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CASOS PRÁTICOS DE DIREITO COMERCIAL I

ACTOS DE COMÉRCIO E COMERCIANTES

CASO N.º 1
António, casado com Beatriz, e Carlos, solteiro, donos de uma pastelaria na
Avenida de Roma, compraram à sociedade Frutas, Lda. um carregamento de
mangas para fazerem os seus conhecidos sumos, que atraem multidões. Pode a
Frutas, Lda. demandar apenas António, exigindo-lhe o pagamento do preço total?
E, em caso de não pagamento voluntário, pode esta sociedade executar os bens
comuns de António e Beatriz?

CASO N.º 2
David, fotógrafo, vende, todos os fins-de-semana, fotografias por si
captadas nas feiras da região. Cansado das longas deslocações, propõe a Elvira,
que se dedica à venda de produtos biológicos por si cultivados, que comprem em
conjunto uma carrinha para chegarem às feiras. Assim fizeram. No entanto, Elvira
arrepende-se e não quer pagar o preço acordado. Pode a sociedade Automóveis,
SA. demandar apenas David?

CASO N.º 3
Frederico, advogado e amante de pintura, comprou um conjunto de
quadros de Júlio Resende numa galeria de arte, no Porto, pretendendo fazer uma
surpresa a Helena, sua mulher. Helena, contudo, não gostou dos quadros e exigiu
que Frederico os tirasse rapidamente de casa. Triste, Frederico decidiu vender os
quadros. Jeremias, comerciante de arte, mostrou-se logo interessado e a venda
realizou-se. Ficou, no entanto, combinado que Frederico guardaria os quadros
durante 15 dias, pelo que este contratou o depósito dos quadros com a galeria de
arte onde os comprara, por aquele período. Para garantir a segurança dos quadros,

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Frederico contratou ainda um guarda para vigiar as pinturas. Qual a natureza dos
vários actos descritos?

CASO N.º 4
Vasco, trabalhador dos correios, entra, todos os dias, às 9h00 e sai às 17h00.
Amante de filatelia, decidiu, há algum tempo, montar um pequeno quiosque numa
Praça lisboeta, para se distrair um pouco ao fim do dia, antes de ir ter com a
mulher, por volta das 19h00. Para manter aberto o quiosque todo o dia, Vasco
contratou um empregado, Manuel. Qual a natureza (civil ou comercial) do
contrato celebrado?

CASO N.º 5
José e Luís, arquitectos, pretendendo remodelar o atelier de que são
proprietários, no Chiado, contrataram Matias, empreiteiro, para fazer as obras. No
dia 15 de agosto de 2021, já com as obras prontas e aprovadas, Matias apresenta a
fatura a José, conhecido pelas suas maiores disponibilidades financeiras. Contudo,
até agora, José não pagou a dívida, alegando que só está obrigado a pagar metade
do valor da fatura. (i) José tem razão? (ii) A dívida está vencida? (iii) Em caso de
mora, qual a taxa de juro aplicável, sabendo que nada foi convencionado?

CASO N.º 6
Francisco, estudante, decidiu montar uma pequena livraria: tomou de
arrendamento uma loja na Baixa, comprou as estantes e todo o mobiliário
necessário, encomendou os computadores e celebrou um contrato de fornecimento
de livros com uma editora. No entanto, mesmo antes de a loja abrir, Francisco
apercebeu-se que o curso de Direito lhe deixava pouco tempo para gerir o negócio,
acabando por vender a loja a Gustavo e Octávio, estudantes de gestão. Estes nunca

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pagaram o preço. A responsabilidade de Gustavo e Octávio é solidária ou é
conjunta?

ESTABELECIMENTO COMERCIAL

CASO N.º 7
Magda e Manuela desenvolvem há algum tempo uma loja de vestuário
típico português na zona do Chiado, em Lisboa, a qual arrendaram a Frederico.
Como o negócio lhes corre de feição e considerando o boom do turismo em
Lisboa, pretendem tomar de arrendamento a loja contígua (que se dedica à venda
de salgados e doces regionais) por forma a aumentarem a capacidade de oferta do
vestuário que vendem.
Considerando que o fundo de maneio que têm poderá ser insuficiente para
o desenvolvimento da sua atividade, resolvem pedir ao Banco ABC um
empréstimo no valor de EUR 500.000,00. Magda, que detesta assumir
responsabilidades pessoais, sugere a Manuela que se dê em garantia a loja que já
exploram e que, assim, tudo fica mais fácil.
Manuela que é muito metódica, entende que tal não faz sentido nenhum,
porque a (i) loja é arrendada, (ii) tinham de fazer um extenso inventário de tudo
para entregar ao banco (vá-se lá saber a quem é que a informação vai parar…), e (iii) que
a garantia sobre a loja impede que elas continuem a atividade porque os bens da
loja ficam indisponíveis.
Enquanto a questão do empréstimo não se resolvia, Magda e Manuela
decidiram ir avançando e “compraram a loja do lado”. De imediato venderam
tudo o lá estava e começaram a vender nessa loja o vestiário típico do Minho, que
foi um sucesso. Quem não ficou agradado foi o senhorio dessa loja, Marco, que fica
arrasado ao saber que já não pode comprar as famosas chamuças de alheira que ali
se vendiam, exigindo que Magda e Manuela retirem de imediato tudo o que têm
na loja, alegando que não “lhe tinham dado cavaco” da transmissão. Quid iuris?

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CASO N.º 8
Manuel Rocha explora, desde há vários anos, um café na zona do Saldanha,
em Lisboa, chamado “Manuel Rocha dos Cachorros”. O negócio que, no início,
apenas dava para “sobreviver” tornou-se pujante quando passou a incluir no seu
menu, o famoso cachorro quente “kamikaze” com uma receita única e original que
atraia gente de todo o país e também do estrangeiro, após uma reportagem
publicada no The New York Times.
Manuel Rocha, que começava a achar-se velho e cansado para o negócio,
decide vendê-lo a Maria Botelho. Para o efeito, as partes limitaram-se a assinar um
contrato no qual se estabelecia o seguinte:
Manuel da Rocha vende a Maria Botelho o café sito na Praça Duque de Saldanha
pelo valor de EUR 1.500.000,00.
O contrato foi celebrado no dia 10 de setembro de 2021. No dia 11 de
setembro, já com a chave do café, Maria Botelho repara que, durante a noite,
Manuel Rocha tinha retirado do café metade das cadeiras (deixando as mesas) e
tinha levado consigo a receita do cachorro “kamikaze”.
Além deste espanto, Maria Botelho, que, entretanto, tinha contratado uma
equipa de profissionais de restauração, fica estarrecida quando encontra os
trabalhadores que tinham sido contratos anteriormente por Manuel Rocha à porta
do café e prontos para trabalhar, pois considera que, uma vez vendido o café, os
trabalhadores “vão à sua vida”.
No dia 12 de setembro, Manuel Rocha entrega a Maria Botelho uma carta
onde refere que esta deverá deixar de utilizar o nome “Manuel Rocha dos
Cachorros” e dar outro nome ao café.
Na sexta-feira 13 de setembro, Sebastião proprietário do imóvel onde se
localizava o café, fica estarrecido com a carta que recebeu de Manuel Rocha a
desejar “boa sorte” com a nova proprietária do café. Espantado, Sebastião dirige-se

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a Maria Botelho dizendo que quer que o imóvel de volta até ao final do mês e “já
agora” as dez rendas que Manuel Rocha lhe ficou a dever.
Como se a desgraça já não fosse suficiente, Rui Vieira aparece a cobrar a
dívida de fornecimento de salsichas, presuntos e enchidos, referindo que Manuel
Rocha lhe disse que após a venda do café, ele não tinha mais nada a pagar e que
deveria pedir o pagamento dos fornecimentos a Maria Botelho, dando-lhe desde já
nota de que não tenciona voltar a fornecer qualquer produto àquele café,
declarando extinto o contrato de fornecimento que duraria até 2023. Maria Botelho
fica preocupada porque Rui Vieira é o único fornecedor daqueles exclusivos
produtos. Quid iuris?

CASO N.º 9
Rosa explora, desde há cinco anos, uma loja de telemóveis e outros
equipamentos informáticos na zona da Praça de Espanha. Cansada de tanta
inovação tecnológica, decide vender a sua loja a Henrique que, concluído o curso
de Direito, considera que o melhor é desenvolver a área tecnológica à boleia das
start-ups.
Com o encaixe da venda da loja, Rosa que, entretanto, tinha casado com um
técnico de reparação de telemóveis e tablets decide abrir uma loja de venda de capas
e acessórios e de reparação de telemóveis e tablets perto de Chelas.
Henrique, que tinha um apreço especial por Direito Comercial, fica
agastado com a situação e resolve intentar uma providência cautelar para, de
imediato, encerrar a exploração da loja aberta por Rosa e o marido. Quid iuris?

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INSOLVÊNCIA

CASO N.º 10
A Praia e Campo, S.A. (PCSA) anda pelas ruas da amargura. Durante o passado
inverno, tendo em conta a sua atividade sazonal, decidiu investir os proveitos
obtidos no verão em ações do Banco Possível e Provavelmente Nacionalizado
(BPPN). Estas ações do BPPN, praticamente o único activo da PCSA,
desvalorizaram fortemente nos últimos meses, e a probabilidade de uma
recuperação está completamente afastada.

As dívidas, essas sim, acumulam-se: a vários fornecedores, a instituições de crédito


e ao Estado. Estes credores começam a perder a paciência e equacionam requerer a
declaração de insolvência da PCSA. Caso decidam avançar, em 2021, (i) um dos
sócios da PCSA invocaria um crédito por suprimentos efetuados, (ii) o Banco
Menos invocaria um crédito hipotecário, (iii) um fornecedor de tendas de
campismo invocaria um crédito relativo ao preço de bens alienados e (iv) a
Administração Tributária invocaria um crédito relativo ao Imposto Municipal
sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis devido pela aquisição da sede da
empresa, em 2017. (v) E o administrador da insolvência, a nomear pelo tribunal,
também quererá cobrar os respetivos honorários...

a) A PCSA pode ser considerada em situação de insolvência?


b) Em caso afirmativo, como seriam graduados os créditos sobre a massa
insolvente e sobre a insolvência?

CASO N.º 11
Há mais de seis meses que Telma e Luísa, gerentes da Rainha dos Frangos, Lda.
(RF) não promovem o pagamento de salários aos trabalhadores da empresa.
Sempre que estes se queixam, as duas amigas respondem que o Estado está bem
pior, uma vez que não entregam o Imposto sobre o Valor Acrescentado que têm

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liquidado há mais de um ano. A situação financeira, de facto, não é famosa. Como
ato desesperado, as duas gerentes negociaram em nome da RF um contrato de
abertura de crédito com o Banco Crédulo Português (BCP), para a compra de
frangos e venda dos mesmos, assados, a € 1/kg, no afamado restaurante.

a) A calma com que Telma e Luísa estão a lidar com a situação financeira da
RF será passível de censura, caso esta última venha a ser declarada
insolvente?
b) Caso a RF venha ser declarada insolvente em janeiro de 2022, será que a
sociedade Frango Gorducho, S.A. (FG) pode compensar um crédito sobre a
RF de que é titular, emergente do fornecimento de frangos durante o
primeiro semestre de 2021, com uma dívida decorrente do fornecimento de
almoços pela RF aos trabalhadores da FG, durante Setembro e Outubro de
2019? Ambos os créditos deveriam ser pagos nos 30 dias seguintes ao fim do
prazo do correspondente fornecimento.
c) Em caso de insolvência, o que sucede ao contrato de compra e venda
celebrado entre a RF (vendedora) e a Frango Imperial, S.A. (FI) relativo a
uma carrinha de distribuição? O contrato foi celebrado com reserva de
propriedade, mas a carrinha ainda não tinha sido entregue à FI, que, no
entanto, já pagara metade das prestações.
d) E o que sucede ao contrato de arrendamento, celebrado entre a RF e a
Fábrica de Miúdos e Miudezas, S.A. (FMM) por 10 anos, relativo a um
armazém de que é proprietária a RF, do qual consta uma cláusula
resolutiva, em caso de insolvência de uma das partes?
e) Por último, pronuncie-se sobre o seguinte acordo, celebrado entre a RF e a
Piripiri, Lda. (PP), em outubro de 2021: perante uma dívida de € 20.000,
decorrente do fornecimento de condimentos pela PP à RF, vencida em
agosto do mesmo ano, esta última comprometeu-se a pagar a quantia em
apreço em 20 prestações mensais, a partir de novembro de 2021, acrescida

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de uns simpáticos juros; para garantir o cumprimento, foi constituída
hipoteca sobre a sede da RF.

LETRAS E LIVRANÇAS

CASO N.º 12
Uma Sociedade contraiu um mútuo a 15 anos no valor de € 650.000,00 junto do
Banco Top, S.A. (“Banco”). O Banco decidiu exigir à Sociedade uma livrança em
branco, avalizada pelos sócios, cujo montante preencheria em caso de eventual
execução pelo montante em dívida.

Sucede que o Banco decidiu preencher a livrança apondo o montante de €


300.000,00 quando, na verdade, apenas estavam em dívida € 50.000,00, tendo
posteriormente endossado o título a favor de Heitor, com quem Frederico (sócio da
sociedade) estava de relações cortadas. Quid iuris?

CASO N.º 13
António sacou uma letra de câmbio aceite por Bernardo. Por seu turno, Carla
garantiu o aval da referida letra através de assinatura na face anterior da mesma e
com a expressão “bom para aval”, mas não indicando por quem se deu o referido
aval.

1) Suponha que Bernardo se recusa a pagar a letra invocando “problemas” na


relação subjacente. Quid iuris?

2) Se António transmitisse a letra a Fernando, poderia Bernardo invocar os


“problemas” derivados da relação subjacente?

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3) Suponha que António e Bernardo, deixando a letra em branco, celebraram um
acordo de preenchimento da mesma. Caso não haja cumprimento desse acordo de
preenchimento, pode Bernardo recusar o pagamento da letra?

4) Analise a posição de Carla no caso de Bernardo se recusar apagar a letra por ele
aceite.

CONTRATOS DE DISTRIBUIÇÃO

CASO N.º 14
Aníbal andou de farmácia em farmácia, na zona centro do país, durante 5 anos, a
promover a venda dos produtos cosméticos da prestigiada marca “Beauty for ever”,
da sociedade com o mesmo nome (BFE – Beauty for ever, S.A.). A rotina era
sempre a mesma, definida por um manual de procedimentos extremamente
detalhado, preparado pela BFE. De acordo com tal manual, distribuído a cada
distribuidor no início da sua colaboração com a BFE, os distribuidores deviam
limitar-se a explicar aos donos das farmácias as maravilhas operadas por cada um
dos produtos constantes do catálogo, o quão fácil é vendê-los a senhoras
descontentes com o peso da idade e o quão rentáveis são, dada a diferença entre o
preço de aquisição e o preço de venda ao público. Do manual constavam
instruções específicas quanto a encomendas e pagamentos: não podiam “aceitar”
encomendas ou pagamentos, mas apenas “transmitir” internamente os pedidos
dos clientes, a processar pelo departamento operacional. Do manual constavam
ainda regras claras quanto à apresentação: fato cinzento e gravata sóbria, sapatos
engraxados, cabelo curto e penteado, “sem modernices”; não podiam usar brincos,
piercings ou outros adereços que desvirtuassem a imagem que se pretendia sóbria.
Deviam apresentar-se com um cartão de visita da empresa e não podiam usar, nos
seus contactos com os clientes, outro endereço de e-mail que não o da empresa.

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Do contrato assinado por Aníbal em 2016 constava (i) um prazo de 2 anos; (ii) um
direito de exclusivo na zona centro do país, (iii) que a sua remuneração se
resumiria à comissão de 7,5% do preço de cada produto vendido pela BFE às
farmácias contactadas por Aníbal, incluindo esta comissão a compensação pela
clientela criada pelo que, findo o contrato, nada mais terá a haver da BFE; e (iv)
uma obrigação de não concorrência por um prazo de 5 anos após a cessação do
contrato.

Em janeiro de 2019, Aníbal conheceu Carlota que tem a mania que é rebelde e
rapidamente fez dele “gato-sapato” e, em fevereiro, fez várias tatuagens e adotou
um penteado “radical” para demonstrar que estava à altura do desafio. Os donos
das farmácias com quem contactava diariamente começaram a olhá-lo com
desconfiança.

Entretanto, Carlota convenceu Aníbal a promover junto das farmácias, juntamente


com os produtos da BFE, umas “ervas medicinais”, por si plantadas, que, segundo
a mesma, sendo misturadas com chá, produziam um efeito rejuvenescedor
imediato. Alguns farmacêuticos compraram as ervas que rapidamente
demonstraram ser um sucesso entre as senhoras de idade que, diziam, as faziam
sentir mais jovens do que algum dia foram. Descobriu-se em junho que, entre tais
ervas, havia canabis com fartura...

1. Em julho de 2019, a BFE escreveu a Aníbal, pondo fim imediato ao contrato.


Aníbal, incrédulo, disse que a BFE não tinha fundamento para isso: queria
continuar a trabalhar e a receber as comissões a que tinha direito.

2. Segundo Aníbal, mesmo que o contrato ficasse sem efeito, ele teria de ser
compensado pela clientela que criou. Afinal de contas, a BFE continuaria a
receber os proveitos do seu trabalho por muitos e bons anos: as farmácias
que ele “mimou” ao longo de anos continuariam a fazer encomendas sobre
encomendas...

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3. O advogado de Aníbal sustentou ainda que este deveria reclamar à BFE a
comissão contratualmente prevista por cada produto vendido por esta às
farmácias do centro do país através da loja online criada em 2013.

4. Em agosto de 2019, a BFE reclamou um pagamento em atraso à Deolinda


Farmácia da Mouraria, Lda. Esta afirmou que já pagou a Aníbal em maio
desse ano, pelo que nada deve à BFE.

5. Na sua carta de resposta, a Deolinda Farmácia da Mouraria, Lda. reclamou


ainda uma compensação pelo facto de a BFE não ter entregado os produtos
por si encomendados 4 meses antes e que Aníbal garantiu que seriam
entregues no mês seguinte.

6. Entretanto, em setembro de 2019, Aníbal decidiu montar o seu próprio


negócio, aproveitando um contacto da ECB - Empresa Cosmética Brasileira,
S.A. que queria introduzir os seus produtos no mercado português,
aproveitando os contactos que Aníbal tinha nas farmácias do centro do país.
Para o efeito, Aníbal deveria comprar os produtos à ECB e depois revendê-
los pelas farmácias. Usaria para o efeito as marcas, os materiais publicitários
e as amostras da ECB. Aníbal não sabia se podia: lembra-se de uma
qualquer obrigação de não concorrência no contrato com a BFE e ligou ao
seu advogado a perguntar.

7. As coisas correram bem entre a ECB e Aníbal durante pouco mais de um


ano. No final de outubro passado, a ECB enviou uma carta a Aníbal
denunciando o contrato com uma antecedência de 10 dias. Aníbal está
novamente incrédulo: fez investimentos avultadíssimos na promoção dos
produtos da ECB e na constituição de stocks, de acordo com o plano de
negócios desenhado em conjunto com a ECB.

8. Carlota, quando percebeu que Aníbal não teria onde cair morto, logo o
trocou por Fausto, jovem empresário de sucesso que pretende abrir um

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restaurante igualzinho aos H4 que estão já espalhados por Lisboa e não sabe
que contrato deve celebrar para o efeito.

CONTRATOS DE ORGANIZAÇÃO

CASO N.º 15
João Baralhado (JB) é um famoso investidor da Banca Portuguesa e fundador de
uma instituição mui especial sem fins lucrativos, designada Fundação “Moi-
même” (FMM). Em janeiro, a FMM decidiu construir um magnífico pavilhão de
exposição de arte bizantina para dar a conhecer a coleção pessoal do seu fundador
tendo vindo a adjudicar a obra a “CCC – Consórcio Constrói e Cai”.
O CCC é composto pelas sociedades Cimentos Forte, Lda., Pedra e Cal, S.A.,
Edifica, S.A. e pelo próprio JB. No contrato de consórcio, entre outros aspetos,
vinha estipulado o seguinte:
«1 –As partes procederão, em comum, à construção do pavilhão, ficando cada uma
delas responsável pelas seguintes tarefas:
a) à Cimentos Forte, Lda., caberá a construção de toda a estrutura do edifício,
orçamentada em € 1.500.000,00;
b) à Pedra e Cal, S.A. caberá a realização de todos os trabalhos de alvenaria,
orçamentados em € 1.000.000,00;
c) a Edifica, S.A. procederá à cobertura do telhado, à montagem de equipamentos, e
à finalização da obra, trabalhos orçamentados em € 500.000,00;
d) ao consorciado JB caberá contribuir com dinheiro equivalente a 10% do valor
total da empreitada que constituirá um fundo de maneio próprio do consórcio.
2 – Fica designado o consorciado JB como “Chefe do Consórcio”.
3 – As partes conferem os necessários poderes ao Chefe do Consórcio para em seu
nome e representação realizar todos os atos materiais e jurídicos necessários ou
convenientes ao desenvolvimento do Projeto, incluindo a negociação do contrato de
empreitada, a sua celebração e eventual modificação.

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4 – O preço da empreitada, no valor global de € 3.000.000,00, será dividido do
seguinte modo: 75% para as sociedades construtores, na proporção da sua
participação no empreendimento; 25% para o JB. Os custos serão suportados na
mesma proporção.»

O contrato de empreitada foi outorgado em 25 de Janeiro de 2021 pela Fundação e


pelo JB, tendo sido estipulado um prazo de 6 meses para a conclusão da obra. Em
caso de atraso, ficou estipulada uma cláusula penal equivalente a € 2.500,00/dia.
Para a construção da estrutura do edifício, a Cimentos Forte, Lda. subcontratou a
Moreira e Carvalho, Lda.. O preço do contrato de subempreitada nunca foi pago.
Durante a obra, morreu um trabalhador da Pedra e Cal, S.A. num acidente de
trabalho grave, cuja causa parece estar associada à violação de normas básicas de
segurança.
1 – Como qualifica o contrato celebrado entre Cimentos Forte, Lda., Pedra e
Cal, S.A., Edifica, S.A. e JB? Quais as partes do contrato de empreitada celebrado
entre a FMM e o CCC?
2 – A sociedade Moreira e Carvalho, Lda. moveu uma acção de
responsabilidade civil contratual contra JB exigindo-lhe o pagamento dos valores
acordados com Cimentos Forte, Lda. entendendo que, tratando-se de uma
subempreitada para a realização de uma obra do CCC, os membros do consórcio
seriam solidariamente responsáveis pelas obrigações assumidas. Os familiares do
trabalhador da Pedra e Cal, S.A. que morreu na obra seguiram-lhe o exemplo. Quid
juris?
3 – Oito meses após o início da obra, o pavilhão não estava ainda concluído
mas o preço da empreitada já estava todo pago. Poderia a FMM exigir à Pedra e Cal,
S.A. a totalidade do valor devido a cláusula penal?
4 – Estava a administração da Pedra e Cal, S.A. a discutir com a FMM o
diferendo supra referido, quando a FMM recebeu uma comunicação da Cimentos
Forte, Lda. solicitando o pagamento de € 1.500.000,00 devidos pela construção da

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estrutura, conforme o descrito no orçamento de obra. A FMM respondeu dizendo
que já tinha pago a totalidade do empreendimento ao JP e que, sendo este Chefe do
Consórcio, só ele podia solicitar algum eventual valor em falta. Quid juris?
5 – Tendo em conta a conduta da Cimentos Forte, Lda. e a forte suspeita de
que a morte do trabalhador da Pedra e Cal, S.A. se ficou a dever pela violação, pela
parte desta, dos mais elementares deveres de segurança, a Edifica, S.A. pretende
abandonar o consórcio e ainda ser ressarcido pelos danos causados à sua imagem e
bom nome, causados pelo facto de ser conhecido no mercado a sua pretença ao
CCC e, logo, a sua participação em tão nefasto empreendimento... Quid iuris?

GARANTIAS BANCÁRIAS

CASO N.º 16
Augusto já é uma lenda das armas para utilização recreativa. Através da sua
sociedade, a “Esmaga o Elfo Branquinho, S.A.” (“EEB”), inundou o mercado com
armas mais sofisticadas e mais baratas que as dos concorrentes – as MRD e as
“Complexo do Alemão” -, ao ponto de os levar à falência e ficar numa posição de
domínio absoluto, no mercado nacional. Mas o céu é o limite, para este jovem ex-
estudante de Direito: quer atacar outros mercados. A primeira encomenda foi
recebida com júbilo: um cliente russo – Alexei - encomendou 20.000 caçadeiras de
canos serrados para fins recreativos, permitindo à EEB faturar € 400.000. Como a
EEB precisava da liquidez para comprar as matérias-primas, convenceu Alexei a
pagar antecipadamente metade do preço. Mas o comprador, assessorado por um
jurista português, exigiu à EEB que obtivesse uma garantia emitida por um banco
português. A EEB contactou então o Banco de Exportação Nacional, S.A. (“BEN”),
que emitiu em 2 de novembro de 2020 uma carta dirigida a Alexei com o seguinte
teor:

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“O BEN vem por este meio e por ordem da EEB, prestar irrevogável e
incondicionalmente a Alexei uma garantia bancária destinada a caucionar o
cumprimento de todas as obrigações assumidas pela EEB ao abrigo do contrato
de compra e venda de 20.000 caçadeiras para fins recreativos, nomeadamente a
obrigação de entrega das caçadeiras e a obrigação de devolução do
adiantamento dos € 200.000, declarando renunciar a todos os meios de defesa
próprios ou que possam competir à EEB e que de algum modo possam obstar à
execução total ou parcial da garantia (…). O BEN não poderá recusar, sob
qualquer alegação, o pagamento de qualquer quantia reclamada por Alexei ao
abrigo desta garantia, designadamente que não se encontra demonstrado o
incumprimento total ou parcial por parte de EEB”.

1. Considere as duas hipóteses alternativas:


a. Em 20 de Novembro de 2020, o BEN foi contactado por Verónica, que
apareceu munida de um contrato de cessão de “todas as posições ativas
decorrentes da garantia bancária”, celebrado com Alexei. Verónica exige
ao BEN o pagamento de € 200.000, porque as armas chegaram
danificadas a Moscovo.
b. Em 10 de Novembro de 2020, apenas 1 dia após a saída dos camiões TIR
com as armas de Portugal, Alexei exigiu ao BEN o pagamento dos €
200.000, correspondentes ao adiantamento. O BEN questionou Alexei
sobre o motivo do acionamento da garantia, mas recebeu como resposta
um seco “não podem recusar, sob qualquer alegação, o pagamento de qualquer
quantia reclamada por Alexei ao abrigo desta garantia”!
2. Distinga a garantia bancária autónoma da fiança ao primeiro pedido.

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