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Compra e venda
Caso 1
A, residente em Coimbra, vendeu a B, amigo de infância a viver em Estremoz, por
telemóvel, no início do mês, o seu smoking guardado na sua casa de férias, na Ericeira. Ficou
combinado que o preço seria pago no fim do mês, depois de B receber o seu ordenado.
Classificação do contrato celebrado entre A e B como um contrato de compra e venda, que,
segundo o art. 874.º do CC, é aquele em que se transmite a propriedade de coisa ou de direito,
mediante o pagamento de um preço. Predomina em Portugal o sistema do título, pelo que tem
particular relevância o acordo de vontade entre as partes, sendo que é esse que provoca todos os
efeitos da compra e venda (obriga à entrega da coisa, ao pagamento do preço e opera a transferência
da propriedade), nada sendo necessário além do consenso.
O contrato de compra e venda tem dois elementos essenciais: 1) a transferência da
propriedade de coisa ou de direito; 2) e o pagamento de um preço. Produzem-se três efeitos
essenciais: 1) a transferência da titularidade de um direito, que é um efeito real [art. 879.º, a) do CC];
2) a obrigação de pagamento do preço por parte do comprador, efeito obrigacional [art. 879.º, c) do
CC]; 3) e a obrigação que o vendedor tem de entregar a coisa vendida, também efeito obrigacional
[art. 879.º, b) do CC].
O contrato de compra e venda insere-se, ainda, nas modalidades de contrato quoad effectum
(arts. 408.º e 409.º do CC) - dando-se a transferência dos direitos reais por mero efeito do contrato; de
contrato sinalagmático - visto que as obrigações do vendedor e do comprador constituem-se tendo
cada uma a sua causa na outra (o sinalagma pode ser genético, se, no momento de celebração do
contrato, as partes definiram que vão entregar x e receber y; ou pode ser funcional, prolongando-se no
tempo e as partes vão sucessivamente dando e recebendo, permanecendo as partes interligadas na fase
de execução do contrato); e de contrato oneroso, porque existe uma contrapartida pecuniária em
relação a transmissão dos bens (art. 237.º do CC é relevante para efeitos de distinção entre contrato
oneroso e contrato gratuito, sendo que, no primeiro, existe um sacrifício económico para ambas as
partes).
Quanto à forma, não existiu qualquer problema, visto que está em causa a compra e venda de
um bem móvel, a qual, segundo o art. 219.º do CC (por oposição ao art. 875.º do CC), poderia ter sido
convencionada por telemóvel.
Analise, de forma autónoma das demais, cada uma das seguintes situações:
a) B recebe o smoking em casa uma semana depois.
1. interpelado para pagar, B diz que não tem o dever de o fazer, quer por não ser o fim
do mês, quer ainda, sobretudo, porque não foi fixado preço algum, motivo pelo qual nada é
devido. Terá razão?
Existem dois problemas nesta hipótese: 1) a obrigação de pagamento do preço, afastada por
B; 2) a não fixação do preço.
1) Obrigação de pagamento do preço: art. 875.º, c) do CC. Momento de pagamento do preço: o
art. 885.º/ 1 do CC determina que o preço seja pago no momento da entrega da coisa (em
detrimento do art. 777.º do CC, que é afastado por ser regime geral). Ainda assim, o art. 885.º/
2 do CC permite que as partes estipulem no sentido de o preço não ser pago no momento da
entrega do smoking. Por isso, B não tem de pagar o preço a que se comprometeu, visto que
acordou com A que só pagaria no final do mês. Há benefício do prazo estabelecido a favor do
devedor: art. 779.º do CC (a obrigação não pode ser exigida pelo credor até ao fim do prazo
estabelecido - o comprador pode renunciar a prazo e pagar antes e, se o credor não aceitar,
entra em mora).
2) O argumento utilizado por B (por não ter sido fixado preço, nada é devido) não é
necessariamente verdadeiro. Critérios tendentes à determinação do preço caso as partes não o
façam: art. 883.º do CC (em primeiro, está o preço fixado por entidade pública; depois,
recorre-se ao preço normalmente praticado pelo vendedor à data da conclusão do contrato, ao
preço do mercado ou bolsa no momento do contrato e no lugar em que o comprador deve
cumprir, ou ao tribunal - que decidirá segundo juízos de equidade).
Importa o art. 239.º do CC, que refere que, na falta de disposição especial, a declaração deve
ser interpretada em harmonia com a vontade que as partes teriam se houvessem previsto o
ponto omisso, ou de acordo com os ditames da boa fé.
Os botões, sendo parte integrante do smoking, deveriam ter sido entregues com o mesmo.
A questão do certificado é mais difícil: o objeto da compra foi o smoking, e não é necessário o
certificado para o utilizar (como seria, por exemplo, um livrete de um carro). PIRES DE LIMA e
ANTUNES VARELA vêm dizer que a entre dos documentos justifica-se pelo facto de colocar o
comprador em condições de fruir plenamente do seu direito (podendo conceber-se a ideia de que B
iria querer o certificado). Além disso, os documentos a que se referem os arts. 882.º/ 2 e 3 do CC
incluem, como defendem, os certificados de origem.
b) Onde deve ser pago o preço? E onde deve ser entregue o smoking?
Obrigação de entrega por parte do vendedor: sujeita às regras gerais quanto ao lugar do
cumprimento (art. 772.º do CC). Nesta hipótese, por se tratar de coisa móvel, aplicar-se-ia o art. 773.º/
1 do CC, devendo smoking ser entregue no lugar onde se encontrava ao tempo da conclusão do
negócio, que seria a casa da Ericeira.
O lugar para pagamento do preço seria Coimbra, segundo o art. 885.º/2 do CC (domicílio que
o credor tiver ao tempo do cumprimento).
c) A e B acordam 600 euros pelo smoking. Contudo, ao verificar que o smoking estava
com alguma sujidade, A mandou limpá-lo numa lavandaria, gastando 25 euros. Pretende agora,
que B lhe pague, afinal 625 euros. Quid iuris?
À partida, A não tem razão, apenas podendo exigir o inicialmente acordado.
- art. 878.º do CC (pensado para despesas de escritura ou de transporte): confirma que
as despesas do contrato e outras acessórias ficam a cargo do comprador; porém,
PEDRO DE ALBUQUERQUE e MENEZES LEITÃO distinguem as despesas do
contrato (despesas ou encargos com a celebração do contrato) das despesas acessórias
(despesas fiscais respetivas à transmissão).
Esta despesa é inerente à guarda (dever de custódia), que pertence a A, uma vez que não
tinha, ainda, entregue o smoking.
Acrescenta-se, também, que B não pediu (e não havia obrigação) para limpar o smoking,
tendo sido no âmbito do vendedor que foi feita a limpeza.
- art. 882.º/ 1 do CC: o smoking poderia ser entregue conforme estava, desde que não
estivesse mais sujo do que estava na altura da venda, pois violaria o dever de custódia
e de conservação;
- art. 799.º do CC: se a coisa fosse entregue suja, o vendedor tinha de provar que não
teve culpa (presunção de culpa); havia, ainda, a obrigação de informar o comprador.
Caso 2
Ambrósio vende a Bento o seu relógio Patek, ficando acordado que o preço seria afixado
pelo arbítrio de Célio, avô de Ambrósio e anterior proprietário do Patek.
Célio pretende que o relógio continue a pertencer ao espólio familiar, assim indica que o
preço devido é de 100 mil euros (dez vezes superior ao valor de mercado do bem).
Quid iuris?
Entre Ambrósio e Bento foi celebrado um contrato de compra e venda, o que, nos termos do
art. 874.º do CC, corresponde ao contrato pelo qual se transmite a propriedade de uma coisa ou de
direito (neste caso, seria de uma coisa - o relógio Patek de A), mediante o pagamento de um preço
(obrigação esta do comprador, que é B).
O contrato de compra e venda tem dois elementos essenciais: 1) a transferência da
propriedade de coisa ou de direito; 2) e o pagamento de um preço. Produzem-se três efeitos
essenciais: 1) a transferência da titularidade de um direito, que é um efeito real [art. 879.º, a) do CC];
2) a obrigação de pagamento do preço por parte do comprador, efeito obrigacional [art. 879.º, c) do
CC]; 3) e a obrigação que o vendedor tem de entregar a coisa vendida, também efeito obrigacional
[art. 879.º, b) do CC].
O contrato de compra e venda insere-se, ainda, nas modalidades de contrato quoad effectum
(arts. 408.º e 409.º do CC) - dando-se a transferência dos direitos reais por mero efeito do contrato; de
contrato sinalagmático - visto que as obrigações do vendedor e do comprador constituem-se tendo
cada uma a sua causa na outra (o sinalagma pode ser genético, se, no momento de celebração do
contrato, as partes definiram que vão entregar x e receber y; ou pode ser funcional, prolongando-se no
tempo e as partes vão sucessivamente dando e recebendo, permanecendo as partes interligadas na fase
de execução do contrato); e de contrato oneroso, porque existe uma contrapartida pecuniária em
relação a transmissão dos bens (art. 237.º do CC é relevante para efeitos de distinção entre contrato
oneroso e contrato gratuito, sendo que, no primeiro, existe um sacrifício económico para ambas as
partes).
No que respeita à forma (art. 875.º do CC), tratando-se de coisa móvel, não seria necessária
qualquer formalidade para convencionar a compra e venda, pelo que se aplica o art. 219.º do CC
respeitante à liberdade de forma.
O problema desta hipótese incide sobre o dever de pagamento do preço, que é um dos efeitos
essenciais da compra e venda, de acordo com o art. 879.º, c) do CC, - mais concretamente sobre a
determinação do preço.
Pode acontecer que as partes, num contrato de compra e venda, não estipulem um preço nem
um critério de determinação desse preço: quando isso aconteça, deve atender-se ao disposto no art.
883.º do CC, onde se fixam os critérios tendentes à determinação do preço quando não tenha sido
convencionado pelos contraentes.
Há, todavia, a possibilidade de os contraentes, não estipulando o preço, preferirem que a sua
determinação seja logo confiada a uma ou outra das partes, ou a terceiro (art. 400.º do CC). Foi o que
aconteceu neste caso, sendo que foi confiada a Célio a determinação do preço do relógio. Ou seja,
foram estipulados os critérios de determinação da prestação, tendo o preço de ser apurado por terceiro,
que é chamado a intervir em conformidade com esses critérios. Se não houver critérios pactuados, a
prestação deve ser determinada segundo critérios de equidade, como dispõe o art. 400.º/ 1, 2.ª parte do
CC. A tarefa do terceiro nomeado para fixar o preço consiste em complementar a vontade negocial
dos intervenientes (não em formular qualquer juízo ou vontade própria e autónoma que não decorra
do programa contratual gizado). Ou seja, existindo critérios fixados pelas partes, o terceiro não tem
qualquer escolha entre várias possibilidades - mesmo nos casos em que o terceiro decide segundo a
equidade. Se esta determinação não puder ser feita ou não tiver sido feita no tempo devido, sê-lo-á
pelo tribunal (sem prejuízo do disposto no art. 400.º/ 2 do CC). O próprio art. 400.º estabelece um
critério: se não houver critérios estabelecidos pelas partes, deve seguir-se a equidade.
O terceiro não tem um direito a determinar o preço, por isso não há abuso de direito. O que há
é o exercício de uma posição jurídica.
É problemática a questão que consiste em saber qual a solução a dar quando o terceiro
proceda à determinação do preço de forma incorreta (ou porque o fez de forma iníqua - parece ser o
caso de Célio -, ou por não ter observado os critérios estabelecidos pelas partes para o efeito). Não
tendo sido disciplinados critérios pelas partes, a saída será pela aplicação das regras relativas à
interpretação complementadora (integração dos negócios jurídicos). Tendo o terceiro agido de má fé,
o tribunal pode intervir na determinação do preço (art. 883.º/ 1 do CC).
Aqui, o preço foi determinado mas não seguiu os critérios da equidade.
PEDRO DE ALBUQUERQUE defende a aplicação direta (e não analógica) do art. 400.º/ 2,
que estabelece remédios para as patologias na determinação do preço ou na sua determinação.
Conclui-se que este ato de determinação seria avaliado pelo tribunal, de acordo com o juízo de
equidade (o que não seria um valor muito distante do valor de mercado).
Caso 3
No início do mês, Anacleto vende a Bento o seu apartamento e automóvel. Ficou
acordado que a entrega seria realizada na semana seguinte e o pagamento do preço no fim do
mês.
O contrato celebrado entre Anacleto e Bento é um contrato de compra e venda, que, nos
termos do art. 874.º do CC, é aquele em que se transmite a propriedade de uma coisa ou direito,
mediante o pagamento de um preço.
entregar as chaves do imóvel e do automóvel, visto que, sem elas, Bento não consegue aceder aos
objetos comprados.
Por sua vez, Bento deve proceder ao pagamento da coisa, nos termos do art. 879.º, c) do CC,
já que é sua obrigação. O art. 885.º/ 1 refere-se ao momento do pagamento do preço como o momento
da entrega da coisa. Mas o art. 885.º/ 2 permite que as partes estipulem no sentido de o preço não ser
pago no momento da entrega: neste caso, como houve prazo estabelecido pelas partes - final do mês -,
é nessa altura que B deve proceder ao pagamento.
Há uma declaração de incumprimento definitivo (art. 808.º): a doutrina tem entendido que há
uma remissão para o art. 801.º/ 2.
Como a entrega já foi realizada, a consequência será ação de cumprimento e o pagamento de
juros moratórios.
Caso 4
No dia 1 de setembro de 2020, Ana, residente em Lisboa, compra a Beatriz, residente no
Porto, uma guitarra portuguesa que pertencera à Amália Rodrigues, por 5 mil euros.
Entre Ana e Beatriz foi celebrado um contrato de compra e venda, nos termos do art. 874.º do
CC: contrato através do qual se transmitiria a propriedade da guitarra, mediante o pagamento de um
preço. Os efeitos essenciais deste contrato são os que residem no art- 879.º, e, portanto, a transmissão
a. Suponha que as partes acordaram a entrega da coisa até ao fim do mês, já que Beatriz
pretendia colocar a peça em exposição, num museu, por 15 dias. A sua resposta seria
diferente?
A entrega da coisa constitui um dos efeitos essenciais da compra e venda, nos termos do art.
879.º, b) do CC, sendo um efeito obrigacional, que parte do vendedor. Isto é, antes do ato de entrega
não é proprietário, não a podendo alienar, mas podendo usar dela, tendo uma expectativa real de
aquisição da coisa.
No que respeita à forma, como o contrato de compra e venda com reserva de propriedade está
sujeito às mesmas formalidades que o contrato no qual se insere - contrato de compra e venda -, e
estando em apreço a venda de um bem imóvel, esta poderia ter sido convencionada de qualquer
forma, ao abrigo do princípio da liberdade de forma, contido no art. 219.º do CC (em detrimento do
art. 875.º do CC). Contudo, quando o comprador seja insolvente, é imposta a forma escrita para que
possa ser oponível (art. 104.º/ 4 do CIRE); e, para que seja oponível a terceiros, tanto na compra e
venda de bens móveis como na de imóveis, ela tem de obedecer às regras de registo a que os bens se
encontram sujeitos (art. 409.º/ 2 do CC).
A cláusula de reserva de propriedade deve ser estipulada no âmbito do contrato de compra e
venda, não podendo vir a ser nele inserido posteriormente, dado que a propriedade já se transferiu, aí,
para o comprador.
O ponto, nesta hipótese, é que Anacleto contraiu um empréstimo para efetuar o pagamento ao
stand: ficou acordado que a propriedade não se transmitia com o pagamento do preço, mas ao
pagamento do contrato de mútuo. A propriedade não deixa de se restituir com o pagamento dos juros.
Não existe uma condição, neste caso. Há indícios de que não se está perante uma condição
suspensiva (não é retroativa, nem segue o regime do risco do art. 796.º - quem suporta o risco é o
vendedor): aqui, só está paralisado o efeito translativo - o efeito real. O pagamento de juros não é um
evento futuro e incerto, é antes uma obrigação do comprador: um dos efeitos essenciais do contrato de
compra e venda, que tem de se verificar e que, se não for cumprida, está-se perante uma situação de
incumprimento.
Admissibilidade da reserva da restituição do capital em dívida? Pergunta-se se os termos
acordados são admissíveis: se o comprador já pagou o preço com o capital que recebeu, como é que o
pode o vendedor resolver o contrato? Havendo uma união interna de contratos (os contratos estão
funcionalmente ligados, porque o contrato de mútuo foi celebrado para pagar o preço do contrato de
compra e venda), é o que dá a possibilidade ao vendedor de resolver o contrato. Havendo dois
contratos autónomos, não podia o vendedor invocar o contrato de mútuo para resolver o contrato de
compra e venda.
Imaginado um bem móvel não sujeito a risco. Numa situação de insolvência, aplica-se esta
norma? art. 104.º/ 5 do CIRE Esta é uma norma excecional, não suscetível de analogia.
a. Se o bem vendido fosse uma joia preciosa, ao invés de um veículo a motor, a sua
resposta permanecia a mesma?
O art. 409.º/ 2 é claro ao referir que, no caso de bens imóveis ou de bens móveis sujeitos a
registo, só a cláusula constante do registo é oponível a terceiros. Por isso, coloca-se a questão de saber
se, em bens móveis não registáveis, como é uma jóia, existe oponibilidade a terceiros da reserva de
propriedade. O contrato não exige nenhuma forma, mas para ser oponível é necessário que tenha sido
reduzido a escrito.
Na resposta, surgem divergências na doutrina:
- A maioria da doutrina, onde se insere PEDRO DE ALBUQUERQUE, defende que a reserva
poderá ser normalmente oposta a terceiros de boa fé (visto que a lei não exclui a estipulação
de reserva de propriedade quanto a esse tipo de bens). Só se exige a publicidade da reserva de
propriedade, assim, no caso de bens sujeitos a registo. Noutros casos não será exigida
qualquer possibilidade para se opor a reserva a terceiro. Além disso, os direitos reais são
direitos erga omnes.
- Por outro lado, ROMANO MARTINEZ sustenta a inoponibilidade da cláusula de reserva de
propriedade a terceiros de boa fé, na hipótese de vir a ser celebrada relativamente a bens
móveis sujeitos a registo. O autor refere que, embora a reserva de propriedade possa diferir -
por acordo das partes - a transmissão da propriedade para o momento integral do preço, a
função do acordo não é a de permitir ao vendedor a continuação do gozo sobre esse bem, uma
vez que o mesmo é entregue ao comprador para que ele, sim, possa gozar. O objetivo é apenas
o de defender o vendedor de eventuais consequências do incumprimento do comprador. Outro
argumento utilizado é o da relatividade dos contratos (art. 406.º/ 2). O argumento do art.
435.º/ 1 não procede, porque o comprador não pode transmitir direitos que não tem.
Conclui-se pela oponibilidade da cláusula de reserva de propriedade nos bens móveis não
sujeitos a registo.
3. Após receber as chaves da viatura, Anacleto envia uma carta ao stand, onde diz
recusar-se a pagar o preço devido. Pode a Sociedade em questão resolver o contrato e exigir o
pagamento do preço?
À partida, a cláusula de reserva de propriedade é um meio de defesa do vendedor, que, em
caso de incumprimento por parte do vendedor, pode defender a sua posição, conservando para si a
coisa objeto do contrato de compra e venda. Mas, neste caso, o comprador - Anacleto - já tinha
recebido a chaves da viatura, o que funciona como uma traditio simbólica (entrega efetiva da coisa).
Anacleto encontra-se em incumprimento, pois que estava obrigado a pagar. De qualquer
modo, embora tenha havido entrega da coisa, pela cláusula de reserva da propriedade entende-se que
o automóvel ainda é propriedade do vendedor. Nestas situações, o vendedor tem a possibilidade de
resolver o contrato, nos termos do art. 801.º/ 2 do CC (dado que a exclusão deste direito pelo art. 886.º
só se verifica se tiver ocorrido a transmissão da propriedade da coisa).
Importa, contudo, referir que, a jurisprudência e a doutrina maioritária definiram que, se se
tem uma declaração séria e consciente de que não se vai cumprir, há incumprimento definitivo, o que
permite resolver o contrato ao abrigo do art. 886.º.
É impossível exigir o pagamento do preço simultaneamente pedindo a resolução do contrato
(está a querer-se simultaneamente o incumprimento e o cumprimento do contrato). O que se pode
fazer é intentar uma ação de cumprimento (PEDRO DE ALBUQUERQUE). É possível exigir o
cumprimento e, mais tarde, o vendedor resolver o contrato se não conseguir que o comprador cumpra
a sua obrigação.
O art. 886.º deve ser lido em conformidade com o regime geral (porque, apesar de não
impedir, não deixa de ser necessário seguir as regras gerais).
4. Passado um mês, devido a uma forte tempestade, cai uma árvore em cima do carro,
ficando este completamente destruído. Anacleto entende que não deve suportar na sua esfera
jurídica o perecimento da coisa e recusa-se a cumprir as obrigações assumidas.
Já está patente, agora, um problema de risco, que se prende com saber quem suporta o risco
do perecimento do veículo.
Na venda com reserva de propriedade, tem vindo a ser sustentado que o vendedor continuaria
a suportar o risco pela perda ou deterioração da coisa (até porque é ele que detém a propriedade, em
princípio), ainda que a coisa tivesse já sido entregue ao comprador.
No entanto, MENEZES LEITÃO defende que esta solução é inaceitável, visto que, a partir da
entrega, o comprador já fica investido nos poderes de uso e de fruição da coisa, servindo a
manutenção da propriedade no vendedor apenas para assegurar a recuperação do bem, caso não exista
pagamento do preço. Ora, devendo o risco correr por conta de quem beneficia do direito, parece-lhe
claro que, a partir da entrega, é por conta do comprador que o risco deve correr, não ficando este
exonerado do pagamento do preço em caso de perda ou deterioração fortuita da coisa.
Se se vier a observar a perda ou deterioração da coisa em resultado de um dano culposamente
causado por terceiro, já é manifesto que não pode o vendedor reclamar a totalidade da indemnização,
uma vez que, enquanto conservar o crédito do preço, o património do vendedor não sofre qualquer
diminuição.
PEDRO DE ALBUQUERQUE tem uma ideia de repartição de risco: o comprador continua
obrigado ao pagamento do preço e o vendedor perde a garantia. Não é aplicável o art. 796.º/ 3, porque
não está este contrato sujeito a uma condição.
O art. 796.º refere ‘’transferência do domínio’’: PEDRO DE ALBUQUERQUE refere que o
legislador pretendeu abster-se das qualificações relativas à natureza da reserva de propriedade. É
aplicável, no caso, o art. 796.º/ 1: não é o comprador que suporta exclusivamente o risco do
perecimento da coisa, mas continua obrigado ao pagamento do preço.
propriedade, há expectativa real de aquisição do comprador, o que significa que qualquer leitura que
estenda o âmbito do art. 409.º não será de admitir.
6. Imagine que o automóvel não foi entregue a Anacleto e que o stand decide vender e
entregar a viatura a Carlos. Pode Anacleto reivindicar o automóvel?
Ora, estando em causa um contrato de compra e venda com reserva de propriedade, tal
significa que a propriedade ainda pertence ao vendedor, até existir o cumprimento total ou parcial das
obrigações (neste caso, do pagamento por Anacleto). Se a coisa - veículo - não foi entregue, não
houve tradição da coisa.
É de indagar se não está, aqui, à luz do art. 892.º do CC, uma venda de bens alheios. Nesta
hipótese, não poderia o vendedor (stand) opor ao comprador de boa fé a nulidade do negócio. O
negócio seria nulo. Embora o art. 892.º não mencione a distinção entre a venda de bens alheios
imóveis, móveis sujeitos a registo ou bens móveis não sujeitos a registo, não poderia haver
inoponibilidade da reserva de propriedade (art. 1301.º do CC). PEDRO DE ALBUQUERQUE refere
que deve ser aplicado o regime da compra e venda de bem alheio: o vendedor não mantém o direito de
dispor a coisa livremente (pode alienar, mas não pode alienar como se fosse propriedade plena). Não
tendo o direito de disposição (art. 892.º), ele carece de legitimidade para realizar a venda, pois existe
na esfera jurídica do comprador uma expectativa real de aquisição.
O beneficiário da reserva (Anacleto) pode exigir o bem, podendo, contudo, ter de restituir o
preço pago por terceiro (Carlos), tendo o direito de regresso perante o alienante (stand).
Seria possível a ação de reivindicação (art. 1311.º e art. 1315.º).
a. Ao tomar conhecimento da situação, Anacleto entende que o stand não foi honesto
consigo. Decidiu, assim, vender o veículo a Carros Velozes Lda. (concorrente de Carros
Novos), que agora o pretende reivindicar a Carlos.
PEDRO DE ALBUQUERQUE defende que, uma vez que, na compra e venda com reserva de
propriedade, o vendedor mantém a propriedade da coisa, a reserva de propriedade não afeta nenhum
direito adquirido por terceiro, dado o comprador, por não ser proprietário, não poder transmitir ou
alienar mais do que os próprios direitos de que é titular.
Aplica-se o regime da venda de bens alheios: o comprador não é proprietário, mas tem uma
expectativa real de aquisição. Se o comprador restituir o capital em dívida e fizer o pagamento de
juros remuneratórios (há venda de bem alheio, depois o cumprimento da obrigação), há convalidação
do contrato (art. 895.º). Se o vendedor adquirir a propriedade, o contrato entre Anacleto e Carros
Velozes, Lda. convalida-se.
Pergunta-se por que razão são bens futuros e não frutos pendentes: ao que se responde que o
objeto do negócio não é a alface ligada materialmente à terra com carácter de permanência. A
diferença entre a venda de frutos pendentes e a venda de bens futuros reside no facto de a
transferência da propriedade se dar em momentos diferentes: na venda de coisa futura, a transferência
dá-se com a aquisição pelo alienante da coisa; na venda de frutos pendentes, a transferência dá-se com
a respetiva colheita ou separação (art. 408.º/ 2 do CC). As alfaces ainda não existiam, por isso a
propriedade só se transmite com a colheita.
a) Porém, no mês de abril, em razão do mau tempo prolongado, Aníbal apenas produziu
700 kg de alface. Apesar disso, Aníbal exige de Beatriz o pagamento dos mil euros relativos
aquele mês. Quid iuris?
Segundo o art. 880.º/ 1, o vendedor - Aníbal - está obrigado a exercer as diligências
necessárias para que o comprador adquira os bens vendidos, segundo o que for estipulado ou segundo
o que resultar das circunstâncias do contrato. Nada foi estipulado pelas partes acerca da quantidade de
alfaces que deveriam ser vendidas, apenas se referindo a produção mensal de Aníbal.
No art. 881.º, a dúvida acerca da incerteza da tem de ser partilhada pelo comprador e pelo
vendedor. A incerteza relativa à titularidade tem de ser subjetiva: ou a pessoa é proprietária do bem ou
não é, não podendo ser parcialmente proprietária. Para se aplicar o art. 881.º, tem de haver uma
menção expressa no contrato acerca da incerteza. Logo, este preceito não se aplica.
Em contratos onerosos, numa situação de dúvida, vale o art. 237.º, para assegurar o equilíbrio.
Na interpretação, deve considerar-se que, ainda que tenha sido produzido menos 300kg do que a
média, o preço é devido por inteiro.
Podem, assim, seguir-se dois caminhos:
- Se resultar das circunstâncias do contrato, uma vez que A costuma produzir sempre
cerca de 1 tonelada de alface, que devem ser entregues cerca de 1 tonelada de alfaces
para que B lhe pague os 1 000€, invoca-se o regime da impossibilidade parcial (art.
793.º) não culposa ou imputável ao vendedor - A.
A consequência será a do cumprimento parcial, com os 700 kg de alface; terá de
haver redução na medida da impossibilidade (art. 793.º/ 1). No entanto, de acordo
com o art. 793.º/ 2, se B não estiver interessada nesse cumprimento parcial, poderá
resolver o contrato.
- Se se entender que não resulta das circunstâncias do contrato que deveria ser entregue
cerca de 1 tonelada de alfaces, então B teria de pagar os 1 000€ na mesma, uma vez
que esse havia sido o preço estipulado pelas partes, nos termos do art. 879.º, c) do
CC.
Neste caso, tem-se uma obrigação de meio, pois o vendedor só fica obrigado às diligências
necessárias, e não fica obrigado ao resultado.
Sendo a coisa futura, o comprador não se torna proprietário depois da celebração do contrato.
A prestação de Aníbal era de entregar tudo o que produzisse, caso entregue menos ou mais do
que 1 000kg, não se pode dizer que há incumprimento parcial, no que toca ao Direito das Obrigações.
Existe uma presunção de culpa no que toca a A (art. 798.º), que, no caso de as coisas futuras não se
tornarem presentes, ou, pelo menos, não na sua totalidade, que lhe cabe a ele afastar.
Quanto à prestação, se o contrato não tiver natureza aleatória, o art. 880.º aplica-se e só o que
for tornado presente e seja adquirido pelo alienante é que é pago; se tiver natureza aleatória, o
adquirente tem sempre que pagar a totalidade do preço (vende a esperança de ter a coisa futura).
Importa referir que este contrato específico era aleatório, já que a atribuição patrimonial não
se apresenta como certa. Isto é relevante porque, segundo o art. 880.º/ 2 do CC, na hipótese de a
transmissão da coisa não se realizar, o preço é, mesmo assim, devido.
MENEZES LEITÃO refere que, para ser aleatório, tem de ser expresso que está em jogo uma
alteração das regras gerais da distribuição do risco. Mas PEDRO DE ALBUQUERQUE e NUNO
PINTO OLIVEIRA discordam.
Estes contratos designam-se contratos de compra e venda de esperanças: significa que naquele
contrato de compra e venda as partes quiseram dizer que, desde que se tomem certas diligências, ainda
que a coisa não se venha a tornar presente, é pago o preço que foi combinado. Há risco, que o
comprador está a assumir, de a coisa não vir a existir na sua totalidade, ou de todo, mas tendo ele de
pagar o preço (compra-se com a esperança de se vir a obter alguma coisa e essa esperança tem de ser
paga). Derroga-se o regime do risco e, por isso, alguns autores referem que isto só ocorre quando as
partes atribuem expressamente natureza aleatória (art. 880.º/ 1). Outros advogam que a lei não refere
que tem de ser expressamente, logo, se der para perceber pelas circunstâncias do mesmo que há risco
que é assumido pelo comprador, no sentido de que o mesmo não venha a acontecer, tem de pagar.
A venda de coisa futura difere da venda de esperança, porque, na primeira, o preço só é
devido se a coisa realmente vier a existir; na segunda, o risco da não concretização da esperança do
comprador pertence-lhe.
b) Imagine agora, em alternativa que Aníbal apenas tinha produzido 700 kg de alface no
mês de abril por não ter utilizado nos meses de fevereiro e de março as dosagens adequadas de
pesticidas. Quid iuris?
Nestes casos, tudo indica que o alienante tem diligências adicionais, no sentido de assegurar
que o adquirente venha a obter as coisas. Essas não estão concretizadas no art. 880.º/ 1, porque
depende do objeto do negócio. Tal pode consubstanciar a prática de atos jurídicos (por exemplo,
quando se tem de comprar a outra pessoa, será adquirir o direito de propriedade sobre certa coisa).
Não tomando as devidas diligências, presume-se a culpa do vendedor, nos termos do art.
802.º. Se não produziu ou produziu menos do que aquilo a que se obrigou, por sua culpa dá-se
impossibilidade parcial (art. 802.º), sendo que o credor tem a faculdade de resolver o negócio ou de
exigir o cumprimento do que for possível reduzindo a contraprestação, tendo sempre direito a
indemnização por interesse contratual positivo. Contudo, o art. 802.º/ 2 diz-nos que não se pode dar a
resolução se o incumprimento parcial tiver escassa importância.
Problema identificado: culpa. O art. 880.º não foi observado e MENEZES CORDEIRO diz
que as diligências necessárias têm de ser analisadas caso a caso. Por isso, aqui, há responsabilidade
obrigacional.
PEDRO DE ALBUQUERQUE refere estar-se perante um negócio completo; se existe um
incumprimento da diligência por parte do vendedor, não existe razão para restringir ao interesse
contratual negativo. Por isso, poder-se-ia resolver pelo interesse contratual positivo ou pelo interesse
negativo. Será opção do comprador.
Porque não pode o lesado pedir uma indemnização por interesse contratual negativo e
interesse contratual positivo? Ao lesado interessa a maior indemnização possível. Ter-se-ia uma
situação em que o lesado estaria uma posição extremamente vantajosa: ao lesado interessaria sempre
uma situação de incumprimento, pois estaria numa posição melhor.
Carlos vendeu a Diogo, um terreno para construção por 10 milhões de euros, indicando,
além da respetiva localização, que o mesmo tinha 10 mil m2.
a) Passado sete meses, Diogo verifica que o terreno apenas tinha 9 mil m2. Exige de
Carlos mais mil m2, ou em alternativa, aquilo que considera ter pago a mais, mas este recusa.
Compra e venda de coisas sujeitas a pesagem, contagem e medição: compra e venda de coisa
determinada, pelo que o comprador adquire a propriedade dos bens com a celebração do contrato
antes da aquisição do terreno (art. 408.º/ 1).
A primeira questão que se coloca é a de saber se Diogo pode reagir perante o facto de o
terreno ter menos m2 do que o indicado aquando da celebração do contrato. O Código Civil
estabelece, para estes casos, um regime especial, presente nos arts. 887.º e ss. para a compra e venda
de coisas sujeitas a pesagem, contagem e medição, como é o caso.
Para PEDRO DE ALBUQUERQUE e FERREIRA GIRÃO, o art. 887.º aplica-se a casos em
que se dá a entrega, pelo vendedor, de coisas concretas e não definidas em relação a certo tipo,
supondo, ainda, a menção contratual da quantidade da coisa vendida. Os casos de que este artigo trata
referem-se ao objeto do contrato, que, sendo inteiramente entregue, não se adapta à menção, juízo ou
cálculo sobre ele feito pelas partes ou uma delas. Caso contrário, tratando-se de uma situação de
entrega de uma coisa quantitativamente diferente da do objeto do contrato, estar-se-ia perante uma
hipótese de cumprimento defeituoso.
Tratando-se de uma coisa determinada, a compra e venda dá-se com a celebração do contrato.
Ou seja, o comprador adquire, segundo as regras do art. 408.º, a propriedade do terreno,
transferindo-se para si o risco da perda ou deterioração. Neste caso, de acordo com PEDRO DE
ALBUQUERQUE, havendo divergência entre as medidas referidas e o resultado da medição, os
efeitos sentem-se apenas a nível do preço devido.
Caso o preço tenha sido estipulado por unidade, aplica-se o art. 887.º; caso contrário,
aplica-se o art. 888.º. Como está em causa uma situação do art. 888.º, o comprador deve o preço
estipulado no contrato, mesmo não correspondendo às medidas do terreno.
Há que fazer uma distinção entre o art. 887.º e o art. 888.º (o que está a ser alienado é uma
determinada coisa, o preço não é definido em função dessa quantidade; o que é transacionado é uma
realidade, que pode apresentar elementos contáveis).
Todavia, tendo em conta o disposto no art. 888.º/ 2, o preço sofrerá uma redução, visto que a
quantidade referida difere da declarada em mais de um vigésimo desta (um vigésimo de 10 000 000 é
500 000). O ónus da prova da divergência recai sobre Diogo, que é quem vai pedir a correção do
preço.
PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA referem que a diferença que excede 1/20 é uma
espécie de carência imposta às partes (margem de erro que as partes admitiram). O que é reduzido não
são os m2, mas o preço (ou seja, o preço é reduzido para 9 500 000€).
Não pode, em alternativa, exigir mais m2. O que poderá fazer é exigir a redução dos preços.
Contudo, há que atender aos prazos de prescrição do exercício deste direito, que foge à regra
geral do art. 309.º. Relativamente aos prazos, atende-se ao art. 890.º do CC (6 meses para coisas
móveis e 1 ano para coisas imóveis). Tratando-se de um terreno, vale o prazo de 1 ano, pois é um
imóvel. Significa que Diogo exerceu o seu direito atempadamente.
c) Suponha que, no mesmo dia e no mesmo cartório, Carlos tinha vendido a Diogo dois
terrenos: um por 2 milhões de euros com 2 mil m2; outro por 1 milhão de euros, com mil m2.
Posteriormente, vem a verificar-se que, afinal, cada um dos terrenos tem 1500 m2.
Quid Iuris?
Não era possível aplicar o art. 889.º, porque os bens têm preços e características diferentes.
Poder-se-ia ponderar se Diogo queria os terrenos por causa dos m2 e, aí, aplicar-se-ia o art. 887.º, em
que o preço devido é o proporcional à medida real do terreno; ou se era pelo valor a que estes estavam
a ser vendidos, aplicando-se o art. 888.º.
A compensação do art. 889.º não se pode confundir com a que é causa de extinção das
obrigações, apesar de a lógica ser idêntica. Se existir uma pluralidade de coisas, faz-se um acerto de
contas entre o excesso e o defeito e só depois se pondera a aplicação do art. 887.º e do art. 888.º. Os
pressupostos do art 889.º têm de estar preenchidos: venda por um só preço; venda de coisas
determinadas e homogéneas; indicação do preço ou medida de cada uma delas.
Se não funcionar, não se aplica este artigo, visto que os requisitos não estão observados. Por
exemplo, o preceito seria aplicável se se comprasse por 50€ três sacos de batatas e se dissesse que
cada saco tem 20kg; mas, mais tarde, se perceber que cada saco tem kg diferentes; poder-se-ia trocar
as batatas de saco.
Não há, ainda, exigência de um preço único: são exigidos preços diferentes. Não estando este
requisito preenchido, não se pode aplicar o art. 889.º. Aplicar-se-ia o art. 888.º e, em termos de
redução do preço, recorria-se ao art. 888.º/ 2 do CC para definir a margem de erro (é um vigésimo).
Para o terreno de 2 milhões é 5%: 0,1 milhão. A margem de erro para o terreno de 1 milhão é 5%:
0,05 milhões.
Há certa doutrina que refere que o regime do art. 889.º afasta o art. 888.º/2, mas PEDRO DE
ALBUQUERQUE não concorda: se estiverem preenchidos os requisitos, aplica-se o art. 889.º; só se
recorre ao art. 888.º/ 2 se ainda existir uma diferença, porque a compensação poderá não ser
suficiente.
1. Na semana seguinte, António regressa à loja para devolver o relógio e Bento recusa.
Quid iuris?
Está-se perante uma compra e venda a contento, nos termos do art. 923.º e ss. do CC Estaria
em causa a segunda modalidade (art. 924.º), mas, em casos de dúvida, aplica-se o art. 923.º.
A noção de venda a contento relaciona-se com o grau de agrado do comprador. Esse gosto
não é sindicável; contudo, não é absolutamente discricionário/ arbitrário: o limite é, para casos
excecionais, não se aplicar a resolução se constituir abuso de direito. O objetivo, aqui, era agradar ao
terceiro. Na venda a contento, o critério é subjetivo (enquanto que, na venda sujeita a prova, há um
critério objetivo).
Está patente um contrato preliminar (e não uma proposta - na esfera do declaratário, surge um
direito potestativo a aceitar, mas não há obrigações para o declarante). Aqui, há evidentemente
obrigações. nesse sentido, PEDRO DE ALBUQUERQUE classifica como contrato preliminar, pois só
fica celebrado com a aceitação.
No art. 924.º, há compra e venda com direito de resolver o contrato pelo comprador.
Distingue-se através das regras de interpretação do negócio jurídico.
Concluindo, não podia, pois já se tinha consolidado o prazo: aplica-se o art. 923.º/ 2.
2. Admita que António compra um segundo relógio para a seu pai, ficando acordado que
o mesmo seria devolvido, caso a bracelete não tivesse o tamanho adequado para o pulso do pai.
Quid iuris?
Compra e venda sujeita a prova.
Se o pai de António não gostasse da cor, não poderia resolver o contrato, nem comunicar nos
sentido em que a prova não tinha as características requeridas. Há um critério objetivo (comunicação
da prova), que é judicialmente sindicável.
Relativamente ao prazo aplicável para a prova, recorria-se ao art. 925.º/ 2: não tendo sido
estipulado pelas partes, ia-se ao contrato; não tendo sido nada declarado no contrato, recorria-se aos
usos; não havendo usos, era necessário estar preenchido o critério da razoabilidade e o comprador
deveria ter estabelecido um prazo.
b) Imagine que em 2015 o imóvel fica totalmente destruído num incêndio. Sabendo que o
imóvel tinha sido avaliado por 300 mil euros, Catarina pretende resolver o negócio e exigir uma
indemnização ao comprador pelo valor da avaliação.
Está em causa um problema de risco, sendo necessário analisar se se produzem efeitos
retroativos. Essa é a regra, mas alguns autores - ROMANO MARTINEZ - sustentam a aplicação do
art. 796.º/ 3, tratando o problema do risco sem entrar na retroatividade. PEDRO DE
ALBUQUERQUE entende que é retroativa. Neste caso, o vendedor não responde por culpa, pois
houve um incêndio
Trata-se de perda fortuita
Está em apreço uma perturbação típica da compra e venda: a venda de bens alheios, que vem
regulada no art. 892.º e ss. do Código Civil. Esta, apesar de não definida na lei, traduz-se numa
situação em que alguém aliena uma coisa cuja titularidade pertence a terceiro, como se fosse própria,
e não tendo esse vendedor legitimidade para tal. A posição jurídica do proprietário da coisa não fica
alterada nem atingida. Importa referir que a compra e venda de bens alheios pressupõe sempre que
uma das partes não conheça da titularidade do sujeito em cuja esfera se deveria repercutir o ato de
alienação (ou seja, a quem pertence o bem). A venda de bens alheios é nula, nos termos do art. 892.º
do CC, não podendo esta, contudo, ser oposta ao comprador de boa fé ou ao vendedor de boa fé.
Para estar realmente verificada a venda de bens alheios, têm de se observar certos requisitos:
- a venda de uma coisa alheia como própria, ou seja, transmitem-se bens que não
pertencem ao alienante, tendo, para tal, de existir uma vontade de vender a coisa
como própria;
- a falta de legitimidade para a venda, não dispondo o alienante de poderes para a
prática do ato.
Os seus efeitos são, além da nulidade (art. 892.º), que tem particularidades distintas do regime
geral (relativamente à legitimidade para arguição, ao propósito da obrigação de restituição, e à
possibilidade de convalidação), a indemnização fundada na nulidade do contrato (arts. 898.º e ss.).
Resolva, de forma autónoma das demais, cada uma das seguintes hipóteses:
a) Óscar deslocava-se ao apartamento e fica interessado num armário de Nuno,
pretendendo comprá-lo e levá-lo. Maria, alegando que estava autorizada a “tratar do
assunto”, vende o móvel a Óscar.
Nesta situação, dá-se a entender que Maria conhecia do facto de ser Nuno o titular do direito
de propriedade sobre a coisa - armário -, mas que Óscar não o sabia. Deste modo, está preenchido o
pressuposto necessário que requer que uma das partes não conheça da titularidade do sujeito em cuja
esfera se deveria repercutir o ato de alienação (que seria, aqui, Nuno e não Maria).
Está observado o requisito que exige que a coisa alheia seja vendida como própria,
transmitindo-se bens que não pertencem ao alienante - Maria -, existindo, ainda assim, vontade desta
de vender a coisa como própria.
Pode haver dúvidas no que toca ao preenchimento do requisito da falta de legitimidade de
Maria para a venda, já que se diz que Maria alegou estar autorizada a tratar do assunto, à partida
dispondo de poderes para a prática do ato, tendo sido essa autorização conferida por Nuno. Sucede,
todavia, que Nuno apenas pediu a Maria que mostrasse as suas coisas a eventuais interessados, e não
que as vendesse. Por tal razão, Maria carecia de legitimidade para vender o móvel. A generalidade da
doutrina afirma que este é um pressuposto necessário, pois não haveria compra e venda de bens
alheios se o alienante dispusesse de poderes - legitimidade - para realizar o ato de disposição, como
sucederia com o representante dotado de faculdades representativas.
Ainda se pode questionar, a propósito da legitimidade, se Maria, ao alegar que estava
autorizada por Nuno a vender o armário, faz surgir a aplicação do regime da compra e venda de bens
alheios - pois o alienante declara-se como representante de outrem. Neste sentido, alguns autores
alegam que os arts. 892.º e ss. não se aplicam; PEDRO DE ALBUQUERQUE, contudo, considera que
este regime também abrange as hipóteses em que o vendedor admite não ser titular do bem, mas se
arroga a legitimidade para alienar. ROMANO MARTINEZ ainda acrescenta que se deve recorrer ao
regime da representação sem poderes, disposto no art. 268.º (designadamente no art. 268.º/ 4).
Ou seja, tendo Maria alegado legitimidade para a transmissão do bem, mas não tendo
realmente poderes para isso, a venda seria nula, nos termos do art. 892.º.
Aqui tem-se uma coisa de alheia, mas onde o vendedor diz não ter poderes: representação sem
poderes, por isso o negócio é ineficaz relativamente ao comprador.
Ratificando o negócio, não há lugar à aplicação da venda de bem alheio (não se aplicam os
arts. 892.º e ss.). Mas se não se pretende ratificar o negócio: podendo o comprador pedir uma
indemnização, nos termos do art. 898.º - se se estivesse num caso de venda de bem alheio e não num
caso de representação sem poderes. Haveria obrigação de sanar/ convalidar o negócio, nos termos do
art. do art.. 895.º do CC. esta é uma obrigação de resultados (art. 897.º, sendo o vendedor obrigado a
sanar a nulidade da venda). Se não se conseguir convalidar a venda, recorre-se ao art. 900.º do CC.
Pode convalidar-se a indemnização do art. 898.º e a indemnização do art. 900.º.
Aqui, é possível cumular (nos termos gerais não se pode porque estar-se-ia a colocar o lesado
numa situação inferior), pois há uma função punitiva da má fé, visto que o vendedor vendeu algo que
sabe ou deveria saber que não é seu. A esta função de punir acresce uma função de prevenir o
incumprimento, e pretende ressarcir-se os danos do lesado.
Concluindo, passava-se pela representação sem poderes, mas não haveria justificação para
distinguir em termos teleológicos um e outro contrato (num está-se mandatado com poderes para
celebrar o negócio). Se houver ratificação, fica-se por aí, caso não exista, vai tutelar-se o comprador
nos termos definidos pelo regime da venda de bem alheio. Poder-se-ia exigir a convalidação do
contrato, uma indemnização (art. 898.º), há direito à indemnização do art. 900.º e havia direito à
restituição do preço pago.
b) Pedro desloca-se à casa e gostou muito de um quadro. Maria diz a Pedro que aquele
quadro “era seu”, mas que poderia vendê-lo por 100 euros. Este aceita.
Primeiro, deve dizer-se que Maria, ao alegar que o quadro era seu, mas sendo este
propriedade de Nuno incorre numa perturbação da compra e venda, que é a venda de bem alheio: ou
seja, vende como própria uma coisa que a si não pertence, com vontade de a vender como coisa
própria, sem legitimidade para tal (pois Nuno não lhe conferiu os poderes necessários). Ou seja, Maria
conhecia da verdadeira titularidade do bem - Nuno -, ainda que Pedro o desconhecesse (portanto, uma
das partes sabia a quem realmente pertencia o quadro). Estando todos os requisitos observados,
utiliza-se o art. 892.º e a venda é nula.
Sendo a nulidade prevista no art. 892.º, 1.ª parte do CC distinta da nulidade do regime geral
em diversos aspetos, aqui o problema coloca-se ao nível da legitimidade para arguição da nulidade: o
vendedor não pode opor a nulidade ao comprador de boa fé (Maria não pode opor a Nuno); e já que o
vendedor estava de má fé - Maria, pois conhecia do facto de o quadro ser de Nuno e ainda veio referir,
culposamente e com dolo, que era seu - e o comprador de boa fé - Pedro ignora sem culpa a
alienabilidade do bem, crendo que era de Maria -, só o comprador (Pedro) pode arguir a nulidade (art.
892.º, 2.ª parte).
O art. 898.º difere do art. 253.º (em que o conceito de dolo também se refere a negligência
consciente). O art. 898.º é mais abrangente, porque dolo é entendido como má fé em sentido subjetivo
ético: dolo direito eventual ou negligência consciente/ inconsciente.
Quando soube do sucedido, Nuno exige o quadro de volta a Pedro, que, por sua vez, se
recusa. Maria, contudo, diz que não pode fazer nada e se a pretensão de Nuno for a Tribunal, o
mesmo terá de declarar a nulidade do contrato.
Havendo nulidade, a coisa deve ser restituída pelo comprador (Pedro) ao vendedor (Maria),
esteja ele de boa fé ou de má fé. Esta restituição é feita a quem procedeu à entrega e não ao verdadeiro
proprietário, a não ser que haja sido intentada ação possessória ou de reivindicação. Então, o vendedor
deve restituir o preço ao comprador, e o comprador tem de devolver a coisa recebida (arts. 289.º/ 1 e
art. 290.º). No que toca à obrigação de restituir o preço, esta varia consoante haja boa fé ou má fé do
obrigado: o art. 894.º/ 1 determina que se o comprador estiver de boa fé, tem o direito a exigir a
restituição do preço na sua totalidade.
Quanto ao facto de Nuno - proprietário - exigir o quadro de volta, deve atender-se a uma
discussão doutrinária que se coloca ao nível da clarificação da situação resultante da venda de um bem
por terceiro, que lhe pertence: deve Nuno servir-se de uma ação de declaração de nulidade do
negócio ou de uma ação declarativa de ineficácia?
- A isto, RAÚL VENTURA, responde com a prioridade da nulidade sobre a ineficácia:
considera que o proprietário tem legitimidade para interpor uma ação declarativa do seu
próprio direito, ainda que o contrato tenha sido celebrado por terceiro.
- Já PEDRO DE ALBUQUERQUE não segue a mesma posição, referindo que o contrato não
deixa de ser ineficaz em relação ao proprietário e que na ação declarativa do seu próprio
direito, o proprietário apenas terá que demonstrar a respetiva titularidade.
c) Quirino desloca-se ao apartamento e compra a Maria, por 500 euros, a televisão que esta
tinha comprado numa promoção no Centro Comercial de Aljubarrota, juntamente com
Nuno, quando ainda estavam apaixonados um pelo outro e a viver juntos.
Em princípio, a não ser que seja possível recorrer ao regime da conversão, o contrato seria
nulo.
d) Maria vende a bicicleta de Nuno a Ruben, tendo dito a este último que Nuno lhe tinha
prometido, por contrato, vender-lha. Posteriormente, contudo, veio a suceder que Nuno
vendeu a referida bicicleta a Sara. Ruben pretende agora que Maria lhe devolva o preço
que pagou pela mesma, assim como uma indemnização que alega ter sofrido.
Maria cumpriu os seus deveres de informação. Nuno incumpriu a sua parte do contrato.
Rúben tinha conhecimento que Maria não era proprietária.
Contrato-promessa (art. 880.º): Maria tem de exercer todas as diligências.
Venda de bens alheios como futuros (art. 893.º). Sara é proprietária. Contrato cumulativo (art.
880.º/ 1): o preço não seria devido neste caso. Poderia exigir a restituição do preço.
Impossibilidade não culposa.
Não há direito de indemnização.
Analise, de forma autónoma das demais, cada uma das seguintes situações:
Está em causa uma situação de exigibilidade antecipada? Não. O que está em causa não é o
vencimento do prazo: o vendedor pode determinar, não há vencimento automático (entendimento que
tem sido interpretado do art. 781.º).
percentagem (basta 10%, e no art. 934.º exige-se 12,5%). O outro requisito era o de o credor conceder
um prazo de 15 dias.
O preâmbulo do Decreto-Lei 133/2009, de 2 de junho refere que se visa consagrar novas
regras relativas à compra e venda a prestações: art. 934.º e ss. do Código Civil. O Decreto-Lei
aplica-se desde que não se verifique nenhuma das situações previstas no art. 2.º (casos de exclusão da
aplicação deste regime). Só se aplica a créditos onerosos e não a créditos gratuitos. Há obrigações de
informação reforçadas no âmbito do Direito do Consumo, porque se entende que o consumidor tem de
estar informado para decidir de forma consciente e racional. Certas informações devem ser prestadas
por escrito, havendo direito à livre resolução do contrato e o consumidor pode cumprir o contrato
antecipadamente.
1
A imperatividade absoluta é aquela em que a lei determina que deve ser de certa maneira, não se podendo
afastar a norma. A imperatividade mínima é aquele em que se pode decidir em sentido ascendente - para cima
(por exemplo, salário mínimo). A imperatividade máxima é aquela em que podem ser definidos valores até certo
montante, não passando dessa barreia (caso dos juros usurários).
favor do comprador, mas nunca em favor do vendedor. Por isso, nesta hipótese, a ideia de Bernardo
não seria coerente.
5. Suponha que tinham sido acordadas, ao invés de vinte mensalidades, apenas cinco.
Resolva autonomamente cada uma das seguintes sub-hipóteses, mencionado os direitos de
Bernardo:
a. Andreia falta no pagamento de uma das mensalidades.
À luz do art. 934.º, era possível resolução do contrato. O que diferencia é o facto de a
prestação em falta exceder ⅛ do preço.
Contrapor a venda de coisa defeituosa (vício ou falta de qualidade ao nível material) à venda
de bens onerados (está-se perante uma limitação jurídica). Estando perante limitação de direito, há
venda de bens onerados; se houver limitação material, há venda de coisa defeituosa. MENEZES
CORDEIRO apresenta situações paradigmáticas: direitos reais de gozo, usufruto, servidões, direitos
pessoais de gozo (caso qeu aqui se verifica, porque há um arrendamento), direitos reais de garantia,
penhora ou hipoteca (não se inserindo a situação de reserva de propriedade, porque se é vendida da
coisa aplica-se o regime da venda de bem alheio, porque nem o comprador nem o vendedor têm o
direito de dispor da coisa), medidas processuais de natureza real.
Os direitos do comprador são: ‘’anulação’’/ resolução; indemnização por dolo (má fé em
sentido ético, em que alguém age sabendo ou tendo o dever de saber que está a lesar interesses ou
direitos de outrem); indemnização por não convalidação da venda; e redução do preço. ≠ Diferenças
relativamente ao regime da venda de bens alheios, nos remédios do comprador: no art. 908.º, só se
refere interesse contratual negativo, e ainda que a sua letra defira da do art. 998.º, eles devem ser lidos
de forma paralela (PEDRO DE ALBUQUERQUE: se há má fé ética do vendedor, não há razão para o
privilegiar face à situação de venda de bem alheio, porque não se tutela o comprador de igual forma)
Foi celebrado um contrato de compra e venda entre Fernando e Joaquim, nos termos do art,
874.º, transmitindo-se o direito de propriedade sobre o apartamento, nos termos do art. 879.º, a) do
CC. Como enuncia o art. 875.º, estando em causa um bem imóvel (apartamento), o contrato só é
válido se tiver sido celebrado por escritura pública ou por documento particular autenticado.
1. Recorre-se ao regime da compra e venda de bens onerados, e nomeadamente ao art.
905.º do CC, para explicar que, se o direito transmitido estiver sujeito a limitações
que excedam os limites normais aos direitos da mesma categoria (direito de
propriedade), o contrato é anulável. Nesta hipótese, sê-lo ia por dolo, desde que
estivessem verificados os requisitos legais de anulabilidade (de acordo com PIRES
DE LIMA e ANTUNES VARELA, são aplicáveis as disposições dos arts. 251.º e
254.º do CC, designadamente no que se refere à essencialidade do erro e à sua
cognoscibilidade para o declaratário).
GALVÃO TELLES, contudo, afirma que a melhor solução é a recondução à doutrina geral do
erro e do dolo, e o comprador pode pedir a anulação do contrato se estiverem observados os requisitos
necessários.
Aqui, a anulação do contrato só se justifica se o comprador, ao celebrá-lo, não estava
convenientemente esclarecido, sendo indispensável o erro do comprador na forma simples ou
qualificada por dolo. Em suma, nos termos dos arts. 253.º e 254.º, o contrato seria anulável. Nos
termos do art. 289.º, há efeito retroativo, devendo ser restituído a F tudo o que ele tiver prestado: ou
seja, tem o direito a ser-lhe devolvidos os 650 000€ que pagou pela compra do apartamento.
2. Recorre-se ao art. 878.º, para comprovar que as despesas do contrato e outras
despesas acessórias ficam a cargo do comprador (Fernando), pelo que os 50 000€ de
despesas não lhe são ressarcíveis.
3. De acordo com o art. 908.º, agindo com dolo, o vendedor - vendo o contrato anulado -
deveria indemnizar o comprador do prejuízo que este não sofreria se a compra e
venda não tivesse sido celebrada. A determinação do prejuízo sofrida é feita segundo
os arts. 562.º e ss., quer pelos danos emergentes, quer pelos lucros cessantes.
Segundo PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, o que está em causa é o interesse
contratual negativo: isto é, o prejuízo que o comprador não teria se a compra não tivesse sido
realizada (e não o interesse contratual positivo: o lucro que teria obtido se, não tendo o direito
limitações, a compra fosse válida desde o início).
Mas VAZ SERRA refere que o vendedor tem de indemnizar pelo interesse contratual positivo
sempre que este seja superior ao interesse contratual negativo. Por sua vez, PIRES DE LIMA e
ANTUNES VARELA defendem que isso é contrário ao espírito e ao texto da lei, porque tendo em
conta que o comprador pode escolher entre a anulabilidade e a validade do contrato, optando pela
primeira, não faria sentido que viesse pedir juntamente o lucro que o contrato lhe poderia ter
proporcionado se fosse válido; por isso, é contabilizada apenas a restituição do preço, as despesas
feitas com o contrato e com a coisa comprada, as despesas para a ação anulatória e o lucro que ele
deixou de obter numa operação negocial pelo facto de ter de aplicar na compra e venda anulada a
verba correspondente ao preço.
Tem de se verificar se a obrigação de convalidação foi ou não cumprida.
A lei admite que, em certos casos, o negócio possa subsistir, havendo apenas lugar à
devolução do preço. Se o vendedor demonstrar que, se o comprador soubesse do ónus celebrava-se na
mesma o negócio, então o erro não era essencial. Em nome do aproveitamento do negócio jurídico,
reduz-se a contraprestação.
A aplicação do art. 910.º implica que o prazo tenha sido fixado pelo tribunal e não seja
cumprido, ou que tenha o vendedor constituído em mora e não tenha cumprido (incumprimento
definitivo do prazo concedido pelo devedor)..
Direitos do comprador:
- ‘’anulação’’/ resolução (art. 913.º - art. 905.º); o vício tem de ser grave (art. 802.º/ 2);
- reparação/ substituição (art. 914.º);
Prazos: aplicar o art. 287.º do regime do dolo, na falta de melhor solução. PEDRO DE
ALBUQUERQUE refere que nos termos dos arts. 916.º e 917.º (para situações de vendedor de boa
fé), seria possível um prazo mais longo no caso de venda de bens imóveis; nos termos do art. 287.º, o
prazo de 1 ano começa a contar do conhecimento do vício. O autor diz que há um problema porque
em matéria de prazos é difícil a aplicação analógica (pretende-se uma certeza jurídica). Havendo má
fé do vendedor, aplica-se o art. 287.º do CC. O regime dos arts. 287.º, 916.º e 917.º não se aplica a
todos os direitos: aplica-se à ‘’anulação’’/ resolução.
55.º). O âmbito objetivo reporta-se ao objeto, que é uma compra e venda (art. 3.º em conjugação com
o art. 2.º). O âmbito subjetivo é o facto de ter de haver um consumidor (que não se dedica a uma
atividade profissional para a aquisição daquele produto com cariz essencial, como se vê no art. 49.º) e
um vendedor que se dedique profissionalmente à venda de produtos (é o que distingue do regime
cível).
Sendo relevante definir ‘’consumidor’’ (entendendo-se que, nesta hipótese, seria Célio):
- a generalidade da doutrina e da jurisprudência entende que o consumidor tem necessariamente
de ser uma pessoa física (pois, se a compra for feita por uma pessoa coletiva, não há uma
relação de consumo);
- MENEZES CORDEIRO e PEDRO DE ALBUQUERQUE entendem o contrário, porquanto o
que está por detrás do diploma não é a tutela da forma jurídica do consumidor; além disso, por
detrás de uma pessoa coletiva estão pessoas singulares.
Este Decreto-Lei regula a compra e venda de bens de consumo, nos termos do art. 1.º/ 1, a),
estabelecendo um regime de proteção aos consumidores nos contratos de fornecimento e nos contratos
de conteúdos ou serviços digitais.
No caso em apreço, era vendido um tablet, com uma caneta incorporada. A caneta deixa de
ser reconhecida. Não estão em causa serviços digitais, porque o deixou de funcionar foi o ecrã do
tablet.
De acordo com o princípio da conformidade do bem, constante do art. 5.º do Decreto-Lei,
devem ser respeitados os requisitos constantes dos arts. 6.º a 9.º. Este diploma define requisitos de
conformidade do bem nos 27.º a 31.º para a compra e venda de conteúdos ou serviços digitais:
requisitos objetivos no art. 27.º e requisitos subjetivos no art. 28.º. Em qualquer das situações, é o
profissional que se responsabiliza pela instalação incorreta. Qual tal seja violado e exista, portanto,
falta de conformidade - instalação incorreta por parte do consumidor ou por parte do profissional -, o
bem tem-se como desconforme, ao abrigo do disposto no art. 10.º
A entrega do bem ao consumidor consta do art. 11.º do Decreto-Lei: o vendedor tem o dever
de entregar o bem consoante a conformidade do contrato. Enquanto que o diploma anterior quanto aos
direitos do consumir não estabelecia nenhuma hierarquia quanto aos direitos do consumidor (embora
houvesse doutrina que o considerasse), adora é claro que existe uma hierarquia, não podendo logo
partir-se para a resolução (art. 15.º). Segundo o art. 16.º - direito de rejeição -, há uma hierarquia, mas
o legislador pondera o facto de, se o defeito se verificar logo após o contrato (no prazo de 30 dias após
a entrega), o consumidor poderá logo exigir a resolução e devolução do preço. Nos restantes casos,
deve verificar-se o disposto no art. 15.º/ 4.
Entregue o bem, existe uma garantia: o vendedor deve entregar o bem em conformidade com
o contrato, conformidade essa que é verificada no momento da entrega. Cabe ao vendedor afastar a
presunção. Assim, segundo o art. 12.º/ 1 é o profissional o responsável por qualquer falta de
conformidade que se manifeste num prazo de 3 anos a contar da entrega do bem. Atualmente, o
período para a manifestação do defeito é de 3 anos, mas essa presunção é de 2 anos. O ponto fulcral é
o ónus da prova: é verdade que passado 2 anos o consumidor pode provar que o defeito já existia no
momento da entrega, mas é muito difícil, Estes direitos estão referidos no art. 15.º; relativamente aos
prazos dispõem os arts. 12º (prazos de 3 anos, sendo o profissional responsável) e 13.º (só se presume
existentes defeitos que se manifestam nos primeiros 2 anos). Quanto aos bens usados, dispõe o art.
13.º/ 3 que o prazo pode ser reduzido até 18 meses por acordo (art. 12.º/ 3), mas só há inversão da
prova a favor do consumidor no prazo de 1 ano.
Por isso, Célio não poderia resolver o contrato: este é o último direito do consumidor.
Primeiro teria de passar por outros direitos, porque existe uma hierarquia. Não se verifica nos
primeiros 30 dias, por isso não pode haver rejeição. Quem tinha razão era a loja.
Caso 15
(retirado do livro de casos do Senhor Professor Tiago Soares da Fonseca)
Sara é uma ilustre advogada da nossa praça, com escritório em Lisboa.
Tendo perdido uma ação de Direito da Família, de uns largos milhares de euros, Sara
envia a referida sentença a Telmo Sabe de Família, professor de Direito. Analisada a referida
Sentença, Telmo Sabe de Família foi da opinião de que a mesma padecia de diversos erros de
Direito, justificando-se a interposição de recurso. Sara, depois de consultar o seu cliente, decidiu
contratar um parecer de Telmo.
Porém, atrapalhado com as aulas de faculdade, consultas jurídicas, mestrados e família
(a sua!), Telmo fez o dito parecer apressadamente, inclusivamente não atendendo aos factos
provados na sentença, extremamente relevantes para fundamentar a ilegalidade do aresto.
Sara, tendo recebido o parecer no último dia do prazo, limitou-se a junta-lo às suas
alegações de recurso, só se apercebendo das falhas do mesmo dois meses mais tarde, quando foi
notificada do acórdão da Relação de Lisboa e dos comentários no mesmo parecer.
Confrontada com um pedido de Telmo do pagamento de honorários, no valor de 10.000
euros, Sara marca uma reunião com os demais sócios da sociedade para decidir o que fazer.
Quid iuris?
Está em causa saber se está em apreço um contrato de empreitada, nos termos do art. 1207.º e
ss. do CC. Têm de estar presentes os elementos da realização da obra e do pagamento do preço (não
há empreitadas gratuitas). Não havendo preço, seria um contrato de prestação de serviços: a
empreitada é uma modalidade de uma prestação de serviços (art. 1155.º do CC) - atípica.
Um normal jurista, chamado a pronunciar-se sobre determinada decisão, teria de atender aos
factos provados, o que não fez. Seria possível aplicar o regime dos direitos e responsabilidade.