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O que é o crime? O crime é sempre uma ação -lato sensu1- (penalmente relevante)
típica, ilícita, culposa e punível. Estes vários elementos são de verificação
cumulativa, é preciso que todos estejam previstos. Num caso verificamos por esta
ordem. Se falta algum não podemos avançar para o seguinte, revelaremos que nada
percebemos, se assim o fizermos.
Segundo FD, o direito penal é um direito penal do facto e não do agente, abarcando
um duplo sentido:
• Toda a regulamentação jurídico-penal liga a punibilidade a tipos de factos
singulares e à sua natureza, não a tipos de agentes e à sua personalidade;
• As sanções aplicadas ao agente constituem consequências daqueles factos
singulares e neles se fundamentam, não são formas de reação contra
determinado tipo de personalidade.
Para se resolver o problema da imputação é conveniente ter um sistema organizado,
que nos permita de modo uniforme decidir no caso concreto. Entendeu-se que no
conceito de crime, analisado nos seus vários elementos, poderá ser o ponto de partida
desta técnica.
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Porque abrange as omissões.
O que querem dizer estes elementos?
• Ação: facto humano.
• Típica: caso concreto corresponde ao caso abstrato descrito na lei penal,
pensado pelo legislador.
• Ilícita: contrariedade à ordem jurídica no seu todo (não é bem uma
contrariedade à norma).
• Culposa: consiste na censurabilidade pessoal feita ao agente por este ter
praticado um ato típico e ilícito.
• Punível: responsabilização
Este sistema começou a ser proposto pela Escola Clássica, mais propriamente por
BELING, vindo de forma sistemática e lógica referir que definir o crime como uma
todo e qualquer crime é um facto (ação – comportamento externo que era comandado
pela vontade – ação causal/naturalística), definindo-o como uma ação típica,
ilícita, culposa e punível. Desta forma, seriam estes os critérios que estabelecem a
ponte entre as normas incriminadoras e o caso concreto que culmina na atribuição da
responsabilidade aos agentes.
• Todo e qualquer facto que tenha a qualidade de crime tem de ser
desmembrado nestes elementos para levar a responsabilidade penal –
características de raciocínio qualificador.
• Saber se um certo facto tem características de crime é essencial para a
responsabilização dos agentes, feita através de um modelo instrumental de
decisão dos casos concretos
O autor mostra que a definição de um conceito na sua compreensão2, nas qualidades
que definem o mesmo, nos permite subsumir o caso concreto no conceito. Na parte
especial o crime parece estar concretizado em extensão. Quando definimos o conceito
em compreensão conseguimos, de uma forma mais abstrata e geral, identificar os
critérios que nos permitem concluir que determinada realidade/facto corresponde a
esse conceito, tem as características do mesmo. Identificar o que é um facto (se crime
ou não) é o 1º passo para decidir se se justifica a responsabilidade criminal.
O que BELLING nos mostrou é que uma boa definição de crime, delimitando bem os
diversos elementos constitutivos, nos permitiria na prática, relativamente a factos
absolutamente diversos e relacionados com figuras também diversas, concluir que se
esses factos pudessem concretizadamente mostrar as qualidades do conceito de
crime, então esses factos podiam ser validamente considerados crimes. A definição
será a base orientadora para o intérprete ilidir se o facto é uma ação então típica,
ilícita, culposa e punível.
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Por sua vez, a definição de um conceito na sua extensão é apresentar um elenco de objetos que têm determinadas características.
Diz-se assim que crime é um FACTO TÍPICO, ILÍCITO, CULPOSO E PUNÍVEL,
expressando um conjunto de exigências e uma ordem do juízo na apreciação de tais
elementos.
O ponto de partida para este autor era identificar a ação sem sentido naturalístico,
depois temos de passar para uma segunda etapa que é averiguar a tipicidade, ou seja,
procurar a identidade da ação, o seu nome específico (crime de quê? Furto? Crimes
contra o património?). Mas isto não basta, temos ainda de averiguar a ilicitude, que
consiste na contrariedade de um comportamento à ordem jurídica, o que permite
também averiguar, se há uma causa de exclusão para a ilicitude, se houver há uma
autorização a esta conduta. E finalmente temos de fazer passar a ação por um único
crivo: verificar-se-á a culpa em concreto, onde nos ocupamos do conteúdo da vontade
(há algum nexo psicológico entre a vontade do agente e o facto? Há algum nexo de
causalidade?).
Ex: primeiro vê-se se A deu tiro a B, se há Homicídio; depois se é ilícito, e se não foi
legítima defesa; por fim se há culpabilidade
o Ação final: tem dificuldades. Desde logo as omissões não causam nada.
Não oriento uma omissão para causar nada. Também há dificuldades com
os crimes negligente – não estou a orientar o comportamento para o
resultado relevante para o Direito Penal. WELVET tentou dizer que há
uma finalidade potencial. Mas se é potencial não tem existência real.
Outra proposta era dizer que houve uma finalidade real (ex. limpar a
arma, mas se não houve intencionalidade de matar é problemático).
- A ação é um comportamento - Juízo normativo e objetivo – - O juízo é normativo (tem - Conjugam elementos
social relevante, ou seja, o valor da não inclui momentos de por base a norma) e de ordem psicológica
ação, para o Direito, depende da sua violação do dever (dolo e objetivo. (dolo e negligencia) com
relevância social (negação de negligência), ou seja, não - Identifica-se com: elementos normativos
valores). envolve a consideração dos danosidade social, de censurabilidade
- Relativizam o conceito de ação (= aspetos psicológicos do normativismo penal. ético-social do
omissão): não exigem uma comportamento (exceto em - É um juízo de valor que comportamento.
verificação no mundo exterior, casos excecionais, quando o define concretamente o - Conceção normativa da
bastando o significado social de próprio tipo inclui momentos permitido e o proibido. culpa (verificar se aquele
contrariedade ao direito. subjetivos, como a especial - Entendem que o facto é comportamento no
intenção, que ocorre por ilícito por estar em contexto social é
CRÍTICAS: exemplo no furto, em que se contradição com a passível de
- FD: continua a partir do conceito exige uma intenção de própria proibição penal censurabilidade ético-
mecânico-causalista da ação, apropriação da coisa alheia) que se deduz do tipo legal social).
esquecendo não ser aí que reside a - O significado social do (≠clássicos). -Elementos
essência do atuar humano. comportamento é aferido em A contrariedade do constitutivos:
- MFP: despreza a questão de saber função da tipicidade. A comportamento à ordem imputabilidade
qual é a estrutura comportamental tipicidade não é meramente jurídica é analisada (capacidade de o agente
que permite a analogia entre ação e indiciadora, antes conjuntamente com a avaliar a ilicitude do
omissão; opera um alargamento fundamenta a ilicitude (o tipo tipicidade: esta exprime facto e de se determinar
incomportável a comportamentos é a razão de ser da ilicitude). os critérios valorativos do por essa avaliação); dolo
que dificilmente são tidos como - Adotam a conceção do tipo proibido. A tipicidade é e negligência (formas e
voluntários. de ilícito/tipo como ratio antinormatividade. graus de culpa);
essendi: constatação prática - É o tipo legal que exigibilidade
de que os tipos não são fundamenta, por si, toda a (comportamento
descritivos; são a expressão de afirmação de valor adequado ao direito.
validações específicas do possível sobre o facto.
legislador penal na - As causas de justificação
incriminação. são elementos negativos
- Concluem que a tipicidade é do tipo.
o fundamento da ilicitude: a
tipicidade é a fonte da CRÍTICA: esquece ou
antinormatividade; é o minimiza a sua carga
princípio e o fim do juízo ético-pessoal; resultados
valorativo; inaceitáveis como a
- Unidade de sentido inclusão no dolo da
socialmente danoso, ausência de causas de
comportamento lesivo de justificação;
bens juridicamente impraticabilidade no
protegidos processo penal (prova no
- Crítica: não distingue âmbito do processo);
valoração e objeto da
valoração
TEORIA GERAL DA INFRAÇÃO
Uma Teoria geral da infração, baseada numa certa ordenação sistemática dos
elementos da definição de crime leva à referência das características do facto concreto
que justificam a sua qualificação como crime. Tais como:
• A intenção do agente;
• A verificação de uma situação de legítima defesa;
• A capacidade de motivação pela norma penal, a cada elemento da definição de
crime, a tipicidade, a ilicitude e a culpa.
Na culpa vemos se podemos censurar o agente por ter praticado a norma. Apesar da
prática do facto ilícito, ele pode não merecer censura, por exemplo por ser
inimputável, ou merecer ser desculpado por alguma razão.
Para Maria Fernanda Palma : Conceito de ação surge para responder à questão de
saber a que realidade/objeto se referem as valorações do conceito de crime.
É o quid valorável por um conjunto de juízos sucessivos que resultam na
definição de crime.
É um referente conceptual ao qual se reportam as diferentes qualificações.
A ação é a pedra angular do conceito de crime e sem ela todas as valorações
seguintes caem.
No entender da autora, a ação tem sido o conceito que exprime o pressuposto
básico da responsabilidade por culpa, condicionando o tipo de comportamento
que em geral pode ser designado como crime. Assim, este conceito cumpre esta
função, sendo uma questão fundamental do sistema penal, a garantia de uma
atribuição de responsabilidade baseada na autonomia dos destinatários das normas,
não se bastando com a legitimidade derivada da prossecução de fins preventivos, de
fins sociais, associada à proteção de quaisquer bens jurídicos. É um critério essencial
do sistema que faz depender a responsabilidade penal de uma ideia de autonomia e
responsabilidade pessoa.
Para Jakobs, só haverá ação quando o agente causa um resultado que era
individualmente evitável. Note-se que esse resultado – um efeito objetivamente
autonomizável da ação – pode ser de perigo (o perigo que se exige que exista para um
bem jurídico é, em si mesmo, um resultado – p.e. condução perigosa) ou de dano
(exige-se a lesão de um bem jurídico – p.e. homicídio). Quanto ao facto de este ser
“individualmente evitável”, tem de estar em causa um resultado que o agente, tendo
em conta a sua capacidade em concreto, pudesse ter evitado, no sentido de permitir
que se mantivessem as expectativas da sociedade quanto à vigência da norma.
Já segundo a linha de Roxin, que adota um conceito pessoal de ação, esta é vista
como expressão da personalidade, ou seja, tudo aquilo que pode ser imputado a um
homem como centro de ação anímico espiritual. A ação é controlo do eu – algo que
ainda seja uma manifestação do agente.
• ação reside numa expressão de personalidade em que se abarca tudo aquilo que
pode ser imputado a um homem como centro de ação anímico-espiritual.
Conceito que preenchia todas as funções, mas muito criticável, para FD:
o O comportamento só pode muitas vezes, sobretudo ainda uma vez no
campo da omissão, constituir-se como “expressão da personalidade” na
base de uma sua prévia valoração como juridicamente relevante, também
aqui se antecipando, nesta parte, a sua tipicidade e perdendo o conceito,
nesta precisa medida, a sua função de ligação.
o Não parece seguro que o conceito pessoal de ação possa cumprir
capazmente a sua função de delimitação, uma vez que não é o conceito
apriorístico de ação que cumpre a função de delimitação, antes são os
resultados da delimitação que se reputam corretos, as mais das vezes
obtidos em função das exigências normativas dos tipos, que depois vão ser
atribuídos ao conceito, ao seu conteúdo e aos seus limites
Numa conceção naturalista os pensamentos não são ações, não estão associados a
comportamentos musculares, exteriores, mas é difícil dizer que enquanto estados
psicológicos são de facto ações. Podem ser em parte ações.
O finalismo quando descreve a ação como antecipação mental do resultado final não
prescinde de incluir o dolo, a representação e vontade da realização do facto, em parte
da ação, não é algo exterior à ação. É uma condição derivada de uma condição
subjetiva da própria orientação, da finalidade do comportamento.
Portanto, é certo que os pensamentos não são ações, mas num certo sentido são parte
de ações, mesmo que entendemos a ação num sentido exterior.
Nas situações de coação moral não podemos dizer que há ação, porque há sempre
margem de liberdade, há uma possibilidade mínima de domínio.
Caso:
Num belo dia de Verão, A e B encontravam-se a conversar à beira da
piscina, quando, subitamente, uma vespa picou A num braço. A sacudiu
bruscamente o braço, empurrando B. Esta caiu na água em cima de um
banhista, causando-lhe uma lesão na coluna que o deixou paralítico (v.
artigos 144.o e 148.o do CP).
B realizou um comportamento jurídico-penalmente relevante? E A?
Não pode ser considerada ação penalmente relevante um pensamento, por exemplo,
porque não há a exteriorização num facto que coloque em causa bens jurídico-penais.
Nós temos um direito penal do facto. Por razoes que se prendem com a dignidade
humana, nomeadamente com o princípio da culpa, tem de haver um mínimo de
domínio para ser ação penalmente relevante punível. Se a pessoa não teve o domínio
não é possível formular um juízo de censura. Ficam de fora não só os meros
pensamentos como as questões de coação física insuperável. Como é o caso de B
no nosso caso prático. Não se confunda os casos de coação física insuperável com os
casos de coação moral – se A empurra B contra uma montra, o B não pratica uma
ação penalmente relevante. Mas se A o ameaça com a vida do filho, de modo a este
partir a montra, neste caso há coação moral havendo uma possibilidade mínima de
domínio. Isto aplica-se igualmente às omissões (se um paralítico fica a ver a filha a ser
violada não há ação relevante, porque não se pode levantar, mas se passa alguém e ele
não pede por ajuda então já há ação penalmente relevante).
Também não podem ser ações penalmente relevantes os atos reflexos: ex. medico
bate com o martelo no joelho do paciente e imediatamente o paciente dá um pontapé
no medico. Os atos reflexos têm uma natureza fisiológica, não há uma manifestação
da vontade. Pelo que não há comportamento penalmente relevante. Aqui ainda a
consciência comanda, ainda é a consciência, o cérebro, que ordena, mas a pessoa, pela
prática, podia adotar outro comportamento (diferente dos impulsos, em que já não há
interferência da consciência). Assim, relativamente a, não estaríamos perante um ato
reflexo.
A psicologia e a filosofia da psicologia pensaram nisto dos atos reflexos. John Dewey
coloca em causa o ato reflexo como estímulo-resposta. Na sua obra “O conceito de
arco reflexo”, procura demonstrar que não há um esquema mecanismo de estímulo
exterior – resposta. A chamada resposta não é ao estímulo, mas está nele; isto é, em
vez de uma mecanicidade, o processo é uma solução dada pelo agente a uma
interpretação dada ao exterior, sendo o sistema sensorial variável e dependente de
uma experiência anterior do agente e das suas preferências - assim a resposta ao
estímulo não é mecânica, não é causal, é final. O estímulo conduz uma reação.
2. Automatismos
Os automatismos são atos adquiridos pela experiência e pela repetição, controláveis
normativamente, como falar, conduzir, etc. As ações tornam-se inatas - a pessoa
já faz os atos sem refletir, porque a pessoa interiorizou-os pela prática. A
pessoa não estará a refletir conscientemente sobre o que está a fazer, mas ainda assim
parece fácil achar que há uma ação. Correspondem a um domínio do corpo sobre a
vontade, dependente do grau de previsibilidade da situação ou do estímulo que suscita
o ato. Não podemos interpretar um automatismo como expressão da pessoa quando
ele seja uma reção a um estímulo imprevisível – não há ação motivável, aqui é o corpo
a motivar. Por exemplo, ao estarmos a falar não temos exatamente consciência da
palavra que vãos dizer a seguir à outra.
Os automatismos são geralmente mais complexos e, prima facie, parecem não ser
controláveis, mas, num segundo momento, percebe-se que poderão ser controlados
pela intervenção da consciência. Estão preparados para um agir final mais rápido,
mais eficaz. Os automatismos são ações finais (na teoria de WELZEL), pois para os
finalistas a finalidade da ação não exigiria uma consciência reflexiva e controladora
de todo o desenrolar de um comportamento.
Caso “A mosca” – condutor que viajava no verão numa estrada campestre e entrou
uma mosca, descontrolando-se faz um movimento brusco, obrigando-o a tirar as
mãos do volante, fazendo guinar o carro para o outro lado, provocando um acidente.
Entende-se, contrariamente ao tribunal, que aí ainda assim havia a tal previsibilidade
– numa estada campestre, no verão, devia-se conduzir com as janelas fechadas; é um
comportamento que se deve ter devido ao perigo. Mas talvez seja um pouco
desproporcional.
Neste caso Stratenwerth via ação; Jakobs não. A grande questão é se, havendo
automatismos, as consequências desses atos ainda são parte integrante deles mesmo.
➢ Se se entender globalmente, há ação, pois as consequências são ações.
➢ Seccionando, há automatismo, aquela “partezinha” que não se controla
Assim, MFP não exclui que os automatismos podem ser ação (Stratenwerth),
mas exclui de classificar como ação um automatismo em que há tempo para a
consciência intervir (Jakobs), pelo que os critérios não são incompatíveis.
Ex: empurro X para a piscina e X morre porque é comido por crocodilos que estavam
lá dentro. Só é ação realmente relevante para o Direito Penal se entre o momento do
empurrão e a queda eu soubesse que estavam lá crocodilos e pudesse ter puxado x. O
agente poderia ter representado aquele fato antes de atuar? Se sim há ação.
Quanto ao José, o estímulo que o levou a ter o automatismo também não seria
previsível. Só se, por exemplo, aquela brincadeira fosse a maneira com que se
cumprimentavam. Atos como os que, por exemplo, realizamos na condução resultam
de aprendizagens prévias. Mas atos defensivos como no caso do José, não é
propriamente uma aprendizagem que este terá realizado ao longo da sua vida, mas
sim algo que lhe está inscrito na genética dele, na genética da própria pessoa. O
automatismo será um ato automático que se faz sem refletir e que resulta de uma
aprendizagem prévia. Alguns serão considerados ação, outros não.
A questão em torno dos sonambulismos e hipnotismos trata de saber até que ponto as
ações durante a hipnose e o sonambulismo podem ainda ser expressivas de uma
vontade do agente - na medida em que estando a pessoa numa situação de
alteração do seu autocontrolo não está em igualdade de oportunidades e
condições como uma pessoa que está no seu estado normal.
De acordo com a teoria de ROXIN (conceito pessoal de ação), ainda há, no estado de
embriaguez uma manifestação da personalidade, logo há ação.
Nos termos dos números 2 e 3 do art.º 20.º do CP, pode ser declarado inimputável
quem, por força de uma anomalia psíquica:
• Grave;
• Não acidental;
• Cujos efeitos não domina;
• Sem que por isso possa ser censurado;Tem, no momento da prática do facto, a
capacidade para avaliar a ilicitude deste ou para se determinar com essa
avaliação sensivelmente diminuída.
Embora o artigo 20º esteja pensado para a inimputabilidade também nos resolve o
problema da ação: No exemplo da epilepsia em que a pessoa se coloca
intencionalmente num estado que depois iria causar danos – neste caso
consideramos haver uma ação porque deixamos de ver o momento em que o agente
atua para passarmos a considerar outro momento relevante. Existe uma antecipação
quanto ao momento em que avaliamos o comportamento da pessoa, daí que se diz a
ação ser livre na causa, pois o momento que releva será o momento em que a pessoa
teve liberdade para orientar e dirigir o seu comportamento. Este momento será o
momento em que “A” decide parar de tomar os comprimidos.
O artigo 20º/4 ao referir “quando a anomalia psíquica tiver sido provocada pelo
agente com intenção de praticar o facto” isso não corresponde ao facto típico, o que
corresponderá ao facto típico será, por exemplo, matar alguém, violar alguém, etc. O
que acontece neste caso é o facto de existir uma antecipação desse facto típico,
antecipação que permite concluir que a pessoa é imputável. Mas não se pode dizer
que se o sujeito de coloca num estado de inimputabilidade com o objetivo de matar a
sua mulher que isto corresponde ao facto típico. Este artigo permite apenas
antecipar o facto típico de modo a ser possível avaliar a imputabilidade do sujeito.
Exemplo: João, de 16 anos de idade, embebedou-se para matar o seu irmão, já que
seria difícil consegui-lo de outra forma senão naquele estado psíquico. O indivíduo
poderá ser declarado inimputável? Não. A imputabilidade não é excluída quando a
anomalia psíquica tiver sido provocada pelo agente com a intenção de praticar o
facto.
Um indivíduo que antes de se embebedar ou drogar tiver a intenção de matar
outrem e que depois acabou por consumar o facto, também neste caso a
imputabilidade não é excluída, ou seja a inimputabilidade não existe quando a
anomalia psíquica é provocada pelo agente com a intensão de praticar o facto.
Caso 2: “A” sai à noite de carro para se divertir com os amigos.
Embriaga-se de tal forma que fica num estado de incapacidade para
compreender o sentido dos seus atos. Nesse estado, arrasta-se até ao
carro, consegue colocar o mesmo em andamento, anda 2 metros e
atropela uma pessoa.
O facto de o caso prático dizer que o agente fica incapaz de compreender o sentido
dos seus atos não é coincidência. “A” continua a ter a perceção da realidade, mas
deixa de conseguir interpretar o significado dos seus atos. “A” não quis matar uma
pessoa, ele não se pôr intencionalmente naquele estado (uma valente bezana) para
poder depois matar aquela pessoa. Sendo assim aplica-se o artigo 20º/4?
Neste caso, encontramo-nos perante uma exceção e, assim, iremos aplicar o artigo
295º.
O artigo 295º resolve a lacuna de punibilidade que poderia resultar do artigo 20º/4.
Esta lacuna surge porque o 20º/4 está apenas pensado para as situações em que a
pessoa se coloca intencionalmente num estado de inconsciência. Deixando um
espaço aberto para todos os outros casos em que a pessoa não se coloca
intencionalmente em tal estado.
Mas a verdade é que se colocou e com isso matou/feriu alguém. O artigo 295º vem
resolver esses problemas uma vez que diz “Quem, pelo menos por negligência…” - ou
seja, inclui a negligência e desta forma inclui o caso de “A” que foi sair à noite e não
cumpriu os deveres de cuidado, não teve cuidado para acautelar a situação de estar a
ingerir em excesso bebidas alcoólicas sabendo que tinha o carro à porta.
É preciso ter cuidado com este artigo porque aqui o agente não é punido pelo facto
típico (por ter matado/ferido), porque neste caso o agente não é punido pelo facto
típico, o agente não é punido por ter matado ou por ter ferido. Ao contrário do artigo
20º/4 onde o agente será punido pelo facto típico, no artigo 295º o agente será
punido pelo facto de se ter colocado numa situação de inconsciência, pelo menos
com negligência. E quanto à parte do artigo que diz: “e nesse estado praticar um
facto ilícito típico…”. O que é isto? Já vimos que não é o facto típico, então o que é?
Isto é uma condição objetiva de punibilidade, o que significa que o facto de o autor
se colocar nesse estado de inconsciência já é crime, só que para além disso é
necessário que o agente realize um facto ilícito.
Ou seja, o crime será “quem, pelo menos com negligência, se colocar em estado de
inimputabilidade”, mas este crime só será punido se o agente, depois a se ter
colocado nesse estado praticar um facto típico como matar, roubar, ferir, etc. O
agente não responderá pelo homicídio, roubo, … pois isto apenas corresponde a uma
condição para que ele seja punido pelo verdadeiro crime que praticou (que será a
primeira parte do 295º/1).
Caso:
A, com pouca experiência de condução, num dia de chuva, não conseguiu
parar o automóvel num lençol de água e embateu noutro veículo
provocando ferimentos no condutor.
Caso:
B bebeu excessivamente num bar com desgosto por a sua equipa ter
perdido e agrediu a mulher violentamente quando ela o censurou por
chegar a casa embriagado.
MFP: Sim, temos um Direito Penal do facto e nega-se a pura ordem de obediência,
correspondendo a uma vinculação do Direito às estruturas comportamentais
identificáveis comunicacionalmente.
Um problema que existe nas omissões é que não encontramos nelas um nexo de
causalidade quanto a efeitos produzidos no mundo exterior (ex. pessoa morre porque
a enfermeira adormeceu, não lhe dando a medicação a horas). As omissões não são
realidades do ponto de vista da lógica de uma visão causal, até ontológica, em que
temos o controle e produzimos resultados - não havendo este nexo, MFP entende que
não é possível comparar ação ou omissão apenas por uma via naturalista. Não são à
partida realidades idênticas.
Na omissão estamos numa visão do potencial - a omissão requer tal como a ação uma
conexão com uma finalidade, só que na omissão, há uma ação final potencial
contrafática que é prévio à exigência normativa de uma ação devida. Na omissão
precisamos de elementos de conexão normativa que nos relacionem o nada fazer com
uma espécie de ação esperada pelo direito - a omissão necessita de fato, de uma
articulação com outros elementos, com normas. Em vez de ser a omissão, como
qualquer ação, a permitir retirar conclusões para configurar a tipicidade, será antes a
tipicidade a delimitar o que é omissão - a omissão tem uma amplitude infinita de
efeitos e de significados, pelo que precisa de pré-referentes normativos para ser
relevante (desde logo até por razões do princípio da legalidade).
Daí MFP entender que o art.º 10º é uma norma com uma função de extensão da
tipicidade e não de restrição, como defende Eduardo Correia. Eduardo Correia afirma
que as normas da parte especial tanto incluem os comportamentos ativos como os
passivos, pois as proibições que se inferem da parte especial tanto são violáveis por
ação como por omissão. Esta interpretação deriva de uma literalidade do art.º 10º/1
CP – se for proibido matar é proibido não impedir alguém de ser morto. Já o nº2 do
art.º 10º seria uma extensão restringida – todos os crimes podem ser praticados por
omissão, mas há uns que são por omissão e violação de dever jurídico.
Para além desta dependência do dever que a pessoa teria de cumprir, a omissão não
deixa de depender de uma potencialidade de agir naquela situação, numa capacidade
de ação contrafática relativamente à situação que nada fez. Ou seja, tem de existir
ação esperada + potencialidade, no fundo é = a capacidade de ação.
A questão prévia, portanto, é se ações e omissões devem ser distinguíveis? O que nos
permite distinguir uma da outra?
As diferenças entre ação e omissão são relevantes para fazer uma diferenciação do
ponto de vista da responsabilidade penal, devido:
• Ao estado de direito;
• Ao equilíbrio entre liberdade e responsabilidade
• À predominância dos princípios de liberdade e igualdade sobre o princípio da
responsabilidade pelos outros.
• Princípio da liberdade enquanto expressão da subjetividade, do conhecimento
de si mesmo (na relação consigo e com os outros), assegura que temos um
espaço de desenvolvimento da nossa personalidade, que podemos gozar, exercê-
lo, a não ser que interfiramos no espaço alheio, e só passaremos a ser
responsáveis pelos outros na medida em que haja um nexo fundamental que
seja instituído pela organização da sociedade em função de instituições básicas,
como a família, ou outras mais sistemas, como a escola, ou a DGS.
Nota: em certas situações pode ser indiferente distinguir entre ação naturalística e
omissão, como quando alguém passa um sinal vermelho, conduzindo o automóvel.
Isso pode acontecer porque o agente não travou – este não travar do ponto de vista
normativo é uma omissão, mas do ponto de vista do significado não é relevante para
o diferenciar de um outro comportamento, que é acelerar ao aproximar-se no sinal
vermelho, é igual.
Há uma base ontológica desta diferenciação entre ações e omissões? MFP considera
que sim, embora possa existir, por vezes, uma relativização normativa, porque não se
revela do mesmo modo uma causalidade entre o estado mental e o comportamento
nos casos de ação e os casos de omissão. A omissão necessita de fato, de uma
articulação com outros elementos, com normas, que é diverso do que acontece com a
ação. A omissão tem uma amplitude infinita de efeitos e de significados – pelo que
precisa de pré referentes normativos para ser relevante (desde logo até por razões do
princípio da legalidade).
Por outro lado, a omissão requer tal como a ação uma conexão com uma finalidade –
há uma ação final potencial contrafática, na omissão, que é prévio à exigência
normativa de uma ação devida.
Cabe referir que esta distinção releva imenso e em vários níveis: O artigo 10º/3 atenua
a pena para quem praticar um crime por omissão, logo ao nível de pena a distinção
importa. Também para a existência da responsabilidade a distinção importa pois só
responderá por um crime de omissão quem tiver dever de garante.
Roxin critica este critério, pois há casos em que isto não se verifica – casos de omissão
através de comissão (ação), em que teremos ações de um ponto de vista naturalístico,
mas que têm de ser tratadas, de um ponto de vista normativo-jurídico, como
omissões.
O ponto de vista de diferenciação entre ações e omissões cabe no art.º 10º CP. Como
afirma FERNANDA PALMA, a lei considera relevante uma diferenciação, sendo
uma questão de lógica.
➢ EDUARDO CORREIA afirma que as normas da parte especial tanto incluem
os comportamentos ativos como os passivos, pois as proibições que se inferem
da parte especial tanto são violáveis por ação como por omissão. Esta
interpretação deriva de uma literalidade do art.º 10º/1 CP – se for proibido
matar é proibido não impedir alguém de ser morto. Já o nº 2 do art.º 10º seria
uma extensão restringida – todos os crimes podem ser praticados por omissão,
mas há uns que é por omissão e violação de dever jurídico.
➢ JAKOBS levanta a questão de saber se se mantém indispensável a especial
delimitação das omissões relevantes por fatores normativos (dever jurídico,
posição de garante) que não derivem estritamente do quid comportamental
indispensável ao crime e comum a ações e a omissões.
Este autor defende uma indiferenciação entre ação e omissão nas situações em
que se ultrapassem os limites gerais da liberdade no que se refere à configuração
exterior do mundo. Ex: é equivalente atropelar uma pessoa por não travar ou por
acelerar. A responsabilidade inerente à liberdade de configuração do mundo é que
definiria os deveres de agir ou de evitar os resultados danosos. O que é importante é
aferir se, ao organizar a sua própria liberdade, o agente interferiu na liberdade de
outrem; ou seja, se violou um dever negativo. Como exemplo, não interessará, no
caso de o cão de A morder B, se foi A que incitou o cão a morder B, ou se o ouviu rosnar
e nada fez: o que é relevante é que o cão é de A (ou seja, é meio de que A dispõe para
organizar a sua liberdade) e este não evitou o resultado.
Esta tese não aceitará a equiparação da omissão à ação nos casos em que nem haja
uma competência geral pela organização do mundo, da qual se possa derivar a
responsabilidade pelo risco, nem um estatuto especial de que decorra uma específica
competência para a proteção de bens jurídicos. Tal leva a admitir a ausência de
relevância jurídico-penal da ação quando não exista posição de garante, no caso de
um terceiro ou de um médico não responsável pelo serviço que desliga a máquina de
um doente terminal (porque nesse caso não tem um estatuto específico que lhe impõe
determinados deveres). Este ponto da tese de JAKOBS levanta problemas, uma vez
que o terceiro, mesmo não tendo um dever positivo especialmente imposto, tem ainda
assim um dever negativo, que neste caso estaria a ser violado.
Exemplo: “A” chega a casa e percebe que o seu irmão está a ter um ataque de asma
que o impede de respirar, o qual, posteriormente, vem a causar-lhe a morte. “A” liga
imediatamente para o 112, dizendo à telefonista que está uma pessoa em sua casa em
risco de vida, mas quando a telefonista lhe pede a morada “A” desliga o telefone.”.
R: “A” nunca criou nem aumentou o risco para o irmão, o risco sempre se manteve de
forma igual. O irmão estava a ter um ataque de asma, e, portanto, o irmão ter chegado
e não ter feito nada ou ter ligado para o 112 e de seguida ter desligado o telefone será
exatamente a mesma coisa. “A” nunca aumentou ou criou um risco, o que aconteceu
foi que ele não diminuiu o risco do seu irmão e por isso estamos perante uma omissão.
Imagine-se que “A” liga imediatamente para o 112, dando a sua morada de casa. No
entanto, quando a ambulância está prestes a chegar, “A” coloca o seu irmão no carro
e transfere-o para outro local.”
R: A partir do momento em que o 112 está a chegar a casa, a situação do irmão de “A”
melhora e o seu risco diminui. Assim, quando “A” o muda de sítio volta a aumentar o
risco do irmão. Assim, estaremos perante uma ação.
Caso:
A, que vivia num sítio isolado, não permitiu que B, que pretendia auxiliar
C, vítima de um acidente rodoviário, utilizasse o telefone da sua casa para
chamar a assistência médica e o sinistrado veio a morrer no local devido
à falta de assistência médica atempada.
CRIME DE OMISSÃO:
Como veremos, o art.º 10.º/1 e 10.º/2 têm de se lidar conjuntamente - tem de haver
um dever de garante. O dever de garante obriga aquelas pessoas que têm uma relação
com a vítima ou com o perigo.
No caso das omissões puras o dever não é o de garante, mas sim um genérico (ex.: o
que se chama de crime comum) – 200º e 284º.
Quando estivermos a ver um caso, temos de ver em primeiro lugar os deveres de
garante, porque são mais vinculativos. Em princípio, nestes termos, a omissão impura
prevalece perante as omissões puras.
A lei e contrato, enquanto fontes formais, conferem pontos de apoio, mas não são o
fundamento, ou a fonte, da posição de garante.
É com base nisto que surge a distinção entre Crimes Omissivos Puros e Impuros:
• Parte da doutrina fundamenta a distinção entre crimes puros ou impuros na
referência expressa na Parte Especial à omissão como forma de integração
típica, descrevendo os pressupostos de facto de que deriva o dever jurídico de
atuar. Diversamente, delitos impuros ou impróprios de omissão seriam os não
especificamente descritos na lei como tais, mas em que a tipicidade resultaria
de uma cláusula geral de equiparação da omissão à ação, como tal legalmente
prevista e punível na Parte Geral.
• ROXIN critica, afirmando que assim se encobre aquilo que verdadeiramente
confere sentido à distinção. Puras são aquelas omissões típicas que não têm
correspondência num delito de ação. Impuras aquelas outras para cuja
tipicidade se torna necessária uma cláusula de equiparação à ação
correspondente.
• Doutrina tradicional – devem considerar-se delitos puros ou próprios de
omissão aqueles cujo tipo objetivo de ilícito se esgota na não realização da ação
imposta pela lei (crime de mera atividade) e impuros ou impróprios aqueles
outros em que o agente assume a posição de garante da não produção de um
resultado típico (crime de resultado).
Assim:
Nunca se pode dizer que a violação de dever de auxílio (art.º 200º CP) é uma fonte de
posição de garante. Essa violação apenas corresponde à tipicidade de violação do
dever de socorro. Não existe, nos crimes puros de omissão, uma posição de
garante. Assim, temos:
o Tipicidade Direta – Parte Especial (art.º 200º, 284º e etc.)
o Crimes formais ou de atividade
o Mero dever de agir
o Subsidiariedade – só se vê se não houver omissão impura
Não existe crime de omissão impura. A omissão impura é uma categoria doutrinário
que inclui muitos crimes. E o que existe verdadeiramente são homicídio por omissão,
ofensa à integridade física por omissão, etc.
Não estão especificamente descritos na lei como tais, a tipicidade resulta de uma
cláusula geral de equiparação da omissão à ação, nos termos da cláusula de
equiparação do art.º 10º/1 e 2.
Ou seja, quando falamos em omissão impura, falamos de crimes previstos na Parte
Especial (PE) do Código Penal, que na sua descrição vêm previstos em termos ativos,
mas que depois pela conjugação com o artigo 10º/2 (cláusula geral de equiparação à
omissão), permite que o agente seja responsabilizado pela modalidade omissiva.
Exemplo: 131º refere “quem matar outra pessoa” – isto é uma descrição ativa, o tipo
está previsto em termos ativos. Quando pensamos em matar alguém costumamos
pensar em dar um tiro ou uma facada e não numa pessoa que ficou de braços cruzados
a olhar. No entanto se conjugarmos este artigo (ou por exemplo o artigo que diz
respeito à integridade física) que está descrito na PE com o artigo 10º/2 vamos
permitir que esses crimes também possam ser praticados por omissão. Daí que se
chama omissão impura, porque é uma omissão equiparada à ação, sendo que na
verdade o crime prevê uma ação e depois nós, em conjugação com o artigo 10º/2, é
que retiramos a possibilidade de responsabilizar o agente também por omissão. Nota:
Há quem defenda que o tipo penal já inclui a ação e a omissão. O que o 10º/2 faz é
restringir apenas às situações concretas. A Profª Regente Maria Fernanda Palma
discorda desta opinião, defendendo a cláusula do 10º/2.
Assim, temos:
o Tipicidade Indireta – art.º 10º CP
o Crimes materiais ou de resultado – que pode ser de Dano ou Perigo
o Dever de evitar o resultado – existe Posição de Garante
o Não subsidiária
Só responderá por um crime de omissão quem tiver dever de garante. Para haver
equiparação entre omissão e ação será preciso que o omitente tenha um dever de
garante.
Há, contudo, um problema: o do princípio da legalidade. Nada na lei nos diz quais são
os deveres de garante. Então, não será isto uma violação do princípio da legalidade?
O art.º 10º/2 afirma que tem de haver um dever de garante, mas não diz em que casos
é que existe esse dever.
Qual é o fundamento do dever de garante?
Cabe referir que o dever de garante não se funda no dever geral de ajudar os outros.
O dever geral de solidariedade existe e encontra-se previsto no artigo 200º do CP.
Assim, se este dever geral existe e está previsto no CP como um crime autónomo, ele
não pode servir para fundar deveres de garante.
Importa enfatizar que a função do direito penal é proteger a nossa esfera jurídica de
ataques externos. Serve na sua génese para me proteger e impedir que eu seja morto,
assaltado, violado, enganado através de uma burla, etc. O direito penal não serve para
nos armarmos em nadador-salvador de forma a sair da nossa esfera jurídica e ir ajudar
o mundo.
Daí o direito penal ser especialmente exigente nesta ideia de exigir as pessoas que
evitem resultados na esfera jurídica de outras pessoas. Sem prejuízo, de depois haver
um dever geral de solidariedade pelo facto de sermos todos membros da comunidade,
e que de facto impõe que cada um em situações de necessidade possa prestar auxílio
aos outros. Mas se repararmos a pena deste crime é muitíssimo reduzida, estamos a
falar de uma pena até um ano.
1. Fontes formais (teoria formal). Esta teoria está ultrapassada, estas fontes
podem servir apenas como pontos de apoio, mas não é daqui que decorre a
posição de garante.
• Lei - a posição de garante resulta da identificação de uma posição
juridicamente reconhecida de controlo sobre os perigos para o bem
jurídico
• Contrato
• Ingerência – há a criação prévia de um risco que investe o criador desse
risco na obrigação de impedir que o risco se manifeste no resultado.
Alguém provoca situação de perigo para um bem jurídico e, por esse facto,
fica investida na posição de garante (ex: provoca acidente, ajuda a vítima).
Ou seja, alguém se intrometeu na esfera jurídica de outrem e por via dessa
intervenção fica obrigada a evitar certo resultado.
o Ingerência a partir de ato ilícito - Corresponde a uma situação
de perturbação de delimitação das esferas de organização da vida de
cada pessoa em que o agente assume, sem lhe ser permitido, o
controlo sobre os bens jurídicos alheios, retirando até, à vítima do
primeiro comportamento ilícito, um poder de controlo sobre os seus
bens jurídicos.
✓ Exemplo: Senhor a lavar o chão, deixa o chão húmido e não
deixa as tabuletas a dizer “piso húmido” e um aluno passa e
bate com a cabeça no chão. E o senhor, achando que não tem
de prestar ajuda, continua. De facto, ela não assumiu
voluntariamente a tarefa de salvar pessoas que precisem de
ajuda médica, mas o problema é que ela criou o risco proibido
ao lavar o chão sem colocar o aviso de piso molhado. A partir
daí ficou o dever de garante de evitar que o risco proibido se
materialize no resultado.
A maioria da doutrina entende que, pelo fato de o agente ter provocado o primeiro
momento, fica investido numa posição de garante pela verificação do segundo
momento quando a ingerência seja ilícita e haja uma conexão entre o risco criado e o
resultado.
Assim, para que se constitua um dever jurídico é fundamental que haja necessidade
de compensar as consequências da intromissão na esfera alheia, segundo um
princípio de responsabilidade. Mas, se por exemplo, interveio outra pessoa que salvou
a vítima; ou a vítima sempre morreria mesmo vindo os meios de salvação, não se pode
responsabilizar o agente.
CASO PRÁTICO: “Num jardim, Abel repara que Berta, de três anos de idade,
está a afogar-se num pequeno lago de trinta centímetros de profundidade. Nada
faz, e a criança acaba por morrer. Imagine que Abel é: (a) Segurança contratado
pelos responsáveis do jardim; (b) Funcionário encarregue de zelar pela higiene
e limpeza do lago; (c) Funcionário da PSP.
✓ Nestes casos, o que está em causa é a fonte de dever de garante que é a
assunção voluntária de deveres de proteção – algum destes funcionários
assumiram voluntariamente, ainda que implicitamente, o dever de
proteger crianças que caiam no lago? Depende das suas funções. Se faz
parte das suas funções a partir do momento em que assumiram a função
estão implicitamente assumem o dever de zelar pelo bem jurídico da
criança. Caso contrário, não estão a assumir coisa nenhuma, apenas
poderão responder nos termos gerais da omissão de auxílio (200º).
No nosso caso, apenas o PSP teria tutela de integridade física e de vida de
outras pessoas. O segurança teria apenas uma função de manter a ordem
pública e o técnico de limpeza também não assumiu tal função, a sua
função será limpar o lago.
B) Vigilância de Fonte de Perigo/dever de controlar as fontes de
perigo – geram-se deveres de fiscalização e de segurança:
o Comunidade de risco: casos em que se atribui significado à
aceitação implícita de deveres inerentes a uma situação/contexto de
perigo que foi criada.
a) JAKOBS atribui a um output de risco exterior à competência
organizativa do agente; explica-se pela ideia de
autovinculação do agente implícita na relação social. Se
funcionalisticamente somos subsistemas de ação interagindo
como pessoas, temos um âmbito de competência de
organização da nossa esfera de ação. Quando extravasamos o
âmbito dado pela nossa competência geral, tanto releva a ação
como a omissão.
Se estes pontos enunciados por MFP não se verificarem, o agente não pode contar
com a obrigação de evitar perigo a outrem, pois não tem qualquer “delimitação estável
e previsível do âmbito da responsabilidade do agente em relação aos bens jurídicos
alheios”, necessária para que possa aceitar implicitamente o dever de evitar a
verificação daquele resultado.
Assim, estas formas de omissão não podem ser equiparadas à ação para efeitos de
punição, restando a possibilidade de punir o agente pela violação de um dever legal
de auxílio, consagrado através do crime previsto e punido no art.200º CP.
ROXIN excetua este princípio quando a ação imposta se enquadra numa situação
normal da vida, como uma mãe não alimentar os filhos.
Esta graduação não se aplica aos crimes puros de omissão, pois aí a pena está no tipo.
Nem todas as omissões têm de ter uma estrutura passiva. Pode acontecer que, dada a
configuração da norma concreta, um comportamento ativo possa ser visto como uma
omissão.
Tal sucede quando o agente viola uma norma que impõe um comando de ação por
comportamento ativo, mas esse comportamento ativo tem significado de omissão. O
exemplo paradigmático é o de alguém que impede, mediante uma atuação positiva, o
cumprimento do salvamento que ele mesmo já tinha posto em marcha: uma pessoa
lança uma corda salvadora a quem se está a afogar, mas no último momento resolve
retirá-la. Tem-se entendido que:
1) Se a pessoa no mar não conseguia alcançar a corda, não mudava nada no estado
inicial dessa situação o retirar da corda, portanto este comportamento não
prejudica a situação de corda lançada, havendo equivalência normativa a
omissão. Ou seja, a situação aqui consiste na anulação de intenção de salvar pela
própria pessoa que atua, originando uma situação semelhante à que existiria se
a pessoa estivesse inativa desde o princípio.
2) Já será equiparável a ação se o agente tiver posição jurídica que o obrigue a agir
(como ser nadador-salvador, por exemplo). Se não tiver essa posição de garante,
a omissão não cabe no art.º 10º/2 e é apenas omissão. No caso de interrupção
de salvamento, já é ação e a posição de garante já não é relevante.
Neste caso existe uma ação que teoricamente se podia punir como facto comissivo
(concretamente como homicídio). A circunstância de que não se pôs em movimento
uma cadeia causal que conduzisse diretamente ao resultado, mas apenas se
interrompeu um processo causal que adivinhava a salvação, não impediria a
subsunção num tipo comissivo. Contudo, neste exemplo, a situação consiste na
anulação de intenção de salvar pela própria pessoa que atua, originando uma situação
semelhante à que existiria se a pessoa estivesse inativa desde o princípio (inicia-se um
processo, mas o agente tem que continuar a fazer mais algumas coisas, até que se
interfira na esfera jurídica da vítima).
Deste caso deduz-se o princípio geral de que um “fazer” que se apresenta como
desistência da tentativa de cumprir um imperativo, deve subsumir-se no tipo de crime
por omissão de auxílio – 200ºCP -, cujo imperativo fracassa pela atuação ativa.
No entanto, se a corda que puxa foi lançada por terceiro, há uma ação, pois não se
pode dizer que não fez nada, pois intrometeu-se num processo de salvamento alheio
que possivelmente ia levar ao salvamento da vítima. É uma ação.
Ou seja, omitir através de fazer transforma-se num crime comissivo logo que o
cumprimento do imperativo passou do estádio da tentativa para o da consumação, ou
seja, logo que o processo causal salvador alcançou a esfera da vítima. Para tal, nem é
sequer necessário que a pessoa em perigo tenha fisicamente “na mão” o instrumento
salvador, bastando que a pessoa se pudesse agarrar à corda salvadora sem ajuda
alheia.
ROXIN sustenta que aqui, pese embora o “fazer” ativo, não se pode aceitar que exista
cumplicidade no homicídio, mas sim autoria, ou seja, punição pelo tipo de um crime
de omissão própria, pois para efeitos de punição, é indiferente o modo como a pessoa
obrigada a denunciar consegue que não se efetue tal denúncia – quer atue ou omita
uma atuação.
O sujeito que primeiro atua ativamente e depois se mostra incapaz de ação não omite
nada e, não obstante, deverá ser punido pelo crime de omissão.
Ora, tal como existe um homicídio se B consegue violentamente fazer afundar o seu
próprio barco com o qual A se aproximava da pessoa que se afogava, impossibilitando
desse modo o salvamento, também se terão ultrapassado os limites de omissão
própria se B destruir com dolo de homicídio o seu barco, que é o único existente para
a ação de auxílio, antes que dele se aproxime um terceiro disposto a empreender o
salvamento, com o objetivo de o subtrair do alcance deste – as consequências do facto
e a energia criminosa de ambos são idênticas.
Nos casos de ingerência nos esforços de terceiros para impedir o resultado, somente
existirá uma omissão através de fazer punível se existissem outros meios de salvação
disponíveis, já que em tal caso a atividade dirigida contra um terceiro apenas poderia
servir para negar auxílio, mas não impediria que outros salvassem a vítima.
Este autor imaginou o seguinte caso: A altera a sua opinião depois de enviar a
denúncia do crime, contudo não retira por si próprio a carta dos correios, mas serve-
se para tal de B, a quem pôs ao corrente das circunstâncias. KAUFMANN sustenta que
se deve punir B pelo crime de homicídio.
ROXIN discorda: a circunstância de pedir a outro que retire a carta não pode
indiretamente converter o agente, por meio da instigação, em autor. Apenas no caso
em que B, contra a vontade de A, retira a carta dos correios, deveria ser punido por
crime comissivo. Mas apenas quando age por sua própria iniciativa.
Não se trata de uma delimitação subjetiva: o que sente ou o que pretende quem
interrompe o processo causal salvador é indiferente; decisivo é saber se atua junto e
para a pessoa obrigada a auxiliar ou se o faz sob a sua própria responsabilidade e
contra essa pessoa.
4) Omissão através de fazer – este grupo de casos está “um passo à frente”, já
não se fica pelo passo de distinção entre ação e omissão, mas já se prende com
a tipicidade, saber se é punível ou não. Exemplo: se apenas se pune o remetente
da denúncia juridicamente obrigatória de um crime que retira a carta antes que
chegue ao destinatário, quem proceder da mesma forma face a um crime que
não é obrigatório denunciar terá que permanecer impune, pese embora a
causalidade da sua conduta para a produção do resultado.
Nestes casos, a pessoa limita-se a não fazer algo a que não está obrigada,
sendo jurídica e penalmente irrelevantes tanto a sua atuação de impedir como a sua
desistência. Quem não sendo obrigado a denunciar, se impossibilita de antemão de
relatar o crime mediante uma atuação positiva, é em princípio impune (segundo
grupo de casos); igualmente, fica impune quem, como participante, consegue que se
deixe de fazer algo não requerido (terceiro grupo de casos).
Caso:
Fernanda passeia pelo lago tranquilamente com o seu barco a motor,
quando avista uma pessoa em graves dificuldades para se manter à tona
de água. Fernanda aproxima-se e lança uma corda para puxar a pessoa
para o barco. Antes de a pessoa a apanhar, porém, Fernanda arrepende-
se, puxa a corda de volta e vai-se embora. A pessoa acabou por morrer
afogada.
Neste caso há uma interrupção do processo de salvamento - primeiro tipo de casos.
Se A passa por ali com o barco e vê que B está a morrer afogado e vai embora há uma
omissão.
Na hipótese de empurrar a sua cabeça para baixo há ação.
Se me intrometo num processo exclusivamente alheio, é uma ação.
É o meu fazer que vai interromper o salvamento da vítima - privilegiar a ideia de
tentativa consumada. Se eu lanço uma corda e a puxo antes da vítima a ter visto, o
autor diz que essa pessoa não é diferente de todas as outras que por ali passaram e
nada fizeram. Se eu já lancei a corda, já alterei o andamento das coisas, pois é a
interrupção de um processo alheio.
❖ IMPUTAÇÃO OBJETIVA
➢ Elementos do tipo com cariz objetivo (ex.: ação de causar a morte);
➢ Na imputação imputam-se resultados a comportamentos (a ações ou a
omissões).
➢ Temos de distinguir crimes de mera atividade e crimes de resultado:
• Mera atividade: basta a atividade (ex.: furto, condução em estado de
embriaguez). A sua consumação (preenchimento integral do tipo) basta-
se com um certo comportamento que está lá descrito. Em teoria, temos
apenas de saber se o comportamento do agente na sua vertente exterior,
corresponde ao que está descrito no tipo.
• Resultado: não basta o agente praticar certa ação (ou omissão), é
necessário que se verifique um determinado resultado (evento típico que
se distingue no espaço e no tempo da conduta do agente e que, contudo,
lhe pode ser atribuível) para que o crime se tenha por consumado. O
resultado é um elemento previsto tipo. Temos de ver se a atuação explica
o resultado previsto no tipo. Se eu posso distingui-lo no espaço e no tempo
(ex.: homicídio). Termos de observar se o evento, o resultado, pode ser
atribuído ao comportamento do agente. Por outras palavras, temos de ver
se há um nexo de causalidade, de modo a observar se a ação/omissão do
agente explica o resultado.
3
Fórmulas como a conditio também pressupõem leis causais de cariz científico. A conditio é um juízo de verificação, mas que
pressupõe o conhecimento científico de certas ligações entre factos: por exemplo, só podemos estabelecer que uma pessoa
espetou uma faca e por isso a outra morreu porque conhecemos o processo causal de espetar uma faca e quais as suas
consequências
➢ Teoria da causalidade adequada - não podemos responsabilizar o agente
se ele não podia evitar o resultado. Eduardo Correia quis consagrar esta teoria
no art.º 10.º/1. Uma ação só provoca um resultado para efeitos penais, se
apresentar uma tendência geral para a produção desse resultado. Mesmo que
uma ação tenha sido causa de um resultado em termos naturalísticos, só
provocou o resultado para efeitos de imputação se ela em geral apresentar uma
tendência para produzir esse resultado. Se a produção tem um resultado
extraordinário/anómalo ela é irrelevante para termos de imputação. Assim,
introduziu-se um critério de previsibilidade. Para saber se era previsível temos
de recorrer a um juízo de prognose póstuma: o julgador desloca-se mentalmente
para o momento da prática do ato. Pergunta-se se o observador objetivo, um
observador médio, colocado na posição do agente, considera o resultado
previsível. Se a resposta for positiva então o comportamento causal era causa
adequada a produzir aquele resultado. Não só há causalidade como há
imputação. Primeiro observamos se é causa, depois observamos se a
causa era previsível de levar ao resultado.
• Problemas:
Manipulável – o resultado vai ser mais ou menos previsível
consoante o grau de pormenor colocado na pergunta para apurar a
previsibilidade. Depende muitas vezes da formulação. Uma coisa é
questionar a previsibilidade, outra é questionar a previsibilidade de
uma data de pormenores.
Havendo dúvida sobre qual dos riscos proibidos operou para a verificação do
resultado:
o Exemplo: um camionista pretende ultrapassar um ciclista, fazendo-o sem
respeitar a distância de segurança de ultrapassagem e, ao fazê-lo, atropela o
ciclista, morrendo; todavia, isto verifica-se na sequência de uma condução
oscilante do ciclista, que estava embriagado. A questão que se deve colocar é
saber se se o agente tivesse respeitado a distância de segurança de
ultrapassagem, dado o facto de o ciclista estar embriagado, aquele resultado não
se verificaria; ou seja, saber se se o agente tivesse agido licitamente, cumprindo
a distância obrigatória, tal seria o bastante para evitar o resultado. Ficando-se
numa situação de incerteza, não poderá haver imputação objetiva
(MFP).
A maioria da doutrina entende que, se existe dúvida, então in dúbio pro
reu: tem de valorar a dúvida a favor do arguido, logo, nega-se a imputação
objetiva.
ROXIN – não faz sentido falar em in dúbio pro reu porque tal é para
verificação de factos e neste caso não há dúvidas quanto aos factos. Trata-
se de saber se existe uma conexão de risco – existe criação de risco
proibido: se segundo um juízo ex post tivermos a certeza de que o agente
aumentou o risco para a produção do resultado, então existe base para a
imputação (teoria do incremento do risco).
MFP – a posição de ROXIN não pode proceder, pois com isso
transformar-se-ia os crimes de resultado em crimes de perigo. não
podemos afirmar com mero incremento do risco que existe conexão do
risco; não se pode confundir desvalor de ação com desvalor do resultado.
Se não há certeza de que o resultado se produziria na mesma, não pode
haver conexão.
Exemplo: se A está a conduzir e tem prioridade, não terá de parar para se certificar de que
os outros condutores vão respeitar a prioridade; em princípio, poderá confiar que o farão. Se
o outro não respeitar, houver um embate e morrer, A pode fazer-se valer do princípio da
confiança para afastar a imputação.
O princípio da confiança não vale, contudo, quando o agente não respeita a norma de
cuidado, ou quando há sinais evidentes de que o outro não vai respeitar a norma (ex: o
agente vê claramente que o outro não vai respeitar a prioridade).
CAUSAS CUMULATIVAS:
A obtenção do resultado não se adquire apenas com a produção de uma causas, mas
com a conjunção de ambas as causas. Uma conduta por si só não é idónea a produzir
o resultado.
Exemplo: A deita uma dose de veneno num copo, e essa dose não é suficiente para
matar C. B, sem saber de A, deita uma dose de veneno no mesmo copo, que também
não é suficiente para matar. Mas as duas doses juntas já são suficientes para causar a
morte.
Nestes casos, a regra é a de não haver imputação objetiva a nenhuma delas, analisando
individualmente cada uma. Assim, pela conditio sine qua non, não há causalidade.
De acordo com a teoria da causalidade adequada não era previsível que a dose
não letal matasse, não sendo imputado objetivamente a nenhum dos dois. Além disso,
uma vez que não foi causa também não é adequado (para esta teoria tem de haver
causa e essa causa ser adequada, se não há causa, também não pode ser adequada,
logo não há imputação).
Já de acordo com a teoria do risco há uma criação de um risco proibido, mas não
há a concretização do risco proibido criado, pois é sim a concretização do risco que A
criou mais o risco criado por B. Temos de analisar agente a agente. Individualmente,
a dose de cada um não produziu o resultado. Portanto não há imputação objetiva. Já
se os dois soubessem, aí poderia haver comparticipação – mas teriam os dois de saber
um do outro e teria de haver um acordo entre os dois (a coautoria exige sempre um
acordo entre as pessoas envolvidas).
Em suma, cada um dos agentes só poderia responder pelo próprio risco criado e não
pelo risco criado pelo outro agente, de tal modo que não há responsabilização pelo
resultado, pelo que não pode haver imputação objetiva. Seriam indiciados por
tentativa - isto havendo dolo de homicídio. Já havendo negligência, a única hipótese
seria eventualmente punir por ofensas à integridade física.
Exemplo: A coloca no copo veneno suficiente para matar C. Logo a seguir, B coloca no
copo uma dose suficiente para matar C. Quid juris?
Causa virtual:
Uma causa que não preenche o resultado típico, mas que o produzia entretanto não
houvesse interrupção do nexo causal, sendo que a única causa virtual que revela é o
comportamento lícito alternativo. Assim, esta causa virtual não é relevante. Há uma
causa virtual, que não se concretizou em causa efetiva, mas a causa virtual não revela
para imputação.
Caso 1:
a) Amélia, convencida da eficácia mortal das aspirinas, deita, com
intenção de matar, um aspegic no café de Bernardo, que vem a
morrer por padecer de uma rara alergia ao acetilsalicilato de lisina
que Amélia desconhecia.
Está em causa o resultado morte, em regra é o tipo homicídio. Temos de ver se o tipo
objetivo está realizado. Não basta haver morte, tem de ser preciso a ação da agente a
produzir o resultado. Intuitivamente parece que uma pessoa mata outra se lhe causa
a morte. Assim temos de estabelecer um modo de estabelecer a causalidade. Surgem
as teorias. A teoria da equivalência das condições/conditio sine qua non diz
que é uma ação é causa quando sem ela resultado não se verificaria. Temos de fazer
um juízo de superação mental, perguntar se o resultado de manteria sem essa
condição. Neste caso seria causa do resultado morte? Sim, porque se retirarmos a ação
da Amélia o resultado não se verifica.
Esta teoria tem vários problemas: inútil, porque pressupõe a própria resposta (ex.:
contegram foi um medicamento para mulheres gravidas, algumas vieram a abortar. O
ministrar o medicamento foi causa do aborto? Se suprimirmos a ministração elas
abortavam? não se sabia, porque não sabíamos se tinha sido o medicamento. A teoria
só dava reposta se eu soubesse a reposta; também não distingue as condições (então
os pais também eram causa, porque tiveram o criminoso) – não oferece critérios de
distinção se uns critérios são mais importantes que outros. Por isso a teoria vem sendo
abandonada. Ela não estabelece a causalidade, porque pressupõe que eu já saiba. Útil
apenas em termos explicativos, mas não serve para dar a reposta se há causalidade ou
não.
Surge a teoria da condição legal/conformes as leis da natureza: há causalidade se a
uma ação se se seguem modificações no mundo exterior que de acordo com as leis da
natureza se ligam necessariamente a essa ação (de acordo com as leis científicas as
modificações decorrem daquela ação?). Esta lei remete a explicação para as leis da
natureza, e em caso de dúvida temos de correr a métodos científicos, como a
experimentação.
Problema: a natureza não é certa, muitas vezes temos de lidar com probabilidades,
com dados estatísticos, a teoria não dá um critério para distinguir se uma causa é mais
relevante que outra.
Surgem teorias para restringir as respostas: Teoria da causalidade adequada –
introduziu-se um critério de previsibilidade. Mesmo que uma ação tenha sido causa
de um resultado em termos naturalísticos, só provocou o resultado para efeitos de
imputação se ela em geral apresentar uma tendência para produzir esse resultado. Se
a produção tem um resultado extraordinário ela é irrelevante para termos de
imputação. Para saber se era previsível temos de recorrer a um juízo de prognose
póstuma. Pergunta-se se o observador objetivo, um observador médio, colocado na
posição do agente, considera o resultado previsível. Se a resposta for positiva então o
comportamento causal era causa adequada a produzir aquele resultado. Não só há
causalidade como há imputação. Primeiro observamos se é causa, depois observamos
se a causa era previsível de levar ao resultado. Dificuldades: manipulável. O resultado
vai ser mais ou menos previsível consoante o grau de pormenor colocado na pergunta
para apurar a previsibilidade. Também há dúvidas quanto ao grau de probabilidade
que se exige: para alguns bastas que o resultado não fosse inteiramente improvável,
basta que seja remota; outros definem uma noção mesmo ampla, inequívoca.
Estamos aqui perante uma morte. Começamos por tentar aplicar a teoria da
conditio sine qua non, procurando determinar se existira ou não imputação
objetiva. Assim, neste caso, o comportamento de I teria de ser a causa do resultado
(morte), sendo que para chegarmos a tal conclusão temos de efetuar um exercício de
supressão mental: se o resultado assim se mantivesse, a condição seria então a causa.
Ainda que com muitos problemas, nomeadamente a questão de poder ser levada até
ao limite, esta teoria, neste caso concreto, decide pela imputação objetiva. A teoria
da causalidade adequada, por sua vez, diz-nos para atendermos às causas, pois
nem todas são iguais: neste caso a causa seria irrelevante, pois é imprevisível, anómala
e de rara verificação. Atende-se a um critério de previsibilidade que assenta na ideia
de que o comportamento X leva à obtenção do resultado y (neste caso a morte do tio).
Faz-se uma prognose póstuma, ou seja, o juiz é colocado no momento da prática do
ato, na posição de uma pessoa média, e o resultado fosse previsível, então haveria
imputação. Contudo, neste caso, não parece que houvesse previsibilidade, pois como
dito supra, é uma causa de rara verificação. Nestes termos, devido a esta teoria, não
existiria imputação objetiva. Mais, isto extravasa a responsabilidade, a pessoa corre
esse risco de livre vontade, ninguém pode ser punido por oferecer uma viagem.
Por fim, atendendo à teoria do risco, tem de se determinar se o agente provocou a
criação ou aumento do risco, atendendo-se à violação ou não de uma norma expressa,
e ao resultado ser ou não a concretização do risco proibido. Não existindo norma
expressa, teríamos de questionar se era previsível a lesão do bem jurídico, pelo que
sendo a resposta negativa, o risco não era proibido, e como tal não existia imputação.
Além disso há uma autorresponsabilização da vítima, ele decide correr o risco, que
não se nega que existe, mas é um risco permitido. No fim, concluímos assim pela não
imputação.
Caso 3:
a) Luís e Mariana, sem conhecimento um do outro, deitam, cada um,
uma dose de um veneno fatal e de eficácia rápida no chá de Nádia,
que, ao bebê-lo, tem morte instantânea.
c) Imagine agora que cada dose, por si só, não era mortal, mas Nádia
morre da conjugação de ambas. Luís e Mariana não tinham
conhecimento um do outro.
Estamos perante um caso de causas cumulativas, ou seja, a obtenção do resultado não
se adquire apenas com a produção de uma causas, mas com a conjunção, neste caso,
das suas que são suscetíveis de produzir o resultado. Nestes casos, a regra é a de não
haver imputação objetiva a nenhuma delas, analisando individualmente cada um.
Assim, pela conditio sine qua non – não há causalidade.
De acordo com a teoria da causalidade não era previsível que a dose não letal
matasse, não sendo imputado objetivamente a nenhum dos dois. Além disso, uma vez
que não foi causa também não é adequado (para esta teoria tem de haver causa e essa
causa ser adequada, se não há causa, também não pode ser adequada, logo não há
imputação).
Já de acordo com a teoria do risco há uma criação de um risco proibido, mas não
há a concretização do risco proibido criado, pois é sim a concretização do risco que L
criou mais o risco criado por M. Temos de analisar agente a agente. Individualmente,
a dose de cada um não produziu o resultado. Portanto não há imputação objetiva. Em
suma, cada um dos agentes só poderia responder pelo próprio risco criado e não pelo
risco criado pelo outro agente, de tal modo que não há responsabilização pelo
resultado, pelo que não pode haver imputação objetiva.
Imagine-se que: A ultrapassa B numa curva onde não era permitido. Durante a
ultrapassagem salta um pneu, de modo inesperado. Por causa desse salto do pneu
perde o domínio do carro, não conseguindo voltar à sua marcha embatendo num carro
que vinha na faixa contrária, matando a pessoa. Há criação de um risco proibido, esse
risco concretizou-se no resultado? A morte originou-se, mas ele criou um risco
proibido de ultrapassagem, porque numa curva com pouca visibilidade não pode
controlar os carros que vêm, o que sucedeu foi que o pneu saltou, e é esse o risco, não
o risco que ele criou. Não havia conexão de risco, e por isso não havia imputação
objetiva, não sendo punido por homicídio.
O art.º 13º determina que “só é punível o facto praticado com dolo ou, nos casos
especialmente previstos na lei, com negligência”. Isto significa que o art.º 13º tem
ínsito que é mais grave a criminalidade dolosa – tal deve-se ao facto de o Direito Penal
ser regido pelo princípio da culpa e estes casos serem aqueles em que o agente
revela no facto uma posição ou atitude de contrariedade ou indiferença perante o
dever-ser jurídico-penal. O agente doloso revela uma maior perigosidade que o agente
negligente.
A imagem mais representativa do dolo é o comportamento intencional. Num
comportamento intencional, normalmente há uma decisão de realizar aquele facto
e/ou de atingir aquele resultado, o que torna o agente mais motivável pelas normas,
na medida em que a força preventiva das normas é mais fácil de desmotivar aquele
que delibera do que aquele que é negligente.
Em princípio, o comportamento intencional, enquanto exprime uma
escolha/decisão pela realização de um facto, põe o agente em confronto com a norma
de forma direta.
Espécies de erro:
1. Erro sobre a factualidade típica e erro sobre a ilicitude
FD: o erro do art.º 16º é de tipo intelectual e o do art.º 17º é de tipo moral:
significa que há um erro em que é a própria perceção dos factos existentes que não é
atingida e um outro em que apenas estará em causa a compreensão da sua valoração,
documentando um desfasamento das valorações subjetivas do agente relativamente
às do legislador.
➢ MFP: este critério é exemplo de uma boa dogmática penal, mas tem muitos
problemas.
No caso do art.º 16º, o erro incide sobre a correspondência da representação dos
factos verificados e existentes, sendo sempre a asserção do agente em si mesmo
correta no plano semântico.
➢ Erro = representação positiva errada + falta de representação
➢ Exclui o dolo = o dolo do tipo não chega a constituir-se, por faltarem os seus
pressupostos
No caso do art.º 17º, o erro incide sobre o correto uso da linguagem aplicada ao caso
concreto – o agente descreve a realidade atribuindo-lhe um sentido incorreto de
acordo com os normais usos linguísticos.
Da análise de KINDHÄUSER resulta que a fronteira entre erros não depende de uma
qualidade do sujeito ou de uma motivação ou posição prévia perante os valores do
Direito, mas do modo de ser do erro, na perspetiva de alternativas de comportamento
do agente. É de facto a natureza do erro que suscita um impedimento ou uma falta de
oportunidade de motivação pela norma ou, em alternativa, apenas revela a falta de
correto processo de motivação, que seria possível.
A distinção entre o erro que exclui o dolo e o erro que apenas pode, em certas
circunstâncias, excluir a censura de culpa não depende de aspetos constitutivos do
sujeito; depende, tanto no plano da perceção como ao nível da compreensão de
sentido, das condições efetivas e factuais de oportunidade para decidir segundo uma
livre escolha entre a conduta típica e a ação lícita.
➢ Só exclui o dolo o erro que incide efetivamente sobre os aspetos da conduta que
constituam o objeto do dolo, ou seja, os aspetos que a vontade do agente pode
dominar e que sejam constitutivos do comportamento proibido.
Quando se exclui o dolo do tipo (art.º 16º/1) tem de se indagar se o crime
pode ser imputado a título de negligência (art.º 16º/3). Tal remete para o art.º
15º, art.º 13º e norma da PE que admita concretamente esse crime por negligência.
Mesmo incidindo sobre objeto típico idêntico, há, no entanto, uma natureza causal do
erro que torna a parte concretizadora do comportamento do agente como menos
controlável ou até não controlável e dirigível pela vontade.
➢ TERESA BELEZA: o objeto atingido é igual, sendo indiferente a
individualidade. Há crime consumado e assemelha-se aos erros de identidade.s
• Crítica: nos casos de error in persona vel objecto, como sempre houve
erro, somente 1 bem jurídico esteve em perigo. Neste caso, ambos os bens
jurídicos estiveram em perigo e o que aconteceu foi que, por erro de
execução, só um se realizou.
• Daí que não se pode comparar e mesmo em objeto idêntico a maioria da
doutrina pune por Tentativa + Negligência.
O resultado desejado deve ser encarado por tentativa (tentativa de matar B), e o
resultado verificado encarado como um crime negligente consumado (morte de C).
Segundo MFP tem sentido excluir o dolo e qualificar o comportamento do agente
como tentativa por dois motivos:
i. Agente pratica uma ação controlada pela vontade que não consegue
consumar e consuma outra que não é controlada finalisticamente –
logicamente, o facto realizado depende do facto típico em abstrato
projetado.
ii. O merecimento penal do agente em aberratio ictus sobre o objeto típico
idêntico pode ser muito diferente do merecimento do agente em erro
sobre a pessoa ou sobre o objeto.
Para além disso, a exclusão do dolo depende de o erro retirar ao agente a oportunidade
factual de confronto e motivação com a norma incriminadora. É precisamente essa
ideia que impõe um critério de base factual e descritivo na aberratio ictus, apoiado na
verificação da pluralidade de ações e na autonomia da decisão de agir inicial
relativamente à ação concretizada: existe uma ação dolosa dirigida a um objeto e uma
ação negligente dirigida a outro.
Esta figura pode surgir em situações complexas em que é difícil distinguir de outras:
➢ Situações em que é difícil perceber se é erro de execução ou perceção
– quando agente não executa diretamente o facto, mas fá-lo através
de outra pessoa e em que, por isso, há da parte do agente uma certa falta de
domínio da execução. Ex: uma pessoa contrata um assassino profissional para
matar outra pessoa. O contratado está em erro sobre a pessoa, que é irrelevante.
• O autor material manifesta-se como uma arma desviada ou maquinismo
avariado que falha o alvo.
• Contudo, o agente (instigador – art.º 26º) cria um risco muito intenso do
autor material, que deveria evitar e que torna previsível o resultado.
• MFP: melhor solução é a que qualifica como erro sobre a pessoa e pune o
instigador pelo crime doloso consumado do autor material, pois o agente
tem domínio sobre o facto e tem igualmente um dolo especialmente
intenso.
➢ Situações de dolo alternativo – o agente pretende atingir A, sendo-lhe
indiferente que venha a atingir B porque ambos são inimigos; casos em que,
mesmo que o agente prefira acertar num agente, conforma-se com a
possibilidade de acertar no outro. Verifica-se um dolo que admite uma ação
imprecisa e sem um desenvolvimento concreto assegurado a priori,
relativamente a uma de duas vítimas, embora se possa preferir atingir a vítima
quanto à qual se falha. Nestes casos, a dúvida que se coloca é saber se estamos
também perante uma tentativa e um crime doloso consumado ou se apenas
perante um só crime doloso consumado, por se ter atingido apenas uma das
vítimas:
• MFP: há dolo direto sobre B e dolo eventual sobre C e, caso A atinja C, a
solução correta, estando B e C presentes, é a de punir 2 crimes, a tentativa
(de homicídio a B) e o crime consumado (homicídio doloso a C). Poder-
se-ia acusar esta posição de violar o ne bis in idem, porém MFP defende
que ação promovida pelo agente era bivalente – encerrava em si, em
alternativa, uma possibilidade de atingir qualquer uma das vítimas e era
sustentada numa decisão de atingir qualquer uma delas; ambas as vítimas
foram objeto da ação e ambos os concretos bens jurídicos (a vida de cada
pessoa) foram postos efetivamente em perigo.
• Esta solução tem sido criticada: em bom rigor, trata-se de um dolo com
objeto alternativo – o agente não se conformou com a possibilidade de
acertar nos dois, mas com a possibilidade de acertar num deles. Punir o
agente com dois crimes dolosos é ficcionar duas ações dolosas quando só
existiu uma – viola-se o princípio ne bis in idem (não se pode valorar o
mesmo conteúdo de ilícito mais do que uma vez). Só há base para afirmar
o desvalor de ação dolosa numa das ações.
o Assim, pune-se pelo crime doloso consumado (FD).
o SILVA DIAS – A passeia a cavalo e B, querendo acertar em A acaba
por acertar no cavalo. Se B não acertar em ninguém, FD dirá que se
pune por tentativa de homicídio. Se acertar, é punido por crime de
dano. Ora, não faz sentido ser punido menos gravemente se acertar
do que se não acertar.
O dolo alternativo distingue-se, assim, do erro sobre a execução na medida em que
nos casos de dolo alternativo o agente conforma-se, ainda que num nível mínimo, com
a possibilidade de acertar noutro alvo.
Existem outros casos, em que se entende que o desvio é irrelevante: casos em que o
processo causal concreto não dominado pelo agente não só poderia facilmente ser
previsto como decorre em sequência do processo posto em movimento pelo agente.
➢ A dá uma facada a B, que desenvolve uma septicémia e vem a morrer da mesma.
Este desvio não é relevante e, por isso, não deixa de haver dolo.
➢ Caso do agente que quer matar a vítima, atirando-a da ponte, concebendo que a
mesma vai morrer do embate na água, mas acontece que a vítima, ao ser atirada,
morre logo por embater contra um pilar. Nestes casos, semelhante ao anterior,
entende-se que este é um desvio irrelevante, porque ainda é o perigo típico
contido no comportamento do agente que atua para a verificação do resultado.
• MFP: esta alteração do processo causal concreto não foi prevista, mas
ainda é uma consequência imediata e normal da ação do agente e de um
processo causal que cabe no espaço ou área de risco intenso derivado da
conduta do agente e incluído na sua decisão, que o tipo pretende abarcar.
Dolus generalis:
O agente pratica mais que um ato e erra quanto ao que efetivamente
produziu resultado. o agente pratica um ato em que pensa erroneamente ter
produzido o resultado, e vem depois praticar outro que o produz, verificando-se o
resultado em circunstâncias concretas de tempo, lugar ou modo diversas.
a) Ex1: A bate em B e pensando aquele que B já se encontra morto, simula o
suicídio através de enforcamento. B morre apenas no enforcamento. Neste caso,
o agente, por erro, pensa que realiza o facto típico quando tenta, sem conseguir,
consumar o crime. O dolo antecede o momento da produção do resultado.
b) Ex2: o agente planeia matar a vítima por afogamento no rio, mas mata-a logo
que desfere pancadas na cabeça e não apenas quando a atira ao rio. Neste caso,
o agente realiza o facto típico, quando, na sua representação, apenas o prepara.
Produz o resultado inconscientemente. O dolo sucede ao momento da produção
do resultado.
A realização objetiva do facto, sem uma orientação da ação pela vontade não
corresponde, de acordo com o art.º 14º CP, a um comportamento doloso. Ao produzir-
se o resultado inconscientemente, apenas poderia conceber-se uma ação negligente,
já que o agente sempre poderia prever que a morte da vítima pudesse ocorrer daquele
modo.
Assim, nestes casos, a ação suportada pelo dolo do facto não determina
(imediatamente) o resultado, enquanto a ação que causa o resultado não é
mais suportada pelo dolo do facto.
Erro excludente do dolo exigiria a falta de apreensão exata pelos sentidos. Ex: não
perceção que o objeto da ação seria uma pessoa, confundindo-a com um animal (para
ser homicídio). Nestes casos, em que há uma total confusão por parte do agente, existe
uma incapacidade de os sentidos apreenderem o objeto da ação, pelo que não existe o
conhecimento razoavelmente indispensável para que o agente se possa motivar pela
norma, tendo, nesses casos, de se excluir o dolo.
➢ Elementos normativos – certos elementos constitutivos do facto típico
relativamente aos quais bastaria uma representação do significado social –
Valoração Paralela na Esfera dos Leigos.
Essa exigência não coloca dificuldades quanto aos elementos descritivos, mas sim
quanto aos elementos normativos (aqueles que só podem ser representados e
pensados por referências a normas, jurídicas ou não jurídicas):
o Ao agente não se exige uma exata subsunção jurídica, mas sim uma apreensão
do sentido ou significado correspondente, no essencial e segundo o nível próprio
das representações do agente, à valoração do facto.
Vem reclamar uma certa articulação entre o elemento intelectual e o elemento volitivo
do dolo.
O art.º 14º parece diferenciar os aspetos da representação dos da ação. Se é débil o
elemento intelectual, é o elemento volitivo que vem dar consistência unitária ao
comportamento enquanto realização do facto típico.
Assim, é o próprio CP que nos “obriga” a diferenciar os aspetos intelectuais dos
aspetos volitivos
Como é que a dúvida do agente (incerteza em termos de representação) pode então
ser valorada, sobretudo em casos de dolo eventual?
Caso alemão em que dois bandidos assaltam uma casa e, para roubar dinheiro,
pensam em pôr inconsciente o dono da casa. Contudo, não conseguem com que o
dono fique inconsciente, mas também não querem que ele morra; então, lembram-se
de por umas correias de couro à volta do pescoço do dono da casa e vão apertando até
que, sem quererem, o matam.
Devem aqui ser considerados agente dolosos ou negligentes, uma vez que não
queriam aquele resultado?
A resposta que se dá é a de que os agentes não desejaram, mas quiseram.
• MFP – não sabe se o objeto do dolo eventual é completamente reconduzível
esta formulação. Tal solução levaria a uma prova muito difícil do objeto do dolo,
ter-se-ia de provar o que o agente pensou, que o quis. Tem de haver um critério
de significado, uma linguagem pública, não podendo ser valorável uma
linguagem privada, o mundo privado do agente sem mais, pois tal seria deturpar
o conteúdo dos estados mentais e da identidade das ações.
• Fórmulas de Frank – o agente, na hipótese de ter previsto o resultado como
consequência necessária da ação, teria ainda assim agido? Se a resposta for
afirmativa, há dolo; se for negativa, não há (fórmula hipotética). A outra fórmula
orienta-se pela comprovação de uma aceitação íntima de um resultado pelo
agente e, deste modo, acentua menos o processo indiciário de conhecimento e
mais o objeto substancial do conhecimento (uma posição de vontade) (fórmula
positiva).
• Mas esta fórmula é duvidosa porque toma por base a personalidade do
agente, violando o princípio da legalidade.
• A solução que tem tido a aceitação pela doutrina pugna pela ideia de aceitação
do risco (tomar em compra). Aceitando o risco, o agente opta por dar
preferência às vantagens do que às desvantagens do seu comportamento,
conformando-se, realizando o facto típico ainda assim.
➢ Caso dos mendigos russos, que estropiavam as crianças para as levar para
o mundo da mendicidade – havia aqui uma lógica empresarial, de aceitação do
risco: os benefícios globais deste comportamento são aqueles que prevalecem,
por escolha dos agentes. A fórmula hipotética de Frank resolveria a situação no
sentido de, se ele tivesse a certeza de que a criança morria, não tinha interesse
em fazer isso e por isso, não o faria e, por isso, não há dolo – tal não solucionaria
convenientemente este caso. Para há dolo eventual, há uma lógica empresarial,
as crianças morrem, mas morrem poucas. Os custos são minimizáveis.
➢ Caso Guilherme Teles: herói nacional suíço, funcionário preso e condenado
à morte; como alternativa, é levado a ser ele a disparar a flecha para atingir uma
maçã que está na cabeça do filho. Ele aceita o risco de matar o filho. Do ponto
de vista da tipicidade subjetiva, ainda há dolo eventual (mas talvez tenha havido
aqui uma diminuição do risco, devendo ser punido apenas por tentativa?; podia
também haver causa de exclusão da ilicitude).
Para o dolo eventual exige-se uma representação qualificada – não basta a mera
representação da possibilidade, mas requer-se que essa representação assuma a
forma de probabilidade.
o MFP acentua o elemento intelectual do dolo apenas como indício objetivo e
suscetível de prova de uma realidade afetiva ou volitiva relativamente ao ato
(pelo que não se diferencia necessariamente das teorias volitivas).
Para esta teoria basta que o agente decida contra o direito ou com indiferença perante
ele para encontrarmos dolo eventual.
CASO LACMAN: A aposta com B que é capaz de quebrar com um tiro um copo que
C segura na mão sem a atingir; acaba por ferir C. Neste caso, a brincadeira/competição
não pretende trazer danos, há uma confiança na não produção do resultado. Para MFP
não há dolo eventual. Não há propriamente uma aceitação implícita do risco da lesão
do bem jurídico.
C. Teorias da Conformação:
Conceção dominante e que está expressa no art.º 14º/3 - parte da ideia de que o dolo
(eventual) pressupõe algo mais do que o conhecimento do perigo de realização típica,
para haver dolo eventual, o agente tem que se conformar com a realização do facto
típico.
O agente pode, apesar de tal conhecimento, confiar, embora levianamente, que o
preenchimento do tipo se não verificará e age então só com negligência (consciente).
o Por isso, EDUARDO CORREIA avançava como critério do dolo eventual o facto
de o agente atuar não confiando em que o resultado se verificará.
• FD discorda: a dupla negação não permite perceber com clareza o
elemento positivo que deve arvorar-se como critério do dolo eventual;
conotação extremamente psicologista da confiança pode conduzir a
privilegiar infundadamente o otimista impenitente (que confia que tudo
correrá pelo melhor) face ao pessimista depressivo.
Caso very light: no final da taça de Portugal, quando uma das equipas marca golo e
um dos adeptos atira um very Light para o ar. O mesmo adepto atira um very Light e
acaba por atingir a bancada dos adeptos da equipa adversária, causando a morte de
um adepto (1995). O tribunal considerou que não havia dolo eventual e MFP
concorda. Há um contexto de festa, de euforia, não há uma lógica empresarial. Não
encontramos a conformação, conformar-se é aceitar que algo acontece, tem uma
posição positiva de vontade. Mas também não conseguimos provar que houve uma
confiança absoluta na não verificação do resultado. O art.º 14º/3 exige a conformação
positiva, não exige apenas a indiferença.
O relevante é que o agente tome a sério o risco de (possível) lesão do bem jurídico, que
entre com ele em contas e que, não obstante, se decida pela realização do facto.
o A conformação é com o risco de produção do resultado típico.
F. Indícios:
ILICITUDE
Depois de afirmado a existência do desvalor do resultado (houve conexão do risco) e
desvalor da ação (em termos objetivos, houve criação de perigo; em termos subjetivo,
houve dolo), cumpre agora fazer o juízo de ilicitude, que vem ou confirmar (que o facto
de a pessoa ter agido com dolo e ter realizado uma conduta prevista como um crime,
foi contrário à ordem jurídica como um todo) ou infirmar (se pelo contrário, ainda
que haja desvalor da ação e do resultado, não é isto que torna suficiente para
considerar que o significado social da conduta do agente fosse a realizar de um crime.
As causas de justificação do facto ilícito não estão sujeitas, nos mesmos moldes que os
tipos incriminadores, ao princípio da legalidade e suas consequências – nullum
crimen sine lege. Aliás se estivesse sujeito aos mesmos moldes então aí haveria uma
falta de garantia, uma sujeição a intervenções arbitrárias do poder punitivo do Estado.
Também não estão sujeitas à proibição da analogia; mais uma vez, as causas de
exclusão de ilicitude não incriminam (ou agravam a incriminação de) alguém
(excluem a ilicitude do facto), logo são permitidas analogias que resultem bonam
partem – isto é, a favor do agente, que resulte para ele uma maior liberdade. Não vale
ainda o princípio da irretroactividade da lei penal.
Discute-se se, para a ilicitude ser excluída, basta estar preenchido o tipo objetivo, ou
se é necessário o tipo subjetivo. Se ao agente quando age é exigida uma certa direção
de vontade ou um certo ânimo ou conhecimento (Em caso de legítima defesa, A mata
B, mas A tem a intenção de herdar os seus bens, contudo B de facto queria matar A.
Considera-se justificada a ação? Outro exemplo: C pratica aborto a D, por questões de
dinheiro, contudo vem-se a saber que C salvou a vida de D devido a uma doença não
justificada. Considera-se justificada a ação? Não, porque só está preenchido o tipo
objetivo)? Pode-se ainda questionar se isto vale apenas para algumas causas de
justificação ou para todas.
Mas este entendimento é igual para todas as causas de justificação? MFP diz que não,
deve-se analisar caso a caso. Funciona para a legítima defesa e estado necessidade.
Nos restantes casos exige-se, para além do tipo objetivo, que a motivação do agente
seja a prevista na causa de exclusão de ilicitude (O flagrante delito permite que se
detenha alguém imediatamente quando comete um crime público ou semipúblico
(art.255º e 256º CPP). Neste caso tem que se ser mais exigente subjetivamente, a
pessoa detém outrem para entregar às autoridades, mas para manter o arguido em
casa. Exige-se a motivação).
Com base nesta comparação nunca se poderia punir o agente pelo crime consumado.
Se estão preenchidos os elementos objetivos (faltando o desvalor de resultado), não
fazendo sentido punir de forma igual às situações em que há desvalor de resultado e
desvalor de ação (A quis agredir B e fá-lo). Por outro lado, não há analogia proibida
uma vez que é feita bonem partem no sentido em que alarga os limites da justificação,
não os restringe – (favorecendo o agente).
Contudo, JFD entende, no entanto, que deve ser feita uma ressalva quanto à aplicação
de todas as causas de justificação. Não se deve aplicar àquelas onde a justificação seja
somente constituída pela prossecução de um fim determinado (Deve ser punido por
sequestro consumado (art.158º) o polícia que detém um mero suspeito com outra
intenção que não seja a de identificação (art.29º/3 g) e art.250º/6 CPP).
Falta ainda discutir se o 38º/4 implica que se aplica a pena calculada pelo regime da
tentativa ou se se aplica o regime da tentativa. As situações são diferentes porque há
crimes que não são punidos pela tentativa (art.23º), para além de que não há tentativa
por negligência. Quando não haja lugar a punição por tentativa, se se aplicar o regime
da tentativa, o agente não é punido. Se por outro lado entendermos que se aplica a
pena calculada da tentativa, o agente é punido pela pena calculada para a tentativa.
JFD entende que se deve aplicar o regime da tentativa porque se o legislador previu
que determinadas situações não seriam punidas, foi porque tal não é necessário
(princípio da necessidade da pena.
O agente pensa que o mundo fáctico está composto de tal forma que, sendo verdade,
agiria sobre uma causa de justificação. Cabe então saber se o agente será punido. Diz
o art.16º/ 2 “o erro sobre um estado de coisas que, a existir, excluiria a ilicitude do
facto”, exclui o dolo. Significa isto que apenas o dolo do agente é excluído e não a
ilicitude. O agente poderá ser punido por negligência (art.16º/3)
Para JFD a solução correta é a da teoria da culpa limitada, como consta do art.16º/2
CP e como é seguida pelas correntes dominantes. Fundamento:
a) Quem erra sobre os pressupostos de um tipo justificador é, em definitivo,
materialmente idêntica à de quem erra sobre os elementos que pertencem a um
tipo incriminador.
b) Na responsabilidade dos agentes, nenhum deles tem erro em que incorre, a sua
consciência ética corretamente orientada para se pôr e resolver o problema da
concreta ilicitude do facto.
c) Existe um défice a nível da sua consciência psicológica ou intencional, não
possuem conhecimento indispensável para uma correta avaliação da ilicitude.
Todavia a teoria da culpa estrita não deixa de ter razão numa perspetiva puramente
dogmática e sistemática. Existe de facto uma diferença estrutural entre uma e outra
situação. Aquele que erra sobre a factualidade típica (decurso do acontecimento,
proibições legais de forma relevante) atua sem dolo do tipo. Enquanto quem aceita
erroneamente os elementos fácticos que, a existir, excluiriam a ilicitude, atua com
dolo do tipo. De todo o modo, pode dizer-se que o agente atua de facto com dolo, mas
o legislador não lhe imputa esse dolo. É uma solução dogmática, apresentada por
Augusto Silva Dias, alternativa às teorias expostas, muito mais simplificada e não
levanta problemas.
No caso de o agente ter a hipótese de ter evitado o erro através de uma cuidadosa
comprovação, face à situação justificadora, então fica ressalvada uma eventual
condenação a título de negligência se o respetivo tipo ilícito assim previr a
punibilidade a esse título (art.16º/3 CP).
Outro efeito que podemos enunciar é de que a licitude do facto do autor não torna
punível o facto do cúmplice (acessoriedade limitada). Ao agente que atua ao abrigo de
causa justificante, não pode ser-lhe aplicada uma medida de segurança.
Estes efeitos são importantes para efeitos de distinção entre causas de justificação e
causas de exclusão da culpa. Um agente pode agir em legítima defesa contra alguém
que tenha causa de exclusão de culpa e cada comparticipante é punido segundo a sua
culpa independentemente do grau de culpa dos outros participantes. É ainda possível
a aplicação de uma medida de segurança a um inimputável que atua numa situação
de inexigibilidade.
Podemos tomar em conta ainda, de uma posição minoritária (alemã) quanto aos
efeitos. Aqui os autores defendem que as situações da vida não são tão puramente
dualistas: entre ser-se lícito ou ilícito. Assim, a intervenção sob uma causa de
justificação não leva imediatamente a um comportamento lícito (ou pelos menos
certas causas de justificação – para não dizer todas). Assim os autores convergem na
ideia de que para além do campo lícito e ilícito, há o espaço livre de direito. Afirmam
que o Direito não aprova positivamente a ação, ele apenas se apresenta como neutro
perante ela. Fica guardada uma valoração jurídico-objetivas entregando essa tarefa
(em exclusivo) à consciência ética do agente. Visto haver casos de difícil resolução
ética (como o suicido e a interrupção voluntária da gravidez) pensam os autores que
seriam bom deixar ao Direito um espaço que não é aprovado pelo Direito e tão pouco
é proibido. JFD não vê porque não se considere condutas estranhas à valoração
jurídico-penal quando se trate de licitude ou ilicitude. Porém, conclui que na prática
a ilicitude ou é afirmada ou negada e no campo lexical português a palavra aprovado
ou suportado pelo Direito chegamos à conclusão que é negada a ilicitude do facto
(sendo o um espaço que o Direito considere neutro ou em que aprove tal conduta).
Por isso, numa lógica deôntica ou “bivalente” é a justificação resulta na consideração
lícita ou ilícita do facto.
1. LEGÍTIMA DEFESA
Nos termos do art.º 32º CP: “Constitui legítima defesa o facto praticado como meio
necessário para repelir a agressão atual e ilícita de interesses juridicamente protegidos
do agente ou de terceiro.”
De acordo com a doutrina dominante (ROXIN, SILVA MARQUES, FD), são dois os
fundamentos da força justificativa da legítima defesa:
a) Ilimitada – seria insuportável exigir que a pessoa não se defendesse, pois está
em causa um bem do núcleo de essencialidade da dignidade da pessoa humana.
Significa defesa ilimitada dos bens associados à dignidade da pessoa humana.
• MFP não exclui logo à partida o património – esses bens patrimoniais
podem ser justificativos, em situações específicas (condições da
subsistência e dignidade de uma pessoa).
• Defesa da ordem constitucional – interpreta-se como a ordem de bens
jurídicos associadas aos direitos fundamentais, havendo hierarquia entre
direitos fundamentais (ex: na CRP o património não está como direito
fundamental).
b) Limitada – bens sem o significado anterior, para os quais a defesa tem de ser
moderada e não se justifica uma legítima defesa a todo o custo.
o MFP: Não pressupõe necessariamente uma natureza penal do ilícito e pode ser
o repelir de agressões que não correspondem a factos legalmente incriminados.
Questão discutida é a de saber como deve decidir-se o caso em que o agredido não
quer ser defendido ou quer ser ele próprio a defender-se:
o Na Alemanha entende-se que o agredido não deve nunca ser defendido contra a
sua vontade expressa, pois de outro modo ultrapassa-se em toda a sua dimensão
o pensamento da prevalência do Direito sobre o ilícito na pessoa do agredido.
o Hoje estão a tornar-se mais comuns as considerações “diferenciadoras”,
consoante a agressão vise bens jurídicos disponíveis ou indisponíveis.
B. Atualidade da agressão:
Mais discutido têm sido os casos em que a agressão não é ainda sequer iminente, mas
já se sabe antecipadamente, com certeza ou elevado grau de segurança, que ela vai ter
lugar. Ex: o dono de uma estalagem ouve, ao jantar, três hóspedes combinarem entre
si o assalto ao estabelecimento durante a noite. Haverá justificação por legítima defesa
se o dono da estalagem coloca soníferos nas bebidas dos clientes?
O momento em que a agressão deixa de ser atual é aquele em que se alcança o último
momento em que há a consumação dos crimes:
C. Ilicitude da agressão:
Afere-se à luz da totalidade da ordem jurídica, não tendo de ser especificamente penal:
pode repelir-se em legítima defesa agressões violadoras não apenas do direito penal,
mas também do direito civil, do direito de mera ordenação social, etc. Contudo, a
agressão não será ilícita para este efeito em relação a interesses para cuja agressão a
lei prevê procedimentos especiais, como será o caso dos direitos de crédito e dos de
natureza familiar.
Não sendo ilícitas as agressões justificadas, não pode ser exercido contra elas legítima
defesa – a quem atua ao abrigo de uma causa de justificação é concedido um
verdadeiro direito da intervenção na esfera de terceiros, que faz impender sobre estes
um dever de suportar aquela conduta e impossibilita uma reação em legítima defesa.
NOTA: a situação de legítima defesa pressupõe a ilicitude da agressão, mas não a
culpa do agressor. Podem, assim, ser repelidas em legítima defesa agressões em que
o agente atue sem culpa, devido a inimputabilidade, à existência de uma causa de
exclusão de culpa ou a um erro sobre a ilicitude não censurável.
Para a ação de defesa estar justificada, devem ser usados os meios necessários para
repelir a agressão atual e ilícita.
o O meio será necessário se for idóneo para deter a agressão;
o Caso sejam vários os meios adequados à disposição do defendente, o meio será
necessário se for o menos gravoso para os bens do agressor.
Sem quaisquer outras limitações, a interpretação literal do art. 32º CP levava a que se
permitissem lesões elevadamente desproporcionais à defesa de certos bens – o artigo
não limita, como faz o art. 337º CC:
o MFP: uma interpretação jurídica do art. 32º de acordo com o fundamento da
legítima defesa, numa ordem jurídico-constitucional que impõe uma
salvaguarda de bens jurídicos e interesses de valor superior no conflito com
outros de menor valor, implica o relacionamento da necessidade com a
necessidade do meio e com a própria necessidade de defesa a partir de critérios
de prevalência de valores. O conteúdo essencial da autonomia da pessoa e da
sua dignidade (art. 1º CRP) justificará o único critério de necessidade absoluta
de defesa à custa de bens da maior importância do agressor – nestes casos,
qualquer restrição da defesa, quando está em causa um aspeto nuclear da
autonomia e dignidade da pessoa, seria insuportável pois poria em causa a
ordem de valores constitucional.
o MFP – se a autoridade pública nada faz, pode haver legítima defesa, pois a
inoperabilidade da autoridade pública dá legitimidade à legítima defesa, devido
à insuportabilidade da agressão.
O uso de meio não necessário à defesa representa um excesso, que determina a não
justificação do facto por legítima defesa. Um meio será considerado
desnecessário sempre que fosse razoavelmente de supor que outro meio
não agressivo pudesse ter sido utilizado com êxito.
o Excesso de meios ou excesso intensivo de legítima defesa – leva à ilicitude do
facto praticado (art. 33º).
B. Necessidade da defesa:
A própria defesa tem de se revelar como normativamente imposta, para que possa ser
vista como exigência de reafirmação do Direito face ao ilícito na pessoa do agredido.
o MFP – refere-se à insuportabilidade da não defesa de bens eminentemente
pessoais, por um lado, e à moderação da defesa quando estejam em causa bens
de uma outra natureza do defendente em confronto com bens pessoais, como a
vida e a integridade física do agressor.
De acordo com FIGUEIREDO DIAS, há agressões que não se apresentam como uma
ofensa socialmente intolerável dos direitos do agredido, pelo que a legítima defesa
pode não surgir como socialmente indispensável à afirmação do Direito face ao ilícito
na pessoa do agredido ou só surgir se for respeitada uma certa proporcionalidade dos
bens conflituantes.
FD fala em:
o Agressões não culposas – a agressão é ilícita e atual, mas o agressor age sem
culpa, seja porque é inimputável, porque não tem consciência do ilícito não
censurável ou porque está a agir numa situação de inexigibilidade legalmente
prevista ou situação análoga.
Nestes casos, quanto menos responsável for o agressor pela sua atuação, tanto mais
restritos serão os limites de necessidade da defesa; por isso, a defesa agressiva não é
necessária se o agredido pode esquivar-se à agressão, por exemplo, afastando-se do
doente mental que o insulta em vez de o ofender corporalmente. Se nenhuma hipótese
deste género se verifica, porém, a defesa será necessária e o direito de legítima defesa
persiste, embora deva manter-se dentro dos limites da compressão objetiva imposta
perante atuações não culposas.
Nos casos em que o agredido provocou a agressão através de atos que não são
considerados ilícitos, fará sentido que o Direito lhe permita fazer isso e depois, em
função da prática desses atos, lhe venha retirar a possibilidade de defesa? BN – isso
parece ser contraditório.
Há um dever de defender, mas tal tem de ser dentro dos parâmetros da legítima
defesa. Comprovada a efetiva proximidade existencial, proveniente da verificação de
uma relação real entre os indivíduos, está justificada uma maior compressão da
agressão: o ameaçado deve sempre que possível evitar a agressão, escolher o meio
menos gravoso de defesa, ainda que ele se apresente menos seguro para repelir a
agressão e renunciar a uma defesa que ponha em perigo a vida ou a integridade física
essencial do agredido.
o Atos de autoridade:
Lei que regula a intervenção da autoridade pública e que resulta numa concomitância
entre cumprimento de deveres e uma legítima defesa da autoridade pública: DL
457/99 (uso de armas de fogo).
➔ Elemento subjetivo da legítima defesa:
Além do requisito subjetivo que vale para a generalidade das causas de justificação (o
do conhecimento da situação de legítima defesa), desde há muito que se discute se é
necessário um animus defendendi, i.e., uma atuação com vontade de defender os bens
jurídicos ameaçados pela agressão.
A verdadeira razão por que se impôs a exigência de elementos subjetivos da
justificação reside em que os elementos objetivos do tipo justificador só apresentam
virtualidade para excluir o desvalor do resultado, enquanto os elementos subjetivos
servem para caracterizar a falta do desvalor da ação.
Quando há excesso de legítima defesa, a agressão é ilícita e, nesse caso, pode ser-lhe
oposta outro comportamento em legítima defesa: sobre excesso de legítima
defesa há legítima defesa.
Conclusão:
o Se houver excesso dos meios (intensivo) — o facto é ilícito, ou seja, não se exclui
ilicitude, mas a pena pode ser especialmente atenuada, sendo que este excesso
dos meios pode ser interpretado de duas formas:
• Naquele momento usei meio mais gravoso;
• Meio para além do tempo que era preciso.
o Se for excesso asténico não se vai punir, a não ser que seja censurável, por
exemplo não ter sido assustador.
o Se for esténico — como não se refere nada no CP, apenas sabemos que somente
com o asténico não haverá punição
Poderá haver ainda casos de excesso de legitima defesa putativa – casos em que
o agente está em erro sobre o pressuposto de facto de uma causa de
justificação e, para responder àquela situação que ele representa como uma tal
justificação, utiliza um meio não necessário. Concorrem aqui a figura do excesso
com a figura do erro.
NOTA: nos casos em que o excesso provém de erro, aplica-se por analogia o
art. 16º/2. Ex: o agente utiliza uma arma que tem uns dardos tranquilizadores, tendo
outro menos gravoso ao seu dispor (ou seja, usa um meio desnecessário), mas não
sabe que a arma tem esses dados tranquilizadores.
➔ Pressupostos:
NOTA: ainda assim, FD sustenta que a partir daqui não se pode construir a figura
do estado de necessidade preventivo.
REQUISITOS:
Nos termos do art. 34º/a), é necessário à justificação “não ter sido voluntariamente
criada pelo agente a situação de perigo, salvo tratando-se de proteger o interesse de
terceiro”.
A própria provocação intencional do agente do perigo não deverá servir, porém, para
negar a justificação do estado de necessidade quando se trata de proteger interesses
de terceiro: seria inadmissível que da provocação do agente pudesse resultar uma
lesão não justificada para bens jurídicos do terceiro posto em perigo, se depois o
provocador os salva à custa de um outro terceiro não implicado.
A lei exige que se pondere o valor dos interesses conflituantes, nomeadamente dos
bens jurídicos em colisão e o grau do perigo que os ameaça.
De acordo com MFP, o art. 34º/b) tem previsto um conflito de interesses que não
engloba todos os interesses emergentes na situação, englobando apenas os
interesses gerais da Ordem Jurídica. Se assim não fosse, não se compreenderia a
introdução de um critério corretor no art. 34º/c) em atenção à natureza ou valor do
interesse a ser sacrificado pelo estado de necessidade.
o Conceito de Interesse
MFP refere-se a uma posição de vontade sobre uma coisa de que se carece e não
pode abranger todo e qualquer valor defensável na situação de conflito, mas não
atribuível a uma vontade. Só simbolicamente se pode utilizar a expressão interesse
da Ordem Jurídica.
➢ Indícios de Hierarquia:
o Molduras penais
Recorrer à medida legal da pena é um dos pontos de apoio mais importantes para a
determinação da hierarquia dos bens jurídicos conflituantes (sendo jurídico-
penalmente protegidos).
o Grau do perigo
Este indício tem um papel fundamental quando a violação do bem jurídico não surge
como absolutamente segura mas sim como mais ou menos provável.
De acordo com ROXIN, quem, para evitar um dano que seguramente se produzirá se
não atuar, leva a cabo uma ação salvadora que só em pequena medida põe em perigo
outro bem jurídico, prosseguirá em regra o interesse substancialmente
preponderante. Mas este será sobretudo o caso quando, para fazer face a um perigo
concreto de uma certa importância, seja aceite a produção somente de perigos
abstratos.
Assim, a corrida de uma ambulância que ponha de algum modo em perigo a vida de
um transeunte, sob a forma de negligência (art. 291º/2), pode porventura justificar-
se se ela transporta um ferido grave, cujo tratamento é urgentíssimo, mas
seguramente já não se o ferido tem apenas umas escoriações ligeiras ou mesmo uma
perna previsivelmente partida.
Com uma redução objetivista do conceito, interesse deve ser aquilo que se entende e
reconhece como tal, sendo, por isso, juridicamente protegido.
MFP suscita a questão de saber se o confronto dos interesses exige uma especial
(quantitativa ou qualitativa) superioridade de um dos interesses ou a expressão
“sensível” tem somente um significado processual, i.e., de indicar que a maneira pela
qual se chega à conclusão de que um interesse é superior a outro é através de um
processo de apreensão pelos sentidos (a referida superioridade só existira se fosse
sensível, porque só nesse caso poderia ser conhecida).
A possibilidade de impor sacrifício ao lesado significa que o lesado não pode estar
numa posição que é insuportável:
a) Se fosse insuportável, este poderia exercer legítima defesa.
b) Tem de haver uma diferença entre os interesses.
c) Só é razoável impor ao lesado se tal não colidir com a dignidade da pessoa.
Haverá alguma vida que valha mais ou, estando duas em perigo, não se salva
nenhuma?
Tendo em conta que o Estado de Necessidade não se aplica a conflitos entre puros
bens jurídicos mas sim no quadro mais complexo dos interesses conflituantes da
situação global, a única forma de por o problema é: no contexto complexo da situação
global, será possível descortinar casos em que o interesse na preservação de uma ou
mais vidas prepondera sobre o sacrifício de outra ou outras?
O agente que atua em estado de necessidade defende-se de um perigo que tem origem
na pessoa que vai ser vítima da ação necessitada – o perigo foi criado pela futura
vítima do estado de necessidade.
Isto ocorre em termos tais que o agente não pode louvar-se de uma legítima defesa,
que não existe por falta de um requisito de facto perigoso, ou porque este nem sequer
configura uma agressão – ex: A, em pleno ataque epilético, vai quebrar um jarrão de
porcelana chinesa de B, se não for afastada à força – ou porque não é ilícito, ou porque
não é atual – ex: C a quem D furtou uma bicicleta, encontrao com ela no dia seguinte
e ofende levemente a sua integridade física com um empurrão como única forma de
recuperar o objeto furtado.
Alguma doutrina considera que existe uma figura especial de estado de necessidade,
entre a legítima defesa e o estado de necessidade justificante, em que o critério de
ponderação de interesses é específico.
Naquelas situações em que alguém fica exposto a um perigo criado pela futura vítima
do estado de necessidade, haverá argumentos convincentes contra a atribuição do
desvalor da ação ao agente que causou a morte para se manter vivo a si próprio.
o MFP: um ponto de vista irrebatível é que aquele que ficou exposto a um perigo
para a vida causado por outrem não tem de suportar a lesão da própria vida,
sendo-lhe permitido defender-se.
A única exigência é que ele cumpra pelo menos um dos deveres conflituantes. No
conflito de deveres, o agente não é livre de se imiscuir ou não no conflito, ele é
obrigado a imiscuir-se e a cumprir um dos deveres. Se, com isto, ele torna impossível
o cumprimento do outro dever, em todo o caso o seu comportamento, porque
correspondente a uma imposição jurídica, não pode ser ilícito. Já se os deveres não
tiverem igual valor, deve atender-se à ponderação concreta dos interesses em conflito
no quadro da situação global.
Se o agente tiver escolhido o dever que não é o mais vinculativo, não está justificado
por conflito de deveres e, consequentemente, o seu comportamento continuará a ser
ilícito.
O art. 38º (conjugado com art. 149º) estabelece os requisitos gerais da relevância do
consentimento:
Bons costumes não pode ser interpretado no sentido de moralidade – terá antes de
ser conforme ao princípio da igualdade, do estado de Direito democrático, etc.
Quando é que a ofensa vai contra os bons costumes? O art. 149º/2 aponta alguns
critérios:
(a) Temos de analisar os motivos do agente;
(b) Temos de analisar a amplitude previsível da ofensa – haverá
ofensa aos bons costumes quando a ofensa em causa for grave e irreversível.
• Imagine-se, contudo, que A consente em ser o cinzeiro de B. Será este um
consentimento válido? A verdade é que as marcas dos cigarros
eventualmente desaparecem; contudo, isto implica uma degradação tal da
pessoa, ao reduzi-la a cinzeiro, e fere de tal forma a dignidade da pessoa,
que não se pode aceitar que este seja um consentimento que exclua a
ilicitude.
• Por este motivo, alguma doutrina entende que este critério dos bons
costumes tem de ser compatibilizado com a dignidade da pessoa humana,
considerado no seu nível mais básico.
Para MFP, uma interpretação correta retira o caráter puramente moralista e subjetivo
por relacionar com valores constitucionais, tornando-a uma cláusula com
funcionalidade jurídica e adaptada à linguagem e aos fins do Direito.
Faz sentido aplicar o art. 38º/4 às restantes causas de justificação? Sim, porque não
existe motivo para afastar o desvalor da ação.
Questão diferente: esta analogia é permitida? Sim, é, porque estamos a punir o agente
mais favoravelmente, punindo-o apenas por tentativa em vez de por crime consumado
(que é o que aconteceria, pois o desvalor da ação não é afastado).
Outra questão ainda que se tem levantado: o art. 38º/4 remete para a aplicação do
regime da tentativa ou somente para a pena que à tentativa seria aplicada?
o É importante ter aqui em causa que nem toda a tentativa é punida – só a
tentativa dos crimes que são punidos com mais de 3 anos.
o Se a remissão for feita para o regime todo, vai abranger as regras todas da
tentativa, inclusive a de que o agente não é punido por tentativa no caso de
crimes que não têm uma pena superior a 3 anos;
o Se a remissão é só para a pena que é aplicável para a tentativa, punimos por
tentativa do crime em causa.
o FD – constituindo a aplicação da pena aplicável ao crime consumado uma pena
especialmente atenuada (art. 23º/2), sendo este o traço mais relevante do
regime da tentativa, dir-se-á exagerado sustentar que em qualquer caso de falta
de elementos subjetivos de uma causa de justificação o facto será sempre
punido, embora com pena especialmente atenuada. Isto porque a tentativa só é
punível, salvo disposição em contrário, nos termos do art. 23º/1, se ao crime
consumado respetivo corresponder pena superior a 3 anos de prisão;
Imagine-se que A convida B a ir ver o jogo de futebol a sua casa. Quando B vai a casa
de A, convidado por A, quando entra em sua casa está a incorrer em violação de
domicílio, mas justificado pelo consentimento de A? Claro que não; o consentimento
é uma causa de exclusão de ilicitude, que apenas serve para excluir a ilicitude de factos
típicos; ora, neste caso em que há autorização/concordância, não há sequer um facto
típico, não há ofensa de um bem jurídico – este é um caso de acordo, de atipicidade.
NOTA: Não confundir o erro do art. 38º/4 com o do art. 16º/2: neste último não estão
preenchidos os pressupostos para a exclusão da ilicitude, mas o agente supõe que
estão; nos casos do art. 38º/4 é o inverso: é um erro de ignorância, estão preenchidos
todos os pressupostos para a exclusão da ilicitude, mas o agente desconhece isso.
Que tipo de elementos subjetivos são necessários? É necessário que o agente conheça
o preenchimento dos pressupostos ou precisa ainda de se motivar por eles?
A doutrina tende a entender que basta que ele saiba, não é preciso haver um animus
defendendi. Esse tipo de exigência já parece corresponder mais a um Direito penal do
agente.
Deste modo, é o recurso aos indícios objetivos de qual seria a vontade do ofendido,
através de indicações por ele dadas anteriormente ou através de pessoas próximas,
que sustenta uma espécie de reconstrução da vontade do agente – aquela que ele teria
manifestado se estivesse ao seu alcance exprimi-la no momento da lesão do bem
jurídico.
Há casos em que há defesa contra uma agressão futura, mas altamente provável, ou
contra agressão lícita provocada pelo agressor – são formas de exercício do direito de
defesa embora não cumpram os requisitos das figuras legais.
Mas, por outro lado, a defesa preventiva anula a potencialidade de lesão de bens
jurídicos que atinge o agente e incrementa a segurança em torno daqueles. Nesta
medida, existe algum favorecimento da posição do autor. A igualdade na proteção
jurídica e a realização material dos fins da Ordem Jurídica imporá que a lesão, numa
certa medida, dos bens do futuro agressor seja menos importante do que a promoção
da segurança em relação aos bens do defendente.
Aqui enquadra-se uma nova situação, guiada pela expressão genérica de causa justa
ou de realização de um interesse legítimo. Este conceito parece estar desligado de uma
ponderação de interesses como a do Estado de Necessidade e são condutas que
surgem como promoção ou incremento de valores ou de interesses, alterando a
perspetiva teórica subjacente às causas de justificação clássicas.
Exemplo enquadrável na figura do interesse legítimo é o das gravações ilícitas para
fins de defesa processual em crimes contra a honra ou extorsão. O conceito ganha o
seu espaço entre uma justificação que apenas se caracteriza pela defesa-proteção do
status quo dos bens jurídicos e uma outra, inovadora, que se assume como defesa-
promoção de interesses relacionados com direitos fundamentais, a justa causa ou a
fórmula do interesse legítima sugere a evolução do próprio conceito de justificação.
CULPA
A culpa é o juízo de censurabilidade social (de desvalor) que se faz ao agente que
praticou o facto típico e ilícito. Já não sobre o facto que ele pratica, mas pela atitude
que o agente expressa na prática de um determinado facto. Enquanto na ilicitude se
verifica a violação de um dever, na culpa coexiste a ideia não de um dever, mas de um
poder.
A aplicação de uma pena pressupõe, tal como afirma o art. 40º/2, que o ilícito tenha
sido praticado com culpa. Não há pena, não há responsabilidade penal, sem culpa. O
princípio da culpa é um limite à punição, na medida em que a culpa constitui um
pressuposto e um limite da pena - não há pena sem culpa e a medida da pena não pode
ultrapassar a medida da culpa.
Pode-se então dizer que verdadeiras causas de exclusão da culpa são aquelas que
se filiam na ausência de capacidade de culpa ou de consciência da ilicitude. As causas
de desculpa não excluem a culpa, mas fazem com que aquele facto seja tolerado pela
ordem jurídica, em termos de não haver lugar à punibilidade, à punição.
Para a Professora Maria Fernanda Palma, deve ser adotada uma conceção de culpa
próxima da desenvolvida pelas teses da culpa da vontade (a culpa só pode ser
censurabilidade da ação por o culpado ter atuado contra o dever quando
podia, antes, ter atuado de acordo com ele. Assim sendo, o poder de agir de
outra maneira é elemento essencial do conceito de culpa – temos de estar perante uma
decisão livre e consciente da vontade a favor do ilícito) e da capacidade de
motivação pela norma. Assim sendo, a Professora entende que o fundamento da
culpa reside na verificação da oportunidade de atuação alternativa.
Inimputabilidade
A. Anomalia Psíquica
Isto explica que um agente possa ter cometido dois factos típicos distintos e deva ser
declarado inimputável relativamente a um e imputável quanto ao outro - por exemplo,
A, que sofre de tara sexual grave, viola e furta B – será inimputável perante o crime
de violação, mas a anomalia de que sofre não se manifesta no furto, pelo que o agente
será imputável quanto a este crime).
B. Idade
A imputabilidade deve ser excluída relativamente a qualquer agente que ainda não
atingiu a sua maturidade psíquica e espiritual, com fundamento na necessidade de
um mínimo de maturidade como condição para apreciação da personalidade e atitude
que dela se exprimem. Só quando o estádio de desenvolvimento em que o agente se
encontra é suficiente para que o agente, ao praticar uma ação, tenha consciência da
natureza própria do que através dessa manifesta é que podemos falar em
imputabilidade.
Nos termos do art 19º CP, os menores de 16 anos são inimputáveis. No entanto, os
ilícitos cometidos por estes agentes podem ser objeto de tutela estadual, pois que
também quanto a eles o Estado deve cumprir o dever de proteção dos bens jurídicos.
Inexigibilidade
O Direito não impõe à pessoa ser um herói moral, mas apenas um homem dotado de
resistência espiritual normal, honesto, normalmente fiel à normatividade e que teria
agido de forma correta se não fosse aquele desvio causado por causa exterior a ele.
A Professora Maria Fernanda Palma entende que a inexigibilidade deve ser
entendida como o fundamento geral da exclusão da culpa, partindo para isso do
princípio da desculpa.
Nos termos do art 35º, age sem culpa quem praticar um facto ilícito adequado a
afastar um perigo real e não removível de outro modo, que ameace a vida, integridade
física, honra ou liberdade do agente ou de terceiro, quando não for razoável exigir-lhe,
segundo as circunstâncias do caso, comportamento diferente.
➔ Requisitos:
Este estado de afeto desvia as motivações do agente para agir de acordo com o Direito
– fora das suas intenções normais, daí existir uma atenuação especial da pena
(arts.33º, 72º e 73º).
Taipa de Carvalho refere que esta atenuação é obrigatória, mas JFD refere ser
facultativa.
o Taipa de Carvalho fundamenta com o princípio vitimológico, por ser uma defesa
de quem é agredido.
o No lado contrário, defende-se que é absolutamente injustificado o risco de
produção de danos mais gravosos do que os necessários para o agressor e é feita
uma analogia para as causas de justificação no excesso do meio.
O estado de afeto deve ser asténico (33º/2), casos de perturbação, medo ou susto
não censuráveis – este critério é legal, pessoal e objetivo. Por isso não se admite os
casos de afeto esténico como a raiva, a vingança, ódio ou cólera. Apenas os primeiros
servem de fundamento para impedimento do cumprimento e consequentemente para
desculpa. Mas o afeto asténico causa pressão psíquica ou espiritual da mesma forma
que o esténico, no caso de concurso de ambos, apenas se exclui a culpa se o primeiro
for dominante e o segundo for secundário – o JFD refere, no entanto, que no concurso
não é uma questão de culpa, mas antes de medida da pena.
Refere-se ainda que o estado de afeto asténico tem de ser ele próprio não censurável
– como no caso de estado de necessidade desculpante – não deve ultrapassar a medida
de intensidade que a ordem jurídica espera que seja suportável por todo o homem fiel
ao direito. Chamamos a este critério o da inexigibilidade. Por exemplo: se uma mulher
se defende de um galanteador importuno que lhe faz observações indecorosas
reagindo com um bastão, quando podia dar uma bofetada, e se o medo que está na
base só é explicável porque a mulher tem tendência para ver em cada galanteador um
tarado sexual perigoso, este medo não deve ser aprovado pela OJ e não pode conduzir
à desculpa.
Assim, sustenta-se que, em certos casos em que o agente não ultrapassou, na sua
reação contra o agressor, os meios necessários de defesa, mas reagiu antecipadamente
a uma agressão figurada como certa, ou tardiamente, isso pode ter acontecido por um
afeto asténico – caso em que se deveria também excluir a culpa.
Figueiredo Dias exclui esta doutrina, considerando que é incompatível com o teor
literal do 33.º e porque esse excesso se reconduz a um facto doloso ilícito e culposo u
a um erro sobre a legítima defesa
Atualmente deve ser decidida a questão num espaço livre de legislação e em função
de considerações relevantes de índole geral.
Por vezes, há sim uma falta de consciência intelectual/ética do erro que leva o agente
a não ter um conhecimento correto da factualidade. Não estando num conhecimento
correto da factualidade então aplicar-se-ão as regras da negligência - artigo 16º, nº1
in fine. Aqui a situação é outra, o agente conhece a factualidade, o seu
desconhecimento existe face a uma determina valoração da possível conduta por parte
do agente (art.17º).
Existindo uma falta de conhecimento das regras de Direito, pode dar-se um erro de
valoração por parte do agente, o que, em algumas situações, impede o agente de ter
uma atitude censurável. A vida em sociedade é dominada por uma altíssima
discutibilidade e reconhecimento de vários pontos de vista axiológicos, o que
impossibilita que todos os agentes possuam a “correta” valoração das suas condutas.
Pode haver erros de ilicitude não censuráveis que levem à exclusão da culpa: O
elemento decisivo é, portanto, a determinação do critério de censurabilidade
(art.17º).
➔ Critérios de censurabilidade do erro
Deste critério resultam duas distinções que não devem ser acolhidas:
a) Capacidade de conhecer o ilícito ou incapacidade e daqui vem a inevitabilidade
ou invencibilidade do erro: JFD faz duras críticas a este critério e suas vias,
afirmando que não nada mais do que “um poder agir de outra maneira”
completamente insustentável e inexequível.
b) Poder de pôr em tensão a consciência ética: Esta só serve para os ilícitos que
tem base na ordem moral, mas para todos os outros não, o que orça o agente a
uma falha intelectual que resulta da falta de esforço do agente em conhecer da
ilicitude da sua conduta. Aquilo que acaba de ser dito demonstra a
incompatibilidade entre os dois critérios pois tendo como objetivo excluir a
censurabilidade e por consequência a culpa acaba por levar novamente a
censura da conduta do agente, este critério de “exclusão” da culpa torna-se o
critério que atribui a censurabilidade. JFD fala mesmo no critério de
censurabilidade do erro.
Os dois critérios acabam por não ser compatíveis, o da invencibilidade do erro amplia
e o da tensão ética restringe a uma análise moral e emocional.
Uma outra crítica é feita quanto a conceção de culpa, o critério da tensão ética
transforma o poder conhecer o ilícito num dever de conhecer o ilícito. o Direito num
dever de agir em conformidade com o Direito. Este critério não busca o erro, mas sim
infirmar o incumprimento do dever de conhecimento da norma jurídica que violou –
há uma agressão óbvia ao princípio de debere ad posse non valet consequentia.
Este critério – tensão ética – tem como pressuposto a existência de uma consciência
aberta ao ordenamento jurídico e que pode levar o agente a conhecer que o carácter
do facto é ilícito, o que leva à criação de uma lacuna nos casos em que existe uma
anomia jurídica causada pelo hábito de viver fora dos parâmetros normais do
ordenamento. Como exemplo os agentes que são habituais delinquentes (Assaltantes
profissionais, como os gangs onde o tráfico e roubo atingem níveis de
profissionalismo), que desenvolvem valores contrários ao Direito. Nestes casos, e
seguindo o critério da tensão ética, aqui também teria de negar a culpa para manter a
coerência o que teria resultados devastadores para a política jurídico-penal.
Não falamos aqui de casos em que uma característica da personalidade acaba por
afastar a censurabilidade do facto afastando a culpa (Como no caso de um pedófilo
que tem uma tendência para violar viu-se obnubilado na sua consciência sobre a
ilicitude do abuso sexual de um menor de 14 anos art.º 172º). O que falamos aqui é
em casos em que apesar de haver ilícito o agente é movido por uma fidelidade que é
reconhecida juridicamente tem que haver uma conexão entre a conduta do agente e
uma proteção do ordenamento ao facto mesmo sendo ilícito tem que haver um
reconhecimento pelo Direito, tem que ser valorado juridicamente.
Esta teoria defende que sendo menos grave o facto cometido sem consciência do que
o que foi cometido com consciência não existe uma possibilidade, mas sim uma
obrigação de atenuação da pena, com base no art.72º nº1 in fine “quando por forma
acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente …”com ressalva das situações e
hostilidade ao Direito. No entanto Figueiredo Dias faz uma crítica a esta teoria: não
leva a sério a falta de cognoscibilidade do ilícito que é igual à falta que cria a culpa
mesmo nos casos de hostilidade ao Direito. Assim mesmo dando uma grande
segurança jurídica ao tribunal não é bastante.
Esta tese defende que deve haver uma faculdade de atenuação e não uma obrigação
com base na insuficiência de critérios de diferenciação entre os ilícitos cometidos com
falta de consciência e os com consciência da ilicitude, tal como dissemos atrás a
deficiência que provoca o ilícito e a mesma que provoca a falta de consciência daquele
daí ser de rejeitar a obrigatoriedade, e abraçar uma visão que privilegie o caso concreto
onde é possível observar o que diferencia os dois tipos de erro (erro de consciência da
ilicitude e o erro material de prática do ilícito). Mesmo nos casos de hostilidade ao
Direito, Warda diz não ser legítimo que seja feita à priori uma exclusão da atenuação
da pena. Conclui-se que a atenuação tem de ser sempre feita à posteriori – segundo
um juízo ex post – caso a caso o que nos leva a admitir uma atenuação extraordinária
facultativa da pena segundo o artigo 17º nº2.
COMPARTICIPAÇÃO
Em sede de comparticipação, cumpre estudar a responsabilidade pela realização de
factos típicos e ilícitos nos quais se identificam uma pluralidade de agentes, sendo
estes autores ou não.
Teoria do domínio do facto: é autor quem domina o facto, quem toma a execução
“nas suas próprias mãos” de tal modo que dele depende decisivamente o se e o como
da realização típica. O autor é a figura central do acontecimento, o facto típico é obra
de uma vontade que dirige o acontecimento (elemento subjetivo), noutra vertente
como fruto de uma contribuição para o acontecimento dotada de um determinado
peso e significado objetivo. O senhor do facto domina execução típico, cabendo a ele
a iniciativa, interrupção, continuação, consumação e realização. No art.26º vêm
referidas 3 formas de autoria, a imediata, mediata e coautoria. O agente é autor
imediato porque é ele próprio quem procede à realização típico. O agente é autor
mediato porque, embora não tenha intervindo fisicamente na realização típica,
domina o executante através de coação ou erro. Por fim, o agente é co-autor porque
pode ainda dominar o facto através de uma divisão de tarefas com os outros agentes,
desde que, durante a execução, possua uma função relevante para a realização típica.
O domínio do facto constitui uma valoração que exprime uma síntese de elementos
psicológicos e normativos.
Pode ser elaborada uma lista de casos em que tipicamente se considera haver
autoria mediata:
Igual será a solução em que o homem de trás provoca uma situação de legítima defesa
ou de estado de necessidade justificante.
2) Instigação
3) Cumplicidade
4) A acessoriedade na participação
TENTATIVA
A tentativa é uma forma especial de infração. É a realização incompleta do facto
típico doloso.
Elementos da tentativa:
O tipo subjetivo de ilícito da tentativa é o mesmo que o do crime consumado, pelo que
quanto à decisão exige-se o mesmo que se exige ao crime consumado – dolo do tipo e
eventuais especiais elementos subjetivos que a lei requeria no caso.
Uma mera decisão condicional não é bastante – ex: não toma a decisão de cometer
um crime aquele que aprecia ainda se estão ou não presentes as condições situacionais
que reputa necessárias para cometer o facto. Mas já toma aquele que conta com a
possibilidade de desistir do facto se a execução não correr bem.
Assim, Roxin aponta um critério geral: uma decisão pelo facto existe assim que os
motivos que empurram para o cometimento do delito alcançam predominância sobre
as representações inibidoras, mesmo também quando ainda possam restar dúvidas.
Não será tentativa a colocação não dolosa em perigo de bens jurídicos alheios – não
existem tentativas negligentes.
Exige-se que a decisão se exprima externamente em atos que constituam não meros
atos preparatórios, mas se apresentem como atos de execução. Porém, a formo como
se distingue execução e preparação é discutida – ou seja, é problemático determinar
em que momento se inicia a execução.
Como conclusão desta exposição, podemos desde logo afirmar que nenhuma destas
teorias é, em si mesma, suficiente para distinguir entre atos de execução e atos
preparatórios. Para além disso, pode também concluir-se que a distinção cuja
concretização se procura há de ser eminentemente objetiva.
Ainda assim, diz o Professor Figueiredo Dias, falta ao art 22º, nº 2 uma vertente
subjetiva, ligada ao plano do agente.
CRITÉRIOS CONCRETIZADORES
Existe conexão de perigo sempre que entre o último ato parcial questionado e a
realização típica se verifica, segundo o lapso temporal, mas também de acordo com o
sentido, uma relação de iminente implicação: esta faz nascer a conexão de perigo que
temos em mente. É relevante então a conexão temporal estreita, sem que seja, porém,
decisiva. Alguma doutrina alemã tenta alargar esta conexão, defendendo que ela
existe mesmo quando entre o último ato parcial e a realização do tipo se interpõe um
ou mais atos que, sendo intervalares, não são essenciais à realização típica. Com esta
via podemos ainda ser levados a considerações menos corretas – ela levaria a
considerar como ato de execução o ato de o agente encher o carregador do revolver ou
de se dirigir de táxi a casa de M – estes são essenciais, mas ainda não revelam,
objetivamente, o potencial de perigo exigido pela realização típica e não devem ser
considerados atos de execução.
Porém, atualmente entende-se que não deve ser assim – a tentativa só se inicia
quando se verifiquem atos de execução do ilícito-típico no conjunto.
➔ A não consumação
Diferente dos casos em que o agente não pratica todos os atos de execução necessários
à prática do ilícito típico, são os casos em que todos esses atos são praticados, mas a
consumação não vem ainda assim a ter lugar. Estes casos correspondem,
respetivamente, a situações de tentativa inacabada e de tentativa acabada.
O Código Penal não trata expressamente destes conceitos, acabando estes por cair,
assim, no âmbito da mesma moldura penal. No entanto, tal não significa que a
distinção tenha perdido interesse – releva, desde logo, para o regime da desistência.
O problema está, essencialmente, em saber qual o ponto de vista decisivo para
determinar se a tentativa se pode já considerar acabada: se o ponto de vista subjetivo,
se o ponto de vista objetivo.
Nem toda a tentativa tem suficiente dignidade punitiva – por isso o 23.º limita o
âmbito da tentativa punível em função de dois critérios:
• Em função da pena aplicável ao crime consumado;
o O desvalor do resultado tem de ser inferior ao do crime consumado.
o Em princípio, nos termos do art.º 23º/1, só é punível a tentativa nos casos
em que ao crime consumado corresponda pena superior a 3 anos de prisão
– quando tal não aconteça, a tentativa só é punível se a lei expressamente
o declarar – isto demonstra que o legislador quis restringir a punição da
tentativa aos casos criminologicamente chamados de grande e média
criminalidade.
o Já relativamente à tentativa de delitos qualificados, cumpre saber se a
pena aplicável a que a lei se refere é a do delito simples ou, antes, a do
delito qualificado. Terá de ser a segunda. Sendo punível a tentativa, a pena
que lhe cabe será especialmente atenuada.
Como se disse, a tentativa só não é punível quando for manifesta a inaptidão do meio
empregado pelo agente ou a inexistência do objeto essencial à consumação do crime
– tentativa impossível.
As teorias subjetivas, por sua vez, estão numa boa posição para afirmar a punibilidade
de toda a tentativa impossível, porque nela se revela um desvalor de ação análogo ao
que se verifica na tentativa idónea e no próprio crime consumado – mas vão longe
demais, colocando como fundamento de punibilidades valores de ânimo. Isto
conduziria à punibilidade da chamada tentativa irreal – vai à bruxa para rezar pela
morte do cônjuge.
Por esta via, alcançar-se-á uma justificação da exigência legal para impunibilidade da
tentativa, de que a inaptidão do meio ou carência do objeto se revelem como
manifestas.
Sobre esta perigosidade decidirá um juízo ex ante – juízo levado a cabo por um
observador colocado no momento da execução e sabedor de todas as circunstâncias
conhecidas ou cognoscíveis do agente.
Assim, a tentativa impossível será punível se, segundo as circunstâncias do caso e de
acordo com um juízo ex ante, ela era ainda aparentemente possível ou não era já
manifestamente impossível.
Consequências:
Este é o grupo de casos mais simples – é o caso em que o agente tenta alcançar a sua
finalidade delituosa através de meios sobrenaturais.
A inaptidão do meio é manifesta e não pode ser punível – sem prejuízo de em alguns
dos casos faltar logo o dolo, nomeadamente quando o autor não revela uma verdadeira
vontade de realização, mas um mero desejo análogo ao do milagre.
Ainda que se verifique o dolo, não existe qualquer impressão de perigo e não se
verificam razoes de punibilidade ligadas à confiança nas normas ou fundadas na
estabilização contrafática das expetativas comunitárias na validade daquelas.
• Manifesta inaptidão do meio ou carência do objeto
Pode acontecer que, segundo o mundo das representações do agente, o meio fosse
idóneo ou o objeto existente, mas as representações sejam erróneas para a
generalidade das pessoas.
o Ex: quem tenta matar uma pessoa com uma pistola de imitação que julga
verdadeira pode cometer uma tentativa impossível se a arma surge à
generalidade das pessoas como uma imitação tao perfeita que pode passar
por arma verdadeira – mas não se se trata de um brinquedo notoriamente
inofensivo
o Ex2: comete tentativa impossível quem depara com um seu inimigo numa
estrada no estertor da morte causado por atropelamento de terceiro e em
seguida passa com o automóvel em cima dele, no momento e que a morte
ocorreu – mas não comete se o corpo é notoriamente um cadáver.
Ex: A pratica atos sexuais consentidos com criança que pensa ter 13 anos, mas que
tem 15, comete uma tentativa impossível de abuso sexual de crianças, punível se a
inexistência do objeto não for manifesta.
Ex2: Se B sabe que a criança tem 15 anos, mas pensa que as relações sexuais com ela
constituem o crime de abuso sexual de menor, comete um crime putativo.
O crime putativo não é punível – nem o poderia ser, uma vez que não haveria
perigo de violação de um bem jurídico-penal suscetível de abalar a confiança da
comunidade nas normas jurídicas de tutela + princípio da legalidade.
No entanto, sempre que o facto ao qual se dirige a vontade de realização não preenche
um tipo de crime não será possível falar-se de tentativa impossível – tudo o que pode
existir é um crime putativo.
Estes são casos em que o agente da tentativa pensa, erroneamente, que possui uma
especial qualificação.
o É o caso de alguém que, não sendo funcionário por força da nulidade do
processo de nomeação, mas supondo-se como tal, preenche com a sua conduta
qualquer crime próprio da categoria dos funcionários.
Para que se aplique o art 24º CP, é exigido que a consumação não se dê e que tal facto
se deva ao próprio agente. Isto gera a problemática de distinção entre tentativa
acabada e inacabada. Se o agente, com a sua atuação, não criou ainda todas as
condições indispensáveis àquela consumação – tentativa inacabada – basta-lhe que
interrompa ou abandone a realização típica, para que se possa falar em desistência.
Poderia daqui, portanto, retirar-se que só o estado objetivo da situação pode fazer a
distinção entre tentativa acabada e inacabada.
São casos em que a lei exige que o agente deixe de prosseguir a execução do crime,
que ele a abandone. Há necessidade de verificação de uma situação objetiva – é
necessário que o agente deixe de prosseguir a execução e que a consumação não
sobrevenha – e de verificação de uma situação subjetiva – é decisivo o ponto de vista
do agente de que se abandonar a execução, a consumação não terá lugar.
Existem casos de dúvida, que cumpre esclarecer. São desde logo os casos em que o
agente renuncia à prática de atos ulteriores porque ele, verdadeira ou
presumidamente, já alcançou a finalidade da ação. É o caso da vítima de um processo
de violação que engana o violador e o leva a crer que consente na cópula, fazendo com
que este renuncie ao uso da força.
Uma vez que, nestes casos, a execução do delito foi levada ao limite, não pode bastar
o abandono do plano – exige-se que o agente, voluntariamente, impeça a consumação,
através de uma atividade própria (e eventualmente com a ajuda de terceiros). Desde
logo, é exigido que o agente tenha posto em movimento uma nova cadeia causal,
dirigida agora a impedir a consumação do facto, esperando que esta não venha a ter
lugar.
Cumpre, desde logo, analisar os casos de desistência parcial: será relevante que o
agente, já na fase de execução, renuncie voluntariamente à consumação de uma
circunstância qualificadora que consome o delito fundamental? A Doutrina
dominante tende a considerar relevante a desistência, até que se dê a consumação do
delito fundamental. EXEMPLO: A, quando tenta a realização de um furto
qualificado, traz consigo uma arma – art 204º, nº 2, al f) CP – mas, tomado de um
sentimento inesperado, decide não a usar e manda a arma fora, levando, todavia, a
cabo o furto intencionado.