamos a
colocar os sonâmbulos em pé de igualdade com as pessoas acordadas, em que
estão numa situação dita normal.

O problema que se coloca tanto no sonambulismo como no hipnotismo é que


estando a pessoa numa situação de alteração do seu autocontrolo não está em
igualdade de oportunidades e condições como uma pessoa que está no seu estado
normal.
MFP alude ao seguinte caso real: um individuo com tendências pedófilas que foi
drogado e levado para um hotel com uma criança, onde ele abusou da criança. Foi
discutido se ele o fez uma vez estando drogado e tendo essas tendências. O argumento
que se colocava é que isso é uma questão de carater (ROXIN), tendência, pelo que
tinha sempre de ser responsabilizado.
➔ Não há verdadeiramente liberdade de escolha? É verdade que a pessoa se calhar
em estado normal também agiria fazer o que fez, porque tem essa compulsão,
mas o problema é este agente não ser colocado no mesmo plano do agente que
não está drogado, manipulado – é uma questão de igualdade. Desde logo, se for
radical, não se pode dizer que não há ação.

4. Casos de perturbação da consciência por substâncias (álcool e


drogas)

Em princípio o CP afasta, implicitamente, esse tipo de casos, e coloca-os na


capacidade de culpa do agente – art.º 20º. Essa é uma questão de culpa, e não de
ação. O problema é colocado na capacidade de motivação pela norma. No entanto,
nos casos do art.º 20º/4, não se exclui a capacidade de culpa, pelo que não deixa de
existir, manifestamente, ação.
Mas se o agente não quis, intencionalmente, utilizar o estado em que se colocou,
sendo, porém, previsível que a situação ocorreria, também aí não deixa de existir
uma relação de entendimento entre a atuação final da pessoa e a atuação daquele
estado.
Por outro lado, para o CP existem situações como o 295º, em que aparentemente
não se considera que o agente sobre o efeito dessas substâncias, enquanto pratica o
crime, possa agir verdadeiramente (ele não consegue orientar o seu
comportamento). O 295º diz-nos que há um crime que só existe quando da situação
tenha surgido a prática de um ato típico ilícito. O CP pressupõe que não há
capacidade de culpa (o agente é inimputável porque não consegue orientar o seu
comportamento, não podendo ser punido pela prática desse ato típico e ilícito), mas
há um outro crime, o crime de embriaguez ou consumo de substâncias, pelo que
aqui há ação, e o agente será punido nos termos do art.º 295º. Mas mesmo este
problema é limítrofe quanto ao problema da ação e da culpa – o problema que
subsiste é saber se a pessoa comete aquele crime nos casos em que decorreu o facto
típico principal num estado de completo descontrolo. MFP diz que é preferível ir
pela culpa, de modo a percebermos a norma do CP, porque se não houvesse ação
seria confuso estabelecermos a prática do crime.
Do ponto de vista da ação pode haver situações de embriaguez gravíssima e extrema
que pode excluir a ação (MFP), sendo certo o Código Penal não advertir a esta
posição.

De acordo com a teoria de ROXIN (conceito pessoal de ação), ainda há, no estado de
embriaguez uma manifestação da personalidade, logo há ação.

➢ Embriaguez – às vezes fala-se em embriaguez normal e embriaguez sem


sentido. Aplicando o critério de Roxin, em todos os casos de embriaguez, desde
que possamos descrever uma sequência de comportamentos com significado,
ainda percebendo daí uma finalidade, ainda que inconsciente, então ainda há
uma expressão da personalidade (ex.: bêbedo pega nas chaves do carro, pega
nele e vai conduzir, mesmo que seja aos ziguezagues). Agora se for sem sentido
já não (ex.: pega nas chaves e cai logo para trás, no chão).

Art.º 20º/4 vs. Art.º 295º:

Caso: “A” é epilético e não toma os comprimidos durante 3 dias para


poder ter um ataque de epilepsia. Ao 4º dia vai colocar-se na loja de
loiças, porcelanas e cristais do seu inimigo Bento. Tem um ataque de
epilepsia e parte aquilo tudo.

Pergunta-se o seguinte: se nós dissermos que os comportamentos praticados


durante um ataque de epilepsia não são ações penalmente relevantes, visto que
existe um desencontro entre a pessoa e o seu corpo então essa pessoa não será
punida face ao referido.

Neste caso temos de averiguar as ações livres na causa – estas correspondem a


ações em que o agente de forma intencional se coloca num estado de falta de
consciência.

No nosso caso prático estamos face a um desses casos, o agente instrumentaliza-se


de forma a partir as loiças do seu inimigo. Face ao artigo 20º/4 do CP, a
inimputabilidade não será excluída apesar de haver uma falta de consciência por
parte do sujeito. Este artigo está pensado para a inimputabilidade, situação em o
agente se coloca num estado em que é incapaz de entender o significado dos seus
atos e de se determinar por essa consciência.
De acordo com o artigo 20º a inimputabilidade será a incapacidade de conseguir
perceber o significado dos seus atos e de se determinar pela consciência do
significado dos seus atos – o agente não consegue perceber que o que está a fazer é
errado e por isso não se consegue determinar pelo lícito ou ilícito.

Nos termos dos números 2 e 3 do art.º 20.º do CP, pode ser declarado inimputável
quem, por força de uma anomalia psíquica:
• Grave;
• Não acidental;
• Cujos efeitos não domina;
• Sem que por isso possa ser censurado;Tem, no momento da prática do facto, a
capacidade para avaliar a ilicitude deste ou para se determinar com essa
avaliação sensivelmente diminuída.

Nestes casos, o agente tem, no momento da prática do facto, capacidade para


percecionar que o ato é ilícito e para se determinar com essa avaliação sensivelmente
diminuída. Só que devido à aludida anomalia psíquica, a perceção (avaliação) da
ilicitude do ato é de tal forma diminuída que se lhe não pode censurar o não ter
optado por conduta lícita. Nesta situação, devido à anomalia de que padece o agente,
não faz sentido, nem tem utilidade – relativamente a ele próprio e à comunidade em
geral – que se lhe aplique uma pena. Assim dispõe o n.º 3 do art.º 20.º do CP.

Embora o artigo 20º esteja pensado para a inimputabilidade também nos resolve o
problema da ação: No exemplo da epilepsia em que a pessoa se coloca
intencionalmente num estado que depois iria causar danos – neste caso
consideramos haver uma ação porque deixamos de ver o momento em que o agente
atua para passarmos a considerar outro momento relevante. Existe uma antecipação
quanto ao momento em que avaliamos o comportamento da pessoa, daí que se diz a
ação ser livre na causa, pois o momento que releva será o momento em que a pessoa
teve liberdade para orientar e dirigir o seu comportamento. Este momento será o
momento em que “A” decide parar de tomar os comprimidos.

Existem duas teses de interpretação quanto à ação livre na causa:

→ 1ª Tese de Interpretação: o modelo da exceção. De acordo com esta tese, a


culpa deve ser aferida no momento da prática do facto, e nesse momento a pessoa
estava inconsciente, mas a ação libre na causa é uma exceção à regra que nos diz que
temos de avaliar a culpa no momento da prática do facto. Aqui, a culpa será avaliada
no momento anterior.

→ 2ª Tese de Interpretação: o modelo do tipo. O comportamento típico não é


só averiguado no momento em que o agente atua. O comportamento típico começa
antes, assim que o agente deu livremente causa aquilo que mais tarde se veio a
verificar num ato inconsciente. Aqui, não há exceção nenhuma. A culpa de facto será
avaliada no momento do facto típico, porque este começou muito antes e não apenas
no momento que a pessoa tem o ataque e destrói tudo. O facto começará então no
momento em que o agente decide não tomar os medicamentos. Esta é a lógica que o
artigo 20º/4 parece seguir.

O artigo 20º/4 ao referir “quando a anomalia psíquica tiver sido provocada pelo
agente com intenção de praticar o facto” isso não corresponde ao facto típico, o que
corresponderá ao facto típico será, por exemplo, matar alguém, violar alguém, etc. O
que acontece neste caso é o facto de existir uma antecipação desse facto típico,
antecipação que permite concluir que a pessoa é imputável. Mas não se pode dizer
que se o sujeito de coloca num estado de inimputabilidade com o objetivo de matar a
sua mulher que isto corresponde ao facto típico. Este artigo permite apenas
antecipar o facto típico de modo a ser possível avaliar a imputabilidade do sujeito.

A anomalia pode assumir duas vertentes:


• ABSOLUTA – é aquela que é em função da idade (menores de 16 anos);
• RELATIVA – é em razão de anomalia psíquica e engloba dois pressupostos.
o Biológico – saber se sempre sofreram de anomalia psíquica (neurose).
o Psicológico – saber se ele podia agir de outro modo do que aquele que
agiu.

Exemplo: João, de 16 anos de idade, embebedou-se para matar o seu irmão, já que
seria difícil consegui-lo de outra forma senão naquele estado psíquico. O indivíduo
poderá ser declarado inimputável? Não. A imputabilidade não é excluída quando a
anomalia psíquica tiver sido provocada pelo agente com a intenção de praticar o
facto.
Um indivíduo que antes de se embebedar ou drogar tiver a intenção de matar
outrem e que depois acabou por consumar o facto, também neste caso a
imputabilidade não é excluída, ou seja a inimputabilidade não existe quando a
anomalia psíquica é provocada pelo agente com a intensão de praticar o facto.
Caso 2: “A” sai à noite de carro para se divertir com os amigos.
Embriaga-se de tal forma que fica num estado de incapacidade para
compreender o sentido dos seus atos. Nesse estado, arrasta-se até ao
carro, consegue colocar o mesmo em andamento, anda 2 metros e
atropela uma pessoa.

O facto de o caso prático dizer que o agente fica incapaz de compreender o sentido
dos seus atos não é coincidência. “A” continua a ter a perceção da realidade, mas
deixa de conseguir interpretar o significado dos seus atos. “A” não quis matar uma
pessoa, ele não se pôr intencionalmente naquele estado (uma valente bezana) para
poder depois matar aquela pessoa. Sendo assim aplica-se o artigo 20º/4?

Neste caso, encontramo-nos perante uma exceção e, assim, iremos aplicar o artigo
295º.

O artigo 295º resolve a lacuna de punibilidade que poderia resultar do artigo 20º/4.
Esta lacuna surge porque o 20º/4 está apenas pensado para as situações em que a
pessoa se coloca intencionalmente num estado de inconsciência. Deixando um
espaço aberto para todos os outros casos em que a pessoa não se coloca
intencionalmente em tal estado.

Mas a verdade é que se colocou e com isso matou/feriu alguém. O artigo 295º vem
resolver esses problemas uma vez que diz “Quem, pelo menos por negligência…” - ou
seja, inclui a negligência e desta forma inclui o caso de “A” que foi sair à noite e não
cumpriu os deveres de cuidado, não teve cuidado para acautelar a situação de estar a
ingerir em excesso bebidas alcoólicas sabendo que tinha o carro à porta.

É preciso ter cuidado com este artigo porque aqui o agente não é punido pelo facto
típico (por ter matado/ferido), porque neste caso o agente não é punido pelo facto
típico, o agente não é punido por ter matado ou por ter ferido. Ao contrário do artigo
20º/4 onde o agente será punido pelo facto típico, no artigo 295º o agente será
punido pelo facto de se ter colocado numa situação de inconsciência, pelo menos
com negligência. E quanto à parte do artigo que diz: “e nesse estado praticar um
facto ilícito típico…”. O que é isto? Já vimos que não é o facto típico, então o que é?
Isto é uma condição objetiva de punibilidade, o que significa que o facto de o autor
se colocar nesse estado de inconsciência já é crime, só que para além disso é
necessário que o agente realize um facto ilícito.
Ou seja, o crime será “quem, pelo menos com negligência, se colocar em estado de
inimputabilidade”, mas este crime só será punido se o agente, depois a se ter
colocado nesse estado praticar um facto típico como matar, roubar, ferir, etc. O
agente não responderá pelo homicídio, roubo, … pois isto apenas corresponde a uma
condição para que ele seja punido pelo verdadeiro crime que praticou (que será a
primeira parte do 295º/1).

Caso:
A, com pouca experiência de condução, num dia de chuva, não conseguiu
parar o automóvel num lençol de água e embateu noutro veículo
provocando ferimentos no condutor.

O conceito de ação assume uma fundamental função sistemática e delimitativa,


enquanto conceito-base da qualificação de uma realidade como crime. Isto porque o
conceito de ação é a base que estabelece a articulação entre os vários elementos do
conceito de crime, permitindo-nos identificar um comportamento com determinadas
características de objetividade, externalidade e interação com a esfera de outros,
controlabilidade e evitabilidade do comportamento e possibilidade de alternativa de
outro comportamento, juntamente com condições psicológicas e sociais mínimas para
exprimir a possibilidade de a pessoa concreta poder ter uma alternativa de ação e
motivar-se pelas normas jurídicas. Segundo Maria Fernanda Palma, o critério da
evitabilidade não deve ser construído mediante padrões de homem médio, pois o
Direito, para nos dizer com justiça que há evitabilidade, tem de aceitar as estruturas
psicológicas, sociais e da neurociência sobre o comportamento humano. Deste modo,
Maria Fernanda Palma, não deixa de reconhecer um certo interesse ao conceito de
ação final, que nos remete para uma certa ideia de evitabilidade e de controlabilidade,
em termos que não são formulados normativamente, pois não basta o dever de
controlar. Tem de haver condições de evitabilidade e de controlabilidade. A
identificação de um comportamento com estas características irá permitir comandar
todos os demais elementos da teoria geral da infração e terá uma função orientadora
de todos os conceitos ulteriores.
Já a função delimitativa do conceito de ação permitir-nos-á identificar quais as ações
que são irrelevantes e quais as que são relevantes para o conceito de crime. Esta
função não pode ser autónoma da função sistemática.
Partindo destas premissas, é possível constatar que na presente hipótese encontramo-
nos diante de um comportamento automático – a condução. Isto porque a condução
está associada a um comportamento mais complexo, fruto da aprendizagem, que
corresponde a uma reação preparada do agente, no qual este age segundo guiões de
ação (scripts), em que cada passo do comportamento se vai desencadeando como
resposta imediata, associada a um comportamento rotineiro, no qual não tem de
intervir de forma penosa a consciência. Os comportamentos automáticos estão
normalmente associados a uma atuação racional e a um comportamento voluntário e
final, em que é possível identificar uma supradeterminação final do processo causal.
A hipótese também nos fornece a informação de que A era um condutor com pouca
experiência, o que não nos parece afastar o reconhecimento do automatismo da sua
conduta. Isto porque a falta de experiência da condução não implica prima facie a
falta de reconhecimento de ações mecanizadas (como premir a embraiagem, colocar
a mudança, acelerar ou travar), que começam a ser interiorizadas pelo agente durante
o processo de aprendizagem da condução, permitindo-lhe depois desencadear esse
comportamento de forma padronizada e repetida. A falta de experiência na condução
de A será um elemento fundamental na avaliação da sua reação ao estímulo externo e
da possibilidade de interrupção do automatismo, uma vez que no caso dos condutores
pouco experientes o que inexiste, regra geral, não é uma ausência de interiorização da
automaticidade do comportamento, mas sim uma falta de capacidade de reação a
circunstâncias externas que podem levar à interrupção da ação automatizada e
mecanizada.
No domínio dos comportamentos automáticos, por norma, o agente é capaz de
adaptar o automatismo e desencadear a interrupção do mecanismo como forma de
reação ao estímulo exógeno. Mas, por vezes, estes comportamentos saem da esfera de
controlo do agente. Ou seja, pode haver descontrolo do automatismo. O que nos
permitirá concluir que, no âmbito dos comportamentos desempenhados de forma
automática, só há comportamento penalmente relevante quando o comportamento
surgir num contexto de previsibilidade do estímulo externo.
Neste âmbito, segundo JAKOBS, deverá ter-se em consideração, para aferirmos se
existe comportamento penalmente relevante, se era ou não evitável, de um ponto de
vista individual, que o agente reagisse daquela forma, o que está associado ao efeito
preventivo da norma, pois se o agente não for individualmente capaz de evitar aquela
ação no caso concreto, a norma não terá capacidade de motivar o comportamento do
agente.
Segundo Maria Fernanda Palma, devemos recorrer ao critério da previsibilidade
do estímulo externo no automatismo. Para concluirmos se será ou não previsível a
interrupção do automatismo, será necessário atender aos sinais de perigo e à
possibilidade de evitar o automatismo. A possibilidade de interromper o automatismo
deve ser aferida, primeiramente, segundo um padrão de uma pessoa média, mas
ulteriormente esta avaliação deve ser realizada à luz dos critérios da pessoa concreta,
aferindo as características individuais de cada sujeito. Assim, a previsibilidade
depende ainda de outros fatores que devem ser ponderados, tais como a natureza da
ação e do próprio tempo de reação, dependendo se este é não difícil de cumprir para
qualquer agente em geral e para aquele agente em especial.
No caso vertente, apesar de estar um dia de chuva e de, nesse caso, ser recomendável
aos condutores que moderem a velocidade na estrada, a hipótese não nos fornece
nenhum dado sobre a velocidade a que A conduzia.
Para além disso, apesar de ser previsível que num dia de chuva um condutor se
depare com a formação de lençóis de água na estrada – e, portanto, apesar de existir
um sinal de perigo associado à natureza da ação da condução perante condições
meteorológicas adversas, o que podia gerar o alerta de A quanto à necessidade de
interrupção do automatismo – certo é que A não conseguiu parar o automóvel devido
à sua pouca experiência de condução. Deste modo, se mesmo segundo um padrão de
uma pessoa média é difícil desde já admitir que existia uma previsibilidade que
possibilitasse a interrupção do automatismo, segundo uma avaliação à luz das
características individuais do sujeito, somos levados a concluir que devido à sua pouca
experiência de condução era muito difícil para A conseguir interromper o
automatismo e ter tempo de reação para o fazer, perante uma situação de perda de
aderência dos pneus à estrada, o que leva à perda do controlo do veículo. Deste modo,
não conseguimos identificar no caso vertente características de evitabilidade concreta
do comportamento que nos permitam concluir pela existência de uma ação
penalmente relevante.

Caso:
B bebeu excessivamente num bar com desgosto por a sua equipa ter
perdido e agrediu a mulher violentamente quando ela o censurou por
chegar a casa embriagado.

A noção de ação penalmente relevante, embora diferentemente delimitada consoante


a teoria do crime subjacente, implicará (i) um comportamento humano, (ii)
determinado por um grau de voluntariedade, (iii) com projeção no mundo exterior. O
caso vertente convoca a análise de duas ações praticadas por B: a ação correspondente
à colocação em estado de embriaguez, por um lado, e a ação correspondente à
agressão doméstica, por outro. Concretamente, estas ações suscitam dois problemas
particulares: em primeiro, o problema da relevância do ato prévio do agente que
conduz à sua colocação em estado de inconsciência, e, em segundo, o problema da
relevância do ato praticado sob esse estado.
O caso prático coloca desafios na articulação do requisito da vontade enquanto
pressuposto da ação penalmente relevante. As abordagens biológicas e filosóficas, de
pendor causalista, prestam-se a resultados questionáveis e dificilmente operativos no
contexto de uma teoria geral da infração. Mas encontramos na doutrina penal
propostas autónomas de compreensão do requisito da vontade e de abordagem aos
problemas de inconsciência:
• Para a escola clássica, partindo de uma tese naturalista, a existência de uma ação
dependerá da verificação de um movimento corporal “animado por uma
vontade” (BELING). Esta proposta parece, pois, subscrever uma ideia de
vontade como impulso consciente que se deparará com dificuldades na
resolução de situações de embriaguez.

• Para a escola finalista, que vê a ação penalmente relevante como


comportamento exterior racionalmente orientado para um fim, o requisito da
voluntariedade surge condicionado à exigência de um controlo consciente da
ação como forma de a orientar para a finalidade. Esta ideia de seleção de meios
para realizar um fim também suscita dificuldades na valoração de
comportamentos em estado de embriaguez. No entanto, caso se entenda que
essa finalidade abrange a designada “finalidade/dirigibilidade inconsciente”
(STRATENWERTH), isto é, o controlo inconsciente do próprio comportamento,
poderá ser mais facilmente sustentada a sua relevância.

• Para a escola funcionalista, a resolução do problema coloca-se à luz da


evitabilidade individual do comportamento (JAKOBS), considerando,
designadamente, o grau de previsibilidade que poderia ser exigido que o agente
reconhecesse — tornando-se, pois, sustentável a relevância de atos
inconscientes quando o agente os poderia antecipar.

• Partindo do que chama conceito pessoal, ROXIN identifica uma ação


penalmente relevante onde se verifique uma manifestação da personalidade
através da intermediação da esfera anímico-espiritual da pessoa. Nestes termos,
a atuação sob estado de embriaguez configurará uma acção penalmente
relevante quando seja ainda identificável uma capacidade de relação com o meio
circundante, desde logo quando se reconheça uma finalidade, mesmo que
inconsciente.

• Para MARIA FERNANDA PALMA, o problema da voluntariedade deve ser


colocado a partir da ponderação da reconhecibilidade do ato no contexto do
comportamento global do agente, aliado também à sua previsibilidade. Nos
estados de inconsciência, em que falta essa reconhecibilidade, o juízo deverá ser
aferido por referência ao ato de autocolocação naquele estado, examinando-se
se seria previsível que a situação ocorresse.
Assim delineadas as diferentes teses em torno da compreensão do requisito da
vontade (e sua articulação com os estados de inconsciência), voltemos ao caso.
O comportamento de B que conduziu ao estado de embriaguez configura uma ação
penalmente relevante: estão em causa atos de ingestão de bebidas alcoólicas,
desejados e levados a cabo conscientemente por B, num contexto global também
identificável e que indicia socialmente essa vontade orientada para o ato, isto é, na
sequência de um desgosto desportivo.
Relativamente à agressão doméstica, teremos de abrir duas subhipóteses.
Caso o estado de embriaguez em que B se coloca não tenha causado uma perturbação
total do controlo sobre o seu corpo, da sua capacidade de aceitação da vontade e de
reconhecimento dos seus atos — isto é, se não gerou um estado de inconsciência —,
estaremos perante uma ação penalmente relevante, não se suscitando qualquer
necessidade de problematização adicional.
Caso B tenha agido já num estado de inconsciência, emerge a questão de saber se
ainda o podemos responsabilizar penalmente:
(a) À luz das acima referidas teses de “dirigibilidade inconsciente” e de
afirmação de uma manifestação de personalidade em face da capacidade de
se relacionar com o meio circundante, é sustentável que o ato de agressão
tem relevância penal, sem necessidade de outras considerações ou sequer de
análise do ato de colocação em estado de embriaguez. A agressão de B será,
pois, reconduzível a uma ação penalmente relevante.
(b) Mas importa ponderar se, para diferentes conceções, ou onde aquelas
falhem, poderá ainda assim afirmar-se a relevância penal de uma ação
inconsciente. Como se viu, algumas propostas fazem depender a relevância
penal da ação da previsibilidade, reconhecimento ou evitabilidade do
comportamento, o que nos levará a questionar se o momento anterior ao
estado de inconsciência, concretamente o ato de colocação nesse estado,
pode ainda fundamentar a relevância penal do ato posterior de agressão
doméstica — e, em especial, se será possível fazê-lo em termos conciliáveis
com o direito penal do facto e com o princípio da culpa.
Como ensina MARIA FERNANDA PALMA, a atribuição de relevância penal por
apelo a atos anteriores ao ato inconsciente depende, desde logo, do estabelecimento
de uma relação juridicamente relevante entre esse comportamento e o subsequente
ato inconsciente. Essa relação juridicamente relevante existirá sempre que ocorra a
violação de deveres cognoscíveis pelo agente — neste caso, a ingestão imoderada de
bebidas alcoólicas. E existirá também sempre que fosse ao menos previsível para o
agente, quando se colocou no estado de inconsciência, que a situação posterior se
verificaria — o que também neste caso acontece, uma vez que era previsível, quando
o agente se decidiu embriagar após uma desilusão desportiva, que esse seu estado
suscitaria a censura da mulher e uma sua possível e consequente reação violenta.
Aliás, até pela sua frequência, é facilmente defensável, tanto num plano social, como
em relação ao próprio B, que o contacto apaixonado com o mundo desportivo se presta
a reações violentas, o que reforça as exigências de responsabilidade na prevenção de
riscos para bens jurídicos.
Assim, seguindo esta formulação, o ato de B será penalmente relevante.
(c) Resta problematizar o enquadramento jurídico do ato de agressão quando se
subscreva um conceito de ação penal tradicional que negue ab initio a
relevância penal de atos inconscientes. Nessas situações, importará chamar
à colação a doutrina das actione liberae in causa. A esta luz, haveria ainda
que ponderar se B se colocou num estado de inconsciência com o propósito
específico de agredir a mulher. Em caso afirmativo, haverá uma ação livre na
causa reconduzível ao artigo 20.º, n.º 4, do CP, o que permitirá imputar ao B
a agressão da mulher, pois que restará ainda uma conexão de sentido entre a
sua vontade e o ato inconsciente. Em caso negativo, ou seja, caso se conclua
que B não se colocou num estado de inconsciência com o propósito específico
de agredir a mulher, e para evitar a lacuna de punibilidade, restará a punição
pelo ato de autocolocação em estado de embriaguez, nos termos do artigo
295.º do CP.
Caso:
C, toxicodependente, numa situação de privação, completamente
descontrolado, esfaqueou D para subtrair dinheiro.

Considerando o enunciado da hipótese, importa indagar da responsabilidade penal de


C pela prática de um crime de roubo, previsto e punido no artigo 210.º do CP. Para
esse efeito, cumpre verificar se existe uma ação penalmente relevante que constitua
um substrato mínimo para o juízo penal da conduta do agente.
Assim, recorde-se que, no momento da prática do facto, C se encontrava numa
situação de privação relacionada com o seu problema de toxicodependência. Com
efeito, trata-se de uma reação química típica de quem padece de um problema de
adição, revelando ainda uma conexão com o consumo de substâncias tóxicas.
Isto dito, impõe-se aferir da relevância penal dos dois comportamentos
empreendidos: a colocação no estado de privação e a prática do facto típico (roubo)
nesse estado de privação, que poderá traduzir um caso de grave perturbação da
consciência.
Neste contexto, recorreremos aos diversos critérios sugeridos pela doutrina para
classificar um comportamento como uma ação, em termos jurídico-penais. Num
primeiro momento, diremos que se trata de um comportamento humano, com
manifestações externas, comandado pela vontade do agente. Segundo a teoria da ação
social, assumemse como tal comportamentos socialmente significativos, que
merecem essa classificação com base numa configuração pré-normativa que se impõe
ao direito. Numa perspetiva finalista, invocaremos a ideia de supradeterminação final
de um processo causal, para aferir se está em causa o fim ou os meios selecionados
pelo agente para atingir tal objetivo. De um outro ponto de vista(1) , poderá afirmar-
se que são também ações os comportamentos evitáveis e previsíveis para o agente,
ainda que não correspondentes ao móbil da atuação. Recorrendo à proposta de
ROXIN, afirmar-se-á como ação "todo o comportamento que se possa atribuir a um
ser humano, como centro anímico-espiritual de ação, e isso falta nos casos de factos
que resultam exclusivamente da esfera corporal (somática) do homem, ou «do âmbito
material, vital e animal do ser», não submetidos ao controlo do «eu», da instância
condutora anímico-espiritual do ser humano”.
Enunciadas tais conceções, haverá então que discernir se os comportamentos de C
revelam esse conteúdo mínimo que permitirá identificá-los como ações penalmente
relevantes.
Sobre a colocação no estado de privação, poderá equacionar-se que teria resultado de
uma impossibilidade de o agente aceder às substâncias que lhe teriam permitido
evitar uma situação extrema, o que, de certo modo, constituiria uma contingência
imposta. Ainda assim, numa sociedade norteada pelos princípios da liberdade e
responsabilidade, guiada pela prevenção de riscos para os bens jurídicos, sempre se
afirmaria que competiria ao agente, conhecendo o seu estado de dependência, alhear-
se dos contextos que favorecessem a prática de crimes e a colocação em perigo de
outros cidadãos.
Num cenário alternativo, poderá admitir-se que existe um comportamento humano,
externamente identificável, ainda controlado pelo agente: C teria domínio dos efeitos
potenciais da sua atuação, conhecendo as consequências de não aceder ao seu vício.
Paralelamente, não resulta inconcebível considerar que existiria ainda uma finalidade
inconsciente subjacente ao comportamento de C: o agente não dirige a atuação àquele
resultado, mas age ciente de que tal finalidade é atingível por aquele meio. Ademais,
afigurava-se plenamente evitável e previsível que a situação de privação se verificasse,
atendendo à sua condição. Finalmente, socorrendo-nos do conceito proposto por
ROXIN, consideraremos que se trata ainda de uma expressão da personalidade do
agente, admitindo que este conhecia o seu estado de dependência e as potenciais
consequências de um eventual cenário de privação. Porque, recorde-se, está em causa
o facto de o agente se ter “permitido” chegar a um estado agudo de privação, suscetível
de representar perigo para os bens jurídicos alheios. Dito de outro modo, parece-nos
que, ainda que não se possa afirmar que o estado de privação é, em si mesmo,
controlável e evitável pelo agente, a colocação nesse estado ainda se encontra dentro
da sua esfera de atuação – seja porque omite voluntariamente a satisfação do vício,
seja porque ignora os ditames da liberdade e responsabilidade, e confrontado com a
possibilidade de tal reação, nada faz para evitar a produção de resultados lesivos.
Neste ponto, concluímos por isso, pela existência de uma ação penalmente relevante,
no que respeita à colocação no estado de privação, por parte de C.
Relativamente ao facto de ter esfaqueado D para subtrair o dinheiro, o problema
centra-se na circunstância de, nesse momento, C estar “completamente
descontrolado”. Quer dizer, haverá que discutir, primeiramente, se esse descontrolo
assume proporções tais que determinem a impossibilidade de caracterizar o
comportamento empreendido como uma ação, para efeitos penais.
O efeito do estado de privação assume diferentes proporções em função do concreto
indivíduo e, obviamente, do correspondente nível de dependência. Deste modo,
revela-se inviável concluir, de forma genérica, que a verificação de um estado de
privação impede sempre a recondução do comportamento do autor a uma ação
penalmente relevante.
No fundo, o passo inicial consiste em averiguar a existência de uma capacidade
decisiva de controlo do comportamento, por parte do agente, ou, ao invés, da
comprovação de um funcionamento soberano do corpo que comanda a vontade do
agente.
Invocando um conceito de ação reconduzível à ideia de manifestação da
personalidade, nos termos acima descritos, seria ainda possível discernir, na presente
situação, o mínimo de voluntariedade no comportamento de C, ao esfaquear D.
Estaria assim em causa uma ação penalmente relevante.
Todavia, considerando os dados da hipótese, afirma-se que C surge totalmente
descontrolado, sugerindo-se inexistir qualquer capacidade de controlo –
inclusivamente físico – por parte do agente. Desse modo, C teria atuado num estado
de total domínio corporal, integralmente subtraído à sua vontade, que apenas poderia
ascender ao patamar de ação penalmente relevante atendendo ao vínculo estabelecido
com a conduta inicialmente praticada. Isto é, a conclusão pela atuação ao abrigo de
um estado de grave perturbação da consciência, aquando do esfaqueamento de D, não
implica necessariamente que esse comportamento de C não assuma relevância penal
como ação. Efetivamente, se tal comportamento resultar de uma orientação final
global da conduta, haverá margem para afirmar que “persiste ainda uma dimensão da
vontade e o desenvolvimento automático, característico da ação humana”.
Importa, por isso, aferir a relação estabelecida entre as duas condutas referidas.
Admitindo que C se teria colocado voluntariamente na situação de privação, com o
intuito de agredir D e lhe subtrair o dinheiro, poder-se-ia recorrer à figura da actio
libera in causa, e defender a aplicação do regime previsto no artigo 20.º, n.º 4, do CP.
Nessa hipótese, considerar-se-ia que a circunstância de C se ter colocado dolosamente
no estado de inconsciência permitiria concluir pela existência de uma ação
penalmente relevante.
Porém, a hipótese em análise não permite concluir, inequivocamente, nesse sentido.
Em rigor, nada se diz sobre “o entendimento entre a atuação final da pessoa e atuação
naquele estado”, nada se esclarece sobre a relação entre o estado de privação e a
prática do facto típico, parecendo tratar-se de dois eventos distintos, verificados
subsequentemente por mera obra do acaso.
Neste cenário, haverá apenas que comprovar se, apesar de o agente não ter
pretendido, intencionalmente, utilizar o estado em que se colocou para a prática do
crime, esse desenrolar de acontecimentos não se mostrava previsível para o próprio.
Concluindo-se em sentido afirmativo, persistirá ainda uma relação mínima entre as
duas atuações, que legitima a classificação do esfaqueamento de D como uma ação
penalmente relevante; entendendo-se em sentido oposto, revelar-se-á inviável
discernir um conteúdo mínimo de vontade que permita qualificar a atuação de C como
comportamento penalmente relevante.

DISTINÇÃO ENTRE AÇÃO E OMISSÃO


Se há ação penalmente relevante temos de ver se o comportamento é uma
ação ou omissão.
Isto pode ser a diferença entre o agente ser punido ou não ser; ou praticar um crime
ou outro; ou uma diferença no mesmo crime na medida da pena…
Teoricamente parece fácil (A dispara sobre C; C não dá comer ao filho D).
Há casos em que ao mesmo tempo que o agente fez alguma coisa (mexeu-se) recaia
sobre ele a imposição de uma ação para evitar o sucedido. Ex.: se o portador do vírus
HIV infetar um parceiro sexual, temos uma ação ou uma omissão (não avisou ou não
usou método contracetivo); ou alguém com covid que vai viver com outras pessoas?
Há vários critérios de distinção. Uns mais normativos (objeto da censura – ação ou
omissão -) ; outros de subsidiariedade – só quando não pode ser ação é que vamos
para a omissão; FD – há ação quando o agente cria ou aumento o risco para o bem
jurídico, omissão quando não diminui o risco que já havia.
A omissão surge como problema, na medida em que a perspetiva físico-causal,
predominante na linguagem social, não atribui aos comportamentos omissivos um
direto significado lesivo.

➢ FIGUEIREDO DIAS – a ação e a omissão são estruturalmente diversas. As


omissões só serão punidas quando houver dever jurídico de atuar.
➢ MARIA FERNANDA PALMA – a relevância penal da omissão tem de ser
construída a partir de uma analogia com o comportamento ativo. Na linguagem
normativa, as proibições podem integrar comandos de ações.

A relevância penal da omissão surge essencialmente como problema a partir da


exigência de um requisito comportamental geral, comum a toda a responsabilidade
penal. Até mesmo o afastamento de um tal requisito geral pelo normativismo ou
funcionalismo teleológico não evita a interrogação sobre se as omissões terão, nos
casos concretos, a necessária caracterização comportamental para suportarem as
censuras de ilicitude e culpa.

Nota: a ideia de sermos responsáveis pelos outros, apesar de importante


filosoficamente, não faz parte do ADN do Direito Penal num estado de direito
democrático. Só especialmente é que o princípio da responsabilidade, como princípio
da responsabilidade pelos outros, é o fundamento da nossa responsabilidade. A
violação de proibições é mais grave que a proibição de comandos, uma vez que esta
tem de estar baseada em deveres efetivos de ação, de proteção de bens jurídicos, que
não decorrem da nossa primeira relação com o Estado (a liberdade), mas depende
antes de uma estruturação da sociedade, em que há uma distribuição das
responsabilidades (como os pais para com os filhos, ou os médicos para com os seus
doentes). Estarmos perante uma proibição (matar), ou de um comando (salvar), o
valor não é o mesmo, porque enquanto a proibição é universal, o comanda só o será
nas situações em que o aspeto naturalístico não tem importância. Na violação do
comando tem de haver um dever jurídico que exige uma responsabilidade pelos
outros.

Há uma constituição comportamental de todo o crime a que se tenham de referir os


comportamentos omissivos penalmente relevantes?

MFP: Sim, temos um Direito Penal do facto e nega-se a pura ordem de obediência,
correspondendo a uma vinculação do Direito às estruturas comportamentais
identificáveis comunicacionalmente.

Todavia, a questão fundamental será a determinação do quid comportamental


exigível para que a omissão possa ser uma espécie de comportamento penalmente
relevante. Como a definição da ação que importa à teoria da imputação não é
naturalística, centrando-se antes na significação social dos comportamentos, a
descoberta desse quid comportamental integrará uma problemática comum da
relevância penal da ação e da omissão, tal como, por exemplo, a da evitabilidade
das consequências.

Um problema que existe nas omissões é que não encontramos nelas um nexo de
causalidade quanto a efeitos produzidos no mundo exterior (ex. pessoa morre porque
a enfermeira adormeceu, não lhe dando a medicação a horas). As omissões não são
realidades do ponto de vista da lógica de uma visão causal, até ontológica, em que
temos o controle e produzimos resultados - não havendo este nexo, MFP entende que
não é possível comparar ação ou omissão apenas por uma via naturalista. Não são à
partida realidades idênticas.

Na omissão estamos numa visão do potencial - a omissão requer tal como a ação uma
conexão com uma finalidade, só que na omissão, há uma ação final potencial
contrafática que é prévio à exigência normativa de uma ação devida. Na omissão
precisamos de elementos de conexão normativa que nos relacionem o nada fazer com
uma espécie de ação esperada pelo direito - a omissão necessita de fato, de uma
articulação com outros elementos, com normas. Em vez de ser a omissão, como
qualquer ação, a permitir retirar conclusões para configurar a tipicidade, será antes a
tipicidade a delimitar o que é omissão - a omissão tem uma amplitude infinita de
efeitos e de significados, pelo que precisa de pré-referentes normativos para ser
relevante (desde logo até por razões do princípio da legalidade).

Daí MFP entender que o art.º 10º é uma norma com uma função de extensão da
tipicidade e não de restrição, como defende Eduardo Correia. Eduardo Correia afirma
que as normas da parte especial tanto incluem os comportamentos ativos como os
passivos, pois as proibições que se inferem da parte especial tanto são violáveis por
ação como por omissão. Esta interpretação deriva de uma literalidade do art.º 10º/1
CP – se for proibido matar é proibido não impedir alguém de ser morto. Já o nº2 do
art.º 10º seria uma extensão restringida – todos os crimes podem ser praticados por
omissão, mas há uns que são por omissão e violação de dever jurídico.

Para além desta dependência do dever que a pessoa teria de cumprir, a omissão não
deixa de depender de uma potencialidade de agir naquela situação, numa capacidade
de ação contrafática relativamente à situação que nada fez. Ou seja, tem de existir
ação esperada + potencialidade, no fundo é = a capacidade de ação.

Assim, para MFP, antes de se considerar a existência ou não de um dever jurídico, é


necessário determinar o quid comportamental, isto é, a capacidade de o agente puder
realizar a ação final que evite o resultado (capacidade contrafática de agir) - pelo que
não basta uma ação esperada, mas também uma potencialidade concreta.
No âmbito desta capacidade de ação, há que atender a duas situações:
• incapacidade corporal do agente - como o caso do pai em cadeira de rodas e o
filho afoga-se
• incapacidade técnica - casos em que o agente não tem capacidade técnica para
promover os meios de socorro

A questão prévia, portanto, é se ações e omissões devem ser distinguíveis? O que nos
permite distinguir uma da outra?

MFP: Dependendo da resposta há consequências práticas grandes e distintas:


➢ Se se concluir que não há nenhuma distinção, os comportamentos típicos
seriam indiferenciadamente ações e omissões. A recusa da diferenciação entre
ação e omissão preenche imediatamente os tipos com comportamentos ativos e
passivos. Esse ponto de vista não é o que o CP adota – não deve ser adotado até
considerando a CRP.

As diferenças entre ação e omissão são relevantes para fazer uma diferenciação do
ponto de vista da responsabilidade penal, devido:
• Ao estado de direito;
• Ao equilíbrio entre liberdade e responsabilidade
• À predominância dos princípios de liberdade e igualdade sobre o princípio da
responsabilidade pelos outros.
• Princípio da liberdade enquanto expressão da subjetividade, do conhecimento
de si mesmo (na relação consigo e com os outros), assegura que temos um
espaço de desenvolvimento da nossa personalidade, que podemos gozar, exercê-
lo, a não ser que interfiramos no espaço alheio, e só passaremos a ser
responsáveis pelos outros na medida em que haja um nexo fundamental que
seja instituído pela organização da sociedade em função de instituições básicas,
como a família, ou outras mais sistemas, como a escola, ou a DGS.

Nota: em certas situações pode ser indiferente distinguir entre ação naturalística e
omissão, como quando alguém passa um sinal vermelho, conduzindo o automóvel.
Isso pode acontecer porque o agente não travou – este não travar do ponto de vista
normativo é uma omissão, mas do ponto de vista do significado não é relevante para
o diferenciar de um outro comportamento, que é acelerar ao aproximar-se no sinal
vermelho, é igual.
Há uma base ontológica desta diferenciação entre ações e omissões? MFP considera
que sim, embora possa existir, por vezes, uma relativização normativa, porque não se
revela do mesmo modo uma causalidade entre o estado mental e o comportamento
nos casos de ação e os casos de omissão. A omissão necessita de fato, de uma
articulação com outros elementos, com normas, que é diverso do que acontece com a
ação. A omissão tem uma amplitude infinita de efeitos e de significados – pelo que
precisa de pré referentes normativos para ser relevante (desde logo até por razões do
princípio da legalidade).

Por outro lado, a omissão requer tal como a ação uma conexão com uma finalidade –
há uma ação final potencial contrafática, na omissão, que é prévio à exigência
normativa de uma ação devida.

Delimitação entre ação e omissão:

Cabe referir que esta distinção releva imenso e em vários níveis: O artigo 10º/3 atenua
a pena para quem praticar um crime por omissão, logo ao nível de pena a distinção
importa. Também para a existência da responsabilidade a distinção importa pois só
responderá por um crime de omissão quem tiver dever de garante.

FIGUEIREDO DIAS: na senda da doutrina germânica, naturalisticamente, existe


ação quando há uma introdução positiva de energia, por parte do agente, que
causalmente determina a produção do resultado típico. Este critério tem de ser
complementado com uma postura valorativa do sentido social do comportamento,
distinguindo se o ponto de conexão da censurabilidade jurídico-penal se encontra
num comportamento ativo ou omissivo.

Para KAUFMANN (propondo um princípio de subsidiariedade), só existe omissão


relevante quando o comportamento não puder ser perspetivado como uma
ação.

Depois, segundo o critério da doutrina alemã, como Karl Engisch (critério


naturalístico-causal): se o agente despendeu de energia e essa dispensa se tornou
causal para o bem jurídico, temos uma ação; se essa dispensa não existiu no sentido
de evitar o resultado típico, temos uma omissão - atenção que omissões não produzem
efeitos, pelo que só figurativamente se fala, aí, em ‘resultado típico’, e que o nexo
causal envolvendo a ação, não é o nexo causal envolvendo a ação omitida, é a evitação
de um determinado acontecimento. Por exemplo, se uma mãe sai de casa e o filho
sozinho em casa liga o bico do fogão e morre, o comportamento da mãe, à partida, é
uma omissão, porque a energia que despendeu a sair de casa não é causal para a morte
do filho.

Roxin critica este critério, pois há casos em que isto não se verifica – casos de omissão
através de comissão (ação), em que teremos ações de um ponto de vista naturalístico,
mas que têm de ser tratadas, de um ponto de vista normativo-jurídico, como
omissões.

Já STRATENWERTH avança com um critério normativo (ou de ilicitude típica): há


comissão por ação se (e só se) há aumento ou criação de perigo para bens jurídicos e
há comissão por omissão se (e só se) não tiver havido diminuição de perigo
(preexistente) para bens jurídicos. Critério defendido por FD.

O ponto de vista de diferenciação entre ações e omissões cabe no art.º 10º CP. Como
afirma FERNANDA PALMA, a lei considera relevante uma diferenciação, sendo
uma questão de lógica.
➢ EDUARDO CORREIA afirma que as normas da parte especial tanto incluem
os comportamentos ativos como os passivos, pois as proibições que se inferem
da parte especial tanto são violáveis por ação como por omissão. Esta
interpretação deriva de uma literalidade do art.º 10º/1 CP – se for proibido
matar é proibido não impedir alguém de ser morto. Já o nº 2 do art.º 10º seria
uma extensão restringida – todos os crimes podem ser praticados por omissão,
mas há uns que é por omissão e violação de dever jurídico.
➢ JAKOBS levanta a questão de saber se se mantém indispensável a especial
delimitação das omissões relevantes por fatores normativos (dever jurídico,
posição de garante) que não derivem estritamente do quid comportamental
indispensável ao crime e comum a ações e a omissões.

Este autor defende uma indiferenciação entre ação e omissão nas situações em
que se ultrapassem os limites gerais da liberdade no que se refere à configuração
exterior do mundo. Ex: é equivalente atropelar uma pessoa por não travar ou por
acelerar. A responsabilidade inerente à liberdade de configuração do mundo é que
definiria os deveres de agir ou de evitar os resultados danosos. O que é importante é
aferir se, ao organizar a sua própria liberdade, o agente interferiu na liberdade de
outrem; ou seja, se violou um dever negativo. Como exemplo, não interessará, no
caso de o cão de A morder B, se foi A que incitou o cão a morder B, ou se o ouviu rosnar
e nada fez: o que é relevante é que o cão é de A (ou seja, é meio de que A dispõe para
organizar a sua liberdade) e este não evitou o resultado.

A tese de JAKOBS conduz à fundamentação mais precisa das posições de garante em


setores em que o agente tem um dever especial de organização do mundo exterior,
sendo-lhe atribuídos deveres positivos mais específicos de atuação, que decorrem do
seu estatuto específico para garantir a confiança na instituição que ele representa.
Assim, é equiparável que o médico responsável pelo doente ligado à máquina a
desligue ou pura e simplesmente não a volte a ligar: o que interessa é saber se, em
função do seu estatuto, violou um dever negativo ou violou um dos deveres
positivos que lhe eram especialmente impostos.
• Se o paciente, por acaso, não tiver a mínima possibilidade de se salvar, então o
médico não está obrigado a auxiliar, sendo irrelevante saber se o aparelho se
desliga e o médico não o liga, ou se o médico desliga por si só o aparelho, porque
não há dever de se prosseguir o tratamento - não há violação do dever positivo
porque o médico não o tinha.
• Se o médico cuida do paciente e é o médico que maneja o aparelho, e o paciente
tem hipóteses de se salvar, mas, mesmo assim, o médico desliga a máquina -
violação do seu dever positivo.
• Se se atribui ao paciente o poder de este mexer no aparelho sem a ajuda do
médico e se o médico desliga a máquina, então interfere lesivamente no
processo alheio - violação de dever negativo.

Esta tese não aceitará a equiparação da omissão à ação nos casos em que nem haja
uma competência geral pela organização do mundo, da qual se possa derivar a
responsabilidade pelo risco, nem um estatuto especial de que decorra uma específica
competência para a proteção de bens jurídicos. Tal leva a admitir a ausência de
relevância jurídico-penal da ação quando não exista posição de garante, no caso de
um terceiro ou de um médico não responsável pelo serviço que desliga a máquina de
um doente terminal (porque nesse caso não tem um estatuto específico que lhe impõe
determinados deveres). Este ponto da tese de JAKOBS levanta problemas, uma vez
que o terceiro, mesmo não tendo um dever positivo especialmente imposto, tem ainda
assim um dever negativo, que neste caso estaria a ser violado.

Na doutrina de JAKOBS, a problemática da omissão relaciona-se com a questão dos


limites do comportamento típico em geral, a dois níveis de abordagem:
1) Verificar se o comportamento omissivo é tipicamente equiparável ao ativo, na
perspetiva de uma ação socialmente significativa. O que é importante é se, ao
organizar a sua própria liberdade, o agente interferiu na liberdade de outrem;
ou seja, se violou um dever negativo. Ex: automobilista que não para/acelera.
2) Identificar o comportamento como omissão seria essencial para não o incluir no
tipo legal construído para um conceito de ação que não o inclui.

MFP: independentemente de se aceitar as teses de JAKOBS, não se pode utilizar


uma teoria não naturalista sobre a ação, em geral, e simultaneamente
praticar uma distinção entre ação e omissão naturalista, para o efeito de
aplicação do art.º 10º/2, remetendo para esse preceito tudo o que seja um “não fazer”
em termos físicos ou naturalistas.
 Critério relacionado com a tipicidade: aumentou ou diminuiu o risco que já
existia. Este é o critério de FIGUEIREDO DIAS e PAULA RIBEIRO FARIA;
 Para MFP, a questão fundamental é a determinação do quid comportamental
exigível para que a omissão possa ser uma espécie de comportamento
penalmente relevante, sendo que a descoberta desse quid comportamental tem
de se centrar na significação social dos comportamentos – tendo em
consideração, entre outros aspetos, a evitabilidade das consequências –, já que
“a definição da ação que importa à teoria da imputação não é naturalística.
 Critério da doutrina alemã (critério naturalístico): se o agente despendeu de
energia e essa dispensa se tornou causal para o bem jurídico, temos uma ação;
se essa dispensa não se tornou determinante para obter o resultado típico,
temos uma omissão. Por exemplo, se uma mãe sai de casa e o filho sozinho em
casa liga o bico do fogão e morre, o comportamento da mãe, à partida, é uma
omissão, porque a energia que despendeu a sair de casa não é causal para a
morte do filho.
o ROXIN critica este critério, pois há casos em que isto não se verifica –
casos de omissão através de comissão (ação).

Haverá ação se eu criar ou aumentar um risco proibido. Haverá omissão


se eu, tendo um dever de garante, não diminuir um risco proibido. Ou
seja, o critério não é o de fazer qualquer coisa ou ficar parado, não é um
critério naturalístico no sentido de saber se houve energia ou não.

Exemplo: “A” chega a casa e percebe que o seu irmão está a ter um ataque de asma
que o impede de respirar, o qual, posteriormente, vem a causar-lhe a morte. “A” liga
imediatamente para o 112, dizendo à telefonista que está uma pessoa em sua casa em
risco de vida, mas quando a telefonista lhe pede a morada “A” desliga o telefone.”.

R: “A” nunca criou nem aumentou o risco para o irmão, o risco sempre se manteve de
forma igual. O irmão estava a ter um ataque de asma, e, portanto, o irmão ter chegado
e não ter feito nada ou ter ligado para o 112 e de seguida ter desligado o telefone será
exatamente a mesma coisa. “A” nunca aumentou ou criou um risco, o que aconteceu
foi que ele não diminuiu o risco do seu irmão e por isso estamos perante uma omissão.

Imagine-se que “A” liga imediatamente para o 112, dando a sua morada de casa. No
entanto, quando a ambulância está prestes a chegar, “A” coloca o seu irmão no carro
e transfere-o para outro local.”

R: A partir do momento em que o 112 está a chegar a casa, a situação do irmão de “A”
melhora e o seu risco diminui. Assim, quando “A” o muda de sítio volta a aumentar o
risco do irmão. Assim, estaremos perante uma ação.

Caso:
A, que vivia num sítio isolado, não permitiu que B, que pretendia auxiliar
C, vítima de um acidente rodoviário, utilizasse o telefone da sua casa para
chamar a assistência médica e o sinistrado veio a morrer no local devido
à falta de assistência médica atempada.

Pretende-se aferir i) se A cometeu um crime de homicídio por ação (matar) ou por


omissão (deixar morrer), estando em questão um crime de resultado (art.º 131.º do
CP), e ii) se, caso o tenha feito por omissão, A violou algum dever de garante,
resultante de uma posição de garante na qual se encontre investido.
Relativamente a i), há que determinar o critério de acordo com o qual se distinguem
ações de omissões, o que se afigura como fundamental dada a limitação, operada pelo
artigo 10.º/2 do CP, da equiparação da omissão à ação constante no número 1 do
mesmo artigo.
De acordo com o critério naturalístico-causal, avançado, entre outros, por KARL
ENGISCH, há comissão por ação se (e só se) há uma introdução de energia, por parte
do agente, causalmente apta a produzir o resultado típico e há comissão por omissão
se (e só se) não existir perda de energia, por parte do agente, no sentido de evitar o
resultado típico.
É de notar que as omissões não produzem efeitos, pelo que só figurativamente se fala,
aí, em ‘resultado típico’, e que o nexo causal envolvendo a ação (produção do resultado
típico: por exemplo, a morte) não é o nexo causal envolvendo a ação omitida, que é a
evitação de um determinado acontecimento (novamente, a morte).
Critica-se este critério, entre outras razões, com base nos casos de (assim chamados
por ROXIN) ‘omissão através de um fazer’: teremos, defende-se, ações de um ponto
de vista naturalístico, mas que têm de ser tratadas, de um ponto de vista normativo-
jurídico, como omissões.
Já STRATENWERTH avança com um critério normativo (ou de ilicitude típica): há
comissão por ação se (e só se) há aumento ou criação de perigo para bens jurídicos e
há comissão por omissão se (e só se) não tiver havido diminuição de perigo (pré-
existente) para bens jurídicos.
De acordo com o critério naturalista, no caso apreço, estamos perante uma omissão,
porquanto A nada faz (não introduz energia) para assistir C (não permitir que B use o
seu telefone corresponde à negação de auxílio a C) e não perante uma ação, porquanto
não houve introdução de energia, por parte de A, causalmente apta a produzir a morte
de C (a causa desta deve ser encontrada no acidente rodoviário) A solução a dar, de
acordo com o critério normativista de STRATENWERTH, embora com uma
justificação diversa, é idêntica: há uma omissão porque A não diminuiu o perigo em
que se encontrava C após o acidente rodoviário.
O recurso a uma noção naturalista ou a uma noção normativista de ‘ação’ (ou de
‘comportamento’) compromete o seu utente ao recurso a um critério, respetivamente,
naturalístico ou normativista de distinção entre ação e omissão. Como adverte MARIA
FERNANDA PALMA, “não é aceitável utilizar uma teoria não naturalista sobre a ação,
em geral, e simultaneamente praticar uma distinção entre ação e omissão naturalista
(ou implicitamente naturalista) para o efeito da aplicação do artigo 10º, nº 2, do
Código Penal, remetendo para esse preceito tudo o que seja um “não fazer” em termos
físicos ou naturalistas”.
Para a referida AUTORA, fundamental é “a determinação do quid comportamental
exigível para que a omissão possa ser uma espécie de comportamento penalmente
relevante”, sendo que a descoberta desse quid comportamental tem de se centrar na
significação social dos comportamentos – tendo em consideração, entre outros
aspetos, a evitabilidade das consequências –, já que “a definição da ação que importa
à teoria da imputação não é naturalística”.
Neste sentido, MARIA FERNANDA PALMA convoca o pensamento de JAKOBS,
concordando com este AUTOR no que toca à “indiferenciação entre ação e omissão
nas situações em que se ultrapassam os limites gerais da liberdade no que se refere à
configuração exterior do mundo”. De acordo com JAKOBS, a distinção entre ação e
omissão é superficial e, como tal, juridicamente irrelevante, desde logo quando
qualquer um desses tipos de comportamento se consubstancie na violação do dever,
resultante do estatuto geral de livre configuração da própria organização do mundo
exterior, de não exceder o risco permitido com essa organização. Efetivamente, não se
requer uma especial posição de garante, por exemplo, ao condutor que simplesmente
não trava o automóvel (quando podia) e mata um transeunte, do mesmo modo que
não se requer tal ao condutor que acelera e produz o mesmo resultado, para que sobre
o mesmo recaia um dever jurídico cuja violação comporta efeitos penais.
Nesta perspetiva, há um dever geral de garante, já que cada indivíduo é garante do seu
próprio espaço de configuração do mundo. Como observa MARIA FERNANDA
PALMA, de acordo com este entendimento, “as posições de garante (não específicas
da omissão) não explicariam a responsabilidade penal, mas seriam elas próprias
explicadas por uma ideia prévia de responsabilidade jurídica (em que se fundamenta
a responsabilidade penal)” (idem). Nestes casos, a omissão é, para efeitos penais,
equiparada à ação.
No caso concreto, não houve uma configuração do mundo exterior, por parte de A, no
âmbito de uma responsabilidade geral pela própria organização (não houve
ingerência na esfera alheia de liberdade de organização; pelo contrário, A impede B
de usar o seu telefone no interior da sua esfera de livre organização), pelo que A não
violou um dever geral de garante. Consequentemente, e para efeitos da aplicação do
art.º 131.º do CP, não há equiparação da omissão de A (e sê-lo-á, como foi visto, de
acordo tanto com o critério naturalista de ENGISCH como com o critério normativista
de STRATENWERTH) a uma ação de matar.
Porém, para JAKOBS, também existe equiparação nas situações nas quais a posição
de garante não decorre da responsabilidade pela própria organização, mas, sim da
responsabilidade específica perante outras organizações. Neste sentido, é equiparável
que o médico responsável pelo doente ligado a uma máquina de suporte vital a
desligue ou pura e simplesmente a não volte a ligar. Já se intervier outro médico, de
outra unidade, não há, para JAKOBS, equiparação da omissão à ação caso o mesmo
não volte a ligar a máquina que se desligou acidentalmente nem, como repara MARIA
FERNANDA PALMA, sequer há ação no caso em que desligue a máquina.
Esta solução deve-se, para a AUTORA, a uma excessiva formalização, na teoria de
JAKOBS, do status especial que funda as posições especiais de garante. Um tal
fundamento tem de ser encontrado, ao invés, na autovinculação (ainda que implícita)
ou assunção de responsabilidades. De acordo com MARIA FERNANDA PALMA, uma
tal autovinculação não existe nos casos de monopólio dos meios de salvamento, de
que é exemplo o caso descrito na hipótese (A vivia num sítio isolado, tendo B
procurado a sua ajuda para assistir uma vítima de um acidente rodoviário), pois “não
se pode ficcionar (legitimamente) qualquer aceitação ou autovinculação do agente a
um dever de evitar a morte de outrem nesses casos de monopólio acidental”.
Efetivamente, no caso concreto, A não poderá contar com a obrigação de evitar a
morte de C naquelas circunstâncias.
Isto leva-nos à questão ii): como A não se encontrava investido numa posição de
garante relativamente a C e, consequentemente, não se encontrava sujeito a um dever
de garante, não é operada uma equiparação da omissão (impura) a uma ação nos
termos do art.º 10.º/1, com a limitação presente no n.º 2, do CP (com a possibilidade
uma atenuação especial da pena, conforme determina o n.º 3 do mesmo preceito).
Resta a possibilidade de A responder pela omissão (pura) de auxílio, nos termos do
art.º 200.º do CP.
Caso:
B, sabendo que estava infetado por Covid-19, não disse nada a uma amiga,
a qual ficou contagiada depois de ter passado com ele um fim de semana.

Não se esclarecendo o estado de saúde de B, o caso será resolvido tomando por


referência o tipo de propagação de doença: art.º 283.º, n.º 1, al. a), do CP.
À luz de uma perspetiva de base naturalista, a configuração do comportamento como
ação exige que se identifique um fazer, traduzido num dispêndio de energia por
intermédio de movimentos corporais, causal (ao menos segundo intuições imediatas)
para o resultado em análise. Nesta linha, enquadrar a (possível) propagação de doença
como realizada por ação exigiria encontrar o concreto ou concretos gestos que teriam
originado o contágio: o espirro ou a tosse na direção da vítima, por exemplo. Não
sendo possível tal identificação, teria de se concluir que o contágio se teria dado pela
mera proximidade, possivelmente provocada pela aproximação levada a cabo pela
própria amiga. Ocorrendo então o resultado numa situação de imobilidade do agente,
estaríamos perante uma omissão.
Sendo tão ténue e difícil de descortinar a fronteira entre o fazer e o não fazer
traduzíveis em ações e omissões penalmente relevantes, e tendo em conta as
consequências que tal implica para a análise da responsabilidade do agente, autores
como JAKOBS preferem situar a linha de distinção noutros pontos. Partindo de uma
ideia de delimitação de esferas de competência para organização da própria liberdade,
defende este autor que a cada um caberá dispor dos meios para a sua realização como
bem entender, desde que não interfira com a competência que, em relação à liberdade
dos demais, a eles cabe, numa lógica de igualdade. Gera-se então o dever negativo
básico, vinculativo para todos os cidadãos, de conformar a organização da sua esfera
de competência de modo que respeite o igual espaço de discricionariedade que aos
outros deve ser reconhecido. Os meios aí incluídos serão todos aqueles sobre os quais
o agente exerça domínio na realização da sua liberdade, como o próprio corpo,
animais domésticos, máquinas de que seja proprietário, etc. Sempre que essa
utilização se revele indevida, por violação do dever negativo referido, teremos a base
(de um comportamento penalmente relevante) para o posterior juízo de imputação
propriamente dito da tipicidade. Para lá deste âmbito, tal base só poderá ser
encontrada quando se comprove a violação de algum dever positivo, resultante de um
estatuto especial atribuído ao agente, do qual derivem regras especiais de
competência. Em relação a todos estes deveres, o juízo sobre a sua violação ou
incumprimento não estará dependente de esta ter tido lugar por meio de ação ou
omissão em termos naturalísticos.
Desta perspetiva, saber se B, no presente caso, provocou o contágio por intermédio de
um fazer ou de um omitir perde relevância, devendo somente salientar-se que,
consciente de se encontrar num estado de saúde que torna o seu corpo fonte de perigo
para terceiros que se aproximem, cabia-lhe reorganizar os seus movimentos,
deslocações, conversações, etc., de modo que os demais, sem razões aparentes para
suspeitar de perigo, não prosseguissem o que seriam interações normais em perfeitas
condições de saúde, mas se tornavam opções arriscadas na proximidade de alguém
infetado. Em suma, B violou o seu dever negativo básico, que lhe impunha o cuidado
necessário para que o risco (inserível no âmbito de competência para a organização
da sua liberdade) não extravasasse traduzindo-se em danos ou perigos para outrem,
como aconteceu.
Optando-se antes por privilegiar a linha de análise de base naturalista, no caso de se
tomar o tipo em questão como pensado primacialmente para ações, e de não ser
possível descortinar qualquer fazer – concluindo-se então pela existência de omissão
–, deveria indagar-se se B tinha posição de garante da qual decorreria o dever de
tomar precauções para evitar o contágio. A cláusula de equiparação do art.º 10.º, n.ºs
1 e 2, exigirá que se descortine tal dever para sustentar a responsabilidade por omissão
(impura). Ora, atendendo a que o corpo de B, naquele estado, constituía, pela
facilidade de contágio, fonte de perigo imediato para quem quer que se encontrasse
nas proximidades sem proteção devida, cabia-lhe um dever de fiscalização sobre os
seus movimentos, interações, etc., enquadrável nos termos referidos? Na verdade, a
atribuição de um dever de garante de fiscalização de uma fonte de perigo no âmbito
de domínio próprio surge tradicionalmente como deocrrência de uma lógica
fundamentadora que não parece ter aplicação no caso: a que ao reconhecimento de
âmbitos de domínio autónomos, com as possibilidades e liberdades a eles inerentes,
associa responsabilidades no tratamento e manejo dessas possibilidades (ubi
commoda ibi incommoda). A fonte de perigo em questão, com efeito, não consistia
em nenhuma máquina, produto, ou animal, por exemplo, que permitisse ao agente
alargar e potenciar o seu quadro de liberdades, resultando antes de uma condição de
saúde que o debilitava. Assim sendo, parece afastada a base material necessária para
afirmar a existência de uma posição de garante por esta via.
O raciocínio acabado de expor pressupõe, todavia, e como referido, que se tome o tipo
do art.º 283.º, n.º 1, al. a), como construído tendo em vista ações. É discutível,
contudo, que assim seja. A punição da propagação, exigindo o resultado da criação de
perigo, mas não especificando os gestos pelos quais ele advirá, abre espaço para tratar
o portador de doença contagiosa – como B– como gestor de uma fonte de perigo,
tendo isto o significado de incluir a doença e os perigos a ela associados (incluindo o
de contágio) na esfera de organização do próprio agente. Deste modo, a interação de
B com a amiga, levada a cabo sem avisos nem precauções, deve ser lida como
intromissão em esfera alheia. Aquilo que seria, em condições normais de saúde, mero
exercício da liberdade torna-se, para efeitos típicos, violação da responsabilidade. O
resultado final assemelha-se assim ao que se obteria aplicando a perspetiva de
JAKOBS, mas agora limitado a um âmbito problemático mais específico, sendo desta
feita obtido por via da equiparação que a própria norma parece realizar entre ação e
omissão.
Caso:
C, nadador exímio, não socorreu D, prestes a afogar-se numa praia sem
nadador-salvador, em que passeava ao fim da tarde.

Em primeiro lugar, é necessário identificar a prática, por parte de C, de uma omissão,


pois não socorreu D. Com efeito, a conduta de C constitui naturalisticamente um não
fazer, pelo que a sua relevância penal tem de ser fundamentada, uma vez que não se
materializa em qualquer alteração causal do mundo exterior, associada a uma violação
da esfera de liberdade do agente e correspondente afetação da de outrem. Geralmente
identificada com uma não diminuição do risco para o bem jurídico, a relevância das
omissões em Direito Penal tem sido amplamente discutida na doutrina, sendo
fundamentada, nomeadamente, através de ideias como a da indiferenciação entre
ação e omissão na negação de valores (EDUARDO CORREIA); de lógicas de
competência do agente na interação social, pela sua interferência no mundo exterior
(GÜNTHER JAKOBS); ou, noutra perspetiva, do reconhecimento de características
essenciais da omissão por referência à ação, por força do «exigência de um requisito
comportamental geral, comum a toda a responsabilidade penal» 1 , necessária a um
«Direito Penal do facto e à negação de uma pura ordem de obediência,
correspondendo a uma vinculação do Direito às estruturas comportamentais
identificáveis comunicacionalmente» 2 , aceitando a sua relevância quando a mesma
constituir a violação de deveres resultantes de razões específicas de proteção jurídica
num Estado de Direito democrático (MARIA FERNANDA PALMA).
Estas orientações materializam-se numa de duas soluções de responsabilidade penal:
uma equiparação da omissão a uma ação, baseada na relação da conduta (omissiva)
do agente com a verificação do resultado, geralmente baseada numa ideia de não
diminuição do risco para o bem jurídico, punindo-se o agente pelo crime comissivo
através da conjugação do tipo (de resultado) da Parte Especial com a cláusula de
extensão da tipicidade consagrada no art.º 10.º do Código Penal, assente no
reconhecimento de um dever jurídico pessoal do agente de evitar determinado
resultado (omissões impuras); subsidiariamente, através da consagração legal de
tipos (de mera inatividade) configurados na forma omissiva, reflexo do
reconhecimento e imposição de certos deveres do agente por parte do legislador
(omissões puras).
Assim sendo, a segunda questão colocada na resolução do presente caso prático
respeita à possibilidade de equiparar esta omissão a uma ação para efeitos de punir C
pelo crime de homicídio, nos termos do art.º 131.º conjugado com o art.º 10.º, n.ºs 1
e 2 do CP (crime de omissão impura), dado que C não tenta, sequer, evitar a morte de
D, não diminuindo o risco existente para o bem jurídico vida. É, assim, necessário que
se verifique a existência de um «dever jurídico que pessoalmente o obrigue» a socorrer
D (art.º 10.º, n.º 2), constituindo-o numa posição de garante. Os princípios da
legalidade, da liberdade, e, em geral, do Estado de Direito democrático impõem uma
fundamentação exigente e previsível da imposição de tal dever.
Várias foram as teorias que procuraram estabelecer os vínculos jurídicos referidos,
como é o caso da teoria formal (que apenas considerava como fonte de dever de
garante a lei, o contrato e a ingerência) e das várias modalidades de teorias de funções,
como as preconizadas por ARMIN KAUFMANN – que associa os deveres de garantia
a funções de guarda de bens jurídicos e de vigilância de fontes de perigo – ou, numa
formulação diferente, JAKOBS – defensor da decorrência do dever de uma prévia
responsabilidade jurídica assente na competência que o agente assume em sociedade,
seja esta institucional ou organizacional. A maioria da doutrina portuguesa acolhe,
hoje, uma teoria formal-material, como é o caso de FIGUEIREDO DIAS, que defende
um método tipológico de concretização de deveres resultantes da conjugação das
teorias formal e material, assente numa lógica de relações concretas de solidariedade
juridicamente concretizável em: deveres de proteção e assistência a determinados
bens jurídicos, fundamentados em relações de proximidade e dependência,
comunidades de vida ou de perigo em que se verifique um certo grau de expectativa
jurídica decorrente de confiança e dependência mútuas, ou assunção voluntária e
efetiva de funções de guarda e assistência de determinado bem jurídico (i); deveres de
vigilância de fontes de perigo, assentes na proximidade do agente com estas, seja em
casos de ingerência, seja por força do domínio próprio da mesma ou, ainda, situações
de controlo de fontes de perigo humanas (ii); e deveres impostos por uma situação de
monopólio dos meios de salvamento, em razão do domínio fáctico absoluto da
situação (iii).
No caso analisado, apenas se poderá considerar, na linha de FIGUEIREDO DIAS,
como fonte do dever o monopólio acidental, isto é, a circunstância de C se deparar
com uma situação em que tem o domínio fáctico sobre o perigo em que incorre o bem
jurídico: com efeito, está numa praia sem nadador salvador, perante um caso de
perigo agudo e iminente para a vida de D, o qual poderá minorar consideravelmente
sem que incorra numa situação perigosa para si mesmo, uma vez que, sendo C
nadador exímio, não correrá, em princípio, riscos significativos. Por conseguinte,
revelase uma grave desproporção entre o esforço e perigo que lhe são impostos e o
bem jurídico cuja lesão deve evitar, tendo, assim, o dever de evitar a morte de D.
Diferentemente, teorias como a adotada por JAKOBS não contemplam qualquer
possibilidade de responsabilidade por homicídio: não é possível reconduzir o dever de
evitar a morte a qualquer responsabilidade inerente a uma competência
organizacional.
Por outro lado, a adoção de um critério de autovinculação do agente implícita na
relação social, defendido por MARIA FERNANDA PALMA, assente nas premissas de
que não é possível uma equiparação genérica da omissão à ação, por força de uma
diferença não apenas naturalística, mas valorativa: enquanto as normas que proíbem
ações se justificam pela interferência na esfera jurídica de outrem, extravasando a
própria esfera de liberdade, a incriminação de omissões exige razões adicionais, uma
vez que o dever de solidariedade não merece a mesma proteção que aquele. Estas
razões materializam-se no referido critério de autovinculação, na medida em que este
pode ser associado a relações de domínio ou de responsabilidade social
institucionalmente indiscutível para o bem jurídico, ou a situações de competência
específicas: da relação social em causa decorrerá a admissibilidade de que o agente
aceitaria o dever de ação caso fosse confrontado com ele. No caso concreto, não poderá
reconhecer-se, aqui, este dever, uma vez que, de acordo com os dados fornecidos na
hipótese, C e D são desconhecidos e entre os quais não existe qualquer vínculo, ainda
que implícito, não se podendo admitir qualquer fundamento jurídico do dever
independente da mera relevância ética3 . Com efeito, C não pode contar com a
obrigação de evitar a morte de D, pois não tem qualquer «delimitação estável e
previsível do âmbito da responsabilidade do agente em relação aos bens jurídicos
alheios», necessária para que possa aceitar implicitamente o dever de evitar a
verificação daquele resultado. Assim sendo, esta omissão não pode ser equiparada à
omissão para efeitos da punição pelo crime de homicídio, restando a possibilidade de
punir C pela violação de um dever legal de auxílio, no caso, consagrado através do
crime previsto e punido no art. 200.º do CP. Está em causa um mero dever de
solidariedade que cabe, em princípio, a qualquer cidadão, desde que verificados os
pressupostos referidos no tipo, o qual está configurado na forma omissiva (omissão
pura). São tutelados bens jurídicos pessoais – no caso concreto, a vida – em situação
de risco iminente de grave lesão. Uma vez que C é um nadador exímio, parece estar
verificada, ainda, a possibilidade fáctica de realizar a ação devida, ou seja, de prestar
o auxílio necessário a D, sem que tal represente para si um risco de lesão corporal
grave.

OMISSÕES E POSIÇÕES DE GARANTE


Passos para a resolução de casos:
1. Comportamento penalmente relevante
2. Omissão ou ação;
3. No caso de omissão: dever de agir existente?
4. Distinguir entre omissões puras e impuras

CRIME DE OMISSÃO:

Se há uma omissão, há um passo intermédio, antes da tipicidade, que é saber se


existia um dever de atuar. Porque se não existia um dever de atuar, a
omissão não é tipicamente relevante. Para sabermos se havia dever de atuar,
devemos primeiro ver se havia dever/posição de garante.

O crime de omissão traduz-se numa violação de uma imposição legal de


atuar, pelo que, em qualquer caso, só pode ser cometido por pessoa sobre a
qual recaia um dever jurídico de levar a cabo a ação imposta e esperada.

Como veremos, o art.º 10.º/1 e 10.º/2 têm de se lidar conjuntamente - tem de haver
um dever de garante. O dever de garante obriga aquelas pessoas que têm uma relação
com a vítima ou com o perigo.
No caso das omissões puras o dever não é o de garante, mas sim um genérico (ex.: o
que se chama de crime comum) – 200º e 284º.
Quando estivermos a ver um caso, temos de ver em primeiro lugar os deveres de
garante, porque são mais vinculativos. Em princípio, nestes termos, a omissão impura
prevalece perante as omissões puras.
A lei e contrato, enquanto fontes formais, conferem pontos de apoio, mas não são o
fundamento, ou a fonte, da posição de garante.

A exigência de um dever jurídico que pessoalmente obrigue o agente não corresponde


apenas a um dever legal, pois em geral não se está a pensar em deveres legais de evitar
concretos resultados, mas apenas em deveres legais de proteção e controlo dos quais
pode decorrer um dever de evitar certos resultados.
Se existir um dever legal de assistência e proteção, o dever jurídico de evitar o
resultado derivará de uma razão não especificamente prevista na lei, embora nela
apoiada, segundo a qual o agente passou a estar, em concreto, obrigado a evitar
resultados danosos para o bem jurídico.
A não confusão entre deveres legais e deveres jurídicos patenteia-se na existência legal
de um dever geral de auxílio que não é, enquanto tal, fonte de posição de garante. A
sua aplicação antes pressupor que uma posição de garante não exista, destinando-se
essa norma, subsidiariamente, a fomentar uma conduta solidária sem pretender exigir
do agente uma responsabilidade pelo facto de não ter evitado o resultado.
Assim, o dever jurídico que é inerente à equiparação da omissão à ação transcende
um mero dever legal de auxílio ou assistência para se identificar com uma posição
social, inerente à delimitação de esferas de atividade de cada um e de risco permitido
perante os bens jurídicos.
Só numa minoria de casos (puros) é que a lei, de forma integral, descreve
os pressupostos fácticos de onde resulta o dever jurídico de atuar. Na
maioria (impuros), basta-se com a cláusula geral de extensão da
tipicidade do art.º 10º/2 CP.

É com base nisto que surge a distinção entre Crimes Omissivos Puros e Impuros:
• Parte da doutrina fundamenta a distinção entre crimes puros ou impuros na
referência expressa na Parte Especial à omissão como forma de integração
típica, descrevendo os pressupostos de facto de que deriva o dever jurídico de
atuar. Diversamente, delitos impuros ou impróprios de omissão seriam os não
especificamente descritos na lei como tais, mas em que a tipicidade resultaria
de uma cláusula geral de equiparação da omissão à ação, como tal legalmente
prevista e punível na Parte Geral.
• ROXIN critica, afirmando que assim se encobre aquilo que verdadeiramente
confere sentido à distinção. Puras são aquelas omissões típicas que não têm
correspondência num delito de ação. Impuras aquelas outras para cuja
tipicidade se torna necessária uma cláusula de equiparação à ação
correspondente.
• Doutrina tradicional – devem considerar-se delitos puros ou próprios de
omissão aqueles cujo tipo objetivo de ilícito se esgota na não realização da ação
imposta pela lei (crime de mera atividade) e impuros ou impróprios aqueles
outros em que o agente assume a posição de garante da não produção de um
resultado típico (crime de resultado).

Deve concluir-se que o critério fundamental de distinção entre crimes de


omissão puros e impuros passa pela circunstância decisiva de os impuros,
diferentemente dos puros, não se encontrarem descritos num tipo legal
de crime, tornando-se indispensável o recurso à cláusula de equiparação
contida no art.º 10/2º.

As omissões puras e as omissões impuras são subsidiárias: primeiro vamos ver se


se pode punir por omissão impura, e só depois, se não for possível, se passa para
omissão pura.

Assim:

➢ Crimes Puros/Próprios de Omissão

Os crimes de omissão puros estão descritos enquanto comportamento omissivo no


próprio tipo penal. Ao olharmos para o artigo conseguimos perceber que o que está
lá escrito é uma omissão. Basta que a pessoa faça o comportamento omissivo descrito
no tipo penal para haver omissão pura. É o caso da omissão de auxílio, prevista no
art.º 200º CP e da recusa de médico, prevista no art.º 284º CP.

Nunca se pode dizer que a violação de dever de auxílio (art.º 200º CP) é uma fonte de
posição de garante. Essa violação apenas corresponde à tipicidade de violação do
dever de socorro. Não existe, nos crimes puros de omissão, uma posição de
garante. Assim, temos:
o Tipicidade Direta – Parte Especial (art.º 200º, 284º e etc.)
o Crimes formais ou de atividade
o Mero dever de agir
o Subsidiariedade – só se vê se não houver omissão impura

➢ Crimes Impuros/Impróprios de Omissão

Não existe crime de omissão impura. A omissão impura é uma categoria doutrinário
que inclui muitos crimes. E o que existe verdadeiramente são homicídio por omissão,
ofensa à integridade física por omissão, etc.

Não estão especificamente descritos na lei como tais, a tipicidade resulta de uma
cláusula geral de equiparação da omissão à ação, nos termos da cláusula de
equiparação do art.º 10º/1 e 2.
Ou seja, quando falamos em omissão impura, falamos de crimes previstos na Parte
Especial (PE) do Código Penal, que na sua descrição vêm previstos em termos ativos,
mas que depois pela conjugação com o artigo 10º/2 (cláusula geral de equiparação à
omissão), permite que o agente seja responsabilizado pela modalidade omissiva.

Exemplo: 131º refere “quem matar outra pessoa” – isto é uma descrição ativa, o tipo
está previsto em termos ativos. Quando pensamos em matar alguém costumamos
pensar em dar um tiro ou uma facada e não numa pessoa que ficou de braços cruzados
a olhar. No entanto se conjugarmos este artigo (ou por exemplo o artigo que diz
respeito à integridade física) que está descrito na PE com o artigo 10º/2 vamos
permitir que esses crimes também possam ser praticados por omissão. Daí que se
chama omissão impura, porque é uma omissão equiparada à ação, sendo que na
verdade o crime prevê uma ação e depois nós, em conjugação com o artigo 10º/2, é
que retiramos a possibilidade de responsabilizar o agente também por omissão. Nota:
Há quem defenda que o tipo penal já inclui a ação e a omissão. O que o 10º/2 faz é
restringir apenas às situações concretas. A Profª Regente Maria Fernanda Palma
discorda desta opinião, defendendo a cláusula do 10º/2.

Notas importantes a ter em mente:


→ Crime de omissão impura NÃO EXISTE, é uma categoria com vários crimes.
→ A base legal dos crimes praticados por omissão impura não é o artigo 10º/2, mas
sim o artigo, por exemplo, 131º do CP que prevê o homicídio por omissão se conjugado
com o artigo 10º/2.

Assim, temos:
o Tipicidade Indireta – art.º 10º CP
o Crimes materiais ou de resultado – que pode ser de Dano ou Perigo
o Dever de evitar o resultado – existe Posição de Garante
o Não subsidiária

O fundamento desta equiparação é que, para certo tipo de ilícito, o desvalor da


omissão corresponde no essencial ao desvalor da ação. E isto quando sobre
o agente recai um dever de evitar ativa ou positivamente a realização típica, i.e., obstar
à verificação do resultado típico (que é o que significa ter um dever de garantia/dever
de garante).

A norma constante do art.º 10º/2 impõe a explicitação das condições em que é


possível a equiparação prevista no art.º 10º/1 das situações omissivas não
compreendidas diretamente na descrição da ação típica (devido ao seu imediato
significado social) ao descrito na ação típica.

A interpretação da Cláusula de Extensão da Tipicidade (art.º 10º/2) implica a


verificação sobre se a teoria tradicional das posições de garante é compatível com as
exigências do princípio da legalidade.
• Para que os comportamentos que sejam naturalisticamente omissões sejam
puníveis têm de obedecer ao art.º 10º/2 CP.
• Critério lógico em que a diferenciação tem relevância normativa – não tem o
mesmo valor violar uma proibição por ação ou omissão, mas há relevância
normativa.
• A cláusula do art.º 10º/2 estende a tipicidade do crime quando há dever jurídico
de evitar o resultado.

Fontes da Posição de Garante:

Só responderá por um crime de omissão quem tiver dever de garante. Para haver
equiparação entre omissão e ação será preciso que o omitente tenha um dever de
garante.

Há, contudo, um problema: o do princípio da legalidade. Nada na lei nos diz quais são
os deveres de garante. Então, não será isto uma violação do princípio da legalidade?

O princípio da legalidade na sua vertente de tipicidade diz que o comportamento tem


de estar bem descrito na lei, com clareza, precisão, etc. O que acontece é que com os
deveres isto não acontece, o que nós temos é “quem matar outra pessoa tendo um
dever especial de evitar o resultado (10º/2). Como é que se garante haver aqui um
respeito pelo princípio da legalidade? Figueiredo Dias refere que há 6 deveres de
garante, mas o professor Figueiredo Dias não é legislador. Os deveres de garante têm
uma cláusula geral no artigo 10º/2 que deve interpretada de uma forma bastante
restritiva, de forma que qualquer ampliação excessiva do que é um dever especial de
evitar o resultado violaria o princípio da legalidade na sua vertente da tipicidade. Ou
seja, precisamos de ser cuidadosos ao admitir fontes de dever de garante.

Exemplificando: Toda a gente compreende o desvalor que é agarrar numa arma e


dar um tiro a outra pessoa. Assim, para aceitarmos um homicídio por omissão, nós
temos de aceitar que ficar parado será tão desvalioso e tão censurável como dar o tiro,
como será o caso da mãe que deixa o filho de 2 anos, que não se consegue alimentar
sozinho, morrer por não o alimentar. Em termos valorativos deixar o filho morrer à
fome será a mesma coisa do que a mãe agarrar na criança e afogá-la (o que já seria
uma ação penalmente relevante). Tal como é o caso de uma pessoa que aceitar tomar
conta de um inválido, e que o não alimenta deixando-o morrer em casa, isto tem a
mesma carga valorativa de a pessoa dar veneno ao inválido. E no fundo, é isto que
justifica o dever de garante, uma equivalência teleológica e funcional entre o desvalor
associado à ação e o desvalor associado à omissão.

Temos de ver sempre o que prevalece: o comportamento omissivo ou o


comportamento ativo, de forma a reconduzir o comportamento a uma
omissão ou ação.

O art.º 10º/2 afirma que tem de haver um dever de garante, mas não diz em que casos
é que existe esse dever.
Qual é o fundamento do dever de garante?

Cabe referir que o dever de garante não se funda no dever geral de ajudar os outros.
O dever geral de solidariedade existe e encontra-se previsto no artigo 200º do CP.
Assim, se este dever geral existe e está previsto no CP como um crime autónomo, ele
não pode servir para fundar deveres de garante.

Existem critérios para construir os deveres de garante:


• A Profª Regente Maria Fernanda Palma utiliza um critério valorativo e amplo
que transmite uma ideia de auto vinculação, mesmo que implícita, naquela
relação social de forma a levar com que o resultado seja evitado. Ou seja,
naquela relação social é preciso que haja elementos que transmitam a ideia de
que o omitente se tenha vinculado, mesmo que implicitamente (ele não precisa
de afirmar que tem consciência de ter um certo dever de garante), naquela
relação social e evitar o resultado.
• Assim, para o omitente deverá ser previsível de que naquela relação social ele se
auto vincula a proteger um determinado bem jurídico, ou a evitar que o bem
jurídico sofra um dano.
• É isto que acontece, por exemplo, na relação entre pais e filhos. A partir do
momento em que se torna pai e que constitui a relação de parentalidade com o
menor, o pai assume a obrigação de tutelar o bem jurídico da vida do filho,
mesmo que implicitamente, ou seja, sem nunca o ter verbalizado. Logo, é
previsível que lhe venham exigir a tutela daquele bem jurídico caso algo o ponha
em risco.

Importa enfatizar que a função do direito penal é proteger a nossa esfera jurídica de
ataques externos. Serve na sua génese para me proteger e impedir que eu seja morto,
assaltado, violado, enganado através de uma burla, etc. O direito penal não serve para
nos armarmos em nadador-salvador de forma a sair da nossa esfera jurídica e ir ajudar
o mundo.

Daí o direito penal ser especialmente exigente nesta ideia de exigir as pessoas que
evitem resultados na esfera jurídica de outras pessoas. Sem prejuízo, de depois haver
um dever geral de solidariedade pelo facto de sermos todos membros da comunidade,
e que de facto impõe que cada um em situações de necessidade possa prestar auxílio
aos outros. Mas se repararmos a pena deste crime é muitíssimo reduzida, estamos a
falar de uma pena até um ano.

1. Fontes formais (teoria formal). Esta teoria está ultrapassada, estas fontes
podem servir apenas como pontos de apoio, mas não é daqui que decorre a
posição de garante.
• Lei - a posição de garante resulta da identificação de uma posição
juridicamente reconhecida de controlo sobre os perigos para o bem
jurídico
• Contrato
• Ingerência – há a criação prévia de um risco que investe o criador desse
risco na obrigação de impedir que o risco se manifeste no resultado.
Alguém provoca situação de perigo para um bem jurídico e, por esse facto,
fica investida na posição de garante (ex: provoca acidente, ajuda a vítima).
Ou seja, alguém se intrometeu na esfera jurídica de outrem e por via dessa
intervenção fica obrigada a evitar certo resultado.
o Ingerência a partir de ato ilícito - Corresponde a uma situação
de perturbação de delimitação das esferas de organização da vida de
cada pessoa em que o agente assume, sem lhe ser permitido, o
controlo sobre os bens jurídicos alheios, retirando até, à vítima do
primeiro comportamento ilícito, um poder de controlo sobre os seus
bens jurídicos.
✓ Exemplo: Senhor a lavar o chão, deixa o chão húmido e não
deixa as tabuletas a dizer “piso húmido” e um aluno passa e
bate com a cabeça no chão. E o senhor, achando que não tem
de prestar ajuda, continua. De facto, ela não assumiu
voluntariamente a tarefa de salvar pessoas que precisem de
ajuda médica, mas o problema é que ela criou o risco proibido
ao lavar o chão sem colocar o aviso de piso molhado. A partir
daí ficou o dever de garante de evitar que o risco proibido se
materialize no resultado.

o Ingerência a partir de ato lícito é mais duvidosa – como ainda


há uma ultrapassagem da esfera de risco própria e de violação, ainda
que objetiva, do risco permitido – uma invasão da esfera alheia
como consequência do normal risco permitido (da vida social) pode
justificar uma assunção de responsabilidade pelos bens jurídicos
alheios. Se o risco for lícito/permitido não se pode dizer que eu
interferi na esfera alheia.
✓ Exemplo: A provoca acidente, pois o automóvel tinha defeito
mecânico. A não deixaria de tentar evitar a morte dos seus
sinistrados, pois a sua esfera de liberdade de atuação
interferiu, involuntariamente, com a dos outros, deixando-os
numa situação de impossibilidade de controlo sobre a sua
sobrevivência.
✓ Exemplo: Estou a cumprir os limites de velocidade, estou a
conduzir na alameda da Cidade Universitária, descansado da
minha vida, de repente alguém passa à minha frente atropelo
a pessoa e fujo. Há ingerência? Em termos normativos, não,
sendo que estava a cumprir todas as regras jurídicas. Mas
responderá pelo 200º/2 que prevê a ingerência lícita,
quando eu crio o risco permitido e depois não auxílio será uma
violação do dever de auxílio qualificada – mas não há dever de
garante de forma a ser punido por homicídio por omissão.
• (O caso do 200º/1 será para os casos em que vejo um
acidente na estrada e nada faço.)
Na ingerência existem dois momentos:
a) O risco aparece, criado, aumentado ou não diminuído pelo agente.
b) O risco concretiza-se no resultado e o agente não atua para evitar que o perigo
se concretize no resultado.

A maioria da doutrina entende que, pelo fato de o agente ter provocado o primeiro
momento, fica investido numa posição de garante pela verificação do segundo
momento quando a ingerência seja ilícita e haja uma conexão entre o risco criado e o
resultado.

Contudo, alguma doutrina entende que em certos casos de licitude se


justifica haver posição de garante – ex: estado de necessidade, uma vez que a
pessoa que está a ser sacrificada não fez nada para sofrer esse sacrifício; assim, ainda
que a lei permita ao agente agir, este ficará investido numa posição de garante.
✓ Exemplo: Tenho a minha cozinha a arder e parto a janela da cozinha do vizinho
para ir buscar um extintor. Nessa noite chove, a casa do vizinho inunda-se
(devido à janela partida) e o recheio da casa fica todo destruído. O risco prévio
que criei de partir o vidro será lícito, mas neste caso eu interferi na esfera
jurídica do meu vizinho e tirei-lhe qualquer possibilidade de se auto tutelar
(trancou a porta, fechado as janelas) eu desregulei esta organização e tirei-lhe a
possibilidade de se auto tutelar, sem que ele tenha tido qualquer tipo de
intervenção nisso, foi para proteger os meus interesses, porém licitamente.
Aqui, neste caso, toda a gente concorda que se poderá partir a janela do vizinho,
mas depois terá que garantir que não entram lá ladrões, que não lhe inundem a
casa, etc. Deveria ter chamado um carpinteiro para arranjar a janela ou ligado
ao vizinho dizendo que a janela estava partida.

Assim, para que se constitua um dever jurídico é fundamental que haja necessidade
de compensar as consequências da intromissão na esfera alheia, segundo um
princípio de responsabilidade. Mas, se por exemplo, interveio outra pessoa que salvou
a vítima; ou a vítima sempre morreria mesmo vindo os meios de salvação, não se pode
responsabilizar o agente.

A ingerência tem fundamento no princípio da liberdade (essa liberdade


origina responsabilidade do agente) e no princípio da igualdade (o agente, ao
interferir em esfera alheia, limita a liberdade de outrem, que fica reduzida, menos
protegida que a sua, transferindo para ele o domínio sobre uma esfera de ação alheia;
essa ultrapassagem da esfera de liberdade de ação própria leva à consequente
aquisição de uma posição de responsabilidade sobre os bens da esfera invadida; tem
de haver o dever de compensar as consequências da intromissão na esfera alheia).

Com efeito, se não fosse pressuposto um dever de compensar consequências indiretas


da situação criada permitir-se-ia um alargamento da liberdade de ação de uns à custa
do sofrimento dos outros.

A ingerência não se confunde com o art.º 200º, que consagra um princípio de


solidariedade: o legislador pretende em geral evitar perigos para certos bens jurídicos,
através de uma certa regulação da atividade social nessas áreas:
• O art.º 200º/2, ao mencionar a ingerência, não exclui que haja um dever de
evitar resultados lesivos para um bem jurídico (devido a haver posição de
garante por ingerência).
• Norma subsidiária que não absorve nem exclui essa possibilidade.
• Dever de agir existe independentemente da criação de perigo; não agir e criar
perigo apenas agrava.

Ajuda para casos de ingerência: pode haver três situações:


i. O agente não reparou que empurrou a pessoa, nem reparou que ela caiu e se
afogou – neste caso há apenas um crime: homicídio negligente por ação.
ii. O agente empurra sem querer, vê que empurrou, vê que a pessoa se está a afogar
e não faz nada. Há um primeiro momento em que existe um homicídio
negligente por ação; e um segundo momento de omissão dolosa – neste caso, há
dever de garante e prevalece o segundo momento – homicídio doloso por
omissão (art.º 131º + 10º/1 e 2).
iii. O agente empurra de propósito e vai embora – há só um crime: homicídio por
ação doloso.

Críticas à teoria formal segundo MFP:


• Muito rígida e formalista, reveladora de fragilidades;
• Por um lado, revela-se muito excessiva, ampla, e por outro lado muito restritiva.
Ampla porque há situações em que existe um contrato, mas que já não está ativo
(por exemplo, empregada que se despede, já não está adstrita a deveres).
Restritiva porque pode não existir ainda um contrato, mas já se terem assumido
funções.

2. Fontes materiais – existem porque as fontes formais não eram suficientes


(teoria das funções).
A) Tutela de um Bem Jurídico em Concreto/assunção voluntária
de deveres de proteção – geram-se deveres de proteção e assistência:
o Familiares ou análogos:
 Pais-Filhos – não só tomando a lei (art.º 1874º CC) em
consideração, mas também a unívoca relação de solidariedade
natural entre o omitente e o titular do bem jurídico. Esta
relação altera-se, contudo, quando o filho abandona o âmbito
de proteção dos pais. Também se incluem avós-netos (se é o
avô que cuida do neto) e, mais duvidosamente, irmãos,
cunhados e unidos de facto.
a) Para FIGUEIREDO DIAS: têm de estar preenchidos
dois requisitos, cumulativamente:
i. Relação de proximidade fática - Tal
proximidade não precisa de ser física (Exemplo da
mãe ou pai que só estão com os filhos ao fim de
semana);
ii. Traduzida numa relação de dependência –
à medida que o filho vá crescendo, a relação de
dependência irá esbater-se, ficando apenas um
dever moral de ajudar os filhos, mas desaparece a
posição de garante. Ou seja, laço de
consanguinidade não chega para se exigir um
dever de evitar resultados, um dever de garante
• Exemplo: “A” estava muito doente e
ia para a casa dos seus pais para os
seus pais tratarem de si. “A”
encontra-se muito febril e quase
inconsciente. A mãe de “A” foi-se
embora não tratando do seu filho.
Neste caso, a mãe teria um dever de garante,
pelo primeiro critério (relação de
proximidade) quer pelo segundo (relação de
dependência).
 Cônjuges – têm uma relação de proximidade fática, mas não
tem de se traduzir necessariamente numa relação de
dependência (pelo que aí não existe posição de garante). O que
existe é uma relação de confiança. O que interessa para que
haja uma posição de garante é a facticidade material que faz
surgir a confiança legítima de que podem contar um com o
outro.
 Namorados – são relações mais esporádicas, mais
informais, pelo que não se pode afirmar que haja aqui posição
de garante. FIGUEIREDO DIAS faz a ressalva do caso em que
os namorados estejam em união de facto, caso em que há
reprovabilidade moral, mas não jurídica (pelo que há dever de
garante).
 Situações de coabitação não são situações de posição de
garante, só se houvesse laços de mais proximidade; mais uma
vez, o que é importante é a relação material existente entre
ambos.
 Há posição de garante quanto aos cuidadores.
 TAIPA DE CARVALHO – há posição de garante quanto a
todos os enunciados no art.º 2009º CC.

o Contrato material: proteção material e não meros regimes


formais. O que oferece fundamento à posição de garante é a
assunção fática de uma proteção materialmente baseada numa
relação de confiança. Ex: babysitter, chefe de excursão dos
escuteiros.

 CASO PRÁTICO: Imaginem que A, num cruzamento, numa


determinada terra, no interior, é um tipo reformado que não tendo
mais nada para fazer pensa: vou-me por no cruzamento para o caso
de haver um acidente e estou lá para ajudar. Não diz a ninguém
leva uma cadeira e fica no cruzamento à espera. E de repente há um
acidente em que as pessoas ficam sem sentidos. Ele vê o acidente,
mas como não gosta das pessoas em questão, agarra na cadeira e
vai-se embora, e as pessoas morrem por falta de assistência. Este
senhor pode responder por homicídio por omissão?
✓ Não, porque apesar de haver uma assunção fáctica de determinada
posição ou dever essa ação tem de ser baseada numa relação de confiança
de modo que os sujeitos dessa ação de confiança confiem um no outro.
Como não havia tal confiança, não se poderia responsabilizar.
✓ No exemplo dado do velhote é o caso de alguém assumiu voluntariamente
deveres de proteção – será suficiente para dizer que há deveres de
proteção? Não, porque a lógica da assunção voluntária tem a ver também
com a assunção voluntaria (autovinculação da pessoa a proteger o bem
jurídico) mas também é necessária uma segunda condição:
autovinculação ter criado confiança no outro, no sentido de que caso
seja necessário proteger tal bem jurídico, o garante vai intervir. O
nadador-salvador tem dever de garante não só porque assumiu a função
de salvar vidas, mas também porque essa assunção criou a confiança nos
banhistas de que se entrarem dentro de água e precisarem de ajuda, o
nadador-salvador os vai salvar.
✓ Lógica da assunção voluntária implicará sempre um segundo momento
que será a criação de confiança nos outros, de que aquela
intervenção será realizada caso necessário para a defesa do bem jurídico.

 No caso da baby-sitter haverá deveres de guarda e proteção, há da parte dela


uma assunção voluntária de deveres de proteção e a criação de confiança nos
outros - os pais deixaram a criança na responsabilidade da criança, logo
confiaram-lhe o bem jurídico.

 CASO PRÁTICO: “Num jardim, Abel repara que Berta, de três anos de idade,
está a afogar-se num pequeno lago de trinta centímetros de profundidade. Nada
faz, e a criança acaba por morrer. Imagine que Abel é: (a) Segurança contratado
pelos responsáveis do jardim; (b) Funcionário encarregue de zelar pela higiene
e limpeza do lago; (c) Funcionário da PSP.
✓ Nestes casos, o que está em causa é a fonte de dever de garante que é a
assunção voluntária de deveres de proteção – algum destes funcionários
assumiram voluntariamente, ainda que implicitamente, o dever de
proteger crianças que caiam no lago? Depende das suas funções. Se faz
parte das suas funções a partir do momento em que assumiram a função
estão implicitamente assumem o dever de zelar pelo bem jurídico da
criança. Caso contrário, não estão a assumir coisa nenhuma, apenas
poderão responder nos termos gerais da omissão de auxílio (200º).
No nosso caso, apenas o PSP teria tutela de integridade física e de vida de
outras pessoas. O segurança teria apenas uma função de manter a ordem
pública e o técnico de limpeza também não assumiu tal função, a sua
função será limpar o lago.
B) Vigilância de Fonte de Perigo/dever de controlar as fontes de
perigo – geram-se deveres de fiscalização e de segurança:
o Comunidade de risco: casos em que se atribui significado à
aceitação implícita de deveres inerentes a uma situação/contexto de
perigo que foi criada.
a) JAKOBS atribui a um output de risco exterior à competência
organizativa do agente; explica-se pela ideia de
autovinculação do agente implícita na relação social. Se
funcionalisticamente somos subsistemas de ação interagindo
como pessoas, temos um âmbito de competência de
organização da nossa esfera de ação. Quando extravasamos o
âmbito dado pela nossa competência geral, tanto releva a ação
como a omissão.

b) MFP refere-se a autovinculação implícita por força da posição


social, é exigido este fundamento de juridicidade mínimo. Ao
autovincular-se, ainda que implicitamente, passa a ter que
contar com os deveres que lhe são exigidos pela posição que
ocupa - MFP é restritiva quanto à existência de posição de
garante nestas situações, a professora exige uma aceitação
prévia e implícita, por entender que há comunidades de vida e
relações de proximidade que são esporádicas e que nem
sequer partem desse entendimento prévio de
responsabilidade recíproca, nem sequer se assumiu essa
consciência. MFP, ainda assim, concorda com JAKOBS em
duas coisas:
i. Na indiferenciação de ações e omissões em âmbitos que
se inserem na esfera de organização, liberdade de
conformação e competência (geral) do agente;
ii. Na restrição da equiparação da omissão à ação em
situações em que os deveres de proteção e salvamento
não decorrem da organização geral da vida do indivíduo
(em articulação com os seus poderes gerais de ação) mas
de uma competência e responsabilidade específica.

Exemplo: retirar o ventilador de um doente infetado com covid. Do ponto de vista


naturalístico isto é uma ação. Mas vamos supor que a sua situação é irreversível, que
a sua situação não melhora, que não vai recuperar: quando se desliga a máquina,
nomeadamente para atribuí-la a outro doente, ainda que a pessoa ainda esteja viva,
apenas estamos a omitir cuidados, não estamos a interromper o salvamento (que seria
uma ação). Mas se tiver possibilidades de recuperar, ainda que inferiores às de outro
doente, se se retirar a máquina estamos a interromper o salvamento, pelo que há ação.

c) TAIPA DE CARVALHO – há um dever de obstar à


verificação do resultado por força de uma ação anterior
perigosa, ou a ingerência – criação não lícita de uma situação
de perigo para bens jurídico-penais.
C) Monopólio (dos meios de salvamento) – casos em que uma pessoa
dispõe das condições para evitar o resultado e capazes de garantir o bem
jurídico. Só se deve recorrer a esta fonte em último caso, se nenhuma outra
se puder aplicar.
• FIGUEIREDO DIAS: inclui como fonte de posição de garante,
mas exige 3 condições:
 Domínio fáctico e absoluto da fonte de perigo – possibilidade
de intervir, evitando a lesão do bem jurídico. Não quer dizer
que o agente tenha de estar sozinho, só tem de haver
possibilidade de intervir;
 Perigo agudo e iminente – o perigo está prestes a concretizar-
se;
 Ação de salvamento não pode implicar perigo para o agente –
desproporção entre o esforço mínimo e a lesão.

• MFP: o monopólio, por si só, não é fonte de posição de


garante, mesmo que consubstancie um dever moral de agir. Tem
de se ponderar a presunção legítima e previsível de vinculação da
responsabilidade atendendo à autovinculação implícita na relação
social:
 Aceitação do dever de proteção – tem de haver base para dizer
que implicitamente se aceitou proteger bens jurídicos de
outro;
 Responsabilidade inerente à configuração/conformação do
mundo;
 Lógica jurídica de haver possibilidade de concluir que, dada a
relação de proximidade do agente com a vítima e/ou as
situações de perigo, pode considerar-se a transferência da
responsabilidade da esfera da vítima para a do agente (se
assim não fosse ficaria em vantagem em relação à vítima).

Se estes pontos enunciados por MFP não se verificarem, o agente não pode contar
com a obrigação de evitar perigo a outrem, pois não tem qualquer “delimitação estável
e previsível do âmbito da responsabilidade do agente em relação aos bens jurídicos
alheios”, necessária para que possa aceitar implicitamente o dever de evitar a
verificação daquele resultado.

Assim, estas formas de omissão não podem ser equiparadas à ação para efeitos de
punição, restando a possibilidade de punir o agente pela violação de um dever legal
de auxílio, consagrado através do crime previsto e punido no art.200º CP.

Está em causa um mero dever de solidariedade que cabe, em princípio, a qualquer


cidadão, desde que verificados os pressupostos referidos no tipo, o qual está
configurado na forma omissiva (omissão pura).

• JAKOBS – fala em monopólio acidental: exclui da equiparação à


ação pelo critério de competência organizacional. Ex: A passeia à
beira-mar e vê B a afogar-se – não há competência organizacional
perante o risco (não é condição da liberdade passear à beira-mar
salvar as pessoas em perigo). Não se pode ficcionar (legitimamente)
qualquer aceitação ou autovinculação do agente a um dever de evitar
a morte de outrem nestes casos de monopólio acidental.

Concluindo: MFP sustenta que há que encontrar os princípios unificadores das


várias teorias de posição de garante:
a) Ideia da assunção da responsabilidade de evitar um resultado;
b) Responsabilidade pelo exercício da liberdade.

Tem de haver um mínimo de juridicidade na atribuição ao agente do dever de agir. O


agente tem de poder contar com a atribuição desse dever e, assim, a forma de poder
contar com essa atribuição é ele próprio autovincular-se.

A graduação da gravidade do ilícito e da culpa nos crimes impuros de


omissão:

O art.º 10º/3 CP consagra a faculdade de o tribunal atenuar especialmente a pena no


caso dos crimes impuros de omissão.

Essa atenuação regular-se-á pela maior ou menor intensidade do dever jurídico em


causa – será mais grave entre pais e filhos do que, por exemplo, entre irmãos.

ROXIN excetua este princípio quando a ação imposta se enquadra numa situação
normal da vida, como uma mãe não alimentar os filhos.

Esta graduação não se aplica aos crimes puros de omissão, pois aí a pena está no tipo.

Omissão através de ação:

Nem todas as omissões têm de ter uma estrutura passiva. Pode acontecer que, dada a
configuração da norma concreta, um comportamento ativo possa ser visto como uma
omissão.

Tal sucede quando o agente viola uma norma que impõe um comando de ação por
comportamento ativo, mas esse comportamento ativo tem significado de omissão. O
exemplo paradigmático é o de alguém que impede, mediante uma atuação positiva, o
cumprimento do salvamento que ele mesmo já tinha posto em marcha: uma pessoa
lança uma corda salvadora a quem se está a afogar, mas no último momento resolve
retirá-la. Tem-se entendido que:
1) Se a pessoa no mar não conseguia alcançar a corda, não mudava nada no estado
inicial dessa situação o retirar da corda, portanto este comportamento não
prejudica a situação de corda lançada, havendo equivalência normativa a
omissão. Ou seja, a situação aqui consiste na anulação de intenção de salvar pela
própria pessoa que atua, originando uma situação semelhante à que existiria se
a pessoa estivesse inativa desde o princípio.
2) Já será equiparável a ação se o agente tiver posição jurídica que o obrigue a agir
(como ser nadador-salvador, por exemplo). Se não tiver essa posição de garante,
a omissão não cabe no art.º 10º/2 e é apenas omissão. No caso de interrupção
de salvamento, já é ação e a posição de garante já não é relevante.

Retomando o exemplo: Eu atiro a boia, esta ainda se encontra longe do náufrago


quando eu a recolho. Ou seja, eu também não aumentei o risco do náufrago, o risco
manteve-se igual. O que eu fiz foi não diminuir o risco. Se, por outro lado, a boia, já se
encontrava ao alcance do náufrago e bastava que este esticasse a mão, e quando o
náufrago vai a agarrar a boia eu tiro-a, aqui neste caso, a partir do momento em que
a boia entra na esfera do náufrago este fica, imediatamente, numa melhor situação, e
o seu risco diminui. Eu quando lhe tiro a boia, depois de haver diminuição do risco,
volto a aumentar o risco, e nesse caso, estaria a praticar uma ação.

ROXIN fala em quatro situações distintas:

1) Omitir por comissão = ação (tentativa interrompida de


cumprimento de uma posição legal) – trata-se de caso semelhante ao atrás
mencionado: alguém com uma obrigação de agir impede, mediante uma
atuação positiva, o cumprimento do imperativo que ele mesmo já tinha posto
em marcha – ex: uma pessoa com a obrigação de auxílio lança uma corda
salvadora a quem se está a afogar, mas no último momento resolve retirá-la.

Exemplo: o caso do médico que desliga o ventilador ao doente é igual ao


interrompimento de um processo de salvamento.
• Se é o médico a desligar a máquina, temos de ver se o paciente retomaria as
funções vitais ou não.
✓ Omissão: interrompimento de um processo de salvamento, sendo que o
resultado não seria distinto. Trata-se apenas de um “deixar de
prosseguir”;
✓ Ação: se o paciente ainda pudesse sobreviver;
• Se quem desliga a máquina é um terceiro, trata-se de uma ação. Há um
interrompimento do processo exclusivamente alheio de salvamento.
• Se a ficha se desligou e o médico não a liga – é omissão.

Neste caso existe uma ação que teoricamente se podia punir como facto comissivo
(concretamente como homicídio). A circunstância de que não se pôs em movimento
uma cadeia causal que conduzisse diretamente ao resultado, mas apenas se
interrompeu um processo causal que adivinhava a salvação, não impediria a
subsunção num tipo comissivo. Contudo, neste exemplo, a situação consiste na
anulação de intenção de salvar pela própria pessoa que atua, originando uma situação
semelhante à que existiria se a pessoa estivesse inativa desde o princípio (inicia-se um
processo, mas o agente tem que continuar a fazer mais algumas coisas, até que se
interfira na esfera jurídica da vítima).
Deste caso deduz-se o princípio geral de que um “fazer” que se apresenta como
desistência da tentativa de cumprir um imperativo, deve subsumir-se no tipo de crime
por omissão de auxílio – 200ºCP -, cujo imperativo fracassa pela atuação ativa.

No entanto, se a corda que puxa foi lançada por terceiro, há uma ação, pois não se
pode dizer que não fez nada, pois intrometeu-se num processo de salvamento alheio
que possivelmente ia levar ao salvamento da vítima. É uma ação.

Contudo, pode existir um momento a partir do qual a mudança de resolução já não


aparece como omitir através de fazer, mas como um puro crime comissivo: se a vítima
já agarrou a corda salvadora, a ação de arrancá-la realizada por quem está obrigado a
agir deve encarar-se, caso acarrete a morte, como crime de homicídio, pois nesse
momento a pessoa que deve ser salva tinha alcançado uma posição na qual podia
prosseguir valendo-se de si própria, e destruí-la pesa mais que a mera inatividade.

Ou seja, omitir através de fazer transforma-se num crime comissivo logo que o
cumprimento do imperativo passou do estádio da tentativa para o da consumação, ou
seja, logo que o processo causal salvador alcançou a esfera da vítima. Para tal, nem é
sequer necessário que a pessoa em perigo tenha fisicamente “na mão” o instrumento
salvador, bastando que a pessoa se pudesse agarrar à corda salvadora sem ajuda
alheia.

Assim, se o agente interrompe o processo de salvamento alheio, estará em causa uma


ação (ex: chocar com a ambulância). Quando o processo já se tornou alheio, a vítima
já se consegue salvar. A ideia central é saber se já atingiu a esfera da vítima.

2) Omissio libera in causa – o caso paradigmático é o de uma pessoa que,


juntamente com outras, conhece o plano de homicídio e se embriaga até perder
o conhecimento, para não estar em condições de ir à polícia. Casos em que o
agente se coloca num estado de inimputabilidade, com o propósito de não
conseguir praticar o facto – 20º/4. O agente não diminuiu um perigo que,
independentemente dele, afetava um bem jurídico.

ROXIN sustenta que aqui, pese embora o “fazer” ativo, não se pode aceitar que exista
cumplicidade no homicídio, mas sim autoria, ou seja, punição pelo tipo de um crime
de omissão própria, pois para efeitos de punição, é indiferente o modo como a pessoa
obrigada a denunciar consegue que não se efetue tal denúncia – quer atue ou omita
uma atuação.

O sujeito que primeiro atua ativamente e depois se mostra incapaz de ação não omite
nada e, não obstante, deverá ser punido pelo crime de omissão.

Este grupo de casos, contudo, coloca problemas de delimitação mais difíceis,


sobretudo quando a ação de frustrar de antemão a própria colaboração também tem
efeito sobre outra pessoa disposta a socorrer. Por exemplo, X está a afogar-se, A quer
salvá-lo com o único barco disponível, pertencente a B; contudo, B impede que A se
faça ao mar, retendo o barco com a consequência, por ele prevista, de que X se afoga,
sendo certo que de contrário se teria salvo.

RANFT nega aqui um crime de homicídio, na medida em que B apenas impediu a


“ingerência na sua esfera de domínio”: reter o barco era apenas o meio de não o
entregar, ou seja, de uma omissão.

Contudo, como afirma ROXIN, idêntico pressuposto de facto seria qualificado de


homicídio se B impedisse violentamente A de realizar o seu propósito de salvar a
vítima com o seu próprio barco (de A), na medida em que neste pressuposto se destrói,
com consequências mortais, uma cadeia causal exclusivamente alheia que evitaria o
resultado.

Ora, tal como existe um homicídio se B consegue violentamente fazer afundar o seu
próprio barco com o qual A se aproximava da pessoa que se afogava, impossibilitando
desse modo o salvamento, também se terão ultrapassado os limites de omissão
própria se B destruir com dolo de homicídio o seu barco, que é o único existente para
a ação de auxílio, antes que dele se aproxime um terceiro disposto a empreender o
salvamento, com o objetivo de o subtrair do alcance deste – as consequências do facto
e a energia criminosa de ambos são idênticas.

Nos casos de ingerência nos esforços de terceiros para impedir o resultado, somente
existirá uma omissão através de fazer punível se existissem outros meios de salvação
disponíveis, já que em tal caso a atividade dirigida contra um terceiro apenas poderia
servir para negar auxílio, mas não impediria que outros salvassem a vítima.

3) Participação ativa num crime de omissão – exs: quem instiga outrem a


não remeter a carta secreta onde se planeia uma traição contra certo país; quem
desencoraja o médico a ligar a uma chamada de socorro para sua casa; ou quem,
em ambos os casos, fortalece com palavras persuasoras a decisão criminosa de
quem permanece inativo.

Nestes casos, o agente é punido, se se seguir a opinião dominante, por instigação ou


cumplicidade, pelo tipo de um crime de omissão. Ainda que a participação seja uma
causa de extensão da pena e, portanto, não seja típica em sentido estrito (ROXIN),
em qualquer caso a punibilidade que aqui se aplica a quem atua positivamente é a
punibilidade do crime por omissão.

KAUFMANN não admite estes casos de participação ativa no crime de omissão,


pretendendo que seja punida como facto comissivo causador do resultado.

Este autor imaginou o seguinte caso: A altera a sua opinião depois de enviar a
denúncia do crime, contudo não retira por si próprio a carta dos correios, mas serve-
se para tal de B, a quem pôs ao corrente das circunstâncias. KAUFMANN sustenta que
se deve punir B pelo crime de homicídio.
ROXIN discorda: a circunstância de pedir a outro que retire a carta não pode
indiretamente converter o agente, por meio da instigação, em autor. Apenas no caso
em que B, contra a vontade de A, retira a carta dos correios, deveria ser punido por
crime comissivo. Mas apenas quando age por sua própria iniciativa.

Não se trata de uma delimitação subjetiva: o que sente ou o que pretende quem
interrompe o processo causal salvador é indiferente; decisivo é saber se atua junto e
para a pessoa obrigada a auxiliar ou se o faz sob a sua própria responsabilidade e
contra essa pessoa.

4) Omissão através de fazer – este grupo de casos está “um passo à frente”, já
não se fica pelo passo de distinção entre ação e omissão, mas já se prende com
a tipicidade, saber se é punível ou não. Exemplo: se apenas se pune o remetente
da denúncia juridicamente obrigatória de um crime que retira a carta antes que
chegue ao destinatário, quem proceder da mesma forma face a um crime que
não é obrigatório denunciar terá que permanecer impune, pese embora a
causalidade da sua conduta para a produção do resultado.

Nestes casos, a pessoa limita-se a não fazer algo a que não está obrigada,
sendo jurídica e penalmente irrelevantes tanto a sua atuação de impedir como a sua
desistência. Quem não sendo obrigado a denunciar, se impossibilita de antemão de
relatar o crime mediante uma atuação positiva, é em princípio impune (segundo
grupo de casos); igualmente, fica impune quem, como participante, consegue que se
deixe de fazer algo não requerido (terceiro grupo de casos).

Diversa é a situação dos comportamentos se atribuíram aos tipos comissivos: tais


comportamentos não são impunes, já que, independentemente da existência de um
dever de agir, continuam a ser puníveis do mesmo modo que o eram antes. Por
exemplo, quem voltar a arrancar das mãos de um doente o medicamento salvador que
antes lhe tinha dado, de modo a provocar a morte da vítima, comete um homicídio,
mesmo que originalmente não se tivesse obrigado a entregar o medicamento
(primeiro grupo de casos). O terceiro que, contra a vontade do remetente, impede que
uma carta chegue ao destinatário com a denúncia do plano de roubo, é responsável
por cumplicidade nesse crime, independentemente da não existência da obrigação
jurídica de denúncia em tal crime (segundo e terceiro grupo de casos).

Caso:
Fernanda passeia pelo lago tranquilamente com o seu barco a motor,
quando avista uma pessoa em graves dificuldades para se manter à tona
de água. Fernanda aproxima-se e lança uma corda para puxar a pessoa
para o barco. Antes de a pessoa a apanhar, porém, Fernanda arrepende-
se, puxa a corda de volta e vai-se embora. A pessoa acabou por morrer
afogada.
Neste caso há uma interrupção do processo de salvamento - primeiro tipo de casos.
Se A passa por ali com o barco e vê que B está a morrer afogado e vai embora há uma
omissão.
Na hipótese de empurrar a sua cabeça para baixo há ação.
Se me intrometo num processo exclusivamente alheio, é uma ação.
É o meu fazer que vai interromper o salvamento da vítima - privilegiar a ideia de
tentativa consumada. Se eu lanço uma corda e a puxo antes da vítima a ter visto, o
autor diz que essa pessoa não é diferente de todas as outras que por ali passaram e
nada fizeram. Se eu já lancei a corda, já alterei o andamento das coisas, pois é a
interrupção de um processo alheio.

Caso - Mimos, o urso


O circo Ordinali está na cidade e a grande atração é “Mimos – o urso que
dá abraços”. Entre os espectadores do dia está Bertinha, criança de 4 anos
especialmente impressionada com o afeto que Mimos demonstra pelo seu
domador. Já depois do espetáculo, Bertinha desloca-se aos bastidores
para ver o carinhoso animal. Ordinali, o domador, esqueceu-se de fechar
a jaula quando deixou Mimos a dormir no fim da exibição. Encontra-se
agora num bar longe dali. Bertinha consegue abrir a jaula, sem saber que
Mimos reage muito mal a ser acordado e só dá abraços ao seu domador.
Paulo vê tudo isto, mas não interrompe, pois está ocupado a comer
algodão-doce. O urso acaba por matar Bertinha.
Imagine que Paulo é:
a) O pai de Bertinha;
Temos um ponto de apoio legal – art.º 1874º, mas a fonte não é a lei, a não ser que se
adote a tese formal, mas esta é criticável. Está estabelecida uma proteção da relação
familiar, através de relação fática de proximidade, traduzida na relação de
dependência, em face da não autonomia da criança. Assim se forma a posição de
garante. Se a menina esta ao cuidado do pai então este tinha posição de garante em
relação a ela. À medida que a criança cresce, ganhando autonomia, as posições de
garante vão diminuindo, podendo até mesmo cessar. Para além disto seria apenas um
dever moral. E pode-se inverter, se os filhos passam a cuidar dos pais idosos aqueles
ganham posição de garante. Também pode ser os avos que têm ao seu cargo as
crianças. Ou outros familiares. Tem de haver é uma relação fática de proximidade. No
caso dos cônjuges ou relações análogas também há uma relação fáctica de
proximidade, mas não há uma logica de dependência, é mais uma relação de confiança
que beneficia de uma institucionalização específica que faz com que cada um tenha
expectativas que merecem tutela, expectativas essas de contar um com o outro. R:
havia posição de garante porque o pai tinha a filha ao seu cuidado e por isso tinha um
dever de proteção dela, que permite equiparar a omissão à ação nos termos do 10º/1
e 2, e uma vez que a filha morreu pode ser condenado por homicídio por omissão
(art.º 131º e 10º/1 e 2).
b) Um primo afastado de Bertinha;
À partida não terá posição de garante, porque é primo afastado e não assumiu
nenhuma proteção à criança. Mas imagine-se que ele acordava com os pais da criança
em levava-la ao parque: aqui à dever de garante, porque há uma assunção voluntária
de deveres de garante, mas não é por ser primo.
Pode questionar-se uma situação de monopólio. O agente tem se conseguir intervir
com grande certeza e segurança e evitar que o perigo se concretize, pedindo-se um
esforço mínimo, de modo que ele próprio não se coloque em perigo. Isto é de
juridicidade muito duvidosa, há autores que não consideram uma posição de garante,
como MFP. Esta vem em último lugar, temos de averiguar só depois de vermos as
outras. Para MFP não é fonte de posição de garante - considera que o agente tem de
poder contar com aquilo; isto acontece quando pudermos presumir legitimamente
que o agente aceitou a responsabilidade pelos bens jurídicos em causa (ideia de
autovinculaçao, ainda que implícita – temos de poder ler do seu comportamento que
decorrendo dele a pessoa se autovinculou, mesmo que não tenha tido uma consciência
muito clara sobre isso); num caso de monopólio acidental, por ex uma pessoa vai
passear a praia, a pessoa não se está a autovincular a salvar qualquer pessoa que se
esteja a afogar, e por isso as situações de monopólio por muito que não custasse à
pessoa, ou que o esforço mínimo, não há posição de garante, no máximo um dever de
auxilio genérico, uma omissão de auxílio; ou seja, não iria ser acusada de homicídio
por omissão.
Concluindo, neste caso o primo não tem posição de garante, a não ser que a tivesse ao
seu cuidado. A não ser que estivessem reunidos os requisitos do monopólio, domínio
fáctico, esforço mínimo e desproporção entre o esforço mínimo e a lesão. Depois vai
depender se o dever de monopólio é uma posição de garante ou não. Se entendermos
seguir MFP não há posição de garante, pelo que restava subsidiariamente aplicar o
art.º 200º, relativamente à omissão de auxílio.

c) Um babysitter contratado pelos pais de Bertinha, com quem


combinara levar a menina ao circo. Para se furtar à possível
responsabilidade emergente da sua morte, invoca a nulidade do
contrato de prestação de serviços;
O contrato na sua formalidade não é a fonte, mas sim materialmente, faticamente. O
essencial é ele vincular-se perante os pais. Se houver uma nulidade devido a uma
formalidade nem aí se desvincula da posição de garante. Claro que se for um contrato
sob coação já não tem uma posição de garante
Assim, há uma violação do dever de garante, havendo homicídio por omissão (art.º
131º e 10º/1 e 2).
d) Um agente da PSP;
O está aqui em causa é a fonte de dever de garante que é a assunção voluntária de
deveres de proteção. Se faz parte das suas funções enquanto PSP, o que é o caso, a
partir do momento em que o mesmo assumiu esta função, então implicitamente ele
assume o dever de zelar pelo bem jurídico da vida criança. O PSP teria tutela de
integridade física e de vida de outras pessoas e, portanto, nesta linha, de acordo com
Jacobs: os deveres positivos apenas vinculam agentes específicos: confiança especial
neles depositada. A expetativa que vamos tutelar, dirige-se a uma instituição: o polícia
tem deveres positivos que derivam do seu estatuto, porque para a sociedade
funcionam tenho de funcionar na instituição polícia. Assunção de funções de guarda
e assistência.
Aqui havia posição de garante, mas se não houvesse ainda assim teria sempre de agir,
com base no dever genérico de auxílio – 200º.

e) Um médico que decidiu ignorar a situação, por não conhecer


Bertinha de lado nenhum e por achá-la muito feia.
Os médicos podem ter posições de garante por assunção de funções de guarda ou de
assistência. Costuma-se dizer que só têm em relação aos seus doentes ou aos que
chegam ao hospital ou clínica em que estão de serviço. Não era este o caso. Mesmo
que encontre a criança a precisar de ajuda então não tem posição de garante. Há
omissão pura? Temos omissão pura no 200º e no 284º. O que se pedia ao medico? Se
se pedia assistência médica ali mesmo, porque por ex não havia tempo para esperar
pela ambulância então pratica ao crime do 284º, porque é um dever específico de
auxílio da sua profissão – um dever mais forte que o de auxílio, mas menos forte que
o garante. Se se pedia um cuidado médico que não consegue prestar porque não é a
sua especialidade, este só podia chamar uma ambulância, e se ele recusar esta última
hipotese então será punido nos termos do 200º, porque chamar a ambulância é um
dever que qualquer pessoa tem, e o médico não o aceitou fazer.

Caso 2 – Lili e os cornetos


Irnério passeia com Lili, o seu pastor alemão, pela trela. A dada altura,
resolve comprar dois cornetos de sabores diferentes – e larga a trela para
poder segurá-los e comê-los ao mesmo tempo. Enquanto Irnério saboreia
os cornetos, nota que Lili começa a ficar nervoso com o aproximar de um
estranho que ali passeia. Querendo, porém, saborear tranquilamente os
gelados, Irnério ignora o ladrar de Lili, que acaba por fugir e morder a
perna do passeante.
É discutível que seja um caso de omissão. Pode ser ação – violou o dever negativo que
tem, intrometendo-se na esfera jurídica do outro.
Assumindo que é omissão, teria dever de garante? Ele tem uma fonte de perigo de que
é responsável, se ele e dono do animal que tem ao seu convidado então tem a
contrapartida de zelar para que este não morda noutras pessoas. Ele é responsável por
uma fonte de perigo que tem ao seu domínio. Temos um APOIO legal – decreto lei
315/2009. Vale ressalvar que a lei não é a fonte, mas apenas o apoio - mesmo que não
houvesse lei havia o dever de garante. Teríamos então ofensa à integridade física por
omissão, nos termos do art.º 143º.

Caso 3 – Tragédia na montanha


César e David, amigos de curta data, combinaram ir praticar
montanhismo para a Arrábida. César começou a escalada em grande
velocidade, apesar dos protestos de David, que não conseguia
acompanhá-lo. A certa altura, David deu um passo em falso, perdeu o
equilíbrio e caiu numa ravina, sofrendo, em consequência disso,
ferimentos graves que lhe provocaram uma intensa hemorragia. César,
que já ia bastante mais acima, deu conta da queda de David, mas decidiu
prosseguir a escalada e acudir ao amigo somente ao descer. Quando
regressou, porém, era já tarde demais: David morrera em consequência
da hemorragia.
Temos uma situação de comunidade de perigo: para FD tem de haver relações
estreitas efetivas entre os membros do grupo (que servem para ver se há uma rela
comunidade de perigo, há uma situação de confiança e dependência mútua, cada um
está a contar com a ajuda do outro em situação de necessidade). É essencial saber se
foram fazer em conjunta em situações tais que se geraram expectativas legitimas que
o outro tinha de poder contar com a imposição de ajudar em caso de necessidade. Se
dois alpinistas decidem ir fazer alpinismo por si não gera a posição de garante. Mas
se um não quer porque tem receio, e outro diz para não se preocupar que ele está lá,
então ele cria a expectativa no outro de que o ajudará caso ele necessite. FMP: à
partida não a posição de garante porque não é condição da liberdade ajudar alguém;
por si só ter a companhia de outrem não se esta a autovincular; só haverá posição de
garante se um se autovincula, mesmo implicitamente, em estado de necessidade do
outro.

Caso 4 – A corrida do Gualter


Num dia em que se realizava uma corrida de barcos no rio Tejo, os primos
Ernesto e Fred deslocaram-se com o seu barco para o local da competição,
apesar de não estarem inscritos. A sua intenção, previamente acordada
entre ambos, era estarem lá para o caso de alguém precisar de ajuda. A
dada altura, Gualter, um dos participantes, teve um acidente e o seu barco
começou a ir ao fundo. Percebendo de quem vinham os gritos de socorro,
Ernesto e Fred ignoraram os apelos, pois sempre haviam odiado a “Rua
Sésamo” e recusavam-se a salvar alguém chamado Gualter. Este morreu
afogado.
Não há posição de garante porque a assunção de proteção do bem jurídico foi só entre
ambos, é preciso que se gere no titular do bem jurídico uma situação de confiança. Ex:
duas pessoas vão a praia. Uma pensa na sua cabeça que gostava de ir ajudar. Outro
nada pensa. Isto é igual. Não há nenhuma alteração do mundo. Não houve uma
autovinculaçao, tendo-se criado a confiança nos outros.
Se se pedisse um esforço mínimo sem riscos, por exemplo puxar o Gualter por um
braço da água. Aqui podia ser uma posição de monopólio. Mas claro que é uma
juridicidade duvidosa, pois como já sabemos autores como MFP não consideram uma
posição de garante.

Caso 5 – A pontualidade de Hermengarda


Hermengarda e Inês são colegas de quarto numa residência para
estudantes em Lisboa. Certa manhã, Inês escorrega e bate com a cabeça
no chão. Hermengarda, ao sair da casa-de-banho, vê-a ali estendida
desmaiada e nota uma pequena poça de sangue junto da cabeça.
Imaginando que algo sério se passava, mas não querendo chegar atrasada
à aula de Direito Penal, Hermengarda abandona a residência. Inês vem a
morrer mais tarde, fruto de hemorragia provocada pela queda.
Temos uma situação de comunidade de vida. Esta por si só não gera uma posição de
garante. É preciso que exista uma relação fática de proximidade, mas esta não é só
ser-se amigos próximos, a relação de proximidade fática tem de se traduzir numa
situação de dependência ou e confiança tal que podia contra que ela ajudaria, ficar
claro de estarem ao cuidado um do outro.

Caso 6 – A inconsciência de Adérito


Adérito, bandido de meia na cabeça, tenta assaltar Bianca, sua irmã, com
uma arma. Bianca, perita em Shorinji Kempo, rapidamente aplica alguns
golpes marciais em Adérito, deixando-o inconsciente. Bianca repara que
Adérito está bastante maltratado e que, porventura, corre mesmo perigo
de vida, mas, considerando que ele só tem o que merece, abandona-o.
Adérito acaba por morrer dos ferimentos.
Temos uma situação de ingerência. Não era por serem irmãos que haveria posição de
garante. O que sucede é que Bianca defende-se – legitima defesa - e com essa agressão
deixa o irmão em perigo.
A ingerência surge interligada com o concurso de normas. A ingerência funciona em
dois momentos: primeiro o agente cria um perigo para outra esfera; num segundo
momento o agente tem a oportunidade de o resultado não ser tao grave. A empurra
sem quer B que cai no lago, que não sabe nada, afogando-se. Temos um primeiro
momento em que A empurra sem querer, e temos um segundo momento em que
enquanto B se afoga A não ajuda e vai embora (B). A criou o risco, e num segundo
momento há uma omissão (temos então um caso de ingerência). Admitindo que esta
ingerência no primeiro momento gerou dever de garante para o segundo momento
então neste segundo momento se não ajuda seria homicídio por omissão. Mas
também tínhamos o primeiro momento da ação – homicídio por ação. Mas não
podemos punir por dois homicídios. Então vamos puni-lo por qual dos dois? Se
empurrou sem querer e não viu que se estava a afogar, temos dois atos negligentes,
logo punimos por ação negligente. Se ele empurrou de propósito e também omitiu
negligentemente ou dolosamente – homicídio por ação doloso. Se empurrou sem
querer e viu que se estava a afogar e foi embora – homicídio por ação doloso.
Na ingerência alguém cria um perigo num primeiro momento e num sendo momento
tem de obstar a que o resultado mais lesivo se verifique. É consensual que gera posição
de garante, mas não em que casos, quais os limites. Há situações em que não cria
posição de garante (200º/2 CP).
No nosso caso há posição de garante por ingerência. Se houver imputação objetiva e
se alem disso a ingerência foi criada ilicitamente (por ex empurrar B sem querer)
então a ingerência gera posição de garante, pelo que no segundo momento há uma
posição de garante de evitar que o resultado se verifique.
Se a ingerência for licita (por ex no nosso caso cria o perigo, mas em legítima defesa)
então não há dever de garante, mas quando muito, um dever de auxílio genérico
(200º).
Há caos de ingerência lítica em que admite posição de garante (em casos de direito de
necessidade). Porque ao contrário da legítima defesa, embora o agente atue
licitamente está a criar o perigo para alguém que não é o responsável pela situação,
enquanto que na legitima defesa é. Depois do perigo passar ele tem o dever de garante,
tem o dever de ajudar. MFP considera que a ingerência gera posição de garante porque
no fundo é uma situação de perturbação das esferas. O agente está a assumir
ilegitimamente a organização da liberdade alheia. Está a retirar ao terceiro o domínio
sobre os seus próprios bens jurídicos e por isso tem de responder por isso – em
decorrência princípios da igualdade e liberdade. Se alguém se intrometer na
competência que cada um tem de organizar a sua liberdade então tem de evitar que
isso resulte em danos. Por ex um caso de atropelamento em que o agente atropelou,
mas não numa situação em que era ilícito - ainda assim foi-se intrometer em esfera
alheia, pelo que é responsável que se vá concretizar num resultado mais lesivo.
TIPICIDADE
A ação tem de corresponder a uma descrição abstrata do comportamento concreto
num tipo legal de crime, isto é, previsto no CP.
Para FIGUEIREDO DIAS, a tipicidade não tem uma total autonomia de ilicitude,
tendo que se delimitar a figura de delito em função dos interesses protegidos pela
norma. Em sentido contrário, FERNANDA PALMA autonomiza a tipicidade da
ilicitude, tal como BELING.
A afirmação da tipicidade da conduta do agente envolve um ato de imputar, de
atribuir o acontecimento lesivo de bens, protegidos pela norma, ao agente,
como manifestação do seu poder ou controlo subjetivo. A imputação não é, por isso,
uma pura afirmação descritiva sobre o comportamento do agente, já que lhe é
inerente o reconhecimento da conduta do agente como suscetível de
responsabilidade em termos de culpa.

Essa imputação surge em duas dimensões:


1. Imputação objetiva – diz respeito à causalidade entre a ação e o resultado;
2. Imputação subjetiva – diz respeito à verificação do dolo ou dos momentos
subjetivos da negligência.

Numa primeira fase, trata-se de verificar, se o comportamento tem a relevância da


figura de crime, em termos de uma adequação social (como refere WELSEL):
quando há comportamentos adequados socialmente, estes não são classificados
como crime. Para este autor, tipos penais são os quadros jurídicos de descrição das
estruturas concretas de comportamentos, em que a atribuição do nome de uma certa
figura comportamental estaria associada à mesma estrutura.
FERNANDA PALMA não concorda com a associação da adequação social a
adequações culturais (como refere SILVA DIAS); o conceito de adequação social não
foi pensado para o tipo de situações em que não existe consenso (ex: mutilação
genital feminina), mas sim para os comportamentos em que não existe dúvida nas
sociedades quanto ao tipo legal de crime. Quando se invocam tipos sociais, estamos
a subverter as decisões do legislador, acabando por violar o princípio da legalidade.
Em suma, MFP critica a invocação de ideias como o tipo social, para fazer uma
restrição do tipo criminal, em questões que estão em discussão. Para MFP, o
instrumento correspondente aos critérios de relevância no comportamento típico
não se situa no plano dos costumes ou tradição, mas apenas no plano usual. Os tipos
inovadores que procuram contrariar a tradição poderão ser designados como
delimitação razoável das esferas de liberdade ou ação, como critérios de cidadania.
A autonomização da tipicidade na definição do crime pressupõe uma
interpretação dos comportamentos típicos de acordo com o significado
da descrição das ações na linguagem comum – correspondendo ao
sentido possível das palavras como limite da interpretação permitida
relativamente à analogia proibida (art.º 1º/3 CP).
O comportamento típico tem de ser filtrado por sentidos socialmente vigentes que
integram os nossos conceitos linguísticos e se impõe ao legislador – o objeto da
proibição típica seria compreendido sempre como um comportamento já não
tolerado socialmente.

❖ IMPUTAÇÃO OBJETIVA
➢ Elementos do tipo com cariz objetivo (ex.: ação de causar a morte);
➢ Na imputação imputam-se resultados a comportamentos (a ações ou a
omissões).
➢ Temos de distinguir crimes de mera atividade e crimes de resultado:
• Mera atividade: basta a atividade (ex.: furto, condução em estado de
embriaguez). A sua consumação (preenchimento integral do tipo) basta-
se com um certo comportamento que está lá descrito. Em teoria, temos
apenas de saber se o comportamento do agente na sua vertente exterior,
corresponde ao que está descrito no tipo.
• Resultado: não basta o agente praticar certa ação (ou omissão), é
necessário que se verifique um determinado resultado (evento típico que
se distingue no espaço e no tempo da conduta do agente e que, contudo,
lhe pode ser atribuível) para que o crime se tenha por consumado. O
resultado é um elemento previsto tipo. Temos de ver se a atuação explica
o resultado previsto no tipo. Se eu posso distingui-lo no espaço e no tempo
(ex.: homicídio). Termos de observar se o evento, o resultado, pode ser
atribuído ao comportamento do agente. Por outras palavras, temos de ver
se há um nexo de causalidade, de modo a observar se a ação/omissão do
agente explica o resultado.

Nos crimes de resultado suscita-se o problema da imputação do resultado à


conduta do agente, de acordo com o princípio segundo o qual o Direito Penal só
intervém relativamente a comportamentos humanos. Exigindo-se para o
preenchimento integral de um tipo de ilícito a produção de um resultado, importa
verificar não apenas se esse resultado se produziu, como também se ele pode ser
atribuído à ação.
Como já se referiu, a afirmação da tipicidade do agente envolve o ato de imputar, i.e.,
de atribuir o acontecimento lesivo de bens protegidos pela norma ao agente, como
manifestação do seu poder ou controlo subjetivo.
A tipicidade objetiva é assim um conceito estático, no sentido de que é preciso fazer
uma correspondência entre o comportamento concreto e o comportamento descrito
na norma. A imputação dos factos ao agente deve começar pela verificação da
imputação objetiva.

Há várias doutrinas quanto à imputação objetiva:

➢ Teoria da causalidade/da equivalência( das condições/conditio sine


qua non - uma ação é causa quando sem ela o resultado não se verificaria.
Temos de fazer um juízo de supressão mental, perguntando se o resultado se
continuaria a verificar se retirássemos essa condição. Se se continuar a verificar,
não é causal.
• Problemas:
 Inútil, porque pressupõe a própria resposta, é apenas um auxiliar
de raciocínio (ex.: Contegram foi um medicamento para mulheres
gravidas, algumas vindo a abortar. O ministrar o medicamento foi
causa do aborto? Se suprimirmos a ministração elas abortavam?
Não se sabia, porque não sabíamos se tinha sido o medicamento. A
teoria só dava resposta se eu soubesse a reposta; por isso, a teoria
tem vindo sendo abandonada. Ela não estabelece a causalidade,
porque pressupõe que eu já saiba. Por isso a teoria vem sendo
abandonada. Útil apenas em termos explicativos, mas não serve
para dar a reposta se há causalidade ou não.
 Não distingue as condições (então os pais também eram causa,
porque tiveram o criminoso) – não oferece critérios de distinção se
uns critérios são mais importantes que outros.
 Casos de características especiais da vítima – ex: se a vítima
ao ser empurrada cai e morre por ter uma fragilidade óssea (e
apenas por isso), a teoria da conditio também afirmaria a
causalidade, apesar de ser imprevisível o resultado. Afirma-se aqui
a excessividade do âmbito da causalidade relativamente aos fins da
responsabilidade penal.
 Casos de causas cumulativas – uma pluralidades de causas
concorre num evento, sendo cada uma, só por si, insuficiente para
produzir o resultado. Ex: L e M, deitam no copo de N uma
quantidade de veneno que, por si só, não era mortal, mas N morre
da conjugação de ambas. De acordo com a Teoria da conditio,
responder-se-ia que, se L ou M não tivessem (isoladamente)
colocado a dose de veneno, N não teria morrido. Nesse sentido,
existe causalidade e, consequentemente, imputação objetiva. A
Teoria da causalidade adequada responde melhor a este caso, de
acordo com um juízo de probabilidade.
 Casos de causalidade hipotética – ex: a pessoa vai morrer por
ter ingerido um veneno e, nessa situação, é ferida com uma arma e
morre na sequência do ferimento; pelo raciocínio da conditio, se se
suprimisse o acontecimento (ferimento), a verdade é que a pessoa
morreria na mesma, logo, o ferimento não seria a causa da morte;
ora, é óbvio que o resultado se deveu nesse caso ao ferimento;
 Casos de interrupção do nexo causal – ex: se a vítima morrer
porque fica ferida e a caminho do hospital tem um desastre de
ambulância, persiste a causalidade e, no entanto, a morte deveu-se
a uma circunstância imprevisível para o agente.
 Casos de autorias paralelas – ex: A põe uma substância no copo
de outra em quantidade suficiente para deixar a pessoa a dormir e
B põe também, mais tarde, a mesma quantidade no mesmo copo.
Neste caso, a conditio diria que, suprimindo o comportamento de
A, o resultado verificava-se porque haveria o comportamento de B
e, por isso, o comportamento de A não seria causa (e vice-versa).
Esta não é uma solução aceitável para efeitos de conexão bastante
para a qualificação de um comportamento como crime. Regresso
ao infinito – em última análise, esta teoria levará ao regresso sem
nenhuma limitação a condições antecedentes ao resultado, uma
vez que não oferece um critério de seleção das condições
relevantes.

➢ Teoria da condição legal/conformes as leis da natureza3 - há


causalidade se a uma ação se se seguem modificações no mundo exterior que de
acordo com as leis da natureza se ligam necessariamente a essa ação (pergunta-
se, de acordo com as leis científicas as modificações decorrem daquela ação?).
Esta lei remete a explicação para as leis da natureza, e em caso de dúvida temos
de correr a métodos científicos, como a experimentação.
• Problemas:
 a natureza não é certa, muitas vezes temos de lidar com
probabilidades, com dados estatísticos;
 não dá um critério para distinguir se uma causa é mais
relevante que outra.

3
Fórmulas como a conditio também pressupõem leis causais de cariz científico. A conditio é um juízo de verificação, mas que
pressupõe o conhecimento científico de certas ligações entre factos: por exemplo, só podemos estabelecer que uma pessoa
espetou uma faca e por isso a outra morreu porque conhecemos o processo causal de espetar uma faca e quais as suas
consequências
➢ Teoria da causalidade adequada - não podemos responsabilizar o agente
se ele não podia evitar o resultado. Eduardo Correia quis consagrar esta teoria
no art.º 10.º/1. Uma ação só provoca um resultado para efeitos penais, se
apresentar uma tendência geral para a produção desse resultado. Mesmo que
uma ação tenha sido causa de um resultado em termos naturalísticos, só
provocou o resultado para efeitos de imputação se ela em geral apresentar uma
tendência para produzir esse resultado. Se a produção tem um resultado
extraordinário/anómalo ela é irrelevante para termos de imputação. Assim,
introduziu-se um critério de previsibilidade. Para saber se era previsível temos
de recorrer a um juízo de prognose póstuma: o julgador desloca-se mentalmente
para o momento da prática do ato. Pergunta-se se o observador objetivo, um
observador médio, colocado na posição do agente, considera o resultado
previsível. Se a resposta for positiva então o comportamento causal era causa
adequada a produzir aquele resultado. Não só há causalidade como há
imputação. Primeiro observamos se é causa, depois observamos se a
causa era previsível de levar ao resultado.
• Problemas:
 Manipulável – o resultado vai ser mais ou menos previsível
consoante o grau de pormenor colocado na pergunta para apurar a
previsibilidade. Depende muitas vezes da formulação. Uma coisa é
questionar a previsibilidade, outra é questionar a previsibilidade de
uma data de pormenores.

✓ Se A esfaqueia B na barriga e B morre de peritonite, a pergunta


sobre a previsibilidade tem respostas diferentes conforme se
tome como padrão a pergunta abstrata de saber se é previsível,
em abstrato, que uma pessoa morra por causa de uma facada
na barriga ou a pergunta concreta sobre se uma facada com
determinadas características torna previsível a morte.
✓ Se A que vai receber uma anestesia para ser operada come
antes e morre, a causalidade terá soluções diferentes conforme
se pergunte se é previsível, em geral, para o médico que quem
coma antes da anestesia morra ou se se perguntar se é
previsível para o médico que uma pessoa que vai ser
anestesiada coma antes da anestesia e, por isso, tenha de
tomar as precauções para que esse acontecimento não se dê.

 Também há dúvidas quanto ao grau de probabilidade que se


exige: para alguns bastas que o resultado não fosse inteiramente
improvável, basta que seja uma probabilidade remota; outros
definem uma noção ampla, inequívoca.
 Afirma a causalidade nos casos em que o agente não
ultrapassa o risco permitido ou até o diminuiu. Ex: o agente,
para evitar que a vítima venha a ser atingida por uma pedra,
empurra-a, acabando por lhe provocar um arranhão; de acordo com
um juízo de prognose póstuma, seria previsível que, pelo
comportamento (empurrar a vítima), se atingiria aquele resultado
(arranhão). Contudo, o agente diminuiu aqui o risco proibido de
outrem.

➢ Teoria do risco - há uma limitação da imputação às condutas das quais deriva


um perigo idóneo de produção do resultado. A aplicação desta teoria fica
dependente do agente ter criado ou aumentado o risco, que o risco seja proibido
(existência de uma norma expressa nesse sentido e, na falta desta, atender à
previsibilidade de lesão de um bem jurídico), e que o mesmo tenha conduzido à
produção do resultado. Há que comprovar que o risco foi criado ou
potencializado, sendo que esse risco acabará por se manifestar através da
realização do resultado típico. Para realizar tal comprovação, recorremos a um
juízo ex ante e ex post, ou seja, analisamos todas as circunstâncias relevantes
para a verificação do resultado. É extremamente difícil quando existe um
concurso de riscos: temos de determinar que o resultado é uma questão que só
pode ser responder ex post, ou seja, temos de ter conhecimento de todas as
circunstâncias relevantes para a verificação efetiva do resultado.
• Para ver se há risco atendemos à teoria da causalidade adequada.

1. Agente criou ou potenciou risco para o bem jurídico. Há que


proceder à delimitação do risco, fazendo a delimitação do círculo de riscos
permitidos e, por via dessa, a definição dos riscos proibidos. Assim:
o Situações em que o agente diminui ou atenua o perigo para o bem
jurídico (ex: empurrar alguém para fora da estrada para evitar
atropelamento causando leves lesões); Aqui, exclui-se a imputação
objetiva porque houve a criação de um risco permitido, que colocou
o bem jurídico em melhor situação. S
o Quando há uma co-atuação da vítima ou de terceiro – nestes casos,
há uma interrupção do nexo de imputação, pois o risco transfere-se
para a vítima/terceiro;
o Omissão – avalia-se se não houve atuação que diminuísse o perigo
para o bem jurídico (ou seja, um risco proibido). Como é que se afere
se há perigo para um bem jurídico? Se há posição de garante. Tem
de se conseguir provar que a atuação que foi omitida teria com
(quase) toda a certeza garantido a não verificação do resultado.
ROXIN: teria de se provar que a atuação do garante teria, pelo
menos, diminuído o risco de produção do resultado. Tal garantiria
o desvalor da ação e o desvalor do resultado.

2. O risco é proibido (segundo uma norma de cuidado – o agente viola


norma de cuidado) – não se inclui o risco geral de vida: riscos de que não
nos podemos desligar mesmo cumprindo as regras, por exemplo,
condução consoante as regras, mas devido a dilúvio perde-se o controlo
do carro; caso se ultrapasse os limites de velocidade já não estamos dentro
do risco geral de vida (STRATENWERTH) que é socialmente adequado.

3. O risco proibido criado concretizou-se no resultado (conexão de


risco entre conduta do agente – criação ou aumento do risco proibido – e
o resultado) – demonstrando-se que o resultado teria tido seguramente
lugar, sensivelmente no mesmo tempo, do mesmo modo e nas mesmas
condições, ainda que a ação ilícita não tivesse sido levada a cabo, parece
que a imputação objetiva deve ser negada, seja porque não torna possível
comprovar aqui verdadeiramente uma potenciação do risco já
autonomamente instalado seja porque se não pode dizer que o agente
criou um risco não permitido.

MFP – para que possa haver imputação objetiva, a acusação tem de


demonstrar que a criação do risco proibido se veio a desenvolver ao ponto
de ser ele que explica o resultado. Tem de haver uma ação controlável pelo
agente em sentido normativo.

Quando é que é claro que não existe a concretização do risco proibido


criado/aumentado pelo agente no resultado típico?
1. Situações em que é o próprio fim da norma violada que revela que esse nexo não
pode existir. Ex: automóvel que, violando regras de velocidade, vem a bater num
motociclista, fazendo-o projetar para campo lateral, onde, por azar, vai cair
dentro de um poço que não estava devidamente tapado. O proprietário do poço,
pelo seu comportamento de não tapar o poço, incorre num crime negligente,
criando um risco proibido; a questão é saber se a norma de cuidado tem no seu
âmbito evitar todos os riscos possíveis e, neste caso, o de evitar que alguém
caísse no poço, em consequência da projeção decorrente de um acidente de
automóvel: neste caso, a resposta será negativa.

2. Situações do comportamento lícito alternativo – verifica-se que, para além


do comportamento do agente, há outros comportamentos e fatores acidentais
provocados pela própria vítima. Casos em que se o agente tivesse agido
licitamente (caso no qual não teria criado ou potenciado um risco proibido), era
provável que o resultado se tivesse ainda assim verificado. EXEMPLO: agente
não para no STOP antes do cruzamento e atropela alguém que estava a
atravessar a estrada. No entanto, conclui-se que, mesmo que tivesse parado no
STOP – ou seja, mesmo que tivesse agido licitamente – é quase certo que o
atropelamento aconteceria.
Quando há certeza de que o resultado se iria produzir na mesma a
esmagadora maioria da doutrina diz que nestes casos se afasta a imputação.
o ROXIN – ex: um empresário tinha uma fábrica de pincéis de pelo de cabra e
entregou os pelos infetados aos trabalhadores; mas provou-se que a desinfeção
não tinha eliminado aquele bicho que provocou a infeção, pelo que os
trabalhadores iriam morrer na mesma mesmo que o empresário os tivesse
desinfetado.
 ROXIN diz que há desvalor da ação (deveria ter desinfetado os pelos),
mas não pode haver conexão de risco proibido, porque a desinfeção tinha
sido inútil, o que quer dizer que a norma de cuidado que serve para
prevenir o risco, neste caso servia para afastar o risco, mas não o risco
que se produziu na morte das pessoas. Então não foi o risco proibido que
o empresário criou que se verificou no resultado. Assim, não pode haver
imputação objetiva. A norma não era eficaz para afastar o risco que se
concretizou no resultado, assim, o risco que se produziu foi outro, que
não serve de base para a imputação.

Havendo dúvida sobre qual dos riscos proibidos operou para a verificação do
resultado:
o Exemplo: um camionista pretende ultrapassar um ciclista, fazendo-o sem
respeitar a distância de segurança de ultrapassagem e, ao fazê-lo, atropela o
ciclista, morrendo; todavia, isto verifica-se na sequência de uma condução
oscilante do ciclista, que estava embriagado. A questão que se deve colocar é
saber se se o agente tivesse respeitado a distância de segurança de
ultrapassagem, dado o facto de o ciclista estar embriagado, aquele resultado não
se verificaria; ou seja, saber se se o agente tivesse agido licitamente, cumprindo
a distância obrigatória, tal seria o bastante para evitar o resultado. Ficando-se
numa situação de incerteza, não poderá haver imputação objetiva
(MFP).
 A maioria da doutrina entende que, se existe dúvida, então in dúbio pro
reu: tem de valorar a dúvida a favor do arguido, logo, nega-se a imputação
objetiva.
 ROXIN – não faz sentido falar em in dúbio pro reu porque tal é para
verificação de factos e neste caso não há dúvidas quanto aos factos. Trata-
se de saber se existe uma conexão de risco – existe criação de risco
proibido: se segundo um juízo ex post tivermos a certeza de que o agente
aumentou o risco para a produção do resultado, então existe base para a
imputação (teoria do incremento do risco).
 MFP – a posição de ROXIN não pode proceder, pois com isso
transformar-se-ia os crimes de resultado em crimes de perigo. não
podemos afirmar com mero incremento do risco que existe conexão do
risco; não se pode confundir desvalor de ação com desvalor do resultado.
Se não há certeza de que o resultado se produziria na mesma, não pode
haver conexão.

Estes casos distinguem-se da causalidade virtual, onde existe um


comportamento de terceiro, onde se coloca a questão de saber se a causa virtual
tem uma relevância excludente pela causa real. São situações em que, ainda que o
agente, com a sua ação, tenha criado um perigo não permitido e este se tenha
materializado no resultado típico, há razões para duvidar da imputação objetiva do
resultado ao agente. Nos casos de causalidade virtual, o agente pratica um facto que
leva a um resultado que, caso o agente não tivesse atuado, surgiria em tempo e sob
condições tipicamente semelhantes.
o MFP: responde-se à pergunta pela negativa, uma vez que o propósito da
norma penal é evitar comportamentos lesivos de bens jurídicos; é assim
irrelevante que houvesse outra causa latente que também fosse provocar
aquele resultado.
o FD: a causa virtual ou hipotética é irrelevante pois que, à luz da função de
tutela subsidiária dos bens jurídicos, continua a ter sentido não abandonar o
bem jurídico à agressão do agente só porque aquele já não pode, em definitivo,
ser salvo. EXEMPLO: A é condenado à morte e, momentos antes de morrer, B
dispara sobre este, causando a sua morte.

3. Se o resultado era só provável, tem de se provar a potenciação do risco e a sua


materialização no resultado típico.
• MFP: a imputação objetiva não se justificará no caso de dúvida razoável quanto
à conexão entre o aumento do risco e o evento verificado:
✓ Não se pode converter a dúvida sobre o que poderia ter acontecido num
fundamento de ativação da função normativa.
✓ A limitação da imputação penal, nos crimes de resultado, é às ações
verdadeiramente consequentes.
• MFP: não se imputa devido aos seguintes princípios penais:
 In dúbio pro reu – dúvida valorada a favor do arguido
 Princípio da legalidade – exige conexão de risco entre o
comportamento e o resultado, estando só assim a tipicidade
da norma completa
 Direito penal do facto – não há certeza de que aquele agente
provocou o facto.

A Teoria do Risco de ROXIN não prescinde da causalidade, simplesmente adiciona um critério


à causalidade, que pressupõe a previsibilidade – se o resultado for completamente
imprevisível não se imputa, pois a Teoria do Risco de ROXIN assenta na ideia de causalidade
adequada.
O conceito de proibido traduz-se na proibição da ação de forma objetiva – valorada
negativamente pelo Direito Penal pois coloca em perigo um bem jurídico. Tal depende de
duplo fator: (i) o agente com a sua atuação criou um risco não permitido (ou aumentado um
já existente) e (ii) esse risco conduziu à produção do resultado concreto (conexão de risco).

Relevante ainda na Teoria do Risco é o princípio da confiança:


Segundo este princípio, uma pessoa, em princípio, pode confiar que os outros vão cumprir
as regras.

Exemplo: se A está a conduzir e tem prioridade, não terá de parar para se certificar de que
os outros condutores vão respeitar a prioridade; em princípio, poderá confiar que o farão. Se
o outro não respeitar, houver um embate e morrer, A pode fazer-se valer do princípio da
confiança para afastar a imputação.

O princípio da confiança não vale, contudo, quando o agente não respeita a norma de
cuidado, ou quando há sinais evidentes de que o outro não vai respeitar a norma (ex: o
agente vê claramente que o outro não vai respeitar a prioridade).

Caso de fronteira: A conduz desrespeitando os limites de velocidade, atropelando uma


criança; contudo, a mãe não estava a vigiar a criança. Poderá A aqui fazer-se valer do princípio
da confiança, afirmando que confiava que a mãe iria vigiar a criança? Ora, a verdade é que A
viola a norma de cuidado; a mãe também poderia argumentar que confiava que A ia respeitar
os limites de velocidade.

CAUSAS CUMULATIVAS:
A obtenção do resultado não se adquire apenas com a produção de uma causas, mas
com a conjunção de ambas as causas. Uma conduta por si só não é idónea a produzir
o resultado.
Exemplo: A deita uma dose de veneno num copo, e essa dose não é suficiente para
matar C. B, sem saber de A, deita uma dose de veneno no mesmo copo, que também
não é suficiente para matar. Mas as duas doses juntas já são suficientes para causar a
morte.
Nestes casos, a regra é a de não haver imputação objetiva a nenhuma delas, analisando
individualmente cada uma. Assim, pela conditio sine qua non, não há causalidade.
De acordo com a teoria da causalidade adequada não era previsível que a dose
não letal matasse, não sendo imputado objetivamente a nenhum dos dois. Além disso,
uma vez que não foi causa também não é adequado (para esta teoria tem de haver
causa e essa causa ser adequada, se não há causa, também não pode ser adequada,
logo não há imputação).
Já de acordo com a teoria do risco há uma criação de um risco proibido, mas não
há a concretização do risco proibido criado, pois é sim a concretização do risco que A
criou mais o risco criado por B. Temos de analisar agente a agente. Individualmente,
a dose de cada um não produziu o resultado. Portanto não há imputação objetiva. Já
se os dois soubessem, aí poderia haver comparticipação – mas teriam os dois de saber
um do outro e teria de haver um acordo entre os dois (a coautoria exige sempre um
acordo entre as pessoas envolvidas).
Em suma, cada um dos agentes só poderia responder pelo próprio risco criado e não
pelo risco criado pelo outro agente, de tal modo que não há responsabilização pelo
resultado, pelo que não pode haver imputação objetiva. Seriam indiciados por
tentativa - isto havendo dolo de homicídio. Já havendo negligência, a única hipótese
seria eventualmente punir por ofensas à integridade física.

CAUSAS ALTERNATIVAS /PARALELAS:


Qualquer uma das causas seria suficiente para produzir o resultado, mas no entanto
atuaram em conjunção. Nestes casos a doutrina tende a considerar que existe
imputação objetiva, sendo que devemos, no entanto, analisar a mesma em relação a
cada um dos agentes.

Exemplo: A coloca no copo veneno suficiente para matar C. Logo a seguir, B coloca no
copo uma dose suficiente para matar C. Quid juris?

Segundo a teoria da conditio sine qua non: o comportamento é a causa do


resultado? Sim. Realizamos uma supressão mental para determinar se sem aquela
condição a morte ocorria, e a resposta é negativa. Há causalidade, uma vez que, se
retirarmos alguma das ações, o resultado não se teria verificado nas mesmas
circunstâncias de tempo, modo e lugar. O modo não é o mesmo: uma coisa é a pessoa
morrer com uma dose de 50 mg de veneno; outra coisa é morrer com uma dose de 25
mg.

Teoria da causalidade adequada: temos de atender ao critério da previsibilidade.


Acabamos por realizar uma prognose póstuma, ou seja, o juiz deve mentalmente
regressar ao momento da prática do ato e colocar-se no lugar de uma pessoa média,
para determinar se seria previsível a produção do resultado. Se a resposta fosse
positiva, a imputação objetiva seria possível, o que é o caso.
Teoria do risco: temos de atender à criação de um risco proibido e o resultado ser a
concretização desse mesmo risco. Temos de utilizar na mesma o critério da
previsibilidade, mas só sabemos se há criação do risco proibido se houver uma regra
expressa ou se no caso de não existirem regras expressas, colocarmo-nos no momento
em que o agente atuou e questionarmos a previsibilidade da lesão do bem jurídico.
Sendo a resposta afirmativa, o risco é proibido.
Concluir-se-á que ambos deveriam responder pela morte da vítima, pois ambos
introduziram as causas, havendo assim imputação objetiva.

Causa virtual:
Uma causa que não preenche o resultado típico, mas que o produzia entretanto não
houvesse interrupção do nexo causal, sendo que a única causa virtual que revela é o
comportamento lícito alternativo. Assim, esta causa virtual não é relevante. Há uma
causa virtual, que não se concretizou em causa efetiva, mas a causa virtual não revela
para imputação.

DUALIDADE CAUSA-EFEITO IN DUBIO PRO RÉU :

Neste caso, de acordo com a teoria da causalidade adequada teríamos de


questionar se cada uma das causas, individualmente, poderia levar, previsivelmente à
obtenção do resultado, tendo, portanto, de existir uma relação causa-efeito.
Havendo duas causa-efeito, teríamos de escolher a relevante, mas o problema é que
ambos o são. O que é certo é que este critério não assenta apenas na previsibilidade,
mas também na causa. Ambas as condutas, individualmente, criam o risco proibido,
mas não conseguimos estabelecer qual o veneno que produziu o caso, ou seja, qual
dos venenos foi a causa do resultado.
Não havendo certeza, ou seja, não se conseguindo ultrapassar a dúvida razoável, pois
não se pode atribuir a causa X ao efeito, não se pode provar o responsável pela morte,
não se faz a imputação objetiva.
In dúbio pro reu, ambos são absolvidos do crime de homicídio consumado e
condenados por tentativa de homicídio. Só se fossem coautores é que a resposta seria
diferente.

Caso 1:
a) Amélia, convencida da eficácia mortal das aspirinas, deita, com
intenção de matar, um aspegic no café de Bernardo, que vem a
morrer por padecer de uma rara alergia ao acetilsalicilato de lisina
que Amélia desconhecia.
Está em causa o resultado morte, em regra é o tipo homicídio. Temos de ver se o tipo
objetivo está realizado. Não basta haver morte, tem de ser preciso a ação da agente a
produzir o resultado. Intuitivamente parece que uma pessoa mata outra se lhe causa
a morte. Assim temos de estabelecer um modo de estabelecer a causalidade. Surgem
as teorias. A teoria da equivalência das condições/conditio sine qua non diz
que é uma ação é causa quando sem ela resultado não se verificaria. Temos de fazer
um juízo de superação mental, perguntar se o resultado de manteria sem essa
condição. Neste caso seria causa do resultado morte? Sim, porque se retirarmos a ação
da Amélia o resultado não se verifica.
Esta teoria tem vários problemas: inútil, porque pressupõe a própria resposta (ex.:
contegram foi um medicamento para mulheres gravidas, algumas vieram a abortar. O
ministrar o medicamento foi causa do aborto? Se suprimirmos a ministração elas
abortavam? não se sabia, porque não sabíamos se tinha sido o medicamento. A teoria
só dava reposta se eu soubesse a reposta; também não distingue as condições (então
os pais também eram causa, porque tiveram o criminoso) – não oferece critérios de
distinção se uns critérios são mais importantes que outros. Por isso a teoria vem sendo
abandonada. Ela não estabelece a causalidade, porque pressupõe que eu já saiba. Útil
apenas em termos explicativos, mas não serve para dar a reposta se há causalidade ou
não.
Surge a teoria da condição legal/conformes as leis da natureza: há causalidade se a
uma ação se se seguem modificações no mundo exterior que de acordo com as leis da
natureza se ligam necessariamente a essa ação (de acordo com as leis científicas as
modificações decorrem daquela ação?). Esta lei remete a explicação para as leis da
natureza, e em caso de dúvida temos de correr a métodos científicos, como a
experimentação.
Problema: a natureza não é certa, muitas vezes temos de lidar com probabilidades,
com dados estatísticos, a teoria não dá um critério para distinguir se uma causa é mais
relevante que outra.
Surgem teorias para restringir as respostas: Teoria da causalidade adequada –
introduziu-se um critério de previsibilidade. Mesmo que uma ação tenha sido causa
de um resultado em termos naturalísticos, só provocou o resultado para efeitos de
imputação se ela em geral apresentar uma tendência para produzir esse resultado. Se
a produção tem um resultado extraordinário ela é irrelevante para termos de
imputação. Para saber se era previsível temos de recorrer a um juízo de prognose
póstuma. Pergunta-se se o observador objetivo, um observador médio, colocado na
posição do agente, considera o resultado previsível. Se a resposta for positiva então o
comportamento causal era causa adequada a produzir aquele resultado. Não só há
causalidade como há imputação. Primeiro observamos se é causa, depois observamos
se a causa era previsível de levar ao resultado. Dificuldades: manipulável. O resultado
vai ser mais ou menos previsível consoante o grau de pormenor colocado na pergunta
para apurar a previsibilidade. Também há dúvidas quanto ao grau de probabilidade
que se exige: para alguns bastas que o resultado não fosse inteiramente improvável,
basta que seja remota; outros definem uma noção mesmo ampla, inequívoca.

b) Imagine agora que Amélia sabia que as aspirinas não são


normalmente letais, mas tinha conhecimento da rara alergia de
Bernardo.
Se a gente tinha conhecimento da alergia especial, então já será previsível que a
aspirina mate. Pelo que não só há causa como há imputação.
Caso 2:
a) Irélia convence um tio rico, emigrante na Austrália, a vir visitá-la
a Portugal, na esperança de que ocorra um desastre de avião, o
que lhe permitiria herdar toda a fortuna. O avião cai e o tio vem
efetivamente a morrer.

Estamos aqui perante uma morte. Começamos por tentar aplicar a teoria da
conditio sine qua non, procurando determinar se existira ou não imputação
objetiva. Assim, neste caso, o comportamento de I teria de ser a causa do resultado
(morte), sendo que para chegarmos a tal conclusão temos de efetuar um exercício de
supressão mental: se o resultado assim se mantivesse, a condição seria então a causa.
Ainda que com muitos problemas, nomeadamente a questão de poder ser levada até
ao limite, esta teoria, neste caso concreto, decide pela imputação objetiva. A teoria
da causalidade adequada, por sua vez, diz-nos para atendermos às causas, pois
nem todas são iguais: neste caso a causa seria irrelevante, pois é imprevisível, anómala
e de rara verificação. Atende-se a um critério de previsibilidade que assenta na ideia
de que o comportamento X leva à obtenção do resultado y (neste caso a morte do tio).
Faz-se uma prognose póstuma, ou seja, o juiz é colocado no momento da prática do
ato, na posição de uma pessoa média, e o resultado fosse previsível, então haveria
imputação. Contudo, neste caso, não parece que houvesse previsibilidade, pois como
dito supra, é uma causa de rara verificação. Nestes termos, devido a esta teoria, não
existiria imputação objetiva. Mais, isto extravasa a responsabilidade, a pessoa corre
esse risco de livre vontade, ninguém pode ser punido por oferecer uma viagem.
Por fim, atendendo à teoria do risco, tem de se determinar se o agente provocou a
criação ou aumento do risco, atendendo-se à violação ou não de uma norma expressa,
e ao resultado ser ou não a concretização do risco proibido. Não existindo norma
expressa, teríamos de questionar se era previsível a lesão do bem jurídico, pelo que
sendo a resposta negativa, o risco não era proibido, e como tal não existia imputação.
Além disso há uma autorresponsabilização da vítima, ele decide correr o risco, que
não se nega que existe, mas é um risco permitido. No fim, concluímos assim pela não
imputação.

b) Imagine que Irélia, com a mesma intenção, oferece ao tio um


pacote de 20 viagens, depois de averiguar que a companhia aérea
em causa regista uma média de 3 acidentes por cada 20 voos. O tio
vem efetivamente a morrer num desastre ocorrido numa das
viagens.
Estamos aqui perante uma morte. Começamos por tentar aplicar a teoria da
conditio sine qua non, procurando determinar se existira ou não imputação
objetiva. Assim, neste caso, o comportamento de I teria de ser a causa do resultado
(morte), sendo que para chegarmos a tal conclusão temos de efetuar um exercício de
supressão mental: se o resultado assim se mantivesse, a condição seria então a causa.
Ainda que com muitos problemas, nomeadamente a questão de poder ser levada até
ao limite, esta teoria, neste caso concreto, decide pela imputação objetiva. A teoria
da causalidade consagra a desigualdade de diferentes condições/causas, sendo que
temos de diferenciar as relevantes e as irrelevantes. Neste caso, atendendo aos dados
e aos números, temos de considerar a causa como relevante, no sentido em que existe
alguma probabilidade, sendo que não é verificação tão rara assim (3/20). Atende-se
assim a um critério de previsibilidade, ou seja, vai procurar-se perceber se o
comportamento de I de oferecer as viagens ao tio, levou à obtenção do resultado.
Realiza-se uma prognose póstuma, em que o juiz, colocado no momento da prática do
ato, e na detenção das informações que I tinha, tem de perceber se a causa era ou não
previsível. Sendo a resposta positiva, como é o caso, haveria imputação. Nos termos
da teoria do risco atende-se à criação ou aumento do risco, o que é o caso, sendo
que há aqui a violação de uma norma não expressa, mas em que é previsível a violação
do bem jurídico. Assim, estamos então perante um risco proibido.

Caso 3:
a) Luís e Mariana, sem conhecimento um do outro, deitam, cada um,
uma dose de um veneno fatal e de eficácia rápida no chá de Nádia,
que, ao bebê-lo, tem morte instantânea.

Nestas circunstâncias estaríamos perante um caso de causas alternativas ou paralelas,


já que qualquer uma das causas seria suficiente para produzir o resultado, mas que,
no entanto, atuaram em conjunção. Nestes casos a doutrina tende a considerar que
existe imputação objetiva, sendo que devemos, no entanto, analisar a mesma em
relação a cada um dos agentes:
a. Luís: teoria da conditio sine qua non: o comportamento é a causa do
resultado? Sim. Realizamos uma supressão mental para determinar se
sem aquela condição a morte ocorria, e a resposta é negativa. A causa seria
assim aquilo que com a sua ausência, faria o resultado desaparecer, sendo
que isto, no entanto, não é suficiente.
Teoria da causalidade adequada: temos e atender ao critério da
previsibilidade. Acabamos por realizar uma prognose póstuma, ou seja, o juiz deve
mentalmente regressar ao momento da prática do ato e colocar-se no lugar de uma
pessoa média, para determinar se seria previsível a produção do resultado. Se a
resposta fosse positiva, a imputação objetiva seria possível, o que é o caso
Teoria do risco: temos de atender à criação de um risco proibido e ao resultado ser
a concretização desse mesmo risco. Temos de utilizar na mesma o critério da
previsibilidade, mas só sabemos se há criação do risco proibido se houver uma regra
expressa ou se no caso de não existirem regras expressas, colocarmo-nos no momento
em que o agente atuou e questionarmos a previsibilidade da lesão do bem jurídico.
Sendo a resposta afirmativa, o risco é proibido.
Quanto a Mariana, as respostas de cada uma das teorias seriam idênticas, pelo que
concluímos que ambos deveriam responder pela morte de Nádia, pois ambos
introduziram as causas, havendo assim imputação objetiva.
b) A resposta mudaria se se soubesse que o veneno usado por Luís tinha
efeito imediato, tendo, portanto, provocado a morte de Nádia antes
que o veneno utilizado por Mariana (de efeitos mais retardados)
pudesse atuar?
Por resultado da teoria da causalidade, teríamos de averiguar cada uma das causas
individualmente. Nestes termos, ambas as causas seriam consideradas relevantes,
pois era previsível a obtenção do resultado típico. No que respeita aos resultados da
prognose póstuma, seria necessário determinar igualmente a previsibilidade, dando
esta lugar a imputação. Contudo, existem diferentes níveis de previsibilidade,
nomeadamente no que respeita à demora da atuação de cada um dos venenos.
Passando agora para a teoria do risco: há, de facto, a criação de um risco, sendo
previsíveis as lesões ao bem jurídico. Nestes termos, o risco seria previsível e o
resultado da atuação de L é de facto a concretização do risco proibido, enquanto o
mesmo não acontece com a atuação de M. Em suma, diria que havia imputação para
a atuação de L, enquanto no que respeita a M, a condenação deveria dizer respeito a
uma mera tentativa de homicídio. A diferenciação entre a imputação a L e não a M
baseia-se na obtenção do resultado típico, pois o que interessa não é apenas a causa,
mas também o nexo de causalidade entre a atuação e o resultado. Para concluir,
acrescentaria que a igualdade se baseia em tratar como igual aquilo que o é, de tal
modo que não podemos condenar duas pessoas pelo mesmo crime, quando na
realidade apenas uma foi responsável pela obtenção do resultado (ainda que uma
outra tivesse atuado no mesmo sentido).

c) Imagine agora que cada dose, por si só, não era mortal, mas Nádia
morre da conjugação de ambas. Luís e Mariana não tinham
conhecimento um do outro.
Estamos perante um caso de causas cumulativas, ou seja, a obtenção do resultado não
se adquire apenas com a produção de uma causas, mas com a conjunção, neste caso,
das suas que são suscetíveis de produzir o resultado. Nestes casos, a regra é a de não
haver imputação objetiva a nenhuma delas, analisando individualmente cada um.
Assim, pela conditio sine qua non – não há causalidade.
De acordo com a teoria da causalidade não era previsível que a dose não letal
matasse, não sendo imputado objetivamente a nenhum dos dois. Além disso, uma vez
que não foi causa também não é adequado (para esta teoria tem de haver causa e essa
causa ser adequada, se não há causa, também não pode ser adequada, logo não há
imputação).
Já de acordo com a teoria do risco há uma criação de um risco proibido, mas não
há a concretização do risco proibido criado, pois é sim a concretização do risco que L
criou mais o risco criado por M. Temos de analisar agente a agente. Individualmente,
a dose de cada um não produziu o resultado. Portanto não há imputação objetiva. Em
suma, cada um dos agentes só poderia responder pelo próprio risco criado e não pelo
risco criado pelo outro agente, de tal modo que não há responsabilização pelo
resultado, pelo que não pode haver imputação objetiva.

d) A resposta à questão anterior seria diferente se se comprovasse que


Nádia morrera pela atuação de apenas um dos venenos, não se
conseguindo, porém, perceber qual?

Neste caso, de acordo com a teoria da causalidade adequada teríamos de


questionar se cada uma das causas, individualmente, poderia levar, previsivelmente à
obtenção do resultado, tendo, portanto, de existir uma relação causa-efeito. Havendo
neste caso duas causa-efeito, teríamos de escolher a relevante, mas o problema é que
ambos o são. O que é certo é que este critério não assenta apenas na previsibilidade,
mas também na causa. Tanto Luís como Mariana, individualmente, criam o risco
proibido, mas não conseguimos estabelecer qual o veneno que produziu o caso, ou
seja, qual dos venenos foi a causa do resultado. Não havendo certeza, ou seja, não se
conseguindo ultrapassar a dúvida razoável, pois não se pode atribuir a causa X ao
efeito, não se pode provar o responsável pela morte, não se faz a imputação objetiva.
In dúbio pro reu, ambos são absolvidos do crime de homicídio consumado e
condenados por tentativa de homicídio. Só se fossem coautores é que a resposta seria
diferente.

e) E se Hernâni tivesse disparado sobre Nádia, provocando-lhe a morte


antes que os venenos pudessem atuar?
Estamos perante uma causa virtual, ou seja, uma causa que não preenche o resultado
típico, mas que o produzia se a pessoa não tivesse morrido, entretanto, sendo que a
única causa virtual que revela é o comportamento lícito alternativo. Assim, esta causa
virtual não é relevante.
Luís criou risco proibido? Sim, porque não se pode envenenar as pessoas. Mas não se
concretizou num resultado. Logo não havia imputação objetiva. O mesmo raciocínio
quanto a Marina. No máximo podiam ser punidos por tentativa de homicídio.
Há interrupção do nexo causal por parte de Hernâni. Cria o risco, é proibido ao
disparar e esse risco vai-se concretizar no resultado.
Há uma causa virtual, que não se concretizou em causa efetiva (de Luís e Mariana),
mas a causa virtual não revela para imputação.
Caso 4:
Engrácia atropela mortalmente João quando conduzia em excesso de
velocidade.
Imagine que:
a) João vem a morrer num acidente da ambulância que o
transportava para o hospital.
Para a conditio sine qua non o comportamento de E foi causa – se não fosse o
atropelamento não havia o acidente da ambulância.
Para a teoria da causalidade adequada é discutível até que ponto é que não é previsível
a ocorrência de acidentes rodoviários. Demonstra o problema do nível de
previsibilidade que se requer.
Para a teoria do risco – teríamos de questionar se há a criação de um risco, o que é
verdade, e se se trata de um risco proibido, sendo a resposta afirmativa já que como
estava a conduzir em excesso de velocidade há a violação das normas de circulação
rodoviária. Assim, por último, teríamos de questionar se o resultado é a concretização
do risco proibido, sendo a resposta negativa. Quando cria o risco proibido ao atropelar
o risco é a morte em decorrência das lesões. No caso, a morte é a concretização do
risco criado pela condução da ambulância. Um acidente da ambulância é totalmente
imprevisível. Isto é um risco geral da vida. O resultado concretizou-se num risco geral
da vida, e não no risco proibido praticado por E. Em suma, dir-se-ia que E poderia
responder por ofensa à integridade física, mas não por morte pois este resultado não
é a concretização do risco criado pela mesma. Há uma interrupção do nexo causal.

Imagine-se que: A ultrapassa B numa curva onde não era permitido. Durante a
ultrapassagem salta um pneu, de modo inesperado. Por causa desse salto do pneu
perde o domínio do carro, não conseguindo voltar à sua marcha embatendo num carro
que vinha na faixa contrária, matando a pessoa. Há criação de um risco proibido, esse
risco concretizou-se no resultado? A morte originou-se, mas ele criou um risco
proibido de ultrapassagem, porque numa curva com pouca visibilidade não pode
controlar os carros que vêm, o que sucedeu foi que o pneu saltou, e é esse o risco, não
o risco que ele criou. Não havia conexão de risco, e por isso não havia imputação
objetiva, não sendo punido por homicídio.

b) A ambulância chega ao destino, mas Jivago, o único cirurgião do


hospital capaz de efetuar a cirurgia requerida, está de férias.
Contactado para realizar a operação, Jivago, que goza as suas
férias em casa, a 15 minutos de distância, faz questão de ver até ao
fim o Festival da Canção, seu programa preferido, antes de sair,
vindo João a falecer. Conclui-se mais tarde que João talvez
houvesse sido salvo se Jivago tivesse saído de casa quando foi
contactado.
Relativamente ao médico: Quando há omissão temos de ver se há dever de
garante. O dever de garante serve para vermos se podemos equipara a ação à omissão.
Serve para ver se podemos equipar a omissão dele a um homicídio. Neste caso, o
médico não tem posição de garante. Responsabilizamos assim através do art.º 284.º.
o médico tem posição de garante quando está de serviço. Não está. Vamos ver se há
omissão pura. 200.º ou 284.º. aplicamos o 284.º. este artigo representa um crime que
não é de resultado- assim não imputação. O médico só era punido pelo 284.º.
Vamos então supor que há uma assunção de deveres de proteção, uma vez que ele
tinha posição de garante, admitindo que esta situação cabe no quadro das suas
funções porque está no contrato que pode ser chamado.
Assim, teríamos e fazer uma equiparação da ação à omissão- 131.º com a cláusula do
art.º 10.º. nesta situação. Temos de ver se com a ação que o agente omitiu, o agente
se teria seguramente evitado - indubio pro reu e princípio da legalidade. Nas omissões
não é ver se criou um risco proibido ou aumentou, mas se a sua conduta não diminuiu
o risco. A sua passividade não diminuiu o risco. Tinha o dever de garante, dever de
diminuir o risco. Para ver se há a conexão de risco temos de ver se a sua conduta de
não diminuir o risco se concretizou no resultado. Então, perguntar o que aconteceria
se ele teria cumprido o seu dever. Basta probabilidade ou ter a certeza de que não
morreria, ou até mesmo a possibilidade de diminuir o risco? Conclusão: o agente era
punido por recusa de médico.

c) Já no hospital, João recusa uma transfusão de sangue – bem


sabendo que ela é essencial para poder sobreviver – por tal ir
contra as suas crenças religiosas, vindo a morrer passado pouco
tempo.
Aqui não há imputação. Há uma questão de autorresponsabilidade. O agente causa o
resultado, mas vemos que o simples comportamento do agente não é suficiente, pois
existe o comportamento da própria vítima. Roxin propõe inserir este caso nos casos
de responsabilidade alheia. Se a vítima tem consciência do alcance da recusa, em
princípio afasta-se a imputação do resultado a E. passa para o âmbito da
responsabilidade da própria vida. Se a negligencia da vítima não é suficiente ( se a
negligencia é leve), então não se afasta a imputação.
❖ IMPUTAÇÃO SUBJETIVA

A imputação subjetiva traduz-se numa relação subjetiva entre o agente e o


resultado, sendo o dolo o elemento irrenunciável do tipo subjetivo.
O conteúdo do tipo subjetivo de ilícito não se esgota no dolo do tipo: temos também
de considerar a negligência.
A questão do dolo e negligência são problemas de tipicidade. O comportamento só é
típico se houver dolo e negligência (quando esta estiver prevista).
A delimitação do comportamento subjetivo imputável prende-se com a atribuição
do facto típico à vontade do agente – o facto típico é expressão da vontade do
agente.

Dolo vs. Negligência:

O art.º 13º determina que “só é punível o facto praticado com dolo ou, nos casos
especialmente previstos na lei, com negligência”. Isto significa que o art.º 13º tem
ínsito que é mais grave a criminalidade dolosa – tal deve-se ao facto de o Direito Penal
ser regido pelo princípio da culpa e estes casos serem aqueles em que o agente
revela no facto uma posição ou atitude de contrariedade ou indiferença perante o
dever-ser jurídico-penal. O agente doloso revela uma maior perigosidade que o agente
negligente.
A imagem mais representativa do dolo é o comportamento intencional. Num
comportamento intencional, normalmente há uma decisão de realizar aquele facto
e/ou de atingir aquele resultado, o que torna o agente mais motivável pelas normas,
na medida em que a força preventiva das normas é mais fácil de desmotivar aquele
que delibera do que aquele que é negligente.
Em princípio, o comportamento intencional, enquanto exprime uma
escolha/decisão pela realização de um facto, põe o agente em confronto com a norma
de forma direta.

Porque é que estes comportamentos, intencionais ou em que há decisão de realização


do facto típico, são mais gravemente puníveis que os comportamentos negligentes?
➢ O comportamento doloso é um comportamento em que era mais fácil evitar
a lesão do bem jurídico, pois ele tinha uma vontade dirigida para a violação
desse bem jurídico.
• É mais intensa a vontade – a intencionalidade é o mais elevado grau
de racionalidade comportamental.
• Vivencia de forma mais clara o conflito entre violar a norma ou não.
• O desvalor da ação é superior, pois o agente está em conflito
direto com a norma – o agente optou por violar a norma;
motivou-se contra a Ordem Jurídica.
No caso da negligência (violação de um dever de cuidado) o agente não pode ter
vivido esse conflito entre violar a norma ou não:
➢ Não se coloca a si mesmo no problema de estar em conflito com o Direito.
➢ Enquanto o negligente confia que não vai acontecer nada, não se coloca o
problema da escolha de realizar a violação da norma ou não.
A negligência só é punida quando esteja especialmente prevista na lei – é o que
resulta do art.º 13º.

A negligência pode ser de dois tipos – art.º 15º:


1) Negligência consciente – está presente um elemento em comum com o dolo
– o elemento intelectual (o agente representou a realização do tipo objetivo);
não é dolo porque falta o elemento volitivo.
2) Negligência inconsciente – o agente nem sequer verificou a realização do
tipo objetivo.

Para que haja negligência, então, é necessária a verificação de dois requisitos:


1) Esteja previsto na lei;
2) O agente tenha atuado com negligência – tenha violado uma norma de cuidado.

Estrutura do Dolo do Tipo:


Numa fórmula geral, o dolo pode ser concetualizado como o conhecimento (momento
intelectual) e vontade de realizar o tipo objetivo de ilícito (momento volitivo): é o
elemento volitivo, quando ligado ao elemento intelectual, que verdadeiramente serve
para indiciar (embora ainda não para fundamentar) uma posição ou atitude do agente
contrária ou indiferente à norma de conduta, i.e., uma culpa dolosa e a consequente
possibilidade de o agente ser punido a título de dolo.
Elementos do dolo:
1) ELEMENTO INTELECTUAL
O elemento intelectual do dolo exige que o agente tenha conhecimento ou
represente as circunstâncias do facto que preenche um tipo de ilícito objetivo (art.º
16º/1). Pretende-se que ao atuar, o agente conheça tudo quanto é necessário a uma
correta orientação da sua consciência ética para o desvalor jurídico que
concretamente se liga à ação intentada, para o seu carácter ilícito. Só quando todos os
elementos de facto estão presentes na consciência psicológica do agente se poderá vir
a afirmar que ele se decidiu pela prática do ilícito e deve responder por uma atitude
contrária ou indiferente ao bem jurídico lesado pela conduta.
As primeiras circunstâncias a serem atendidas são as circunstâncias do facto, que
se reportam ao respetivo tipo de ilícito objetivo. O agente tem que
representar/conhecer que está a matar uma pessoa para se aplicar o art.131º.
Surgem igualmente os elementos de direito. Na maior parte dos casos, os tipos
objetivos são portadores de elementos de direito, não bastando a referência a “factos
nus” (sem conceito puramente jurídico), mas sim factos valorados pelo Direito. Para
distinguir os elementos de facto dos elementos de direito, os primeiros são descritivos
e os segundos são normativos. Os elementos normativos só podem ser representados
com referência a normas.

Elementos de facto: “outra pessoa” (art.131º), “corpo” (art.143º), “mulher” (art.168º),


“alimentos ou bebidas” (art.220º/1 a).
Elementos normativos: carácter “alheio” (arts.203º, 204º. 209º e 212º); qualidade de
“funcionário” nos crimes cometidos no exercício de funções públicas (arts.372º e ss.);
“Mãe-Pátria” (art.308º), “Governo” e “Estado” (art.309º); “tribunal” (art.360º),
“testemunha, perito, técnico, tradutor ou intérprete” (art.360º); “casamento”
(art.247º); “coisa (…) que tenha entrado na sua posse ou detenção” e “caso fortuito”
(art.209º); “documento” e “moeda” (art.255º/a) e d)).

A questão que se coloca é qual o grau de conhecimento exigido para estes


elementos normativos!? Não se pode exigir o mesmo grau para os elementos de facto,
ou seja, a “exata subsunção dos factos na lei que os prevê”, sob pena de só o jurista
sabedor poder atuar dolosamente. Não é necessário conhecer o regime jurídico. O que
se exige é que o agente conheça o significado social daquelas palavras de modo a que
seja possível representar o seu significado35. Noutros casos, a exigência ainda se
afigura menor, porque o legislador apenas incluiu conceitos que abrangessem vários
exemplos para facilitar a leitura do CP. São exemplos “descendente” “ascendente”
(art.177º/1 a)), “bons costumes” (art.38º e 149º). Basta o conhecimento dos
pressupostos materiais da valoração, ou seja, o agente deve conhecer a materialidade
subjacente.
Porém, existem casos em que se exige algum conhecimento técnico no sentido
em que o agente consiga determinar os critérios determinantes da qualificação. Tal
acontece no Direito Penal Secundário em que surgem expressões como “obtenção
indevida”; “prestação tributária aduaneira legalmente devida”.
De resto, os elementos descritivos ou de facto são condicionados pela sua
imagem/aparência física. Se um agente tem uma relação sexual com uma pessoa de
14 anos que aparenta ter 20, não tem conhecimento possível da idade da jovem. Só
através da palavra da mesma ou por demonstração de documentos poderia o agente
ter essa representação. Situação diferente é aquela, em que apesar da aparência, o
agente considera a opção contrária, aí o dolo não será excluído segundo MFP.

A manifestação da consciência da factualidade típica exige que se verifiquem 3


aspetos:
• Representação da realização do facto típico como possível – tem de
haver pelo agente uma representação, ao menos como possível, da realização do
facto típico. Ex: no caso de uma pessoa que dispara a uma distância muito
elevada, não sendo provável que acerte na pessoa, mas sendo configurado pelo
agente como possível, há dolo.
• Consciência atual – o elemento intelectual verifica-se se a representação do
agente for atual ou atualizável. O agente tem que realizar a representação dos
factos no momento (quando o agente quer matar alguém que se encontra no
arbusto, tem que representar no momento que a pessoa, que se pretende matar,
se encontra no arbusto no momento; agente não vai disparar sobre uma pessoa
conscientemente se a viu no arbusto há 2 meses). Mas a consciência não tem de
ter uma vivência plenamente efetiva, que ser refletida, o agente não tem que
estar a pensar pormenorizadamente, basta a consideração do que se passa” - ex:
sexo com adolescente, sendo que durante o ato não repara que é adolescente;
ex2: no caso do funcionário que não pensa nessa qualidade no momento em que
pratica corrupção, estende-se sobre ele um “permanente saber acompanhante”,
que basta para a afirmação do dolo do tipo. Para além disto, a consciência deve
ser atualizável, se tal se verificar, não há dolo, mas sim negligência – ex: o
médico identifica uma alergia a certos medicamentos a determinado paciente;
2 Anos depois dessa identificação, o médico receita um medicamento cujo
paciente era alérgico - falha o elemento intelectual do dolo; o médico é
negligente porque podia ter consultado a ficha do paciente. Havendo dúvidas
quanto ao conhecimento, ele não deve ser presumido, valendo aqui o princípio
in dúbio pro reo.
• Representação do perigo concreto – tem de haver consciência de que
aquele comportamento é perigoso (crimes de perigo concreto = provocação de
dano) e de que os danos são possíveis, i.e., o agente não pode configurar um
perigo remoto, mas sim um perigo concreto.
A função deste elemento é a de assegurar que o agente, ao atuar, conheça tudo
quanto é necessário a uma correta orientação da sua consciência ética para o desvalor
jurídico que concretamente se liga à ação intentada, para o seu caráter ilícito.
A compreensão do elemento intelectual a partir da função de motivação
pela norma que justifica a exigência de dolo permite evitar o excessivo alargamento
da exclusão do dolo a situações em que o não conhecimento de alguns factos não
impede ainda a apreensão do significado do comportamento.
Nos crimes de resultado, tanto a ação como o resultado são circunstâncias do facto
pertencentes ao tipo objetivo de ilícito, o agente deve representar a ação e o seu
possível resultado. Sempre que o agente não represente, ou represente erradamente
um qualquer dos elementos da factualidade típica, o dolo terá de ser negado –
princípio da congruência entre o tipo objetivo e o tipo subjetivo de ilícito doloso.
Nesses casos, poder-se-á estar perante um caso de erro quanto ao decurso do
acontecimento, previsto no art.º 16º/1 CP, o qual impede o crime doloso.

Espécies de erro:
1. Erro sobre a factualidade típica e erro sobre a ilicitude
FD: o erro do art.º 16º é de tipo intelectual e o do art.º 17º é de tipo moral:
significa que há um erro em que é a própria perceção dos factos existentes que não é
atingida e um outro em que apenas estará em causa a compreensão da sua valoração,
documentando um desfasamento das valorações subjetivas do agente relativamente
às do legislador.
➢ MFP: este critério é exemplo de uma boa dogmática penal, mas tem muitos
problemas.
No caso do art.º 16º, o erro incide sobre a correspondência da representação dos
factos verificados e existentes, sendo sempre a asserção do agente em si mesmo
correta no plano semântico.
➢ Erro = representação positiva errada + falta de representação
➢ Exclui o dolo = o dolo do tipo não chega a constituir-se, por faltarem os seus
pressupostos
No caso do art.º 17º, o erro incide sobre o correto uso da linguagem aplicada ao caso
concreto – o agente descreve a realidade atribuindo-lhe um sentido incorreto de
acordo com os normais usos linguísticos.
Da análise de KINDHÄUSER resulta que a fronteira entre erros não depende de uma
qualidade do sujeito ou de uma motivação ou posição prévia perante os valores do
Direito, mas do modo de ser do erro, na perspetiva de alternativas de comportamento
do agente. É de facto a natureza do erro que suscita um impedimento ou uma falta de
oportunidade de motivação pela norma ou, em alternativa, apenas revela a falta de
correto processo de motivação, que seria possível.
A distinção entre o erro que exclui o dolo e o erro que apenas pode, em certas
circunstâncias, excluir a censura de culpa não depende de aspetos constitutivos do
sujeito; depende, tanto no plano da perceção como ao nível da compreensão de
sentido, das condições efetivas e factuais de oportunidade para decidir segundo uma
livre escolha entre a conduta típica e a ação lícita.
➢ Só exclui o dolo o erro que incide efetivamente sobre os aspetos da conduta que
constituam o objeto do dolo, ou seja, os aspetos que a vontade do agente pode
dominar e que sejam constitutivos do comportamento proibido.
Quando se exclui o dolo do tipo (art.º 16º/1) tem de se indagar se o crime
pode ser imputado a título de negligência (art.º 16º/3). Tal remete para o art.º
15º, art.º 13º e norma da PE que admita concretamente esse crime por negligência.

2. Error in persona vel objecto:


Este é um erro de representação, na formação da vontade, o agente encontra-
se em erro quanto à identidade do objeto ou da pessoa a atingir; o agente,
por exclusivo erro de perceção, atinge pessoa ou objeto diverso para o qual tinha
dirigido a sua ação. Ex.: uma pessoa quer matar outra, mas acaba por matar o sósia
dessa pessoa. A pessoa realizou o facto de homicídio de X e veio a acontecer o
homicídio de Y.
Neste caso, o elemento intelectual do dolo subsiste?
➢ A resposta é unânime – este caso não está abrangido no art.º 16º. Isto porque o
elemento essencial da factualidade típica é matar uma pessoa: aquele que
dispara sobre outrem, pensando que é X e é Y, na realidade não representou o
outro em concreto, mas este erro é irrelevante, pois ainda assim
representou uma pessoa, sendo este o elemento essencial da
factualidade típica: a lei proíbe a lesão de um bem jurídico e não de um bem
jurídico específico de alguém; assim, não se exclui o dolo. Sempre que o
objeto concretamente atingido seja tipicamente idêntico ao projetado, o erro
sobre o objeto (ou pessoa) é irrelevante. A lei não proíbe a lesão de C, mas de
todas as pessoas. A representou que estava uma pessoa e matou-a, preenche o
elemento intelectual do dolo. O agente é assim punido pelo crime consumado
com dolo.
➢ Porém, situação diversa é a do agente que erra sobre as qualidades tipicamente
relevantes do objeto por ele atingido, apenas se podendo imputar por tentativa.
Nessa situação, o agente terá que ser punido pela tentativa em concurso efetivo
com a negligência.
• Ex: o agente desconhece que está a agredir uma autoridade pública.
• Ex: A pensa que mata B, mas acaba por matar C que é pai de A – pode A
ser punido por homicídio qualificado (de C)? Não, porque não representa
que está a matar o seu pai. Neste caso, o erro sobre a identidade é
relevante.
• A dispara para um arbusto, pensando que lá se encontra um inimigo seu,
enquanto estava um animal. A seria punido pela tentativa de homicídio do
inimigo, e pelo crime de dano por ter matado o animal (art.º 212º/1).

Causas cumulativas: A dá dolosamente a B uma dose não mortal. Mas depois


arrepende-se, e dá outra dose não mortal, mas por erro, pensando tratar-se de outra
substância. A vítima acaba por morrer. Há um concurso aparente entre a tentativa e
o homicídio negligente consumado. O crime consumado consome a tentativa.

3. Erro na execução (aberratio ictus):


É um erro que se situa ao nível da execução. Por exemplo, uma pessoa quer matar
B, dirigindo o seu comportamento para tal, mas, por deficiência da execução ou por
um motivo exterior (ex: rajada de vento, má pontaria), vai atingir um terceiro, C.
Na verdade, acabou por matar uma pessoa, pelo que se poderia aplicar aqui a
solução prevista para o error in personam. Contudo, o problema que se coloca é
diferente: não se trata, como na primeira, de um problema de representação, mas sim
de uma espécie de descontrolo da ação final, uma falta de domínio/condução
sobre a ação concreta que se veio a realizar.
Nestes casos, verifica-se uma alteração da própria produção causal da ação iniciada
e o próprio resultado atingido. Não é alterado só o desenvolvimento causal, mas
também o próprio resultado.

O art.º 16º/1 ainda prevê estes casos e exclui dolo?


➢ FD: Sim, a produção de outro resultado, que tanto podia não ter lugar ou ser de
outra gravidade, só pode eventualmente conformar um crime negligente. A
punição deve por isso ter lugar só por tentativa ou por concurso desta com crime
negligente: teoria da concretização.
• HELENA MORÃO discorda e só pune por tentativa.

Mesmo incidindo sobre objeto típico idêntico, há, no entanto, uma natureza causal do
erro que torna a parte concretizadora do comportamento do agente como menos
controlável ou até não controlável e dirigível pela vontade.
➢ TERESA BELEZA: o objeto atingido é igual, sendo indiferente a
individualidade. Há crime consumado e assemelha-se aos erros de identidade.s
• Crítica: nos casos de error in persona vel objecto, como sempre houve
erro, somente 1 bem jurídico esteve em perigo. Neste caso, ambos os bens
jurídicos estiveram em perigo e o que aconteceu foi que, por erro de
execução, só um se realizou.
• Daí que não se pode comparar e mesmo em objeto idêntico a maioria da
doutrina pune por Tentativa + Negligência.

O resultado desejado deve ser encarado por tentativa (tentativa de matar B), e o
resultado verificado encarado como um crime negligente consumado (morte de C).
Segundo MFP tem sentido excluir o dolo e qualificar o comportamento do agente
como tentativa por dois motivos:
i. Agente pratica uma ação controlada pela vontade que não consegue
consumar e consuma outra que não é controlada finalisticamente –
logicamente, o facto realizado depende do facto típico em abstrato
projetado.
ii. O merecimento penal do agente em aberratio ictus sobre o objeto típico
idêntico pode ser muito diferente do merecimento do agente em erro
sobre a pessoa ou sobre o objeto.

Para além disso, a exclusão do dolo depende de o erro retirar ao agente a oportunidade
factual de confronto e motivação com a norma incriminadora. É precisamente essa
ideia que impõe um critério de base factual e descritivo na aberratio ictus, apoiado na
verificação da pluralidade de ações e na autonomia da decisão de agir inicial
relativamente à ação concretizada: existe uma ação dolosa dirigida a um objeto e uma
ação negligente dirigida a outro.

Nos casos em que se atinge uma terceira pessoa, questiona-se se existe um


homicídio consumado:
a) Concurso de tentativa do crime e crime consumado;
b) Apenas tentativa;
c) Concurso de crime doloso tentado e crime doloso consumado – a título de dolo
eventual, se o agente prevê e aceita que pode acontecer o resultado da segunda
conduta.
Há concurso efetivo entre estes dois segundo MFP. A autora justifica o tratamento
diferente do error in persona vel objecto porque a segunda ação (execução) não é
totalmente controlada pelo agente no momento da decisão e, por isso, não se podem
aferir as possibilidades de motivação pela norma do homicídio doloso.

Esta figura pode surgir em situações complexas em que é difícil distinguir de outras:
➢ Situações em que é difícil perceber se é erro de execução ou perceção
– quando agente não executa diretamente o facto, mas fá-lo através
de outra pessoa e em que, por isso, há da parte do agente uma certa falta de
domínio da execução. Ex: uma pessoa contrata um assassino profissional para
matar outra pessoa. O contratado está em erro sobre a pessoa, que é irrelevante.
• O autor material manifesta-se como uma arma desviada ou maquinismo
avariado que falha o alvo.
• Contudo, o agente (instigador – art.º 26º) cria um risco muito intenso do
autor material, que deveria evitar e que torna previsível o resultado.
• MFP: melhor solução é a que qualifica como erro sobre a pessoa e pune o
instigador pelo crime doloso consumado do autor material, pois o agente
tem domínio sobre o facto e tem igualmente um dolo especialmente
intenso.
➢ Situações de dolo alternativo – o agente pretende atingir A, sendo-lhe
indiferente que venha a atingir B porque ambos são inimigos; casos em que,
mesmo que o agente prefira acertar num agente, conforma-se com a
possibilidade de acertar no outro. Verifica-se um dolo que admite uma ação
imprecisa e sem um desenvolvimento concreto assegurado a priori,
relativamente a uma de duas vítimas, embora se possa preferir atingir a vítima
quanto à qual se falha. Nestes casos, a dúvida que se coloca é saber se estamos
também perante uma tentativa e um crime doloso consumado ou se apenas
perante um só crime doloso consumado, por se ter atingido apenas uma das
vítimas:
• MFP: há dolo direto sobre B e dolo eventual sobre C e, caso A atinja C, a
solução correta, estando B e C presentes, é a de punir 2 crimes, a tentativa
(de homicídio a B) e o crime consumado (homicídio doloso a C). Poder-
se-ia acusar esta posição de violar o ne bis in idem, porém MFP defende
que ação promovida pelo agente era bivalente – encerrava em si, em
alternativa, uma possibilidade de atingir qualquer uma das vítimas e era
sustentada numa decisão de atingir qualquer uma delas; ambas as vítimas
foram objeto da ação e ambos os concretos bens jurídicos (a vida de cada
pessoa) foram postos efetivamente em perigo.
• Esta solução tem sido criticada: em bom rigor, trata-se de um dolo com
objeto alternativo – o agente não se conformou com a possibilidade de
acertar nos dois, mas com a possibilidade de acertar num deles. Punir o
agente com dois crimes dolosos é ficcionar duas ações dolosas quando só
existiu uma – viola-se o princípio ne bis in idem (não se pode valorar o
mesmo conteúdo de ilícito mais do que uma vez). Só há base para afirmar
o desvalor de ação dolosa numa das ações.
o Assim, pune-se pelo crime doloso consumado (FD).
o SILVA DIAS – A passeia a cavalo e B, querendo acertar em A acaba
por acertar no cavalo. Se B não acertar em ninguém, FD dirá que se
pune por tentativa de homicídio. Se acertar, é punido por crime de
dano. Ora, não faz sentido ser punido menos gravemente se acertar
do que se não acertar.
O dolo alternativo distingue-se, assim, do erro sobre a execução na medida em que
nos casos de dolo alternativo o agente conforma-se, ainda que num nível mínimo, com
a possibilidade de acertar noutro alvo.

4. Erro sobre o processo causal:


A questão que se coloca é de saber se a não correspondência entre o processo
causal concreto e o processo causal representado pelo agente é
suficientemente significativa para se excluir, nos crimes de resultado, o dolo relativo
ao resultado.
Neste caso, ocorre uma divergência entre o risco conscientemente criado
e aquele do qual deriva efetivamente o resultado.
Por exemplo, o agente concebe matar outra pessoa com um disparo e a vítima,
ferida, vem a morrer num desastre a caminho do hospital devido ao acidente: o
processo causal desencadeado pelo comportamento do agente conduziu à morte, mas
por uma forma diferente e anómala em relação à projetada.
Existem, a este propósito, duas doutrinas:
a) Como o resultado tem lugar por concretização de um risco não previsto, não
pode afirmar-se a congruência entre o tipo objetivo e o tipo subjetivo doloso –
JAKOBS. De algum modo, o resultado deixa de ser relativo a uma ação do agente
e, por isso, o dolo deve ser excluído.
b) O erro sobre o processo causal é irrelevante, sendo o agente punido pelo crime
consumado, exceto nos crimes de execução vinculada, pois só nesses casos o
processo causal constitui um elemento do tipo objetivo de ilícito, e, por isso,
uma circunstância do facto – MFP e EDUARDO CORREIA.
• Se o tipo de ilícito for de execução vinculada, então este erro é puro erro
sobre a factualidade típica e é claramente relevante – a forma como a
agente atua é importante para preencher o tipo – relevante pois se não
fizer exatamente o que está descrito no tipo não está a cometer o crime.
c) Segundo JFD, quando o erro sobre o processo causal for um erro sobre a
factualidade típica, deve-se punir apenas pela tentativa, o dolo continua a existir
- A querendo matar B, dispara sobre este que fica gravemente ferido. B vem a
morrer devido a um acidente na ambulância pelo qual estava a ser transportado.
A teve dolo de homicídio, mas só é punido pela tentativa por não se realizar
imputação objetiva.

➢ MFP: além de um problema de imputação subjetiva, temos um problema prévio


de imputação objetiva.
• Nestes casos, em que os processos causais são acidentais e imprevisíveis,
o agente apenas deve ser responsabilizado por tentativa. Ex: A dá tiro em
B e representa a sua morte imediata, mas, B só morre porque a
ambulância que o transportava sofreu um acidente.

Existem outros casos, em que se entende que o desvio é irrelevante: casos em que o
processo causal concreto não dominado pelo agente não só poderia facilmente ser
previsto como decorre em sequência do processo posto em movimento pelo agente.
➢ A dá uma facada a B, que desenvolve uma septicémia e vem a morrer da mesma.
Este desvio não é relevante e, por isso, não deixa de haver dolo.
➢ Caso do agente que quer matar a vítima, atirando-a da ponte, concebendo que a
mesma vai morrer do embate na água, mas acontece que a vítima, ao ser atirada,
morre logo por embater contra um pilar. Nestes casos, semelhante ao anterior,
entende-se que este é um desvio irrelevante, porque ainda é o perigo típico
contido no comportamento do agente que atua para a verificação do resultado.
• MFP: esta alteração do processo causal concreto não foi prevista, mas
ainda é uma consequência imediata e normal da ação do agente e de um
processo causal que cabe no espaço ou área de risco intenso derivado da
conduta do agente e incluído na sua decisão, que o tipo pretende abarcar.

Dolus generalis:
O agente pratica mais que um ato e erra quanto ao que efetivamente
produziu resultado. o agente pratica um ato em que pensa erroneamente ter
produzido o resultado, e vem depois praticar outro que o produz, verificando-se o
resultado em circunstâncias concretas de tempo, lugar ou modo diversas.
a) Ex1: A bate em B e pensando aquele que B já se encontra morto, simula o
suicídio através de enforcamento. B morre apenas no enforcamento. Neste caso,
o agente, por erro, pensa que realiza o facto típico quando tenta, sem conseguir,
consumar o crime. O dolo antecede o momento da produção do resultado.
b) Ex2: o agente planeia matar a vítima por afogamento no rio, mas mata-a logo
que desfere pancadas na cabeça e não apenas quando a atira ao rio. Neste caso,
o agente realiza o facto típico, quando, na sua representação, apenas o prepara.
Produz o resultado inconscientemente. O dolo sucede ao momento da produção
do resultado.

São casos que cronologicamente ocorrem em dois tempos:


1. 1º Momento em que o agente pensa erroneamente ter produzido, com a sua
ação, o resultado típico;
2. 2º Momento, fruto de uma nova atuação do agente (quase sempre com fins de
encobrimento), em que o resultado vem efetivamente a concretizar-se.

A realização objetiva do facto, sem uma orientação da ação pela vontade não
corresponde, de acordo com o art.º 14º CP, a um comportamento doloso. Ao produzir-
se o resultado inconscientemente, apenas poderia conceber-se uma ação negligente,
já que o agente sempre poderia prever que a morte da vítima pudesse ocorrer daquele
modo.
Assim, nestes casos, a ação suportada pelo dolo do facto não determina
(imediatamente) o resultado, enquanto a ação que causa o resultado não é
mais suportada pelo dolo do facto.

A questão que se coloca, nestas situações, é saber se o comportamento deve ser


qualificado como um concurso de tentativa de homicídio (doloso) e homicídio
consumado (negligente) ou se se deve ser considerado simplesmente como um
homicídio doloso consumado:
➢ CURADO NEVES: concurso eventual entre a tentativa e o cometimento
negligente do facto.
➢ FD: deve seguir-se a doutrina da imputação objetiva e saber e o risco que se
concretiza no resultado pode ainda reconduzir-se ao quadro dos riscos criados
pela (primeira) ação.
• Se sim, o crime é consumado;
• Se não, só pode ser punido a título de tentativa (eventualmente em
concurso com um crime negligente consumado). Esta solução também se
aplica aos casos de Inversão Temporal dos acontecimentos: tendo em
conta se o agente ainda executa ou não o ato posterior destinado a realizar
o facto típico que projetou que nesse momento ia acontecer, mas
aconteceu antes.
➢ MFP segue a doutrina de WELZEL:
• Nos casos de “homicídio encoberto” há uma unidade na sequência das
duas ações (pancada e atirar ao rio) e uma conexão de exclusividade entre
a conduta representada e o concreto processo causal que justifica observá-
las apenas como a realização de um único facto típico com um desvio não
essencial sobre o processo causal; o agente planeou todo o processo desde
o início – erro não essencial, não excludente de dolo. Este é o
verdadeiro caso de dolus generalis.
• Nos casos em que a decisão de praticar a ação que redunda
(inconscientemente) na morte da vida não foi projetada como sequencial,
mas foi fruto de uma decisão momentânea (posterior à ação que deveria
produzir o resultado típico), a diferenciação entre uma ação dolosa
tentada e uma ação negligente consumada qualifica mais corretamente o
comportamento do agente – exclui-se o dolo (agente pensa estar a atirar
um cadáver, não uma pessoa viva). Aqui já não se trata de um caso de
dolus generalis. A resposta depende de se o agente podia representar a
morte da vítima através do seu comportamento.
Ou seja, o reconhecimento da unidade de ação ou da pluralidade de ações, a partir do
critério da unidade ou pluralidade de decisões de ação seria, assim, o critério que
permitiria distinguir a situação de erro não essencial, não excludente do dolo, da
situação de erro essencial, que fundamenta o concurso entre uma tentativa de crime
(dolosa) e um crime negligente consumado.

5. Erro sobre a deliberação.

Objeto do dolo e conhecimento dos elementos do tipo:


O objeto do dolo é o tipo do dolo.

➢ Elementos descritivos – certos elementos constitutivos do facto típico


relativamente aos quais seria necessária uma perceção sensorial efetiva para
afirmação do dolo.

Erro excludente do dolo exigiria a falta de apreensão exata pelos sentidos. Ex: não
perceção que o objeto da ação seria uma pessoa, confundindo-a com um animal (para
ser homicídio). Nestes casos, em que há uma total confusão por parte do agente, existe
uma incapacidade de os sentidos apreenderem o objeto da ação, pelo que não existe o
conhecimento razoavelmente indispensável para que o agente se possa motivar pela
norma, tendo, nesses casos, de se excluir o dolo.
➢ Elementos normativos – certos elementos constitutivos do facto típico
relativamente aos quais bastaria uma representação do significado social –
Valoração Paralela na Esfera dos Leigos.

Erro excludente do dolo exigiria a falta de possibilidade de compreensão do


significado, numa perspetiva social. Ex: agente não poderia, no contexto em que
atuou, perceber que riscar um papel que teria valor de documento (ao mudar os
números de uma fatura improvisada de um restaurante) seria adulterar um
documento.

Não basta o conhecimento de meros factos, pois é indispensável a apreensão do seu


significado correspondente ao tipo – “factos valorados” em função do sentido de
ilicitude presente no tipo.

Essa exigência não coloca dificuldades quanto aos elementos descritivos, mas sim
quanto aos elementos normativos (aqueles que só podem ser representados e
pensados por referências a normas, jurídicas ou não jurídicas):
o Ao agente não se exige uma exata subsunção jurídica, mas sim uma apreensão
do sentido ou significado correspondente, no essencial e segundo o nível próprio
das representações do agente, à valoração do facto.

O relevante para o erro não é saber se os elementos do tipo são descritivos


ou normativos, mas se a deficiência do conhecimento se refere à relação
da norma com os factos concretos ou à própria compreensão da
intencionalidade da norma.

➢ Dúvida relativamente à realização do facto típico quanto ao significado que o


Direito atribui ao comportamento:

Vem reclamar uma certa articulação entre o elemento intelectual e o elemento volitivo
do dolo.
O art.º 14º parece diferenciar os aspetos da representação dos da ação. Se é débil o
elemento intelectual, é o elemento volitivo que vem dar consistência unitária ao
comportamento enquanto realização do facto típico.
Assim, é o próprio CP que nos “obriga” a diferenciar os aspetos intelectuais dos
aspetos volitivos
Como é que a dúvida do agente (incerteza em termos de representação) pode então
ser valorada, sobretudo em casos de dolo eventual?
Caso alemão em que dois bandidos assaltam uma casa e, para roubar dinheiro,
pensam em pôr inconsciente o dono da casa. Contudo, não conseguem com que o
dono fique inconsciente, mas também não querem que ele morra; então, lembram-se
de por umas correias de couro à volta do pescoço do dono da casa e vão apertando até
que, sem quererem, o matam.

Devem aqui ser considerados agente dolosos ou negligentes, uma vez que não
queriam aquele resultado?
A resposta que se dá é a de que os agentes não desejaram, mas quiseram.
• MFP – não sabe se o objeto do dolo eventual é completamente reconduzível
esta formulação. Tal solução levaria a uma prova muito difícil do objeto do dolo,
ter-se-ia de provar o que o agente pensou, que o quis. Tem de haver um critério
de significado, uma linguagem pública, não podendo ser valorável uma
linguagem privada, o mundo privado do agente sem mais, pois tal seria deturpar
o conteúdo dos estados mentais e da identidade das ações.
• Fórmulas de Frank – o agente, na hipótese de ter previsto o resultado como
consequência necessária da ação, teria ainda assim agido? Se a resposta for
afirmativa, há dolo; se for negativa, não há (fórmula hipotética). A outra fórmula
orienta-se pela comprovação de uma aceitação íntima de um resultado pelo
agente e, deste modo, acentua menos o processo indiciário de conhecimento e
mais o objeto substancial do conhecimento (uma posição de vontade) (fórmula
positiva).
• Mas esta fórmula é duvidosa porque toma por base a personalidade do
agente, violando o princípio da legalidade.
• A solução que tem tido a aceitação pela doutrina pugna pela ideia de aceitação
do risco (tomar em compra). Aceitando o risco, o agente opta por dar
preferência às vantagens do que às desvantagens do seu comportamento,
conformando-se, realizando o facto típico ainda assim.

➔ O conhecimento da proibição legal:


O art.º 16º/1 também refere o erro sobre a proibição. Falamos de situações em que a
ação, levado a cabo pelo agente, tem relevância axiológica quase insignificante e, por
isso, não é exigível que o agente conheça a proibição. Ou seja, estão em causa ações
que não têm intensidade enquanto conceito de valor (por exemplo ético).
Se olharmos para uma norma do código da estrada em que se diga “que é proibido
virar à esquerda”, a ação de virar à esquerda é neutra moralmente. Como aquela ação
não tem propriamente uma aparência “errada”, torna-se relevante que o agente
conheça da sua proibição para conseguir orientar devidamente a sua conduta. Quanto
tal se verifique, não existe dolo (art.16º/1).
Isto é contrabalançado com o facto de existir uma espécie de responsabilidade especial
do agente pela autocolocação numa posição de ignorância perante o facto, tal como
acontece nas situações de indiferença perante o resultado típico.
• Nos casos de atividade profissional, a obtenção de informação sobre a proibição
legal é condição do próprio reconhecimento e aceitação social dessa atividade.
Um agente que desconhece uma proibição legal estará, na perspetiva de uma
responsabilidade pessoal (responsabilidade por culpa), em circunstâncias
semelhantes às do agente que representa efetivamente a realização do facto típico,
quando seja evidente que uma atividade regulada possa estar sob o alcance de uma
proibição legal.
Ou seja, tanto preenche o elemento intelectual do dolo o agente que representa como
possível, embora possa duvidar, que o seu alvo é uma pessoa e não uma peça de casa,
não resolvendo a dúvida, como o agente que representa a necessidade de se informar
sobre se a sua atividade viola a lei e não é apenas uma conduta neutra, mas não o faz,
não se colocando em condições de esclarecer o sentido legal da sua atividade.

Mas quando é que o desconhecimento da proibição não é censurável ao agente?


Segundo JFD a situação verifica-se com frequência nos ilícitos de mera ordenação
social. É certo assim, que alguns crimes, estando próximos das contraordenações, são
abrangidos pelo 16º/1, salvo quando a sua gravidade indiciar o contrário (o
desconhecimento da proibição de conduzir com 1,2 de taxa de alcoolemia é censurável
porque pela gravidade há um indício que se trata de um crime e não de uma contra-
ordenação.).
Também nas normas de direito penal secundário, nomeadamente no direito penal
económico, quando as condutas proibidas não tenham em si um desvalor ético ou
social que seja evidente (como por exemplo, a mera violação de normas de execução
orçamental), se entende que o desconhecimento não é censurável (art.16º/1).
Por fim, restam os casos em que o legislador incriminou certas condutas, em função
de bens jurídico-penais que não se encontram completamente aceites pela
comunidade e pela sua consciência de valores.

2) ELEMENTO VOLITIVO – associado à ideia de querer. Note-se que querer


não é o mesmo que desejar. Está relacionado com o dolo eventual (art.º
14º/3) – racionalidade do comportamento em termos de decisão.
O dolo não pode bastar-se com a representação, por parte do agente, dos elementos
do facto e normativos. Exige-se um momento volitivo do dolo, ou seja, a prática do
facto deve pressupor uma vontade dirigida à sua realização.
Esta racionalidade é manifestada numa ideia de uma aceitação de riscos.
O agente atua conformando-se com a possível verificação do resultado;
aceita os riscos do seu comportamento.

➢ Caso dos mendigos russos, que estropiavam as crianças para as levar para
o mundo da mendicidade – havia aqui uma lógica empresarial, de aceitação do
risco: os benefícios globais deste comportamento são aqueles que prevalecem,
por escolha dos agentes. A fórmula hipotética de Frank resolveria a situação no
sentido de, se ele tivesse a certeza de que a criança morria, não tinha interesse
em fazer isso e por isso, não o faria e, por isso, não há dolo – tal não solucionaria
convenientemente este caso. Para há dolo eventual, há uma lógica empresarial,
as crianças morrem, mas morrem poucas. Os custos são minimizáveis.
➢ Caso Guilherme Teles: herói nacional suíço, funcionário preso e condenado
à morte; como alternativa, é levado a ser ele a disparar a flecha para atingir uma
maçã que está na cabeça do filho. Ele aceita o risco de matar o filho. Do ponto
de vista da tipicidade subjetiva, ainda há dolo eventual (mas talvez tenha havido
aqui uma diminuição do risco, devendo ser punido apenas por tentativa?; podia
também haver causa de exclusão da ilicitude).

Temos assim – art.º 14º:


a) Dolo direto (art.º 14º/1) – o agente orienta o seu comportamento para a
realização do facto típico. O agente quer a verificação do facto, sendo a sua
conduta dirigida diretamente a produzi-lo. A realização do tipo objetivo de
ilícito surge como o verdadeiro fim da conduta (dolo intencional).
b) Dolo necessário (art.º 14º/2) – o agente não dirige a sua atuação
diretamente a produzir a verificação do facto, mas aceita-o como consequência
necessária da sua conduta. O agente aceita todo o custo em razão do seu
benefício. Ex: Ex: põe bomba no avião para matar inimigo (dolo direto face a
este), o que faz com que morram os outros passageiros (dolo necessário).
c) Dolo eventual (art.º 14º/3) – a realização do tipo objetivo de ilícito é
representada pelo agente apenas como “consequência possível da conduta”. O
fim da sua ação não é a realização do facto típico, mas o agente representa tal
como possível e mesmo assim não deixa de realizar a ação. Ex: querendo ficar
com o dinheiro do seguro, pega fogo à casa, não sabendo que lá está a dormir
alguém; mas sabendo que pode estar. O agente prevê como possível a realização
do facto típico (elemento intelectual) e tem uma posição volitiva ao conformar-
se com aquela realização.
• MFP: É a compreensão da posição volitiva do agente que se torna o cerne
da caracterização como dolo.
O art.º 16º/1 CP exclui o dolo, mas não porque não haja conhecimento da ilicitude
do dolo. O que se exige é um conhecimento potencial (e não atual) da ilicitude do
ato, que não está presente nas situações abrangidas pelo art.º 16º.
Relativamente aos crimes negligentes, para haver responsabilidade, o agente
tem de ter conhecimento potencial, tem de ter confrontado o seu comportamento com
uma norma de cuidado, tem de ter condições de saber se o seu comportamento não
obedeceu aos procedimentos adequados para evitar riscos para bens jurídicos.
Teremos de recorrer ao art.º 17º para saber se essa falta de conhecimento não é
censurável.

Como distinguir o dolo eventual da negligência consciente?


No plano teórico não se levantam grandes problemas: ambos contêm o elemento
intelectual, mas apenas o dolo eventual contém também o elemento volitivo.
No plano prático, é mais difícil, pelo que temos de procurar critérios que permitam,
com alguma segurança, fazer a distinção entre dolo e negligência.
➢ Como se concetualiza – estabelecendo um critério que marque a fronteira entre
conformar e não conformar – a fronteira, de uma perspetiva racional.
➢ O foco deve ser a racionalidade do comportamento – tem de se analisar a
estrutura racional do comportamento.

Em primeiro lugar, no dolo eventual (ou condicional), tal como na negligência


consciente, o agente previu a realização do tipo objetivo de ilícito apenas como
consequência possível da sua conduta (art.º 14º/3 e 15º/ a)). É indiscutível que,
quando o agente preveja a realização do tipo objetivo de ilícito como consequência
possível da sua conduta e o aceite que há dolo eventual. Questionável é o âmbito da
“conformação” que é exigida no dolo eventual (art.º 14º/3) que é a qualidade
distintiva da negligência consciente (art.º 15º/a)).
A fim de solucionar o problema, a doutrina apresentou três teorias possíveis: a da
probabilidade, aceitação e conformação.

A. Teoria da Probabilidade: O problema é resolvido com base no elemento


intelectual e da probabilidade.

Para o dolo eventual exige-se uma representação qualificada – não basta a mera
representação da possibilidade, mas requer-se que essa representação assuma a
forma de probabilidade.
o MFP acentua o elemento intelectual do dolo apenas como indício objetivo e
suscetível de prova de uma realidade afetiva ou volitiva relativamente ao ato
(pelo que não se diferencia necessariamente das teorias volitivas).

Contudo, fazer assentar toda a construção somente na probabilidade tem


dificuldades:
o Determinação do grau mínimo de possibilidade/probabilidade de verificação do
facto necessário à afirmação do dolo do tipo.
o O agente, apesar da improbabilidade de realização do tipo, pode tomar a firme
decisão de a alcançar – a intensidade do elemento volitivo é tal que não deve
tornar a realização típica subjetivamente imputável por mera negligência. Por
exemplo disparar, sabendo que mesmo estando a longa distância pode acertar
na vítima. Neste caso o elemento volitivo é intenso e não se vê como não
qualificar a situação como dolo.
o
Formulações mais recentes procuram ancorar o dolo numa especial qualidade da
representação da realização típica como possível: exige-se que o agente tome a
realização como concretamente possível, que não a considere improvável segundo
juízo fundado, sobretudo, que parta de um ponto de vista pessoalmente vinculante.
o Faz com que se aproxime da terceira teoria.

B. Teorias da Aceitação: a distinção reside no facto de saber se o agente, apesar


da representação da realização típica como possível, aceitou intimamente a sua
verificação, ou, pelo menos, revelou a sua indiferença perante ela (dolo
eventual); ou se, pelo contrário, a repudiou intimamente, esperando que ela não
se verificasse (negligência consciente).

Para esta teoria basta que o agente decida contra o direito ou com indiferença perante
ele para encontrarmos dolo eventual.

CASO LACMAN: A aposta com B que é capaz de quebrar com um tiro um copo que
C segura na mão sem a atingir; acaba por ferir C. Neste caso, a brincadeira/competição
não pretende trazer danos, há uma confiança na não produção do resultado. Para MFP
não há dolo eventual. Não há propriamente uma aceitação implícita do risco da lesão
do bem jurídico.
C. Teorias da Conformação:

Conceção dominante e que está expressa no art.º 14º/3 - parte da ideia de que o dolo
(eventual) pressupõe algo mais do que o conhecimento do perigo de realização típica,
para haver dolo eventual, o agente tem que se conformar com a realização do facto
típico.
O agente pode, apesar de tal conhecimento, confiar, embora levianamente, que o
preenchimento do tipo se não verificará e age então só com negligência (consciente).
o Por isso, EDUARDO CORREIA avançava como critério do dolo eventual o facto
de o agente atuar não confiando em que o resultado se verificará.
• FD discorda: a dupla negação não permite perceber com clareza o
elemento positivo que deve arvorar-se como critério do dolo eventual;
conotação extremamente psicologista da confiança pode conduzir a
privilegiar infundadamente o otimista impenitente (que confia que tudo
correrá pelo melhor) face ao pessimista depressivo.

Caso very light: no final da taça de Portugal, quando uma das equipas marca golo e
um dos adeptos atira um very Light para o ar. O mesmo adepto atira um very Light e
acaba por atingir a bancada dos adeptos da equipa adversária, causando a morte de
um adepto (1995). O tribunal considerou que não havia dolo eventual e MFP
concorda. Há um contexto de festa, de euforia, não há uma lógica empresarial. Não
encontramos a conformação, conformar-se é aceitar que algo acontece, tem uma
posição positiva de vontade. Mas também não conseguimos provar que houve uma
confiança absoluta na não verificação do resultado. O art.º 14º/3 exige a conformação
positiva, não exige apenas a indiferença.

D. ROXIN e FIGUEIREDO DIAS:

O relevante é que o agente tome a sério o risco de (possível) lesão do bem jurídico, que
entre com ele em contas e que, não obstante, se decida pela realização do facto.
o A conformação é com o risco de produção do resultado típico.

Avulta-se o normativamente essencial da “confiança”: o indício de que a afirmação do


dolo do tipo confere a existência de uma culpa dolosa.
➢ O propósito que move a atuação do agente vale, aos seus olhos, o “preço” da
realização do tipo, ficando deste modo indiciado que o agente está intimamente
disposto a arcar com o seu desvalor.
➢ O agente, em vista da autêntica finalidade da sua ação, conforma-se/resigna-se
com a verificação das consequências típicas.
E. FERNANDA PALMA:

Sobrevalorização do interesse do agente face à tutela do bem jurídico: há uma


ponderação entre dois interesses: (i) interesse do agente em fazer o que quer e (ii)
proteção do bem jurídico em concreto, que pode ser lesada pela atuação do agente. O
critério é saber se o agente achou mais importante fazer o que queria ou não lesar o
bem jurídico.
Para haver dolo eventual, o agente tem que considerar que há um lucro em proceder
à ação que revele a indiferença pela lesão do bem jurídico. Há uma lógica empresarial,
os custos (indesejáveis) são superados pelos lucros, sendo os primeiros minimizáveis,
portanto.
O agente conforma-se com o perigo de realização do facto típico quando, perante um
dilema – fazer algo que implica lesão de um bem jurídico ou não – o agente decide
realizar uma ação. Aí, há dolo eventual. Aqui, o interesse na realização da conduta é
superior a um eventual interesse de não lesão do bem jurídico.
Vide caso dos mendigos russos (acima).
Já quando há um mero interesse lúdico, à partida há negligência consciente. Nestas
situações, a pessoa não está tão consciente dos riscos, pois está tão embrenhada no
contexto, que impede a pessoa de se conformar.
Voltando ao Caso Lacman, o que a pessoa quer é acertar no copo e nem se conforma
com a possibilidade de acertar na pessoa pois tem a confiança que não o vai fazer. Ele
tem tanta confiança que até aposta – temos negligência consciente.
o A não ser que, pelos dados da situação concreta, se pudesse concluir que a
fundamental motivação do agente seria o próprio “prazer do risco” e não ganhar
a aposta (lógica empresarial).

Concluindo, a identificação de estados mentais será um problema concetual,


linguístico e comunicacional e não um problema de comprovação científica da
verificação de uma realidade mental e da sua conexão com a expressão física.
o A linguagem social que nos permite discernir o que é um comportamento doloso
não pode deixar de ser a linguagem de que o agente dispõe para representar e
compreender o significado dos seus atos e através da qual se orienta no mundo
e que também para si próprio é inultrapassável.
o Para podermos descrever um comportamento como voluntário (doloso), será
necessário que seja intencional, e isso acontece com as decisões que obedecem
a uma lógica de silogismo aristotélico: o agente escolhe um fim que quer atingir,
escolhe os meios adequados para atingir esse fim e age para atingir esse fim,
com esses meios escolhidos. Se isto não sucede, significa que o agente agiu sem
vontade, agiu negligentemente.
• O problema é que isto parece limitar demasiado os casos de
voluntariedade, restringindo-os aos casos de intencionalidade. Assim,
acrescenta-se aqui o elemento da aceitação do risco da verificação do
resultado: aceita-se os meios para atingir os fins. Mas note-se que o agente
tem de representar o risco.

F. Indícios:

Quando há dúvida se estamos perante dolo eventual ou negligência consciente vamos


verificar os elementos objetivos, que não são tão dependentes de uma interpretação
subjetiva, e ver ser eles suportam as conclusões tiradas.

1º indício: elevada probabilidade de produção de resultado (típico) – ideia de


intensidade do risco. Se for muito elevado é quase impossível que o agente não se
tenha conformado.

2º indício: atuação do agente na redução do risco – se agente procurar evitar


produção do resultado é indício de negligência (pois o grau de conformação é menor
– ele não está a conformar com possível resultado); tomada de medidas de precaução.

3º indício: contexto motivacional – faz-se apelo ao critério MFP e se agente


sobrevalorizou o seu interesse face à proteção do bem jurídico no contexto em que se
insere. Não tem necessariamente de se aplicar.

ILICITUDE
Depois de afirmado a existência do desvalor do resultado (houve conexão do risco) e
desvalor da ação (em termos objetivos, houve criação de perigo; em termos subjetivo,
houve dolo), cumpre agora fazer o juízo de ilicitude, que vem ou confirmar (que o facto
de a pessoa ter agido com dolo e ter realizado uma conduta prevista como um crime,
foi contrário à ordem jurídica como um todo) ou infirmar (se pelo contrário, ainda
que haja desvalor da ação e do resultado, não é isto que torna suficiente para
considerar que o significado social da conduta do agente fosse a realizar de um crime.

A ilicitude do facto significa a sua contrariedade a uma norma do Direito Penal, no


pressuposto de que não se verifique simultaneamente uma autorização por qualquer
outra norma do Direito Penal ou pertencente à restante OJ – é isso que o art.º 31º CP
postula ao referir que “o facto não é punível quando a sua ilicitude for excluída pela
Ordem Jurídica considerada na sua totalidade”

Deste modo, exclui-se a ilicitude:


a) Se o comportamento for justificado por legítima defesa (art. 32º);
b) Quando uma conduta antinormativa prima facie é excecionalmente autorizada
por uma outra norma de Direito Penal ou de outro ramo do Direito – é o que
acontece nos casos de devassa da vida privada (art. 192º CP) ou de interceção
de comunicações (art. 194º CP), que são condutas proibidas por normas penais,
mas autorizadas pelo CPP, quando sejam realizadas no âmbito de um processo
crime pelas entidades competentes e seguindo os trâmites e condições previstas
legalmente.
c) Se a conduta for autorizada pelo próprio Direito Civil – por exemplo, um dano
(art. 212º CP) abrangido pela norma do CC que prevê a ação direta (art. 336º
CC).

A ilicitude penal tem sempre uma dicotomia: desvalor da ação + desvalor


do resultado.
o Os comportamentos ilícitos, para serem ilícitos, têm que comportar o desvalor
da ação (ideia de que as condutas praticadas têm que ser desvaliosas, temos
que ter ou uma ação proibida ou uma omissão da ação imposta ou devida).
o Para além do desvalor da ação, temos também o desvalor do resultado (é
desvaliosa tanto a ação de matar como a morte - desvalor do resultado).

Em princípio, estando verificados os tipos (havendo imputação objetiva e subjetiva)


há uma indicação de ilicitude, presumimos que o ato foi ilícito. Existe uma
fundamentação provisória de ilicitude. A ilicitude pode, no entanto, ser excluída
mediante causas de exclusão da ilicitude ou causas de justificação da ação.

Causas de justificação ou de exclusão da ilicitude:

As causas de justificação do facto ilícito não estão sujeitas, nos mesmos moldes que os
tipos incriminadores, ao princípio da legalidade e suas consequências – nullum
crimen sine lege. Aliás se estivesse sujeito aos mesmos moldes então aí haveria uma
falta de garantia, uma sujeição a intervenções arbitrárias do poder punitivo do Estado.
Também não estão sujeitas à proibição da analogia; mais uma vez, as causas de
exclusão de ilicitude não incriminam (ou agravam a incriminação de) alguém
(excluem a ilicitude do facto), logo são permitidas analogias que resultem bonam
partem – isto é, a favor do agente, que resulte para ele uma maior liberdade. Não vale
ainda o princípio da irretroactividade da lei penal.

As causas de justificação não têm de possuir carácter especificamente penal, servem


a totalidade da Ordem Jurídica, constando em qualquer ramo do Direito. Esta
dogmática está presente no art.31º CP. Portanto, se uma ação é considerada lícita ou
conforme ao Direito para efeitos de Direito Civil, então o mesmo valerá para o Direito
Penal. Cabe discussão aqui se se deve pensar numa ideia de unidade de ilicitude
ou numa ilicitude específica do Direito Penal.

a) A doutrina dominante sufraga a conceção da unidade da ilicitude (princípio


da unidade da Ordem Jurídica). Em que, sendo ilícito num ramo do
Direito, será ilícito em todos os outros ramos. Contrariamente, sendo lícita para
um ramo, será também lícita para os restantes. O que diverge são depois as
consequências da ilicitude e como elas são regulamentas – veja-se as
consequências da ilicitude em Direito das Obrigações e em Direito Penal.
Contudo, aceita-se que a valoração seja igual. Esta posição é aceite pelo Prof.
JFD
b) Não se tem por aceite a posição contrária. De que o ilícito é parcial, não é uma
coisa em si e que por isso este só se determina pelas consequências. Concluindo
então que há especificidade na norma penal desde logo pela especificidade da
pena e das medidas de segurança. Este é o pensamento negativo do princípio da
unidade da Ordem Jurídica.
c) Consideração final: deve ser seguida a conceção de EDUARDO CORREIA sendo
que pode haver possibilidade de uma específica exclusão do ilícito penal.
Contudo a ilicitude penal não é exclusivamente penal, é una a todo o
ordenamento.

Elementos objetivos e subjetivos das causas de justificação

Discute-se se, para a ilicitude ser excluída, basta estar preenchido o tipo objetivo, ou
se é necessário o tipo subjetivo. Se ao agente quando age é exigida uma certa direção
de vontade ou um certo ânimo ou conhecimento (Em caso de legítima defesa, A mata
B, mas A tem a intenção de herdar os seus bens, contudo B de facto queria matar A.
Considera-se justificada a ação? Outro exemplo: C pratica aborto a D, por questões de
dinheiro, contudo vem-se a saber que C salvou a vida de D devido a uma doença não
justificada. Considera-se justificada a ação? Não, porque só está preenchido o tipo
objetivo)? Pode-se ainda questionar se isto vale apenas para algumas causas de
justificação ou para todas.

A resposta hoje em dia é pacífica, é afastada a perspetiva objetiva (pelo menos de


forma única). Assim, considera-se necessário o elemento subjetivo para
apreciação da causa de justificação mais a perspetiva objetiva. A densidade do
elemento subjetivo será diferente consoante a causa de justificação em causa.

Basta a consciência da agressão ou exige-se que a agressão seja a motivação de quem


age em legítima defesa? Basta a consciência/conhecimento dos pressupostos de
justificação (animus justificandi):
o Temos um direito penal do facto e não um direito penal da motivação. Se 2
agentes que têm consciência que estão a ser atacados e se defendem, mas com
motivações diferentes, estar-se-ia a tratar diferentemente 2 situações
factualmente/objetivamente iguais.
o A mera exigência da consciência da causa de justificação permite melhor
proteger os bens jurídicos. Os agentes não precisam de ser motivados apenas
pela agressão para defender os seus bens jurídicos.

Mas este entendimento é igual para todas as causas de justificação? MFP diz que não,
deve-se analisar caso a caso. Funciona para a legítima defesa e estado necessidade.
Nos restantes casos exige-se, para além do tipo objetivo, que a motivação do agente
seja a prevista na causa de exclusão de ilicitude (O flagrante delito permite que se
detenha alguém imediatamente quando comete um crime público ou semipúblico
(art.255º e 256º CPP). Neste caso tem que se ser mais exigente subjetivamente, a
pessoa detém outrem para entregar às autoridades, mas para manter o arguido em
casa. Exige-se a motivação).

Resumindo, é necessário que estejam preenchidos os elementos objetivos do tipo para


excluir o desvalor de resultado (p.e morte de uma pessoa) e os elementos subjetivos
para demonstrar a falta de desvalor de ação. Estando ambos elementos verificados,
há exclusão da ilicitude.

Porém, realizando-se o tipo objetivo e não o tipo subjetivo, aplica-se o


regime da tentativa por via art.38º/4 que a doutrina entende que se aplica a
todas as causas de justificação. Porquê o regime da tentativa? Porque o agente que age
ao abrigo de uma causa de justificação (mas sem saber) provoca um resultado valioso,
apesar de a sua ação ser desvaliosa. Assim:
o Na tentativa, alguém tenta matar (ação desvaliosa), mas não consegue
(resultado não desvalioso).
o Na causa de justificação, A agride B simplesmente porque quis (ação
desvaliosa), mas depois descobriu-se que B ia agredir A, o que significa que A se
defendeu objetivamente (resultado valioso).

Com base nesta comparação nunca se poderia punir o agente pelo crime consumado.
Se estão preenchidos os elementos objetivos (faltando o desvalor de resultado), não
fazendo sentido punir de forma igual às situações em que há desvalor de resultado e
desvalor de ação (A quis agredir B e fá-lo). Por outro lado, não há analogia proibida
uma vez que é feita bonem partem no sentido em que alarga os limites da justificação,
não os restringe – (favorecendo o agente).

Contudo, JFD entende, no entanto, que deve ser feita uma ressalva quanto à aplicação
de todas as causas de justificação. Não se deve aplicar àquelas onde a justificação seja
somente constituída pela prossecução de um fim determinado (Deve ser punido por
sequestro consumado (art.158º) o polícia que detém um mero suspeito com outra
intenção que não seja a de identificação (art.29º/3 g) e art.250º/6 CPP).

Falta ainda discutir se o 38º/4 implica que se aplica a pena calculada pelo regime da
tentativa ou se se aplica o regime da tentativa. As situações são diferentes porque há
crimes que não são punidos pela tentativa (art.23º), para além de que não há tentativa
por negligência. Quando não haja lugar a punição por tentativa, se se aplicar o regime
da tentativa, o agente não é punido. Se por outro lado entendermos que se aplica a
pena calculada da tentativa, o agente é punido pela pena calculada para a tentativa.
JFD entende que se deve aplicar o regime da tentativa porque se o legislador previu
que determinadas situações não seriam punidas, foi porque tal não é necessário
(princípio da necessidade da pena.

Preenchimento do tipo subjetivo, mas não do objetivo

O agente supõe falsamente a verificação dos tipos objetivos, são as chamadas


justificações putativas ou de erro sobre os elementos do tipo justificador
– o agente desconhece os elementos objetivos do tipo justificador (A diz para B, em
tom de brincadeira de mau gosto e com um brinquedo, “a bolsa ou a sua vida” e B
rapidamente pensando ser um assalto dispara sobre A).

O agente pensa que o mundo fáctico está composto de tal forma que, sendo verdade,
agiria sobre uma causa de justificação. Cabe então saber se o agente será punido. Diz
o art.16º/ 2 “o erro sobre um estado de coisas que, a existir, excluiria a ilicitude do
facto”, exclui o dolo. Significa isto que apenas o dolo do agente é excluído e não a
ilicitude. O agente poderá ser punido por negligência (art.16º/3)

No entanto, a solução da exclusão do dolo não é pacífica na doutrina. Várias teorias


tentam resolver o problema:
o Teoria do dolo: a consciência do ilícito é elemento do dolo a par do
conhecimento e vontade de realização do tipo objetivo de ilícito e assim o erro
sobre pressupostos de uma causa de justificação não pode deixar de ser
considerado como um erro que exclui o dolo e só pode ser punível (se for) a
título de negligência.
o Teoria da culpa estrita: o dolo perfaz-se com o conhecimento e vontade de
realização do tipo objetivo de ilícito, pelo que o erro sobre os pressupostos de
uma causa justificativa não pode excluir o dolo, pode é assumir-se significado a
nível de culpa.
o Teoria da culpa limitada: o dolo não integra a consciência do ilícito mas, em
todo o caso, o erro sobre os pressupostos de uma causa de justificação ou
conforma um verdadeiro erro sobre elementos do tipo objetivo de ilícito (teoria
dos elementos negativos do tipo) ou constituindo um erro diferente de puro erro
sobre a factualidade típica, deve ser-lhe equiparado quanto á consequência
jurídica: exclusão do dolo.

Para JFD a solução correta é a da teoria da culpa limitada, como consta do art.16º/2
CP e como é seguida pelas correntes dominantes. Fundamento:
a) Quem erra sobre os pressupostos de um tipo justificador é, em definitivo,
materialmente idêntica à de quem erra sobre os elementos que pertencem a um
tipo incriminador.
b) Na responsabilidade dos agentes, nenhum deles tem erro em que incorre, a sua
consciência ética corretamente orientada para se pôr e resolver o problema da
concreta ilicitude do facto.
c) Existe um défice a nível da sua consciência psicológica ou intencional, não
possuem conhecimento indispensável para uma correta avaliação da ilicitude.
Todavia a teoria da culpa estrita não deixa de ter razão numa perspetiva puramente
dogmática e sistemática. Existe de facto uma diferença estrutural entre uma e outra
situação. Aquele que erra sobre a factualidade típica (decurso do acontecimento,
proibições legais de forma relevante) atua sem dolo do tipo. Enquanto quem aceita
erroneamente os elementos fácticos que, a existir, excluiriam a ilicitude, atua com
dolo do tipo. De todo o modo, pode dizer-se que o agente atua de facto com dolo, mas
o legislador não lhe imputa esse dolo. É uma solução dogmática, apresentada por
Augusto Silva Dias, alternativa às teorias expostas, muito mais simplificada e não
levanta problemas.

No caso de o agente ter a hipótese de ter evitado o erro através de uma cuidadosa
comprovação, face à situação justificadora, então fica ressalvada uma eventual
condenação a título de negligência se o respetivo tipo ilícito assim previr a
punibilidade a esse título (art.16º/3 CP).

Caso diferente, é o de o agente errar sobre a causa de exclusão de ilicitude ou sobre o


seu âmbito, o agente pensa que existo um tipo justificador que não existe61, ou pensa
que o tipo justificador cobre certos factos que, na realidade, não cobre. Há aqui uma
suposição falsa da existência de uma causa de justificação que a Ordem Jurídica não
reconhece. O erro aqui é de valoração e, como tal, aplica-se o regime da falta de
consciência de ilícito (art.17º).

Efeitos das causas de exclusão de ilicitude

Estando preenchida qualquer causa de justificação, o facto é lícito.


Podemos ainda referir pressupostos necessários a tal verificação, como por exemplo:
a existência de uma agressão ilícita (art.32ºCP). Isto para chegar à importante
conclusão de que contra causas de justificação não é admitida legítima
defesa – uma vez que a agressão é considerada lícita.

Outro efeito que podemos enunciar é de que a licitude do facto do autor não torna
punível o facto do cúmplice (acessoriedade limitada). Ao agente que atua ao abrigo de
causa justificante, não pode ser-lhe aplicada uma medida de segurança.

Estes efeitos são importantes para efeitos de distinção entre causas de justificação e
causas de exclusão da culpa. Um agente pode agir em legítima defesa contra alguém
que tenha causa de exclusão de culpa e cada comparticipante é punido segundo a sua
culpa independentemente do grau de culpa dos outros participantes. É ainda possível
a aplicação de uma medida de segurança a um inimputável que atua numa situação
de inexigibilidade.

Podemos tomar em conta ainda, de uma posição minoritária (alemã) quanto aos
efeitos. Aqui os autores defendem que as situações da vida não são tão puramente
dualistas: entre ser-se lícito ou ilícito. Assim, a intervenção sob uma causa de
justificação não leva imediatamente a um comportamento lícito (ou pelos menos
certas causas de justificação – para não dizer todas). Assim os autores convergem na
ideia de que para além do campo lícito e ilícito, há o espaço livre de direito. Afirmam
que o Direito não aprova positivamente a ação, ele apenas se apresenta como neutro
perante ela. Fica guardada uma valoração jurídico-objetivas entregando essa tarefa
(em exclusivo) à consciência ética do agente. Visto haver casos de difícil resolução
ética (como o suicido e a interrupção voluntária da gravidez) pensam os autores que
seriam bom deixar ao Direito um espaço que não é aprovado pelo Direito e tão pouco
é proibido. JFD não vê porque não se considere condutas estranhas à valoração
jurídico-penal quando se trate de licitude ou ilicitude. Porém, conclui que na prática
a ilicitude ou é afirmada ou negada e no campo lexical português a palavra aprovado
ou suportado pelo Direito chegamos à conclusão que é negada a ilicitude do facto
(sendo o um espaço que o Direito considere neutro ou em que aprove tal conduta).
Por isso, numa lógica deôntica ou “bivalente” é a justificação resulta na consideração
lícita ou ilícita do facto.

1. LEGÍTIMA DEFESA

Nos termos do art.º 32º CP: “Constitui legítima defesa o facto praticado como meio
necessário para repelir a agressão atual e ilícita de interesses juridicamente protegidos
do agente ou de terceiro.”

No momento atual, o fundamento desta figura reside predominante ou


exclusivamente na defesa necessária – e consequente preservação – do bem jurídico
agredido, deste modo se considerando esta causa justificativa um instrumento
(relativo) socialmente imprescindível de prevenção e, por aí, de defesa da OJ.

Nas palavras de FERNANDA PALMA, a legítima defesa é um modo de resolução de


conflitos entre os participantes num sistema social, através do qual é conferido aos
indivíduos, em casos específicos ou subsidiariamente, o poder de efetivar as regras do
sistema sem recurso à autoridade das instituições. A justificação histórica da legítima
defesa foi apresentada por Berner que dizia que “O Direito não deve nunca ceder
perante o ilícito”. Berner sustentava que o agente que age em legítima defesa defendia
não só o seu “interesse”, mas também interesses suprapessoais.

De acordo com a doutrina dominante (ROXIN, SILVA MARQUES, FD), são dois os
fundamentos da força justificativa da legítima defesa:

a) Necessidade de defesa da OJ, através da qual se justificará que se


sacrifiquem bens jurídicos de valor superior aos postos em causa pela agressão.
É por isto que se justifica que a legítima defesa não esteja limitada por uma ideia
de proporcionalidade. Não há fundamento para uma ação de legítima defesa
quando, no caso, se verifique um interesse na preservação do Direito, mas
inexista a necessidade de proteção de um bem jurídico.

b) Necessidade de proteção dos bens jurídicos ameaçados pela


agressão – à defesa de um bem jurídico acresce o propósito da preservação do
Direito na esfera de liberdade pessoal do agredido, tanto mais quanto a ameaça
resulta de um comportamento ilícito de outrem. Esta é a razão pela qual a defesa
é legítima ainda quando o interesse defendido seja de valor inferior ao interesse
lesado pela defesa: o interesse defendido é aquele que prepondera no conflito,
porque ele preserva do mesmo passo o Direito na pessoa do agredido – conceção
intersubjetiva.
• TAIPA DE CARVALHO – seria injusto impor ao agredido por um
agressor doloso e censurável uma limitação da sua liberdade de estar ou
da defesa ativa dos seus bens. É essa injustiça que constitui para este autor
o fundamento da legítima defesa, pois só aquela especial situação, a de
uma agressão atual, ilícita, dolosa e censurável, e a injustiça de impor ao
agredido um dever de suportar essa agressão fará cessar o dever de
solidariedade do agredido para com o agressor e permitir que sobre ele
recaia uma ação de legítima defesa, que não deverá ser limitada pelo
princípio da proporcionalidade.
• FERNANDA PALMA – a legítima defesa deve ser caracterizada por
uma exigência de proporcionalidade qualitativa: o defendente pode, em
legítima defesa, lesar um bem essencial (que manifesta a dignidade da
pessoa humana – art. 21º) do agressor – bens esses como os relativos à
vida, à integridade física, etc. – se for para se defender de uma agressão
pelo agressor a um também bem essencial seu – são os casos da
insuportabilidade da não defesa. Art. 34º/c). Há, então, que hierarquizar
bens jurídicos a partir do valor da própria pessoa. O poder privado de
defesa radica na necessidade de preservar a dignidade e a autonomia da
pessoa e os seus direitos.

Estes dois fundamentos interligam-se na ideia de uma preservação do Direito na


pessoa do agredido (STRATENWERTH).

MFP está a meio caminho de 2 perspetivas:


a) Perspetiva individualista – a legítima defesa é expressão de direitos
individuais e da liberdade.
• Aceitaria a ilimitação da LD em relação a quaisquer bens afetados, sem
distinção.
• Ideia fundamental é que ninguém pode ser vítima de agressões ilícitas aos
seus direitos (CASTANHEIRA NEVES).

b) Perspetiva publicista – apela a valores do Estado, sendo o fundamento da


legítima defesa a tutela substitutiva.
• Em certas circunstâncias, o Estado é representado pelos direitos privados
quando não for possível atuar publicamente.
• Assenta no princípio da subsidiariedade da legítima defesa, pois a tutela
pública é que é característica dum Estado de Direito democrático.
• Valor da autoridade pública é o mais alto.
MFP fragmenta a legítima defesa em duas:

a) Ilimitada – seria insuportável exigir que a pessoa não se defendesse, pois está
em causa um bem do núcleo de essencialidade da dignidade da pessoa humana.
Significa defesa ilimitada dos bens associados à dignidade da pessoa humana.
• MFP não exclui logo à partida o património – esses bens patrimoniais
podem ser justificativos, em situações específicas (condições da
subsistência e dignidade de uma pessoa).
• Defesa da ordem constitucional – interpreta-se como a ordem de bens
jurídicos associadas aos direitos fundamentais, havendo hierarquia entre
direitos fundamentais (ex: na CRP o património não está como direito
fundamental).

b) Limitada – bens sem o significado anterior, para os quais a defesa tem de ser
moderada e não se justifica uma legítima defesa a todo o custo.

A jurisprudência e a doutrina germânicas conceberam um modelo de moderação do


paradigma neohegeliano da legítima defesa, designado como Doutrina dos Limites
Ético-sociais da Legítima Defesa:
o Em certos contextos de responsabilização social do defendente (provocação da
agressão, relação familiar ou posição de garante relativamente ao agressor,
insignificância da agressão e inimputabilidade do agressor), a legítima defesa
não seria autorizada como resposta ilimitada à agressão ilícita, impondo-se uma
certa compressão do direito de defesa.
o Apelo à figura do abuso de direito.
o Conceção hierarquizada de interesses ou bens jurídicos na OJ do Estado de
Direito democrático, construída a partir dos valores da pessoa. Dessa conceção
não resultará uma necessidade de afirmação da validade de qualquer norma
concreta ou a proteção de qualquer interesse ou direito perante uma agressão
ilícita a qualquer preço.

➔ Pressupostos da legítima defesa

A. Agressão de interesses juridicamente protegidos do agente ou de


terceiro:

AGRESSÃO – ameaça derivada de um comportamento humano a um bem


juridicamente protegido (FD – só os seres humanos podem violar o direito: o direito
à defesa contra animais ou coisas inanimadas é dado e justificado pelo direito de
necessidade – art. 34º CP; exceto se os animais estiverem a ser usados como
instrumento de agressão, já que nestes casos não deixa de se estar perante uma
agressão humana, sendo o animal utilizado como arma):
o Essa agressão tem de ser voluntária, exigindo um estado de consciência em
que a vontade esteja presente.
o Engloba uma defesa contra condutas dolosas ou negligentes – o agredido muitas
vezes tem dificuldade em saber se a agressão é dolosa ou negligente. Esta
possibilidade não é contraditória com a consideração do fundamento da
legítima defesa como necessidade de manutenção de exigências de prevenção
geral.
o Engloba tanto o comportamento ativo como o omissivo – abrange tanto as
omissões impuras como as omissões puras?
• FD – sim. Existe um omitir do qual resulta um perigo para bens jurídicos,
individuais e supra-individuais, e relativamente ao qual, portanto, deve
ser afirmada a possibilidade de legítima defesa.
• ROXIN – não, o conceito de agressão e a consequente legitimidade da
defesa é restringido às omissões impuras, pois na omissão pura não há a
colocação em perigo de bens jurídicos individuais (LUZÓN) e a omissão
pura não é punível como lesão desses bens jurídicos.

INTERESSES JURIDICAMENTE PROTEGIDOS – o bem ameaçado deve ser


juridicamente protegido (não sendo necessariamente um bem jurídico-penal). Por
exemplo, a vida, a integridade física, a liberdade, a autodeterminação sexual, a
propriedade, a posse, o bom nome, etc., constituem interesses juridicamente
protegidos para o efeito de legítima defesa.

o MFP: Não pressupõe necessariamente uma natureza penal do ilícito e pode ser
o repelir de agressões que não correspondem a factos legalmente incriminados.

Apenas bens individuais ou também bens supra-individuais podem constituir objeto


de agressão?
o Hoje, com a referida tendência para uma cada vez mais acentuada
individualização da legítima defesa, uma doutrina privilegiada resolve a questão
no sentido da primeira alternativa (apenas bens individuais) – TAIPA DE
CARVALHO e MFP (que limita a defesa aos bens pessoais ou ainda patrimoniais
essenciais à manutenção e desenvolvimento da dignidade humana)
o FD – defende a segunda alternativa:
(a)O art. 32º pode sugerir que a agressão deve pôr em causa bens pessoais, ao
referir “interesses do agente ou de terceiro” e não também do Estado ou da
comunidade, se bem que, de um ponto de vista formal, sempre pudesse
retorquir-se que o Estado surge como “terceiro” em relação ao agressor.
(b) Não há razão para distinguir o Estado das pessoas físicas e jurídicas
quando estejam em causa bens jurídicos de fruição individual por ele
tutelados (ex: pode assim defender-se legitimamente um furto de material de
uma escola ou a danificação de um banco de um jardim público).
(c) A justificação da legítima defesa deve ter lugar relativamente a bens supra-
individuais sempre que a agressão a estes ponha em sério perigo bens das
pessoas (ex: será suscetível de justificação por legítima defesa a ação daquele
que impede pela força um indivíduo completamente embriagado de se fazer
à estrada com o seu automóvel).
(d) O que justifica a legítima defesa alheia é que o defendente, como membro
da comunidade, é ele próprio “agredido” quando um outro indivíduo o é, pois
essa agressão é ilícita.
Quanto à proteção de interesses de terceiro, fala-se aqui em auxílio necessário. Os
requisitos da legítima defesa devem, aqui, ser os mesmos.

Questão discutida é a de saber como deve decidir-se o caso em que o agredido não
quer ser defendido ou quer ser ele próprio a defender-se:

o Na Alemanha entende-se que o agredido não deve nunca ser defendido contra a
sua vontade expressa, pois de outro modo ultrapassa-se em toda a sua dimensão
o pensamento da prevalência do Direito sobre o ilícito na pessoa do agredido.
o Hoje estão a tornar-se mais comuns as considerações “diferenciadoras”,
consoante a agressão vise bens jurídicos disponíveis ou indisponíveis.

B. Atualidade da agressão:

A agressão é atual quando é iminente (FD e ROXIN), já se iniciou ou ainda persiste.


Para MFP, a agressão é atual quando já há a prática de algum ato de execução.

(a)Início da atualidade da agressão – a agressão é iminente quando o bem


jurídico se encontra já imediatamente ameaçado. Assim, por exemplo, deve
considerar-se coberto pela legítima defesa o disparo de A sobre B quando
efetuado no momento em que B levou a mão ao bolso para sacar do revólver
com o qual pretendia atirar sobre A.
o MFP – a agressão é atual para efeitos de legítima defesa quando há atos
de execução constitutivos da tentativa de crime, presentes no art. 22º CP.

Mais discutido têm sido os casos em que a agressão não é ainda sequer iminente, mas
já se sabe antecipadamente, com certeza ou elevado grau de segurança, que ela vai ter
lugar. Ex: o dono de uma estalagem ouve, ao jantar, três hóspedes combinarem entre
si o assalto ao estabelecimento durante a noite. Haverá justificação por legítima defesa
se o dono da estalagem coloca soníferos nas bebidas dos clientes?

o Uma doutrina minoritária defende que a agressão já é atual no momento


em que se sabe que ela vai ter lugar se o adiamento da reação para o
momento em que ela fosse iminente tornava a resposta impossível,
mediante um grave endurecimento dos meios – teoria da defesa mais
eficaz /teoria da legítima defesa preventiva.
• FD, ROXIN e TAIPA DE CARVALHO: esta teoria não deve ter
acolhimento, pois alarga em demasia o conceito de atualidade e
pode trazer consequências nefastas, ao legitimar formas privadas de
defesa em substituição da atuação das autoridades competentes.
o FD – a legítima defesa deve ser negada nestes casos, por não estarmos em
presença de agressões atuais. Uma eventual exclusão da ilicitude só
poderá verificar-se através da figura do direito de necessidade defensivo,
uma vez verificadas determinadas condições (máxime, a impossibilidade
ou ineficácia de uma intervenção policial).
o MFP – Não poderá haver nestes casos analogia com a legítima defesa
defensiva, pois estaríamos a inverter os papéis: o agente que ainda não
agrediu seria já considerado agressor e aquele que vai efetivamente
agredir alguém (supostamente em legítima defesa) vai ser considerado
defendente. A única figura que se poderá aplicar aqui por analogia é a da
provocação de legítima defesa.

(b) Término da atualidade da agressão – a defesa pode ter lugar até ao


último momento em que a agressão ainda persiste.

O momento em que a agressão deixa de ser atual é aquele em que se alcança o último
momento em que há a consumação dos crimes:

o Na maior parte dos crimes tal momento é o da consumação, mas, há numerosos


crimes em que a agressão ou o estado de antijuridicidade perdura além da
consumação. É o caso do crime de ofensas à integridade física (art. 143º), que
se consuma logo que A desfere o primeiro murro em B, mas nem por isso B está
impedido de responder em legítima defesa contra os murros e pontapés
seguintes (mas não já se B recebe uma bofetada de A e responde com outra, se
não houver nenhuma razão para crer que a bofetada de A se insere num processo
continuado de ofensa à integridade física de B).
o O momento relevante é aquele até ao qual a defesa é suscetível de pôr fim à
agressão. É à luz deste critério que devem ser resolvidos os casos que mais
dúvidas levantam: o dos crimes contra a propriedade, nomeadamente o do
crime de furto. Isto porque o objetivo da legítima defesa é o de repelir a
agressão; não se trata de uma lógica de vingança ou de fazer justiça repressiva
que cabe ao Estado.

C. Ilicitude da agressão:

Afere-se à luz da totalidade da ordem jurídica, não tendo de ser especificamente penal:
pode repelir-se em legítima defesa agressões violadoras não apenas do direito penal,
mas também do direito civil, do direito de mera ordenação social, etc. Contudo, a
agressão não será ilícita para este efeito em relação a interesses para cuja agressão a
lei prevê procedimentos especiais, como será o caso dos direitos de crédito e dos de
natureza familiar.

Essa ilicitude não é vista em dimensão subjetiva:


o Não tem de existir dolo ou uma violação subjetiva do dever de cuidado pelo
agressor, bastando uma objetiva contrariedade aos deveres jurídicos derivados
da norma.
o Se o agente estiver em erro não tem dolo, mas a vítima pode agir em legítima
defesa contra este. Isto porque objetivamente há facto ilícito e basta isto para se
afirmar que não é suportável a não defesa.

Não sendo ilícitas as agressões justificadas, não pode ser exercido contra elas legítima
defesa – a quem atua ao abrigo de uma causa de justificação é concedido um
verdadeiro direito da intervenção na esfera de terceiros, que faz impender sobre estes
um dever de suportar aquela conduta e impossibilita uma reação em legítima defesa.
NOTA: a situação de legítima defesa pressupõe a ilicitude da agressão, mas não a
culpa do agressor. Podem, assim, ser repelidas em legítima defesa agressões em que
o agente atue sem culpa, devido a inimputabilidade, à existência de uma causa de
exclusão de culpa ou a um erro sobre a ilicitude não censurável.

➔ Requisitos da ação de defesa:

O art.º 32º fala na exigência de um “meio necessário para repelir a agressão”,


parecendo deste modo que a ação de defesa é caracterizada exclusivamente através da
necessidade do meio nela utilizado; não há defesa legítima se ela for desnecessária.
(FD).

A. Necessidade do meio – lógica de roporcionalidade:

Para a ação de defesa estar justificada, devem ser usados os meios necessários para
repelir a agressão atual e ilícita.
o O meio será necessário se for idóneo para deter a agressão;
o Caso sejam vários os meios adequados à disposição do defendente, o meio será
necessário se for o menos gravoso para os bens do agressor.

Só se verificando estas circunstâncias se poderá afirmar que o meio foi indispensável


à defesa e, portanto, necessário.

Sem quaisquer outras limitações, a interpretação literal do art. 32º CP levava a que se
permitissem lesões elevadamente desproporcionais à defesa de certos bens – o artigo
não limita, como faz o art. 337º CC:
o MFP: uma interpretação jurídica do art. 32º de acordo com o fundamento da
legítima defesa, numa ordem jurídico-constitucional que impõe uma
salvaguarda de bens jurídicos e interesses de valor superior no conflito com
outros de menor valor, implica o relacionamento da necessidade com a
necessidade do meio e com a própria necessidade de defesa a partir de critérios
de prevalência de valores. O conteúdo essencial da autonomia da pessoa e da
sua dignidade (art. 1º CRP) justificará o único critério de necessidade absoluta
de defesa à custa de bens da maior importância do agressor – nestes casos,
qualquer restrição da defesa, quando está em causa um aspeto nuclear da
autonomia e dignidade da pessoa, seria insuportável pois poria em causa a
ordem de valores constitucional.

O juízo de necessidade reporta-se ao momento da agressão, tem natureza ex ante e


nele deve ser avaliada objetivamente toda a dinâmica do acontecimento, merecendo
especial atenção as características pessoais do agressor, os instrumentos de que
dispõe, a intensidade e a surpresa do ataque, em contraposição com as características
pessoais do defendente e os instrumentos de defesa de que poderia lançar mão.
Não explícito no art. 32º CP, mas decorrente da sua correta interpretação e
especialmente atendendo à necessidade do meio, em conjugação com o art. 21º/1
CRP, temos o critério de não ser possível recorrer às forças de autoridade.

o MFP – se a autoridade pública nada faz, pode haver legítima defesa, pois a
inoperabilidade da autoridade pública dá legitimidade à legítima defesa, devido
à insuportabilidade da agressão.

O uso de meio não necessário à defesa representa um excesso, que determina a não
justificação do facto por legítima defesa. Um meio será considerado
desnecessário sempre que fosse razoavelmente de supor que outro meio
não agressivo pudesse ter sido utilizado com êxito.
o Excesso de meios ou excesso intensivo de legítima defesa – leva à ilicitude do
facto praticado (art. 33º).

A determinação do meio necessário à defesa é algo que na prática suscita dificuldades


porque muitas vezes só depois de utilizado se fica a saber se ele bastaria à defesa.
o Esta realidade dá azo a que muitas vezes sejam usados meios mais gravosos para
o agressor do que aqueles que teriam sido necessários para a defesa – tal não
impede a afirmação da ilicitude, mas pode determinar uma diminuição da culpa
ou até a exclusão da culpa.

B. Necessidade da defesa:

A necessidade do meio pressupõe a própria necessidade da defesa como questão


prévia.

A própria defesa tem de se revelar como normativamente imposta, para que possa ser
vista como exigência de reafirmação do Direito face ao ilícito na pessoa do agredido.
o MFP – refere-se à insuportabilidade da não defesa de bens eminentemente
pessoais, por um lado, e à moderação da defesa quando estejam em causa bens
de uma outra natureza do defendente em confronto com bens pessoais, como a
vida e a integridade física do agressor.

De acordo com FIGUEIREDO DIAS, há agressões que não se apresentam como uma
ofensa socialmente intolerável dos direitos do agredido, pelo que a legítima defesa
pode não surgir como socialmente indispensável à afirmação do Direito face ao ilícito
na pessoa do agredido ou só surgir se for respeitada uma certa proporcionalidade dos
bens conflituantes.

FD fala em:

o Agressões não culposas – a agressão é ilícita e atual, mas o agressor age sem
culpa, seja porque é inimputável, porque não tem consciência do ilícito não
censurável ou porque está a agir numa situação de inexigibilidade legalmente
prevista ou situação análoga.
Nestes casos, quanto menos responsável for o agressor pela sua atuação, tanto mais
restritos serão os limites de necessidade da defesa; por isso, a defesa agressiva não é
necessária se o agredido pode esquivar-se à agressão, por exemplo, afastando-se do
doente mental que o insulta em vez de o ofender corporalmente. Se nenhuma hipótese
deste género se verifica, porém, a defesa será necessária e o direito de legítima defesa
persiste, embora deva manter-se dentro dos limites da compressão objetiva imposta
perante atuações não culposas.

o Agressões provocadas – é o agredido que dá azo à situação de confronto.


Alguém provoca de forma pré-ordenada uma situação de legítima defesa para
que depois possa agir sobre o agressor em legítima defesa.

Nega-se a necessidade de defesa quando esteja em causa uma agressão pré-


ordenadamente provocada, tendo em conta uma estreita conexão temporal e uma
adequada proporção com a agressão que provoca.

Se o terceiro não sabe disto e intervém em defesa alheia do defendente provocador,


este terceiro já detém elemento subjetivo de causa de exclusão da ilicitude porque ele
está a impedir que haja agressão do (falso) defendente.

Nos casos em que o agredido provocou a agressão através de atos que não são
considerados ilícitos, fará sentido que o Direito lhe permita fazer isso e depois, em
função da prática desses atos, lhe venha retirar a possibilidade de defesa? BN – isso
parece ser contraditório.

➢ Crassa desproporção do significado da agressão e da defesa:

A limitação da necessidade da defesa ocorre em função da verificação de uma crassa


desproporção do peso da agressão para o agredido e da defesa para o agressor.

FD – pugna por uma comparação objetiva do significado jurídico-social da defesa com


o peso da agressão para o agredido: a necessidade da defesa deve ser negada sempre
que se verifique uma insuportável (do ponto de vista jurídico) relação de
desproporção entre ela e a agressão pois uma defesa inadmissivelmente excessiva é
abusiva e não se representa como uma defesa do Direito contra o ilícito na pessoa do
agredido. Não pode ser legítima a defesa que se revela notoriamente excessiva face
aos bens agredidos e que, nessa medida, representa um abuso do direito de legítima
defesa.

MFP – ideia de proporcionalidade dos bens jurídicos em conflito: é condição de


justificação que a lesão derivada da defesa não seja sensivelmente superior à
resultante da agressão, pois a agressão a bens que não os definidores da dignidade
essencial da pessoa exclui a legitimidade da defesa quando esta determine a morte ou
lesões graves à integridade física do agressor.
o Posições especiais:

Há casos em que as relações de proximidade criam especiais laços de solidariedade


juridicamente relevantes.

Há um dever de defender, mas tal tem de ser dentro dos parâmetros da legítima
defesa. Comprovada a efetiva proximidade existencial, proveniente da verificação de
uma relação real entre os indivíduos, está justificada uma maior compressão da
agressão: o ameaçado deve sempre que possível evitar a agressão, escolher o meio
menos gravoso de defesa, ainda que ele se apresente menos seguro para repelir a
agressão e renunciar a uma defesa que ponha em perigo a vida ou a integridade física
essencial do agredido.

o Atos de autoridade:

O problema que se coloca é o de saber se a autoridade pública exerce uma verdadeira


legítima defesa ou apenas se limita a cumprir deveres quando responde a agressões.

MFP – não se pode deixar de reconhecer que o cumprimento de deveres como a


manutenção da ordem pública ou a detenção de suspeitos de crimes ou condenados
que se subtraem ao cumprimento da pena – sonegados, em princípio, aos particulares
– há de permitir possibilidades de atuação justificadas pelos valores a atingir no
exercício da competência específica dos agentes da autoridade. Há mesmo um
princípio de atuação preventiva e promocional que é estranho à conceção tradicional
de legítima defesa.

Mas a instrumentalização da OJ à proteção de direitos fundamentais, o entendimento


do Direito como ordem de bens jurídicos hierarquizados em função da essencial e
igual dignidade da pessoa humana e a exigência de necessidade, adequação e
proporcionalidade na proteção de direitos à custa de outros direitos, constituem
limites ao cumprimento de deveres pela autoridade pública que, nesse plano, e no
essencial, não se distingue da legítima defesa.

As normas que autorizam a intervenção da autoridade estão numa relação de


especialidade recíproca em relação às que preveem a legítima defesa – transformam
em dever o que a norma geral da legítima defesa só consagra como permissão e/ou
direito (isto nos casos de legítima defesa alheia).

Lei que regula a intervenção da autoridade pública e que resulta numa concomitância
entre cumprimento de deveres e uma legítima defesa da autoridade pública: DL
457/99 (uso de armas de fogo).
➔ Elemento subjetivo da legítima defesa:

Além do requisito subjetivo que vale para a generalidade das causas de justificação (o
do conhecimento da situação de legítima defesa), desde há muito que se discute se é
necessário um animus defendendi, i.e., uma atuação com vontade de defender os bens
jurídicos ameaçados pela agressão.
A verdadeira razão por que se impôs a exigência de elementos subjetivos da
justificação reside em que os elementos objetivos do tipo justificador só apresentam
virtualidade para excluir o desvalor do resultado, enquanto os elementos subjetivos
servem para caracterizar a falta do desvalor da ação.

o A doutrina hoje dominante corre no sentido de que, existindo o conhecimento


da situação de legítima defesa, não deverá exigir-se adicionalmente uma co-
motivação de defesa, pois tal faria depender a existência da justificação da
manifestação de uma atitude interior do defendente que levaria a conotar
perigosamente a legítima defesa com conceções morais próximas de um direito
penal do agente.
o MFP – não será exigível, propriamente, um animus defendendi, no sentido de a
defesa ser a exclusiva motivação do defendente, mas é necessário que a conduta
que se opõe à agressão ilícita seja explicável como defesa na linguagem social.
• Vários acórdãos mais recentes têm vindo afirmar que basta a
consciência da situação justificante e não é requerida uma
motivação exclusiva de defesa.
• O que impõe uma ação conscientemente dirigida à defesa em que a
agressão seja motivo determinante do agir. Não é preciso
consciência que se está a defender a Ordem Pública, mas no mínimo
temos de ter consciência que estamos a ser vítimas de uma agressão
e que não há mais nenhuma forma de responder a não ser agredir,
também, os bens jurídicos do agressor.
✓ A ausência desta consciência impede a justificação por
legítima defesa, mas não exclui, para parte da doutrina
penal, uma atenuação da responsabilidade penal nos
termos da pena de tentativa.
✓ Estará em causa uma aplicação analógica do art. 38º/4.

➔ Excesso de causa de justificação/de legitima defesa – 33º

O que diferencia a causa de exclusão da ilicitude das restantes causas de justificação é


a ideia de que existe uma espécie de autorização da OJ, uma revaloração de um facto
que era antinormativo e passa a ser neutralizado ou passa mesmo a haver a
prevalência de um valor sobre outro, como sucede no caso de legítima defesa: quando
seja intolerável a não defesa de um direito ou interesse, então predomina, para o
Direito, a proteção desse direito sobre a violação de direitos do agressor.

o Contra um comportamento que é merecedor de uma exclusão de ilicitude não


pode ser oposto um outro direito; daí que não possa haver legítima defesa sobre
legítima defesa.
Em certos casos, contudo, o agente está a agir sob domínio de uma causa de exclusão
da ilicitude (legítima defesa, por exemplo); mas, por medo ou outro tipo de emoção,
o agente utiliza um meio que não é necessário. Ex: mata o agressor quando pode
apenas agredi-lo. Estes são os casos de excesso da causa de justificação.

O art. 33º/1 CP define a figura do excesso de legítima defesa, embora


possamos alargar a aplicação deste art. a outras causas de exclusão da ilicitude, por
analogia (mas sempre a favor do arguido). Há excesso de legítima defesa quando os
pressupostos da legítima defesa estão preenchidos, mas os requisitos não.

Quando há excesso de legítima defesa, a agressão é ilícita e, nesse caso, pode ser-lhe
oposta outro comportamento em legítima defesa: sobre excesso de legítima
defesa há legítima defesa.

O excesso de legitima defesa pode ser:


1. Extensivo — ocorre quando eu ajo em LD mais tempo do que é preciso, ou seja,
eu ajo em LD, já tinha repelido a ação, mas continuo a praticá-la.
2. Intensivo — uso meio do que aquele que é necessário. Limites excedidos são
os da necessidade do meio ou da defesa.
3. Asténico — ajo em excesso por medo ou susto.
4. Esténico — não deriva do medo, mas da irritação, cólera ou ódio. Naquele
momento estou tão irritado que bato mais e mais.
• Nota — artigo 33º apenas consagra excesso asténico não censurável e não
esténico — se for coisa de irritação ou ódio o agente é punido.

Conclusão:
o Se houver excesso dos meios (intensivo) — o facto é ilícito, ou seja, não se exclui
ilicitude, mas a pena pode ser especialmente atenuada, sendo que este excesso
dos meios pode ser interpretado de duas formas:
• Naquele momento usei meio mais gravoso;
• Meio para além do tempo que era preciso.
o Se for excesso asténico não se vai punir, a não ser que seja censurável, por
exemplo não ter sido assustador.
o Se for esténico — como não se refere nada no CP, apenas sabemos que somente
com o asténico não haverá punição

Legítima defesa putativa – 16º/2

No caso da legítima defesa, costuma caracterizar-se situações de legítima defesa


putativa: casos em que o agente está em erro sobre o pressuposto de facto
de uma causa de justificação. O agente representa falsamente os pressupostos
(agressão atual e ilícita) ou mesmo a necessidade do meio. Aplicamos o art.º 16/2º
que exclui o dolo da culpa (16/1º - exclui dolo do tipo).

Poderá haver ainda casos de excesso de legitima defesa putativa – casos em que
o agente está em erro sobre o pressuposto de facto de uma causa de
justificação e, para responder àquela situação que ele representa como uma tal
justificação, utiliza um meio não necessário. Concorrem aqui a figura do excesso
com a figura do erro.

o Também este caso é de excesso de legítima defesa.


o Como punir estes casos? Aplica-se o art.º 16º/2 ou o 33º?
• MFP – este é um erro que incide sobre a situação justificante, pelo que o
agente que utiliza erradamente um meio, está a agir ilicitamente; para
além disso, mais ilícito é, na medida em que está a violar um dos requisitos
da causa de justificação (a adequação do meio), que teria de respeitar se
realmente se verificasse uma causa de justificação. Assim, nunca o
poderemos beneficiar em relação ao agente que pratica o previsto no art.
33º/2: situações em que o agente está efetivamente em legítima defesa.
Deste modo, quando muito poderá haver uma aplicação do art.
33º/2 por analogia em determinados casos, mas o agente nunca
poderá ser beneficiado relativamente às condições previstas no art. 33º/2.
Assim, vamos ver se o excesso foi esténico ou asténico; se for
asténico, temos de ver se foi censurável; se tiver sido, ainda assim poderá
haver atenuação nos termos do art. 33º/1.
✓ Não é um caso do 16º/2, pois trata-se de uma situação de erro sobre
um estado de coisas que, a existir, não excluiria a ilicitude, pois o
agente teria agido com excesso.

NOTA: nos casos em que o excesso provém de erro, aplica-se por analogia o
art. 16º/2. Ex: o agente utiliza uma arma que tem uns dardos tranquilizadores, tendo
outro menos gravoso ao seu dispor (ou seja, usa um meio desnecessário), mas não
sabe que a arma tem esses dados tranquilizadores.

2. ESTADO DE NECESSIDADE JUSTIFICANTE– art.º 34º:

➔ Pressupostos:

A. Interesses juridicamente protegidos em conflito

A situação de necessidade pressupõe que um perigo atual que ameace interesses


juridicamente protegidos do agente ou de terceiro só possa ser afastado se outro bem
jurídico for lesado ou posto em perigo.

B. Perigo que ameaça o bem jurídico

O bem jurídico a salvaguardar tem de se encontrar objetivamente em perigo, porque


só então se pode justificar que um dever de suportar a ação típica recaia sobre o
atingido pela intervenção, demais se ele não for implicado na situação inicial.
C. Atualidade do perigo

Tem de se tratar, assim, de um perigo atual: deverá considerar-se atual mesmo


quando não é ainda iminente, mas o protelamento do facto salvador
representaria uma potenciação do perigo; e também no caso dos “perigos
duradouros”, por exemplo quando existe um edifício em perigo de desmonoramento,
se bem que não possa determinar-se se e quando tal ocorrerá (FIGUEIREDO DIAS).

NOTA: ainda assim, FD sustenta que a partir daqui não se pode construir a figura
do estado de necessidade preventivo.

REQUISITOS:

(a) A “provocação” do perigo

Nos termos do art. 34º/a), é necessário à justificação “não ter sido voluntariamente
criada pelo agente a situação de perigo, salvo tratando-se de proteger o interesse de
terceiro”.

Deve entender-se que a justificação só será afastada se a situação foi


intencionalmente provocada pelo agente, isto é, se ele premeditadamente criou a
situação para poder livrar-se dela à custa da lesão de bens jurídicos alheios.

A própria provocação intencional do agente do perigo não deverá servir, porém, para
negar a justificação do estado de necessidade quando se trata de proteger interesses
de terceiro: seria inadmissível que da provocação do agente pudesse resultar uma
lesão não justificada para bens jurídicos do terceiro posto em perigo, se depois o
provocador os salva à custa de um outro terceiro não implicado.

Assim, se A criou intencionalmente um perigo de incêndio da casa de habitação de B


e posteriormente se arrepende, pode louvar-se do estado de necessidade se entra
sem autorização na casa de C (art. 190º) para chamar os bombeiros, excluindo deste
modo a ilicitude da violação de domicílio.

(b) Princípio do interesse preponderante (art.º 34º/b))

o Hierarquia dos bens jurídicos em confronto

A lei exige que se pondere o valor dos interesses conflituantes, nomeadamente dos
bens jurídicos em colisão e o grau do perigo que os ameaça.

De acordo com MFP, o art. 34º/b) tem previsto um conflito de interesses que não
engloba todos os interesses emergentes na situação, englobando apenas os
interesses gerais da Ordem Jurídica. Se assim não fosse, não se compreenderia a
introdução de um critério corretor no art. 34º/c) em atenção à natureza ou valor do
interesse a ser sacrificado pelo estado de necessidade.
o Conceito de Interesse

MFP refere-se a uma posição de vontade sobre uma coisa de que se carece e não
pode abranger todo e qualquer valor defensável na situação de conflito, mas não
atribuível a uma vontade. Só simbolicamente se pode utilizar a expressão interesse
da Ordem Jurídica.

De acordo com a mesma autora, a justificação em estado de necessidade não é


reconduzível ao confronto objetivo entre bens jurídicos, como era próprio da teoria
da ilicitude objetiva, porque é o mundo do merecimento pessoal de todos os
intervenientes possíveis num conflito de interesses (i.e., de coerência global das
expetativas de todos os sujeitos ante a Ordem Jurídica), numa lógica de valores da
ação e do resultado, o que sobressai no art. 34º.

➢ Indícios de Hierarquia:

o Molduras penais

Recorrer à medida legal da pena é um dos pontos de apoio mais importantes para a
determinação da hierarquia dos bens jurídicos conflituantes (sendo jurídico-
penalmente protegidos).

o Intensidade da lesão do bem jurídico

Papel fundamental na ponderação, nomeadamente quanto a saber se está em causa


o aniquilamento completo do interesse ou só uma sua lesão parcial ou passageira.

Este critério tem de penetrar a ordem axiológica constitucional e a correspetiva


ordem legal dos bens jurídicos (prevalecendo os bens jurídicos pessoais sobre os
patrimoniais – embora não havendo dúvidas de que, para afastar um grave prejuízo
patrimonial de um incêndio, deve ter-se por justificado o empurrão que o bombeiro
dá a um “mirone” que lhe provoca uma pequena lesão corporal).

Nos casos em que os interesses conflituantes são, em abstrato, da mesma ou de


semelhante hierarquia, a ponderação terá de ter sobretudo em conta a intensidade
previsível da lesão.

o Grau do perigo

Este indício tem um papel fundamental quando a violação do bem jurídico não surge
como absolutamente segura mas sim como mais ou menos provável.

De acordo com ROXIN, quem, para evitar um dano que seguramente se produzirá se
não atuar, leva a cabo uma ação salvadora que só em pequena medida põe em perigo
outro bem jurídico, prosseguirá em regra o interesse substancialmente
preponderante. Mas este será sobretudo o caso quando, para fazer face a um perigo
concreto de uma certa importância, seja aceite a produção somente de perigos
abstratos.

Assim, a corrida de uma ambulância que ponha de algum modo em perigo a vida de
um transeunte, sob a forma de negligência (art. 291º/2), pode porventura justificar-
se se ela transporta um ferido grave, cujo tratamento é urgentíssimo, mas
seguramente já não se o ferido tem apenas umas escoriações ligeiras ou mesmo uma
perna previsivelmente partida.

Sensível Superioridade do Interesse

Com uma redução objetivista do conceito, interesse deve ser aquilo que se entende e
reconhece como tal, sendo, por isso, juridicamente protegido.

Existe aqui uma acentuação subjetivista conexionada com o conceito de interesse, de


forma a que a importância do dano não possa ser desligada da sua relevância para o
lesado, desde que corresponda a um interesse juridicamente protegido.

O conceito de interesse possibilita uma dimensão subjetivista do dano que leva a


uma redefinição do conteúdo dos bens jurídicos e do dano objetivo.

MFP suscita a questão de saber se o confronto dos interesses exige uma especial
(quantitativa ou qualitativa) superioridade de um dos interesses ou a expressão
“sensível” tem somente um significado processual, i.e., de indicar que a maneira pela
qual se chega à conclusão de que um interesse é superior a outro é através de um
processo de apreensão pelos sentidos (a referida superioridade só existira se fosse
sensível, porque só nesse caso poderia ser conhecida).

Surgem então, como alternativas que encerram um problema de construção da


ilicitude:
a) A justificação baseia-se num princípio utilitarista de mera realização do
interesse mais valioso numa perspetiva social;
b) A justificação pretende realizar aquele entre os interesses que não só é mais
valioso do que o que lhe opõe, como também surge como essencial, i.e., cuja
lesão implica danos difíceis ou impossíveis de suportar.
• MFP: o significado da diferença sensível é, obviamente, o da seleção de
um certo tipo de fatores de ponderação, orientados não por pontos de
vista estritamente de ordem (interesse do legislador) mas por pontos de
vista que correspondam a uma normal sensibilidade aos valores (cultural
e socialmente determinada).
✓ Apreensível pelos sentidos – qualquer pessoa consegue
conceber/representar; não é só uma diferença compreensível por
qualquer pessoa e sim uma diferença justificada pela ordem
jurídica constitucional – superioridade indiscutível nos termos da
hierarquia de valores constitucionais.
• FD: o que a lei se propõe, ao exigir esta superioridade sensível não é só
que o interesse salvaguardado se situe muito acima do interesse
sacrificado, mas que a justificação ocorra apenas quando é clara,
inequívoca, indubitável ou terminante a aludida superioridade à luz dos
fatores relevantes de ponderação.

Cláusula da limitação pela dignidade humana / autonomia pessoal do


lesado (art. 34º/c))

Casos em que o bem jurídico ofendido é de caráter eminentemente pessoal – pode


ser justificado mediante certas ponderações. Ex: C é forçado, sem prejuízo para si, a
doar sangue pois é a única pessoa com o tipo de sangue que salva D. É inadmissível,
devido ao pequeno perigo ou mesmo ausência de perigo para C, invocar a violação
da autonomia pessoal de C ou, nos termos do art. 34º/c), da irrazoabilidade de
impor ao lesado o sacrifício do seu interesse para salvar a vida de outrem.

A possibilidade de impor sacrifício ao lesado significa que o lesado não pode estar
numa posição que é insuportável:
a) Se fosse insuportável, este poderia exercer legítima defesa.
b) Tem de haver uma diferença entre os interesses.
c) Só é razoável impor ao lesado se tal não colidir com a dignidade da pessoa.

Problema de vida contra vida:

Haverá alguma vida que valha mais ou, estando duas em perigo, não se salva
nenhuma?

Este tema é sujeito a dúvidas e discussões morais.


o Caso do homem gordo – homem gordo está entalado num buracão que
constitui a saída de uma caverna, não podendo sair nem podendo deixar os
outros acompanhantes fazê-lo, pelo que o caso só se resolve com uma explosão
que liberte a saída da caverna, estoirando simultaneamente o homem gordo.
o Caso do balão de ar quente – estão dois homens num balão e se um não saltar,
morrem ambos, sendo impossível salvarem-se os dois.

FD levanta a questão de saber se o sacrifício da vida humana de pessoa já nascida


deve entrar na ponderação própria do estado de necessidade justificante ou, pelo
contrário, dela ser pura e simplesmente excluída.
MFP: Existem ideias de justiça que nos levam a “tomar partido”, de certo
modo, em situações de conflitos entre vidas, permitindo, em certos casos, uma
argumentação jurídica, que conduz à necessidade de identificar uma causa de
justificação.

Ora, a doutrina dominante é a de que a vida é um bem jurídico de valor incomparável


e insubstituível, que ocupa um primeiro e indisputável lugar na hierarquia dos bens
jurídicos, não havendo legítimas diferenças qualitativas entre o valor de vidas
humanas (criança/velho; rico/pobre; saudável/doente) nem pode haver ponderações
quantitativas pois uma vida vale exatamente o mesmo que todas as outras.
Em caso de vida contra vida, deve assentar-se o princípio da imponderabilidade
da vida para efeito do estado de necessidade justificante. Ex: não é estado de
necessidade quando um agulheiro desvia um comboio de uma linha, que ia embater
noutro comboio cheio de passageiros, para outra linha onde estão 2 trabalhadores que
são esmagados. Não é, na senda do utilitarismo, a “utilidade” que aqui está em causa,
mas sim o valor “ético” da preservação da vida dos outros.

Tendo em conta que o Estado de Necessidade não se aplica a conflitos entre puros
bens jurídicos mas sim no quadro mais complexo dos interesses conflituantes da
situação global, a única forma de por o problema é: no contexto complexo da situação
global, será possível descortinar casos em que o interesse na preservação de uma ou
mais vidas prepondera sobre o sacrifício de outra ou outras?

➢ Alguma doutrina entende que há casos desses:


o Comunidade de Perigo – quando, havendo várias pessoas, todas elas
colocadas numa situação comum de perigo para a vida, se sacrifica uma
ou algumas delas como única e adequada forma de impedir que outra ou
outras pereçam. Ex: caso dos náufragos (em que só há espaço para um),
ou caso do bote (em que praticam canibalismo).
✓ FD: a comunidade de perigo não pode, em si e por si mesma,
justificar o facto que sacrifica alguma ou algumas vidas para salvar
outra. Tal só pode acontecer em casos em que, se não atuar, o
destino determina também a sua destruição – há estado de
necessidade quando a proteção de bens jurídicos (que ainda podem
ser salvos) prepondera notoriamente sobre o “interesse” de deixar
o destino seguir o seu curso destruidor. Ex: caso dos montanhistas
em risco de cair e presos por uma corda; se A não cortar a corda
(que faz com que B caia), ele também irá cair (porque a corda não
aguenta tanto peso).
✓ MFP: mesmos nestes casos, a admitir a exclusão da ilicitude, nunca
será por direito de necessidade, mas sim por uma causa de
justificação supralegal. Não há aqui um interesse sensivelmente
superior, pelo que continuará a haver insuportabilidade da não
defesa por parte do lesado, pelo que aqui poderia haver causa de
justificação contra causa de justificação (poder-se-ia defender, por
exemplo, por legítima defesa).

É duvidosa a solução dos casos, como direito de necessidade, em que a salvação de


algumas vidas implica o exercício do direito do mais forte ou a escolha da vida a ser
sacrificada face às outras a serem salvas. Ex: caso dos náufragos (em que só há
espaço para um, o que nadar melhor e chegar primeiro), caso do bote (em que 2
praticam canibalismo sobre 1).
REQUISITOS SUBJETIVOS:

O agente deve conhecer a situação de conflito e atuar com a consciência de


salvaguardar o interesse preponderante.

Deve ainda exigir-se uma vontade de defender o interesse preponderante?


✓ FD – não, pois não teria sentido nem fundamento negar a justificação a quam
salva outrem de um perigo para a sua vida ou o seu corpo à custa, por exemplo,
da danificação de uma coisa, só porque a sua intenção não foi autenticamente
solidária mas motivada pelo desejo de aparecer na TV e assim se tornar célebre
e ganhar dinheiro. Outra coisa seria conferir valor decisivo, neste
enquadramento, aos motivos da ação, o que é de repudiar.

➢ Estado de Necessidade Defensivo Jurídico-Penal

O agente que atua em estado de necessidade defende-se de um perigo que tem origem
na pessoa que vai ser vítima da ação necessitada – o perigo foi criado pela futura
vítima do estado de necessidade.

Isto ocorre em termos tais que o agente não pode louvar-se de uma legítima defesa,
que não existe por falta de um requisito de facto perigoso, ou porque este nem sequer
configura uma agressão – ex: A, em pleno ataque epilético, vai quebrar um jarrão de
porcelana chinesa de B, se não for afastada à força – ou porque não é ilícito, ou porque
não é atual – ex: C a quem D furtou uma bicicleta, encontrao com ela no dia seguinte
e ofende levemente a sua integridade física com um empurrão como única forma de
recuperar o objeto furtado.

Em qualquer destes casos, ao agente deve ser creditada justificação.

Alguma doutrina considera que existe uma figura especial de estado de necessidade,
entre a legítima defesa e o estado de necessidade justificante, em que o critério de
ponderação de interesses é específico.

o ROXIN entende que a própria ponderação de interesses, no estado de


necessidade justificante, é alterada, de forma que os bens jurídicos do
criador do perigo sofrem uma relativa dessolidarização da sociedade,
relativamente aos do agente em estado de necessidade.
o MFP entende que nestes casos, diferentemente da legítima defesa, não há
qualquer desvalor da ação do agente causador de perigo e, portanto, não
se percebe porque a criação do perigo para os bens jurídicos, embora não
ilícita, justifique uma relativa dessolidarização, em face dos bens do
agente provocador do perigo. Ex: no caso do homem gordo, o homem não
tinha culpa de ser gordo.

Naquelas situações em que alguém fica exposto a um perigo criado pela futura vítima
do estado de necessidade, haverá argumentos convincentes contra a atribuição do
desvalor da ação ao agente que causou a morte para se manter vivo a si próprio.
o MFP: um ponto de vista irrebatível é que aquele que ficou exposto a um perigo
para a vida causado por outrem não tem de suportar a lesão da própria vida,
sendo-lhe permitido defender-se.

Há divergências quanto à concreta causa de justificação e quais os seus


pressupostos:
o Via que pretende reconduzir ainda a uma situação de direito de necessidade
justificante.
o Via que se cinge à hierarquia dos bens jurídicos conflituantes e defende que a
via anterior é inaplicável e que a única solução reside em criar uma causa
supralegal de justificação – a do estado de necessidade defensivo, cujos
pressupostos seriam:
• Situação de defesa à qual falta um pressuposto indispensável para se
configurar como legítima defesa;
• Impossibilidade para o agente de evitar o perigo;
• Necessidade do facto para o repelir, desde que
• O bem lesado pela defesa não seja muito superior ao bem defendido.

O apelo a uma causa de justificação específica do estado de necessidade defensivo é


pensado como remédio para colmatar eventuais lacunas deixadas por uma certa
conceção. Para FD, a criação de causas de justificação supralegais é extremamente
perigosa.

3. CONFLITO DE DEVERES – art. 36º

O conflito de deveres de atuar justificadamente repousa no mesmo fundamento


justificador do direito de necessidade. No entanto, a colisão de deveres assume
especificidades (decisivas em situação de conflito) que a autonomizam face ao direito
de necessidade.

O art. 36º CP assume como justificada a conduta do agente que atuar no


cumprimento de um dever de valor igual ou superior a um outro que a
própria conduta viola. O que acontece é que recai sobre o mesmo
indivíduo mais do que um dever de atuar e está em situação tal que não
consegue cumprir os dois, tendo de optar.

O conflito de deveres distingue-se do Direito de Necessidade através de 2


pressupostos:
a) Estar em causa o confronto entre deveres e não diretamente entre interesses,
bens ou valores;
b) A possibilidade de existir igualdade de valor entre os deveres conflituantes em
contraste com a exigência de uma “sensível superioridade” do interesse
protegido na previsão o art. 34º, apesar da inclusão de critérios de valor de ação
naquela cláusula.
Apesar de os deveres jurídicos terem como objeto a proteção de valores, bens ou
interesses, segundo o legislador a solução do conflito ou colisão não pode ser
orientada em absoluto pelo mero critério da importância relativa desses valores para
os destinatários. A impossibilidade fáctica de ser exigível a realização simultânea de 2
deveres de igual valor é condição suficiente para justificação – o próprio Direito não
pode dar a indicação ao agente sobre qual o dever que deve cumprir, pois reconhece
igual valor aos deveres, deixando assim um espaço de livre decisão do agente na
escolha do dever que deve cumprir.

A única exigência é que ele cumpra pelo menos um dos deveres conflituantes. No
conflito de deveres, o agente não é livre de se imiscuir ou não no conflito, ele é
obrigado a imiscuir-se e a cumprir um dos deveres. Se, com isto, ele torna impossível
o cumprimento do outro dever, em todo o caso o seu comportamento, porque
correspondente a uma imposição jurídica, não pode ser ilícito. Já se os deveres não
tiverem igual valor, deve atender-se à ponderação concreta dos interesses em conflito
no quadro da situação global.

Para FD, a única solução materialmente justa – e correspondente ao sentido jurídico


do lícito e do ilícito, uma vez que a situação exclui em absoluto a possibilidade de uma
conduta que não lese nenhum dos bens jurídicos em conflito – é considerar justificado
o facto correspondente ao cumprimento de um dos deveres em colisão, mesmo à custa
de deixar o outro incumprido, supondo que o valor do dever incumprido seja pelo
menos igual ao daquele que se sacrifica.

Autêntico conflito de deveres, suscetível de conduzir à justificação, existe apenas


quando na situação colidem distintos deveres de ação, ambos vinculativos de igual
modo para o agente, dos quais só um pode ser cumprido. Ex: pai vê 2 filhos a
afogarem-se e só consegue nadar para salvar 1.

Grande parte da doutrina oferece a seguinte solução:


a) Os conflitos de deveres são solucionados pelo art. 36º;
b) Os conflitos entre deveres de ação e deveres de omissão são reconduzidos ao art.
34º.

Vinculatividade dos Deveres:

A opção do agente em conflito de deveres não é, à partida, livre. A preferência, para


ser lícita, terá de incidir sobre aquele dever que a Ordem Jurídica apresenta – quando
apresenta – como o mais valioso. Isto é, se o Direito impõe um critério de preferência
que tem aplicação na concreta situação de conflito, deve o agente seguir esse critério
e optar pelo bem que a Ordem Jurídica prefere, no sentido de se prosseguir, na medida
possível, a realização da Ordem Jurídica.
A opção do agente deixa de estar condicionada, porém, se a Ordem Jurídica não indica
nenhum dos deveres em causa como mais valioso. A escolha passa então a ser livre.
Não obstante, ele continua a não poder deixar de optar, isto é, nestas situações, o
agente pode escolher cumprir o dever que quiser, mas não pode deixar de escolher um
deles.
Já se a prossecução de dois valores é requerida em simultâneo e, no entanto, essa
prossecução é, no caso concreto, impossível, a Ordem Jurídica impõe ao agente que
escolha o dever que ela indica como superior. Assim, por exemplo, numa situação em
que um médico deve atender um ferido ligeiro ou um ferido grave, deve preferir o
ferido grave, porque o valor dos bens em causa (mesmo que o bem possa até ser o
mesmo), atualiza‐se na situação concreta com mais força num dever do que no dever
alternativo: por outras palavras, um dos deveres reclama mais proteção do que o
outro.

O facto de o valor dos deveres jurídicos em confronto depender de uma apreciação


sobre o grau de vinculatividade dos mesmos, em função da relação do agente com o
sistema, leva a que se questione se o que determina a vinculatividade depende de
alguma racionalidade deôntica; isto é se os deveres de omissão têm necessariamente
de ser mais vinculativos do que os de ação em função da sua lógica intrínseca, na
linguagem das normas.
o MFP: não. A estrutura de um dever de omissão ou vinculatividade do
destinatário não revela, por si mesma, nenhuma especial intensidade
relativamente a um dever de ação sem que o sistema global em que se insira não
privilegie, por razões valorativas, a omissão ou a ação. Não é inviável que um
dever de ação seja, em certos casos, mais vinculativo que um dever de omissão.
Ex: dever de proteger a vida de um filho em perigo e dever de não exceder a
velocidade.

Podem admitir-se que há critérios de vinculatividade que não se fundamentam


estritamente no valor objetivo para o Direito dos bens, mas numa lógica de valor não
dos bens mas dos próprios imperativos em função de certos aspetos factuais em causa.

As regras de vinculatividade dos deveres não se baseiam estritamente no valor dos


bens ou dos interesses, mas antes nos critérios de responsabilidade social baseados
numa administração ou distribuição dos bens em termos de justiça, que têm de ser
lidos à luz dos princípios fundamentais (constitucionais) do sistema jurídico.

O significado destas lógicas na estrutura dos deveres é refletido na intensidade e


correspondentemente no grau de vinculatividade. É, assim, óbvio que a
vinculatividade dos deveres de proteção de bens varia com a proximidade dos bens e
dos perigos para os agentes a quem são dirigidos esses deveres.

Então, que critérios temos para descortinar os deveres mais vinculativos?


o Valor abstrato dos bens (art. 34º/b));
o Intensidade da lesão;
o Grau de probabilidade de salvamento;
o Significado individual da lesão na esfera de cada um;
o Dever de garante sobre dever genérico de auxílio – contudo, se o dever genérico
de auxílio é um dever de salvar a vida e o dever de garante seja impedir que o
estado febril se agrave, nesse caso o dever genérico de auxílio é mais vinculativo;
o Imponderabilidade do bem vida – o bem vida é imponderável quantitativa e
qualitativamente: se a ambulância é chamada para dois sítios ao mesmo tempo
e, se num sítio, apenas uma pessoa corre perigo de vida e no outro sítio correm
perigo de vida 5 pessoas, o condutor da ambulância não está obrigado a escolher
o sítio onde estão as 5 pessoas (imponderável quantitativamente) e não é por
num lado estar um moribundo e no outro lado estar um bebé que a vida do bebé
vale mais (imponderável qualitativamente).

Se o agente tiver escolhido o dever que não é o mais vinculativo, não está justificado
por conflito de deveres e, consequentemente, o seu comportamento continuará a ser
ilícito.

4. CONSENTIMENTO – art.º 38º

A relevância como causa de justificação depende da articulação entre os princípios da


autonomia da pessoa e da proteção dos bens jurídicos. O pensamento fundamental
subjacente é a limitação da intervenção penal pelo valor preponderante da autonomia.
o Valoração dos bens subjacentes ao interesse além da vontade do titular – bens
jurídicos a serem protegidos pelo direito mesmo contra a vontade dos seus
titulares. Ex: crime de ofensa à integridade física – a razão pela qual há proteção
jurídica da integridade física não é só a autonomia de dispor do corpo do titular,
mas sim um valor objetivo para o direito, por serem o suporte das pessoas.
Portanto não se protege só a vida e a integridade física em função do titular deste
direito mas sim devido a uma lógica paternalista da integridade física como
valor de ordem pública.

O consentimento é uma espécie de condição negativa da tipicidade e não se chega a


configurar como uma causa de justificação.

O art. 38º (conjugado com art. 149º) estabelece os requisitos gerais da relevância do
consentimento:

a) Caráter pessoal e disponibilidade do bem jurídico lesado – o bem lesado pelo


facto consentido só poder ser um bem jurídico pessoal, pois só este tem um
portador ou um titular individualizável e também porque, se a relevância do
consentimento advém do respeito pelo valor da auto-realização pessoal, só a
pessoa pode prestar de forma eficaz o seu consentimento. Os bens indisponíveis
serão, por exemplo, os bens jurídicos comunitários, a vida e a dignidade.
b) Não contrariedade do facto consentido aos bons costumes – o art. 149º/2
concretiza, quanto às ofensas corporais.

Bons costumes não pode ser interpretado no sentido de moralidade – terá antes de
ser conforme ao princípio da igualdade, do estado de Direito democrático, etc.

Quando é que a ofensa vai contra os bons costumes? O art. 149º/2 aponta alguns
critérios:
(a) Temos de analisar os motivos do agente;
(b) Temos de analisar a amplitude previsível da ofensa – haverá
ofensa aos bons costumes quando a ofensa em causa for grave e irreversível.
• Imagine-se, contudo, que A consente em ser o cinzeiro de B. Será este um
consentimento válido? A verdade é que as marcas dos cigarros
eventualmente desaparecem; contudo, isto implica uma degradação tal da
pessoa, ao reduzi-la a cinzeiro, e fere de tal forma a dignidade da pessoa,
que não se pode aceitar que este seja um consentimento que exclua a
ilicitude.
• Por este motivo, alguma doutrina entende que este critério dos bons
costumes tem de ser compatibilizado com a dignidade da pessoa humana,
considerado no seu nível mais básico.

Correspondem a uma relevância ético-social da conduta a partir da conjugação de


vários fatores. São expressão de uma dimensão de ofensa desrazoável do bem jurídico
(ex: alguém consentir em ser o cinzeiro de outrem, ou a ser o burro de carga de
outrem).

Para MFP, uma interpretação correta retira o caráter puramente moralista e subjetivo
por relacionar com valores constitucionais, tornando-a uma cláusula com
funcionalidade jurídica e adaptada à linguagem e aos fins do Direito.

Para FD, o entendimento correto deste requisito é o de que o facto consentido


constitui ofensa aos bons costumes sempre que ele possua uma gravidade e,
sobretudo, uma irreversibilidade tais que fazem com que, nesses casos, apesar da
disponibilidade do bem jurídico, a lei valore a sua lesão mais altamente do que a auto-
realização do seu titular.

c) Autenticidade do consentimento – o art. 38º/2 prevê condições da


relevância justificativa do consentimento quanto à respetiva autenticidade.
Exige uma expressividade objetiva do consentimento. O consentimento
relevante tem de ser constatável como tal (por meio objetivamente
identificável), ser a revelação de uma vontade própria do agente (livre e
esclarecida) e não colidente com a liberdade de disposição dos interesses
(sendo, por isso revogável não só até ao início da execução, mas durante a
execução se a suspensão da continuação da execução puder ser ainda eficaz).
d) O consentimento tem de ser prestado por maior de 16 anos – art. 34º/3.
e) O consentimento tem ainda de ser conhecido do agente – art. 38º/4:
• Imagine-se que A e B são um casal e estão a jantar. A acaba de cometer
um ato de infidelidade e sente-se com remorsos e pensa “eu mereço um
estalo, se B me der um estalo eu não me importo, eu mereço”, mas B não
sabe disto. B acaba por dar um estalo a A por outro motivo, não sabendo
que A iria consentir. Haverá aqui um crime de integridade física? É preciso
que o agente tome conhecimento de que está a haver consentimento?
▪ Como já sabemos, há dois juízos diferentes: o juízo de desvalor da
ação e o juízo de desvalor do resultado. Ora, não há ilícito sem
desvalor da ação, mas pode haver ilícito sem desvalor de resultado
(aí será uma tentativa).
o Numa causa de justificação, o facto típico é o facto em relação
ao qual há boas razões para afirmar o juízo de desvalor da ação
e o juízo de desvalor do resultado. Quando intervém uma
causa de justificação, significa que, ainda que a conduta
tivesse as condições para ser punida por haver desvalor da
ação e do resultado, a conduta vai ser permitida, pois há boas
razões para mudar a leitura do que aconteceu.
o Contudo, a justificação tem de explicar tanto porque é que não
há desvalor da ação e porque é que não há desvalor do
resultado: no caso que vimos, o facto de a lesão ter sido
autorizada pelo titular, o Direito deixa de desaprovar a lesão
(motivo para afastar o desvalor do resultado), mas não há
nenhum motivo para afastar o desvalor da ação, mantendo-se
este. Uma boa razão para não haver desvalor da ação seria ela
saber que estava autorizada a dar o estalo. Não sabendo ela
que está a haver consentimento, há desvalor da ação doloso,
mas não há desvalor do resultado, devendo ser punida por
tentativa. Quando o art. 38º/4 é aplicado, será que ele remete
para o regime integral da tentativa na sua totalidade ou apenas
para a pena que é prevista para os crimes de tentativa? Art.
23º/1.

Faz sentido aplicar o art. 38º/4 às restantes causas de justificação? Sim, porque não
existe motivo para afastar o desvalor da ação.

Questão diferente: esta analogia é permitida? Sim, é, porque estamos a punir o agente
mais favoravelmente, punindo-o apenas por tentativa em vez de por crime consumado
(que é o que aconteceria, pois o desvalor da ação não é afastado).

Outra questão ainda que se tem levantado: o art. 38º/4 remete para a aplicação do
regime da tentativa ou somente para a pena que à tentativa seria aplicada?
o É importante ter aqui em causa que nem toda a tentativa é punida – só a
tentativa dos crimes que são punidos com mais de 3 anos.
o Se a remissão for feita para o regime todo, vai abranger as regras todas da
tentativa, inclusive a de que o agente não é punido por tentativa no caso de
crimes que não têm uma pena superior a 3 anos;
o Se a remissão é só para a pena que é aplicável para a tentativa, punimos por
tentativa do crime em causa.
o FD – constituindo a aplicação da pena aplicável ao crime consumado uma pena
especialmente atenuada (art. 23º/2), sendo este o traço mais relevante do
regime da tentativa, dir-se-á exagerado sustentar que em qualquer caso de falta
de elementos subjetivos de uma causa de justificação o facto será sempre
punido, embora com pena especialmente atenuada. Isto porque a tentativa só é
punível, salvo disposição em contrário, nos termos do art. 23º/1, se ao crime
consumado respetivo corresponder pena superior a 3 anos de prisão;

Imagine-se que A convida B a ir ver o jogo de futebol a sua casa. Quando B vai a casa
de A, convidado por A, quando entra em sua casa está a incorrer em violação de
domicílio, mas justificado pelo consentimento de A? Claro que não; o consentimento
é uma causa de exclusão de ilicitude, que apenas serve para excluir a ilicitude de factos
típicos; ora, neste caso em que há autorização/concordância, não há sequer um facto
típico, não há ofensa de um bem jurídico – este é um caso de acordo, de atipicidade.

Já quando A dá um estalo ao B que é consentido, já há um facto típico, mas que está


justificado pelo consentimento – aqui, sim, já há uma causa de justificação.

NOTA: Não confundir o erro do art. 38º/4 com o do art. 16º/2: neste último não estão
preenchidos os pressupostos para a exclusão da ilicitude, mas o agente supõe que
estão; nos casos do art. 38º/4 é o inverso: é um erro de ignorância, estão preenchidos
todos os pressupostos para a exclusão da ilicitude, mas o agente desconhece isso.

Que tipo de elementos subjetivos são necessários? É necessário que o agente conheça
o preenchimento dos pressupostos ou precisa ainda de se motivar por eles?

A doutrina tende a entender que basta que ele saiba, não é preciso haver um animus
defendendi. Esse tipo de exigência já parece corresponder mais a um Direito penal do
agente.

➔ CONSENTIMENTO PRESUMIDO – art. 39º:

O ofendido não manifesta expressa e atualmente a vontade de permitir a lesão dos


bens jurídicos de que pode dispor, por se encontrar numa situação de incapacidade
para tal. Existe aqui uma situação em que o titular do bem jurídico lesado não
consentiu na ofensa, mas nela teria previsivelmente consentido se lhe tivesse sido
possível pôr a questão.

Deste modo, é o recurso aos indícios objetivos de qual seria a vontade do ofendido,
através de indicações por ele dadas anteriormente ou através de pessoas próximas,
que sustenta uma espécie de reconstrução da vontade do agente – aquela que ele teria
manifestado se estivesse ao seu alcance exprimi-la no momento da lesão do bem
jurídico.

Em relação aos requisitos:

Uma vez que o consentimento presumido se equipara ao consentimento efetivo,


naquele hão de, em princípio, concorrer os mesmos requisitos de eficácia:
a) Diga respeito a interesses jurídicos livremente disponíveis;
b) Que o facto não ofenda os bons costumes;
c) A presunção tem de referir-se ao momento do facto, sendo irrelevante a
esperança de uma posterior aprovação;
d) Necessidade de uma decisão que não pode ser retardada, pois o atraso
eliminaria a possibilidade de escolha ou a ele estariam ligados riscos
desrazoáveis;
e) Impossibilidade de a decisão ser tomada pelo interessado.

Quanto à vontade real do interessado, deve fazer-se um juízo hipotético razoável


sobre a vontade do ofendido, de acordo com uma inferência lógica que qualquer
pessoa retiraria sobre os indícios existentes acerca da vontade real do ofendido,
entendida como vontade esclarecida.

➔ Causas de Justificação Supra-legais: Trata-se de causas de justificação não


explícitas, que constituem figuras de contornos precisos, para além das próprias
figuras legais.

Legítima Defesa Preventiva e Estado de Necessidade Defensivo:

Há casos em que há defesa contra uma agressão futura, mas altamente provável, ou
contra agressão lícita provocada pelo agressor – são formas de exercício do direito de
defesa embora não cumpram os requisitos das figuras legais.

A justificação de uma conduta implica, necessariamente, um valor


intersubjetivamente reconhecido. Esse valor não é, de todo, negado na defesa
preventiva, em que apenas se constata que esta não pode realizar qualquer valor dos
que, tradicionalmente, foram atribuídos à legítima defesa, na medida em que a
realização desse valor pressupõe um perigo efetivo da agressão. A defesa do futuro
agressor não exprime concretamente a realização dos valores das figuras.

Mas, por outro lado, a defesa preventiva anula a potencialidade de lesão de bens
jurídicos que atinge o agente e incrementa a segurança em torno daqueles. Nesta
medida, existe algum favorecimento da posição do autor. A igualdade na proteção
jurídica e a realização material dos fins da Ordem Jurídica imporá que a lesão, numa
certa medida, dos bens do futuro agressor seja menos importante do que a promoção
da segurança em relação aos bens do defendente.

O merecimento da conduta do defendente preventivo não resulta do valor social dos


interesses conflituantes ou da solidariedade social, mas apenas da proteção equitativa
dos sujeitos jurídicos de tal conflito.

Raciocínio semelhante para o Estado de Necessidade Defensivo, em que o princípio


de igual proteção das esferas jurídicas obsta a que alguém seja impedido de evitar
um mal que se lhe impõe como um acontecimento natural, a partir de outra esfera
jurídica.

Comportamentos “não desvaliosos” e justificação enfraquecida; Lógica


promocional de direitos:

Aqui enquadra-se uma nova situação, guiada pela expressão genérica de causa justa
ou de realização de um interesse legítimo. Este conceito parece estar desligado de uma
ponderação de interesses como a do Estado de Necessidade e são condutas que
surgem como promoção ou incremento de valores ou de interesses, alterando a
perspetiva teórica subjacente às causas de justificação clássicas.
Exemplo enquadrável na figura do interesse legítimo é o das gravações ilícitas para
fins de defesa processual em crimes contra a honra ou extorsão. O conceito ganha o
seu espaço entre uma justificação que apenas se caracteriza pela defesa-proteção do
status quo dos bens jurídicos e uma outra, inovadora, que se assume como defesa-
promoção de interesses relacionados com direitos fundamentais, a justa causa ou a
fórmula do interesse legítima sugere a evolução do próprio conceito de justificação.

Estas situações acrescentam ao princípio positivo das causas de justificação clássicas


um outro aspeto, para além da insuportabilidade da não defesa de interesses ou bens
(construída a partir do princípio da igualdade) – a insuportabilidade da não promoção
de interesses ou bens, no desempenho de algumas atividades de utilidade social.

CULPA
A culpa é o juízo de censurabilidade social (de desvalor) que se faz ao agente que
praticou o facto típico e ilícito. Já não sobre o facto que ele pratica, mas pela atitude
que o agente expressa na prática de um determinado facto. Enquanto na ilicitude se
verifica a violação de um dever, na culpa coexiste a ideia não de um dever, mas de um
poder.

A aplicação de uma pena pressupõe, tal como afirma o art. 40º/2, que o ilícito tenha
sido praticado com culpa. Não há pena, não há responsabilidade penal, sem culpa. O
princípio da culpa é um limite à punição, na medida em que a culpa constitui um
pressuposto e um limite da pena - não há pena sem culpa e a medida da pena não pode
ultrapassar a medida da culpa.

Para se ter culpa é necessário:


o Não ser inimputável em razão da idade (ter maturidade art.19º) ou por anomalia
psíquica (ter sanidade mental art.20º).
o Ter capacidade de motivação pela norma. Se o agente é coagido a fazer algo não
tem essa capacidade.
o Ter consciência de ilicitude (art.17º), convém ter justa oportunidade para saber
do carácter ilícito do facto.

A culpa é então composta por:


o Dois elementos positivos;
• Capacidade de culpa;
• Capacidade de ilicitude;
o Um elemento negativo;
• Ausência de causas desculpantes.

Pode-se então dizer que verdadeiras causas de exclusão da culpa são aquelas que
se filiam na ausência de capacidade de culpa ou de consciência da ilicitude. As causas
de desculpa não excluem a culpa, mas fazem com que aquele facto seja tolerado pela
ordem jurídica, em termos de não haver lugar à punibilidade, à punição.

Antes de passar ao estudo da culpa enquanto pressuposto da responsabilidade penal,


cumpre analisar a evolução do conceito por via das Escolas:
o Escola Clássica – a culpa representa uma ligação psicológica suscetível de
legitimar a imputação ao agente do resultado, a título de dolo (conhecimento e
vontade da realização do facto) ou negligência (deficiente tensão de vontade
impeditiva de prever corretamente a realização do facto). Esta perspetiva não
tem em conta o caso do inimputável, que pode agir com dolo ou negligência.
o Escola Neoclássica – tem uma componente psicológica e uma componente
normativa. A culpa é constituída pela imputabilidade (capacidade do agente de
avaliar a ilicitude do facto e de se determinar por essa avaliação) e pela
exigibilidade (comportamento adequado ao Direito).
o Escola Finalista – a culpa representa um mero juízo normativo de
censurabilidade do agente, não comportando qualquer elemento psicológico. É
composta pela imputabilidade, pela consciência do ilícito e pela exigibilidade de
outro comportamento.

A culpa cumpre, no nosso sistema, uma função político-criminal de limitação do


intervencionismo estatal, pelo que, para que o Direito puna, em causa tem que estar a
violação pela pessoa do dever originário e essencial de realização e desenvolvimento
do ser.

Para a Professora Maria Fernanda Palma, deve ser adotada uma conceção de culpa
próxima da desenvolvida pelas teses da culpa da vontade (a culpa só pode ser
censurabilidade da ação por o culpado ter atuado contra o dever quando
podia, antes, ter atuado de acordo com ele. Assim sendo, o poder de agir de
outra maneira é elemento essencial do conceito de culpa – temos de estar perante uma
decisão livre e consciente da vontade a favor do ilícito) e da capacidade de
motivação pela norma. Assim sendo, a Professora entende que o fundamento da
culpa reside na verificação da oportunidade de atuação alternativa.

Inimputabilidade

A inimputabilidade representa uma forma de negação da culpa – em causa estão


situações que afetam o agente e que fazem com que este não seja capaz de culpa, por
lhe faltar a capacidade de entender o carácter ilícito do comportamento.

A. Anomalia Psíquica

Estas representam transtornos devidos a causas orgânico-corporais, que


geram deficiências patológicas no agente. Existem vários casos que, para este efeito,
se consideram anomalia psíquica, e que são definidos também com recurso às ciências
naturais: psicoses, neuroses, anomalias sexuais, oligofrenia, psicopatias, etc.
Para além disso, o art 20º CP exige que, por força dessa anomalia psíquica, o agente,
no momento da prática do facto, seja incapaz de avaliar a ilicitude deste ou de
se determinar de acordo com essa avaliação. Está em causa a comparação
entre o agir modificado do psiquicamente anómalo e o que poderia esperar-se do
homem-médio.

Assim, exige-se que o juiz proceda a uma racionalização retrospetiva de um processo


psiquicamente anómalo, devendo o agente ser considerado imputável se se entender
que, mesmo com essa anomalia, era possível que o agente compreendesse a ilicitude
do facto praticado.

Para que seja relevante, exige-se que a anomalia se verifique no momento da


prática do facto, requisito que assume uma dupla vertente:
o Conexão temporal – tem de verificar-se no momento da prática do facto;
o Conexão típica – a anomalia tem que ser expressa num concreto facto típico
e que o fundamente.

Isto explica que um agente possa ter cometido dois factos típicos distintos e deva ser
declarado inimputável relativamente a um e imputável quanto ao outro - por exemplo,
A, que sofre de tara sexual grave, viola e furta B – será inimputável perante o crime
de violação, mas a anomalia de que sofre não se manifesta no furto, pelo que o agente
será imputável quanto a este crime).

Diferentes são os casos de imputabilidade diminuída – situações que a anomalia


psíquica não implica a total incapacidade do agente para avaliar a ilicitude do facto ou
para se determinar de acordo com essa avaliação, mas uma capacidade ainda
subsistente, mas em grau sensivelmente diminuído.

Essa realidade comporta consequências:


o Para a Professora Maria Fernanda Palma, a diminuição da capacidade
corresponde a uma diminuição da culpa, o que gera a obrigatoriedade de
atenuação da pena.
o Já o Professor Figueiredo Dias entende que tal raciocínio traz desvantagens
à política criminal, pois que a anomalia psíquica que afeta o agente e diminui a
sua capacidade torna-o perigoso para a comunidade, de onde se exige uma
reação criminal mais forte e mais longa. O Professor, ainda assim, chama
também a atenção para os casos de imputabilidade duvidosa – situações em que
se comprova a existência de uma anomalia psíquica, mas se tem dúvidas sobre
as consequências que daí resultam, ou devem resultar. São casos em que é
duvidosa a compreensibilidade das conexões objetivas de sentido que ligam o
facto à pessoa do agente. O art 20º, nº 3 – que acaba por remeter para o art 20º,
nº 2 CP – oferece ao juiz uma norma flexível, que lhe permite considerar o
agente imputável ou inimputável consoante a compreensão das conexões
objetivas de sentido do facto.
Temos ainda as actio libera in causa:
o Casos em que o facto é cometido em estado de imputabilidade, apesar desta já
não subsistir no preciso momento da realização e, assim, se dever antecipar o
momento decisivo de apreciação da imputabilidade e, por conseguinte, de
aferição da culpa. Isto sucede nos casos em que o agente se colocou
culposamente no estado de inimputabilidade – ação livre na causa
o Exemplo: estado de intoxicação alcoólica ou por drogas

B. Idade

A imputabilidade deve ser excluída relativamente a qualquer agente que ainda não
atingiu a sua maturidade psíquica e espiritual, com fundamento na necessidade de
um mínimo de maturidade como condição para apreciação da personalidade e atitude
que dela se exprimem. Só quando o estádio de desenvolvimento em que o agente se
encontra é suficiente para que o agente, ao praticar uma ação, tenha consciência da
natureza própria do que através dessa manifesta é que podemos falar em
imputabilidade.

Nos termos do art 19º CP, os menores de 16 anos são inimputáveis. No entanto, os
ilícitos cometidos por estes agentes podem ser objeto de tutela estadual, pois que
também quanto a eles o Estado deve cumprir o dever de proteção dos bens jurídicos.

Não se ignoram as dimensões que a delinquência juvenil atingiu atualmente, não


podendo o Estado ignorar o seu papel de garante de defesa da sociedade apenas
porque o agente é um menor – para isso surge a Lei da Tutela Educativa.

Inexigibilidade

A inexigibilidade trata-se de uma causa de exclusão da culpa, assim sendo


considerada pelo ordenamento português (apesar de ser muito discutido, a nível
mundial, se esta deve levar a uma total exclusão da culpa ou apenas a uma atenuação
da mesma - Roxin entende que a inexigibilidade deve ser vista como uma causa de
exclusão da responsabilidade, afirmando que, em vez de imputar a questão da
inexigibilidade a uma categoria anterior à culpa, deve atribuir-se-lhe uma nova
categoria – a da responsabilidade).

Se ao agente for “roubada” a possibilidade de agir de outra forma, por força de


situação exterior, deverá manter-se a censurabilidade? A resposta é que não – se o
agente não tem poder de agir para atuar de forma diferente, exclui-se a culpa: não lhe
é exigível, nesse caso, que atue conforme o Direito.

O Direito não impõe à pessoa ser um herói moral, mas apenas um homem dotado de
resistência espiritual normal, honesto, normalmente fiel à normatividade e que teria
agido de forma correta se não fosse aquele desvio causado por causa exterior a ele.
A Professora Maria Fernanda Palma entende que a inexigibilidade deve ser
entendida como o fundamento geral da exclusão da culpa, partindo para isso do
princípio da desculpa.

A. Estado de necessidade desculpante

Nos termos do art 35º, age sem culpa quem praticar um facto ilícito adequado a
afastar um perigo real e não removível de outro modo, que ameace a vida, integridade
física, honra ou liberdade do agente ou de terceiro, quando não for razoável exigir-lhe,
segundo as circunstâncias do caso, comportamento diferente.

O estado de necessidade desculpante representa uma manifestação do princípio da


inexigibilidade, que supõe uma colisão de bens jurídicos. Uma exclusão da culpa em
nome de um estado de necessidade desculpante só entra em questão quando não
esteja em causa a salvaguarda de bens jurídicos claramente preponderantes – apenas
quando se salvaguardem bens inferiores, iguais ou no máximo não sensivelmente
superiores ao bem jurídico lesado.

➔ Requisitos:

a) Perigo atual e não removível de outro modo – é em tudo idêntico ao


requisito exigido no estado de necessidade justificante, ainda que aqui a
atualidade deva ser mais ampla, abrangendo os perigos duradouros. Quanto ao
facto de não poder ser possível que o perigo seja eliminado de outra forma, essa
exigência deve ser entendida de forma estrita: por exemplo, não pode
reivindicar o estado de necessidade desculpante o soldado que, sujeito a sevícias
físicas ou morais do seu superior, se pode queixar ao comandante e, em vez de
o fazer, deserta. Exige-se, também que seja escolhido o meio adequado e menos
oneroso para os direitos de terceiro não implicado.

b) Bens suscetíveis de serem lesados – trata-se de ser ou não exigível do


agente, naquela situação, um comportamento adequado ao direito – por esta
razão, compreende-se que a exclusão da culpa só possa ocorrer quando se trata
de preservar determinados bens jurídicos individuais elementares (vida,
integridade física, honra ou liberdade). O perigo deve ameaçar bens jurídicos do
agente ou de terceiro.

c) Cláusula de inexigibilidade – este é o requisito mais importante e


conforme ao princípio da culpa. É um critério pessoal e objetivo, que nos diz que
não se pode exigir ao agente, naquelas circunstâncias, outro comportamento
diferente. No fundo, o art 35º, nº 1 CP não desculpa o facto quando nele
convirjam os elementos acima referenciados, mas apenas quando, além deles,
não seja razoável exigir do agente, segundo as circunstâncias do caso,
comportamento diferente. Ainda assim, é sempre exigido um esforço mínimo
de força de resistência, normativamente determinado (se o critério não pode ser
o do herói moral, também não pode ser o do poltrão). Daqui retira-se que:
o A desculpa deve ser negada sempre que a lei exija do agente que suporte
o perigo (por exemplo, por exercício de profissões como a de polícia ou
bombeiro)
o Não há desculpa se a ameaça se mantém dentro da área típica de perigos
que o agente tem o dever de correr ou de suportar, sendo também
duvidoso que se possa atenuar a pena em função da diminuição da culpa
o Há obrigação de suportar o perigo nos casos em que o próprio agente criou
o perigo, voluntariamente, para se fazer valer do estado de necessidade
desculpante (Figueiredo Dias). O Professor entende que estes casos devem
ter igual solução aos idênticos casos no estado de necessidade justificante.

Outra questão, ainda dentro da inexigibilidade, é a de saber em que termos a


proporção – ou desproporção – dos bens jurídicos conflituantes deve influenciar a
cláusula de inexigibilidade. Sabemos já que há estado de necessidade desculpante
quando o bem salvaguardado é superior ao sacrificado, bem como quando é igual.
Poderá sê-lo, também, quando é inferior: mas poderá essa inferioridade ser
manifesta? Ou, nestes casos, deve entender-se que estamos perante situações em que
o agente tem o dever de suportar o perigo? Por fim, cabe também saber que o facto só
pode excluir a culpa se o agente tiver por finalidade proteger o bem jurídico ameaçado,
ainda que não se exijam motivos nobres por parte deste.

d) Exige-se que o agente tenha praticado o facto com a finalidade de


salvação do bem jurídico ameaçado, ainda que não sejam admitidos
motivos nobres ao agente – basta que o fim último seja a salvação do bem
jurídico em perigo e que a ação seja praticada com essa finalidade.

Possibilidade de atenuação especial ou dispensa de pena nos termos


do art. 35º nº2 CP quanto a “interesses jurídicos diferentes dos referidos no
número anterior” e quando os pressupostos mencionados anteriormente
estejam verificados. Existe um alargamento da figura do Estado de Necessidade
Desculpante para quaisquer interesses jurídicos diferentes da vida, integridade
física, honra ou liberdade. Estaremos perante uma causa geral de desculpa?
Não. É um problema de “carência de pena” – existe antes uma diminuição ou
exclusão de pena de acordo com o princípio da necessidade da pena (desculpem
a redundância), será essa a ratio do preceito.

Aceitação errónea de uma situação de Estado de Necessidade


Desculpante – nos termos do art.16º/ 2, última parte, o erro sobre um estado
de coisas que, a existir, excluiria a culpa do agente, exclui o dolo, pelo que só
permite a punibilidade a título de negligência. É de difícil verificação prática
surtirem erros sobre a inimputabilidade ou sobre excesso não culposo, pelo que
o problema só se suscita nas situações de necessidade ou análogas.
▪ Em princípio o problema não tem que ver com o do erro de
factualidade típica (art.º 16/1) nem com o da falta de consciência do
ilícito (art.17º). O agente que erra sobre os pressupostos de um
estado de necessidade desculpante não só atua com dolo do tipo
como ainda com consciência do ilícito. Ex: náufrago que empurra
para longe o companheiro que se quer agarrar à tábua porque
entende que esta só suporta o peso de um. A esta luz, dir-se-ia que o
erro é irrelevante – Tese da inexigibilidade. Tudo será questão
apenas da cláusula de inexigibilidade – se o seu efeito desculpante
reside na situação de conflito espiritual que cria para o agente, tanto
importará que o perigo exista na realidade como que derive só do
quadro de circunstâncias representadas pelo agente como
existentes, pois também aqui não se pode negar a priori um possível
efeito desculpante. Mas se assim é, também a solução do problema
não deveria suscitar dúvidas de maior – o que é necessário é
determinar se, no quadro das circunstâncias representadas pelo
agente, era-lhe exigível outro comportamento.
▪ Opõe-se outra, a Tese da analogia – reporta-se não a um
pensamento de inexigibilidade, mas a da espécie do erro em causa
que carece de analogia para se lançar mão para tratamento do erro
sobre os pressupostos de um obstáculo à ilicitude. Sendo que este
erro deve excluir o dolo, então a mesma solução deve ser
preconizada para o erro sobre os pressupostos de um obstáculo à
culpa – exclui o erro e o agente apenas será punido a título de
negligência. O 16º/2 pronuncia-se a favor da tese da analogia. FD
concorda desde que se dê o seguinte entendimento: são
fundamentalmente exatas a forma como a tese da inexigibilidade
poe o problema e a forma como a teoria da analogia o soluciona. Se
apesar do erro em que o agente incorreu, lhe era exigível outro
comportamento, então o erro é irrelevante e a punição deve ocorrer
a título de dolo, porque não se trata de uma aceitação errónea dos
pressupostos de uma causa de exclusão da culpa, mas da falsa
suposição de que o direito liga às circunstâncias erroneamente
aceitas a consequência da exclusão da culpa. Aqui apenas seria
possível uma relevância do erro pela via da falta de consciência do
ilícito. Porém, se por virtude do erro, torna-se inexigível outro
comportamento, seria injusto afirmar logo que não há culpa –
apenas se pode afirmar isto se o erro não for censurável, caso
contrário importa determinar o tipo de erro e qual a sua influência
sobre a culpa do facto. O erro, em si mesmo considerado, torna-se
fundamento do facto e é a censurabilidade do erro que fundamenta
a censurabilidade do facto – por isso, deve ser a forma de censura
do erro que vai fundamentar a forma de censura do facto. Se nestes
casos o erro se traduz numa falta de cuidado e atenção para com a
situação em que a conduta se insere, ele é um erro de conhecimento,
um erro intelectual que exclui o dolo.
B. O excesso de Legítima Defesa Desculpante do art.33º

Verifica-se excesso de legítima defesa desculpante sempre que o agente,


numa situação de legítima defesa, se serve de um meio mais lesivo para o
agressor do que aquele que era necessário. Aqui ultrapassa-se a medida de
necessidade do meio (excesso de meio de legítima defesa).

Estão em causa motivos asténicos – perturbação, medo ou susto que reconduz a


uma ação (defesa) excessiva – não havendo então causa de exclusão de ilicitude, não
há legítima defesa (haver há, em sentido conceptual da palavra, mas sendo excessiva,
configura uma figura diferente) e a ação é considerada ilícita.

Este estado de afeto desvia as motivações do agente para agir de acordo com o Direito
– fora das suas intenções normais, daí existir uma atenuação especial da pena
(arts.33º, 72º e 73º).

Taipa de Carvalho refere que esta atenuação é obrigatória, mas JFD refere ser
facultativa.
o Taipa de Carvalho fundamenta com o princípio vitimológico, por ser uma defesa
de quem é agredido.
o No lado contrário, defende-se que é absolutamente injustificado o risco de
produção de danos mais gravosos do que os necessários para o agressor e é feita
uma analogia para as causas de justificação no excesso do meio.

O estado de afeto deve ser asténico (33º/2), casos de perturbação, medo ou susto
não censuráveis – este critério é legal, pessoal e objetivo. Por isso não se admite os
casos de afeto esténico como a raiva, a vingança, ódio ou cólera. Apenas os primeiros
servem de fundamento para impedimento do cumprimento e consequentemente para
desculpa. Mas o afeto asténico causa pressão psíquica ou espiritual da mesma forma
que o esténico, no caso de concurso de ambos, apenas se exclui a culpa se o primeiro
for dominante e o segundo for secundário – o JFD refere, no entanto, que no concurso
não é uma questão de culpa, mas antes de medida da pena.

Refere-se ainda que o estado de afeto asténico tem de ser ele próprio não censurável
– como no caso de estado de necessidade desculpante – não deve ultrapassar a medida
de intensidade que a ordem jurídica espera que seja suportável por todo o homem fiel
ao direito. Chamamos a este critério o da inexigibilidade. Por exemplo: se uma mulher
se defende de um galanteador importuno que lhe faz observações indecorosas
reagindo com um bastão, quando podia dar uma bofetada, e se o medo que está na
base só é explicável porque a mulher tem tendência para ver em cada galanteador um
tarado sexual perigoso, este medo não deve ser aprovado pela OJ e não pode conduzir
à desculpa.

Há relativamente pouco tempo a doutrina e Jurisprudência eram unânimes no


sentido de só considerar como conducente a uma exclusão da culpa o excesso
intensivo, ou excesso nos meios, e não o excesso extensivo – ultrapassagem pelo
agente de outros elementos de que depende a justificação.
Porém, este problema do excesso extensivo passou, recentemente, a suscitar-se
relativamente à atualidade da agressão.

Assim, sustenta-se que, em certos casos em que o agente não ultrapassou, na sua
reação contra o agressor, os meios necessários de defesa, mas reagiu antecipadamente
a uma agressão figurada como certa, ou tardiamente, isso pode ter acontecido por um
afeto asténico – caso em que se deveria também excluir a culpa.

Figueiredo Dias exclui esta doutrina, considerando que é incompatível com o teor
literal do 33.º e porque esse excesso se reconduz a um facto doloso ilícito e culposo u
a um erro sobre a legítima defesa

O EXCESSO TEM DE SER INCONSCIENTE OU PODE SER CONSCIENTE?

Atualmente deve ser decidida a questão num espaço livre de legislação e em função
de considerações relevantes de índole geral.

A doutrina dominante entende que o excesso consciente é também suscetível de


conduzir à exclusão da culpa, porque:
o Geralmente o agente excede-se conscientemente por força do estado asténico;
o Os preceitos legais não distinguem as espécies de excesso;
o No caso português nunca se negou relevância ao excesso consciente;
o É difícil determinar se o excesso chegou ou não ao nível da consciência
intencional do agente.

Falta de consciência do ilícito não censurável

Por vezes, há sim uma falta de consciência intelectual/ética do erro que leva o agente
a não ter um conhecimento correto da factualidade. Não estando num conhecimento
correto da factualidade então aplicar-se-ão as regras da negligência - artigo 16º, nº1
in fine. Aqui a situação é outra, o agente conhece a factualidade, o seu
desconhecimento existe face a uma determina valoração da possível conduta por parte
do agente (art.17º).

Existindo uma falta de conhecimento das regras de Direito, pode dar-se um erro de
valoração por parte do agente, o que, em algumas situações, impede o agente de ter
uma atitude censurável. A vida em sociedade é dominada por uma altíssima
discutibilidade e reconhecimento de vários pontos de vista axiológicos, o que
impossibilita que todos os agentes possuam a “correta” valoração das suas condutas.

Pode haver erros de ilicitude não censuráveis que levem à exclusão da culpa: O
elemento decisivo é, portanto, a determinação do critério de censurabilidade
(art.17º).
➔ Critérios de censurabilidade do erro

1) O critério da inevitabilidade ou invencibilidade do erro

Deste critério resultam duas distinções que não devem ser acolhidas:
a) Capacidade de conhecer o ilícito ou incapacidade e daqui vem a inevitabilidade
ou invencibilidade do erro: JFD faz duras críticas a este critério e suas vias,
afirmando que não nada mais do que “um poder agir de outra maneira”
completamente insustentável e inexequível.
b) Poder de pôr em tensão a consciência ética: Esta só serve para os ilícitos que
tem base na ordem moral, mas para todos os outros não, o que orça o agente a
uma falha intelectual que resulta da falta de esforço do agente em conhecer da
ilicitude da sua conduta. Aquilo que acaba de ser dito demonstra a
incompatibilidade entre os dois critérios pois tendo como objetivo excluir a
censurabilidade e por consequência a culpa acaba por levar novamente a
censura da conduta do agente, este critério de “exclusão” da culpa torna-se o
critério que atribui a censurabilidade. JFD fala mesmo no critério de
censurabilidade do erro.

Os dois critérios acabam por não ser compatíveis, o da invencibilidade do erro amplia
e o da tensão ética restringe a uma análise moral e emocional.

Uma outra crítica é feita quanto a conceção de culpa, o critério da tensão ética
transforma o poder conhecer o ilícito num dever de conhecer o ilícito. o Direito num
dever de agir em conformidade com o Direito. Este critério não busca o erro, mas sim
infirmar o incumprimento do dever de conhecimento da norma jurídica que violou –
há uma agressão óbvia ao princípio de debere ad posse non valet consequentia.

Este critério – tensão ética – tem como pressuposto a existência de uma consciência
aberta ao ordenamento jurídico e que pode levar o agente a conhecer que o carácter
do facto é ilícito, o que leva à criação de uma lacuna nos casos em que existe uma
anomia jurídica causada pelo hábito de viver fora dos parâmetros normais do
ordenamento. Como exemplo os agentes que são habituais delinquentes (Assaltantes
profissionais, como os gangs onde o tráfico e roubo atingem níveis de
profissionalismo), que desenvolvem valores contrários ao Direito. Nestes casos, e
seguindo o critério da tensão ética, aqui também teria de negar a culpa para manter a
coerência o que teria resultados devastadores para a política jurídico-penal.

Igualmente insuportável para o ordenamento penal seria o critério da falta de


informação e de esclarecimento baseado na falta de cognoscibilidade, só seria
provocado por um estado de excitação ou qualquer outra emoção que não permitia ao
agente ter noção da ilicitude do facto. Mas sendo o conhecimento desse estado de
excitação um facto psicológico seria impossível saber da veracidade deste estado.
Conclui-se que o critério da inevitabilidade ou invencibilidade do erro não é
defensável.
2) A “rectitude” da consciência errónea como critério da não
censurabilidade da falta de consciência do ilícito

Não falamos aqui de casos em que uma característica da personalidade acaba por
afastar a censurabilidade do facto afastando a culpa (Como no caso de um pedófilo
que tem uma tendência para violar viu-se obnubilado na sua consciência sobre a
ilicitude do abuso sexual de um menor de 14 anos art.º 172º). O que falamos aqui é
em casos em que apesar de haver ilícito o agente é movido por uma fidelidade que é
reconhecida juridicamente tem que haver uma conexão entre a conduta do agente e
uma proteção do ordenamento ao facto mesmo sendo ilícito tem que haver um
reconhecimento pelo Direito, tem que ser valorado juridicamente.

Para entendermos o conceito de consciência reta temos que recorrer a conceitos da


teologia moral católica: os conceitos de conscientia vera (em conformidade com a
verdade); e a conscientia reta que não está em conformidade objetiva, mas não é
censurável (uma conscientia erronea). Suarez e Duns Escoto tratam este tipo de
consciência não como uma falta de capacidade para conhecer o mal, mas é uma
conscientia erronea inculpabilis. Aqui tal como na consciente vera há um amor pela
verdade e uma demanda pela perfeição moral, porém não conduzida para a verdade
objetiva, mas não deixa de ser uma consciência válida e guiada com critérios objetivo.

Baptista Machado estabelece que no panorama existencial do homem, este para se


incluir na humanidade histórica – que o autor se refere – tem que ter uma
disponibilidade total e participar dessa humanidade – através dos seus valores. Ora
bem mesmo tendo uma abertura aos valores da humanidade e uma atitude de querer
integrar essa humanidade histórica nem sempre esse caminho é correto, pode haver
violações de deveres primordiais o que não transforma a consciência ética do agente
não deixa de ser recta, mas é errónea.

✓ Requisitos da consciência recta

O primeiro requisito de uma consciência recta é a presença do agente numa situação


em que a ilicitude concreta é extremamente controvertida e discutível, onde
conflituam vários pontos de vista jurídicos todos eles relevantes. Mesmo que o agente
escolha um dos pontos de vista não deixa de ser relevante para o Direito e até fiel para
com este.

O segundo requisito é o propósito do agente de recorrer a um desses pontos de vista,


de preferência de forma consciente, se prejuízo de bastar um desejo ou esforço
continuado de lealdade ao Direito. Mas é engraçado ver que existe sempre culpa
nestas situações, a culpa na condução da sua vida ou na preparação da sua
personalidade. Esta busca de se manter recto não se fica somente pelo momento
estrito do facto praticado mas em toda a sua vida.

Poderíamos concluir que só existiria a falta de consciência do ilícito não censurável


nas hipóteses de fronteira de uma clausula de exclusão de ilicitude, mas tal ideia e de
rejeitar pois não podemos esquecer quando a criação de um tipo incriminador já é por
si só envolta em conflitos de opiniões juridicamente relevantes, nestas situações o
legislador escolhe o ponto de vista, nestes casos também pode surgir falta de
consciência do ilícito não censurável - Exemplo: artigo 157º há um conflito de
princípios, nesta situação de intervenções médico-cirúrgicas sem consentimento do
paciente, estão em conflito a liberdade pessoal e a defesa da vida.

Uma advertência quanto há ideia de o agente ter o propósito de agir em conformidade


com o ponto de vista juridicamente relevante mesmo sabendo que este é ilícito, em
muitos ordenamentos isto é defendido, mas não só isto é irrelevante como o que é
necessário entendermos que a falta de consciência tanto pode ser uma aceitação da
ilicitude com uma falta de perceção desta. Pode definir-se este critério como de não-
censurabilidade pessoal-objetivo.

3) A questão da atenuação da culpa

A falta de consciência da ilicitude censurável é uma causa de diminuição da culpa, a


que o juiz tem que atender, sobre pena de aplicar penas demasiado severas. Mas
importa saber qual a fundamentação para essa atenuação da culpa permitida no artigo
17º nº2.

✓ A tese da atenuação especial obrigatória

Esta teoria defende que sendo menos grave o facto cometido sem consciência do que
o que foi cometido com consciência não existe uma possibilidade, mas sim uma
obrigação de atenuação da pena, com base no art.72º nº1 in fine “quando por forma
acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente …”com ressalva das situações e
hostilidade ao Direito. No entanto Figueiredo Dias faz uma crítica a esta teoria: não
leva a sério a falta de cognoscibilidade do ilícito que é igual à falta que cria a culpa
mesmo nos casos de hostilidade ao Direito. Assim mesmo dando uma grande
segurança jurídica ao tribunal não é bastante.

4) Atese da atenuação especial/extraordinária facultativa

Esta tese defende que deve haver uma faculdade de atenuação e não uma obrigação
com base na insuficiência de critérios de diferenciação entre os ilícitos cometidos com
falta de consciência e os com consciência da ilicitude, tal como dissemos atrás a
deficiência que provoca o ilícito e a mesma que provoca a falta de consciência daquele
daí ser de rejeitar a obrigatoriedade, e abraçar uma visão que privilegie o caso concreto
onde é possível observar o que diferencia os dois tipos de erro (erro de consciência da
ilicitude e o erro material de prática do ilícito). Mesmo nos casos de hostilidade ao
Direito, Warda diz não ser legítimo que seja feita à priori uma exclusão da atenuação
da pena. Conclui-se que a atenuação tem de ser sempre feita à posteriori – segundo
um juízo ex post – caso a caso o que nos leva a admitir uma atenuação extraordinária
facultativa da pena segundo o artigo 17º nº2.
COMPARTICIPAÇÃO
Em sede de comparticipação, cumpre estudar a responsabilidade pela realização de
factos típicos e ilícitos nos quais se identificam uma pluralidade de agentes, sendo
estes autores ou não.

A comparticipação apenas existe ex ante facto, ou, quando muito, no momento


da sua prática. Significa isto que não é um caso de comparticipação aquele em que
uma pessoa se junta para encobrir o crime já praticado por outra (situação que se
passa ex post facto) – o encobrimento é um crime autónomo - (art.231º e 367º).

Existem três figuras de comparticipação: autoria, instigação e cumplicidade. Os


autores são as figuras centrais do acontecimento criminoso, sendo por isso o “centro
pessoal do ilícito típico”. Já o cúmplice representa uma figura lateral, secundária ou
de segunda linha, na integral realização do ilícito típico. Este não realiza o tipo de
ilícito, mas participa na realização levada a cabo por outrem. Existe também o
instigador, sendo esse aquele que determina dolosamente outrem à prática do facto.
O nosso código penal define estes conceitos nos arts.26º e 27º. Por fim, há que referir
o papel do co-autor, o agente que pratica o facto em conjunto com outro(s), tendo para
isso havido uma decisão conjunta e participação na execução.

Teoria forma-objetiva: “autor é todo aquele que executa, total ou parcialmente, a


conduta que realiza o tipo (de ilícito”. É uma doutrina que institui um excelente ponto
de partida no sentido em que aponta para uma ligação indissolúvel entre a figura do
autor e a realização do ilícito típico. Todavia, não é suficientemente explícita e clara,
acabando por pecar no seu conteúdo.

Teoria material-objetiva (causalidade): é a chamada teoria unitária da autoria


porque visa colocar, de modo igual, todos os comparticipantes no mesmo facto ilícito
típico e tratá-los como autores. É autor todo o indivíduo que executa o facto
oferecendo uma contribuição causal para a realização típica, independentemente do
seu relevo. Esta teoria consagrava do projeto de Eduardo Correia, mas foi rejeitada
pelo legislador nos arts.26º e 27º (Por exemplo, a cumplicidade contribui para a
causalidade do facto, e o legislador não qualificou o cúmplice como autor.). Neste
âmbito Farinacius dizia que o autor seria o sujeito em que o facto não teria sido
cometido sem a sua actuação; seria mero participante se o facto ainda tivesse sido
cometido sem a sua atuação, embora o tivesse então por modo, tempo, lugar
diferentes. O problema desta tese é que deixa tudo ao acaso, porque é aí que a
causalidade “necessária” se encontra. Se 2 pessoas subtraem conjuntamente uma
coisa, obviamente que seria possível uma delas subtrair a coisa sozinha. A definição
de autoria está relacionada com a realização do tipo. É autor quem executa direta ou
indiretamente o facto (art.26º), não apenas “quem o causa”. Para haver ilícito, este
tem que ser pessoal, o “crime” tem que ser obra pessoal do agente.
Teorias subjetivas: esta doutrina focou-se no lado subjetivo do crime, dizendo que
a autoria residiria em realidades internas ou psíquicas, sejam elas a vontade, a
intenção, os motivos, os sentimentos ou as atitudes interiores do agente. É autor quem
realiza o facto com vontade autor (animus auctoris), é mero participante quem
colabora no facto de outrem com vontade de partícipe (animus socii). Está errado, o
agente não passa a ser autor apenas por o sentir, ele tem que praticar atos no mundo
factual. Esta teoria evoluiu posteriormente para considerações de culpa, ou seja, o
agente era autor se, relativamente a outro agente, fosse mais censurável. O que levou
a maus resultados, o agente podia ser considerado autor não porque tivesse realizado
o facto, mas porque, não o tendo executado, mas só nele colaborado, a sua posição
aparecia mais censurável do que a do verdadeiro autor.

Teoria do domínio do facto: é autor quem domina o facto, quem toma a execução
“nas suas próprias mãos” de tal modo que dele depende decisivamente o se e o como
da realização típica. O autor é a figura central do acontecimento, o facto típico é obra
de uma vontade que dirige o acontecimento (elemento subjetivo), noutra vertente
como fruto de uma contribuição para o acontecimento dotada de um determinado
peso e significado objetivo. O senhor do facto domina execução típico, cabendo a ele
a iniciativa, interrupção, continuação, consumação e realização. No art.26º vêm
referidas 3 formas de autoria, a imediata, mediata e coautoria. O agente é autor
imediato porque é ele próprio quem procede à realização típico. O agente é autor
mediato porque, embora não tenha intervindo fisicamente na realização típica,
domina o executante através de coação ou erro. Por fim, o agente é co-autor porque
pode ainda dominar o facto através de uma divisão de tarefas com os outros agentes,
desde que, durante a execução, possua uma função relevante para a realização típica.
O domínio do facto constitui uma valoração que exprime uma síntese de elementos
psicológicos e normativos.

Contudo, o critério do domínio do facto apenas funciona para determinar a autoria


dos crimes dolosos de ação. No crime negligente não há um “controlo do
acontecimento pela vontade do agente” e nos crimes de omissão o agente não execute
nem dirige a execução da ação esperada. Nestes casos, não é necessário ter o domínio
do facto, basta a violação do dever que cabe ao agente99. Existem ainda outras 3
situações especiais:
(a)O tipo de ilícito exige, para além do dolo do tipo, elementos
subjetivos especiais: nomeadamente uma certa intenção, determinados
motivos ou certas características de atitude interna. Neste caso, será autor
quem, detendo o domínio do facto, realize a ação com os elementos subjetivos
especiais tipicamente requeridos pelo ilícito respetivo.
(b) Crimes específicos: em que o autor sobre o autor recai uma qualidade
ou uma relação (e consequentemente dever) especiais. Nestes casos, ao domínio
do facto acresce a violação do dever típico especial por quem dele é titular.
(c) Crimes de mão própria: estes só existirão onde tenha sido intenção da lei
construir o tipo de ilícito por forma tal que autor só possa ser aquele que realiza,
ele próprio, a ação (com o seu corpo) e em que, por conseguinte, o facto só possa
ser cometido em autoria imediata.
1) Autoria

O autor pode desde logo ser autor imediato ou autor mediato:


o Autor imediato – é punível como autor quem executa o facto, por si mesmo
(26º 1ª parte). O autor imediato preenche, na sua pessoa, todos os elementos do
ilícito típico. EXEMPLO: A atira B contra C. A é autor imediato, pois que B não
pratica qualquer ação.
o Autor mediato – também é punível como autor aquele que executa o facto por
intermédio de outrem (26º 2ª parte). Identificam-se as figuras do homem de
trás (autor mediato) e do homem da frente (executor, intermediário ou
instrumento). Roxin fala, aqui, de uma situação de domínio da vontade, que
pode desde logo ocorrer por três vias.
• Domínio da vontade por coação – homem de trás coage o homem da
frente à prática da ação (por exemplo, A aponta uma arma à cabeça de B,
dizendo-lhe que o matará se este não matar C).
• Domínio da vontade por erro – homem de trás engana o homem da
frente, levando a que este se torne executor involuntário do seu plano
delituoso (por exemplo, A entrega a B uma caixa de explosivos, dizendo
que a caixa contém compotas e que este tem de entregar a caixa a C. C
morre ao abrir a caixa).
• Domínio da vontade nos quadros de aparelhos organizados de
poder – em se de uma organização rígida e disciplinada, alguns autores
entendem que, por vezes, os agentes que recebem ordens acabam por se
tornar meros instrumentos (por exemplo, organização policial apodera-se
do aparelho do Estado).
o Coautoria – é co-autor aquele que tome parte direta na execução (conjunta)
do facto, por acordo (decisão conjunta). Há um domínio coletivo do facto, em
que a atuação de cada um dos coautores se apresenta como momento essencial
da execução do plano comum. O co-autor é punido segundo a moldura penal
prevista para o crime, como se agisse sozinho.
• Decisão conjunta – o agente apenas pratica uma parte, mas decide pela
realização da execução típica. Por exemplo, num caso de roubo de um
banco (art.º 210º), A paralisa os clientes e empregados com uma arma
(ameaça), enquanto B retira o dinheiro dos cofres (subtração). Para
considerarmos haver uma decisão conjunta, tem de se verificar um acordo
expresso, ou pelo menos um conjunto de ações concludentes. Mais que
isso, só existe coautoria perante o que foi determinado em conjunto, pelo
que não responderão ambos pelo excesso de um deles (por exemplo, A e B
decidem conjuntamente matar C, mas depois B “rouba”8 a vítima. O
homicídio é levado a cabo em regime de coautoria; o “roubo” é imputado
a B, mesmo que A, depois da apropriação, também concorde com ela).
Este acordo que se exige tem de se verificar antes ou durante a prática do
facto, e nunca depois da sua consumação, sob pena de estarmos perante
coautoria sucessiva. Para o Professor Figueiredo Dias, o co-autor
sucessivo só pode ser responsabilizado pelo ilícito cometido após a sua
adesão ao acordo (diverge da doutrina alemã, que entende que este seria
punido por todo o ilícito praticado, desde que o acordo aconteceu).
• Execução conjunta do facto – o art 26º, nº 3 CP exige que o co-autor
tome parte direta na execução. A execução parte de um critério do
domínio do facto, que aqui se combina com uma exigência de divisão de
tarefas. O que se exige é que cada um dos agentes contribua com atuações
que, em conjunto, preencham o tipo legal de crime. Esta repartição tem
de se manter no estádio de execução, pelo que, entende Figueiredo Dias,
deve ser recusada a classificação de co-autor para o agente que apenas
participa na fase preparatória. Nesse caso, apenas poderemos ter
instigação ou cumplicidade.

Pode ser elaborada uma lista de casos em que tipicamente se considera haver
autoria mediata:

A. O INSTRUMENTO (HOMEM DA FRENTE) ACTUA ATIPICAMENTE


• Por não praticar uma ação: o instrumento não chega a levar a cabo
uma ação em sentido jurídico-penal, mas é utilizado por outrem como
puro corpo ou forma de ação (até como “projétil” - A ergue B e o atira
contra C para ofender a integridade física deste, ou se serve, para o mesmo
efeito, de atos puramente reflexos de B.). Aqui o homem-de-trás não é
autor mediato, mas sim imediato.
• Por intervir quanto a ele uma causa de exclusão da tipicidade –
o instrumento pratica uma ação que, se cometida pelo homem de trás,
constituiria um ilícito típico, mas cometida por aquele, surge como
atípica.
• Por ser a própria vítima – a atipicidade provém do facto de o
instrumento ser a própria vítima, não sendo a ação típica quando
praticada por ela. EXEMPLO: A convence B de que a eletricidade está
desligada e de que este pode fazer reparações. Quanto B começa, sofre um
choque elétrico e morre.
• Por atuar sem dolo do tipo – o instrumento pratica uma ação que
preenche o tipo objetivo de ilícito, mas não o tipo subjetivo, por lhe faltar
o dolo (há erro sobre a factualidade típica). EXEMPLO: A prepara uma
chávena de chá envenenado e ordena B que se encarregue de a servir a C.
B desconhece o plano. O Professor Figueiredo Dias entende que a situação
de negligência consciente do homem da frente deve ser resolvida de igual
maneira. EXEMPLO: caso Lacman modificado – A e B fazem uma aposta
para saber se A consegue acertar na maçã que C segura na mão. A atua
com negligência consciente (não se conformando com a possibilidade de
acertar em C), mas B quer que A acerte em C, o que acaba por acontecer.

B. O INSTRUMENTO ACTUA LICITAMENTE


São casos em que o intermediário preenche, com a sua ação, o tipo incriminador, mas
atua licitamente, porque atua justificadamente. Os casos em que isto efetivamente se
verifica são raros. Acontece se o juiz, por se querer vingar de C, ordena o polícia B à
detenção de C, embora não estando presentes os pressupostos de legalidade da
detenção. A questão reside em saber, não obstante a atuação aparentemente lícita do
instrumento, se o homem-de-trás não pode ser considerado como autor mediato face
ao engano que produziu no instrumento. Se o homem de trás tem o domínio do
conhecimento e da vontade do executor, terá de ser considerado autor mediato.

Igual será a solução em que o homem de trás provoca uma situação de legítima defesa
ou de estado de necessidade justificante.

C. O INSTRUMENTO ACTUA SEM CULPA


Representa o conjunto de casos em que o homem de trás explora situações em que o
instrumento pratica o ilícito tipicamente doloso, mas não pode, relativamente a ele,
ser afirmada culpa dolosa. O homem de trás deve, então, ser punido como autor
mediato. Se, porém, o executor for plenamente responsável, poderá existir instigação
ou, eventualmente, cumplicidade.
• Por falta de imputabilidade – são situações em que o instrumento é
inimputável, em virtude da idade ou de anomalia mental. Sendo aí quebradas
as conexões objetivas entre o agente e o facto, não pode entender-se que o
homem da frente possua o domínio do facto, ainda que este atue com dolo do
tipo. EXEMPLO: A convence B, que sofre de anomalia psíquica, a matar C.
▪ NOTA – ESTES SÃO CASOS DIVERSOS DOS CASOS DE
IMPUTABILIDADE DIMINUÍDA: casos em que é duvidosa ou
apenas parcial a compreensibilidade das conexões do agente
material do facto. A decisão sobre a verificação da autoria mediata
depende de cada caso.
• Por atuar sem consciência do ilícito – homem da frente age com falta de
consciência do ilícito não censurável, intencionalmente criado pelo homem de
trás. Diferente pode ser a situação em que o homem da frente atua sem
consciência do ilícito censurável. Neste caso, diz o Professor Figueiredo Dias que
não há uma total desresponsabilização do homem da frente, atingindo-se um
ponto em que este não é considerado um mero instrumento e o homem de trás
não é considerado autor mediato.
• Por atuar em estado de necessidade desculpante – o homem da frente,
enquanto autor material, atua nos termos do ar 35º CP. Note-se, contudo, que
se o homem de trás nada faz para criar esse estado de necessidade desculpante
(estando este já constituído, determinando apenas, com ameaças ou conselhos,
o homem da frente a praticar o facto (sem qualquer transformação da situação
existente em desfavor da vítima), apenas poderemos falar em instigação ou
cumplicidade.

D. AO INSTRUMENTO FALTA A QUALIFICAÇÃO OU A INTENÇÃO


TIPICAMENTE REQUERIDAS
É o caso particular em que ao executor falta a qualificação ou a especial intenção
tipicamente requeridas para fundamentar ou agravamento da responsabilidade.
EXEMPLO: falta ao agente a qualidade de “funcionário” para efeitos dos artigos 375º
ou 380º CP. Na Doutrina nacional, este conjunto de casos tem ainda assim que ter em
conta o disposto no art 28º CP (comunicabilidade ou incomunicabilidade das
circunstâncias).
E. O INSTRUMENTO ACTUA DE FORMA PLENAMENTE
RESPONSÁVEL
Diz-nos o Professor Figueiredo Dias que a autoria mediata só ocorre quando o homem
da frente realiza o tipo de ilícito de forma não responsável. Fora isso, apenas se poderá
falar em instigação ou cumplicidade. “Não existe autor atrás de autor, o que decorre
do princípio da autorresponsabilidade”.
• Casos ditos de erro sobre o sentido concreto da ação – casos em que o homem
da frente conhece todas as circunstâncias necessárias à efetivação da sua
responsabilidade dolosa pelo facto que pratica, mas erra sobre outras
circunstâncias, também relevantes juridicamente, por erro provocado pelo
homem de trás. EXEMPLO: agente sabe que irá matar alguém (preenchendo
o crime de homicídio), mas o homem de trás convence-o de que a vítima é
alguém que este odeia (erro sobre a identidade). Nestes casos, não há exclusão
do dolo do tipo – a lei pune quem matou alguém, independentemente da
identidade da vítima, pelo que não podemos falar em autoria mediata, mas
apenas em instigação ou cumplicidade.

2) Instigação

Será instigador aquele que, dolosamente, determinar outra pessoa à prática


do facto. É esse o sentido do art 26º CP. Para que se seja considerado instigador,
então, exige-se ao agente que crie no executor a decisão de atentar contra o bem
jurídico.

A Escola de Coimbra entende que a instigação é uma forma de autoria, dada a


intensidade do domínio da decisão que tem o instigador. O mesmo tende a entender
o Professor Figueiredo Dias.

Já a Professora Maria Fernanda Palma, por contrário, defende que a instigação


é uma forma de participação, exigindo, desta feita, a acessoriedade. Nos
casos de instigação, acaba por ser exigida a verificação de uma situação de duplo dolo
– dolo do instigador deve referir-se à determinação do instigado (dolo na
determinação) e ao facto cometido por este (dolo do instigado). Pode também haver
situações de instigação em cadeia – casos em que a determinação é o resultado da
atuação em cadeia de vários instigadores. Apenas serão instigadores os que tiverem
domínio na decisão, sendo cúmplices todos os restantes. Se o instigado for além do
dolo do instigador, teremos um caso de excessus mandati, respondendo o instigador
apenas pelo seu dolo. Se, por contrário, a atuação do instigado ficar aquém do dolo do
instigador, então o instigador responderá pelo facto efetivamente cometido – a
tentativa falhada de instigação não é punida.

3) Cumplicidade

Encontra-se regulada no art 27º CP, tratando de situações em que há uma


acessoriedade de participação – há uma colaboração do autor no facto, pelo que
a sua punibilidade supõe a existência de um facto principal cometido pelo autor. O
cúmplice não pratica a ação típica, pelo que o seu comportamento não é abrangido
pela parte especial do Código Penal – o art 27º CP representa uma extensão da
punibilidade a formas de comportamento que, sem ele, não seriam puníveis.

A cumplicidade pode dar-se por auxílio material – bastando que o cúmplice


favoreça o autor – ou por auxílio moral – por exemplo, auxílio psíquico. O que
acontece se a prestação material com que o cúmplice favorece o autor não for
utilizada? Poderá considerar-se que há uma mera tentativa de cumplicidade, que não
é punível. No entanto, também poderá ainda estar em causa um verdadeiro caso de
cumplicidade, pois que o contributo do cúmplice não precisa de ser causal para o
resultado, bastando que o ato em causa aumente as hipóteses de realização típica por
parte do autor. Mais que isso, mesmo que não se considere já haver auxílio material,
ainda há espaço para que haja auxílio moral – bastará, para isso, que a prestação
concedida pelo cúmplice traga ao autor uma sensação de maior segurança no sucesso
da prática do facto.

A punição da cumplicidade funda-se na atuação do participante sobre a


pessoa do autor e na colaboração do participante no facto do autor (art.º
72º e 73º CP).

4) A acessoriedade na participação

Estabelecido que esteja que a atuação do agente é acessória e dependente


relativamente ao facto principal, cumpre fazer à acessoriedade exigências adicionais:
o Acessoriedade qualitativa ou interna – corresponde a uma medida
mínima de elementos constitutivos do facto do autor.
• Acessoriedade mínima – bastaria a verificação do facto típico – hoje
rejeitadas. • Acessoriedade extrema – seria necessária a verificação de um facto
típico, ilícito, culposo e punível (hoje rejeitada).
• Discussão atual: entre a acessoriedade rigorosa (exige um facto típico, ilícito
e culposo) e a acessoriedade limitada (facto típico, ilícito).
▪ Crítica à acessoriedade rigorosa: deixou de ter sentido com a
análise do tipo subjetivo que já implica a verificação do dolo; ainda,
não se coaduna com a referência, no art. 29º, a independentemente
de culpa.
▪ ACESSORIEDADE LIMITADA: é hoje a tese dominantemente
aceite – cumplicidade como participação no ilícito típico do autor.
O Professor Figueiredo Dias propõe a teoria da acessoriedade
limitada modificada: a punibilidade, em princípio, não é critério, no
entanto, há situações em que têm necessariamente de ser
consideradas as condições objetivas de punibilidade ou casas
materiais e exclusão da pena (art. 227º/1 p.e.).
o Acessoriedade quantitativa ou externa: corresponde a uma exigência de
que o facto principal alcance um certo estádio de realização. Tem de existir
execução ou começo de execução: só há participação no facto de outrem se esse
facto começar a ser praticado (ideia de perigo dos bens jurídicos – art. 22º,
tentativa).
5) Casos dúbios em matéria de comparticipação – RELEVANTE
• Roubo conjunto: A é meramente condutor da viatura -
Cumplicidade ou coautoria?
▪ A Professora Maria Fernanda Palma segue, como critério de
aferição, a essencialidade da conduta do agente para a prática do
facto típico (perceber, no fundo, se tem o domínio funcional do
facto). Em regra, será considerado cúmplice.
▪ Exemplo de coautoria – o transporte não é uma mera carrinha,
mas um helicóptero e o crime será praticado numa ilha: carácter
essencial do piloto que o leva a considerar como verdadeiro coautor.
• Roubo conjunto: A é apenas aquele que vigia a porta -
Cumplicidade ou coautoria?
▪ A Professora Maria Fernanda Palma segue, como critério de
aferição, a essencialidade da conduta do agente para a prática do
facto típico (perceber, no fundo, se tem o domínio funcional do
facto). Em regra, será considerado cúmplice.
▪ Jurisprudência: considera que há coautoria, maioritariamente
fundamentandose em razões de prevenção geral. Maria Fernanda
Palma: só há coautoria quando for essencial para a execução do
plano. Essencialidade – sem ele o plano cai por terra. Helena Morão:
só será justificável em co-autor em que a vigilância for um ato de
execução.
• Coautoria alternativa: A e B combinam matar C sabendo que,
no caminho para casa, C tanto pode seguir pela rua X como pela
rua Y. A aguarda C na rua X. B aguarda C na rua Y. Ambos têm
uma arma e estão prontos a matar mal avistem C. C segue pela
rua Y e é morto por B.
▪ Helena Morão: no momento do início da execução só há um
agente a iniciar a execução; só o agente que efetivamente lhe dará o
tiro é que poderá ser considerado autor. O critério é a prática de atos
de execução (colocação em perigo do bem jurídico da vítima, pois
que se prossegue que a eles se segue a execução do ilícito típico).
Aquele que tem a “sorte” de nada fazer não é punido, pois que aquilo
que fez foi apenas um ato preparatório (não punível). No limite ou é
instigador ou é cúmplice moral. Roxin: coautoria. Problema:
punimos alguém que não chega a fazer nada.
• A contrata B para matar C. B confunde C e D e Mata D.
▪ Quanto ao homem da frente (instigado): erro sobre o objeto
da ação, que não exclui o dolo do tipo (irrelevância).
▪ Já quanto ao homem de trás (instigador): cumpre perceber se
estamos perante um erro sobre o objeto da ação (irrelevante) ou um
erro na execução (aberratio ictus).
▪ De acordo com a Professora Maria Fernanda Palma, o critério
de distinção é a existência, ou não, de tentativa, ou seja, uma vez que
C não chega a estar em perigo, na verdade, parece que não chega a
haver tentativa, o que significa que estamos perante um erro sobre
o objeto, irrelevante pra efeitos de responsabilidade. Se D chega a
estar em perigo (por exemplo, por estar perto de D), já se pode
considerar início de execução, logo, aberratio ictus (tentativa +
homicídio consumado negligente)
• A e B contratam C para apenas delinear um plano de assalto.
▪ A Professora Helena Morão diz que ser executor significa praticar
factos de execução. Ao dar as ordens, está a preencher um ato de
execução – é expectável que lhes sigam os atos de execução das
pessoas que estão a praticar o assalto. Se não dá ordens/dirige o
assalto, limitando-se a fazer o plano, é apenas cúmplice.
• Caso Casa de Papel: A e B contratam C para delinear um plano
de assalto e ordenar todo o processo.
▪ Aquele que dirige tem o domínio funcional do facto – é esta a
justificação de Roxin para ser coautor. Para Helena Morão e
Figueiredo Dias, ser executor significa praticar factos de execução.
Ao dar as ordens, está a preencher um ato de execução – é expectável
que lhes sigam os atos de execução das pessoas que estão a praticar
o assalto. Defendem ser, nestes termos, co-autor
• A paga a B para bater em C. No entanto, as pancadas que B dá
resultam na morte de C. É instigador de um facto negligente ou é
autor material de um facto negligente?
▪ Para a Professora Maria Fernanda Palma, neste caso, é autor de
um crime negligente, na medida em que a sua ordem criou aquele
risco potencial e intenso; há imputação objetiva direta entre o
comportamento psíquico e o resultado. Não previu, mas poderia ser
previsível: se se concluir pelo dolo eventual será instigador; se se
concluir pela negligência consciente será autor.
• Ministro convence o motorista a ir, na A1, a 250 km/h.
▪ Ministro: instigador (há dolo de instigação, mas não há dolo de
prática do crime: tão somente negligência).
▪ Motorista: autor material (dolo)
• Caso Rolling Stones: A e B atiram à vez uma pedra para a base
de uma colina. Uma das pedras atinge uma pessoa e esta vem a
morrer.
▪ Helena Morão: coautoria negligente.
▪ Maria Fernanda Palma: como há combinação entre os dois,
estamos perante um cenário de imputação objetiva. É um caso de
autoria paralela negligente.
▪ Se não houver combinação: causas paralelas.
Como se faz a imputação objetiva ao cúmplice ou instigador? Não
se trata tão somente de uma relação entre o facto típico do agente e o
resultado: é uma relação que passa pela intervenção de terceiros.

Cumpre averiguar o nexo entre o comportamento do participante e o


resultado típico e a relação prévia entre o instigador e o autor
material. Há duplo nexo de imputação → nexo de determinação
(comportamento decisivo) + nexo de resultado (essa determinação à prática
do facto expressou-se no facto típico).

TENTATIVA
A tentativa é uma forma especial de infração. É a realização incompleta do facto
típico doloso.

A questão fulcral é a de saber a que estádios de realização do crime doloso a


responsabilidade penal pode aferir-se, e de que forma. Facilmente percebemos, para
começar, que a mera decisão de realização do ilícito não é punível. O que está em causa
é a necessidade de proteção subsidiária de bens jurídicos, não de puros valores morais.

Outra questão pertinente é a de saber se já há lugar a punição pela mera prática de


atos preparatórios. Tende a responder-se que não: não sou punido por comprar uma
caçadeira para a prática de um homicídio. Há, ainda assim, exceções: por exemplo o
caso do art 262º CP, que pune a contrafação de moeda, que por sua vez constitui um
ato preparatório, apenas se consumando o crime no momento da entrada em
circulação daquela moeda.

A tentativa não é punida relativamente a todo e qualquer crime – e, quando o é, não


lhe cabe a pena do crime consumado. O fundamento da punibilidade da tentativa é
tema do qual resultou o desenvolvimento de várias teorias:
a) Teorias objetivas – a tentativa é vista como uma ação externa dirigida
intencionalmente à realização do crime, devendo ser objetivamente perigosa. O
Professor Figueiredo Dias entende que esta teoria deve ser recusada, desde logo
porque o art 22º, nº 1 CP exige como elemento da tentativa a decisão da prática
do crime.
b) Teorias subjetivas – a tentativa é punida por causa da vontade delituosa do
agente. No entanto, não pode ser aceite uma conceção extremada ou
exclusivamente subjetivista, que exclua por completo o fundamento na
perigosidade objetiva da conduta.
c) Teorias da impressão – tendo em conta as críticas feitas a ambas as teorias
analisadas supra, desenvolve-se a teoria da impressão. De acordo com esta, a
punibilidade da tentativa funda-se na dignidade penal do facto tentado. O ponto
de partida é a vontade exteriormente manifestada em contrário da norma de
comportamento. No entanto, a punibilidade do ato dirigido à realização do tipo
só será afirmada se ela se revelar como uma intenção significativa no
ordenamento jurídico.

Elementos da tentativa:

Nos termos do 22/1 e 2 são elementos da tentativa a decisão de cometer um crime e a


prática de atos de execução de um crime que não se chega a consumar.

1) A decisão de cometer o facto

O tipo subjetivo de ilícito da tentativa é o mesmo que o do crime consumado, pelo que
quanto à decisão exige-se o mesmo que se exige ao crime consumado – dolo do tipo e
eventuais especiais elementos subjetivos que a lei requeria no caso.

Quando o acontecimento fáctico seja precocemente interrompido, pode tornar-se


duvidoso se o agente decidiu ou não pela execução do facto, uma vez que não se
chegaram a executar os atos da realização típica que manifestariam indubitavelmente
a existência de uma vontade dirigida à consumação.

Uma mera decisão condicional não é bastante – ex: não toma a decisão de cometer
um crime aquele que aprecia ainda se estão ou não presentes as condições situacionais
que reputa necessárias para cometer o facto. Mas já toma aquele que conta com a
possibilidade de desistir do facto se a execução não correr bem.

Assim, Roxin aponta um critério geral: uma decisão pelo facto existe assim que os
motivos que empurram para o cometimento do delito alcançam predominância sobre
as representações inibidoras, mesmo também quando ainda possam restar dúvidas.

Não será tentativa a colocação não dolosa em perigo de bens jurídicos alheios – não
existem tentativas negligentes.

Já a articulação da tentativa com o dolo eventual, gera divergências na


Doutrina:
o há autores (FARIA COSTA) para os quais a tentativa é incompatível com o dolo
eventual, partindo da ideia de que a decisão criminosa em causa na tentativa só
poderia ser imputada ao agente nos quadros do dolo direto.
o No entanto, a maioria da Doutrina rejeita esta restrição – a decisão a que se
refere o art 23º, nº 1 CP não tem de ser entendida em termos mais exigentes que
aqueles que valem para qualquer tipo de ilícito doloso, onde o dolo eventual é
considerado. Assim sendo, na tentativa, o dolo pode assumir qualquer uma das
suas formas.
2) Os atos de execução

Exige-se que a decisão se exprima externamente em atos que constituam não meros
atos preparatórios, mas se apresentem como atos de execução. Porém, a formo como
se distingue execução e preparação é discutida – ou seja, é problemático determinar
em que momento se inicia a execução.

a) Teorias formais objetivas – a tentativa supõe a prática de uma parte


daqueles atos que caem já na alçada de um tipo de ilícito e são, portanto,
abrangidos pelo teor literal da descrição típica. Uma resposta na linha destas
teorias conduz a considerar decisivo o teor literal do tipo respetivo, o apelo ao
significado corrente das palavras nele utilizadas, tornando assim todo o
problema da distinção numa questão de interpretação dos singulares tipos
legais de crime, deixando casos por resolver: Mas, por isso considerada, não
funciona para os casos mais complexos – há atos em que tudo indica serem atos
de execução sem se afirmar que integram o teor literal ou significante de um
elemento típico, nomeadamente, quando o crime é de execução livre ou não
vinculada.
o Ex: comprar uma faca não integra o ato de matar do 131.º
o Ex: A aborda na rua B, fazendo-se passar por seu parente, para assim
ganhar a sua confiança e ser recebido em sua casa, onde tenciona pedir-
lhe um empréstimo e depois desaparecer. No entanto, isto não acontece
porque devido ao estranho comportamento, A é detido na rua. O tribunal
decidiu existir ali apenas um ato preparatório, apesar de o seu
comportamento integrar já o elemento “engano” do crime de burla. FD
concorda com a decisão, mas considera que fazer-se passar por seu
parente não é já erro ou engano determinante de um prejuízo patrimonial
típico da burla – isso só sucederia com os falsos pretextos atinentes à
obtenção do empréstimo.
o Em conclusão, o conteúdo de sentido, mas teorias formais objetivas não
pode deixar de ser considerado um ponto de vista obrigatório de uma
distinção entre atos preparatórios e atos de execução – porque a tanto
vincula o princípio da legalidade.

b) Teorias materiais objetivas – tentam determinar, com maior precisão, os


elementos de que depende o alargamento da tipicidade dos atos de execução. É
aqui que se enquadra a fórmula de Frank, segundo a qual devem considerar-se
como atos de execução aqueles que, em virtude de uma pertinência necessária à
ação típica, aparecem como suas partes componentes. Esta fórmula ganhou
posteriormente uma dupla conotação:
o combinou-se com a ideia das teorias subjetivas, nomeadamente com o
recurso ao plano do agente;
o liga-se ao ponto de vista essencial das teorias objetivas sobre o
fundamento da punibilidade da tentativa (à ideia de que um ato se deve
considerar como começo de execução se acarreta um perigo imediato para
o bem jurídico protegido).
▪ Quanto á primeira consideração, tem-se dito que também com ela
pouco se ganha em rigor nos casos concretos duvidosos de
qualificação de um ato como de execução;
▪ quanto à segunda, diz-se que além da realização típica não ser a
mesma coisa que violação do bem jurídico e do critério ser
inaplicável quanto a crimes de perigo, tudo dependerá da medida da
perigosidade e da imediação do ato.
• Apesar de criticável, esta teoria oferece o caminho mais seguro e exato de
concretização da linha separadora de atos preparatórios e de execução.
• Se retirarmos à fórmula de Frank uma certa conotação naturalística e a
substituirmos por uma conotação de normalidade social que ela pode
perfeitamente comportar e se acentuarmos que o perigo para o bem
jurídico não tem de ser imediato ou iminente, mas também típico,
chegamos a um critério de delimitação poderoso.
• No entanto, as resoluções de casos concretos ainda exigem novas
concretizações.

c) Teorias subjetivas - a fronteira entre atos preparatórios ou de execução deve


procurar-se com apelo à qualidade ou intenção da vontade documentada no ato
dirigido à realização do crime.
• Estas teorias devem ser recusadas, porque é indispensável que ao lado da
decisão se coloque um momento objetivamente estruturado, sob pena de
violação do princípio da tipicidade.
• Não podem nem ser um complemento.
• Mas noutra aceção, o apelo a momentos subjetivos desempenha um papel
relevante no problema da distinção – no sentido de que, quanto a muitos
atos concretos, só poderá determinar-se a sua referência típica por apelo
ao plano concreto da realização do agente.
o Ex: C tenciona envenenar D, confeciona para isso um bolo ao qual
adiciona uma substância venenosa. O ato é de execução se espera
que o marido se sirva ou preparatório se guarda o bolo para na
refeição seguinte o servir a D. Se D chega a casa e se serve ele
mesmo, isto será imputado a título de negligencia.
o Ex2: E queria penetrar na casa de F, por um postigo do telhado,
propondo-se violá-la, como já tinha feito, e em seguida subtrair-lhe
dinheiro. No entanto, não consegui arrombar o postigo e veio a ser
detido.

• Só o recurso ao plano do AGENTE PERMITE QUALIFICAR O SEU ATO COMO


PREPARATÓRIO ou de execução. (Prof. António Brito Neves).

Como conclusão desta exposição, podemos desde logo afirmar que nenhuma destas
teorias é, em si mesma, suficiente para distinguir entre atos de execução e atos
preparatórios. Para além disso, pode também concluir-se que a distinção cuja
concretização se procura há de ser eminentemente objetiva.
Ainda assim, diz o Professor Figueiredo Dias, falta ao art 22º, nº 2 uma vertente
subjetiva, ligada ao plano do agente.

• Alínea a) do 22/2 - Considera como atos de execução os que preenchem um


elemento constitutivo de um tipo de crime. Isto significa que as teorias formais
objetivas foram legalmente acolhidas quando formuladas no sentido de que
constitui ato de execução todo o que preenche um elemento típico e que não
foram recebidas quando entendidas no sentido de que são atos de execução
apenas aqueles que preencham o teor formal de um tipo de ilícito. A partir
daqui, tudo depende de uma interpretação do elemento em causa no contexto
da realização típica integral, com eventual recurso ao plano do agente para
iluminar a verdadeira natureza do ato praticado.

• Alínea b) do 22/2 - Alarga os atos de execução, mas limita-se a conter a


doutrina correspondente à alínea a) sempre que se trata de crime de execução
não vinculada e, especialmente, quando a descrição típica se limita ao uso de
uma palavra através do qual se designa a ação que provoca o resultado típico.
Ex: no caso do 131.º, G dispara um revólver carregado sobre H, com dolo de
matar. É um ato de execução, apesar de não preencher um elemento constitutivo
do tipo de homicídio. Assim, o significado útil deste preceito é equiparar aos
atos típicos previstos na alínea a) todos os que são idóneos a produzir o
resultado típico. No entanto, importa fazer algumas precisões:
o Tratando-se de crime de mera atividade, à idoneidade para
produzir o resultado típico equivale a idoneidade para integral
realização do tipo. Se alguém começa a cortar com uma serra metálica
as grades da sua cela, este é um ato idóneo da realização do tipo de
evasão e, por isso, um ato de execução.
o O preceito em causa, se considerado sem conexão com a alínea c), vai
longe de mais, reputando como execução atos que ainda não
ultrapassaram a fase preparatória, correndo-se assim o perigo de
considerar como atos de execução atos que ainda não penetraram no
âmbito de proteção típica da norma incriminatória.
▪ EXEMPLO: A falsifica um documento, meio idóneo a criar em
B um engano determinante de um prejuízo patrimonial. Antes de
poder usá-lo, contudo, o documento é apreendido pela polícia.
Não podemos considerar existir qualquer ato de execução, ainda
que esteja totalmente preenchido o conteúdo da alínea b). A
verdade, também, é que não é suficiente para a determinação do
que é um ato de execução a informação dada pelas alíneas a) e b).
Imaginando o caso em que A, querendo matar B, compra uma
arma, compra balas, carrega a arma, desloca-se a casa de B,
aponta-lhe a arma e, ao premir o gatilho, a arma encrava: de
acordo com a alínea b), o meio idóneo seria apenas o de premir o
gatilho. No entanto, assumir tal premissa iria sempre contra a
fórmula de Frank.

• Alínea c) do 22/2 - ainda são atos de execução os que, segundo a experiência


comum e salvo circunstâncias imprevisíveis, forem de natureza a fazer esperar
que se lhes sigam atos das espécies indicadas nas alíneas anteriores – ou seja,
atos que integrem um elemento típico ou sejam idóneos a produzir o resultado
típico.

CRITÉRIOS CONCRETIZADORES

Existe conexão de perigo sempre que entre o último ato parcial questionado e a
realização típica se verifica, segundo o lapso temporal, mas também de acordo com o
sentido, uma relação de iminente implicação: esta faz nascer a conexão de perigo que
temos em mente. É relevante então a conexão temporal estreita, sem que seja, porém,
decisiva. Alguma doutrina alemã tenta alargar esta conexão, defendendo que ela
existe mesmo quando entre o último ato parcial e a realização do tipo se interpõe um
ou mais atos que, sendo intervalares, não são essenciais à realização típica. Com esta
via podemos ainda ser levados a considerações menos corretas – ela levaria a
considerar como ato de execução o ato de o agente encher o carregador do revolver ou
de se dirigir de táxi a casa de M – estes são essenciais, mas ainda não revelam,
objetivamente, o potencial de perigo exigido pela realização típica e não devem ser
considerados atos de execução.

Inversamente – ex: N penetra sem autorização no automóvel de O e senta-se ao


volante, tendo de esperar algum tempo até que a rua fique deserta para fazer a ligação
direta necessária à deslocação do veículo – já há um ato de execução de furto de
veículo. Existe conexão típica quando o ato penetra já no âmbito de proteção do tipo
de crime – só aqui é legitimada a intervenção do direito penal à luz da sua função de
instrumento de tutela subsidiária de bens jurídicos – a intervenção verificar-se-+a
sempre que o ato se intrometa na esfera da vítima.

Acrescentando esta conexão à conexão de perigo, estão preenchidas as condições para


que se afirme estar perante um ato de execução.

Ex: caso do M que abre a porta ao amante ou o de N quando penetra no automóvel –


estão presentes as conexões e apresentam-se como atos de execução.

Um caso a que a doutrina tem vindo a dar atenção é ao início da tentativa


relativamente a um tipo qualificado – anteriormente entendia-se que a existência de
um ato que se devesse considerar como de execução de um elemento qualificador
bastaria para considerar iniciada a tentativa do tipo qualificado.

Porém, atualmente entende-se que não deve ser assim – a tentativa só se inicia
quando se verifiquem atos de execução do ilícito-típico no conjunto.
➔ A não consumação

É elemento constitutivo da tentativa que o crime intentado não se chegue a consumar


(sem prejuízo da desistência ainda se poder verificar quando a delitos que já se
consumaram).

A. Tentativa, tentativa acabada e tentativa frustrada

Diferente dos casos em que o agente não pratica todos os atos de execução necessários
à prática do ilícito típico, são os casos em que todos esses atos são praticados, mas a
consumação não vem ainda assim a ter lugar. Estes casos correspondem,
respetivamente, a situações de tentativa inacabada e de tentativa acabada.

O Código Penal não trata expressamente destes conceitos, acabando estes por cair,
assim, no âmbito da mesma moldura penal. No entanto, tal não significa que a
distinção tenha perdido interesse – releva, desde logo, para o regime da desistência.
O problema está, essencialmente, em saber qual o ponto de vista decisivo para
determinar se a tentativa se pode já considerar acabada: se o ponto de vista subjetivo,
se o ponto de vista objetivo.

B. A delimitação da tentativa punível

Nem toda a tentativa tem suficiente dignidade punitiva – por isso o 23.º limita o
âmbito da tentativa punível em função de dois critérios:
• Em função da pena aplicável ao crime consumado;
o O desvalor do resultado tem de ser inferior ao do crime consumado.
o Em princípio, nos termos do art.º 23º/1, só é punível a tentativa nos casos
em que ao crime consumado corresponda pena superior a 3 anos de prisão
– quando tal não aconteça, a tentativa só é punível se a lei expressamente
o declarar – isto demonstra que o legislador quis restringir a punição da
tentativa aos casos criminologicamente chamados de grande e média
criminalidade.
o Já relativamente à tentativa de delitos qualificados, cumpre saber se a
pena aplicável a que a lei se refere é a do delito simples ou, antes, a do
delito qualificado. Terá de ser a segunda. Sendo punível a tentativa, a pena
que lhe cabe será especialmente atenuada.

• Seriedade do ataque à ordem jurídica.


o A tentativa só não é punível quando for manifesta a inaptidão do meio
empregado pelo agente ou a inexistência do objeto essencial à
consumação do crime – tentativa impossível.
Tentativa impossível ou inidónea

Como se disse, a tentativa só não é punível quando for manifesta a inaptidão do meio
empregado pelo agente ou a inexistência do objeto essencial à consumação do crime
– tentativa impossível.

A lei equipara em geral a tentativa inidónea à tentativa idónea, salvo quando a


inaptidão dos meios ou a carência do objeto sejam manifestos, a tentativa continua a
ser punível apesar da realização do facto estar irremediavelmente destinada a não se
consumar.
• Ex: tentativa de abortar com paracetamol ou com irrigações vaginais de água
com sabão
• Ex2: A prepara bebida mortal para B, mas troca as bebidas e serve uma inócua
• Ex3: C tenta matar D que acabou de falecer
• Ex4: E mata animal que tomou pelo inimigo F
• Ex5: G tentar abortar com comprimidos de paracetamol não estando sequer
grávida

Punibilidade da tentativa impossível e a questão geral do fundamento


da punibilidade da tentativa como um todo:

As teorias puramente objetivas encontram-se em difícil situação face ao fenómeno da


tentativa impossível – se a tentativa deve ser punida, porque e quando perigosa, então
à partida não se pode deixar de considerar que toda a tentativa impossível é
insuscetível de pôr efetivamente em perigo o bem jurídico protegido.

As teorias subjetivas, por sua vez, estão numa boa posição para afirmar a punibilidade
de toda a tentativa impossível, porque nela se revela um desvalor de ação análogo ao
que se verifica na tentativa idónea e no próprio crime consumado – mas vão longe
demais, colocando como fundamento de punibilidades valores de ânimo. Isto
conduziria à punibilidade da chamada tentativa irreal – vai à bruxa para rezar pela
morte do cônjuge.

Assim, a delimitação da tentativa impossível punível temos de recorrer a uma teoria


subjetiva-objetiva da impressão de perigo. Assim, o ponto de partida será o de que, no
caso concreto, a tentativa, apesar de na realidade das coisas estar impossibilitada de
produzir o resultado típico, é suficiente para abalar a confiança comunitária na
vigência e validade da norma de comportamento.

Por esta via, alcançar-se-á uma justificação da exigência legal para impunibilidade da
tentativa, de que a inaptidão do meio ou carência do objeto se revelem como
manifestas.

Sobre esta perigosidade decidirá um juízo ex ante – juízo levado a cabo por um
observador colocado no momento da execução e sabedor de todas as circunstâncias
conhecidas ou cognoscíveis do agente.
Assim, a tentativa impossível será punível se, segundo as circunstâncias do caso e de
acordo com um juízo ex ante, ela era ainda aparentemente possível ou não era já
manifestamente impossível.

MFP: recusa a teoria da impressão como critério de distinção, considerando que a


delimitação é relativa, uma vez que todas as tentativas podem a certa luz ser
impossível e todas são possíveis num mundo alternativo. Assim, o que distingue será
a verificação de graus de possibilidade. Nos casos em que o grau de possibilidade da
tentativa constitua uma perturbação do ambiente de segurança de bens jurídicos
justifica-se a punibilidade. No fundo, a lógica da Professora Maria Fernanda Palma é
a seguinte: o Direito Penal não tem como fim último reestabelecer a paz pública, mas
antes proteger os bens jurídicos. Não podemos punir se não conseguirmos identificar
nenhuma afetação do bem jurídico, mesmo que seja verdade que o meio não era
manifestamente inapto. Depois disto, a Professora coloca em prática esta ideia através
da classificação da tentativa como relativamente impossível ou absolutamente
impossível:
• A tentativa é absolutamente impossível quando a consumação do crime
não é possível nem neste mundo, nem em qualquer outro. Se a tentativa é
absolutamente impossível, não pode ser punida, mesmo que preencha o art 23º,
nº 3. EXEMPLO: dar substância abortiva a uma mulher que não está grávida.
Esta mulher não vai abortar nem neste mundo, nem em mundo nenhum.
• A tentativa é relativamente impossível quando apenas é impossível no
nosso mundo por uma mera casualidade (poderia ter funcionado num mundo
alternativo). Se a tentativa é relativamente impossível, então ainda há afetação
do bem jurídico, pelo que se justifica a punibilidade. EXEMPLO: disparar sem
balas contra alguém. O não ter balas é uma circunstância casual – num mundo
alternativo a pistola teria balas – é relativamente impossível: o bem jurídico é
ainda assim colocado numa posição de insegurança, aos olhos de um observador
externo.

Consequências:

• Impunibilidade da tentativa irreal ou supersticiosa

Este é o grupo de casos mais simples – é o caso em que o agente tenta alcançar a sua
finalidade delituosa através de meios sobrenaturais.

A inaptidão do meio é manifesta e não pode ser punível – sem prejuízo de em alguns
dos casos faltar logo o dolo, nomeadamente quando o autor não revela uma verdadeira
vontade de realização, mas um mero desejo análogo ao do milagre.

Ainda que se verifique o dolo, não existe qualquer impressão de perigo e não se
verificam razoes de punibilidade ligadas à confiança nas normas ou fundadas na
estabilização contrafática das expetativas comunitárias na validade daquelas.
• Manifesta inaptidão do meio ou carência do objeto

Pode acontecer que, segundo o mundo das representações do agente, o meio fosse
idóneo ou o objeto existente, mas as representações sejam erróneas para a
generalidade das pessoas.
o Ex: quem tenta matar uma pessoa com uma pistola de imitação que julga
verdadeira pode cometer uma tentativa impossível se a arma surge à
generalidade das pessoas como uma imitação tao perfeita que pode passar
por arma verdadeira – mas não se se trata de um brinquedo notoriamente
inofensivo
o Ex2: comete tentativa impossível quem depara com um seu inimigo numa
estrada no estertor da morte causado por atropelamento de terceiro e em
seguida passa com o automóvel em cima dele, no momento e que a morte
ocorreu – mas não comete se o corpo é notoriamente um cadáver.

A impossibilidade deve considerar-se manifesta quando as representações do


agente, embora contrárias às representações da generalidade das pessoas, são
ainda partilhadas pela maioria das pessoas pertencentes ao círculo local e cultural
do agente? Figueiredo Dias considera que sim, concluindo pela não punibilidade da
tentativa impossível, sempre que o meio seja inidóneo ou o objeto inexistente.

Tentativa impossível e crime putativo

Fora do conceito de tentativa temos o crime putativo. A distinção é simples: quem


parte erroneamente, no seu comportamento, de circunstâncias que, se fossem
verdadeiras, constituiriam um tipo de crime, comete uma tentativa impossível; quem
representa corretamente todos os elementos constitutivos do facto, mas aceita
erroneamente que eles integram um tipo de crime comete um crime putativo.

Ex: A pratica atos sexuais consentidos com criança que pensa ter 13 anos, mas que
tem 15, comete uma tentativa impossível de abuso sexual de crianças, punível se a
inexistência do objeto não for manifesta.

Ex2: Se B sabe que a criança tem 15 anos, mas pensa que as relações sexuais com ela
constituem o crime de abuso sexual de menor, comete um crime putativo.

O crime putativo não é punível – nem o poderia ser, uma vez que não haveria
perigo de violação de um bem jurídico-penal suscetível de abalar a confiança da
comunidade nas normas jurídicas de tutela + princípio da legalidade.

No entanto, há casos em que a distinção entre tentativa impossível e crime putativo


se torna mais dúbia. Desde logo, casos em que o dolo do tipo exige que o agente tenha
conhecimento do significado essencialmente correspondente à valoração jurídica de
um certo elemento típico ou, inclusivamente, de critérios jurídicos determinantes
daquela valoração.
Roxin apresenta um conjunto de exemplos:
• Erro sobre o caráter alheio da coisa em certos crimes patrimoniais
• Erro sobre o prejuízo patrimonial do crime de burla
• Erro sobre a competência do funcionário
• Erro sobre o facto prévio no favorecimento pessoal ou real
• Erro sobre deveres fiscais

Relativamente à maioria destes casos, a doutrina fala de erro inverso de subsunção,


dando a entender que neles, a convicção da punibilidade do facto se fundamenta
numa subsunção errónea de um certo comportamento num tipo legal de crime que,
na verdade, não intervém no caso, mas que, apesar disso, existe.

No entanto, sempre que o facto ao qual se dirige a vontade de realização não preenche
um tipo de crime não será possível falar-se de tentativa impossível – tudo o que pode
existir é um crime putativo.

Impossibilidade da tentativa em função do autor

Estes são casos em que o agente da tentativa pensa, erroneamente, que possui uma
especial qualificação.
o É o caso de alguém que, não sendo funcionário por força da nulidade do
processo de nomeação, mas supondo-se como tal, preenche com a sua conduta
qualquer crime próprio da categoria dos funcionários.

Tentativa em hipóteses especiais

Há domínios onde a doutrina afirma ser inadmissível a existência da figura: crimes de


mera atividade.

No entanto, é aplicável, não requerendo tratamento especial, sempre que a


consumação não se verifica através da própria atividade, mas exige ainda um certo
lapso de tempo (ex. iniciou, mas não terminou a prestação de falso depoimento).

Outro grupo de casos é das actiones liberae in causa dolosas

C. Desistência voluntária da tentativa

A tentativa e a respetiva desistência não podem ser autonomizadas, sob pena de se


perder todo o esforço rumo ao fundamento da impunidade da desistência. Note-se,
contudo, que o relevante é a desistência voluntária, pois que só essa releva para este
tema: a voluntariedade da desistência não é mero requisito, mas antes a verdadeira
ratio do instituto.

Para que se aplique o art 24º CP, é exigido que a consumação não se dê e que tal facto
se deva ao próprio agente. Isto gera a problemática de distinção entre tentativa
acabada e inacabada. Se o agente, com a sua atuação, não criou ainda todas as
condições indispensáveis àquela consumação – tentativa inacabada – basta-lhe que
interrompa ou abandone a realização típica, para que se possa falar em desistência.

Diferentemente, se ele já criou todas as condições da realização típica integral, então


é necessário que tenha uma intervenção ativa, destinada efetivamente a impedir a
consumação da realização em curso.

Poderia daqui, portanto, retirar-se que só o estado objetivo da situação pode fazer a
distinção entre tentativa acabada e inacabada.

No entanto, a Doutrina entende hoje, quase unanimemente, que é necessário recorrer


às representações do agente sobre o estádio alcançado da realização do facto, apenas
com essas sendo possível determinar se aquele fez já tudo o que seria necessário para
a realização integral do facto e toma por isso a sua verificação como possível. É então
inevitável a introdução de certos elementos subjetivos. Por exemplo, há tentativa
inacabada se o agente, no momento em que abandona o facto, parte de que o resultado
não se verificará – A pensa, ao abandonar a vítima, que o aperto do pescoço a que a
submeteu não foi suficiente para lhe causar a morte que inicialmente intentava. Note-
se que pode ser considerada tentativa acabada a situação em que o agente, que
começou por pensar que a sua atuação anterior não poderia produzir o resultado,
chega depois à conclusão de que esse será possivelmente o caso.

Mais difíceis são os casos em que, segundo as representações do agente, se tornam


necessários vários atos ou a execução de meios diversos para a realização típica
completa, mas o agente não os realiza e o crime não chega a realizar-se. Nesses casos,
cumpre saber se a tentativa é acabada ou inacabada:
• Teoria do ato individualizado – considera a tentativa acabada com cada ato
de execução isolado que, segundo a representação do agente, é considerado
idóneo para a consumação. Assim, o elemento decisivo é aquilo que o agente
considerou necessário ao início da execução, sem ser relevante saber se ele
estava decidido à sua repetição ou se se encontrava em condições de continuar.
• Teoria da consideração conjunta – devendo a execução ser englobada num
todo, é decisiva a representação do agente no momento do último ato de
execução. A tentativa considera-se acabada quando o agente, ao tempo do
último ato de execução, considera possível a verificação da consumação. Até
esse momento, então, é relevante a desistência do autor. É a Doutrina que se
deve adotar.

Já relativamente à tentativa frustrada, casos em que o agente renuncia à execução


do facto porque crê que a consumação já não pode ser alcançada – seja por razões
objetivas (o agente dá-se conta, já em fase de execução, que a vítima que se propõe a
roubar não leva consigo quaisquer valores) – seja por razões subjetivas (o autor de
uma tentativa de violação não consegue, por incapacidade de ereção, consumar o
crime). Em qualquer destas situações, uma vez que o agente se apercebeu de que
falhou e de que a realização típica intentada não é possível, ele não chega
verdadeiramente a desistir. O Professor Figueiredo Dias entende que, nestes casos, o
fracasso da tentativa não deve ser tido em conta autonomamente, pelo que será
sempre decisiva a distinção entre os casos em que o agente desiste voluntariamente e
aqueles em que uma desistência voluntária não existe ou não é possível – a tentativa
fracassada não deve ser autonomizada.

DESISTÊNCIA DA TENTATIVA INACABADA

São casos em que a lei exige que o agente deixe de prosseguir a execução do crime,
que ele a abandone. Há necessidade de verificação de uma situação objetiva – é
necessário que o agente deixe de prosseguir a execução e que a consumação não
sobrevenha – e de verificação de uma situação subjetiva – é decisivo o ponto de vista
do agente de que se abandonar a execução, a consumação não terá lugar.

Existem casos de dúvida, que cumpre esclarecer. São desde logo os casos em que o
agente renuncia à prática de atos ulteriores porque ele, verdadeira ou
presumidamente, já alcançou a finalidade da ação. É o caso da vítima de um processo
de violação que engana o violador e o leva a crer que consente na cópula, fazendo com
que este renuncie ao uso da força.

A desistência da tentativa pretensamente inacabada é irrelevante (a não ser para


efeitos da medida da pena): se A administra a B uma dose de veneno que acha
erroneamente não ser letal e abandona depois o seu projeto criminoso, mas a vítima
vem a falecer, não há apenas espaço para punição por negligência. O mesmo com a
tentativa acabada quando, apesar dos melhores esforços do agente para impedir a
consumação, esta se verifica: se o resultado não é imputável à conduta, o agente é
punível por tentativa.

DESISTÊNCIA DA TENTATIVA ACABADA

Uma vez que, nestes casos, a execução do delito foi levada ao limite, não pode bastar
o abandono do plano – exige-se que o agente, voluntariamente, impeça a consumação,
através de uma atividade própria (e eventualmente com a ajuda de terceiros). Desde
logo, é exigido que o agente tenha posto em movimento uma nova cadeia causal,
dirigida agora a impedir a consumação do facto, esperando que esta não venha a ter
lugar.

Opta-se pela teoria da criação de oportunidades (de salvação do bem jurídico),


em detrimento da teoria da contribuição ótima – não se exige que o agente se tenha
feito valer dos meios ótimos para afastar a consumação, ou tenha usado todos os
meios que se encontravam à sua disposição. O que se exige, sim, é que a não
verificação da consumação possa ser imputada a uma atividade do agente, que dirige
a sua conduta a esse fim de forma idónea.

Se a consumação é impedida por facto não imputável à conduta do agente, segundo a


lei vigente, o agente não será punível se se tiver esforçado seriamente para evitar a
consumação (art 24º, nº 2 CP). Serão sérios os esforços quando o agente intenta levar
a cabo tudo aquilo que subjetivamente pensa que teria de fazer ou poderia fazer para
evitar a consumação.

DESISTÊNCIA EM CASO DE CONSUMAÇÃO

A nossa lei alarga o privilégio da desistência, também, a casos em que sobrevém a


consumação formal, mas não a material – casos em que ainda não teve lugar o
resultado atípico (resultado não compreendido no tipo de crime), mas que a lei teve
em vista evitar e que, por isso, integra o sentido da realização completa do conteúdo
do ilícito tido em vista pelo legislador. Nestes casos, é necessário que o agente impeça
a verificação do resultado atípico, mas ainda relevante para caracterização do
conteúdo material do ilícito – que o agente impeça a consumação material. O regime
a que ficam submetidos este tipo de casos é em tudo idêntico ao que cabe na
desistência da tentativa acabada (art 24º, nº 2 CP).

DESISTÊNCIA EM CASOS ESPECIAIS

Cumpre, desde logo, analisar os casos de desistência parcial: será relevante que o
agente, já na fase de execução, renuncie voluntariamente à consumação de uma
circunstância qualificadora que consome o delito fundamental? A Doutrina
dominante tende a considerar relevante a desistência, até que se dê a consumação do
delito fundamental. EXEMPLO: A, quando tenta a realização de um furto
qualificado, traz consigo uma arma – art 204º, nº 2, al f) CP – mas, tomado de um
sentimento inesperado, decide não a usar e manda a arma fora, levando, todavia, a
cabo o furto intencionado.

Já quanto à desistência nos crimes agravados pelo resultado, a questão é a de saber se


é ou não relevante a desistência voluntária do crime agravado pelo resultado quando
a produção do evento agravante já teve lugar, mas a realização do crime fundamental
ainda não passou o estádio da tentativa. EXEMPLO: B decide praticar um roubo
usando uma arma de fogo que, em todo o caso, se propõe a disparar unicamente, em
caso de resistência, para assustar C (vítima), disparando para o ar ou para o chão. A
vítima resiste e, por negligência, a arma de B dispara e mata C. Face a isto, B abandona
o processo de subtração. Entende o Professor Figueiredo Dias que, se o perigo típico,
ligado à conduta tentada, já se atualizou no evento agravante, não é justo privilegiar o
comportamento unitário com a relevância da desistência.

NOTA: não é voluntária a desistência da tentativa quando o agente, determinado a


assaltar um banco, desiste porque vê que este tem demasiada segurança, como
também não é voluntária a desistência da tentativa quando A quer matar B, mas
desiste por B se defender melhor do que A esperava.

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