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2016/2017

DIREITO DAS OBRIGAÇÕES


PROF. ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO

MAFALDA MALÓ
FACULDADE DE DIREITO DE LISBOA
Universidade de Lisboa
TRATADO DO DIREITO CIVIL - TOMO VI
NOÇÃO E COORDENADAS GERAIS DAS OBRIGAÇÕES ............................................................. 12
1. NOÇÃO DE OBRIGAÇÃO ............................................................................................................ 12
2. PRINCÍPIOS GERAIS DO DIREITO DAS OBRIGAÇÕES ..................................................................... 12
DOGMÁTICA GERAL DAS OBRIGAÇÕES .................................................................................... 13
1. CONCEITO E ESTRUTURA DAS OBRIGAÇÕES ............................................................................... 13
1.1. As Doutrinas Pessoalistas ......................................................................................... 13
1.1.1. Teoria Pessoalista de Savigny ............................................................................................................ 13
1.1.2. As Análises Económicas Posteriores ................................................................................................. 13
1.1.3. A Teoria Clássica ................................................................................................................................. 13
1.2. As Doutrinas Realistas ............................................................................................... 13
1.3. As Doutrinas Mistas (Débito e Respondência)......................................................... 14
1.3.1. A Essencialidade da Respondência................................................................................................... 14
1.4. As (Re)construções do Pessoalismo ......................................................................... 15
1.4.1. O Interesse do Credor ......................................................................................................................... 15
1.5. A Natureza Complexa da Obrigação ......................................................................... 16
1.5.1. Posição da Regência – Natureza Complexa e uma Posição de Vantagem .................................... 16
2. CARACTERÍSTICAS DAS OBRIGAÇÕES ......................................................................................... 17
2.1. A Patrimonialidade ..................................................................................................... 17
2.2. O Interesse do Credor e a Juridicidade ..................................................................... 17
2.2.1. O Problema das Relações de Obsequiosidade e de Cavalheirismo ................................................ 17
2.2.2. A Responsabilidade Por Deferência .................................................................................................. 18
2.3. A Mediação e a Colaboração ..................................................................................... 18
2.3.1. A Determinação das Partes................................................................................................................ 18
3. A RELATIVIDADE E A EFICÁCIA PERANTE TERCEIROS ................................................................... 19
3.1. A Relatividade Estrutural ........................................................................................... 20
3.2. A Relatividade na Produção de Efeitos ..................................................................... 20
3.2.1. A Oponibilidade Forte ......................................................................................................................... 20
3.2.2. A Oponibilidade Média, os Contratos com Proteção de Terceiros e o Terceiro Cúmplice ............. 21
3.2.3. A Oponibilidade Fraca e o Dever Geral de Respeito......................................................................... 21
3.2.4 A Relatividade na Responsabilidade Civil e na Responsabilidade Obrigacional............................. 21
4. ESPECIALIDADE E ATIPICIDADE NO DIREITO DAS OBRIGAÇÕES ..................................................... 24
5. CONTEÚDO GERAL DAS OBRIGAÇÕES ........................................................................................ 24
5.1. Delimitação Positiva ................................................................................................... 24
5.2. As Prestações Principais e Secundárias .................................................................. 25
5.4. Os Deveres Acessórios ............................................................................................... 25
5. OUTROS ELEMENTOS DECORRENTES DAS OBRIGAÇÕES ............................................................. 26
6. DELIMITAÇÃO NEGATIVA .......................................................................................................... 27
6.1. Requisitos da Obrigação ............................................................................................ 27
MODALIDADES DE PRESTAÇÕES E CLASSIFICAÇÕES, TIPOS E MODALIDADES DAS
OBRIGAÇÕES .............................................................................................................................. 28
1. MODALIDADES DE PRESTAÇÕES ............................................................................................... 28
2. CLASSIFICAÇÕES DE OBRIGAÇÕES ............................................................................................ 28
2.1. Conteúdo ..................................................................................................................... 28
2.2. Simples ou Complexas – Unilaterais ou Bilaterais .................................................. 29
2.3. Absolutas, Relativas ou mistas ................................................................................. 29
2.4. Puras ou Combinadas – Subordinadas ou Subordinantes ..................................... 29
2.5. Típicas ou Atípicas ...................................................................................................... 29

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2.6. Determinadas e Indeterminadas .............................................................................. 29
3. TIPOS DE OBRIGAÇÕES ............................................................................................................ 30
3.1. Obrigações Duradouras ............................................................................................. 30
3.2. Relações Obrigacionais Gerais.................................................................................. 30
3.3. Direitos Pessoais de Gozo ......................................................................................... 31
4. OBRIGAÇÕES NATURAIS .......................................................................................................... 32
3.1. A Natureza Jurídica .................................................................................................... 33
2. OBRIGAÇÕES GENÉRICAS ........................................................................................................ 33
2.1. A Escolha ..................................................................................................................... 34
2.2. Quando de Transfere o Risco .................................................................................... 34
3. OBRIGAÇÕES ALTERNATIVAS .................................................................................................... 35
4. OBRIGAÇÕES COM FACULDADE ALTERNATIVA ............................................................................ 36
5. OBRIGAÇÕES DE INFORMAÇÃO ................................................................................................. 36
6. OBRIGAÇÕES DE APRESENTAÇÃO DE COISAS OU DOCUMENTOS ................................................... 37
7. OBRIGAÇÕES PECUNIÁRIAS ...................................................................................................... 37
7.1. Obrigações em Moeda Estrangeira........................................................................... 37
7.1. A Particular Situação dos Juros ................................................................................. 37
7.2. Tipologia dos Juros ..................................................................................................... 38
7.3. O Anatocismo .............................................................................................................. 38
8. OBRIGAÇÕES PLURAIS ............................................................................................................. 38
8.1. As Teorias da Contitularidade ................................................................................... 38
9. OBRIGAÇÕES PARCIÁRIAS ........................................................................................................ 39
9.1. O Regime da Parciariedade ....................................................................................... 39
9.2. Prestações Indivisíveis ............................................................................................... 39
10. SOLIDARIEDADE PASSIVA ...................................................................................................... 40
10.1. Relações Externas ................................................................................................... 40
10.2. Relações Internas .................................................................................................... 40
11. SOLIDARIEDADE ATIVA .......................................................................................................... 41
11.1. Relações Externas ................................................................................................... 41
11.2. Relações Internas .................................................................................................... 41
12. PLURALIDADE HETEROGÉNEA ................................................................................................ 41

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TRATADO DO DIREITO CIVIL - TOMO VII
MODALIDADES DO CONTRATO .................................................................................................. 43
1. CLASSIFICAÇÕES DOS CONTRATOS ........................................................................................... 43
2. OS CONTRATOS MISTOS E ATÍPICOS: MODALIDADES E TEORIAS .................................................. 44
2.1. As Teorias Clássicas ................................................................................................... 44
2.2. O Regime dos Contratos Mistos ................................................................................ 45
2.3. Contratos Indiretos ..................................................................................................... 45
2.3.1. O Caso Particular da Doação Mista ................................................................................................... 45
2.4. Contratos Fiduciários ................................................................................................. 46
2.5. União de Contratos ..................................................................................................... 46
2.5.1. O Regime Aplicável ............................................................................................................................. 47

O CONTRATO-PROMESSA .......................................................................................................... 48
1. NOÇÕES GERAIS..................................................................................................................... 48
2. A PROMETIBILIDADE ............................................................................................................... 48
2.1. Casos em Que é Equacionada a Prometibilidade .................................................... 49
3. A FORMA DO CONTRATO-PROMESSA ........................................................................................ 49
3.1. A Questão das Assinaturas ........................................................................................ 50
4. REGRAS NÃO APLICÁVEIS ........................................................................................................ 51
5. MODUS CONTRAHENDO .......................................................................................................... 51
6. A QUESTÃO DO CUMPRIMENTO E DO INCUMPRIMENTO ............................................................... 52
6.1. O Cumprimento e o Incumprimento do Contrato Promessa ................................... 52
6.2. Extinção do Contrato Promessa ................................................................................ 52
7. O SINAL E O DIREITO DE RETENÇÃO.......................................................................................... 53
7.1. O Sinal e o Funcionamento........................................................................................ 53
7.2. O Direito de Retenção ................................................................................................ 54
8. A EXECUÇÃO ESPECÍFICA ......................................................................................................... 55
8.1. O Funcionamento da Execução Específica .............................................................. 55
8.2. Vicissitudes ................................................................................................................. 55
9. CONTRATOS-PROMESSAS COM EFICÁCIA REAL........................................................................... 56
9.1. Requisitos e Forma .................................................................................................... 56
9.3. Funcionamento da Eficácia Real .............................................................................. 56
10. O REGISTO DA AÇÃO DE EXECUÇÃO ESPECÍFICA ....................................................................... 57
11. NATUREZA DO CONTRATO PROMESSA..................................................................................... 57
O PACTO DE PREFERÊNCIA ....................................................................................................... 58
1. NOÇÕES GERAIS DA PREFERÊNCIA ........................................................................................... 58
1.1. Modalidades do Pacto de Preferência ...................................................................... 58
2. O REGIME DA PREFERÊNCIA .................................................................................................... 58
2.1. A Preferibilidade ......................................................................................................... 59
2.2. A Forma do Pacto de Preferência ............................................................................. 59
2.3. O Regime Substantivo ................................................................................................ 59
2.4. O modus praelationis – o Terceiro ............................................................................ 60
3. OS PROCEDIMENTOS DA PREFERÊNCIA ..................................................................................... 60
3.1. A Comunicação ........................................................................................................... 60
3.2. A Resposta do Preferente .......................................................................................... 60
3.3. Venda de Coisa Conjuntamente com Outras ........................................................... 61
3.4. Prestação Acessória e Uniões de Contratos e Contratos Mistos ............................ 61

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3.5. Pluralidade de Preferentes ........................................................................................ 62
4. A PREFERÊNCIA COM EFICÁCIA REAL ........................................................................................ 62
4.1. A Forma ....................................................................................................................... 62
4.2. A Ação de Preferência ................................................................................................ 62
4.3. A Simulação ................................................................................................................ 63
5. A NATUREZA DA PREFERÊNCIA ................................................................................................. 64
5.1. Teorias ......................................................................................................................... 64
5.2. Posição Adotada ......................................................................................................... 65
O PACTO DE OPÇÃO ................................................................................................................... 66
1. NOÇÕES GERAIS..................................................................................................................... 66
1.1. Como se Distingue de Figuras Afins ......................................................................... 66
1.2. Optabilidade e Preço da Opção ................................................................................. 66
1.3. Regime ........................................................................................................................ 66
1.4. Direitos e Deveres Acessórios ................................................................................... 67
2. FUNÇÕES E NATUREZA ............................................................................................................ 67
O CONTRATO A FAVOR DE TERCEIROS ..................................................................................... 69
1. NOÇÕES GERAIS..................................................................................................................... 69
1.1. A Atribuições e a Prometibilidade a terceiro ............................................................ 69
2. O REGIME.............................................................................................................................. 69
2.1. A Posição do Promissário .......................................................................................... 69
2.2. A Posição do Promitente ............................................................................................ 70
2.3. A Posição do Terceiro ................................................................................................. 70
2.4. Contratos a Favor de Terceiros e Especificidades ................................................... 70
2.5. O Papel dos Deveres Acessórios ............................................................................... 70
O CONTRATO PARA PESSOA NOMEAR ...................................................................................... 72
1. AS FUNÇÕES TÍPICAS .............................................................................................................. 72
2. REGIME E EFEITOS ................................................................................................................. 72
3. NATUREZA ............................................................................................................................. 72
A CAUSA ...................................................................................................................................... 73
1. NOÇÃO GERAL E A EXPERIÊNCIA PORTUGUESA........................................................................... 73
1.1. A Causa do Contrato .................................................................................................. 73
1.2. Posição da Regência .................................................................................................. 74
AS FONTES PARACONTRATUAIS ................................................................................................ 75
1. NOÇÃO GERAL........................................................................................................................ 75
1.1. Relações Contratuais de Facto ................................................................................. 75
1.1.1. A Doutrina de Haupt ........................................................................................................................... 75
1.2. Relações Paracontratuais Em Especial .................................................................... 76
1.2.1. A Culpa in Contrahendo ...................................................................................................................... 76
1.2.2. A Insubsistência do Contrato ............................................................................................................. 76
1.2.3. Proteção de Terceiros ......................................................................................................................... 76
1.2.4. Culpa Post Factum Finitum ................................................................................................................ 77
1.2.5. Respondência Pela Confiança ........................................................................................................... 77
2. A DOGMATIZAÇÃO DA PARACONTRATUALIDADE........................................................................... 77
3. A IMPORTÂNCIA DESTA PROBLEMÁTICA ..................................................................................... 78
OS NEGÓCIOS UNILATERAIS ..................................................................................................... 79
1. NOÇÃO GERAL........................................................................................................................ 79
2. A HISTÓRIA ............................................................................................................................ 79

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1.1. Natureza ...................................................................................................................... 79
1.2. A Tipicidade Aberta .................................................................................................... 79
2. DOGMÁTICA GERAL ................................................................................................................. 80
2.1. Função ......................................................................................................................... 80
2.2. As Relações Complexas que se Constituem ............................................................ 80
3. OS NEGÓCIOS UNILATERAIS EM ESPECIAL ................................................................................. 80
3.1. Promessa de Cumprimento e Reconhecimento de Dívida ...................................... 80
3.2. Promessa Pública ....................................................................................................... 81
3.3. Concurso Público ........................................................................................................ 81

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TRATADO DO DIREITO CIVIL - TOMO VIII
A GESTÃO DE NEGÓCIOS ........................................................................................................... 83
1. NOÇÕES GERAIS..................................................................................................................... 83
2. MODALIDADES DA GESTÃO DE NEGÓCIOS ................................................................................. 83
3. FUNÇÕES ............................................................................................................................... 84
4. REQUISITOS: .......................................................................................................................... 84
4.1. Direção de negócios: .................................................................................................. 84
4.2. A alienidade: ............................................................................................................... 84
4.3. O exercício. .................................................................................................................. 84
4.4. Por conta do dono. ..................................................................................................... 84
4.5. No interesse do dono ................................................................................................. 85
4.6. A falta de autorização. ............................................................................................... 85
5. REGIME E EFEITOS DA GESTÃO ................................................................................................ 85
5.1. A Situação do Gestor .................................................................................................. 85
5.1.1. Deveres do Gestor (artigo 465º): ....................................................................................................... 85
5.1.2. A Responsabilidade do Gestor ........................................................................................................... 87
5.2. A Situação do Dono .................................................................................................... 88
5.2.1. O Dever de Reembolso ou de Indemnização .................................................................................... 88
5.2.2. A Remuneração do Gestor ................................................................................................................. 88
5.2.3. Direitos do Dono ................................................................................................................................. 88
5.2.4 Aprovação da Gestão e Ratificação .................................................................................................... 89
5.3. A Situação do Terceiro ............................................................................................... 89
5.3.1. Representação sem Poderes ............................................................................................................. 89
5.3.2. Mandato sem Representação............................................................................................................ 89

A RESPONSABILIDADE CIVIL ..................................................................................................... 90


1. O SISTEMA GERAL DA RESPONSABILIDADE CIVIL ....................................................................... 90
1.1. A Organização no Código Civil ................................................................................... 90
3. O SISTEMA PORTUGUÊS DA RESPONSABILIDADE CIVIL................................................................ 90
3.1. Generalidades............................................................................................................. 90
3.3. A Natureza Híbrida – Posição Adotada Pela Regência ........................................... 91
4. A CONTRAPOSIÇÃO: A RESPONSABILIDADE OBRIGACIONAL E A RESPONSABILIDADE AQUILIANA ....... 91
4.1. Generalidades............................................................................................................. 91
4.2. Quadro Comparativo – Regimes da Responsabilidade Civil ................................... 92
5. A SOBREPOSIÇÃO DE REGIMES ................................................................................................ 92
6. A HIPOTÉTICA TERCEIRA VIA .................................................................................................... 93
7. DISTINÇÃO COM OUTRAS FIGURAS ............................................................................................ 94
7.1. Responsabilidade por Factos Ilícitos, pelo Risco e pelo Sacrifício ......................... 94
7.2. Outras Classificações ................................................................................................. 94
7.2.1. Em Função do FACTO ......................................................................................................................... 94
7.2.2. Em Função da ILICITUDE .................................................................................................................... 94
7.2.3. Em Função da CULPA ......................................................................................................................... 94
7.2.4. Em Função do DANO .......................................................................................................................... 94
7.2.5. Em Função da CAUSALIDADE............................................................................................................. 95
8. OS PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL ...................................................................... 95
8.1. As Orientações Descritivas e as Orientações Sintéticas ......................................... 95
8.2. Facto ............................................................................................................................ 95
8.2. Ilicitude ........................................................................................................................ 96
8.3. Culpa ........................................................................................................................... 96
8.4. Dano ............................................................................................................................ 98

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8.5. Nexo de Causalidade ............................................................................................... 100
9. OUTROS ASPETOS RELEVANTES ............................................................................................. 101
9.1. Causas de Justificação ............................................................................................. 101
9.2. Causas de Excusa .................................................................................................... 101
10. SITUAÇÕES ESPECIAIS DE TUTELA AQUILIANA ........................................................................ 102
10.1. Responsabilidade por Ofensa do Crédito e do Bom Nome ................................ 102
10.2. Responsabilidade por Conselhos, Recomendações ou Informações ................ 102
10.3 A Prevenção do Perigo e os Deveres de Tráfego .................................................. 103
10.3.1. Linhas Gerais .................................................................................................................................. 103
10.3.2. Responsabilidade pelo Dever de Vigilância .................................................................................. 103
10.3.3. Danos Causados por Edifícios ou Outras Obras ........................................................................... 103
10.3.4. Danos Causados por Coisas ou Animais ...................................................................................... 104
10.3.5. Danos Causados por Atividades Perigosas .................................................................................. 104
11. A RESPONSABILIDADE PELO RISCO ...................................................................................... 104
11.1. Aspetos Gerais sobre a Responsabilidade Pelo Risco ........................................ 104
11.2. A Responsabilidade do Comitente ........................................................................ 104
11.2.1. A Responsabilidade das Pessoas Coletivas ................................................................................. 106
11.3. A Responsabilidade do Estado e de Outras Entidades Pública ......................... 106
11.4. Os Danos Causados por Animais .......................................................................... 107
11.5. Acidentes de Viação ............................................................................................... 107
11.5.1. A Responsabilidade Pelo Risco ..................................................................................................... 108
11.5.2. Os Beneficiários da Responsabilidade ......................................................................................... 108
11.5.3. A Exclusão da Responsabilidade ................................................................................................... 108
11.5.4. A Colisão de Veículos ..................................................................................................................... 108
11.5.5. A Solidariedade ............................................................................................................................... 108
11.5.6. Limites Máximos: o Seguro Obrigatório ........................................................................................ 109
11.6. Instalações de Gás e Eletricidade ........................................................................ 109
11.7. Responsabilidade do Produtor .............................................................................. 109
11.8. A Responsabilidade Ambiental ............................................................................. 110
12. RESPONSABILIDADE PELO SACRIFÍCIO .................................................................................. 110
13. A OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR ............................................................................................. 111
13.1. O Concurso de Imputações ................................................................................... 111
14. MONTANTE E NATUREZA DA OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR ....................................................... 112

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TRATADO DO DIREITO CIVIL - TOMO IX
O CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES ..................................................................................... 115
1. NOÇÕES GERAIS................................................................................................................... 115
2. A DOGMÁTICA DO CUMPRIMENTO ........................................................................................... 115
2.1. A Terminologia .......................................................................................................... 115
2.2. Os Princípios do Cumprimento ................................................................................ 115
3. O FUNCIONAMENTO DO CUMPRIMENTO .................................................................................. 116
3.1. A Legitimidade Para Cumprir ................................................................................... 116
3.2. A Legitimidade para Receber a Prestação ............................................................. 117
3.3. O Lugar da Prestação ............................................................................................... 118
3.3.1. Entrega de Móveis e Dinheiro .......................................................................................................... 119
3.4. O Prazo da Prestação ............................................................................................... 119
3.4.1. Obrigações Puras – Cum Potuerit e Cum Voluerit .......................................................................... 121
3.4.2. Moratórias e Antecipatórias – o Benefício do Prazo ...................................................................... 121
3.5. A Imputação do Cumprimento ................................................................................. 122
3.6. A Prova do Cumprimento e a Quitação ................................................................... 123
3.6.1. A Restituição do Título e a Menção ao Cumprimento .................................................................... 123
3.7. Os Efeitos do Cumprimento ..................................................................................... 123
4. A NATUREZA DO CUMPRIMENTO ............................................................................................. 124
5. A CULPA POST FACTUM FINITUM ............................................................................................ 124
O NÃO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES ............................................................................. 126
1. NOÇÕES GERAIS E MODALIDADES DE NÃO-CUMPRIMENTO ....................................................... 126
2. O CUMPRIMENTO RETARDADO ............................................................................................... 126
2.1. Mora do Devedor ...................................................................................................... 126
2.1.1. Efeitos da Mora do Devedor............................................................................................................. 127
2.1.2. A Cessação da Mora ......................................................................................................................... 127
2.2. A Mora do Credor...................................................................................................... 127
2.2.1. Efeitos da Mora do Credor ............................................................................................................... 127
2.2.2. Cessação da Mora do Credor ........................................................................................................... 128
2.2.3. A Natureza da Mora do Credor ........................................................................................................ 128
2.3. Atraso Imputável a Terceiro ..................................................................................... 128
2.4. A Declaração de Não Cumprimento ........................................................................ 128
2.5. O Não Cumprimento Definitivo ................................................................................ 129
2.5.1. A Resolução Por Incumprimento ..................................................................................................... 129
2.5.2. A Exceção de Não-Cumprimento ..................................................................................................... 130
2.5.3. A Impossibilidade Não Imputável .................................................................................................... 130
2.5.4. O Commodum de Representação – Regime do Risco ................................................................... 133
2.5.5. A Impossibilidade Imputável ao Devedor ........................................................................................ 134
2.5.6. A Impossibilidade Imputável ao Credor ........................................................................................... 134
2.5.7. A Impossibilidade Imputável a Terceiro .......................................................................................... 134
2.6. O Não Cumprimento Frontal – A Não Execução da Prestação (3) ....................... 134
2.6.1. A Responsabilidade Por Atos de Representantes ou Auxiliares .................................................... 135
2.6.2. O Cumprimento Imperfeito ............................................................................................................... 135

A FIXAÇÃO CONTRATUAL DOS DIREITOS DO CREDOR ........................................................... 137


1. AS CLÁUSULAS LIMITATIVAS DA RESPONSABILIDADE................................................................. 137
2. A CLÁUSULA PENAL .............................................................................................................. 137
2.1. A Distinção da Cláusula Penal em Relação a Outras Figuras ............................... 138
2.2. O Regime da Cláusula Penal ................................................................................... 138
3. O Sinal .......................................................................................................................... 139

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A REALIZAÇÃO COATIVA DA PRESTAÇÃO ................................................................................ 141
1. A AÇÃO DE CUMPRIMENTO E A EXECUÇÃO ............................................................................... 141
2. A SANÇÃO PECUNIÁRIA COMPULSÓRIA .................................................................................... 141
3. A CESSÃO DE BENS AO CREDOR ............................................................................................ 142
A MODIFICAÇÃO DAS OBRIGAÇÕES ........................................................................................ 143
1. A ALTERAÇÃO DE CIRCUNSTÂNCIAS......................................................................................... 143
1.1. A Delimitação da Alteração de Circunstâncias ...................................................... 143
1.2. A Alteração de Circunstâncias e o Direito Vigente (437º/1) ................................. 143
A TRANSMISSÃO DAS OBRIGAÇÕES ....................................................................................... 145
1. A TRANSMISSÃO DAS OBRIGAÇÕES ......................................................................................... 145
2. AS FORMAS DE TRANSMISSÃO DAS OBRIGAÇÕES ..................................................................... 145
2.1. Cessão de Crédito..................................................................................................... 145
2.2. Sub-Rogação ............................................................................................................. 146
2.3 A Assunção de Dívidas .............................................................................................. 147
2.4 Cessão da Posição Contratual .................................................................................. 148
EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES .................................................................................................. 149
1. A Supressão da Fonte .............................................................................................. 149
1.1. Generalidades........................................................................................................... 149
1.2. A Dação Em Cumprimento....................................................................................... 150
1.3. A Consignação Em Depósito .................................................................................... 151
1.4. A Compensação ........................................................................................................ 151

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Tratado do Direito Civil
Tomo VI
PROF. ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO

11 DIREITO DAS OBRIGAÇÕES | Prof. António Menezes Cordeiro


DIREITO DAS OBRIGAÇÕES
NOÇÃO E COORDENADAS GERAIS DAS OBRIGAÇÕES

1. NOÇÃO DE OBRIGAÇÃO
Nos termos do Código Civil Português, em especial, do artigo 397º, será noção de
obrigação:
A obrigação é o vínculo jurídico por virtude do qual uma pessoa fica
adstrita para com outra à realização de uma prestação.

2. PRINCÍPIOS GERAIS DO DIREITO DAS OBRIGAÇÕES


São vários os princípios que caracterizam o Direito das Obrigações. De acordo com a
regência, são de destacar:
à O Princípio da Relatividade: estatui que as obrigações apenas produzem efeitos
entre o credor e o devedor, podendo ser retirada a relatividade dos artigos 397º,
398º, 405º, 406º e 424º. A importância desta relação que se estabelece é
notória nos artigos 798º e 799º, nomeadamente pelo facto da responsabilidade
obrigacional se caracterizar por uma presunção de culpa.
à O Princípio da Tutela do Devedor: na base, encontramos a ideia de tutela da
parte mais fraca, patente do próprio direito civil – o devedor como parte mais
fraca, logo alvo de maior proteção jurídica. O princípio tem concretizações legais
muito explícitas, como o artigo 406º (deriva de fonte voluntária), o artigo 777º,
o artigo 779º, etc.
à O Princípio da Irrenunciabilidade Antecipada aos Direitos: há uma tendência
natural, no ser humano, em dar-se aquilo que não se tem, pelo que o Direito das
Obrigações postula a impossibilidade em renunciar-se a posições
jurídicas/direitos favoráveis. Tenha-se como exemplo a proibição de doar bens
futuros (artigo 994º).
à O Princípio da Causalidade: a causa assume um papel fundamental, na medida
em que á a fonte de obrigação; assim, não há obrigação sem causa, ou seja,
não se permitem obrigações abstratas, em resultado da necessidade de
verificar a validade dessa mesma obriga ção (por se tratar de um vínculo
abstrato percetível apenas pelo intelecto das pessoas). Trata-se, também, de
uma forma de garantir a justiça, defender ambas as partes e espelhar os valores
fundamentais do sistema (concretizar a boa fé).

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DIREITO DAS OBRIGAÇÕES
DOGMÁTICA GERAL DAS OBRIGAÇÕES

1. CONCEITO E ESTRUTURA DAS OBRIGAÇÕES


1.1. AS DOUTRINAS PESSOALISTAS
1.1.1. TEORIA PESSOALISTA DE SAVIGNY
As doutrinas pessoalistas, protagonizadas por Savigny, pressupõe que na obrigação há
uma situação de desigualdade: há uma liberdade alargada com o domínio sobre a pessoa e uma
liberdade limitada pela adstrição e pela necessidade à prestação.
O direito subjetivo, entendido como um poder de vontade, recai sobre a natureza não-
livre ou sobre a pessoa estranha – no entanto, note-se que não recai sobre a pessoa em si; mas
sobre um ato que deve ser realizado por essa pessoa, que é a obrigação.
Face a estas suposições de Savigny, surgem críticas:
à Traduziria a escravidão, um poder do credor sobre o devedor e até um direito
real sobre o devedor – ao que Savigny contrapõe que o foco não é a pessoa, mas
um ato do devedor;
à Não explica o poder de agressão que é reconhecido, ao credor, em relação ao
património do devedor e ignora a vontade do devedor – Savigny, aliás, reconhece
que o ato do devedor é voluntário;
à A regência discorda do conceito de direito subjetivo aliado apenas a um poder
de vontade, havendo aliás direitos subjetivos sem vontade;

1.1.2. AS ANÁLISES ECONÓMICAS POSTERIORES


Posteriormente à proposta de Savigny, a obrigação passa a ser entendida – Dernburg e
Savatier – com um teor económico, que se traduz na ação patrimonial (que havia sido rejeitada
por Savigny, segundo críticas). Assim, a obrigação como atuação estaria destinada a satisfazer o
interesse do credor ou um resultado que com este interesse se relacionasse.
Apesar dos pressupostos em que assentavam estas posições, já se entende hoje que
nem todas as obrigações têm um conteúdo patrimonial e que as obrigações valem por si,
independentemente de qualquer satisfação de interesses que nela se inscrevam.

1.1.3. A TEORIA CLÁSSICA


A teoria clássica assenta na noção generalizadamente aceite: vinculo pelo qual uma
pessoa fica adstrita, em relação a outra, à realização de uma prestação (art. 397º). No entanto,
há que reconhecer que esta noção é insuficiente no que respeita ao conteúdo e estrutura da
obrigação.

1.2. AS DOUTRINAS REALISTAS


As doutrinas realistas surgem como resposta ao problema da transmissibilidade das
obrigações – como transferir, afinal, um vínculo pessoal? Afinal, as teorias pessoalistas não
poderiam explicar a transmissibilidade, na medida em que estariam intimamente ligadas à
pessoa do credor e do devedor.
A primeira tentativa é reportada a Albert Koeppen, que explica que, no crédito, não está
em causa um direito à prestação, mas ainda, o valor monetário que essa prestação tenha para
o credor.

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Mais tarde, uma nova ideia de obrigação, vem reduzi-la a uma relação de patrimónios.
De acordo com o prof. Gomes da Silva, poderá ser extrema (quando a obrigação não vincula,
diretamente, do devedor e o credor, mas os patrimónios respetivos) ou moderada (o crédito
represente um direito a bens indeterminados do devedor). Na versão extrema, situa-se Bonelli,
afirmando que o verdadeiro sujeito, nas obrigações, é o património. Já a versão moderada,
indicaria que a obrigação apenas implicaria um direito sobre os bens indeterminados do devedor.
Puacchioni, já próximo das teorias mistas, vem apelar ao crédito como mera expectativa
à prestação, que teria também um direito real de garantia sobre o património do devedor.
As críticas realizadas às teorias realistas foram sintéticas:
à Desconformidade com o Direito positivo: as leis modernas prescreviam um dever
de prestar e os modos de concretização, não sendo, também, claro que as
normas jurídicas se dirigissem ao património do devedor, já que a pessoa que
não tem património mantém-se hábil a contrair obrigações.
à Perspetiva deficiente, em resultado de uma interpretação histórica menos
adequada, afirmando os críticos que não se havia passado de uma visão pessoal
para uma visão patrimonial, mas de uma visão pessoal para uma adstrição ética
(devedor como destinatário de um dever ser).

1.3. AS DOUTRINAS MISTAS (DÉBITO E RESPONDÊNCIA)


Nas doutrinas mistas residiria a lógica de haftung e schuld, afirmando estas que a
obrigação consiste num conjunto formado pelo débito e pela respondência – aquele que
incumpre o débito deve responder pelo incumprimento. O schuld corresponderia ao débito (um
dever de prestar) e o haftung corresponderia à garantir, através de pessoa ou coisa, em caso de
incumprimento. Note-se, no entanto, que entre os conceitos não é estabelecido um nexo de
causalidade; para além disso, não admitem um débito sem respondência, já que não teria
estrutura jurídica, nem a respondência sem um débito.
Distingue-se, assim, nestas conceções, dois vínculos: o débito, o devedor encontra-se
adstrito a uma prestação; a responsabilidade, o credor pode-se ressarcir patrimonialmente em
caso de incumprimento. Estão, estes dois vínculos, intimamente interligados.
No entanto, sabe-se que pode ocorrer, no ordenamento jurídico português, dissociação
entre o débito e a respondência, podendo essa dissociação assumir várias dimensões:
à Objetiva: diferenças existenciais ou essenciais. Tenha-se como exemplo: débito
sem respondência (402º) e respondência sem débito (483º);
à Subjetiva: cada vínculo é encabeçado por sujeitos distintos. Tenha-se como
exemplo: respondência direta por débitos alheios (627º), respondência por
débitos alheios (667º).
à Teleológica: os vínculos prosseguem fins distintos. Tenha-se como exemplo: um
dever de prestar que serve um interesse do credor e uma execução que poderá
dar uma soma em dinheiro ao credor.
à De regimes: suscitam a aplicação de regimes e regras próprias.

1.3.1. A ESSENCIALIDADE DA RESPONDÊNCIA


Nas conceções dualistas, o elemento essencial é a respondência – nela reside a
tentativa de explicação (já que o débito é de fácil explicação). Destacam-se três conceções: a
teoria publicística, a teoria do direito real de garantia e a teoria das fases.
à Teoria publicística: o credor usaria meios próprios para executar a
responsabilidade/garantia (haftung); progressivamente, as sociedades têm
vindo a delegar esta função ao Estado, devendo o credor recorrer ao Estado de
acordo com as normas processuais – o Estado limita-se a executar direitos pré-
existentes.

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à Teoria do direito real de garantia: com Rocco como precursor e aceite em
Portugal por Galvão Telles e Gomes da Silva, defende que, na obrigação, existe
uma relação principal e uma relação de garantia, com autonomia e
fundamentação própria (requerer a penhora e a venda forçada de bens o credor
para conseguir valores necessários à satisfação do direito de crédito).
à Teoria das fases: Carnelutti aponta ara dois vínculos sucessivos e no
prolongamento um do outro, ou seja, como duas fases, resultante a divisão do
dever do devedor e do poder do credor.
Note-se que estas posições, apesar dos seus pressupostos, veem a sua aplicabilidade
posta em causa quando se avaliam figuras como: as obrigações naturais, a fiança, os direitos
reais de garantia e a separação de patrimónios (págs. 295 a 298). Para além disso, não deixa
de ser verdade que a respondência é um modo de ser de todo o direito, não se inscrevendo, por
isso, na área específica das obrigações.

1.4. AS (RE)CONSTRUÇÕES DO PESSOALISMO


A teoria clássica apontava para a obrigação como a situação em que uma pessoa está
adstrita, para com outra, à realização de uma prestação e representaria uma noção que, apesar
de correta, não esclareceria sobre o conteúdo e a estrutura da obrigação. E, nesta sequência,
Henrich Siber, ao pondera o regime, destaca que a obrigação não traduz apenas um direito e um
dever, mas antes vários direitos a várias atuações, afirmando a obrigação como um organismo.
Nesta sequência, vários autores vêm reconhecer a obrigação como dotada de
complexidade interna, ou seja, constituída por vínculos de vária ordem. Aliás, Felix Herholz vem
estatuir que a obrigação vai sofrendo modificações ao longo do tempo, o que faz surgir novos
deveres e novos encargos – apresenta a figura como uma relação-quadro constante, apesar das
modificações que vai sofrendo.

1.4.1. O INTERESSE DO CREDOR


Ora, afirmada a obrigação como uma sequência que se prolonga no tempo e que é
composta, no seu conteúdo, por vários elementos, fez emergir a questão do fundamento que
estaria na base dos vários elementos – é chamado à coação o interesse do credor, que, aliás, é
recorrentemente apelado pela lei (artigos 398º e 443º).
Dada a importância do interesse do credor, torna-se fundamental
esclarecer o conceito de interesse, que, em termos latos, corresponde a
uma relação de necessidade ou de apetência, entre uma pessoa com
necessidades, perante uma realidade capaz de os satisfazer. Neste
seguimento, são distinguíveis três aceções de interesse:
à Interesse subjetivo: relação de apetência que se estabelece
entre uma pessoa, que tem desejos, e o objeto capaz de os
satisfazer.
à Interesse objetivo: relação de adequação que surge entre uma
pessoa, que tem necessidades reais e contestáveis, e a
realidade apta a resolvê-las.
à Interesse técnico: a realidade apta a satisfazer desejos ou
necessidades, que, sendo protegida pelo Direito, dá lugar,
quando desrespeitada, a um dano. Sendo, esta última, a noção
mais relevante para o interesse do credor na obrigação.

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1.5. A NATUREZA COMPLEXA DA OBRIGAÇÃO
As referências que se foram fazendo à obrigação enquanto vínculo complexo, ou seja,
enquanto organismo/estrutura, reportam-se à necessidade de, para o devedor executar
corretamente aquilo a que está adstrito, deverá sempre proceder a atuações diferencias que se
distinguem da prestação principal.
Note-se, assim, que estas atuações podem ter fontes intrínsecas, decorrendo da
natureza das coisas; podem ter fontes dispositivas, ou seja, que se predem com o contrato ou a
fonte em questão; podem ter fontes linguísticas, ou seja, no idioma considerado exige uma
perífrase para ser completamente comunicada.
Assim, a obrigação assume-se como um sistema que unifica, em torno de um ponto de
vista unitário, diversas prestações que o servem – aliás, essas prestações tornam-se essencais
para se definir o regime jurídico adequado, bem como para garantir o correto cumprimento da
prestação a que o devedor está adstrito. Distinguem-se, assim, a prestação principal das
prestações secundárias – que, em princípio, são predeterminadas ou predetermináveis.
Acresce-se, a este sistema, os deveres acessórios, que resultam da concretização dos
valores fundamentais do sistema, nomeadamente da boa fé. Assim, a boa fé deve ser respeitada
nas negociações (227º), na execução dos contratos (762º) e no exercício de posições jurídicas,
sob pena de abuso de direito (334º). Traduzem-se em: deveres de lealdade, deveres de
segurança e deveres de informação. A função destes deveres é prevenir danos, seja no serviço,
seja nos elementos circundantes.
Note-se que, para além do devedor, também o credor tem deveres: poderá,
eventualmente, ter de colaborar para que prestação principal seja possível (aliás, caso não
faculte a execução, entra em mora – 813º e ss.). Está, ainda, adstrito a deveres acessórios, que
têm por base a prevenção do agravamento da posição do devedor e os danos colaterais na sua
pessoa.
Para terminar, não se deixe de notar que também existem obrigações sem dever de
presta, ou seja, seja prestação principal. É o caso dos direitos pessoais de gozo, onde a prestação
principal é substituída pelo direito de gozo da coisa.

1.5.1. POSIÇÃO DA REGÊNCIA – NATUREZA COMPLEXA E UMA POSIÇÃO DE VANTAGEM

A estrutura complexa
obrigação, proposta pela
regência, comporta três partes:
o núcleo, onde se situa a Halo Periférico: deveres acessórios.

prestação principal, a que Núcleo: prestação principal.


corresponde a oponibilidade Halo Central: deveres secundários.
forte; o halo central, onde se
situam os deveres
secundários, a que
corresponde a oponibilidade média; o halo periférico, onde se situam os deveres acessórios
(decorrentes de valores do sistema), a que corresponde a oponibilidade média.
Assim, o direito de crédito é, em termos técnicos, a permissão normativa específica de
aproveitamento de uma prestação e o débito será o dever de efetuar essa prestação.
Quando se alude a vantagem, pretende-se transmitir uma realidade protegida pelo
direito, ampliada à esfera jurídica do credor – que dispõe, assim, de proteção jurídica. A
inobservância, pelo devedor, dá origem a dona (interesse técnico).

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2. CARACTERÍSTICAS DAS OBRIGAÇÕES
2.1. A PATRIMONIALIDADE
A questão da patrimonialidade é uma questão de fundo do direito das obrigações e
reside na dúvida de saber se a obrigação tem ou não sempre valor patrimonial – ou seja, se é
pecuniária.
De acordo com a tese clássica, a obrigação teria necessariamente natureza patrimonial,
em resultado de: as disposições legais assim o determinam; a responsabilidade patrimonial
assim o exige; os danos morais não são passiveis de ressarcimento. No entanto, há que ver que
a responsabilidade patrimonial não determina o caráter da obrigação; para além disso, o
moderno direito das obrigações já admite outros meios de sanção, como é o caso da execução
específica e das sanções compulsórias (829º).
Deste modo, admite-se a rejeição das teses clássicas quando aplicadas ao direito
vigente. Aliás, a própria lei determina que a prestação não tem necessariamente de ter valor
pecuniário (398º). E, em consequência da superação do patrimonialismo, dá-se também o
abandono das conceções realistas e mistas, já que pressupõe uma relação de património e uma
especial relevância do valor patrimonial da obrigação.
Importa, ainda, esclarecer o que entender por não necessita de ter valor pecuniário. Por
situação patrimonial, esclareça-se antes de mais, deve entender um conteúdo económico que
pode ser avaliado em dinheiro. Ainda, estabeleça-se conclusões: a natureza não-patrimonial é
compatível com o ressarcimento de danos morais e deve reger-se pelo Direito patrimonial;
Ora, apesar de as situações não patrimoniais serem aquelas cujas trocas por dinheiro
não sejam admitidas pelo Direito, sabe-se, hoje, também que as mesmas situações podem ser
avaliadas em dinheiro. Concretiza-se esta ideia com a noção de prestações sem valor pecuniário:
aquelas que penetram pela fresta, hoje apertada, das atuações que, não podendo ser trocadas
por dinheiro sejam, todavia, lícitas e compensáveis com dinheiro – resume-se na ideia de que a
dificuldade em fixar um valor patrimonial em algo não implica que esse algo não o tenha.

2.2. O INTERESSE DO CREDOR E A JURIDICIDADE


A necessidade de proteção legal atribuída ao interesse do credor resulta da querela em
torno do caráter patrimonial das obrigações. Por interesse, relembre-se, tem de tido como noção
uma realidade protegida por normas jurídicas, as quais, se violadas, dão origem a dano.
Levanta-se a questão, então, da juridicidade das obrigações, cuja solução consta da
sequência: 397º, definição de obrigação; 398/1, afirma a liberdade de fixação do conteúdo;
398/2, permite que não tenham conteúdo patrimonial; 398º/2 exige que sejam juridicamente
consideráveis. Assim, interesse digno de proteção legal implica a suscetibilidade de proteção
jurídica. No entanto, pergunta-se: se tudo o que não é proibido é permitido, no Direito civil, o que
fica fora da juridicidade?
Antunes Varela propõe: prestações que correspondam a um mero capricho do credor;
prestações consideradas por outros complexos normativos. A regência desconsidera a
precedência da primeira; no entanto, afirma a segunda, já que não faz sentido que uma
prestação que apenas releve para ordens jurídicas tenha proteção legal.

2.2.1. O PROBLEMA DAS RELAÇÕES DE OBSEQUIOSIDADE E DE CAVALHEIRISMO


Este problema coloca-se dentro das prestações que correspondam a um mero capricho
do credor.
As relações de obsequiosidade correspondem a adstrições que surgem no trato social,
em resultado da boa educação e da razoabilidade de contacto entre as pessoas. As relações de
puro cavalheirismo decorrem da palavra de honra no sentido de garantir um resultado ou de

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efetuar uma prestação. Em regra, são acordos sem conteúdo patrimonial e que, segundo o trato
social, não são objeto de sanções e de tratamento jurídico – a sanção é a mera reprovação social.
Para lhes apurar juridicidade há que procurar por critérios, nomeadamente: o indício da
patrimonialidade, em termos objetivos; e a vontade de se obrigar/de acatar consequências
jurídicas, em termos subjetivos. Estes, critérios gerais considerados para qualquer relação
obrigacional.
No que respeita aos acordos de cavalheirismo, cabe saber se será possível abdicar da
proteção jurídica que lhes é concedida. Esta questão levanta-se porque no acordo de cavalheiros
existe um convénio, por vezes com conteúdo patrimonial, que as partes decidiram retirar do
âmbito jurídico. No entanto, deve entender-se que, quando haja essa patrimonialidade, as
relações obrigacionais são efetivas, em termos jurídicos – os tribunais, aliás, têm aplicado o
Direito nestes casos.

2.2.2. A RESPONSABILIDADE POR DEFERÊNCIA


As relações de obsequiosidade, tal como as de cavalheirismo, quando não comportem
relações obrigacionais comuns, a cumprir pelas partes, podem dar origem a situações de
responsabilidade por deferência (através desta podem surgir efetivas obrigações, não dirigidas
ao cumprimento, mas antes visando a tutela da confiança).
Tenha-se como exemplos: os deveres de tráfego; o caso do transporte por deferência,
sendo alguém, por gentileza, transportado gratuitamente, vindo posteriormente a sofrer um
acidente.

2.3. A MEDIAÇÃO E A COLABORAÇÃO


Através da comparação entre direitos reais e direitos de crédito, chegamos à conclusão
de que, tendencialmente, nos primeiros domina a imediação (não carecem de intermediário ou
colaboração) e nos segundos domina a mediação (carecem de intermediário/colaboração).
No entanto, há precisões a fazer: nos direitos de crédito opera a mediação quando se
esteja perante obrigações que envolvam a entrega da coisa corpórea; nos direitos reais, há
também situações em que é necessária a atuação de certas pessoas ou do tribunal; figuras como
os direitos pessoais de gozo, os créditos potestativos e a execução específica são exemplos de
créditos em que prescindem da mediação do devedor.

2.3.1. A DETERMINAÇÃO DAS PARTES


Numa relação obrigacional, é absolutamente que as partes sejam determináveis e, tanto
quanto possível, determinadas; já que a obrigação se trata de uma relação específica entre duas
pessoas, não sendo esta concebível se uma das partes não for determinável.
Note-se, ainda, que no momento do cumprimento, é essencial a existência de um
devedor e de um credor, na medida em que, caso tal não se verifique, a obrigação se extinga por
impossibilidade superveniente. Para além disso, em casos de partes indeterminadas, deve
recorrer-se às regras disponíveis no ordenamento, negociais ou supletivas, e proceder à
determinação.
A bom rigor, a palavra mediação, para caracterização das obrigações, deve ser
substituída por colaboração – e, na falta desta colaboração, que decorre tantos dos deveres
secundários como dos deveres acessórios, deve o Direito intervir e substituir-se ao faltoso.
Reconheça-se, nestes termos, que a colaboração contrapõem-se à autossuficiência dos direitos
reais (direitos absolutos, melhor dizendo). No entanto, não deixa de ser verdade que, cada vez
mais, o beneficiário de um direito real só pode aproveitar a sua coisa através de uma teia de
colaborações com outras pessoas.

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3. A RELATIVIDADE E A EFICÁCIA PERANTE TERCEIROS
A questão da relatividade coloca-se, em obrigações, em resultado de estas derivarem de
acordos livremente celebrados e que, portanto, em termos abstratos, apenas podem vincular as
pessoas que os tenham concluído, ou seja, as partes. A regra é retirável do artigo 406º do Código
Civil Português, posteriormente ao contraponto entre direitos de crédito e direitos reais, que
permitiam a transposição da regra dos contratos para as obrigações.
O tema da relatividade em obrigações, como resultado de uma relação jurídica entre
duas pessoas determinadas, era já referenciado por Savigny. De um modo geral, significa que o
devedor está sujeito à prestação, perante o credor. Em oposição, os Direitos Reais podem valer-
se contra todos, logo são absolutos.

Relatividade Estrutural (1) Oponibilidade (2) Eficácia Externa (3)

Direitos Reais
Responsabilidade
Permissão normativa Forte, média e fraca
Tendencialmente, delitual, civil ou
específica de ergaomnes (contra
são absolutos aquiliana (artigo.
aproveitamento de todos)
483º, CC)
uma coisa corpórea.

Direitos de Crédito
Permissão normativa Forte, média e fraca Responsabilidade
Tendencialmente,
específica de interpartes (apenas obrigacional (artigo
são relativos
aproveitamento de contra o devedor) 798º, CC)
uma prestação.

(1) Relatividade em termos estruturais: pressupõe a existência ou inexistência de uma


relação jurídica entre duas pessoas determinadas. Nos direitos de crédito, há uma relação entre
o credor e o devedor – tendencialmente, são relativos. Nos direitos reais, a relação reside no
aproveitamento da coisa – tendencialmente, são absolutos.
(2) Relatividade em termos de oponibilidade: pressupõe a possibilidade de pretensões
contra a outra parte da relação (interpartes) ou contra qualquer sujeito (ergaomnes). Nos direitos
de crédito, o Direito permite que o credor exija o cumprimento ao devedor e apenas ao devedor.
Nos direitos reais, o titular pode exigir a restituição da coisa a qualquer terceiro (1311º/1), assim
como os terceiros podem pedir o respeito pela sua posição.
(3) Relatividade em termos de eficácia externa: pressupõe a possibilidade ou não de
incorrer em responsabilidade civil ou obrigacional aquele que incorreu em ilicitude. Nos direitos
de crédito, apenas o devedor pode faltar ao cumprimento, incorrendo em responsabilidade
obrigacional (798º e ss.). Nos direitos reais, qualquer pessoa pode atingir a coisa, incorrendo em
responsabilidade aquiliana (483º e ss.).

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3.1. A RELATIVIDADE ESTRUTURAL
Quando se contrapõem direitos reais e direitos de crédito, é indubitável que a distinção
que salta à vista resida na relatividade: os direitos de crédito são tendencialmente relativos e os
direitos são tendencialmente absolutos.
Note-se, no entanto, que no conceito de obrigação – amplamente aceite pela doutrina,
nos dias de hoje – não se reconduz apenas a direitos relativos, mas também a direitos absolutos,
como é o caso dos direitos potestativos – o titular atua isoladamente. Assim, é possível afirmar
que a relatividade não é uma característica permanente das obrigações.
Os direitos potestativos diferem, deste modo, dos direitos de crédito, o que resulta em
regimes muito diferentes. Numa situação de sujeição, a pessoa sujeita nada pode fazer, daí que
seja uma posição distinta da do devedor – que se sujeita às normas respeitantes ao dever de
prestar, às suas vicissitudes e à execução.
Outro caso a considerar, para além dos direitos potestativos, é o caso dos direitos
pessoais de gozo. O núcleo destes direitos é estruturalmente absoluto, gozando o titular da coisa
em resultado da tua atividade e não de qualquer prestação – no entanto, num plano secundário
são compostos por deveres acessórios.
Entende-se, assim, que a relatividade não é um vetor obrigatório no direito das
obrigações.

3.2. A RELATIVIDADE NA PRODUÇÃO DE EFEITOS


No que respeita à relatividade em termos de oponibilidade ou de produção de efeitos, a
regência distingue a graduação dessa mesma oponibilidade, através de três denominações:
oponibilidade forte, oponibilidade média e oponibilidade fraca. Note-se, ainda, que a
oponibilidade pode assumir-se como interpartes – entre as partes da relação jurídica, típica dos
direitos de crédito – ou como ergaomnes – contra todos, em resultado de um direito isolado
(absoluto), típica dos direitos reais.
à Oponibilidade forte: possibilidade de o titular exigir o quid valioso que o Direito
lhe atribui, podendo ser interpartes ou ergaomnes.
à Oponibilidade média: possibilidade de o titular exigir o acatamento de obrigações
secundárias ou deveres acessórios, podendo ser interpartes ou ergaomnes.
à Oponibilidade fraca: possibilidade de exigir um dever geral de respeito, podendo
ser interpartes ou ergaomnes.

3.2.1. A OPONIBILIDADE FORTE


Como bem se entende, os direitos de crédito são dotados de oponibilidade forte
interpartes, o que significa que o credor pode exigir o cumprimento da prestação ao devedor e
só este está obrigado a cumprir. Note-se, no entanto, que no que respeita às obrigações pode
haver intromissão de terceiros, desde que seja dirigida à satisfação do credor (artigo 767º/1).
Em oposição, os direitos reais são dotados de oponibilidade forte ergaomnes, o que
significa que o proprietário pode exigir a coisa a qualquer pessoa que a possua ou a detenha.
Perante as regras gerais anunciadas, há que anunciar algumas exceções: há direitos
reais que perdem a sua oponibilidade ergaomnes (1); há direitos de crédito que adquirem
oponibilidade ergaomnes (2); há direitos de crédito que podem ser atuados contra terceiros (3).
(1) Pode ocorrer por via das regras do registo predial.
(2) São exemplos a promessa com eficácia real (artigo 413º/1) e a preferência com
eficácia real (artigo 421º/1). São figuras obrigacionais “realificadas”, ou seja, que se podem fazer
valer contra todos: na primeira pela reivindicação; na segunda pela ação de preferência.

20 DIREITO DAS OBRIGAÇÕES | Prof. António Menezes Cordeiro


(3) São institutos que permitem que um credor obtenha o bem a que tem direito das
mãos de um terceiro. São exemplos a ação direta (336º/1), a impugnação pauliana (610º/1;
616º/1).

3.2.2. A OPONIBILIDADE MÉDIA, OS CONTRATOS COM PROTEÇÃO DE TERCEIROS E O TERCEIRO


CÚMPLICE
No que respeita às obrigações, em ligação com a oponibilidade média, entende-se que
podem, estas, envolver a prestação de obrigações secundárias ou de deveres acessórios.
O Problema do terceiro protegido: como exemplo, retenha-se o contrato a favor de
terceiro (443º), podendo este terceiro: exigir a prestação e aceitar/rejeitar a promessa (a adesão
torna a promessa irrevogável – 447º/1). Verifica-se, assim, nestes contratos, que o devedor tem
deveres para cumprir, não só para com o credor, mas também para com terceiros.
O Problema do terceiro cúmplice: outra problemática relacionada com a oponibilidade
média resida na teoria da responsabilidade do terceiro cúmplice, que equaciona o problema de
eventualmente responsabilizar o terceiro que tenha provocado o incumprimento da obrigação. A
nível de Direito Comparado, o problema tem recebido diversas soluções, que distinguem
nomeadamente as soluções anglo-saxónica e francesa da alemã. Tenha-se como referência que
este terceiro que se pretende responsabilizar não é um qualquer estranho, mas antes mantem
uma especial relação com as partes (uma proximidade negocial, que se centra em deveres de
lealdade).
Retira-se, assim, duas conclusões: cada obrigação é dotada de deveres acessórios, que
assumem natureza diversa: poderão funcionar como proteção de terceiros; podem funcionar
como obrigação a terceiros.

3.2.3. A OPONIBILIDADE FRACA E O DEVER GERAL DE RESPEITO


Na base da oponibilidade fraca, que se reconduz ao dever geral de respeito, reside na
circunstância de as pessoas deverem respeito aos direitos das restantes.
A questão que se coloca é a de saber se a responsabilidade aquiliana, embora
historicamente pensada para a tutela de direitos reais e de personalidade, poderá ser usada
para proteger os direitos de crédito. Entende, a doutrina alemã, que é este dever geral de respeito
que pode justificar a possibilidade de responsabilizar um terceiro que interfira com o
cumprimento de uma obrigação.
HECK O direito absoluto assemelha-se a uma fortificação, que concebe
O PENSAMENTO proteção em todas as direções; o direito obrigacional a uma barricada,
que só protege numa direção, mas que não impede ataques noutras
RELATIVISTA direções.

3.2.4 A RELATIVIDADE NA RESPONSABILIDADE CIVIL E NA RESPONSABILIDADE OBRIGACIONAL


No que respeita à responsabilidade obrigacional, o tema é de fácil resolução: apenas o
devedor é responsável pelo incumprimento de uma obrigação, nos termos doas artigos 798º e
ss. Deste incumprimento, nasce um tipo de responsabilidade específica, que se caracteriza por
uma presunção de culpa e de ilicitude, nos termos do artigo 799º.
Já na responsabilidade civil, aquiliana ou delitual, que é regra geral, sabe-se que quem
ilicitamente violar os direitos de outrem, cairia em responsabilidade (483º); esta modalidade não
se associa a qualquer presunção de culpa (487º). No entanto, a doutrina tem-se questionado
quanto à possibilidade de os direitos de crédito darem azo a responsabilidade aquiliana. E,
perante a importância de tutelar dadas situações injustas, a doutrina desenvolveu dois institutos:
a tutela relativa de direitos absolutos e a tutela absoluta de direitos relativos.
No que respeita à tutela relativa de direitos absolutos, esta reporta-se a deveres de
tráfego. Deste modo, a responsabilidade aquiliana não se deve limitar a exigir abstenções (de

21 DIREITO DAS OBRIGAÇÕES | Prof. António Menezes Cordeiro


violação), podendo exigir deveres de atuação que devem ser respeitados. Cabem, a estes
deveres, o controlo do perigo ou do dano (um dever de atuação).
Já no que respeita à tutela absoluta dos direitos relativos, a questão reside na tutela dos
direitos de crédito perante terceiros. O problema surge em resultado de a obrigação poder ser
atingida por terceiros, nomeadamente por poder exigir suportes materiais, condições ambientais
ou, até mesmo, agentes humanos. Assim, quando se prove que o terceiro agiu com intenção de
atingir a obrigação, prejudicando o credor, não há como evitar uma responsabilidade civil – é o
espírito do sistema, em especial, os ditames da boa fé, que exigem uma solução do problema.
Este problema da responsabilização de terceiros surge no âmbito da oponibilidade média
e de oponibilidade fraca. No que respeita à oponibilidade média, fala-se na técnica do terceiro
cúmplice, que comina em responsabilidade delitual (sistema anglo-saxónico e francês); ou no
contrato com eficácia e proteção para terceiros, que comina em responsabilidade obrigacional
(sistema alemão). No que respeita à oponibilidade fraca, a questão reside em saber se se dever
falar de um dever geral de respeito dos direitos de crédito (positiva a resposta do sistema anglo-
saxónico; negativa a resposta do sistema alemão).
Em Portugal, a doutrina tem convergido em soluções diversas: umas apontam para a
negação da responsabilidade civil de terceiros (A); outras, intermédias, apontam para a
possibilidade de responsabilidade civil de terceiros, mediante determinadas condições (B);
outras, apologistas, admitem sempre a responsabilidade civil de terceiros (C).
(A) defendida pelos professores Cunha Gonçalves, Manuel de Andrade e Vaz Serra.
Argumentos sociopolíticos: a eficácia externa das obrigações poria em causa a liberdade
dos sujeitos e criaria uma vasta variedade de situações de responsabilidade.
Argumento interpretativo da lei e sistemático: o artigo 483º/1 foi historicamente pensado
para os direitos absolutos, sendo por isso regra geral. No que respeita a matéria
obrigacional, é aplicável o artigo 798º, que é regra especial.
Argumento legal: o artigo 406º, relativo à relatividade dos contratos, prevê que estes só
devem ser cumpridos pelas partes, o que significa que as próprias obrigações só devem
ser cumpridas pelo devedor. Para além disso, responsabilizar terceiros seria contra a
própria liberdade contratual, prevista no artigo 405º.
(B) defendida pelos professores Pessoa Jorge, Menezes Cordeiro, Ferrer Correia.
Argumentos sociopolíticos: a vasta variedade passaria pelos pressupostos da
responsabilidade civil (pelo que seria legítima), passando nomeadamente pelo crivo da
ilicitude da conduta e pela culpa.
Argumento interpretativo da lei e sistemático: o artigo 483º/1 não permite, na letra ou
espírito, uma limitação aos direitos absolutos. Para além disso, uma vez que o artigo
798º, como regra especial, só se aplica ao devedor, e não responsabiliza terceiros que
devem ser responsabilizados, deve recorrer à regra geral, artigo 483º.
Argumento de Direito Comparado: várias ordens jurídicas mostram-se sensíveis ao tema;
nomeadamente os sistemas anglo-saxónico e o francês, que acolhem uma solução pela
responsabilidade aquiliana; e o sistema alemão, que acolhe uma solução pela
responsabilidade obrigacional.
Argumento de necessidade: entende-se que há necessidade de tutelar o problema, uma
vez que até as posições relativistas reconhecem que os terceiros podem atingir um
direito de crédito.
1. podem atuar sobre o objeto da prestação;
2. podem impedir o cumprimento, agindo física ou psiquicamente;
3. podem tomar uma posição eficaz mas injusta, que contrarie a execução;
(C) defendida pelos professores Inocêncio Galvão Telles e Gomes da Silva.
Argumentação jurídica: os direitos de crédito são tidos como direitos subjetivos, pelo que
merecem a tutela do direito e são passíveis de ser judicialmente exigidos; para além
disso, o artigo 483º não faz qualquer referência a direitos absolutos.

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Argumentação: a todos assiste um dever geral de respeito, aplicável aos direitos de
crédito, que, por isso, postula a responsabilidade delitual por lesão de direitos alheios
(483º). Assim, qualquer violação de direito de crédito alheia é ilícita, desde que o terceiro
tenha conhecimento prévio do contrato (presumindo-se, assim, a culpa).

A. P OSIÇÃO A DOTADA P ELA R EGÊNCIA


A regência entende que o sistema jurídico português comporta duas soluções diferentes
para o problema da responsabilidade de terceiros que impeçam o cumprimento de uma
obrigação. Para além disso, há que notar que a eficácia externa, a ter em conta, corresponde à
stricto sensu, que respeita à tutela aquiliana dos direitos de crédito.
1. A Cláusula geral da boa-fé: permite impor deveres de conduta, quando o
espírito do sistema assim o exija (alemã).
2. A Cláusula geral da responsabilidade civil: permitir a imposição da
responsabilidade aquiliana, por forma a prosseguir os valores básicos do
sistema. (inglesa)
A regência entende que não há quaisquer impedimentos à aplicação do artigo 483º, do
CC, aos direitos de crédito; como tal, sempre que haja uma violação da titularidade de um direito
de crédito por parte de um terceiro, deve este terceiro incorrer em responsabilidade delitual. Não
se entende que seja um problema de abuso de direito, mas antes um problema de titularidade
que exige tutela aquiliana.
A questão transfigura-se quando se tem em consideração saber se o artigo 483º é
aplicável ao terceiro que, com o devedor, contrata de modos incompatíveis com o crédito
preexistente, forçando ou incentivando ao incumprimento. Esta é uma questão que tem animado
a doutrina e a jurisprudência e que tem conduzido a uma resposta negativa.
No que respeita à questão da concorrência, o legislador define – numa lex speciallis
PRECISÕES EM -, com alguma minúcia, as práticas concorrenciais que tem por inadmissíveis. A
QUESTÕES contrario, as restantes condutas são lícitas, não fazendo sentido proibi-las com
recurso ao artigo 483º. Afinal, a possibilidade de contratar com terceiros é uma das
CONCORRENCIAIS
portas abertas pela concorrência, prevalecendo as regras desta.
Neste ponto, assim, intervém a questão do abuso do direito – quando respeite a matéria
concorrencial. O terceiro pode sempre contratar com o devedor, exercendo a sua liberdade
contratual (405º). No entanto, se ao contratar com o devedor, o terceiro agir ilicitamente,
incorrerá em abuso do direito (uso da posição jurídica contra o espírito do sistema). Ou seja, o
abuso de direito retira a licitude do exercício da liberdade contratual, permitindo-se a aplicação
do artigo 483º - da responsabilidade civil/aquiliana.
A ilicitude enquanto requisito fundamental para justificar o abuso de
RESPONSABILIDADE direito, surge como requisito, igualmente, da responsabilidade civil.
CIVIL E SEUS Aliás, relembre-se os 5 requisitos da responsabilidade civil, que relevam
para a importância da ilicitude como chave para a aplicação do abuso
PRESSUPOSTOS
de direito: conduta, dano, culpa, nexo de causalidade entre o dano e a
culpa e ilicitude.
Deste modo, é possível afirmar que o abuso de direito é objetivo: não exige culpa, para
se concretizar, mas antes faz cessar uma permissão de agir, em nome do sistema. Tenha, como
exemplo, a situação em que C penetra no círculo de A e B, aí obtendo informações privilegiadas,
induzindo A a não cumprir o contrato; incorre, assim, em abuso de direito, por violar deveres
fundamentais de confiança e da tutela da materialidade subjacente (boa fé).
Em suma, distinga-se duas soluções possíveis:
A. Abuso de direito: quando haja uma contratação que seja incompatível com a
obrigação preexistente; considera-se ilícita a conduta do terceiro, que impede que se
aplique a liberdade contratual; dá lugar a responsabilidade delitual do terceiro.
B. Violação do princípio da boa fé: quando ocorra violação da titularidade, que
também dá lugar a responsabilidade delitual do terceiro.

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4. ESPECIALIDADE E ATIPICIDADE NO DIREITO DAS OBRIGAÇÕES
Ás obrigações correspondem as características de especialidade e de atipicidade.
A especialidade deriva da circunstância de as normas se imputarem de forma individual,
ou seja, se reportarem a pessoas singulares ou coletivas, porque se estabelece uma relação
entre devedor e credor. Porque específicas, podem as obrigações ser individualizadas, na medida
em que pode identificar-se:
à As partes
à O tipo de prestação
à Os traços qualitativos e quantitativos que as isolam
à A data de constituição/vencimento (para distinção de similares)
Já no que respeita à atipicidade, afigura-se essencial fazer algumas alusões antecipadas.
Antes de mais, relembre-se que as normas jurídicas são constituídas por previsão e
estatuição. Na previsão, descreve-se uma certa realidade, podendo recorrer-se à descrição
tipificada ou a conceitos indeterminados.
Havendo descrição tipificada, na estatuição pode verificar-se uma tipicidade normativa
ou imperativa, em que a estatuição recorre a tipos (o que estivesse fora destes seria irrelevante),
ou uma tipicidade exemplificativa, em que a estatuição recorre a exemplos (permitindo-se outras
realidades, que também devessem ser consideradas). Nestes termos, pode recorrer-se a tipos
fechados ou a tipos abertos. Quando se trate de tipos fechados (tipicidade normativa ou
imperativa), as descrições são cerradas e objetivas. Pressupõem, estes, a existência de numerus
clausus, não se permitindo a analogia. Quando se trate de tipos abertos (tipicidade
exemplificativa), as descrições são lassas e apenas impõem alguns elementos, deixando os
demais entregues à vontade das partes. Pressupõem, estes, a existência de numerus abertus,
permitindo-se a analogia.
Nas obrigações, como já se disse, reina a atipicidade – pelo menos, nos contratos -, em
oposição aos direitos reais, onde reina a tipicidade. Assim, os direitos reais são típicos, dispõem
de um numerus clausus e não é possível, por analogia, atribuir natureza real a novas figuras. Já
nas obrigações, as partes podem fixar livremente, dentro dos limites da lei, o conteúdo positivo
ou negativo da prestação, podem celebrar diferentes contratos, fixar livremente o seu conteúdo
e reunir as regras que acordarem reunir.
Em suma, não há, nas obrigações, um numerus clausus, mas antes um numerus
abertus, e a analogia não é proibida (verifica-se que o artigo 10º é perfeitamente aplicável). Estas
circunstâncias decorrem da especialidade: sendo a obrigação uma relação entre duas pessoas,
é lógico que estas lhes possam atribuir a configuração que consideram mais adequada.

5. CONTEÚDO GERAL DAS OBRIGAÇÕES


5.1. DELIMITAÇÃO POSITIVA
No seu núcleo essencial, como já se viu, a obrigação carece de uma conduta humana a
realizar pelo devedor, em prol do credor. No entanto, levanta-se a questão de saber se o que está
em causa, nessa conduta, é a atuação em sentido estrito ou o resultado dessa atuação.
Em termos gerais, pode fazer-se a diferenciação: quando esteja em causa a atuação em
sentido estrito (dever de fazer tudo o que seja possível), trata-se de prestações de meios ou de
conduta; quando esteja em causa o resultado da atuação, independentemente dos meios, trata-
se de prestações de resultado. As prestações de conduta identificam-se quando sejam
comunicadas através da descrição da conduta que se espera – reportam-se, por isso, a
prestações de facere, em oposição às de abstenção, de entrega da coisa (dare) e de suportação
(pati).

24 DIREITO DAS OBRIGAÇÕES | Prof. António Menezes Cordeiro


A questão foi aprofundada, na doutrina portuguesa, por Gomes da Silva e Manuel de
Andrada, no que respeita, sobretudo, à diligência exigida ao devedor. Nas obrigações de meios,
entendem os autores que a diligência tem limites; já nas diligências de resultado, dado que o
foco está no resultado, a diligência seria total. No entanto, concretamente, como se quantifica o
esforço exigido normativamente? Importa, acima de tudo, averiguar a diligência normativa, ou
seja, aquela que é requerida pelo Direito, para a execução de uma prestação.
Para tal, reporte-se a classificações introduzidas pelo Prof. Pessoa Jorge. Desde logo,
procura-se pela diligência em concreto, ou seja, aquela que está de acordo com as características
pessoais do devedor. Posteriormente, tenha-se em conta: a diligência de que o devedor é capaz,
a diligência média que posta nos seus negócios; a diligência normal que coloca no que faz.
Parece ser a última a mais adequada para estabelecer a bitola.
No entanto, cabe analisar a compreensão que o sistema jurídico dá ao assunto (artigos
1336º, 1383º, 1435º, 799º e 487º/2): parece o sistema optar pela diligência atribuída à figura
tradicional do bonus pater familias, devendo esta ser integrada na situação concreta. Para além
disso, nada impede as partes de, na contratação, fixar bitolas de diligência abaixo ou acima do
normal (do fixado por lei).

5.2. AS PRESTAÇÕES PRINCIPAIS E SECUNDÁRIAS


Como já se viu, a obrigação tem natureza complexa e é constituída por prestações
principais e por prestações secundárias – às quais se aliam, igualmente, deveres acessórios, a
tratar adiante.
Ora, a prestação principal corresponde ao núcleo da obrigação em causa e é decisiva
quanto às normas aplicáveis, ao que foi estabelecido pelas partes, à configuração dos deveres
acessórios e ao sentido teleológico da obrigação. Em termos tipológicos, podem existir três tipos
de prestações principais:
à Prestações de facere: traduzem-se na efetivação ou não efetivação de uma
conduta, ou seja, exprimem uma ação ou uma omissão (398º/1).
à Prestações de dare: ou de entrega, traduzem-se na passagem de uma coisa para
o âmbito de influência do credor (entrega da coisa); têm um sentido empírico,
traduzindo-se pela passagem material de uma coisa da esfera do devedor para
a esfera do credor. Podem ser divididas consoante o tipo de coisa e a coisa futura
não constitui objeto possível.
à Prestações de pati: ou de suportação, ou de tolerância traduzem uma prestação
em que o devedor se sujeita a uma atuação à qual, em princípio, se poderia opor.
Quanto às prestações secundárias, estas constituem atuações instrumentais, que
complementam a atuação principal, de modo a garantir, no sentido pretendido, o interesse do
credor – tanto podem resultar da própria obrigação como da lei. São, assim comuns deveres de
prestar que não se confundem com os deveres acessórios - são imperativos e visam a
concretização dos valores fundamentais do sistema.

5.4. OS DEVERES ACESSÓRIOS


Os deveres acessórios têm origem legal e carácter imperativo e visam a concretização
dos valores básicos do ordenamento; não estão subordinados, assim, ao interesse do credor,
mas antes ao sistema. Representam ligações abstratas entre as partes e têm diversas funções:
à Acautelam o vínculo obrigacional.
à Protegem as partes (a pessoa e o património).
à Protegem terceiros que, com a obrigação, tenham um especial contacto.

25 DIREITO DAS OBRIGAÇÕES | Prof. António Menezes Cordeiro


Comprovam, estes deveres, o caracter complexo da obrigação e a sua não ligação
apenas ao vínculo credor/devedor; mas abrangendo outras realidades, como o respeito pela boa
fé, enquanto princípio basilar do sistema.
Têm, no direito português, as mesmas fontes das obrigações e estão presentes no artigo
762º. Surgem, de imediato, com o início das negociações e mantém-se durante o cumprimento
da obrigação, podendo mesmo prolongar-se depois de extinta a obrigação.
Atualmente, é ponto assente na doutrina a circunstância de os deveres acessórios serem
parte do vínculo obrigacional e, por isso, o seu incumprimento resultar em responsabilidade
obrigacional – tenha-se, como referência, a oponibilidade média, que estatui a possibilidade de
exigir o acatamento de prestações secundárias e deveres acessórios, pelo que fará sentido a
responsabilidade em caso de incumprimento (798º e ss.).

5. OUTROS ELEMENTOS DECORRENTES DAS OBRIGAÇÕES


Para além dos três elementos fundamentais – prestação principal, prestações
secundárias e deveres acessórios – nas obrigações é possível encontrar-se outros elementos,
tais como: poderes, sujeições, faculdades, expetativas, exceções, encargos.
Por poder entenda-se um direito potestativo, que consiste numa prerrogativa resultante
de uma norma que permita ao sujeito, pela sua vontade unilateral, alterar a esfera jurídica de
determinado sujeito. Tanto se podem inscrever na situação jurídica do devedor, como se podem
inscrever na situação jurídica do credor. Entende-se que ao direito potestativo corresponde
sempre uma situação de sujeição. Lista de direitos potestativos: págs. 520 a 522.
Por faculdades entenda-se um conjunto de poderes ou de outras situações jurídicas
ativas, unificadas numa designação comum. Em Obrigações, dominam os poderes em
detrimento das faculdades (que imperam nos direitos reais, por mais analíticos), no entanto, não
deixam de estar presentes. Lista de faculdades: pág. 524.
Nas obrigações, é possível, ainda, encontrar: direitos funcionais (posições que devam
ser exercidas em determinados moldes, porquanto ao serviço de interesses que escapam ao
titular), deveres instrumentais e direitos-deveres (caso do direito ao cumprimento – 762º/767).
Por exceções entenda-se contradireitos, ou seja, posições jurídicas que permitem, ao
beneficiário, bloquear um direito da contraparte. Lista de exceções: pág. 525
Por ónus entenda-se uma conduta necessária a atingir um dado fim particular. Por
exemplo, cabe ao interessado provar a culpa do lesado (572º). Lista de ónus: pág. 526.
Por encargos entenda-se, não deveres, mas antes situações jurídicas que não podem ser
exigidas e cuja omissão não ocasiona qualquer dever de indemnizar (apenas outras
consequências na esfera jurídica). A conduta que subjaz aos encargos é necessária para se
atingir um determinado efeito. Lista de encargos: pág. 531. Em razão da dificuldade de distinção
entre encargos e ónus, surgem diversas teorias:
à Teoria da pressuposição: o cumprimento do encargo seria simplesmente um
pressuposto objetivo para a obtenção dos direitos do tomador.
à Teoria da vinculação: entendido como uma obrigação comum ou como um dever
que cumpre executar.
à Teoria do dever mitigado: traduz-se numa adstrição jurídica de força reduzida.
à Teoria do dever acessório: são equiparados aos deveres acessórios, que nem
sempre dão azo a uma pretensão de cumprimento ou de indemnização.
à Teoria do encargo: define como algo de natureza própria, que só perde se for
reconduzido a conceitos pré-existes. Teoria, esta, apoiada pela regência – uma
figura passiva, de exercício facultativo, posta pelo Direito como modo de
prosseguir um dado resultado, aplicando-se um regime causal.
Por deveres genéricos, entenda-se situações jurídicas passivas que não implicam
relações jurídicas – é o caso do dever geral de respeito, no tocante à oponibilidade fraca. Já as

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proteções específicas são normas que se destinam à proteção de certos interesses, sem que,
com isso, originem direitos subjetivos.

6. DELIMITAÇÃO NEGATIVA
6.1. REQUISITOS DA OBRIGAÇÃO
De acordo com o artigo 280º, conteúdo da obrigação tem determinados limites:
à Impossibilidade física ou legal: no sentido de não ter lógica obrigar, o devedor, a
uma prestação que é impossível, já que cairia no incumprimento.
à Contrariedade à lei: como indica, o conteúdo não deve ser contrário à lei nem a
qualquer norma jurídica. No entanto, há que notar que a maioria das normas,
em Direito das Obrigações, tem natureza supletiva – a solução parece remeter
para as normas de Direito Público que são, em regra, imperativas; para a
indicação da própria norma; quando não haja indicação, deve recorrer-se a
critérios (haver proibição a nível superior, a presença de normas que tutelem
interesses de terceiros, interação de princípios injuntivos).
à Indeterminabilidade: a prestação tem de ser determinável, caso contrário não
será possível o cumprimento; assim como os sujeitos carecem de ser
determináveis, sobretudo a pessoa do devedor.
à Contrariedade à ordem pública: por ordem pública deve entender-se o conjunto
dos princípios injuntivos do ordenamento.
à Ofensa aos bons costumes: por bons costumes deve entender-se as normas
deontológicas próprias de dado setor e, ainda, regras de conduta sexual e
familiar, presentes na comunidade jurídica e às quais o Direito Civil não faz
menção expressa.

27 DIREITO DAS OBRIGAÇÕES | Prof. António Menezes Cordeiro


DIREITO DAS OBRIGAÇÕES
MODALIDADES DE PRESTAÇÕES E CLASSIFICAÇÕES, TIPOS E
MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES

1. MODALIDADES DE PRESTAÇÕES
No que concerne às modalidades de prestações, há que recorrer aos artigos 202º a 216º,
do CC, que respeitam às coisas – como coisa deve entender, para o Direito, tudo o que não seja
pessoa.
Assim, retenha-se que as prestações podem ser fungíveis ou não-fungíveis. Esta noção,
que remonta ao Direito Romano, é apenas apurável no caso concreto – exemplo: a moeda é
fungível; no entanto, a moeda da sorte já não.
Transpondo-se a noção para o Direito das Obrigações, entende-se que a prestação
determinável quanto ao género dá origem às obrigações genéricas – apenas quantificáveis pelo
género/quantidade/qualidade, as prestações fungíveis pressupõem a possibilidade de, sem
prejuízo para o credor, serem realizadas, quer pelo devedor, quer por um terceiro. Assim, perante
o artigo 767º, a regra das obrigações é a fungibilidade, exceto se tiver sido acordado pelas partes
a necessidade de cumprimento pelo devedor (não fungibilidade negocial) ou se a substituição
do mesmo por terceiro prejudicar o credor (não fungibilidade objetiva).
Para além disso, as prestações podem ser também divisíveis ou indivisíveis. Antes de
mais, relembre-se que coisa divisível, nos termos do artigo 209º, corresponde a uma coisa que
não pode ser fracionada sem alteração da substância, diminuição de valor ou prejuízo para o uso
a que se destine.
Transpondo-se a noção para o Direito das Obrigações, entende-se que há divisibilidade
sempre que a prestação possa ser fracionada, sem prejuízo para o credor – nas prestações de
coisa, o objeto tem de ser divisível; nas prestações de facere, a atuação tem de ser passível de
separação. Pode, ainda, projetar a divisibilidade por motivos naturais/objetivos (consideração
naturalística das prestações) ou por motivos convencionais/subjetivos (acordo entre as partes).
No entanto, surgem alguns impedimentos: nos termos do 763º, não pode ser fracionada pelo
devedor, partindo-se do princípio que o interesse do credor seria sempre afetado com a divisão
da prestação – assim, a decisão cabe ao credor (763º/2).
Por norma, a divisibilidade reporta-se à matéria das obrigações parciárias, artigos 534º
a 538º - havendo, neste caso, vários devedores e falta de solidariedade (artigo 513º, regra
normal), o credor só pode exigir a cada um deles a parcela que lhes caiba.

2. CLASSIFICAÇÕES DE OBRIGAÇÕES
2.1. CONTEÚDO
Quanto conteúdo, podem surgir quatro tipos de obrigações: as obrigações de entrega da
coisa (1), as obrigações de serviço (2), as obrigações de abstenção (3) e as obrigações de
organização (4).
(1) As obrigações de entrega respeitam a uma efetiva cedência de uma coisa corpórea,
pressupondo, em regra, diversas atuações positivas secundárias. Por norma, são de execução
espontânea, exceto quando constituem direitos pessoais de gozo (locação, parceria pecuniária
ou comodato).

28 DIREITO DAS OBRIGAÇÕES | Prof. António Menezes Cordeiro


(2) As obrigações de serviço pressupõe a efetivação de uma conduta humana, pelo que
podem implicar entregas de coisas, a nível de prestações secundárias. Por norma, são
obrigações duradouras.
(3) As obrigações de abstenção, por norma, impedindo a conduta do devedor, não
surgem isoladas, mas num dado contexto.
(4) As obrigações de organização podem ser complexas, envolvendo a entrega de coisas
e a prestação de serviços; como aspeto caraterístico, temos a condução à montagem de uma
estrutura que vai, posteriormente, articular os interesses das pessoas envolvidas.

2.2. SIMPLES OU COMPLEXAS – UNILATERAIS OU BILATERAIS


As obrigações podem, ainda, ser simples (1) ou complexas (2).
(1) As simples implicam um conjunto crédito/débito, ao qual nada possa ser retirado,
sob pena de inteligibilidade.
(2) As complexas, por sua vez pressupõem vários elementos, os quais, em várias
situações, poderiam gerar várias obrigações simples. Por norma, as complexas são bilaterais,
aquelas em que ambas as partes são, simultaneamente, devedor e credor.

2.3. ABSOLUTAS, RELATIVAS OU MISTAS


As obrigações poderão assumir natureza absoluta (1), relativa (2) ou mista (3).
(1) Assumem natureza absoluta quando envolvam direitos de crédito potestativos, ou
seja, que conferem a um sujeito o poder de, unilateralmente, modificar a esfera do outro, que se
encontra numa situação de sujeição (nada poderá fazer).
(2) Já quanto à natureza relativa, que corresponde à generalidade das obrigações,
implica uma natureza jurídica, ou seja, ao credor corresponde o crédito e ao devedor a
correspondente adstrição (artigo 397º, a típica obrigação).
(3) As mistas, como o próprio nome indica, envolvem elementos absolutos e elementos
relativos.

2.4. PURAS OU COMBINADAS – SUBORDINADAS OU SUBORDINANTES


As obrigações poderão ser puras (1) ou combinadas (2).
(1) As obrigações puras esgotam-se num vínculo exclusivamente creditício.
(2) As obrigações combinadas compreendem elementos das várias áreas do direitos;
envolvem, por norma, direitos reais (é o caso da promessa real, 413º, e da preferência real,
421º). Nestas, se o elemento creditício estar ao de um outro direito, sendo, por isso,
subordinantes; no entanto, se o outro direito estivar ao serviço da obrigação, será subordinante.
A dominância do elemento tem repercussões a nível do regime.

2.5. TÍPICAS OU ATÍPICAS


As obrigações típicas constam da lei, onde dispõem de um regime que poderá ser
imperativo ou supletivo. Já as obrigações atípicas são criadas pelas partes, ao abrigo do princípio
geral da autonomia privada.

2.6. DETERMINADAS E INDETERMINADAS


As obrigações determinadas pressupõem o conhecimento pelas partes da concreta
execução da obrigação. Já as obrigações indeterminadas apelam à necessidade de promover
esquemas que consigam a determinação, para que se possa verificar o cumprimento. Assim, as
segundas carecem sempre de conjunto de normas que se dirijam à determinação.

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3. TIPOS DE OBRIGAÇÕES
3.1. OBRIGAÇÕES DURADOURAS
As obrigações duradouras focam o momento em que é realizado o interesse do credor,
ou seja, o momento do cumprimento. Assim, num caso de uma obrigação prolongada, o
cumprimento vai sendo realizado num determinado, ou indeterminado, período de tempo,
mantendo-se o vínculo ativo. Pode assumir natureza contínua, se exigir uma atuação permanente
sem quebras de continuidade (exemplo: obrigação de fornecimento de gás), ou natureza
sucessiva, se o cumprimento se der em vários momentos separados temporalmente por períodos
jurídicos relevantes (exemplo: obrigação de pagar a renda).
Grande teórico alemão deste tipo de obrigações foi Otto von Gierke: refere que, nas
obrigações duradouras, o cumprimento processa-se em termos constantes e não extingue a
obrigação, podendo envolver prestações positivas ou prestações negativas.
A obrigação duradoura tem como fonte um contrato, por regra, e normalmente reconduz-
se a obrigações de facere, positivo ou negativo (envolvem ação ou abstenção). Podem, no
entanto, existir figuras mistas, como é o caso da obrigação com entregas sucessivas.
Quando concluído o contrato, estabelece-se entre as partes um especial vínculo de
confiança, que se intensifica consoante o cumprimento e que resulta da proximidade prolongada
que virá a resultar do cumprimento daquela obrigação. Postula, esta relação: deveres de
informação e deveres de lealdade (como é dever de sigilo e o dever de não-concorrência). Os
deveres acessórios, note-se, vão sofrendo alterações, podendo mesmo alterar o seu conteúdo.
Outra problemática a considerar: a alteração de circunstâncias, já que, nas obrigações
duradouras, é previsível que, durante a sua vigência, possam ocorrer superveniências que têm
efeitos no seu conteúdo. Procurando solucionar o problema, o Direito permite: inserção de
clausulas de atualização ou revisão, a cominação de um dever se negocias e a aplicação do
instituto da alteração de circunstâncias (437º/1).
A ter em conta, ainda, a questão da cessação: poderá vir estipulado um período de
vigência, que deve ser respeitado. Os problemas surgem num caso de omissão. Inicialmente,
veio a defender-se que as obrigações não poderiam ser perpétuas (remonta ao Código de
Napoleão); no entanto, essa possibilidade tem de ser compatível com a liberdade contratual. O
Direito Português prevê, salvo determinadas exceções, a limitação temporal das obrigações
duradouras. No caso de obrigações ilimitadas, quando se verifica que uma das partes está em
vantagem, às custas da outra, pode haver lugar à indeminização (aplicação analógica, artigos
33º 3 34º): pode haver denúncia (no sentido da contrariedade à lei ou da natureza da situação),
devendo esta ocorrer com um pré-aviso; pode haver deslocações patrimoniais injustificadas,
corrigíveis através do enriquecimento sem causa (473º).
Quando cessem estas obrigações, por resolução, anulação ou declaração de nulidade
da fonte, verifica-se: deveriam ter efeitos retroativos (434º), dos mesmos não irá dispor, dado
que não é possível devolver o que já foi entregue. Corresponde, este resultado, à regra da não
restituição das prestações efetuadas.

3.2. RELAÇÕES OBRIGACIONAIS GERAIS


As relações obrigacionais gerais correspondem a um conjunto articulado,
funcionalmente coerente e tendencialmente duradouro de relações obrigacionais. Em termos
gerais, existem três tipos de relações obrigacionais gerais: a relação de negócios (1) a relação
bancária geral (2) e a relação geral de seguros (3).
(1) A relação de negócios resulta das relações de negócios, que se prolongam no tempo,
entre comerciantes e fornecedores, ou entre comerciantes e clientes – cada negócio é
autónomo, no entanto, a sucessão dos mesmos no tempo, cria um feixe que os interliga.

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(2) A relação bancária geral reconduz-se à relação que se estabelece entre o banqueiro
e o cliente, através da qual se inicia uma relação bancária, que acolhe depósitos, levantamentos,
emissão de cheques, emissão de carta bancário, transferências, aconselhamento e créditos
diversos.
Inicialmente, defendeu-se a doutrina do contrato bancário geral – uma relação bancária
duradoura, em que o cliente aceitava as clausulas contratuais do banqueiro, criando-se um
contrato geral (contrato de angariação de negócios, contrato promessa ou contrato normativo).
Em substituição desta doutrina inicial surgiu a doutrina da relação legal – daria origem à
responsabilização pela confiança, ou seja, cria uma ligação com a culpa in contrahendo; as
partes assumem diversas prestações principais, aos quais subjazem, por via da boa fé, deveres
de cuidado, de proteção e de informação. Recentemente, a doutrina e a jurisprudência
aparentam-se mais recetíveis à doutrina do contrato bancário geral.
(3) A relação de seguros tem na base contratos de seguro – em que o tomador transfere
para o segurador o risco da verificação de um determinado evento (o sinistro), na própria esfera
ou na de um terceiro, o segurado, contra o pagamento de uma retribuição (o proémio).
Estas relações são complexas, porque envolvem prestações principais, prestações
secundárias, encargos e deveres acessórios. Para além disso, são complementadas por
elementos funcionais – a gestão de negócios, que se reporta à recolha dos proémios e à sua
gestão, de modo a poder acudir em caso de sinistro. Como surge a relação geral de seguro?

3.3. DIREITOS PESSOAIS DE GOZO


Os direitos pessoais de gozo desenvolveram-se em torno do direito do locatário. No
entanto, a sua natureza levanta ainda problemas.
Locação: é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a
proporcionar à outra o gozo temporário de uma coisa, mediante
retribuição (1022º). O locatário recebe o gozo da coisa. O locador
deve assegurar-lhe a coisa, para os fins a que ela se destine (1031º;
deveres – 1038º).
Ao longo do tempo foram surgindo, assim, teorias que procuravam definir a natureza jurídica
dos direitos pessoais de gozo – teorias obrigacionais (1) e teorias reais (2). Paralelamente, é
importante ter em conta o regime (3).
(1) As teorias obrigacionais dividem-se em duas ideias fundamentais.
Inicialmente, entendem – teorias da prestação positiva do locador - que o locatário tem o
gozo da coisa como produto de uma prestação positiva do locador (a prestação de fazer gozar). Não
têm cabimento, porque o gozo resulta da atividade de um sujeito sobre uma coisa corpórea, de modo
a recolher vantagens (não há espaço para a intermediação do locador).
Em substituição, surgem as teorias da prestação negativa do locador, nas quais o locatário
seria o titular de um mero direito de crédito, beneficiando da adstrição, do locador, a deixar gozar ou
a suportar o gozo. Contudo, tem problemas: uma prestação non facere não proporciona o gozo; não
distingue as diversas posições do senhorio, proprietário e terceiro.
Argumentos a favor da tese (regência): são tratados na parte das Obrigações (livro II,
do Código Civil) e a locação é tratada como uma relação obrigacional.
Problema: não explica o gozo.
(2) As teorias reais entendem que o direito de gozo corresponde a um direito real, sendo em
Portugal, atribuída a Paulo da Cunha. É reconhecido, nos direitos pessoais de gozo, a presença da
imediação e a absolutidade – são oponíveis erga omnes.
Argumentos da favor da tese (regência): o locatário tem o gozo da coisa, logo um
contacto de aproveitamento de vantagens direto (não se afigura qualquer
prestação); o locatário pode defender esse gozo contra o locador ou contra terceiros;
a locação permite transmissões inter vivos da coisa; o senhorio é afastado da coisa;
o locatário dispõe de elementos reais (poder de transformação, 1036º; preferência
com eficácia real, 1091º; relações de vizinhança, 1071º).

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Posição da Regência: são direitos pessoais de gozo aqueles que, exprimindo uma situação de
aproveitamento direto de uma coisa corpórea por uma pessoa, não possam, por razões histórico-
culturais, ser habitualmente considerados reais. A prestação principal é substituída pelo
aproveitamento de uma coisa corpórea; no entanto, neles está presente uma relação obrigacional
complexa.
(3) Quando ao regime: estão regulados nos artigos 407º e 1682º. Entende-se que, em
relações entre direitos pessoais de gozo, prevalece o mais antigo (prevalência de tipo I). No caso de
conflito entre direito pessoal de gozo e direito real, opera também a prevalência de tipo I, o mais
antigo. Já em caso de conflito entre direitos pessoais de gozo e direitos de crédito, prevalecem os
primeiros (prevalência de tipo II).
Os titulares dos direitos pessoais de gozo, em razão da inerência, podem defender-se,
pedindo a restituição a quem seja indevido possuidor (artigos 1037º e 1133º). Para além disto,
distintamente dos direitos reais: há atipicidade e existe um conjunto vasto de deveres acessórios que
se relacionam a ambas as partes.

4. OBRIGAÇÕES NATURAIS
De acordo com o regime jurídico português, obrigações naturais – artigos 402º e ss. –
são:
A obrigação diz-se natural, quando se fundo num mero dever de
ordem moral ou social, cujo cumprimento não é juridicamente exigível,
mas corresponde a um dever de justiça.
Antes de analisar o regime jurídico atual, cabe fazer algumas precisões em termos
históricos, que se assumem de grande relevância:
à Direito Romano: as obrigações naturais surgem na época romana, como
obrigações de pessoas que não disporiam de capacidade jurídica ou de
personalidade jurídica – seriam, assim, contraídas por escravos, filhos-família,
pessoas sujeitas a tutela. A grande distinção das obrigações civis era o facto de
não terem respondência (haftung), ou seja, os devedores não poderiam ser
demandados. Para além disso, caracterizavam-se pela soluti retentio – caso
fossem espontaneamente cumpridas, não eram passíveis de exigir a devolução
das quantias (retenção do cumprimento).
à Época Medieval: com o exponencial desenvolvimento do direito natural, ou seja,
da associação do Direito à Moral – a maioria das vezes ligada aos valores
cristãos – aproximam-se, as obrigações naturais, dos valores da justiça – seriam
obrigações justas.
Da conjugação destas duas influências históricas, é construída a definição
implementada no direito civil português: a componente romana, na circunstância de o
cumprimento não ser juridicamente exigível; a componente medieval na ligação com a ordem
moral e social e na correspondência a um dever de justiça.
No Código de Seabra, anterior ao atual Código de 1966 (Vaz Serra), as obrigações não
eram, ainda, mencionadas pelo nome; antes estariam representadas em determinadas
situações jurídicas, como era o caso do empréstimo feito a menor e as dívidas de jogo.
No que respeita ao regime atual, pode estabelecer-se traços principais:
à São relações específicas entre duas pessoas, em que uma delas deve realizar
uma prestação (devedor);
à O dever de prestar, no entanto, não é juridicamente exigível, ainda que exista e
que se cumprido espontaneamente não possa ser exigido de volta (soluti
retentio).
à Exige-se um plus de capacidade, já que se trata de uma obrigação que pode
prejudicar o devedor.

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Cabe, desde logo, esclarecer que obrigações naturais são típicas: assim, não se permite
que as partes criam obrigações naturais; estas encontram-se previstas na lei e verificam-se
conforme o estatuído. Esta situação decorre da circunstância de que, quando se intente a retirar
tutela jurídica às obrigações, elas mantêm-na – as obrigações naturais, não dispondo de tutela
jurídica, se criadas pelas partes, mantê-la-iam e não seriam verdadeiras obrigações naturais.
Assim, só se admitem nos casos expressamente previstos na lei. A exigibilidade não está, assim,
na disponibilidade das partes – tipicidade das obrigações naturais.
Para além disso, a elas aplica-se o regime das obrigações civis (402º).
à Têm de ter uma fonte válida (não surgem espontaneamente).
à O pagamento deve ser idóneo e esclarecido.
à Exige-se a boa-fé (762º) e todos os deveres acessórios que daí decorrem.
Retenha-se os casos de obrigações naturais: a dívida prescrita, as dívidas de jogo, a
prestação de alimentos, a fiança dada a incapaz, dever dos pais darem ao filho que para eles
trabalhe parte dos bens.
Como explicar, no entanto, a definição comportada na lei? O regência explica que há
obrigação natural sempre que:
à Sempre que uma obrigação jurídica (dever de justiça)
à Seja privada de exigibilidade judicial (o cumprimento não é juridicamente
exigível)
à Sem prejuízo da sua idoneidade (dever moral ou social).

3.1. A NATUREZA JURÍDICA


Há, no entanto, que ter em conta que o problema das obrigações reside em saber se
estas disporiam, ou não, de natureza jurídica. Nestes termos, a doutrina parece dividir entre: as
obrigações naturais como um dever extrajurídico vs. as obrigações naturais como tendo efetiva
natureza jurídica.
As posições que defendem as obrigações naturais como um dever extrajurídico
reportam-se a Guilherme Moreira, Galvão Telles, Antunes Varela e Menezes Leitão (moderado).
Defendem, assim, que estaria em causa um mero ou um dever moral, não atendido pelo
legislador, em razão da perigosidade.
As posições que defendem as obrigações naturais como detentoras de natureza jurídica
reportam-se a Manual de Andrade, Vaz Serra, Nuno Pinto Oliveira e Menezes Cordeiro. Desde
logo, como argumento principal, apresentam o artigo 404º: se a disciplina geral das obrigações
civis se aplica às obrigações naturais, então estas são jurídicas, embora detendo um vínculo
mais frágil.
Entende, nestes moldes, a regência, que a obrigação natural existe desde a sua
constituição, já que possui, de facto, um dever de prestar principal – o núcleo da obrigação está
preenchido. A única particularidade é o facto de o credor não poder exigir, judicialmente, o
cumprimento – no entanto, nada obsta ao cumprimento.
Em suma, note-se que esta modalidade das obrigações, apesar de não ter grande
relevância prática, é de extrema relevância teórica, já que permite estabelecer analisar a relação
entre Direito e Moral e permite delimitar o âmbito do Direito das Obrigações.

2. OBRIGAÇÕES GENÉRICAS
Obrigações Genéricas são obrigações cujo objeto seja determinado pelo género e pela
quantidade (539º a 542º), sendo a quantidade um acrescento deduzível do artigo 280º (sem
quantidade, o objeto da obrigação seria indeterminável, logo nulo). Nestes termos, têm como
objeto coisas fungíveis (artigo 207º), podendo a fungibilidade ser natural ou acordada pelas
partes.

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Questões frequentes a ser resolvidas pelas obrigações genéricas:
à Como se procede à escolha?
à Quando se transfere o risco – e, consequentemente, a propriedade?

2.1. A ESCOLHA
Supletivamente, a escolha cabe ao devedor – podendo, assim, haver acordo em
contrário pelas partes, cabendo ao credor ou a terceiro. Em qualquer dos casos, a escolha deve
obedecer a critério específicos.
De acordo com o artigo 400º/1, a escolha deve obedecer aos critérios estipulados pelas
partes e, supletivamente, a juízos de equidade – aqui uma equidade fraca (critérios jurídico-
positivos, retirados de exigências formais) e não uma equidade forte (a justiça do caso concreto).
O problema subsequente reside nesses mesmos critérios formais: nomeadamente,
como se os apurariam – tratando-se de matéria negocial, a determinação do sentido de uma
prestação caberia às partes. Caso escolham um género homogéneo, a questão não se coloca.
No entanto, tratando-se de um género heterogéneo, ocorre uma lacuna negocial, que tem de ser
preenchida com a regra constante do artigo 239º (interpretação do contrato).
Recebemos, assim, dois critérios: a vontade hipotética das partes e a primazia da boa fé
(valores fundamentais do sistema). Conduz-se, assim, a uma escolha tendencialmente média,
que assegura o equilíbrio entre as partes e que respeite aquilo que as partes confiaram
(materialidade subjacente e tutela da confiança).

2.2. QUANDO DE TRANSFERE O RISCO


Nos contrários com eficácia real, nos termos do artigo 408º/1 e 2, a transferência do
direito de propriedade é imediata. No entanto, decorre dos artigos 540º e 541º/1ª parte, que
nas obrigações genéricas a transferência do direito de propriedade ocorre com a concentração
– em princípio, a concentração (momento em que passa de genérica a específica) dá-se com o
cumprimento, momento em que cessa o risco/risco se transfere para o devedor.
Teoria de Jhering: o risco transfere-se com a entrega da
coisa, com o envio da coisa ou com a mora do credor (não
ocorre com a separação).
No entanto, nos termos do artigo 541º, a concentração pode ocorrer antes do
cumprimento, situações em que a propriedade, bem como o risco, se transferem antes do
cumprimento:
1. Por acordo entre as partes: a obrigação deixa de ser genérica, pelo que, se
perece posteriormente, não imputável ao devedor, ocorre impossibilidade
(796º).
2. Quando o género se extinga: restar apenas uma das coisas, devendo cumprir a
obrigação com o remanescente. Se esse remanescente perecer, não imputável
ao devedor, ocorre impossibilidade (796º).
3. Por mora do credor: artigos 813º a 815º.
4. Por entrega: uma teoria da expedição, quando haja entrega ao transportador ou
expedidor da coisa.
5. Escolha feita pelo credor ou por terceiro: depois de comunicada ao devedor a
ambas as partes (542º).
Teoria de Thol: a transferência do risco ocorre no momento
em que o objeto fosse individualizado de entre o género,
com acordo ou consentimento das partes.

34 DIREITO DAS OBRIGAÇÕES | Prof. António Menezes Cordeiro


3. OBRIGAÇÕES ALTERNATIVAS
São obrigações compostas, por duas ou mais prestações, de natureza disjuntiva: o
devedor exonera-se efetivando uma das prestações. A determinação da prestação a realizar cabe
a escolha por uma das partes.
Diferem das simples: pressupõem uma única prestação.
Diferem das compostas, cumulativas: todas as prestações devem ser efetivadas
para que haja um cumprimento.
O regime próprio compreende os artigos 543º a 549º. E subdivide-se em três áreas:
regras básicas (543º e 544º), regras de impossibilidade (545º a 547º) e regras em caso de falta
de escolha (548º e 549º).
O conceito, patente do artigo 543º: uma única obrigação, com duas ou mais prestações,
em que o devedor se exonera quando efetua apenas a que vier a ser escolhida. A escolha cabe,
supletivamente, ao devedor: favor debitoris, tutela da parte mais fraca.
No que respeita ao cumprimento, não podem o devedor, nem o credor, nem o terceiro,
optar por parte de uma prestação e por parte de outra – são indivisíveis, artigo 544º.
Ao contrário do que acontece com as obrigações genéricas, nas obrigações alternativas
a escolha é livre – o devedor pode optar pela pior prestação e o credor poderá optar pela melhor.
Regras gerais:
1. Devedor: deverá escolher até ao cumprimento, sob pena de entrar em mora; no
caso de não o fazer, o artigo 548º estatui que o credor possa exigir ao devedor
que ele escolha (num prazo que estipule ou no prazo fixado pela lei do processo
– 803º, CPC, 10 dias); se não o fizer, a escolha é devolvida ao credor.
2. Credor ou terceiro: remete para o artigo 542º, relativo às obrigações genéricas;
só produz efeitos quando é declarada, sendo irrevogável (542º/1); não carece
de ser feita por escrito; se não o fizer no prazo estabelecido ou no prazo que o
devedor lhe fixe, a escolha passa para este (542º/2).
A questão da irrevogabilidade da escolha do devedor: ao contrário da escolha do credor
e do devedor, que são irrevogáveis, não se afigura possível considerar a escolha do devedor
irrevogável. Porquê? Aumentaria o risco do credor: poderia ocorrer impossibilidade não imputável
a nenhuma das partes, posterior à concentração; deixaria o credor numa posição de
desvantagem, se a outra já não fosse possível. Desequilibraria o risco. Só se justifica em casos
de necessidade – se ocorrer sem necessidade, o sistema reage:
1. Declaração não vinculante
2. Renuncia antecipada a direito (nula) – 809º
3. Comum ato unilateral, passível de revogação.
4. Delimitação prévia do risco, ineficaz.
No que respeita à impossibilidade:
1. Impossibilidade superveniente não imputável: a obrigação concentra-se nas
prestações que ainda forem possíveis (545º); caso todas se tornem impossíveis,
extingue-se a obrigação (790º).
2. Impossibilidade superveniente imputável ao devedor: se a escolha couber ao
devedor, deve este realizar a prestação que ainda for possível (não se prejudica
o credor); se couber ao credor a escolher, perde o direito de escolher, podendo
exigir uma das prestações possíveis, pedir uma indemnização ou resolver o
contrato (801º e 802º).
3. Impossibilidade superveniente imputável ao credor: caso a escolha pertença ao
credor, considera-se efetuada a prestação; se a escolha couber ao devedor,
também se considera cumprida;

35 DIREITO DAS OBRIGAÇÕES | Prof. António Menezes Cordeiro


Opção: o devedor pode optar por
cumprir com uma prestação possível e
ser indemnizado (547º, por analogia).
4. Impossibilidade superveniente imputável a terceiro (criada por umas das
partes): se for criada pelo credor, a obrigação tem-se como cumprida (pode o
devedor optar pelo cumprimento e ser indemnizado); se for criada pelo devedor,
o credor pode exigir uma das prestações possíveis, optar pela indemnização ou
resolver o contrato.

4. OBRIGAÇÕES COM FACULDADE ALTERNATIVA


São obrigações simples: não pressupõem duas prestações, mas uma única prestação –
uma só prestação é devida. No entanto, permite uma escolha do devedor: a prestação da
obrigação pode ser substituída. Assim, aquando do cumprimento pode o devedor substituir a
prestação por outra ou pode o credor exigir, em vez da prestação devida, uma outra. Exemplo
(único): artigo 558º, CC.
No caso de esta prestação se impossibilitar, cessa a obrigação – ou seja, em caso de
impossibilidade objetiva não imputável a obrigação não se concentra na outra prestação.
A transmissão da propriedade (e, consequentemente, do risco – 796º), se se tratar de
coisa específica – ou seja, não houver coincidência com uma obrigação genérica – transfere-se
no momento de conclusão do contrato, em relação ao objeto da prestação devida. Se esta
prestação for substituída pela prestação acessória convencionada, a transmissão da
propriedade (e, consequentemente, do risco – 796º) tem efeitos retroativos, até ao momento da
conclusão do contrato.

5. OBRIGAÇÕES DE INFORMAÇÃO
Dado que os vínculos obrigacionais são abstratos – existem, apenas, na cabeça dos
sujeitos que deles são parte –, o Direito das Obrigações assente em permanentes trocas de
informação entre as partes. As obrigações são informação.
Em relação à fonte:
à Contratuais: resultam de um negócio onde se inscreve a obtenção e
comunicação de informações.
à Legais: um facto que desencadeia aplicação de normas que obriguem a
informar. Podendo advir de conceitos indeterminados (exemplo: cláusulas de
boa fé) ou decorrer da lei (preceitos legais específicos).
Em relação ao conteúdo:
à Indeterminados: resultam do desenrolar da situação.
à Predeterminados: são determinados no âmbito do próprio negócio.
à Substanciais: o obrigado está vinculado a dizer a verdade, em termos acessíveis
e úteis ao destinatário.
à Formais: deve transmitir uma mensagem prefixada.
Em relação à autoridade:
à Autónomas: o obrigado tem o encargo de fixar os contornos e o conteúdo da
informação, devendo ir fazendo à medida em que a situação progride.
à Heterónomas: os elementos a informar impõem-se ao sujeito. Podem ser
automáticas, se decorrerem do que sucede, ou pelo próprio beneficiário.
Em relação à natureza, dentro da obrigação:
à Podem assumir-se como prestação principal.
à Podem assumir-se como prestação secundária.
à Podem assumir-se como dever acessório

36 DIREITO DAS OBRIGAÇÕES | Prof. António Menezes Cordeiro


Resumidamente: é uma obrigação de facere, pelo que, em caso de incumprimento, pode
haver lugar a aplicação de sanções pecuniárias compulsórias e, ainda, verificados os
pressupostos, a responsabilidade civil obrigacional.
Princípio da tutela da propriedade privada: não compete
ao requerido (obrigado) a suportar as despesas dos
interesses do requerente. Assim, as despesas com a
execução da obrigação correm por conta do interessado.

6. OBRIGAÇÕES DE APRESENTAÇÃO DE COISAS OU DOCUMENTOS


Este tipo de obrigações faz surgir, na esfera do interessado, um direito potestativo, que
permite exercer o direito à apresentação. É legal e equivale a um facere ou a um serviço.
Quando surjam por motivos legais, estatui, o artigo 574º/1, requisitos exigentes: devem
reportar-se a coisas; o sujeito tem de ser o possuidor ou detentor da coisa, seja qual for o título
(no caso de ser possuidor em nome alheio, deve informar a pessoa em cujo o nome detém a
coisa – artigo 574º, obrigação de informação); o interessado deve invocar um direito real ou
pessoal relativo à coisa (até, mesmo um direito de crédito).
Para além disso: deve ser realizada a apresentação no local de constituição da obrigação
(773º) e, como não há prazo, o devedor pode, a todo o tempo, interpelar o credor a todo o tempo,
bem como se pode apresentar a todo o tempo a cumprir (777º).

7. OBRIGAÇÕES PECUNIÁRIAS
São obrigações cuja prestação consiste numa entrega em dinheiro.
De acordo com o Código Civil (artigos 550º e ss.), podem assumir-se como: obrigações
de quantidade, o objeto corresponde a uma quantidade em dinheiro; obrigações em moeda
específica, o objeto corresponde a uma determinada quantidade na qualidade da moeda
considerada; obrigações com curso legal apenas no estrangeiro, o objeto corresponde a dinheiro
que tenha curso legal noutro espaço jurídico.
Há que ter em conta, desde logo, o valor nominal da moeda, o que remete para o princípio
nominalista. Assim, nas obrigações de quantidade releva o valor nominal, ou seja, o valor que foi
acordado no cumprimento (evitando-se possíveis problemas com os desvios dos demais valores).
Dado que o sentido da valorização é decrescente, ou seja, a moeda tem assistido a uma
desvalorização, assiste-se a mais um corolário do favor debitoris.
No entanto, admitem-se exceções ao nominalismo: nomeadamente, na renda vitalícia e
na obrigação de alimentos, permitindo-se a atualização do valor.

7.1. OBRIGAÇÕES EM MOEDA ESTRANGEIRA


As obrigações em moeda estrangeira são também designadas de obrigações valutárias.
Representam débitos que recaem sobre uma moeda diferente do espaço correspondente à
ordem jurídica.
Estas obrigações em moeda estrangeira podem ser próprias/puras, quando o
pagamento deva ser realizado em moeda estrangeira efetiva, ou impróprias/impuras/fictícias,
quando as partes tenham referido a moeda estrangeira enquanto bitola de valor. Manuel de
Andrade destaca-lhes, ainda, uma natureza mista: as partes pretendem o cumprimento na
moeda estrangeira, mas admitiram, para o devedor, a faculdade de pagar em moeda nacional.

7.1. A PARTICULAR SITUAÇÃO DOS JUROS


Os juros representem a remuneração pelo uso do capital alheio – tradicionalmente, são
calculados através da aplicação de uma taxa a um montante de capital em dívida. Assim,

37 DIREITO DAS OBRIGAÇÕES | Prof. António Menezes Cordeiro


entende-se que uma obrigação de juros só surja como resultado de uma obrigação de capital –
o valor dos juros é determinado em função desse capital em dívida.
As taxas de juros encontram-se legalmente fixadas. Atualmente, a taxa de juros legais
civis, fixada pela Portaria 291/2003, de 8 de Abril, corresponde a 4%.

7.2. TIPOLOGIA DOS JUROS


à Voluntários ou legais: conforme resultem da vontade das partes ou diretamente da lei.
à Remuneratórios ou de mora: os primeiros procuram a retribuição do capital e os
segundos o ressarcimento de danos pela mora.
à Compensatórios ou compulsórios: os primeiros visam a reposição do capital devido e os
segundos incitar o pagamento pelo devedor.
à Convencionados ou legais: conforme resultassem de um pacto das partes ou de um não
pacto das partes.
à Civis, comerciais ou bancários: dependem dos intervenientes na operação.

7.3. O ANATOCISMO
O anatocismo consiste em fazer vencer juros de juros, ou seja, os juros vencidos são
incorporados no capital, sendo levados em conta para o cálculo dos juros futuros.
Nos termos do artigo 560º, só seriam admissíveis por convenção entre as partes e
mediante notificação judicial feira ao devedor para capitalizar os juros vencidos ou proceder ao
seu pagamento. O nº2 apenas o permite em relação a um período mínimo de um ano. Já o nº3
abre a porta para o anatocismo no direito bancário.

8. OBRIGAÇÕES PLURAIS
O paradigma assenta em obrigações singulares: um só devedor e um só credor. As
obrigações plurais pressupõem, contrariamente: vários devedores e um credor; vários credores
e um devedor; ou vários credores e vários devedores.
Em termos de tipologia, as obrigações plurais podem ser disjuntivas, quando, na
atuação, surja apenas uma das pessoas envolvidas. Exemplos: A pode pedir a B ou a C (disjunção
passiva – devedores); D ou C podem pedir a F (disjunção ativa); A ou B podem pedir a C ou D
(disjunção mista). Podem, ainda, ser conjuntivas, quando as pessoas implicadas devam agir em
conjunto. Exemplos: A pede a B e a C (conjunção passiva); D e E pedem a F (conjunção ativa); A
e B pedem a C e a D (conjunção mista).
As obrigações conjuntivas admitem a solidariedade e a parciariedade.
Na solidariedade a totalidade do cumprimento pode ser suportada por um dos
devedores, devendo ser reiterado pelos restantes posteriormente – caso de solidariedade
passiva – ou pode ser exigido por apenas um credor, que deve acertar com os demais credores
– caso de solidariedade ativa.
Na parciariedade só se permite exigir o cumprimento ao conjunto dos devedores – caso
de parciariedade passiva – ou o cumprimento só pode ser efetivado ao conjunto de credores –
caso de parciariedade ativa.
Prosseguindo na tipologia, a pluralidade pode ser comum – todos os intervenientes têm
posições qualitativamente iguais, ainda que quantitativamente diferentes. Poderá, ainda, ser
imperfeita, quando as posições sejam qualitativamente diferentes.

8.1. AS TEORIAS DA CONTITULARIDADE


Existe contitularidade quando, relativamente ao mesmo objeto, surjam dois ou mais
titularidades. Para explicar este fenómeno são apresentadas quatro teorias: a teoria das partes

38 DIREITO DAS OBRIGAÇÕES | Prof. António Menezes Cordeiro


intelectuais (1), a teoria do direito único com vários titulares (2), a teoria da pessoa coletiva (3)
1e a teoria do concurso de direito (4).
(1) A teoria das partes intelectuais entende que cada parte teria um direito individual
sobre quotas abstrativas relativas ao objeto. Não precede.
(2) A teoria do direito único com vários titulares entende que dois o mais titulares possam
ser encabeçados no mesmo direito. Não procede: não se permite a introdução de uma pessoa
coletiva, já que o direito subjetivo é individual, logo seria inviável.
(3) A teoria da pessoa coletiva entende que os diversos titulares funcionariam em
conjunto, como uma pessoa coletiva. Não procede: as pessoas em comunhão são tratadas como
pessoas individuais e o regime das pessoas coletivas em nada é semelhante, logo não é
aplicável.
(4) A teoria do concurso de direitos entende que existe um concurso de vários direitos
sobre o mesmo objeto. Esta construção pode ser aplicada às obrigações: uma prestação pode
ser objeto de vários direitos e a mesma prestação pode ser objeto de várias adstrições.
A teoria do concurso de direitos, nomeadamente, de vários
direitos sobre a mesma prestação ou de várias adstrições sobre
a mesma prestação – numa lógica de funcionamento
concorrente – justifica a possibilidade de pluralidade nas
obrigações.

9. OBRIGAÇÕES PARCIÁRIAS
A obrigação plural pode assumir natureza parciária quando o credor apenas pode exigir
a prestação de forma integral, ou seja, só de todos os devedores (parciariedade passiva). Ainda,
quando só todos os credores possam pedir, ao devedor, a totalidade da prestação (parciariedade
ativa). Também se podem designar, assim, de conjuntas (exigem, ou o conjunto de devedores,
ou o conjunto de credores).
Será fundamental, nestas obrigações, determinar se a prestação é divisível ou indivisível.
Se for divisível: o credor só pode exigir, a cada devedor, a parcela do cumprimento que
lhe compete (passiva); o devedor só pode cumprir, perante cada credor, a parcelo do
cumprimento que lhe deve (ativa).
Se for indivisível: há prestações que só podem ser executadas por um único dos
codevedores ou que requerem a cooperação entre todos os devedores. Exemplo da 2ª:
empreitada (envolve empreiteiro, pintor e eletricista).

9.1. O REGIME DA PARCIARIEDADE


Envolve, em termos gerais, a (1) presunção de igualdade das partes ou quotas, (2) o
beneficium divisionis e a (3) aplicação supletiva.
(1) Presume-se que os vários credores ou os vários devedores assumam posições iguais.
Não será assim se, da lei ou do negócio jurídico, resultar uma proporção diversa (534º). Cabe
aos interessados ilidir a presunção – até lá, são tratados como partes iguais.
(2) O beneficium divisionis afasta a regra da integralidade da prestação (763º),
permitindo que, na parciariedade ativa, cada credor só possa pedir a sua parcela/quota-parte.
Mais uma vez, é determinante a divisibilidade, que já não será opção se daí resultar prejuízo para
o credor.
(3) A parciariedade tem aplicação supletiva, funcionando sempre que um preceito
específico da lei ou um acordo das partes não imponham a solidariedade.

9.2. PRESTAÇÕES INDIVISÍVEIS

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No caso de existir uma pluralidade de devedores e uma prestação indivisível, decorre do
artigo 535º/1 que esta só pode ser exigida de todos – exceto se houver solidariedade.
A prestação pode tornar-se impossível por facto imputável apenas a alguns dos
devedores – nos termos do 537º, os restantes ficam exonerados.
Num caso de parciariedade ativa e uma prestação indivisível, qualquer dos credores
pode exigi-la por inteiro, no entanto, o devedor, só perante todos se pode exonerar, enquanto
não for judicialmente citado (538º).
Note-se que, nas obrigações plurais parciárias, ao conjunto plural é aplicado o mesmo
regime e, na pendência da obrigação, todas as partes estão envolvidas por deveres acessórios,
que procuram salvaguardar a materialidade em jogo.

10. SOLIDARIEDADE PASSIVA


A solidariedade passiva, nos termos do artigo 512º/1, pode ocorrer nas obrigações
plurais quando cada um dos devedores responda pela prestação integral e, sendo esta efetivada,
a todos libere. O normal é reportar-se a obrigações pecuniárias.
Deve destacar-se que a solidariedade apenas existe quando resulte da lei ou da vontade
das partes, nos termos do artigo 513º.
Ainda, podem ocorrer situações que não correspondem à verdadeira solidariedade,
designadas de solidariedades impróprias: quando, por exemplo, existem vínculos distintos ou
quando não seja possível pedir a prestação a qualquer um dos devedores.

10.1. RELAÇÕES EXTERNAS


A expressão relações externas corresponde às relações que se estabelecem entre
codevedores e credor.
Assim, entende-se que: no caso de o devedor ser demandado, não poderá invocar o
beneficium divisionis, mas pode chamar os outros dá demanda; o credor poderá demandar, em
conjunto os devedores solidários. Depois de demandado, o devedor solidário pode defender-se
pelos meios que pessoalmente lhe compitam (por exemplo, invocando a invalidade do vínculo,
por vício ou falta de vontade) ou pelos meios comuns (nulidade, prescrição, extinção pelo
cumprimento do crédito). Note-se que, a qualquer momento, qualquer devedor por oferecer-se
para cumprir por inteiro – se o devedor não aceitar, entra em mora.
Quando a prestação se torna impossível por facto imputável a um dos devedores, os
restantes são responsáveis pelo seu valor (520º). Se provocar, noutro cenário, danos que
excedam o valor da prestação, apenas o codevedor a quem é imputável responde pela
reparação.
A satisfação do interesse do credor, ou seja, o cumprimento, libera todos os devedores.
Nas relações externas não são oponíveis contratos efetuados nas relações externas
(artigo 406º/2).

10.2. RELAÇÕES INTERNAS


A expressão relações internas respeita ao relacionamento entre os codevedores, tidos
como iguais, perante o credor. Presume-se essa igualdade (516º e 512º).
No caso de o devedor satisfazer o crédito para além do que lhe compete, tem o direito
de regresso contra cada um dos devedores, na parte que compita a cada um, nos termos do
artigo 524º.

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11. SOLIDARIEDADE ATIVA
A solidariedade passiva, no âmbito de uma obrigação com vários credores e um devedor,
ocorre quando um dos credores tem a faculdade de exigir a totalidade da prestação, sendo que
essa prestação integral exonera o devedor. Só existe quando estiver prevista na lei (513º) e as
partes dos credores presumem-se iguais (516º).
Corresponde a uma obrigação única com uma só prestação, mas com vários créditos
concorrentes à mesma prestação – a repartição de vantagens faz-se depois do cumprimento.
Por isso, entre os intervenientes surgem deveres acessórios, de como a compor, de forma
equilibrada os créditos – o ajustamento.

11.1. RELAÇÕES EXTERNAS


A expressão relações externas corresponde às relações que se estabelecem entre
cocredores e devedor.
Ora, a escolha do credor solidário cabe ao devedor, nos termos do artigo 528º. O dever
de cumprir não cessa pelo facto de o devedor cumprir perante um credor diferente (caso
contrário, esvaziar-se-ia o conteúdo dos direitos de crédito de titulares não convenientes).
No caso de ocorrer impossibilidade superveniente da obrigação: por facto imputável ao
devedor, a solidariedade mantém em relação ao crédito da indemnização (529/1); por facto
imputável a um dos credores, fica este obrigado a indemnizar os demais (529/2).
Por fim, a satisfação do direito de um dos credores, nos termos do artigo 532º, extingue
a relação global, em face dos restantes credores – ou seja, exonera o devedor.

11.2. RELAÇÕES INTERNAS


A expressão relações internas respeita ao relacionamento entre os cocredores, tidos
como iguais, perante o devedor.
No caso de o credor cujo direito tenha sido satisfeito para além da parte que lhe
competia, deve satisfazer os outros a parte que eles tinham na prestação – quando não seja
divisível, procura-se um encontro de valores.
O credor satisfeito só entrará em mora depois de ser interpelado pelos restantes – só
assim lhes deverá juros.

12. PLURALIDADE HETEROGÉNEA


A pluralidade heterogénea ocorre quando, sobre a mesma prestação, concorram créditos
de qualidade diferente. Difere, assim, da pluralidade homogénea.
São exemplos: o usufruto de um crédito (1464º a 1466º) e o penhor de créditos (artigo
666º/1), que corresponde a um direito de crédito que pode ficar afeto, como garantia, à
satisfação.

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Tratado do Direito Civil
Tomo VII
PROF. ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO

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DIREITO DAS OBRIGAÇÕES
MODALIDADES DO CONTRATO

1. CLASSIFICAÇÕES DOS CONTRATOS


à Contratos Consensuais: não exigem uma qualquer forma específica - liberdade de forma
(219º).
à Contratos Formais: as declarações exteriorizam-se de forma legalmente determinada
(regime especial de forma), sendo este regime de forma apenas exigível para o núcleo
essencial do contrato (abrangem clausulas acessórias quando estejas sejam
fundamentais – artigo 221º).
1. Forma legal: exigida, pela lei, para determinado contrato.
2. Forma voluntária: adotada pelos contratantes, ainda que dispensada por lei.
3. Forma convencional: forma pactuada pelas partes, em acordo a esse fim dirigido
(350/1 – presume-se que só assim as partes se querem vincular).
à Contratos Reais quoad constitutionem: implicam, para além das declarações, a entrega
da coisa.
à Contratos nominados: têm uma denominação própria.
à Contratos inominados: têm uma denominação habitual, atribuída por juristas, ou
designado através de perífrases.
à Contratos típicos: as clausulas nucleares constam da lei (tendem a ser nominados).
Podem, ainda, existir tipos sociais (habitualmente praticados em certo setor).
Tipo: é o conjunto das regras legais aplicáveis ao
contrato visado, que determinam o seu regime.
à Contratos atípicos: resultam do exercício da autonomia privada.
à Contratos obrigacionais: produzem efeitos apenas no plano das obrigações.
à Contratos reais quoad effectum: têm efeitos reais, constituindo, modificando, onerando
ou extinguindo efeitos reais.
à Contratos comuns: uma regulação básica e comum.
à Contratos especiais: regulação mais especializada, em função de interesses.
à Contratos sinalagmáticos: implicam prestações recíprocas, apresentando-se as partes,
simultaneamente, como credoras e devedoras (o sinalagma pressupõe uma relação de
reciprocidade).
1. Sinalagma genético: manifesta-se aquando da conclusão do contrato e traduz
essa reciprocidade.
2. Sinalagma funcional: opera durante a vida do contrato, sendo percetível nas
obrigações duradouras.
3. Sinalagma imperfeito: contratos geneticamente não sinalagmáticos, mas cujo
funcionamento faz emergir prestações recíprocas.
à Contratos não-sinalagmáticos: não existe essa relação de reciprocidade das prestações.
à Contratos monovinculantes: há sempre vinculações a cargo de ambas as partes.
à Contratos bivinculantes: apenas uma das partes fica vinculada, dispondo, a outra parte,
de um direito potestativo de desencadear os efeitos contratuais.
à Contratos onerosos: quando implique esforços económicos para ambas as partes, em
simultâneo e com vantagens correlativas.
à Contratos gratuitos: quando uma parte dele retira apenas vantagens ou sacrifícios.
à Contratos instrumentais: articulam-se com outro contrato, regendo aspetos atinentes a
este, orientando-se para o fim deste (e não para um fim próprio).

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à Contratos principais: visam um fim específico.
à Contratos preparatórios: respeitam, maioritariamente, aos contratos acessórios.
à Contratos definitivos: respeitam, maioritariamente, aos contratos principais.
à Contratos instrumentais não-preparatórios: reportam-se a contratos já celebrados.
à Contratos normativos: quando dele resultem regras gerais e abstratas, ou seja, que se
apliquem eventualmente (verificada a previsão).
à Contratos-tipo: são modelos a adotar em contratos posteriores, podendo, também, servir
como figurinos a adotar pelas partes posteriormente.
à Contratos-quadro: contém elementos que serão inseridos em contratos posteriores,
ordenando a sua aparição, alguns aspetos internos, etc.

2. OS CONTRATOS MISTOS E ATÍPICOS: MODALIDADES E TEORIAS


No Direito das Obrigações, opera o princípio da autonomia privada, pelo que, as regras
obrigacionais, na sua generalidade, são supletivas; significa, assim, que se aplicam quando as
partes não as afastam, através da sua liberdade de estipulação. A notar, em termos de
curiosidade, que no Direito Romano, por exemplo, reinava a tipicidade dos contratos, não sendo
admissíveis os contratos mistos. Com o passar do tempo, esta imperatividade foi dando lugar a
maiores liberalidades, até aos dias de hoje.
Podem, por isso, as partes, criar contratos mistos e atípicos: possibilidade que, aliás,
vem prevista no artigo 405º/1 e 2. O contrato atípico, como visto, é todo aquele que não se reduz
a um regime legal fixado e abrange:
1. Contrato misto: envolve regras próprias de um tipo contratual e regras que lhe
são estranhas.
2. Contrato atípico stricto sensu: em nada se relaciona com qualquer tipo legal.
Quanto ao contrato misto, que permite, desde logo, identificar a presença, ainda que
mitigada, de um tipo legal, é possível distinguir quatro categorias:
1. Contratos complementados: enquadram-se num tipo contratual, no entanto,
são englobam prestações próprias de outras figuras.
2. Contratos combinados ou múltiplos: uma das partes está adstrita a uma
prestação própria de um certo tipo de contrato, enquanto a outra se vincula a
diversas prestações que se associam a distintos tipos contratuais.
a. Distinguem-se dos primeiros: pela ausência de um tipo básico,
existindo, antes, uma prestação típica, contra outras prestações
típicas.
3. Contratos duplos ou híbridos: uma parte está adstrita a uma prestação típica de
um contrato, enquanto a outra se encontra adstrita a uma prestação típica de
outro contrato.
a. Exemplo: o porteiro, que está adstrito à prestação de trabalho e, em
troca, recebe a prestação de alojamento.
4. Contratos indiretos ou mistos stricto sensu: as partes recorrem a um
determinado tipo contratual, fazendo-o de forma a compor interesses próprios
de um tipo diverso.
a. Exemplo: compra e venda, por valor simbólico, que se traduz numa
doação.
b. Modalidade: neles se integram os contratos fiduciários.

2.1. AS TEORIAS CLÁSSICAS

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2.2. O REGIME DOS CONTRATOS MISTOS
Problemática atinente aos contratos mistos é saber qual o regime aplicável: quando haja
lei que resolva o problema, não há quaisquer dúvidas; problema, será, senão houver lei que
determine o regime aplicável.
1. Teoria da absorção: prevalece o tipo que tiver maior núcleo essencial no
contrato.
2. Teoria da combinação: combinar os regimes.
3. Teoria analógica: aplicar a parte geral e aplicar analogicamente outros preceitos;
quando tal não seja possível, há que proceder à integração, através da criação
de uma regra hipotética.
A quando do apuramento do regime, deve-se: indagar, com recurso ao sentido objetivo
do conjunto do contrato, à finalidade comum das partes e às valorações envolvidas, qual o centro
a relevar – este centro permitirá determinar um dos tipos em presença e, consequentemente,
determinará o regime aplicável. O mais preferível será o método da absorção.
No entanto, há que ter como limites:
1. As normas injuntivas, que delimitam, negativamente, qualquer tipo contratual.
Se houver contrariedade, poder-se-á aplicar o método da combinação,
assegurando a aplicação da parte injuntiva, ou se queda na nulidade, com
hipótese de conversão (280º - 293º).
2. A vontade das partes em contrário.
3. A absoluta inadequação material: ocorre quando a regulação é incompatível com
o tipo relevante, sendo necessário acolher o tipo mais indicado.
4. Contratos atípicos: aplica-se a analogia.
Quando aos contratos atípicos stricto sensu, aos quais não corresponde qualquer tipo
contratual, deve aplicar-se: a parte geral dos contratos e, posteriormente, para o restante deve
recorrer-se à analogia.

2.3. CONTRATOS INDIRETOS


Os contratos indiretos caracterizam-se por recorrerem a um tipo contratual para
prosseguir um fim que normalmente não corresponde a esse tipo contratual escolhido. Pode,
assim, ocorrer:
1. Simulação: a finalidade será a de prejudicar qualquer terceiro, recorrendo-se a
um tipo de contrato simulado.
a. Consequências (241º): o negócio simulado é nulo, valendo o
dissimulado, sendo esse o efetivo. Não se considera um verdadeiro
negócio indireto.
2. Por divergência não simulatória: as partes declaram uma vontade diferente da
real, por ignorância ou simplicidade, sem objetivo de enganar terceiros.
3. Por necessidade: pretendem um efeito melhor.
4. Por conveniência: para melhor contemplarem os seus interesses.

2.3.1. O CASO PARTICULAR DA DOAÇÃO MISTA


São exemplos de doações mistas: a venda por baixo preço, que encobre uma dádiva – é
um caso de negotium mixtum cum donatione.
Como raciocínio a ter: há que determinar, por sua vez, o centro de gravidade do contrato,
ou seja aquilo que as partes pretenderam. O fim resulta da função procurada pelo contrato: no
caso da doação mista, parece que o objetivo do contrato será a liberalidade – prevalecendo,
assim, o regime da doação.
Assim, deve aplicar-se:
1. Proibição de bens futuros, sendo nulo se se tratar de bem futuro (942º).

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2. A proposta caduca se não for aceite pelo vendedor (945º/1).
3. O contrato é pessoal, não podendo, nem o beneficiário, nem o objeto, ser
designados por outrem (949º).
4. O vendedor/doador não responde pelo ónus ou limitações da coisa, com as
devidas exceções (957º).
5. O contrato pode ser revogado (970º e 974º).

2.4. CONTRATOS FIDUCIÁRIOS


O contrato fiduciário resulta de um tipo contratual, ao qual foi inserida uma cláusula que
limita os poderes, dele resultantes, para uma das partes, de forma a obriga-la a exercê-los, seja
no interesse da contraparte, seja no de terceiros.
Exemplo típico: a clausula é inserida no contrato de compra e venda, de
tal modo, que o adquirente, embora pleno proprietário da coisa, deve
exercer o seu direito de propriedade em benefício do alienante.
Cumprida essa obrigação, a coisa é retransmitida ao alienante.
O escopo do contrato é, assim, a clausula fiduciária/fidúcia: que é garantida pelas
prestações principais, secundárias e os deveres acessórios (decorrentes da boa fé) que
emergem do tipo contratual recorrido. Se a fidúcia for proibida, então o negócio é nulo (280º/1).
O modo fiduciae tem apenas eficácia inter partes, salvo exceção legal. A inobservância
da dimensão fiduciária do contrato dá, ao fiduciante, o direito à competente indemnização.

2.5. UNIÃO DE CONTRATOS


Resultam, as uniões ou coligações de contratos, do encadeamento dos contratos, uns
nos outros, gerando-se numa série de interações que se repercutem no regime aplicável.
Há que delimitar as distinções entre união e contratos mistos. Na união de contratos,
não há perda de individualidade dos contratos, apesar da sua associação. Nos contratos mistos,
há apenas um contrato, que reúne elementos de vários tipos contratuais.
Em termos de tipologia:
1. União externa: dois ou mais contratos surgem materialmente unidos, sem que
entre eles se estabelece um nexo juridicamente relevante.
2. União interna: dois contratos surgem conectados, porque uma, ou ambas as
partes, concluíram um em função do outro.
a. Tipo de articulação:
i. Uniões processuais: vários contratos se encontram conectados
para a concretização de um fim.
ii. Uniões não-processuais: restantes casos.
b. Conteúdo:
i. Uniões homogéneas: vários contratos em presença são do
mesmo tipo.
ii. Uniões heterogéneas: os vários contratos em presença são de
tipos diferentes.
c. Modo de relacionamento
i. Uniões hierárquicas: um segundo encontra-se subordinado ao
primeiro, estando neste a sua vontade de legitimidade.
ii. Uniões prevalentes: um contrato determina o regime, o
conteúdo e o objeto, que será retomado, por remissão, pelo
segundo.
iii. Uniões paritárias: encontram-se conectados e em pé de
igualdade.
d. Relações:

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i. Uniões horizontais ou em cadeia: conectam-se na horizontal,
sendo celebrados em simultâneo ou sem que se estabeleça,
entre eles, espaços de tempo relevantes.
ii. Uniões verticais ou em cascata: articulam-se na vertical e
dependem uns dos outros, justificando-se, ganhando-se forma
uma ideia de sucessão.
3. União alternativa: um contrato afasta a celebração do outro.

2.5.1. O REGIME APLICÁVEL


No domínio da validade, há a reter que:
1. Os contratos posteriores, na união vertical, têm a sua validade dependente da
dos anteriores, pela legitimidade, por vício na formação da vontade e por
ilicitude.
No domínio do conteúdo, há a reter:
1. A remissão: quando um contrato, de modo implícito, ou explícito, apele para
outro, no tocante às regras que estabelece.
2. O condicionamento: ocorre quando um contrato não possa ultrapassar, no
conteúdo, limites que se prescrevam em contrato anterior.
3. A potenciação: ocorre sempre que os contratos unidos sejam necessários para
a obtenção dos objetivos comuns, que ficarão perdidos se um dos contratos
falhar.

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DIREITO DAS OBRIGAÇÕES
O CONTRATO-PROMESSA

1. NOÇÕES GERAIS
O contrato-promessa é o contrato através do qual as partes se obrigam a celebrar um
outro contrato, o definitivo, prometido. Encontra-se regulado nos artigos 410º e ss. São-lhe
reconhecidas, na prática, várias funções:
à Função preliminar: é usado como parte do processo de formação do contrato
definitivo.
à Função mitigadora: a promessa adstringe as partes, de forma mais lassa, quando
comparada com a adstrição provocada pelo contrato definitivo.
à Função de transação meramente obrigacional: através do contrato-promessa tudo
está acordado, no entanto, só a celebração do contrato definitivo provoca a
transferência do direito de propriedade – não há transferência imediata do direito
de propriedade.
é visível nos contratos-promessas relativos a imóveis com execução
específica – enquanto que, antes do Código de Seabra, a compra e
venda tinha mera eficácia obrigacional; a partir deste, a compra e
venda passa a ter eficácia real, ou seja, o direito de propriedade
transfere-se por mero efeito do contrato (e com ele, o risco de
perecimento).
à Função de desformalização: não se equiparou, em termos de exigências formais,
a promessa ao contrato definitivo, o que se traduz em exigências formais menos
solenes.
à Função reguladora autónoma: representa uma valoração distinta do contrato
definitivo, porque é, ele próprio, fonte de específicos valores que se transacionam
na sociedade e uma situação estável, que vale por si, entre as partes.
Assim, em termos gerais: o contrato promessa obriga os interessados, por via negocial
ou com base numa relação de confiança, a respeitar o que ficar acordado – os aspetos acordados
ficam definidos e deles não se pode voltar atrás, sem justa causa. Os danos que forem infligidos,
quer por violação de obrigações principais, quer por violação de obrigações secundárias, quer
por violação de deveres acessórios, devem ser indemnizados. São verdadeiros contratos, mas
apenas produzem efeitos nos esforços/condutas procedimentais.

2. A PROMETIBILIDADE
A prometibilidade tem como função saber se determinado contrato pode ser prometido,
ou seja, se pode ser objeto de contrato-promessa.
Antes de mais, a reter que à prometibilidade pode ser atribuída uma graduação:
prometibilidade fraca e prometibilidade forte.
à Prometibilidade fraca: o contrato é suscetível de promessa, no entanto, não pode
ser obtido (o cumprimento) por execução específica (artigo 830º).
à Prometibilidade forte: o contrato pode ser prometido, bem como se pode recorrer
à execução específica em caso de incumprimento.
A prometibilidade forte pode ser afastada (ou seja, a execução
específica): por força dos valores envolvidos, nomeadamente
pela natureza da obrigação (830º) ou por norma expressa.

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2.1. CASOS EM QUE É EQUACIONADA A PROMETIBILIDADE
(1) A Doação pressupunha uma doação enquanto objeto do contrato promessa, o que
significava que, a ser válido, o contrato daria o direito, ao donatário, a celebrar uma doação
definitiva.
Não se admitindo – pela generalidade da doutrina – a execução específica, tratando-se,
por isso, de prometibilidade fraca, o donatário deveria ser indemnizado pelos danos do
incumprimento do doador, sendo que a indemnização teria, pelo menos, o valor da doação –
deixaria, assim, de ter caráter gratuito.
Não é possível ser objeto de contrato promessa: proibida a doação de bens futuros
(942º/1), pode ser revogada livremente enquanto não for aceite (969º/1). A ser objeto, não seria
nulo, mas apenas ineficaz, quanto às prestações principais – eficaz, no entanto, quanto a
deveres acessórios (danos de confiança e maiores despesas).
(2) O Casamento: podem surgir promessas de casamento, que constituem um acordo
entre ambos os interessados, tendente à futura conclusão do casamento – envolve, este acordo,
despesas com preparativos e atos afins. A promessa vem regulada nos artigos 1591º e ss.
É, por conseguinte – em razão do regime de liberdade do casamento -, uma promessa
especial: quando seja rompida, por justo motivo, apenas dá lugar a que o noivo inocente requeira
uma indeminização pelas despesas contraídas e feitas (fixada pelo tribunal, nos termos do artigo
(1594º/3). Nestes moldes, pode ainda haver lugar a indemnização por deveres acessórios, como
a segurança, a lealdade e a informação (deviam, as partes, respeitar a segurança física, moral e
patrimonial, a lealdade e a troca de informações necessárias – tais deveres foram despeitados
com o romper da promessa).
Assim: não é um verdadeiro contrato-promessa, porque falta a prometibilidade (não há
como garantir o cumprimento). É, antes, uma fonte de uma relação obrigacional legal, assente
na confiança.
(3) Os Contratos Reais Quoad Constitutionem (com tradição da coisa): exigem a traditio,
ou seja, a entrega da coisa – como é de entender, a entrega da coisa não se pode realizar no
contrato-promessa. Inicialmente, entendeu-se que não seriam passíveis de ser objeto de
contrato promessa – mais tarde, entendeu-se que seriam, no entanto, não se admitia execução
específica (prometibilidade fraca).
Assim, são permitidos contratos promessa de comodato, de mútuo e de depósito.
Outras situações admissíveis: contratos-promessas de partilhas (com execução
específica), de coisas alheias, de arrendamento, de sociedade e com elementos atípicos
(concessão de exploração, trespasse, cessão de quotas).

3. A FORMA DO CONTRATO-PROMESSA
Regra geral, no contrato promessa, funciona o princípio da equiparação: nos termos do
artigo 410º/1, aos contratos-promessas são aplicáveis as regras relativas ao contrato prometido.
À regra geral da equiparação, excetua-se, nomeadamente, a forma (410º/1) – assim, a forma
seria livre (artigo 219º). No entanto, nova exceção (410º/2): nos casos em que a lei exija, para o
contrato definitivo, um documento autêntico ou particular, deve o contrato promessa ser
celebrado por documento (artigo 362º) assinado pelas duas partes (bivinculante) ou pela parte
que se vincula (monovinculante). Assim:
1. Coisas móveis: o contrato de coisas móveis (a contrartio – 875º), não está
sujeito a exigências de forma, logo aplica-se a forma livre/consensual, nos
termos do artigo 219º.
2. Coisas móveis sujeitas a registo: o contrato de coisas móveis sujeitas a registo
(a contrartio – 875º), não está sujeito a exigências de forma, logo aplica-se a

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forma livre/consensual, nos termos do artigo 219º, em conjugação com o artigo
205º/2.
3. Coisas imóveis que não edifícios ou frações autónomas de edifícios: está sujeito
a exigências de forma, nos termos do artigo 875º (escritura pública), logo aplica-
se a forma constante do artigo 410º/2 (documento, nos termos do artigo 362º,
assinado por uma ou ambas as partes, conforme se processe a vinculação).
4. Edifícios (a construir, em construções ou construídos) ou frações autónomas de
edifícios (410/3 + 410/2): um documento (artigo 362º), assinado por uma ou
ambas as partes (nº2); reconhecimento presencial das assinaturas e
certificação, pela mesma entidade, da existência de licença de utilização
(edifício já construído) ou de construção (edifício em construção ou a construir).
Por “edifício”: construção que limita o solo por todos os
lados incluindo o espaço aéreo e que está fixado ao solo
com caráter permanente. Caráter habitacional é
SÃO REQUISITOS irrelevante.
CUMULATIVOS: EDIFÍCIO Por “construção”: um projeto apresentado à entidade
(A CONSTRUIR, EM competente (câmara), previamente, e que já tem licença
CONSTRUÇÃO OU de construção. Falta de licença de construção releva
CONSTRUÍDO) OU para a aplicação isolada do nº2.
FRAÇÕES AUTÓNOMAS DE Por “fração autónoma”: apartamento, p.e.
Deve haver sempre indicação, quando se esteja perante
um edifício a construir do projeto, já apresentado à
câmara.
No caso de promessas urbanas, ou seja, as promessas que devam obedecer aos
requisitos do 410º/3, em caso de não se haverem cumpridos os requisitos de forma, de acordo
com o prof. Menezes Cordeiro, ocorre uma situação de invalidade mista: o promitente adquirente
recebe um direito potestativo de anular (não há limitações – apenas pode ser impedida pela boa
fé, quando a culpa lhe pertença, venire contra factum proprium); o promitente alienante apenas
pode invocar a anulabilidade quando esta seja culposamente causa pelo promitente adquirente.

3.1. A QUESTÃO DAS ASSINATURAS


Duas questões a respeito das assinaturas: as comissões de reserva carecem de ser
assinadas pelos dois promitentes? qual a consequência de, num contrato bivinculantes, apenas
uma das partes assinar?
As comissões de reserva/imobilização surgem normalmente em contratos promessas
monovinculantes, nos quais apenas uma assinatura é exigida (apenas a assinatura da parte que
se vincula, 410º/2). Estas comissões funcionam: a parte que não está vinculada a celebrar o
contrato definitivo obriga-se a retribuir a vantagem, através de um pagamento. O problema reside
em ambas as partes ficarem vinculadas, pelo que se pergunta se ambas devem assinar.
1. Galvão Telles: o contrato torna-se bivinculantes (ainda que imperfeito) e ambas
as partes devem assinar.
2. Almeida Costa, Mota Pinto: a clausula em causa não está sujeita a forma
especial, logo cairia na liberdade de forma (219º).
3. Antunes Varela: embora se trate de uma promessa unilateral, o beneficiário está
adstrito a uma prestação, logo ambos devem assinar.
4. Regência: trata-se de uma clausula acessória (221º/1 – só carecem de forma
especial quando a razão determinante da forma assim o exija) e não lhes é
exigida a forma do contrato, uma vez que as razões dessa exigência não o
justificam. Logo, não carecem de ser assinadas pelas duas partes.

50 DIREITO DAS OBRIGAÇÕES | Prof. António Menezes Cordeiro


Já no que respeita a contratos promessas bivinculantes com apenas uma assinatura, o
problema é diverso: contratos para os quais a lei exige documento assinado pelas duas partes e
apenas uma das partes assina. Que consequências devem advir?
1. O contrato vale automaticamente como promessa monovinculante.
2. O contrato é nulo, por falta de forma (220º).
Parece fazer mais sentido optar pela nulidade, em razão de haver fundamento para a
transformação automática da promessa. No entanto, a ser nulo, pode operar o aproveitamento
de negócios (decorre do princípio do favor negotti). Através dois institutos, que diferem no seu
regime:
1. A redução (Menezes Leitão): perante uma situação de nulidade
parcial/anulabilidade parcial.
a. Ónus: o interessado em “reduzir” deve provar a divisibilidade do
contrato.
b. Contraparte: a parte que assinou deve demonstrar que não queria estar
vinculada naqueles termos.
c. NOTA: favorece a vontade real das partes.
2. A conversão (Menezes Cordeiro): perante uma situação de nulidade
total/anulabilidade total.
a. Ónus: o interessado em “converter” deve demonstrar que se ambos
soubessem da invalidade, teriam celebrado uma promessa
monovinculantes.
b. Contraparte: deve provar que não pretendia realizar um contrato-
promessa monovinculantes.
c. NOTA: favorece a vontade hipotética das partes.

4. REGRAS NÃO APLICÁVEIS


Decorre, ainda, do artigo 410º/1, enquanto exceção ao princípio da equiparação, as
regras que não são aplicáveis pela sua natureza: significa, então, que não se aplicam ao contrato-
promessa todas as regras que visem a consubstanciação das prestações que são próprias do
contrato definitivo (ou seja, o seu regime).
De um modo geral, pode delimitar-se que se aplica: as regras da cessão da posição
contratual (424º a 427º); a exceção de não-cumprimento (428º a 431º); resolução do contrato
(432º a 436º) por impossibilidades (795º/1, 801º/2); resolução ou modificação por alteração
das circunstâncias (437º a 439º, 830º/2); a antecipação do cumprimento e o sinal (440º a 442º);
o contrato a favor de terceiro (443º a 451º); contrato para pessoa a nomear (452º a 456º);
obrigações alternativas (543º a 549º).
Por outro lado, não se aplicam: pluralidade de credores e devedores (512º a 538º) e
obrigações genéricas (539º a 542º).
NOTA: dado que a propriedade não se transmite por mero efeito
do contrato promessa, então podem existir contratos-promessas
sobre bens alheios ou sobre bens futuros.
Exemplo: num contrato-promessa de compra e venda de imóveis
do casal, celebrado por apenas um dos cônjuges, na posição de
promitente-vendedor, sem o consentimento do outro, é válido.

5. MODUS CONTRAHENDO
O contrato promessa postula vários deveres que se encontram ao serviço do objetivo de
realização do contrato definitivo. Podem, esses deveres assumir:
à Prestações principais,

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à Prestações secundárias instrumentais: tarefas de redocumentação – tornar
válida a conclusão do contrato definitivo;
à Prestações secundárias materiais - manutenção do objeto;
à Prestações secundárias de tipo jurídico - obtenção do consentimento do outro
cônjuge e aquisição da coisa pelo promitente alienante;
à Deveres acessórios: lealdade, informação e segurança;
É, assim, um contrato autónomo em relação ao definitivo – cujo incumprimento pode
conduzir, inclusive, a consequências.

6. A QUESTÃO DO CUMPRIMENTO E DO INCUMPRIMENTO


Por cumprimento deve entender-se a realização da prestação devida – o que significa,
no âmbito das obrigações, da concretização, pelo devedor ou por terceiro, do programa previsto
pela obrigação que está em causa.
O cumprimento, nos termos gerais, rege-se por vários princípios:
à Princípio da correspondência: deve reproduzir, qualitativamente, o fixado pela
obrigação.
à Princípio da integralidade: deve ser efetuada na íntegra (763º/1).
à Princípio da concretização: deve realizar o interesse do credor.
à Princípio da boa fé: na execução, devem ser acatados os deveres acessórios e a
medida do esforço exigível, acautelando a confiança e a materialidade
subjacente (artigo 762º/2).
Releva, especialmente, para o cumprimento a questão do prazo da prestação: pode ser
fixado por disposição legal, por estipulação das partes, pela natureza das coisas ou pelo tribunal.
Por incumprimento, por sua vez, deve entender-se a não realização da prestação devida,
pelo devedor, sempre que tal ocorrência respeita à violação de normas jurídicas (quando não
existe uma causa que justifique o incumprimento). Pode, assim, ocorrer:
à Incumprimento stricto sensu: cumprimento retardado ou mora (ultrapassar o
prazo, vencimento da obrigação, sem haver cumprimento); incumprimento
definitivo (habilita à responsabilidade civil, aquiliana ou obrigacional).
à Impossibilidade superveniente imputável ao devedor.
à Violação positiva do contrato: cumprimento imperfeito e inexecução dos deveres
acessórios.

6.1. O CUMPRIMENTO E O INCUMPRIMENTO DO CONTRATO PROMESSA


O cumprimento do contrato-promessa corresponde à emissão das declarações de
vontade, por cada uma das partes que irão integrar o contrato definitivo.
O contrato definitivo deve ser prefixado, podendo haver lugar, em caso de espaços em
branco, a preenchimento – a determinação, por via do 400º/1, por via do 883º (determinação
do preço) ou do 239º (integração). Não sendo possível, há lugar a indeterminabilidade, pelo que
o contrato é nulo (280º/1).
O incumprimento do contrato-promessa ocorre quando, no momento fixado para a
celebração do definitivo, uma das partes não comparece no local determinado ou se recusa a
cumprir. Ocorre: mora (não cumprimento atempado – 804º) e incumprimento definitivo (depois
da mora, quando o promitente fiel perde o interesse no contrato definitivo ou quando, depois de
fixado um novo prazo, o promitente faltoso não cumpra, 808º).

6.2. EXTINÇÃO DO CONTRATO PROMESSA

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Pode, ainda, cessar o contrato promessa por: revogação (1), resolução (2) ou revogação
por comum acordo (3), impossibilidade superveniente não imputável (4), por compensação (5),
por novação (6), por confusão (7).
(1) A revogação é uma declaração unilateral, discricionário e só viável quando prevista
no próprio contrato.
(2) A resolução é uma declaração unilateral, vinculada e viável quando prevista no
contrato ou na lei (em princípio, perante o incumprimento de uma das partes).
(3) A revogação por comum acordo ocorre desde que ambas as partes dêem
consentimento.
(4) A impossibilidade superveniente não imputável (790º/1) ocorre quando desaparece
o objeto do contrato definitivo ou quando a celebração do contrato, por alteração legislativa, se
torne juridicamente inviável (ou por alteração das circunstâncias).
(5) A compensação quando se verifique dois contratos-promessas de sinal contrário
(847º).
(6) A novação ocorre quando existe acordo, dos promitentes, nesse sentido (857º).
(7) A confusão quando ambas as posições de promitente se reúnam na mesma esfera
jurídica (868º).

7. O SINAL E O DIREITO DE RETENÇÃO


7.1. O SINAL E O FUNCIONAMENTO
O sinal é uma clausula típica, própria dos contratos onerosos: a quando da celebração
de um contrato, há sinal quando uma das partes entrega, à outra, uma coisa ou uma quantia.
Em termos gerais, no contrato promessa, qualquer quantia ou coisa entregue presume-
se que seja sinal (nos termos do artigo 441º), apesar de, regra geral, nos restantes contratos, só
assumir natureza de sinal quando as partes assim o estipulem. Esta presunção legal é ilidível,
por convenção das partes (pode a parte afirmar que a quantia é apenas cumprimento
antecipado)
Quanto ao funcionamento do sinal:
1. Havendo cumprimento: a coisa ou quantia é imputada no cumprimento (a não
ser possível, é restituída e o preço pago na integra).
2. Havendo incumprimento: depende de a quem seja imputável.
a. Imputável a quem recebe o sinal: o sinal é restituído em dobro.
b. Imputável a quem entrega o sinal: o autor do sinal perde a coisa ou a
quantia.
Problema diverso, que tem animado a doutrina, é o de saber quando deve, então, operar
o sinal:
1. Prof. Menezes Cordeiro: o sinal deve operar no momento da mora (do mero
incumprimento, por decorrência do prazo de vencimento da obrigação).
a. a alternativa de ter de interpelar o promitente-faltoso para que este
entre em mora (805.º), ter de lhe fixar um prazo admonitório (808.º/1)
e demonstrar a perda de interesse do promitente fiel é uma mera
burocracia.
b. Com o sinal visa-se estipular um prazo certo peremptório
c. A objeção do Professor Menezes Leitão de as sanções serem muito
pesadas para meros esquecimentos que podem ser de 1 dia aplica-se a
todos os prazos! Nessa medida, teria de se exigir incumprimento
definitivo em todos os casos de prazos.
d. O sinal é precisamente uma penitência!

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e. Em princípio, o sinal afasta a execução específica (830.º/2). Se o sinal
só funcionasse no incumprimento definitivo, por que é que durante a
mora não se poderia recorrer à execução específica?!
f. Não podemos compactuar com o movimento geral de incumprimento de
prazos, que traz graves danos para as economias.
2. Prof. Menezes Leitão: o sinal deve operar no momento do incumprimento
definitivo, exceto de houver aumento do valor da coisa (sinal vinculístico).
a. aumento do valor da coisa, como admite posterior cumprimento: MORA.
b. Perda do sinal ou restituição em dobro: Incumprimento definitivo.
Porquê?
i. seria uma sanção excessiva e desproporcionada que um
simples atraso no cumprimento (que pode ser de 1 ou 2 dias)
legitimasse a outra parte a exigir sanções tão pesadas como a
perda do sinal ou a sua restituição em dobro.
ii. Exigir apenas a mora seria uma quebra sistemática com o
regime da cláusula penal (esta só pode ser exigida com o
incumprimento definitivo).
Quanto ao sinal vinculístico, ou seja, às situações em que houve tradição da coisa, nos
termos do artigo 442º/2/parte final, há a referir que, quando demandado pelo valor da coisa, o
promitente-alienante poderia defender-se e oferecer-se para cumprir, celebrando o contrato
definitivo.
Este sinal vinculístico pressupõe, desde logo: pagamento de um sinal, pelo promitente
adquirente, e benefício, deste, da tradição da coisa (salientando a necessidade de haver um
animus de cumprimento antecipado, não se admitindo, para efeitos de tradição da coisa, a
obsequidade).
Quanto ao funcionamento:
1. O promitente adquirente pode exigir o sinal em dobro.
2. O promitente adquirente pode exigir o valor da coisa, ao qual se deduz o preço
pego, em acréscimo à restituição do sinal (para salvaguardar o especial vínculo
estabelecido entre o promitente adquirente e a coisa – daí ser vinculístico).
a. valor objetivo da coisa (valor de mercado) – a quantia paga pela coisa +
sinal.
3. O promitente adquirente pode exigir a execução específica.

7.2. O DIREITO DE RETENÇÃO


O sinal vinculístico pressupõe a atribuição, ao promitente adquirente que tenha obtido a
tradição da coisa, a entrega de um direito de retenção. Ou seja, o direito de retenção apenas
funciona quando exista aumento do valor da coisa.
O direito de retenção é uma garantia especial que permite ao devedor, que disponha de
um crédito contra o seu credor, reter a coisa em seu poder se, estando obrigado a entrega-la, o
seu crédito resultar de despesas feitas por causa dela ou de danos por ela causados
Nos termos do artigo 759º, o titular passa a ter vários poderes:
1. Executar a coisa: nos termos em que o faz o credor hipotecário e de ser pago
com preferência em relação aos demais credores.
2. Fazer prevalecer esse poder sobre a hipoteca, ainda que registada
anteriormente.
3. Beneficiar de regras do penhor, que incluem a defesa possessória.

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8. A EXECUÇÃO ESPECÍFICA
8.1. O FUNCIONAMENTO DA EXECUÇÃO ESPECÍFICA
A execução específica consiste na substituição do devedor no cumprimento, obtendo o
credor a satisfação do seu crédito.
A execução específica tem eficácia constitutiva: na medida em que a declaração do
tribunal se substitui à declaração do promitente faltoso. Assim, o tribunal emite uma sentença
que produz os mesmos efeitos da declaração negocial que não foi realizada, operando-se a
constituição do contrato definitivo.
A referir, no entanto, que existem exceções ao funcionamento da execução específica:
1. Quando haja convenção em contrário (quando as partes pretendam afastar
a execução específica e assim o convencionem, quando exista sinal ou
quando exista clausula penal).
a. A notar, no entanto, que as partes podem ilidir a presunção:
convencionar o funcionamento cumulativo ou alternativo da
execução específica com o sinal; a parte que deu sinal pode provar
que a quantia não se pretendia que tivesse natureza de sinal.
2. Incompatibilidade desta com a natureza da obrigação (casos de doação, do
casamento e da impossibilidade superveniente).
Ainda, as exceções às exceções: quando se trate de contrato promessa urbano, a
execução específica nunca pode ser afastada pelas partes.
Há que notar que: a execução específica pressupõe a viabilidade do contrato definitivo,
no momento em que seja decretada: apesar de não ser nulo contrato promessa de venda de
bens alheios, é nula a execução específica de venda de bens alheios – não se admite execução
específica, pela natureza da obrigação em causa, quando a propriedade da coisa não pertença
ao promitente-alienante. Nestes termos, há, no entanto, sempre lugar a responsabilidade
obrigacional (798º), caso não exista o funcionamento do sinal.
Para além disso, a execução específica pressupõe, ainda, a validade do contrato.

8.2. VICISSITUDES
Quando haja funcionamento da execução específica, há a considerar quatro situações
em particular:
1. Alteração das circunstâncias: permite-se proceder à modificação ou cessação
dos contratos quando, por condicionalismos verificados, a exigência das
obrigações contrarie os valores básicos do sistema (437º) – nos termos do artigo
830º/3/2ª parte, em caso de alteração de circunstâncias, pode ser ordenada a
modificação do contrato pelo promitente faltosos, ainda que tenha havido mora
(contrariamente à regra geral, 438º).
2. Depósito do Preço: quando um contrato permita a exceção de não cumprimento
(a contraparte recusa-se a cumprir, enquanto o outro não efetuar a prestação
que lhe cabe), esta pode ser invocada pela parte demandada, fixando, o tribunal,
um prazo para o depósito da prestação em falta (ou do preço em falta – 830º/5).
3. Expurgação das Hipotecas: o problema se levanta quando a execução específica
ocorra sobre bens hipotecados – a solução encontra-se no artigo 830º/4,
aplicável aos contratos-promessas urbanos (410º/3).
4. Obrigações de contratar: a execução específica é admissível em todas as
obrigações de contratar (é o caso de mandatos sem representação),
procedendo-se, assim, a uma interpretação extensiva do artigo 830º.

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9. CONTRATOS-PROMESSAS COM EFICÁCIA REAL
O artigo 413º permite que as partes, por convenção, atribuam eficácia real à promessa:
no entanto, há a notar que esta convenção não processa a transferência de nenhum direito real
(ou seja, não transfere a propriedade). Antes, estas promessas com eficácia real, para o Prof.
Menezes Cordeiro, assumem-se como verdadeiros direitos reais de aquisição e garantem
vantagens em termos de oponibilidade.

9.1. REQUISITOS E FORMA


A promessa com eficácia real, nos termos do artigo 413º, deve respeitar determinados
requisitos:
1. Presença de coisas imóveis ou móveis sujeitas a registo.
2. Uma promessa de alienação ou de oneração.
3. Escritura pública ou documento particular autenticado.
a. Quando esta forma não seja exigida, por lei, para o contrato definitivo
(móveis sujeitos a registo): basta um documento particular com
reconhecimento da assinatura da(s) parte(s) que se vincula(m).
4. Convenção com eficácia real (acordo das partes – declaração expressa).
5. Registo da promessa (inscrição no registo).

9.3. FUNCIONAMENTO DA EFICÁCIA REAL


Pelo uso da expressão “eficácia real” e pela necessidade de inscrição no registo, deve
entender-se que o promitente adquirente pode agir diretamente contra um terceiro (assim, a
promessa com eficácia real tem, para além de eficácia interpartes, eficácia ergaomnes).
Pergunta-se, então, o que pode o promitente fiel fazer em caso de incumprimento do contrato
definitivo, pelo promitente faltoso?
Neste ponto, a doutrina diverge:
1. Prof. Antunes Varela: perante o promitente faltoso invoca-se a execução
específica. Perante o terceiro adquirente (que celebrou o contrato-promessa)
invoca-se a venda de bens alheios (art.892º), que é nula.
2. Prof. Pessoa Jorge: perante o promitente faltoso invoca-se a execução específica.
A venda feita a terceiro é ineficaz.
3. Prof. Oliveira Ascensão: perante o promitente faltoso e perante o terceiro invoca-
se a execução específica. Mas tal não faz sentido. Não se pode invocar a
execução específica ao promitente faltoso porque este já não é titular da
propriedade. Também não se pode invocar a execução específica em relação ao
terceiro pois esta só é válida interpartes.
4. Prof. Menezes Cordeiro: perante o terceiro invoca-se uma ação de reivindicação
adaptada (art. 1311º + 1315º, por se tratar de direito real de aquisição, para
MC), ou seja, constitui-se na esfera do comprador o direito de propriedade
(atribui-se eficácia constitutiva à ação de reivindicação).
a. Para o pedido de restituição do terceiro, não basta exibir o contrato-
promessa com eficácia real. O promitente terá de apresentar, além disso
a aquisição legitima do promitente-alienante, a do seu antecessor e
assim sucessivamente, até se chegar á causa originária de aquisição.
b. Para pedir uma coisa a terceiro, a reivindicação é sempre necessária,
sendo que esta será sempre intentada contra quem for o atual possuidor
da coisa.
Apesar de tudo, pode o promitente faltoso ser demandado, para fins de responsabilidade
obrigacional (798º e ss.).

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10. O REGISTO DA AÇÃO DE EXECUÇÃO ESPECÍFICA
O problema coloca-se quando: numa promessa sem eficácia real, haja sido intentada
uma ação de execução específica, e, durante o processo, o reu tenha vendido a cisa a terceiros
– o promitente fiel ver-se-ia incapacidade de obter o bem. Nestes termos, a questão pode ser
solucionada com o registo:
1. A execução específica relativa a imóveis está sujeita a registo (artigo 3º/1/a),
Código do Registo Predial). É necessário, sob pena de a ação poder vir a não
prosseguir.
2. O registo é provisório e mantém-se por três anos (artigo 92º/1/a) e 92º/3, CRP).
3. A decisão da ação de execução específica está sujeita a registo (artigo 3º/1/c))
e é averbada ao registo da ação (101º/2/b)).
4. Consequência: o registo da sentença que decrete a execução específica retroage
à data do registo da ação, tornando-se-lhe inoponíveis os registos de aquisições
de terceiros posteriores ao registo da ação.
a. Prevalecerá, sempre, o registo posterior.
b. Note-se que a promessa não adquire eficácia real: à apenas retroação
dos efeitos da decisão (apenas eficácia de sentença).

11. NATUREZA DO CONTRATO PROMESSA


1. Teoria não autónoma/não vinculatividade: auto-regulamentação das partes que surge,
apenas, com o contrato definitivo. Assim, a promessa não representaria mais do que
uma operação preparatória.
2. Regência: Teoria autónoma/vinculatividade: a promessa, uma vez concluída, esgota a
liberdade das partes – pelo que o contrato definitivo seria um ato de execução do
contrato já combinado.
a. Regência: a primazia do contrato promessa não deve levar ao apagamento do
contrato definitivo, que tem um papel próprio, que permite conferir à promessa
também um papel autónomo. O contrato definitivo é um contrato a se, não
deixando de ser um verdadeiro contrato, ainda que devido e pré-regulamentado.

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DIREITO DAS OBRIGAÇÕES
O PACTO DE PREFERÊNCIA

1. NOÇÕES GERAIS DA PREFERÊNCIA


Pacto de preferência, nos termos do artigo 414º, consiste numa convenção pela qual
alguém assume a obrigação de dar preferência a outrem na venda de determinada coisa.
O pacto de preferência, em termos de dogmatização, assume diversas funções:
1. Função de contrato preparatório: preparação para a realização de um contrato
futuro, a preferência.
2. Função de pacto de recuperação: alguém aliena uma coisa ou um direito, mas
pretende reservar-se na possibilidade de um dia o vir a recuperar.
3. Funções privadas: permite recompor a propriedade desonerada sobre a coisa,
sendo solução de conflitos entre direitos reais, de vizinhança ou de sobreposição
(caso da compropriedade).
4. Funções públicas: permite intervir no tecido social sem recorrer a meios de
autoridade, ou seja, a intervenção para defender o interesse público sem
necessidade de autoridade.
Cabe distinguir o pacto de preferência de figuras passivelmente similares:
à Contrato-promessa monovinculantes: a distinção reside na circunstância de o
contrato definitivo, na promessa vir a ocorrer entre as partes, enquanto que, na
preferência, o contrato definitivo é uma incógnita quanto ao conteúdo –
dependerá do que venha a ser combinado com um terceiro, bem como da
vontade do preferente.

1.1. MODALIDADES DO PACTO DE PREFERÊNCIA


à Preferência obrigacional: um simples direito de crédito, a cargo do preferente – direito
de exigir, a tanto por tanto, que o obrigado lhe dê preferência na conclusão de um
negócio que venha a ocorrer.
o Violação/incumprimento: dá lugar a indemnização, ou seja, a
responsabilidade obrigacional.
à Preferência real: um direito real de aquisição, que confere ao preferente um
aproveitamento da coisa que se traduz no poder de exigir, a tanto por tanto, que um
negócio acordado com terceiro seja preferencialmente concluído com este
(preferente).
o Violação/incumprimento: dá lugar a fazer do negócio do faltoso seu,
através de ação de preferência, que pode ser conjugada com uma
indemnização, ou seja, responsabilidade obrigacional (798º e ss.).
à Preferência convencional: é livremente acordada pelas partes (414º), estando o
âmbito da preferência determinado pelas partes.
o Natureza: assumem eficácia obrigação, exceto se as partes hajam
convencionado eficácia real (observando as formalidades exigidas).
à Preferência legal: advém da lei, estando associada, por exemplo, ao arrendamento e
à compropriedade (ao arrendatário e ao comproprietário é dada preferência).
o Natureza: assumem sempre eficácia real.

2. O REGIME DA PREFERÊNCIA
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2.1. A PREFERIBILIDADE
A questão da preferibilidade coloca-se com o propósito de saber: que contratos podem
ser objeto do pacto de preferência?
À semelhança do contrato-promessa, em princípio, não podem ser objeto do pacto de
preferência, nem o casamento, nem a doação. No caso da doação, comportar-se-ia uma nulidade
parcial - nulidade por contrariedade à lei (423º e 942º/1). Note-se que a doação pressupõe um
animus donandi, que seria posto em causa com a preferência.
Afigura-se, assim, possível delimitar o artigo 423º: não se excluem da preferência os
contratos onerosos, contando que não sejam intuitu personae.
Quanto à preferibilidade, cabe fazer uma distinção:
1. Preferibilidade fraca: é admissível o pacto de preferência, mas não a ação de
preferência – em violação do pacto, funciona a responsabilidade civil
obrigacional, ou seja, há lugar a indemnização.
2. Preferibilidade forte: é admissível o pacto de preferência, bem como a ação de
preferência, quando este seja desrespeitado – pode ser complementada pela
responsabilidade civil obrigacional.

2.2. A FORMA DO PACTO DE PREFERÊNCIA


Estipula o artigo 415º que se aplica, à forma do pacto de preferência, o artigo 410º/2.
1. De acordo com as regras gerais, do regime da liberdade de forma (artigo 219º);
2. Quando o contrato preferível exija um documento, quer autêntico, quer particular,
para o pacto de preferência é exigível forma escrita, assinada pela parte que se
vincula (o obrigado – apenas este fica obrigado).
a. Falta da assinatura: o negócio é nulo, podendo, porém, ser aproveitado –
optando-se, ou pela redução, ou pela conversão.
3. Excesso de forma: se escrito quando tal não seja exigível, incorre em excesso de
forma, sem consequências.

2.3. O REGIME SUBSTANTIVO


Ao contrário do que decorre do regime do contrato-promessa, a lei não regulou o regime
substantivo do pacto de preferência. A regência, para a integração desta lacuna, sugere a
aplicação do princípio da equiparação (próprio do contrato promessa); para esta solução são
apontados quatro argumentos.
1. Argumento 1: pela preferência pode obrigado ficar na eventualidade de fechar o
contrato definitivo – não pode admitir-se algo que o Direito proíba. Aplicar-se-iam
os requisitos do definitivo, que só se consegue pela equiparação.
2. Argumento 2 (analógico): na preferência, o contrato pode levar a um dever de
contatar, pelo que devem proceder as razões que, na promessa, conduzem à regra
da equiparação (410º/1 não é excecional, logo deve aplicar-se por analogia).
3. Argumento 3 (jurídico-positivo): o artigo 410º/2 começa com a expressão porém,
que pressupõe a aplicação do artigo 410º/1.
4. Argumento 4 (geral): havendo regras disponíveis, há que compor o regime de
contratos prévios, para os quais não há normativo específico – se nesses as regras
da promessa são básicas, não há motivo para excecionar a preferência.
Note-se, no entanto, uma precisão: pela natureza da preferência, em que apenas se
conhece o tipo geral do contrato definitivo, a equiparação apenas determina a aplicação de
regras de ordem muito geral.

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2.4. O MODUS PRAELATIONIS – O TERCEIRO
O pacto de preferência cria uma relação complexa e duradoura, que apenas se extingue
pelo exercício da preferência. Assim, será necessário que a preferência deva ser respeitada.
Intervêm, desde logo, deveres acessórios: uma situação de confiança e uma
estruturação material devem ser respeitadas, através de deveres de segurança, lealdade e
informação.
Assim sendo, respeitante à eficácia externa da preferência, há que perguntar: se o
terceiro tiver conhecimento da preferência, deve abster-se de contratar, por forma a prevenir o
incumprimento do mesmo? Entende a regência que: numa situação de preferência, por
definição, o facto de se contratar com o terceiro e não com o preferente não tem que ver com
concorrência, já que as condições são as mesmas – desaparece, assim, a justificação que a
concorrência pode dar para a atitude do terceiro.
A referir que: os deveres acessórios, próprios do modus praelationis podem envolver
terceiros, em razão de uma relação de proximidade com as partes ou de outro fator que, de forma
equivalente, dê azo a uma situação de confiança.

3. OS PROCEDIMENTOS DA PREFERÊNCIA
3.1. A COMUNICAÇÃO
O procedimento da preferência pressupõe um primeiro momento de comunicação (artigo
416º), pelo que devem ser respondidas 5 questões:
1. Quem deve comunicar: deve ser feita pelo obrigado à preferência ou por alguém
que o represente (feita por terceiro não é vinculativa).
2. A quem deve comunicar: deve ser feita ao preferente – quando existam vários
preferentes, deve ser feita a todos os preferentes.
3. O que deve comunicar: deve ser comunicado o projeto de negócio existente (a
proposta, o clausulado completo, identificar a pessoa do terceiro, ser requerida
uma resposta e fazer conhecimento chegar ao preferente).
4. Como deve comunicar: em princípio, por lei expressa, não está sujeita a forma
especial.
a. Prof. Menezes Cordeiro: exige-se, porém, forma escrita, por aplicação do
artigo 410º/2 – a comunicação, a ser aceite, gera um dever contratual
de contratar, a que se aplicam as regras do contrato-promessa (desde
que se trata de contrato definitivo a que a lei exija documento, quer
autêntico, quer particular).
b. Notificação judicial: faz-se o requerimento da notificação ao juiz, onde
se especificam o preço, as restantes clausulas e o prazo para a resposta.
5. Quando deve comunicar: deve ser feita quando exista uma proposta contratual
eficaz e qual a eficácia se mantiver, pelo menos, na presença de um projeto de
contrato firme e sério.

3.2. A RESPOSTA DO PREFERENTE


A lei estipula, no artigo 416º/2, que a resposta deve ser dada no prazo de oito dias, por
forma a assegurar que a proposta ou o projeto se mantêm atuais. Pode ser estipulado um prazo
mais longo, pelo obrigado; ou pactuado um prazo mais curto.
A quando da resposta, o preferente tem três opções:
1. Exerce a preferência, através de uma aceitação pura e simples do conteúdo.
a. Constitui-se o contrato visualizado pelo pacto de preferência, vindo-se a
concluir.

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b. Conjugação com o contrato-promessa: há sempre lugar a execução
específica.
2. Renuncia à preferência, declarando que não está interessado.
a. Aceitação com alterações: importa a renuncia, por parte do preferente,
ao direito de preferência.
b. NOTA: a renuncia antecipada não é válida (809º/1) – apenas é permitido
ao preferente renunciar numa situação de preferência, já formada e
perante todos os elementos de comunicação.
3. Nada faz e o direito extingue-se por caducidade (nos termos do prazo
estipulado).

3.3. VENDA DE COISA CONJUNTAMENTE COM OUTRAS


O artigo 417º/1 prevê a possibilidade de venda da coisa juntamente com outras – o nº2
estatui, ainda, uma questão importante: a de que a regra geral da venda de coisa conjuntamente
com outras se aplica mesmo em casos de direito de preferência com eficácia real.
1. O obrigado faz a comunicação da venda da coisa conjuntamente com outras
(pode admitir-se, de acordo com a vontade das partes, a hipótese de vendas
simultâneas com valores individualizados).
2. Recebida a comunicação, o preferente pode exercer o seu direito em relação à
coisa objeto, pelo preço que proporcionalmente lhe caiba.
a. Preço: quando não haja sinal indicado, o preferente depositará o valor
que, perante a boa fé, achar razoável – com possíveis ajustes
posteriores, a fazer pelo tribunal.
3. Obrigado: caso o obrigado entenda que a separação tem prejuízo, pode exigir
que esta abranja todo o conjunto.
a. Discordância: renuncia ao direito de preferência.
Na falta de estipulação legal para prazos, deve entender-se que se aplica o prazo de oito
dias.
Uma nota quanto à venda de coisa conjuntamente com outras: é muito desfavorável para
o credor. Por isso, há a notar que o obrigado assume o encargo, ou o dever acessório, de manter
a coisa isolada, para permitir o exercício da preferência. Pode, eventualmente, averiguar-se uma
situação de abuso de direito.

3.4. PRESTAÇÃO ACESSÓRIA E UNIÕES DE CONTRATOS E CONTRATOS MISTOS


O obrigado à preferência pode acordar uma prestação acessória (secundária), que o
preferente não possa satisfazer. Nesta situação, deve verificar-se:
1. Compensação da prestação em dinheiro.
2. Não sendo avaliável em dinheiro, é excluída a preferência.
a. Exceção: a menos que seja de presumir que a venda seria efetuada sem
a prestação estipulada ou que se verifique que foi convencionada para
afastar a preferência.
Quanto às uniões de contratos e aos contratos mistos: note-se que uma venda de coisas
em conjunto com outras tanto pode traduzir uma união de contratos como um único contrato
relativo a várias coisas. Levante dois problemas:
1. A matéria preferível é, ou não, divisível: se permitir a divisão, o preferente pode
exercer o seu direito apenas em relação ao contrato que lhe competia; se não
permitir, o preferente desiste ou prefere o conjunto.
2. Não sendo divisível, pode ou não o preferente satisfazê-lo: o exercício do direito
de preferência sobre o conjunto implica que seja fungível; se não for, a lei
permite:

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a. A conversão da parte não fungível em dinheiro.
b. O afastamento da preferência quando isso não seja possível.
c. O afastamento da parte não-fungível, quando não seja essencial ou
tenha fins fraudulentos.

3.5. PLURALIDADE DE PREFERENTES


Quando haja pluralidade de preferentes, a comunicação deve ser feita a todos. Nos
termos do artigo 419º, admitindo a indivisibilidade, há várias hipóteses:
1. Preferências conjuntas: só podem ser exercidas por todos preferentes, em bloco,
e o obrigado, só perante todos, se exonera; acresce aos restantes, se em relação
a um se extinguir ou se este não o quiser exercer.
2. Preferências disjuntas: só um deles pode exercer, afastando os restantes – abre-
se licitação, revertendo o excesso para o obrigado.
3. Preferências sucessivas: existe uma ordem de prevalência entre os diversos
preferentes, ocorrendo em especial em preferências legais (1409º e 1535º) –
sendo submetido de forma sucessiva aos preferentes.

4. A PREFERÊNCIA COM EFICÁCIA REAL


4.1. A FORMA
Quando feita por convenção das partes, está sujeita, a preferência a requisitos de forma
e de publicidade, nos termos do artigo 413º, por remissão do artigo 421º.
1. A declaração expressa e inscrição no registo (artigo 413º/1).
2. Deve constar de escritura pública ou de documento particular autenticado (413º/2).
3. Quando tal forma não seja exigida para o contrato promessa, basta um documento
particular com reconhecimento da assinatura da parte que se obriga (o obrigado).

4.2. A AÇÃO DE PREFERÊNCIA


A ação de preferência permite, ao preferente, em caso de violação de uma preferência
real, fazer seu o negócio do faltoso, ou seja, afastar o terceiro adquirente e subingressar na
posição dele.
1. Âmbito: aplica-se aos diversos direitos de preferência e perante qualquer contrato
preferível.
2. Legitimidade passiva: contra quem deve ser intentada ação.
a. Antunes Varela: deve ser intentada contra o promitente adquirente e o
promitente faltoso, em litisconsórcio.
i. Motivos: motivos históricos – a versão original do código empregava
a expressão citação dos reús; a ação de preferência reage a uma
violação perpetrada pelo alienante, pelo que este tinha de estar em
juízo.
b. Restante doutrina (MC): deve ser demandando o terceiro adquirente, ou
seja, o possuir da coisa no momento da ação.
i. Argumentos: simplicidade, rapidez e custos - deixa de existir uma
multiplicação de contestações, configurando-se um processo mais
prático e menos custoso.
ii. Os réus não podem testemunhar na ação - se o alienante não for
réu, pode testemunhar na ação e provar o incumprimento;

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iii. o alienante não está a fazer nada na ação - só será chamado à ação,
se o preferente quiser, para além da ação, requerer a uma
indemnização.
3. Prazo: deve ser intentada no prazo de seis meses a contar da data em que o
preferente teve conhecimento dos elementos essenciais da alienação, ou seja, o
objeto do contrato, o preço e a pessoa do terceiro (e não apenas da alienação).
4. Alcance do preço: deve o preço ser depositado nos 15 dias seguintes à propositura
da ação.
a. Antunes Varela: abrange, não só, a quantia, mas também outros custos
suportados pelo adquirente.
b. Menezes Cordeiro/jurisprudência: estaria em causa apenas a quantia paga
pelo alienante.
i. Argumentos: dificuldade em saber qual o momento certo de
despesas incorridas;
ii. O preço depositado é apenas um depósito inicial – no fim da ação,
pode ser requerida, ao promitente alienante, a indemnização por
outros custos incorridos.

4.3. A SIMULAÇÃO
O problema da simulação passa por: quando a alienação feita pelo obrigado à
preferência, a um terceiro, assente num contrato simulado.
Aspetos da simulação – os requisitos:
1. Um acordo entre o declarante e o declaratário.
2. No sentido de uma divergência entre a declaração e a vontade
das partes.
3. Com o intuito de enganar terceiros.
Será absoluta: não lhe corresponde qualquer negócio dissimulado.
Será relativa: quando lhe corresponda um negócio simulado e outro
dissimulado.
Nulidade: é nulo o negócio simulado, mas válido o negócio dissimulado
(artigo 241º). Se for formal, só será válido se houver sido observada a
forma exigida por lei.
Arguição da simulação (242º): os próprios simuladores; os interessados
prejudicados nos seus direitos.
Nos termos do artigo 243º, levanta-se um problema a respeito das preferências com
eficácia real:
Invocação (243º): não é invocável contra terceiros de boa fé, ou seja,
terceiros que desconheciam da simulação.
1. Se o preço apresentado for superior ao preço real (artigos 240º/2 e 241º/1) – o preferente
invoca que o negócio simulado é nulo e o dissimulado é válido. O preferente prefere pelo
preço REAL (inferior), que resulta do negócio dissimulado.
2. Se o preço apresentado for inferior ao preço real: divergência doutrinária.
a. O preferente não tem interesse em invocar a simulação porque a ele interessa-lhe
preferir pelo preço simulado (que é inferior ao real).
i. Professores Antunes Varela e Menezes Leitão: a preferência pode ser
exercida sobre o preço declarado (inferior ao real). O preferente é um 3.º de
boa fé, logo, o simulador não pode arguir que o preço real foi inferior.
ii. Professores Menezes Cordeiro, Almeida Costa e Ribeiro de Faria: admitir
uma preferência pelo preço declarado (inferior ao real) é uma situação

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injusta de enriquecimento sem causa. Questão: saber se o preferente é
terceiro para efeitos do 243º.
1. Um sector na doutrina defendeu que só é terceiro aquele que sai
prejudicado pela simulação (o Estado). Logo, o preferente não é
terceiro. Seria admissível invocar a simulação e o preferente exercia
o direito pelo preço real.
2. Professor Menezes Cordeiro apela à boa fé (ignorância da simulação
ao tempo em que foram constituídos os respetivos direitos) e à
doutrina da tutela da confiança. Assim tem que estar preenchidos
os seus quatro requisitos: (i) existência de uma situação de
confiança; (ii) ter legitimamente confiado; (iii) ter um investimento
de confiança; (iv) a parte que vai sair prejudicada com a tutela da
confiança é responsável pela confiança.
a. Verificados os pressupostos: se a confiança merecer tutela,
o preferente exerce o direito pelo preço declarado.
b. Não verificados os pressupostos: se a confiança não
merecer tutela (porque não houve investimento de
confiança), o preferente exerce o direito pelo preço real.

5. A NATUREZA DA PREFERÊNCIA
5.1. TEORIAS
1. Teoria do ingresso: o preferente assumiria a qualidade de parte no negócio preferível,
através da cessão da posição contratual.
a. Problema: o regime aplicável à preferência não é o dos artigos 424º e ss.
2. Teoria do contrato-promessa: pela declaração do preferente, surge o contrato definitivo
entre este e o obrigado à preferência.
a. Problema: o pacto de preferência, opostamente ao contrato promessa, surge
como um contrato preparatório, que não vale por si.
3. Teoria da legitimação: equivaleria à outorga de uma procuração irrevogável ao
preferente que lhe permitiria, através de um negócio consigo mesmo, fazer surgir o
contrato prometido.
a. Problema: os regimes são incompatíveis.
4. Teoria da oferta: o exercício do direito de preferência como a aceitação de uma proposta
de contrato irrevogável, derivada do pacto de preferência.
a. Problema: a preferência não tem um conteúdo fixo, exigido pela proposta.
5. Teoria da dupla condição: tratar-se-ia de um contrato de compra e venda condicionado
ao titular querer venda a coisa por tanto a tanto a um terceiro e ao preferente querer
comprá-la, por tanto a tanto.
a. Manual de Andrada e Galvão Telles.
b. Problema: o regime não condiz com o regime da condição.
6. Teoria do direito potestativo: o preferente receberia, na realidade, o poder de,
unilateralmente, fazer nascer determinada relação jurídica.
a. Henrique Mesquita e Cardoso Guedes.
b. Problema: um tanto vaga.
7. Teoria do facto positivo: o incumprimento ocorre caso o obrigado à preferência, depois
de o preferente ter emitido a declaração de preferência, se recusar a celebrar o contrato.
a. Menezes Cordeiro, Antunes Varela e João Redinha.
8. Teoria do facto negativo: o incumprimento surge quando o preferente contrate com
terceiro.

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a. Lacerda Barata e Menezes Leitão.

5.2. POSIÇÃO ADOTADA


à Preferência obrigacional: relação complexa que se estabelece entre o preferente e o
obrigado a dar a preferência. Deve, este: abster-se de contratar com terceiros (sem
seguir o procedimento da preferência), comunicar ao preferente o contrato acordado
com terceiro; concluir um contrato, nas condições fixadas.
o Incumprimento: ocorre caso o obrigado à preferência, depois de o
preferente ter emitido uma declaração de preferência, se recusar a
celebrar o contrato preferível. A prestação principal é, assim, concluir o
contrato em causa na preferência.
à Preferência real: implica uma afetação de uma coisa corpórea, em termos de
aquisição – entre o seu titular e o proprietário da coisa onerada estabelecem-se
relações jurídicas, moldadas sobre a relação obrigacional de preferência.

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DIREITO DAS OBRIGAÇÕES
O PACTO DE OPÇÃO

1. NOÇÕES GERAIS
O pacto de opção, cujo regime não consta do Código Civil, é o contrato pelo qual uma das
partes – o beneficiário, o titular ou o optante – recebe o dinheiro de, mediante uma simples
declaração de vontade dirigida à outra parte – o vinculado ou o adstrito à opção -, fazer surgir
um contrato entre ambas combinado – o contrato definitivo.

1.1. COMO SE DISTINGUE DE FIGURAS AFINS


1. Contrato-promessa: no cumprimento, exige as declarações de ambas as partes
(conformação do contrato definitivo);
a. Opção: basta a declaração do beneficiário.
2. Contrato-promessa monovinculante: exige, na execução, a celebração do definitivo por
ambas as partes – só terá lugar se uma das partes quiser.
a. Opção: uma das partes tem o poder unilateral de fazer surgir o definitivo, mas
este não depende da intervenção da parte vinculada.
3. Pacto de preferência: não se sabe qual o contrato definitivo e depende da vontade do
obrigado à preferência bem como da preferência a optar.
a. Opção: já se qual o contrato definitivo – está prefixado, depende da única
vontade do optante.
4. Proposta contratual: a proposta é a formulação unilateral, liga o proponente e
destinatário, não sendo transmissível; regime dos artigos 224º a 235º.
a. Opção: é um contrato derivado, é transmissível e aplica-se as estipulações das
partes (com algumas especificações).

1.2. OPTABILIDADE E PREÇO DA OPÇÃO


A optatibilidade respeita à suscetibilidade de um determinado contrato poder ser objeto
de um pacto de opção.
Regra geral, encontramos o principio geral da liberdade contratual que pressupõe a
possibilidade de as partes estipularem a opção á sua vontade. No entanto, há a referir a especial
adaptação aos contratos patrimoniais – o que significa que, em princípio, nos contratos como o
casamento e a doação, não é possível convencionar opções.
Para além disso, também não é possível a opção em contratos que excluam a execução
específica, nem contratos que exijam, na conclusão algo mais que a declaração unilateral – de
excluir, por isso, o contrato de trabalho; os contratos reais quoad constitutionem permitem caso
o optante já esteja no controlo material da coisa.
Para o beneficiário, a opção é uma vantagem: permite a uma pessoa adquirir, por sua
exclusiva vontade, uma determinada posição jurídica. Opostamente, traduz-se o obrigado numa
desvantagem. Por esse motivo, pela constituição da opção, há uma contrapartida: o preço, o
optante paga um preço pela constituição da opção. Apesar de tudo, esta clausula é meramente
acessória, 221º.

1.3. REGIME
O regime caracteriza-se pelo princípio da equiparação, o que significa que o regime do
contrato definitivo é seguido, exceto no que respeita ao cumprimento. Por mera declaração, a
opção gera o contrato definitivo.

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1. Forma: aplica-se a forma do definitivo.
2. Pressupostos: funcionam os do definitivo; sendo que a legitimidade comporta uma
exceção.
3. Execução: cessa com o seu exercício, passando a integrar o contrato definitivo.
Em termos gerais, é comum que a opção se integre em contratos mais vastos – é o caso
da locação financeira, em que o locatário tem, no termo do negócio, a opção de adquirir o bem
locado, pelo valor residual. Contudo, nada impede que se assume como figura isolada.

1.4. DIREITOS E DEVERES ACESSÓRIOS


O pacto de opção origina deveres e direitos para todos.
1. O optante recebe o direito potestativo de, por sua simples manifestação de
vontade, provocar o aparecimento do contrato definitivo.
a. Tempo: as partes devem estipular um prazo – na falta de prazo, sendo
a aplicação do artigo 777º demasiado gravosa, parece ser mais
vantajosa a aplicação do artigo 411º (pede ao tribunal que fixe um
prazo).
b. O optante está ainda sujeito a deveres acessórios: obrigam a não
complicar a posição do obrigado (deveres de lealdade, informação e
segurança).
2. O obrigado fica numa posição de sujeição: sobre ele recaem prestações
secundárias e deveres acessórios, de modo a permitir, ao optante, o exercício
da opção, podendo retirar dela as vantagens que esta lhe possa proporcionar
(aplicação analógica do artigo 762º e 272º: deve agir segundo os ditames da
boa fé).
A declaração do optante assume a forma de declaração recipienda, nos termos do artigo
224º. Deve ser feita no prazo da eficácia da opção: entendem uns que assuma forma
consensual; entendem outros que deve assumir a forma exigida para o contrato definitivo
(regência). Assim, a declaração de opção deve seguir a forma legalmente prescrita para o
contrato definitivo a que se reporta (295º e 221º/2).
Acresça-se que: a opção não pode ser violada, porque se assume como um direito
potestativo; significa, assim, que não há lugar a incumprimento. O incumprimento da opção
residirá, pois, na inobservância das prestações secundárias e dos deveres acessórios.
Alienação a terceiros: aplica-se, por analogia, o artigo 274º, tornando-se
a venda ineficaz quando a opção seja exercida (o optante adquire a
propriedade da coisa, independentemente do atual possuidor).
Destruição da coisa/recusa em entregar: o optante pode exercer o seu
direito, que visa o contrato – podendo verificar-se violação da
propriedade e do contrato definitivo, inobservância do contrato definitivo
(podendo dar lugar a indemnização por incumprimento ou por via
aquiliana; ou reivindicação da coisa, quando seja possível).

2. FUNÇÕES E NATUREZA
Podemos delimitar quatro funções do pacto de opção:
1. Diminuição do risco: decidem-se as condições de venda, pelo que serão
indiferentes as condições de mercado.
2. Especulação: o optante irá exercer, ou não, o seu direito conforme a mais valia
que lhe confira o aparecimento, no momento escolhido, do definitivo.
3. Financiamento: adiar o negócio definitivo.
4. Remuneração: pode ser colocado no mercado pelo optante e o obrigado pode
faturar o prémio da opção.

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Quanto ao aparecimento da opção: pode aparecer isolada, pelo que funciona como um
contrato preparatório, destinado a proporcionar o aparecimento do destinatário; pode surgir
como clausula voluntária.
Por último, no que respeita à natureza, são de referir duas teorias que a procuram
justificar:
1. Teoria unitária: a opção e o contrato principal constituiriam um único contrato –
ou seja, não existiria autonomia da figura.
2. Teoria da separação: entende-a como figura autónoma, já que tem valorações
próprias e um regime próprio.

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DIREITO DAS OBRIGAÇÕES
O CONTRATO A FAVOR DE TERCEIROS

1. NOÇÕES GERAIS
O contrato a favor de terceiros consiste num contrato pelo qual uma das partes (o
promitente) assume, perante outra (o promissário), uma obrigação de prestar a uma pessoa
estranha ao negócio (o terceiro) – adquire esta um direito à prestação. A referir que se encontra,
este tipo de contrato, estipulado nos artigos 443 e ss.
Em termos gerais, aplicam-se as modalidades dos restantes contratos, de forma geral:
consensuais, formais, nominados, inominados, obrigacionais, reais, comuns, especiais,
instrumentais, principais, preparatórios e definitivos. Podem, ainda, englobar vários tipos de
contratos.
De acordo com as modalidades reconhecidas por lei, nos termos do artigo 443º/2, aos
contratos a favor de terceiro:
1. Remissivos de dívidas.
2. Transmissivos de créditos.
3. Constitutivos, modificativos, transmissivos ou extintivos de direitos reais.
Pode admitir-se, ainda, a promessa por morte (artigo 451º).

1.1. A ATRIBUIÇÕES E A PROMETIBILIDADE A TERCEIRO


Com a estipulação de um contrato a favor de um terceiro, surgem duas relações jurídicas:
1. Uma relação básica/de cobertura - o promitente e o promissário são partes no
contrato > pressupõe as posições relativas do promitente e do promissário, as
prestações que devam ser trocadas, o regime dessas prestações e a prestação
que o promitente faz a terceiro.
2. Uma relação de atribuição/valuta - entre o promitente e o terceiro > pressupõe
o direito do terceiro à atribuição e quaisquer condicionalismos que a rodeiam.
a. O terceiro adquire o direito independentemente do consentimento.
Quantos aos tipos que podem integrar o contrato a favor de terceiro, há que ter cautela:
não são admissíveis contratos a favor de terceiro de casamento. Deve alargar-se, a este âmbito,
o previsto para o contrato promessa (excluindo-se assim o casamento e a doação).

2. O REGIME
2.1. A POSIÇÃO DO PROMISSÁRIO
O promissário é a pessoa perante a qual o promitente assume a obrigação de prestar ao
terceiro – o promissário tem, assim, na processa, um interesse digno de proteção de legal
(443º/1). Nos termos do artigo 392º, entende-se:
1. O interesse não tem de ser patrimonial.
2. A relação básica deve ter juridicidade: permite excluir as situações de pura
obsequidade (pelo que serão admissíveis os contratos a favor de terceiro que
prossigam interesses estéticos, inconfessáveis (desde que não haja nulidade –
nos termos d artigo 280º).
O que pode, então, o promissário fazer? Pode exigir, do promitente, a efetivação da
promessa ao terceiro (444º/2); pode exigir a exoneração do promissário de uma divida perante
o terceiro, quando seja esse o conteúdo da promessa (exigindo assim o cumprimento a

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promessa). Em contrapartida, pode também exigir as prestações ou vantagens que lhe possam
advir da relação básica (405º) ou dispor do direito à prestação ao terceiro ou autorizar à sua
modificação (446º/, a contrario, e 448º/1/1ª parte).

2.2. A POSIÇÃO DO PROMITENTE


O promitente tem o dever de prestar ao terceiro beneficiário – obrigação de efetuar a
corresponde prestação, podendo essa efetivação ser exigida, quer pelo terceiro, quer pelo
promissário. Pode, assim, o terceiro:
1. Interpelar o cumprimento, quando não tenha sido fixado um prazo (777º).
2. Interpelar em termos moratórios (805º).
3. Interpelar em termos admonitórios (808º).
4. Resolver por impossibilidade culposa ou por incumprimento (801º).
5. Passagem ao incumprimento definitivo (808º).
6. Medidas relativas à realização coativa da prestação (817º a 830º, dependendo
dos casos).
Assim sendo, entende-se que o promissário e o terceiro são credores do promitente.

2.3. A POSIÇÃO DO TERCEIRO


O terceiro adquire um direito à prestação: que é independente da sua aceitação. Poderá
ser um contrato a favor de terceiros, não autêntico, quando o correspondente direito à prestação
não lhe seja atribuído (dependerá do que haja sido estipulado pelas partes, sendo que a regência
rejeita a possibilidade de consideração da intenção das partes).
O beneficiário pode, ainda, rejeitar ou aderir à promessa, nos termos do artigo 447º/1:
a rejeição mediante declaração ao promitente, que deve comunica-la ao promissário; a adesão
mediante declaração, quer ao promitente, quer a promissário. Em principio,
1. Rejeição: o terceiro exonera-se, pelo que a prestação passa a caber ao promissário
– interpretação do silêncio do CC.
2. Aceitação: torna a promessa irrevogável e firme (não podendo haver modificação).

2.4. CONTRATOS A FAVOR DE TERCEIROS E ESPECIFICIDADES


Podem ser realizados contratos a favor de terceiros, que prevejam o interesse público:
nesses casos, prevê o artigo 445º, a legitimidade para as autoridades competentes defenderem
os interesses em jogo.
O contrato será revogável, enquanto o promissário for vivo (448º/1) – os previstos no
artigo 445º não têm direito para dispor à prestação ou a autorizar modificação (446º).
Quanto à revogação: em princípio, ambas as partes têm interesse – pelo que a regra será
a do mútuo interesse (448/2/2ª parte).

2.5. O PAPEL DOS DEVERES ACESSÓRIOS


Num contrato a favor de terceiro há que ter em conta um equilíbrio, exigido pelo facto do
beneficiário não ser parte do contrato:
1. o promitente, quando se desempenhe perante terceiro, não tem a fiscalização
da contraparte;
2. o promissário, por não ser o destinatário da prestação acordada, pode
desinteressar-se dela ou não dispor de elementos para assegurar a
integralidade;
3. o terceiro desconhece os precisos termos envolvidos, ficando em inferioridade.

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Assim, os deveres acessórios assumem um papel fundamental na garantia desse
equilíbrio necessário – impostos pela regra geral do dever de boa fé (762º/2). Todas as partes
ficam, assim, envolvidas em deveres de informação, lealdade e segurança.

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DIREITO DAS OBRIGAÇÕES
O CONTRATO PARA PESSOA NOMEAR

1. AS FUNÇÕES TÍPICAS
1. Discrição: substituição de figuras públicas, que não pretendam aparecer em públicas.
2. Vantagem negocial: resguardo de conhecidos comerciais ou intermediários, para evitar
perturbações.
3. Negociação em dois tempos: um adquirente pode reservar-se a faculdade de manter o
bem para si ou de o passar a outrem.
4. Rapidez: concluir um negócio por conta de outrem, que haja necessidade de passar por
poderes de representação.
5. Benefício fiscal: o mandato obriga a uma dupla transmissão, com duplicação fiscal.

2. REGIME E EFEITOS
A clausula para a pessoa a nomear consta do próprio contrato que a contenha – pode
inserir-se num texto à parte, ou subsequente, desde que respeite a forma exigida para o contrato
em causa.
Quanto à determinação dos contratantes, deve obedecer a vários limites: negócios em
que as qualidades pessoais da contraparte sejam essenciais; negócios de tipo não-patrimonial;
negócios em que os valores subjacentes impliquem a indicação do contratante em jogo.
Concluído o contrato, inicia-se o procedimento – que pode levar à colocação do amicus
na posição do stipulans. A sequência é: conclusão do contrato, concordância do amiscus
(instrumento de ratificação – 454º, sendo exigida a forma para a procuração, 268º e 262º),
electio (deve ser feita por escrito, ao outro contratante).

3. NATUREZA
1. Teoria da condição: seria um contrato definitivo sujeito a dupla condição – resolutiva
quando à aquisição pelo estipulante e suspensiva quanto à aquisição do amiscus.
2. Teoria do duplo contrato: descobre dois contratos, um entre o promitente e o stipulans
e outro entre o promitente e a eligendus.
3. Teoria da concentração subjetiva: a incerteza reinante respeitaria à identidade do
sujeito, seria inicialmente indeterminado, até ocorrer a imputação individualizante.
4. Teoria da faculdade alternativa: a faculdade alternativa é aplicada ao próprio sujeito.
5. Teoria da formação sucessiva: no contrato para pessoa a nomear, há um procedimento
complexo que culminaria com o contrato definitivo.
6. Teoria sub-rogação legal: o amicus surgiria por força do artigo 452º; haveria
representação, mas antes uma sub-rogação legal – sendo que o terceiro ingressaria na
posição de stipulans.
7. Teoria do negócio per relationem: uma especialização da ideia de sub-rogação, operando
uma substituição da contraparte.
8. Teoria da representação: o contrato para pessoa a nomear apresenta-se como um
processo de representação; o problema é que na representação o representante age em
nome do representado (o que não sucede no contrato para pessoa a nomear).
TEORIA DA REGÊNCIA: o cntrato para pessoa a nomear apresenta-se como uma categoria
contratual típica e autónoma, que implica, num todo coerente, a clausua pessoa a nomear, a
electio com os seus requisitos e as alternativas – o animus electus ou o stipulans ou a
ineficácia do contrato conjunto.

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DIREITO DAS OBRIGAÇÕES
A CAUSA

1. NOÇÃO GERAL E A EXPERIÊNCIA PORTUGUESA


Atualmente, o Direito Português não admite o instituto da causa. Pergunta-se, no que
consiste, então, a causa?
1. Causa-justificação: não releva para a causa do contrato.
2. Causa-título: a justificação jurídica de determinada situação, podendo ser
substituída por titularidade.
3. Causa da atribuição patrimonial: numa atribuição de vantagens, entende-se por
causa da atribuição o que terá sucedido para proporcionar essa determinada
vantagem – sem esta justificação, ocorre uma situação de enriquecimento de
causa.
4. Causa da obrigação: corresponde á fonte da obrigação, ou seja, ao facto jurídico
que desencadeou a estatuição normativa que a consubstancia.
a. Obrigação causal: aquela cuja existência depende da verificação da
fonte respetiva.
b. Obrigação abstrata: é aquela obrigação que perdura
independentemente de qualquer fonte. Exemplo: cheques.
5. Causa do contrato: diversas construções que vem procurar definir o que é isto
da causa do contrato.

1.1. A CAUSA DO CONTRATO


1. Doutrinas subjetivistas: respeitam aos próprios sujeitos, correspondendo à vontade dos
intervenientes.
a. Subjetivismo psicológica: a causa seria o conjunto das representações mentais
determinante da posição assumida pela parte, aquando da contratação – a
determinação psicológica influi na decisão e no conteúdo do contrato.
b. Subjetivismo típico: a causa do contrato é o fim proporcionado pelo tipo
contratual utilizado, tal como resulta da lei – seria prosseguido pelas partes (no
contrato sinalagmático é a execução da prestação que lhe é prometida; na
doação é o animus donandi, beneficiar a outra parte).
c. Subjetivismo económico: reduz o fim ao caráter económico típico prosseguido
pelo contratante – só nestes casos existiria causa.
2. Doutrinas objetivistas: descobrir a causa em meios exteriores aos próprios sujeitos,
correspondendo à função do contrato.
3. Doutrinas mistas: ou se entende que a causa releva, simultaneamente, do objetivismo e
do subjetivismo ou se defende que a causa surge ora como objetiva, ora como subjetiva.
a. Galvão Telles: defende que a causa pode ser tomada por um prisma objetivo e
um prisma subjetivo – o direito tutela os contratos em que considere útil a
função que eles realizam (objetivo), sendo que as partes integram, no tipo
contratual, a sua causa função (subjetivo).
b. Giorgianni: a causa seria a justificação dos movimentos dos bens de uma pessoa
para a outra – a causa seria a função do negócio (objetivismo), na sequência da
ocorrência do negócio.
i. Problema: quando as prestações surjam desconetadas de qualquer
contrato – a função não preenche a causa, logo só seria aferida pela
função/escopo visado pelas partes.

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4. Doutrinas negativistas: negam a existência da causa como conceito autónomo.
a. Menezes Cordeiro: a causa objetiva do contrato seria inútil, porque corresponde
ao próprio objeto do contrato. Exemplo: a causa de cada obrigação, nos
contratos sinalagmáticos, seria a obrigação da contraparte; nos negócios
gratuitos, a causa seria o animus donandi, ou seja, a própria liberalidade.

1.2. POSIÇÃO DA REGÊNCIA


à Refutação da causa do contrato como conceito autónomo: a causa do contrato é
muito diferente das restantes, o Código não confere autonomia à causa do contrato,
deve ser evitada uma duplicação gratuita dos conceitos (causa = objeto).
o Críticas ao subjetivismo psicológico: não se verificam, hoje, os pressupostos
que levaram à sua aparição – não há espaço para a necessidade de se
verificar a causa do contrato;
o Críticas ao subjetivismo típico: podem as partes contratar sem visar os fins
previstos para o regime típico;
o Críticas ao objetivismo: cabe afirmar que em casos e que a regulamentação
contratual for irrelevante, não há contrato por ausência de juridicidade, por
não utilização da faculdade de contratar ou por falta de conteúdo – a causa
objetiva apenas interesse a nível extrajurídico e ao legislador, quanto aos
limites da autonomia privada.
à Posição: a causa do contrato não tem lugar no Direito Civil português.

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DIREITO DAS OBRIGAÇÕES
AS FONTES PARACONTRATUAIS

1. NOÇÃO GERAL
Por fonte paracontratual, devemos designa a constituição de obrigações através de
formas que não podem, em termos rigorosos, ser reconduzíveis a contratos, mas que com ele
mantém uma proximidade (aplicando-se, aliás, uma parte razoável do regime deste).
1. Situações de contacto social, que originam relações jurídicas de tipo contratual,
ainda que sem contrato.
2. Situações de proximidade contratual, que promovem o alargamento das regras
contratuais, a quem não seja parte.
3. Situações de relações jurídicas complexas, sem dever de prestar principal,
normalmente por falta de contrato (por norma, estão em causa situações
duradouras).
É, assim, possível distinguir três tipos de situações: relações contratuais de facto,
contratos com proteção de terceiros e relações contratuais sem contrato.

1.1. RELAÇÕES CONTRATUAIS DE FACTO


1.1.1. A DOUTRINA DE HAUPT
Ideia Base: seria possível a constituição de relações jurídicas de tipo contratual, através
de meros comportamentos materiais, sem qualquer intervenção de declarações negociais e sem
correspondência nos deveres legais tradicionais. A Lacuna Legal: Haupt entende que o legislador
teria de admitir uma relação de tipo contratual, derivada do simples facto de um contacto social.
1. Contactos sociais ou relacionamentos que se estabelecem entre pessoas
que colaboram, no espaço jurídico, para certos fins, sem integrar previsões
contratuais (culpa in contrahendo).
Exemplo: contrato de transporte por cortesia (gratuito).
2. Inserção em organizações comunitárias.
Exemplo: quando o contrato de sociedade seja nulo, no entanto, numa
situação de facto, a pessoa é sócia (juridicamente, não).
3. Execução de relações duradouras, quando os instrumentos negociais
constitutivos sejam nulos ou ineficazes e na de serviços de necessidade
vital, postos à disposição dos utentes ainda que antes de concluído o
contrato competente.
Exemplo: fornecimento de eletricidade; dever de prestação social
(transporte).

1.1.1.1. A S C ONSEQUÊNCIAS DA D OUTRINA DE H AUPT


No que respeita à posição da regência e às críticas apontados, há a reter que:
1. Culpa in contrahendo: entende-se que se integra nas relações obrigacionais
sem dever de prestar principal, assentes na proximidade e na confiança.
2. Relações Laborais: não é possível considerar que a mera integração do
trabalhador na empresa possa gerar uma relação laboral (orientação
comunitário-pessoal > teoria comum de retribuição), requer-se, aliás, e basta
um contrato, ainda que tacitamente aceite.
3. A Sociedade de Facto: o regime enquadra-se no domínio das sociedades
irregulares que, entre nós, é objeto de latos desenvolvimentos legais.

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Quanto à ponderação geral da ideia de Haupt, a regência entende que: vem apresentar
um instituto que se desvia dos princípios gerais; é, ainda, fundamental relembrar o contexto em
que se insere – o movimento liberal – vem diminuir o papel do contrato.
Apesar de tudo, a teoria foi já recorria pelos tribunais: página 639 (exemplos).
Entende a regência que as relações contratuais de facto, pela heterogeneidade de
conteúdo, pela não recondução a princípios e pelas suas conotações anti-liberais, são uma figura
perigosa e que entrou em clara decadência.

1.2. RELAÇÕES PARACONTRATUAIS EM ESPECIAL


1.2.1. A CULPA IN CONTRAHENDO
No momento da preparação de um determinado contrato, seja nos preliminares, seja na
formação, as partes devem proceder segundo as regras da boa fé – estatui o artigo 227º.
O Direito procura evitar, através desta clausula, danos, distorções nas clausulas ou
invalidades, ruturas injustificadas das negociações, ou desnecessariamente danosas. Protege-
se, assim, quer o círculo exterior (integridade física, psíquica e patrimonial) e o circulo interior
(bens colocados em jogo no contrato – os interesses).
A culpa in contrahendo pressupõe uma relação obrigacional complexa, sem dever
principal de prestar, mas coerente com deveres acessórios (lealdade, segurança e informação).
A violação destes deveres dá lugar a responsabilidade obrigacional, havendo hoje consenso em
rejeitar, a saída delitual e a terceira via (entre obrigacional e delitual). Porquê? Porque na
responsabilidade aquiliana, o ónus da prova (de culpa) recai sobre o lesado, o que é difícil de
comprovar; já na responsabilidade obrigacional, funciona a presunção de culpa, permitindo-se
assim uma melhor proteção do lesado

1.2.2. A INSUBSISTÊNCIA DO CONTRATO


Um segundo caso a reter ocorro quando, por várias situações, falta o dever de prestar
principal ao contrato – por nulidade, anulação, impossibilidade inicial da prestação,
impossibilidade superveniente e resolução/revogação/denuncia do contrato.
1. Contrato nulo: cria proximidade entre partes, tanto mais quanto pode existir um
período em que o contrato é executado; assim, também aqui se exige o respeito
por deveres de segurança, lealdade e informação.
Estas relações paracontratuais prevalecem, como relações obrigacionais, ainda que sem
dever de prestar: significa, assim, que subsistem os deveres acessórios, apoiados na boa fé. A
fonte destes deveres deve entender-se que seja o próprio contrato que não subsistiu – não se
mantém o contrato, mantém-se um facto jurídico stricto sensu; no entanto, em caso de violação
destes deveres, pode aplicar-se a responsabilidade obrigacional.

1.2.3. PROTEÇÃO DE TERCEIROS


Reporta-se à figura do contrato com proteção de terceiros: quando um contrato, para
além de dispensar prestações principais a quem neles seja parte, promane deveres acessórios,
não apenas em relação às partes, mas também em relação a terceiros. Deveres acessórios que
se alargam a terceiros – asseguram a proteção destes.
Nestes casos, entende-se a regência, que o contrato com proteção de terceiros
pressupõe:
à Alguém que nele não seja parte, tenha uma proximidade visível perante a
prestação principal e em face do credor;
à A prestação principal em causa, pela sua natureza, vem a bulir com o
terceiro ou possa conduzir a isso.

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à O terceiro tem, em termos de razoabilidade, uma confiança legítima no bom
desenrolar dessa prestação.
Assim: o terceiro é envolvido pelos deveres acessórios, que dimanam do contrato.
O sistema é mais vantajoso através do contrato, optar-se-ia pela aplicação da
responsabilidade obrigacional, cujo mecanismo da presunção de culpa

1.2.4. CULPA POST FACTUM FINITUM


Decorre dos estudos de Jhering o instituto da culpa in contrahendo – a possibilidade de,
antes de concluído um contrato, poder haver já deveres a observar pelas partes, sob pena de
responsabilidade.
Poderia verificar-se-ia, ainda, uma situação semelhante: cessando o contrato, ainda se
poderiam manter determinados deveres, para as partes respeitarem. Chamamos a estes deveres
pós-eficazes, denominando-se o instituo de culpa post factum finitum (culpa posterior à cessação
do contrato).

1.2.5. RESPONDÊNCIA PELA CONFIANÇA


Devemos englobar, nesta categoria residual, várias situações: procuração aparente,
prospeto, venire contra factum proprium, atuação do representante perante terceiros, relação
bancária complexa, relação de negócios e mensagens publicitárias.
Todos os deveres, que emergem na responsabilidade destas situações, resultam da boa
fé e do espírito do sistema. É um exemplo a situação da procuração aparente.

2. A DOGMATIZAÇÃO DA PARACONTRATUALIDADE
1. Os deveres de conduta extralegais (Hans Dolle)
Para esclarecer o que já havia sido alegado por Haupt, Dolle vem distinguir deveres de
proteção, de assistência e de manutenção, deveres de indicação, esclarecimento e comunicação
e deveres de entrega patrimonial – seriam estranhos ao escopo do contrato, mas nasciam in
contrahendo. Cada tipo de deveres teriam uma natureza e fundamentos próprios – de maior
importância, os deveres de proteção, que se fundamentam na confiança.
• Situações não previstas na lei > Lacuna > por analogia aplica-se o regime do
contrato.
2. A ideia de confiança (Ballerstedt)
Ballerstedt veio precisar a ideia de confiança – uma das partes cria a confiança e a outra
aproveita-se dessa situação de confiança criada. Criava-se, assim, um negócio de confiança,
onde, aliás, é referida a questão do venire contra factum proprium.
A matéria foi, então, centrada na culpa in contrahendo. Dar-se-ia por assente que, nas
negociações preliminares, existe um espaço de relevância jurídica mais extenso do que a mera
preocupação em atribuir responsabilidades por falhas no processo.
• Não seria pelo contrato, mas pela confiança.
3. Canaris e a respondência pela confiança
Canaris fixou uma teoria geral: a confiança é tutelada quando efetiva, legítima,
originadora de um investimento (de confiança) e imputável a quem, depois, devam ser atribuídas
as consequências.
• Um dever unitário de base legal.
4. A primazia da imputação contratual
A dogmatização da paracontratualidade deverá ser feita à luz das particulares do sistema
lusófono.

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3. A IMPORTÂNCIA DESTA PROBLEMÁTICA
Os deveres acessórios são deveres positivos: não funcionam como penitência, mas antes
como modelo de contratação. O objetivo destes deveres, para a regência, não respeita apenas à
responsabilização.
Os contratos visam a riqueza, enquanto que a responsabilização visa a (...). Daí a
inserção na paracontratualidade e não na matéria da responsabilização.

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DIREITO DAS OBRIGAÇÕES
OS NEGÓCIOS UNILATERAIS

1. NOÇÃO GERAL
Por negócio unilateral, deve entender-se a fonte das obrigações que se traduza numa
única manifestação de vontade – englobando, assim, o ato unilateral. O Regime encontra-se
previsto nos artigos 457º a 463º.

2. A HISTÓRIA
1. Policitacio: promessas na polis.
2. Vognum: promessas à cidade eram aceites; promessas entre particulares não eram
vinculativas (?).
3. Naturalismo e o contrato a pessoas desconhecidas: a questão de dificuldade em aceitar
os negócios unilaterais, nos termos de uma teoria do contrato como base das
obrigações.

1.1. NATUREZA
A natureza dos negócios unilaterais parece não levantar dúvidas.
No entanto, parece-se que a promessa de recompensa já animou a doutrina, dividindo-a
em duas teorias:
à Teoria do contrato: a promessa só se tornaria vinculativa quando fosse aceite
por algum interessado que reunisse as condições fixadas, logo é contrato
(Jhering). No direito alemão, refira-se, as propostos são sempre revogáveis até
haver aceitação.
à Teoria da policitação: a promessa seria vinculativa, assumindo-se como uma
promessa unilateral.
A regência entende que o negócio unilateral implica que alguém, por sua livre e exclusiva
vontade, fique adstrito a realizar uma prestação – alguém, em contrapartida, receberá o poder
de exigir essa prestação; se nunca ninguém solicitar o cumprimento do negócio unilateral, este
permanecerá vazio. A opção vai no sentido de aceitar a teoria unilateralista (policitação) – apesar
de, pela natureza das coisas, tudo pressupor, nas obrigações, duas partes, o negócio unilateral
desenvolve um regime completo assente, apenas, numa das vontades.

1.2. A TIPICIDADE ABERTA


O artigo 457º tem sido interpretado como incorporando uma regra de tipicidade: só
seriam possíveis os negócios unilaterais previstos na lei.
A regência, no entanto, propõe uma posição diversa – apesar de o artigo
induzir a uma regra de publicidade, noutros sítios admite uma variedade
de conteúdos para os negócios unilaterais, pelo que seria apenas uma
tipicidade aparente. Dominaria, assim, a liberdade de constituição das
obrigações.
1. Argumento 1 - o princípio do contrato: as obrigações só surgem mediante a
aceitação de uma proposta; o negócio unilateral, no entanto, não é um contrato,
logo não estaria sujeito a esta regra. A proposta é um negócio unilateral – esta
2. Argumento 2 - os perigos da adstrição ad nutum: há que ter especial atenção à
proibição da renúncia antecipada de direitos – admitir uma adstrição livre

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unilateral corresponde a uma assunção de obrigações futuras (e,
consequentemente, renuncias antecipadas de direitos)
A admitir-se tipicidade admitir-se-ia: uma descrição dos tipos relevantes, um numerus
clausus de realidades admissíveis e relevantes e a proibição de, por analogia, aplicar as normas
típicas. Não seria admissível, já que o regime dos negócios unilaterais tão pouco dispõe sobre o
seu conteúdo. A admitir-se tipicidade, seria esta aberta – consistiria em configurações lassas às
quais seria possível associar diversos tipos.
Regência: proibido celebrar negócios unilaterais fora do previsto pela lei.

2. DOGMÁTICA GERAL
2.1. FUNÇÃO
Os negócios unilaterais tinham, tradicionalmente, uma função benemerente: não podem
vincular terceiros, ou seja, pessoas que a tanto não tenham dado qualquer consentimento,
traduzindo-se, por isso, numa mera vinculação do próprio emitente.
Atualmente, as promessas públicas respeitam a recompensas.

2.2. AS RELAÇÕES COMPLEXAS QUE SE CONSTITUEM


Os negócios unilaterais criam relações jurídicas complexas: significa que, para além da
prestação principal que está em causa, estas relações são ainda complementadas por
prestações secundárias e por deveres acessórios, com base na regra geral da boa fé (762º).
Note-se que, em relação ao autor do ato, estabelece-se uma relação de confiança,
baseada na crença de que a declaração unilateral será cumprida (sobretudo quando proveniente
de uma figura com especial relevo social) – crença, essa, que parece ser legítima e razoável.
Neste sentido, em caso de quebra da confiança, poder-se-ão acionar os deveres acessórios e,
eventualmente, o próprio instituto do abuso de direito (deve o promitente, não só, zelar pelo
cumprimento da prestação principal, mas também, ao mesmo tempo, garantir o cumprimento
dos deveres acessórios).
De notar, ainda que pouco desenvolvido, a possibilidade de os
terceiros também serem envolvidos pelos deveres acessórios
em causa – fundamenta-se com a boa fé.

3. OS NEGÓCIOS UNILATERAIS EM ESPECIAL


3.1. PROMESSA DE CUMPRIMENTO E RECONHECIMENTO DE DÍVIDA
Encontra-se, este tipo de negócio unilateral, previsto no artigo 458º/1:
Se alguém, por simples declaração unilateral, prometer uma prestação
ou reconhecer uma dívida, sem indicação da respetiva causa, fica o
credor dispensado de provar a relação fundamental, cuja existência se
presuma até prova em contrário.
A causa que é referida no preceito corresponde à fonte da obrigação – de acordo com o
princípio da causalidade, a obrigação só vale se for acompanhada da sua fonte. O devedor,
nestes termos, poderá ilidir a presunção e provar a não existência dessa causa.
Em termos gerais, o artigo 458º/1, permite que se prometa uma obrigação, comum ou
pecuniária, que seriam devidas, por força de qualquer fonte anterior, dispensando assim ao
beneficiário a prova dessa mesma fonte, presumindo-se a sua existência. Ocorre, assim, a
inversão do ónus da prova – caberia ao beneficiário provar a causa.

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Problema: a obrigação preexistente já não é a mesma – sendo o reconhecimento
declarativo, tem também eficácia constitutiva.
Nos termos do artigo 458º/3: as pessoas devem ser responsáveis pelo que declarem e
assinem, pelo que, a exigência por escrito, protege os declarantes imprudentes.

3.2. PROMESSA PÚBLICA


O regime consta do artigo 459: aquele que, por anúncio público, promete uma prestação,
a quem se encontre em determina situação ou pratique certo facto, positivo ou negativo. Nestes
termos, o promitente fica, desde logo, vinculado à promessa (salvo declaração em contrário, nº2).
Em termos gerais, difere da oferta ao público, na medida em que esta faz nascer um
direito potestativo que, só depois da aceitação, é que constitui o contrato e que se cria a situação
de vinculação.
A obrigação do vinculado processa-se até: o prazo da promessa ter expirado; alguém ter
surgido, mediante o preenchimento das condições previstas e tenha permitido extinguir a
obrigação por cumprimento; até que a natureza ou fim se extingam; até que seja revogada, na
falta de prazo; ate que, tendo prazo, seja revogada, antes do término deste, por justa causa (um
motivo atendível, que torne a promessa inexigível de acordo com os valores fundamentais do
sistema).

3.3. CONCURSO PÚBLICO


Em termos gerais, de acordo com o artigo 463º, o concurso público constitui uma
modalidade da promessa pública – a atribuição da prestação opera, no entanto, a quem vença
o concurso, a título de prémio. Aplica, assim, as regras legais previstas:
1. A oferta de prestação pelo concurso só é válida se fixar um prazo para a
apresentação dos concorrentes (463º/1) - de outra forma, o contrato ficaria
indefinidamente aberto;
2. A decisão de admissão ao concurso ou de concessão do prémio complete às
pessoas designadas no anúncio, o júri, ou ao promitente, na falta dos primeiros
(nº2).
No caso de o concurso público dispor de um regulamento, o promitente fica vinculada a
esta, podendo reduzir-se a discricionariedade da decisão.
No entanto, não é de descurar a hipótese de erro na atribuição do prémio: pode a
deliberação ser tida como definitiva e insuscetível de impugnação judicial; pode um concorrente
impugnar judicialmente a decisão do júri, por erro sobre dada resposta, que impediu a atribuição
do prémio. A regência defende a segunda posição – ou seja, a possibilidade de interpelação
judicial da decisão (a televisão tem uma função cultural). Deve, no entanto, ter-se em conta a
natureza mais ou menos subjetiva, logo, mais ou menos impeditiva de um controlo judicial.

81 DIREITO DAS OBRIGAÇÕES | Prof. António Menezes Cordeiro


Tratado do Direito Civil
Tomo VIII
PROF. ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO

82 DIREITO DAS OBRIGAÇÕES | Prof. António Menezes Cordeiro


DIREITO DAS OBRIGAÇÕES
A GESTÃO DE NEGÓCIOS

1. NOÇÕES GERAIS
O Código Civil regula a gestão de negócios e estabelece que ocorre quando uma pessoa
assume a direção de negócio alheio no interesse e por conta do respetivo dono, sem para tal
estar autoridade. É, assim, instituto que consiste em alguém começar a praticar atos em nome
de outrem, de tal forma que começam a surgir obrigações em relação a ambos
Não há qualquer contrato. Não há negócio unilateral. Também não há responsabilidade.
É uma fonte própria do Direito das Obrigações.
Como sempre, afirma-se como figura que remonta ao Direito Romano, com requisitos:
necessária uma prática de atos materiais ou jurídicos, que importam uma intervenção em
matéria alheia; haver uma falta de mandato ou de relação similar a este; uma intenção de agir
em nome de outra pessoa; uma atuação útil para o dono do negócio.
à Período intermédio: perde a precisão de que dispunha no direito romano.
à Código de Napoleão: a figura dos quase-contratos.
à Atualmente (art. 464º e 472º): quando a pessoa assume um negócio alheio por
conta e no interesse de outra pessoa.
o Exemplo: processos urgentes, atuação do advogado em gestão de
negócios.

2. MODALIDADES DA GESTÃO DE NEGÓCIOS


1. Gestão em sentido amplo: envolve todas as situações nas quais alguém se ocupe de
negócios alheios (mandato, empreitada, administração de sociedades).
2. Gestão em sentido estrito: restringe-se à intervenção não autoridade, por lei ou pelo
visado, em negócios alheios. A que neste tópico importa considerar.
3. Em função da atuação:
a. Material, jurídica ou mista: envolva a prática de atos materais, jurídicos ou
mistos.
b. Momentânea ou continuada: conforme envolva a prática de um ato isolado ou
de atos prolongados no tempo.
c. Pessoal ou patrimonial: em função da natureza dos atos.
d. Simples ou conexa: consoante a natureza seja alheia ao negócio escolhido ou
conjuntamente alheia e própria.
e. Pessoal ou profissional: se alheia à profissão ou própria dela.
f. Civil, processual ou administrativa: consoante a natureza dos atos praticados.
g. Comum ou de emergência: iniciado em circunstâncias normais ou num contexto
de emergência.
4. Em função da postura do gestor:
a. Própria ou autêntica: atua por conta do dono, com intensão de curar dos
interesses dele.
b. Imprópria ou não-autêntica: por conta própria, com a intenção de se beneficiar
a si mesmo.
c. Em erro: ocupa-se de negócio alheio, considerando ser próprio.
5. Outras tipologias:
a. Representativa: em nome do dono.
b. Não representativa: em nome próprio.

83 DIREITO DAS OBRIGAÇÕES | Prof. António Menezes Cordeiro


6. Em função do objetivo:
a. Com vista ao lucro – de lucro capiendo.
b. Com vista à prevenção de um dano – de damno evitando.
7. Consequências:
a. Legítima, reúna as condições fixadas por lei > lícita.
b. Ilegítima, não reúna as condições fixadas por lei > ilícita.

3. FUNÇÕES
à Função legitimadora: responde à questão de saber o que acresce a gestão ao
sistema jurídico – o gestor pode agir no âmbito da liberdade que, não sendo o seu,
lhe estaria à partida vedado; a vida jurídica prossegue; atenuam-se as exigências
burocráticas, formais e de redocumentação; podem ser angariados negócios, com
vista à criação de riqueza.
à Função distributiva: dá cobertura à prevenção de danos, à compensação por
esforços, e ao equilíbrio dos riscos.

4. REQUISITOS:
4.1. DIREÇÃO DE NEGÓCIOS:
Direção: abrange uma atuação direta do gestor e uma atuação que lhe seja
juridicamente imputável;
- O gestor pode fazer-se representar, pode recorrer a auxiliares, pode ser uma
pessoa coletiva (exemplos)
De Negócios: inclui negócios próprio sensu, atos jurídicos não negociais e atos materiais;
- pode traduzir-se, inclusive, numa abstenção: ou seja, engloba prestações de
dare, de facere ou de pura omissão;

4.2. A ALIENIDADE:
Ponto de partida: não há alienidade sempre que o negócio em jogo se inscreva na esfera
do próprio dono.
- Alienidade objetiva: o negócio é alheio quando se inscreve a esfera jurídica do dono –
falta, assim, alienidade quando o negócio se insira na esfera jurídica do próprio gestor;
- Alienidade subjetiva: o negócio é alheio em função da conduta intencional do gestor –
por exemplo, ao adquirir bens que destinaria ao dono, estaria a coloca-los fora da sua esfera,
apenas por ação da vontade;
Regência: a alienidade deve ser reportada ao sentido da ação final do gestor,
nomeadamente, se visar contemplar as necessidades do dono;

4.3. O EXERCÍCIO.

4.4. POR CONTA DO DONO.


- Praticar atos destinados à esfera jurídica do beneficiário
- Três teorias:
- Teoria objetiva: a atuação por conta do dono surgiria logo que o gestor agisse no âmbito
deste – adviria da própria alienidade objetiva; problema: apesar de poder haver
concordância, pode acontecer que apenas o sentido da ação permita apurar se é ou não
por conta do dono;

84 DIREITO DAS OBRIGAÇÕES | Prof. António Menezes Cordeiro


- Teoria subjetiva: apura-se através da intenção da ação do gestor; reporta-se, assim,
para a alienidade subjetiva; problema: não deve ser desconsiderada a realidade;
- Teoria da combinação: combina os elementos subjetivos e os elementos objetivos;
Regência: a gestão assenta numa atuação do gestor – como atuação humana, é dirigida a um
fim específico: não deve ser apenas tida em conta a intenção, mas também o encadeamento
lógico;
- O gestor atua por conta do dono na medida em que adote um comportamento que,
objetiva e subjetivamente, vise inscrever-se na esfera do beneficiário
- Regime da gestão não-autêntica: demonstra que a subjetividade não é suficiente e que,
nesse sentido, salvo aprovação da gestão, não se aplicam as regras da gestão de
negócios, mas as regras do enriquecimento sem causa ou outras que se adequem,
eventualmente as regras da responsabilidade civil;

4.5. NO INTERESSE DO DONO


- Não pode ter o mesmo alcance do interesse inserido no artigo 465º/a)
- Dois interesses: o utilier coeptum, a gestão deve iniciar-se como uma atividade útil; o
utilier gestum, exprime o dever de, depois de iniciada a gestão, o gestor manter uma atuação
proveitosa para o dono do negócio;
- Assim, no CC vem englobada uma noção objetiva de interesse – uma atuação útil para
o dono;
- Interesse subjetivo: é afastado, na medida em que, uma relação de apetência
que se estabeleça entre um sujeito e algo que ele deseje poderia levar a prejuízos
- Interesse técnico-jurídico: o gestor não tem, necessariamente, de prosseguir
valores protegidos – pode não prosseguir valores, lidar com valores próprios, lidar com valores
de terceiros ou atingir valores tutelados.
- A gestão deve iniciar-se de forma objetivamente útil para o dono – quem desencadear
uma atuação objetivamente inútil ou nociva não pode englobar-se na gestão de negócios;

4.6. A FALTA DE AUTORIZAÇÃO.


- Autorização: um assentimento de terceiro ou do tribunal necessário para validar
determinado ato a ela sujeito;
- Na gestão de negócios a falta de autorização apresenta um sentido muito lato: o gestor
deve agir fora de qualquer relação jurídica preexistente eu legitime a sua atuação;
Assim, exclui-se: o mandato ou qualquer contrato, a procuração, situações que
haja um status que habilite à atuação, uma norma legal que determine a atuação, uma
permissão específica de agir (legitima defesa, ação direta, estado de necessidade);

5. REGIME E EFEITOS DA GESTÃO


Na base, os efeitos são bilaterais:
1. Relação gestor/dono: comportam a actio contraria (do gestor contra o dominus) e a
actio directa (do dominus contra o gestor)
2. Relação gestor/terceiro: pode originar direitos e deveres recíprocos
3. Relação entre dono e terceiro: em resultado de haver ratificação

5.1. A SITUAÇÃO DO GESTOR


5.1.1. DEVERES DO GESTOR (ARTIGO 465º):
- Conformação com o interesse e a vontade do dono

85 DIREITO DAS OBRIGAÇÕES | Prof. António Menezes Cordeiro


- a noção de interesse patente do artigo 465º/a) é distinta da noção de interesse patente
do artigo 464º;
Artigo 464: corresponde a um interesse objetivo – a aptidão de um bem satisfazer as
necessidades do sujeito (utiliter coeptum)
Artigo 465/a): corresponde a uma bitola geral de conduta, um sentido técnico-jurídico –
é dada discricionariedade ao gestor, sendo que a atuação deve corresponder
objetivamente às razões que deram início à gestão (utiliter gestum)
Porquê?
1. Se o interesse que fundamentava o início da gestão desaparecesse, deixaria
de haver gestão e deixariam de ser observados os interesses do dono.
2. Admitir que, durante o ato de gestão, o gestor deveria procurar
objetivamente os interesses do dono, seria funcionalizar a posição do gestor
e equipará-la a uma atuação fiduciária – para além de que esvaziaria a
discricionariedade da atuação, que sustenta o instituto da ratificação pelo
gestor.

A função do interesse, do artigo 465º/a)?


• É uma delimitação negativa: esclarece do que não deve ser feito, ou seja,
que não devem ser intentados os interesses protegidos do dono.
• A gestão afigura-se como uma obrigação sem dever de prestar principal:
corresponde a uma relação, sem dever de prestar principal, e que
apenas engloba deveres acessórios de segurança, destinados a prevenir
que a intervenção origine danos maiores que os benefícios.

A Questão da Vontade, do artigo 465º/a)?


1. A expressão vontade: tanto se engloba a vontade real (caso seja reconhecida
pelo gestor) e a vontade provável (de acordo com as circunstâncias); não se
coaduna com uma vontade hipotética (como a típica da integração dos
negócios, nos termos do artigo 239º).
a. Quando faltem elementos: deve a vontade corresponder ao
utiliter gestum, ou seja, a uma atuação objetivamente
adequada às razões que fundamentam a gestão de negócios.
2. Problema: quando o interesse do dono se opuser à vontade (real ou
presumível)?
a. Galvão Telles: o gestor deve abster-se de agir.
b. Vaz Serra: deve prevalecer o interesse do dono.
c. Menezes Leitão: a solução varia de caso para caso, com
predominância da prevalência da vontade (ainda assim).
d. Menezes Cordeiro: deve prevalecer a vontade do dono,
conforme decorre da noção de interesse defendida.
i. Argumentos: a noção de interesse corresponde a uma
bitola geral de conduta, como mera delimitação
negativa da discricionariedade;
ii. Argumentos: essa discricionariedade não é total,
devendo sempre corresponder à vontade do dono,
apenas podendo ser ignorada quando viole a ordem
pública, quando ofenda os bons costumes ou quando
seja contraria à lei;
1. Assim: o gestor deve seguir a vontade real ou presumível do dono,
exceto quando esta contrarie a ordem pública, os bons costumes ou a
lei; na falta de vontade conhecida, o gestor age de modo discricionário,
não podendo desconsiderar os interesses protegidos do dono.

86 DIREITO DAS OBRIGAÇÕES | Prof. António Menezes Cordeiro


2. Há um espaço de liberdade: de acordo com os requisitos já assinalados,
a atuação do gestor é por si determinada – a si cabe a iniciativa do que
faça e de como faça.

- Os Deveres de Risco, Informação e de Prestação de Condutas


- é possível, desde logo, fazer uma correspondência do artigo 465º relativamente aos
deveres do mandatário, nos termos do artigo 1161º;
- Os deveres de prestação de informação: servem o propósito de dar a possibilidade ao
dono do negócio de se ocupar do assunto, rompendo a gestão, chamando-a a si, ratificando ou
não os atos os atos praticados em seu nome ou, até mesmo, nada fazer;
- De notar que: se não previstos legalmente, seriam sempre impostos pela boa
fé, nos termos do artigo 762º, e por via do dever legal de informação, nos termos
do artigo 573º;
- Pergunta-se, quando têm lugar? Toda a informação pertinente deve ser
prestada no momento do aviso ao dono do negocio, quando surjam elementos
novos ou quando o dono assim requerer.
- Os deveres de prestação de contas: uma espécie do dever de informação, que deverá
ocorrer em três situações possíveis – no termo da gestão, na hipótese de interrupção da gestão
ou quando o dono peça.
- O dever de entrega: pressupõe, em termos gerais, a entrega de coisas corpóreas, de
direitos adquiridos pelo gestor, em nome próprio, mas por conta do dono a transferência de
posições contratuais ou débitos, a manutenção de uma conta-corrente e o pagamento de juros
legais.
- O dever de continuar a gestão: não se configura, perante o Direito português atual, um
dever de continuar a gestão – se se admitisse tal situação, poderia, o dono, pedir uma execução
específica em relação a tal dever.
- Contrariamente, Antunes Varela: o início da gestão é decisão do gestor, mas
este não fica inteiramente livre de a interromper, devendo continuar, em certos
termos, a gestão, até que esta chegue a bom termo ou o dono possa prover por
si mesmo.
- Menezes Cordeiro: o artigo 466º/1 não postula o dever de continuar a gestão:
apenas determina o dever de não interromper a gestão injustificadamente.
- Associado à ideia de obrigação sem prestação principal de continuar a
gestão, e que apenas pressupõe o respeito por deveres acessórios, que
se destinam a evitar que a intervenção seja interrompida e que tal
interrupção se traduza em maiores prejuízos.

5.1.2. A RESPONSABILIDADE DO GESTOR


- Princípio básico: responsabilidade aquiliana do gestor, perante o dono do negócio, por
todos os prejuízos ilícitos que lhe causa, com culpa, na gestão de negócios. Aplicável a danos,
como: violação de direito subjetivos do dono do negócio ou de normas destinadas a proteger os
seus interesses.
- Pode, ainda, incorrer em responsabilidade obrigacional, pelo incumprimento de deveres
específicos - os constantes do artigo 465º e do 466º/1/2ª parte. Nos termos do artigo 799º/1,
presume-se a culpa do gestor.
- Caso especial da inobservância do artigo 465º/a): seria uma situação de
responsabilidade obrigacional, porque, sendo a gestão de negócios uma relação obrigacional
complexa sem prestação principal, o desrespeito dos interesses protegidos do dono e da vontade
real ou presumível levam a um desrespeito pelo dever específico de segurança.
- Quanto à diligência: em princípio, será a bitola geral do bónus pater famílias, no entanto,
casuisticamente, podem verificar-se oscilações – nomeadamente, quando o gestor se trate de

87 DIREITO DAS OBRIGAÇÕES | Prof. António Menezes Cordeiro


um profissional no exercício da sua atividade, de se lidar com bens especificamente frágeis e de
assistir a uma extrema urgência.
- Ainda, nos termos do artigo 467º: a referir a regra da solidariedade dos gestores,
quando se trate de uma pluralidade de gestores, em certo negócio – as obrigações são solidárias.

5.2. A SITUAÇÃO DO DONO


5.2.1. O DEVER DE REEMBOLSO OU DE INDEMNIZAÇÃO
- Corresponde à actio contraria ou ação do gestor contra o dono
- A Atuação do Gestor Regular: como já se viu, o gestor pode iniciar a gestor se ela for
objetivamente útil para o dono e deve respeitar, tendo-o feito, os interesses juridicamente
protegidos do dono do negócio e, ainda, a sua vontade real ou presumida.
Problema: a admitir-se apenas estes pressupostos, poderia ocorrer uma gestão
puramente danosa, pela qual teria de haver reembolso das despesas e
indemnização dos prejuízos.
O gestor procedeu a uma apanha de azeitona do dono, por conta dele,
verificando-se que, dada a quebra dos preços, os custos da operaçºao
eram superiores ao valor da colheita.
- Assim: o interesse do dono deve abranger a integridade do seu
património, pelo que deve ser feito um cálculo dos custos/benefícios.
- Precisando: uma vez que ao gestor assiste um espaço de liberdade, deve este ser
indemnizado, mediante uma gestão regular (artigo 468º/1), pelas despesas e pelo prejuízo.
Quanto ao prejuízo: deve atender-se, não apenas a gastos monetários, mas
também a sacrifícios de outras vantagens patrimoniais ou pessoas.
- Em caso de não se verificar o respeito pelo interesse do dono ou a sua vontade real ou
presumível – tendo em conta que a gestão tem de ser sempre de se afigurar útil, caso contrário
não haveria gestão -, então não há lugar a indemnização ou reembolso.
Solução: pelo caminho do enriquecimento sem causa (468º/2) – o dono que
tenha obtido certas vantagens com a gestão, deve devolver ao gestor aquilo com
que tenha beneficiado, sendo descontadas todas as desvantagens.
Note-se que: há sempre lugar a aprovação da gestão.

5.2.2. A REMUNERAÇÃO DO GESTOR


- Nos termos do artigo 470º/1: o dono apenas pode remunerar o gestor quando a gestão
corresponda ao exercício da atividade profissional deste.
O montante: aplicação do artigo 1158º, relativamente à remuneração do
mandatário (artigo 470º/2). Se não houver ajuste, deve recorrer-se a tarifas
profissionais; na falta destas, aos usos; na falta de todos, à equidade.
Fundamento: a gestão entendida como um instituto altruístico; e o princípio da
gratuitidade do mandado civil (artigo 1158º/1).
Prof. Menezes Cordeiro: há que fazer uma interpretação restritiva. Por exemplo:
considerando o próprio esforço do gestor como uma despesa a ter em conta.

5.2.3. DIREITOS DO DONO


- Posições ativas: a cada um dos deveres do gestor correspondem pretensões do dono;
- Direitos potestativos: pedir uma indemnização por danos causados (artigo 466º/1),
desencadear a responsabilidade civil por danos; recorrer à solidariedade, quando haja
pluralidade de gestor; aprovar a gestão; ratificar os atos praticados no âmbito da gestão.

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5.2.4 APROVAÇÃO DA GESTÃO E RATIFICAÇÃO
- A aprovação: ato unilateral que exprime a concordância com a iniciativa do gestor. Nos
termos do artigo 469, implica: renuncia ao direito à indemnização por danos causados devido a
culpa do gestor e reconhecimento do dever de reembolsar o gestor das despesas e dos prejuízos.
- A ratificação: nos termos do artigo 471º e 268º - apenas incide sobre determinados
atos (a aprovação da gestão incide sobre a totalidade da gestão); acolhe os atos praticados pelo
gestor na esfera do dono (enquanto a aprovação implica a enuncia, como visto no ponto anterior);
pode haver ratificação sem aprovação e aprovação sem ratificação.

5.3. A SITUAÇÃO DO TERCEIRO


1. Terceiros estranhos: aqueles com quem não tenham sido concluídos atos jurídicos, no
âmbito da gestão. Ficam envolvidos em deveres acessórios, como proteção de terceiros.
2. Terceiros interessados: os que hajam concluído com o gestor algum contrato.
a. Contratação em nome próprio: apenas produz efeitos entre o gestor e o terceiro;
b. Contratação em nome do dono do negócio: o contrato é ineficaz, relativamente
do dono, devendo seguir-se o regime do artigo 268º.

5.3.1. REPRESENTAÇÃO SEM PODERES


- Artigo 471º/1ª parte: remete para o 268º, que respeita à representação sem poderes.
- Representação sem poderes: um ato praticado em nome de outra pessoa, por conta
dela, sem os necessários poderes de representação.
Consequências: o negócio não produz efeitos em relação ao dono (artigo 268º)
– a ratificação, se houver, estará sujeita à forma da procuração (artigo 268º/2,
1ª parte), que corresponderá à forma do negócio (262º/2). A ratificação é sempre
livre.
Situações em que o terceiro conhecia da falta de poderes: nos termos do artigo
268º/3 e 4, pode fixar um prazo para que sobrevenha a ratificação – se não
ocorrer nesse prazo, o negócio não produz efeitos.
Situações em que o terceiro não conhecia da falta de poderes: tem a faculdade
de, a todo o tempo, revogar ou rejeitar o negócio (artigo 268º/4).

5.3.2. MANDATO SEM REPRESENTAÇÃO


- Mandato sem representação: quando gestor tenha concluído u negócio com terceiros
em seu próprio nome (471º/2ª parte).
Artigo 1180º: produz efeitos entre o gestor e o terceiro.
Em caso de gestão regular ou de aprovação pelo dono: se não interessar ao
gestor (um encargo inútil), poderá rever-se como um prejuízo para efeitos de
reembolso.
Artigo 1181º/1: o gestor fica encarregado de transferir, para o dono, os direitos
adquiridos no âmbito da gestão (pode, no entanto, o dono recusar acolher os
mesmos negócios). Este dever do gestor e suscetível de execução específica.

89 DIREITO DAS OBRIGAÇÕES | Prof. António Menezes Cordeiro


DIREITO DAS OBRIGAÇÕES
A RESPONSABILIDADE CIVIL

1. O SISTEMA GERAL DA RESPONSABILIDADE CIVIL


Já remontava à tradição de Gaio – ainda que com outra denominação - a distinção entre
responsabilidade civil aquiliana e responsabilidade civil obrigacional: a responsabilidade civil
aquiliana atuaria quando alguém causasse um dano a outrem, sem que entre ambos se
estabelecesse uma qualquer relação obrigacional ou contratual (resultaria em delito), e a
responsabilidade civil obrigacional atuaria quando alguém violasse uma obrigação (resultaria do
contrato).
Tendo por base esta dicotomia, é possível chegar a diversas conclusões:
1. Responsabilidade por violação do contrato: pressupõe uma aparente juridicidade
estabelecida entre as partes (uma relação obrigacional).
a. Função: proteger a criação e a circulação de riqueza entre as partes.
2. Responsabilidade por delito: tem fundamento na lei e em considerações morais que
reprovem as perturbações na pessoa e em bens.
a. Função: proteger a riqueza já criada.
Na sequência da prática de um ato ilícito danoso (o delito), desenvolveu-se a técnica da
indemnização: consistiria, a indemnização, numa obrigação, que recairia sobre o autor do delito
e que teria como função a supressão do dano causado. Razões históricas levaram a que se
verificasse um alargamento desta técnica de indemnização a situação que também exigiam a
supressão do dano causado: seriam os casos da responsabilidade objetiva ou pelo risco e os
casos da responsabilidade pelo sacrifício.

1.1. A ORGANIZAÇÃO NO CÓDIGO CIVIL


1. Responsabilidade aquiliana: presente nos artigos 483º a 510º.
2. Obrigação de indemnizar: presente nos artigos 562º a 572º.
3. Responsabilidade obrigacional: presente nos artigos 798º a 812º.

3. O SISTEMA PORTUGUÊS DA RESPONSABILIDADE CIVIL


3.1. GENERALIDADES
Quando tratamos da responsabilidade civil, o problema afigura-se complexo, em termos
estruturais: a responsabilidade civil, como visto, não engloba apenas a responsabilidade
aquiliana/delitual/extra-obrigacional, que envolve o dano a pessoa ou bem; engloba, também, a
responsabilidade obrigacional, que envolve a violação de uma obrigação.
Se é verdade que estas duas figuras se inserem na responsabilidade civil, torna-se
importante que entre elas é possível distinguir pontos de claros afastamentos: retenha-se, por
exemplo, o funcionamento do pressuposto culpa – se na responsabilidade obrigacional a culpa
se presume (em função do vínculo mais forte que se estabelecia entre as partes do contrato), na
responsabilidade extra-obrigacional a culpa deve ser provada pelo lesado.
A partir desta exposição, será possível retirar, liminarmente, duas conclusões: dentro do
mesmo sistema jurídica, é possível que existam diferenças significativas entre os dois tipos de
responsabilidade; e, ainda, que a culpa, enquanto pressuposto da responsabilidade civil, é o seu
fundamento ideológico. Ora, partindo desta última conclusão e a fim de atingir a natureza do

90 DIREITO DAS OBRIGAÇÕES | Prof. António Menezes Cordeiro


sistema de responsabilidade civil que vigora em Portugal, retenha-se algumas ideias a nível de
Direito Comparado:
1. FRANÇA: vigora um sistema monista de responsabilidade civil, em torno do conceito
faute, que, embora sem tradução fiel, significa uma violação de regras jurídicas
censurável. Num só conceito, ficariam englobadas as ideias de ilicitude
(inobservância das normas jurídicas) e culpa (censura, merecida pelo agente).
2. ALEMANHA: vigora um sistema dualista de responsabilidade civil, em torno dos
conceitos de ilicitude e culpa, enquanto resultado da descoberta de Jhering –
significa que os pressupostos da responsabilidade civil implicam duas instâncias de
controlo, a ilicitude (inobservância das normas jurídicas) e a culpa (censura,
merecida pelo agente).
Perante estas duas realidades, retenha-se, também, algumas ideias-chave a respeito do
ordenamento jurídico português.
Inicialmente, o sistema da responsabilidade civil caracterizar-se-ia como um sistema
monista, quer no que diz respeito à responsabilidade obrigacional, quer no que diz respeito à
responsabilidade extra-obrigacional. O pressuposto essencial da responsabilidade civil era, pois,
a culpa. Só no século XX é que se verifica uma viragem de metodologia, graças a Guilherme
Moreira: vem preconizar, o autor, a solução de Jhering, incorporando um esquema de
responsabilidade civil baseado na distinção entre ilicitude e culpa. Note-se, no entanto, a
particularidade destas alterações: Guilherme Moreira mantém a distinção entre
responsabilidade extra-obrigacional e responsabilidade obrigacional, vertendo a solução de
Jhering unicamente para a responsabilidade extra-obrigacional.

3.3. A NATUREZA HÍBRIDA – POSIÇÃO ADOTADA PELA REGÊNCIA


A natureza híbrida da responsabilidade civil portuguesa resulta da contraposição entre o
sistema que caracteriza a responsabilidade extra-obrigacional e o sistema que caracteriza a
responsabilidade obrigacional. A reter os seguintes argumentos:
à Admitir um sistema híbrido põe em causa a unidade desejável entre a
responsabilidade extra-obrigacional e obrigacional, no entanto, tal não poderá ser
motivo para ignorar os traços que caracterizam o sistema.

4. A CONTRAPOSIÇÃO: A RESPONSABILIDADE OBRIGACIONAL E A


RESPONSABILIDADE AQUILIANA
4.1. GENERALIDADES
Em termos gerais, dentro do sistema da responsabilidade civil, é possível distinguir entre
responsabilidade obrigacional e responsabilidade extra-obrigacional ou aquiliana (aquiliana, de
acordo com a regência, parece ser a denominação mais adequada, uma vez que remonta à lex
aquilia, XII Tábuas). As diferenças entre os dois sistemas são significativas:

91 DIREITO DAS OBRIGAÇÕES | Prof. António Menezes Cordeiro


4.2. QUADRO COMPARATIVO – REGIMES DA RESPONSABILIDADE CIVIL

Responsabilidade Obrigacional Responsabilidade Aquiliana


artigo 798º artigo 483º/1
Intervem perante a inobservância, pelo devedor, Intervem perante a violação ilícita e culposa de um
de uma obrigação. direito ou de um interesse tutelado.

Protege o valor contrato e a sua função: Protege os direitos subjetivos (propriedade), ou seja,
derivando de obrigações específicas. O tutela a riqueza: emergindo da inobservância de
relacionamento entre os envolvidos resultado da deveres genéricos de respeito. O relacionamento entre
fonte contratual – acordada entre as partes. os envolvidos surge apenas no momento do facto ilícito.

A culpa não é presumida, carece de ser provada (artigo


A culpa é presumida (artigo 799º/1). É esta uma 487º/1 – em resultado de se estar perante um
presunção de culpa e de ilicitude. “atentado” à liberdade) - exceções (491º, 492º/1 e
493º).

Em caso de pluralidade passiva, não teremos Em caso de pluralidade passiva, teremos solidariedade
solidariedade, exceto se a obrigação for solidária. delitual (497º).

Passos: constituição da obrigação,


incumprimento, interpelação, cominação do Passos: bastam o facto e os demais pressupostos – o
prazo admonitório ou desinteresse objetivo momento inicial é o facto, desenvolvendo-se a partir daí
superveniente, constituição do dever de a relação entre lesado e agente.
indemnizar

O devedor é automática e plenamente Funciona o regime da responsabilidade do comitente


responsável pelosa atos dos seus representantes (500º/1) – o principal só responde se, sobre o
legais e auxiliares (800º/1). comissário, recair também a obrigação de indemnizar.

Funcionam as regras comuns da capacidade de Há uma regra geral de capacidade (imputabilidade),


exercício (122º e 123º) e do suprimento das apenas se presumindo a ausência nos menores de sete
incapacidades (124º). anos em interditos por anomalia psíquica (488º/2).

Havendo mera culpa (negligência), a indemnização


O devedor é sempre plenamente obrigado à pode ser fixada em montante inferior ao que
indemnização. corresponderia aos danos causados (494º - desde que o
grau de culpabilidade, a situação económica do agente e do lesado e
demais circunstâncias o justifiquem).

A clausula penal reporta-se à responsabilidade Funciona a regra da proibição da renúncia antecipada a


obrigacional (810º e 812º). direitos (809º).

É complementada por deveres acessórios. É complementada pelos deveres do tráfego.

Prazo de prescrição: as obrigações, se


Prazo de prescrição: a obrigação de indemnização
incumpridas, prescrevem no prazo de 20 anos
prescreve em três anos (498º, com ressalvas).
(artigo 309º).

Diferenças em competência territorial judicial (artigos 74º/1 e 2 do C. Processo Civil) e de normas de


conflito especial (artigo 45º).

92 DIREITO DAS OBRIGAÇÕES | Prof. António Menezes Cordeiro


5. A SOBREPOSIÇÃO DE REGIMES
Apesar de existirem diferenças evidentes de regime, também existem pontos
coincidentes, no Código Civil português – note-se que este não é uma inovação do Código Vaz
Serra, sendo também característica de outros códigos estrangeiros.
Esta coincidência de regimes manifesta-se, quer na obrigação de indemnizar, que é alvo
de tratamento unitário (562º a 572º), quer na inserção de diversas obrigações legais no capítulo
reservado à responsabilidade aquiliana.
A respeito da obrigação de indemnizar, podem ser feitas algumas considerações. Desde
logo, notar que a obrigação de indemnizar está materialmente vocacionada para a
responsabilidade aquiliana: os artigos 562º e 563º perdem o seu alcance quando aplicados à
responsabilidade obrigacional, uma vez que o devedor que incumpre deve repor o equivalente à
prestação principal; os artigos 566º e 567º cedem perante as regras de execução específica
(827º a 830º); o artigo 571º opera na responsabilidade obrigacional, apenas, sob pena de
conflito com o artigo 500º.
Por outro lado, a respeito da inserção de obrigações legais no capítulo reservado à
responsabilidade aquiliana, saliente-se os casos que, ao gerarem uma presunção de culpa,
conduzem à aplicação da responsabilidade obrigacional:
à Artigo 485º/2: responsabilidade por conselhos, recomendações ou informações,
quando derivados de prévios negócios ou obrigações de indemnizar.
à Artigo 486º: existência do dever jurídico de praticar o ato omitido.
à Artigo 491º: denota uma presunção de culpa, em casos de obrigação de vigilância.
à Artigo 492º/1: uma nova presunção de culpa.
à Artigo 493º/1: obrigação de vigiar coisas, que, quando incumprida, gera uma nova
presunção de culpa.

6. A HIPOTÉTICA TERCEIRA VIA


A questão da terceira via surgiu no Direito Alemão, mediante o confronto entre a
responsabilidade aquiliana e a responsabilidade obrigacional.
Ora, a responsabilidade obrigacional pressupunha uma obrigação específica entre as
partes; já a responsabilidade aquiliana funcionaria apenas perante o preenchimento das várias
previsões. Tendo por base estas noções, ficariam por integrar as situações de proximidade
negocial ou similares (culpa in contrahendo, obrigação sem dever de prestar principal, violação
positiva do contrato, culpa post pactum finitum).
Perante estas dúvidas, o Prof. Canaris delimitou que todas estas situações se
circunscrevem a um intermédio entre a responsabilidade obrigacional e a responsabilidade civil,
embora o regime a aplicar fosse, no essencial, o da primeira – ideia que foi mais tarde
desenvolvida por PIcker. Assim, justificar-se-ia que, perante estas situações de vinculação
especial, existisse uma linha de proteção. Esta terceira via, no entanto, com a reforma do BGB
de 2001/2002, perdeu o seu alcance.
Em Portugal, a ideia de terceira via foi também defendida por diversos autores, como
Baptista Machado e Menezes Leitão. A regência, Prof. Menezes Cordeiro, prefere tratar da
matéria enquanto paracontratualidade. Entende, para além disso, que aceitar uma terceira via
seria reduzir, de forma inaceitável, a ideia de paracontratualidade.

93 DIREITO DAS OBRIGAÇÕES | Prof. António Menezes Cordeiro


7. DISTINÇÃO COM OUTRAS FIGURAS
7.1. RESPONSABILIDADE POR FACTOS ILÍCITOS, PELO RISCO E PELO SACRIFÍCIO
A responsabilidade civil aquiliana pode ser dividida em responsabilidade por factos
ilícitos ou delitual, responsabilidade pelo risco e responsabilidade pelo sacrifício.
A responsabilidade por factos ilícitos, ou delitual, que consta do artigo 483º do CC,
assenta na violação ilícita ou culposa de direitos subjetivos ou de normas destinadas a proteger
interesses alheios.
A responsabilidade pelo risco equivale a transferência, por razões político-sociais, de um
dano, de uma esfera para outra, através de uma obrigação de indemnizar. Enquanto situação
extremamente delicada, é apenas possível nos casos expressamente previstos na lei (483º/2) e
sujeitos a um especial controlo de constitucionalidade. Distingue-se da responsabilidade por
factos ilícitos porque não pressupõe culpa, nem ilicitude, assim como, em regra, também não há
facto (enquanto ato consciente, com base na vontade humana).
Por fim, a responsabilidade pelo sacrifício ou por factos lícitos, apesar de não vir referida
na lei, não deixa de ser tida em consideração: resulta da prática de um ato voluntário que, apesar
de danoso, o Direito admite e que, ainda assim, pode originar um dever de indemnizar. Também,
neste caso, os pressupostos são diversos dos da responsabilidade civil.

7.2. OUTRAS CLASSIFICAÇÕES


7.2.1. EM FUNÇÃO DO FACTO
à Responsabilidade por ação ou por omissão.
à Responsabilidade singular ou conjunta.
à Responsabilidade pessoal e responsabilidade por atos do representante,
mandatário, comissário ou auxiliar.
à Responsabilidade da pessoa singular ou da pessoa coletiva.
à Responsabilidade profissional.
à Responsabilidade por facto próprio ou por facto de terceiro.
à Responsabilidade civil ou civil e penal (conexa com a criminal).

7.2.2. EM FUNÇÃO DA ILICITUDE


à Responsabilidade por violação de direito subjetivo ou por inobservância de normas
de proteção.,

7.2.3. EM FUNÇÃO DA CULPA


à Responsabilidade pelo dolo ou por negligência (poderá ser negligência leve ou
grave).

7.2.4. EM FUNÇÃO DO DANO


à Responsabilidade por ou por danos morais.
à Responsabilidade por danos diretos ou indiretos.
à Responsabilidade por danos emergentes ou lucros cessantes.
à Responsabilidade por danos presentes ou futuros.
à Responsabilidade por danos indemnizáveis ou compensáveis.
à Responsabilidade por danos meramente patrimoniais (que não correspondem a
vantagens protegidas pela inclusão no conteúdo de um direito subjetivo).

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7.2.5. EM FUNÇÃO DA CAUSALIDADE
à Responsabilidade isolada ou concorrente.
à Responsabilidade real ou hipotética.
à Responsabilidade efetiva ou virtual.

8. OS PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL


8.1. AS ORIENTAÇÕES DESCRITIVAS E AS ORIENTAÇÕES SINTÉTICAS
Em termos de pressupostos da responsabilidade civil, é possível distinguir duas linhas
de pensamento: as orientações descritivas e as orientações sintéticas.
As primeiras, orientações descritivas, que remontam aos ensinamentos de Guilherme
Moreira, assentam em cinco pressupostos: facto, ilicitude, culpa, dano e nexo de causalidade.
Em contrapartida, as segundas, orientações sintéticas, que remontam aos ensinamentos de
Pessoa Jorge, apenas assentam em dois pressupostos: o ato ilícito (engloba o facto, a ilicitude e
a culpabilidade) e o prejuízo reparável (engloba o dano e o nexo de causalidade).
A regência, Prof. Menezes Cordeiro, aposta nas primeiras orientações, por várias razões.
Essencialmente, por razões pragmáticas, já que grande parte da doutrina e da jurisprudência
parece adotar os 5 pressupostos – facto, ilicitude, culpa, dano e causalidade.

8.2. FACTO
Por facto, em Direito Civil, deve entender-se o ato ou facto humano que subjaz a qualquer
imputação delitual – ou seja, tem sempre na base uma ação humana.
Apesar das discussões filosóficas e jurídicas em torno do que possa ser um facto
humano, a regência entende que este se reporte à ação – um desencadear de meios materiais
e humanos, determinado pelo cérebro do agente, para prosseguir um fim. Nestes termos,
devemos entender uma ação ontologicamente final, já que o fim é pré-determinado e anterior à
exteriorização da ação. O agente, em termos gerais, intervém na determinação do fim e na
escolha dos meios admissíveis e adequados à prossecução desse fim.
Note-se, no entanto, que ao prosseguir um determinado fim, o agente tanto pode agir ou
não agir: dito isto, delimite-se que o facto tanto integra ações humanas, como omissões. No
entanto, a omissão só poderá integrar o tal facto quando exista um dever de praticar o ato
omitido (artigo 486º). Podemos distinguir dois casos, que se encaixam nesta previsão: as
situações de negligência, nas quais o bem protegido é atingido pela inobservância de
determinados deveres de cautelas que se impusessem; os deveres de tráfego, que protegem
certos bens delicados ou que incidem sobre quem tenha controlo sobre fontes de perigo.
Pergunta-se, perante o facto, o que deve o Direito Civil considerar, se a conduta, se o
resultado. Nas visões tradicionais, apenas seria relevante o desvalor do resultado. As doutrinas
mais recentes apelam a uma solução de concilio:
à quando esteja em causa negligência, terá mais peso a conduta;
à quando esteja em causa violações imediatas, terá mais peso o resultado.
A regência entende que não é possível separar o resultado da conduta – ou seja, perante
uma ação humana, o resultado é determinante; no entanto, podem surgir casos em que este não
seja pré-configurado e, por isso, seja mais relevante a conduta.
Ainda a respeito do facto, há que ter em conta a problemática da imputabilidade: para
efeitos de imputação delitual, o agente tem de ser autodeterminado. Assim, a ação ou omissão
devem corresponder à capacidade de entender e de querer do agente. A lei civil determina que,
salvo em casos de imputabilidade, as pessoas sejam tratadas como livres – presume-se que

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todas as pessoas sejam imputáveis, exceto menores de sete anos e interditos por anomalia
psíquica (artigo 488º/2 – presunção, esta, que é ilidível nos termos gerais, 350º).

8.2. ILICITUDE
Em termos gerais, a ilicitude significa, por si só, violar direitos e normas de proteção. No
entanto, podemos delimitar duas dimensões:
à Delimitação positiva: inobservância do direito.
à Delimitação negativa: não existência de uma causa de justificação (ação direta,
legítima defesa, estado de necessidade, cumprimento de um dever e
consentimento do lesado).
Em primeiro lugar, há que delimitar o que entender por violação do direito de outrem,
enquanto primeira modalidade de ilicitude. Defina-se, desde logo, que se trata de direito
subjetivo em sentido próprio:
1. A tutela apenas é concedida a permissões específicas de aproveitamento de
bens - direitos subjetivos (absolutos ou relativos) e direitos subjetivos em sentido
material (independentemente da designação legal).
2. Ficam de fora permissões genéricas (liberdade de trabalho, liberdade de
empresa, autonomia privada...) e as expectativas.
Em segundo lugar, há que delimitar o que entender por violação do direito de norma de
proteção, enquanto segunda modalidade de ilicitude. Estas respeitam a normas jurídicas que
prescrevem regras de conduta, no interesse geral e de casa um, mas sem delimitar porções
axiológicas entregues, em exclusividade, a certas pessoas – quando a sua violação provoque
danos, embora não se tenham propriamente violado direitos subjetivos, cabe o dever de
indemnizar, desde que reunidos os demais requisitos. Podem ser definidos requisitos:
1. Presença de norma de conduta, devidamente aplicável.
2. A norma destinar-se a proteger determinados interesses alheios.
3. A adoção, pelo agente, de um comportamento contrário à referida norma de
conduta.
4. Violação essa que atinja os interesses protegidos pela norma violada.
Quanto a outras clausulas gerais de ilicitude, que têm sido apontadas pela doutrina, cabe
fazer algumas precisões. Seria, um dos casos, o abuso de direito: segundo a regência, este
restringe-se hoje à violação da boa fé e não comporta nenhum género de ilicitude, porque apenas
diz respeito à violação do principio jurídico da boa fé. Há que verificar os restantes pressupostos.
Por fim, cabe analisar a ilicitude em termos dogmáticos: saber, portanto, se é puramente
objetiva, implicando meramente uma desconformidade da conduta com a estatuição normativa,
ou se também se caracteriza por ter uma vertente subjetiva, que requer uma especial vontade
do agente. Uma vez que a ilicitude se reporta sempre a uma ação humana, há sempre que ter
em conta os elementos subjetivos, que são indissociáveis dos elementos objetivos, da conduta
per si, enquanto desconforme.
A ilicitude carece de ser provada, pelo lesado, perante o juiz (Tribunal), permitindo, as
provas, a tomada de decisão e pronuncia no sentido da ilicitude ou da licitude. Assim, entende-
se que a ilicitude é apenas um juízo do Tribunal.

8.3. CULPA
A culpa consubstancia o centro da imputação delitual, permitindo formular um juízo geral
de legitimidade no despojar, alguém, de alguns dos seus bens e entrega-los a outrem e, ainda,
decidir quem merece sofrer esse tratamento e quem é o beneficiário.
Note-se, no entanto, que este conceito de culpa é dotado de uma elevada polissemia e
deve sempre ser interpretado num contexto específico. Precisando, a respeito do artigo 483º:
temos a culpa e a mera culpa, esta segunda, que se reporta a negligência. Ainda, por distinção,

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a presunção de culpa, patente do artigo 799º: a aclamada faute, que é igualmente uma
presunção de ilicitude. Só neste segmento encontramos três conceitos diferentes de culpa.
Quanto à sua natureza, inicialmente a culpa era diferenciada da ilicitude através da
natureza subjetiva: enquanto a ilicitude teria uma natureza exclusivamente objetiva (violação do
direito); a culpa, em contrapartida, teria uma natureza exclusivamente subjetiva. Hoje tal já não
é considerado: não apenas que a ilicitude engloba uma natureza objetiva e uma natureza
subjetiva; como também, a culpa é entendida enquanto realidade normativa – um juízo de
censura formulado pelo Direito, relativamente à conduta ilícita do agente.
No seio da culpa, é de destacar o dolo e a negligência. O dolo, atualmente, é considerado
uma graduação da culpa em sentido amplo – age com dolo aquele que atua voluntariamente
contra a norma jurídica, cuja violação conduz ao dano. Pode, ainda, distinguir-se:
à Dolo direto: o agente atua diretamente contra a norma.
à Dolo necessário: o agente atua em determinado sentido que, não sendo o
sentido da norma violado, implica, ainda assim, a violação da norma (violar a
norma para atingir um determinado fim). Bento não quer alterar o seu
andamento, destruindo, necessária e voluntariamente, a coisa que estava de
permeio.
à Dolo eventual: o agente atua em determinado sentido que, não sendo o da
violação da norma, pode implicar a inobservância voluntária desta. Carlos não
quer alterar o seu andamento, ainda que, com isso tenha de, voluntariamente,
destruir uma coisa.
Quanto à negligência, deve entender-se como a violação (objetiva) de uma norma por
inobservância de deveres de cuidado – ou violação do cuidado necessário no tráfego. As regras
de cuidado devem ser observadas pelas pessoas na sua atuação em sociedade – a não
observância desses deveres de cuidado pode conduzir a uma violação geradora de
responsabilidade civil. Pode, nestes termos, distinguir-se entre:
à Negligência consciente: o agente tem consciência da existência dos deveres de
cuidado, mas, apesar disso, não os acata, esperando que não haja danos.
à Negligência inconsciente: o agente não tem conhecimento dos deveres de
cuidado.
Note-se, no entanto, que o atual Código Civil não faz menção aos deveres de tráfego,
apenas ao bom pai de familia (487º/2). Tendo por base, de princípio, que o artigo 487º/1 se
reporta à culpa lato sensu, ou seja, ao dolo e à negligência – a regência entende que o nº2 se
reporta, essencialmente, à negligência, que, em contrapartida com o dolo, levanta problemas de
apreciação (saber quais são esses deveres e que medida de esforço deve ser exigida ao agente).
A solução estará no artigo 487º/2: apurada da diligência de um bom pai de família (que se
reconduz ao princípio da boa fé) e em face das circunstâncias de cada caso concreto.
A diferença fundamental de regime reside na fixação da indemnização: quando a
imputação delitual é doloso, a obrigação de indemnizar deve equivaler ao montante do dano;
quando seja negligente, poderá ser inferior. A diferença dogmática entre dolo e negligência
reside, essencialmente, no fim prosseguido pela ação.
Quando a analisada a culpa lato sensu, nos termos do artigo 487º, a prova desta
incumbe sempre ao autor da lesão – enquanto juízo de valor, não se prova, antes se provam os
factos, que fixando a ilicitude, permitem formular um juízo. Esta não presunção de culpa tem, no
entanto, exceções: 491º, 492º/1, 493º/1, 493º/2 e 799º/1.
Outro problema a colocar respeita à consciência da ilicitude: desde logo, uma hipótese
de inconsciência enquanto motivo de não existência de qualquer delito tem sido excluída da
doutrina, já que a ignorância da lei não é fundamento para o seu incumprimento. Na doutrina
alemã, do Direito Criminal, surgem duas teorias para responder à questão:

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à Teoria do dolo: o delito só seria doloso quando o agente, além de conhecer da
sua própria atuação, tem também conhecimento da ilicitude; na falta de
conhecimento, no máximo, estaríamos perante negligência, se um dever de
cuidado lhe impusesse o conhecimento.
à Teoria da culpa: o delito seria sempre doloso, independentemente da
consciência da ilicitude – quanto muito, poderia, a falta de consciência, atenuar
a punição.
à Posição da regência
o Negligência menos gravosa: no ordenamento jurídico português essa
diferença não se reconduz à consciência ou inconsciência; diferença
prática – dirigida a um fim dolo vs. inobservância de deveres de cuidado;
o Não relacionamento com o finalismo: a consciência de ilicitude é apenas
um elemento caracterizador do comportamento do agente e não um
elemento fáctico deste.
o Distinção entre dolo e negligência: no dolo, um comportamento dirigido
à violação; na negligência, violação de deveres de cuidado; para que
haja dolo, não é necessário que haja consciência de ilicitude (a
ignorância da lei não é justificação para o seu incumprimento – artigo
6º, CC).
Entende a regência que a consciência de ilicitude poderá desempenhar uma função
marginal, podendo levar à não qualificação de um ato ilícito como dolo ou, até, como negligente
– casos de inimputabilidade (falta de controlo da vontade); convicção de existência de dever
(violou porque achava que o deveria ter feito); desculpabilidade.

8.4. DANO
O dano consiste na supressão ou diminuição de uma situação favorável, que seja
reconhecida ou protegida pelo Direito. Dentro do dano, podemos distinguir dois típicos:
à Dano real: corresponde às vantagens que foram suprimidas ou diminuídas.
à Dano de cálculo: expressão monetária do dano real.
Dentro da temática do dano é possível estabelecer algumas distinções.
Desde logo, distinguir entre danos patrimoniais, a vantagem prejudicada tem natureza
económica, e danos morais, reportam-se a vantagens que o direito não admite que possam ser
trocadas por dinheiro. Quanto aos danos morais levantam-se outras questões:
à Saber se são ou não ressarcíveis: devem ser – algumas posições defendem que
seria impossível obter um dano de calculo, quando moral e que seria um
atentado à essência dos valores morais admitir a sua compensação. A regência
considera que devem ser.
o o dano moral, apesar de não ser avaliável em dinheiro, é compensável
em termos patrimoniais.
o Dada a presença dos valores patrimoniais por todo o Direito das
Obrigações, entende-se que o dinheiro não seja imoral, mas antes certas
práticas com ele realizadas.
o Seria injusto deixar os danos morais sem qualquer reparação civil –
funcionando, igualmente, como injunção punitiva e preventiva,
enquanto encargo para o obrigado.
o Artigo 496º/1: por gravidade, deve entender-se um padrão objetivo e em
função do merecimento ou não de tutela jurídica – ficam, assim,
excluídos a suscetibilidade de indemnização de pequenos contratempos
ou sofrimentos mínimos ou os sofrimentos ou desgostos que só
resultem ao lesado por ter uma sensibilidade anómala.

98 DIREITO DAS OBRIGAÇÕES | Prof. António Menezes Cordeiro


§ Maioria da doutrina: uma clausula geral que deverá ser aplicada
à responsabilidade delitual, bem como à obrigacional.
à O problema do dano morte: discordância na doutrina.
o Consideração como dano: a regência entende que sim, porque a vida
representa um bem (uma vantagem) de que todos dispomos; assim, só
o próprio pode ser indemnizado, embora esta indemnização passa para
os sucessores (indemnizados pelo desgosto).
o Outros danos resultantes dos eventos que provocaram a morte: para a
própria vítima e até para outros bens terceiros.
o O dano da personalidade (68º/1): apesar de o morto não poder ser
compensado, essa compensação, nos termos gerais, deve passar para
os seus sucessores, não devendo impedir-se o funcionamento do
mecanismo da imputação de danos.
o Conclusão: a morte é um dano, uma vez que a vida é um bem
juridicamente tutelado através do direito à vida; é um dano com aspetos
morais e patrimoniais, sendo infligido a morte e, reflexamente, a certos
elementos que o rodeiam; o ressarcimento transmite-se, pela morte, aos
sucessores.
Outra distinção a fazer, também ela relevante: entre danos emergentes, que consistem
na frustração de uma vantagem já existe, e lucros cessantes, que consistem na concretização
de uma vantagem que, de outra forma, se verificaria. Ambos estão abrangidos pelo dever de
indemnizar, artigo 564º/1.
Por último, também será relevante distinguir: danos presentes, que já se verificaram no
momento da fixação da indemnização (os lucros cessantes podem ser danos presentes se já se
tiverem verificado no momento da sentença), ou danos futuros, que ainda não se verificaram no
momento da fixação da indemnização. Ambos estão abrangidos pelo dever de indemnizar, artigo
564º/1.
Quanto à natureza jurídica do dano, são passíveis de compreender as duas conceções:
a conceção do dano abstrato, que admite que o dano constitui a diferença de valores existentes
no património, antes ou depois da lesão (valor real do património com a lesão – valor hipotético
se a lesão não tivesse ocorrido); a conceção do dano concreto, admite que este se traduz na
lesão de determinado direito.
Pergunta-se: como se calcula a indemnização?
1. Dano real: comparação entre a situação patrimonial presente e passado do lesado.
Verifica-se no 562.º: primazia à reconstituição natural.
2. Dano de cálculo/ patrimonial: comparação entre duas situações patrimoniais
presentes: a real e a hipotética. É a este dano que se atende na indemnização em
dinheiro: 566.º/2. Só recorremos a uma indemnização em dinheiro se a
reconstituição natural se:
a) a reconstituição natural não for possível,
b) não reparar integralmente os danos
c) for excessivamente onerosa para o devedor.
Perante esta realidade, o Prof. Casto Mendes, insatisfeito, propôs uma nova
sistematização:
à Teorias objetivas: o dano implica a perda de valor de um património e a lesão de
coisa ou interesse (objetivo).
à Teorias subjetivas: o dano tem por objeto a pessoa ou algo que se define em
função dela (lesão a um interesse);
à Teorias intermédias: três variantes.
o Mistura de elementos objetivos e subjetivos.
o Construção de dois conceitos de dano – um objetivo e outro subjetivo.

99 DIREITO DAS OBRIGAÇÕES | Prof. António Menezes Cordeiro


o Apresento o objeto do dano como algo de intermédio entre pessoa e
bem.
A regência, no entanto, mantém uma noção clara: dano enquanto diminuição de uma
qualquer vantagem tutelada pelo Direito.

8.5. NEXO DE CAUSALIDADE


O artigo 483º, quando estabelece a obrigação de indemnizar como sanção, limita-a aos
danos resultantes da violação – significa, assim, que o comportamento deve ser a causa dos
danos sofridos. Deve haver um nexo de causalidade entre facto e dano. A discussão reside, pois,
no critério que subjaz ao estabelecimento desse nexo de causalidade.
à Teoria da equivalência das condições: todas as condições que concorrem para a
produção de um evento são consideradas como causa (se não acontecessem, o
evento deixaria de se verificar).
o Base: conceito de causalidade de Stuart Mill; o conceito de causa
caracteriza-se pela imprescindibilidade de uma condição para a sua
verificação, pelo que não se justificaria apreciar a relevância jurídica dessas
condições;
o Problemas: resultados absurdos, não se selecionando as condições
relevantes juridicamente.
à Teoria da última condição: considera como causa a última condição que se verificou,
aquela que precede diretamente o facto.
o Problemas: inadequada, uma vez que a ação não tem de produzir
diretamente o dano, podendo ocorrer um período temporal grade entre
factos ilícitos e danos; injusto assentar a causa numa última condição,
quando o dano poderia ter sido provocado por condição antecedente.
à Teoria da condição eficiente: deve ser feita uma avaliação quantitativa da eficiência
das diversas condições, que conduzirá à conclusão da mais relevante em termos
causais.
o Problema: não é um verdadeiro critérios; remete a decisão para o julgador,
o que seria condenar o nexo de causalidade a um enorme subjetivismo.
à Teoria da causalidade adequada: o facto, em concreto, tem de ser causa do dano e,
em abstrato, tem de ser adequado a produzir o dano (numa situação normal – uma
avaliação posterior – prognose póstuma, Menezes Leitão).
o Código Civil: a teoria encontra-se presente no artigo 563º - através do termo
provavelmente, exigindo-se a imprescindibilidade da condição e a
adequação ao dano.
o Conditio sine quo non – condição sem a qual – um desenvolvimento da
teoria da equivalência das condições. Avaliar se o facto concorreu para a
produção do dano e se sem ele o dano não teria ocorrido. O acrescento a
esta teoria foi a adequação.
à Teoria do fim da norma violada: devem averiguar-se se os danos que resultaram do
facto correspondem à frustração do escopo (conteúdo e fim) que a norma violada
visava conferir ao sujeito;
o Posição defendida pelo Professor Menezes Leitão.
Quanto à posição e considerações feitas pela regência, Sr. Professor Menezes Cordeiro.
Desde logo, uma nota em relação ao artigo 563º:
à Fica afastada, em princípio, a causalidade virtual: não se responde, civilmente,
por condutas que, embora ilícitas e culposas, não chegaram a provocar danos.
à Há que provar a probabilidade razoável da existência do decurso causal.
Ora, a regência distingue entre dois planos, para a análise:

100 DIREITO DAS OBRIGAÇÕES | Prof. António Menezes Cordeiro


1. A causalidade enquanto pressuposto da responsabilidade civil.
2. A causalidade como bitola de indemnização.
Na (1), temos que: a teoria da equivalência das condições funciona como filtro negativo
– se o facto foi indiferente para o agente, não há como imputá-lo ao agente; como filtro positivo,
avaliar, dadas as condições existentes se, para a pessoa normal, colocada na situação do agente,
se a conduta deste teria como resultado provável ou, simplesmente possível, a produção do
dano; por fim, há que aplicar o escopo da norma. Ou seja:
1. Filtro negativo: teoria da equivalência das condições.
2. Condição adequada em termos de normalidade social; ou
3. Provocada pelo agente, para obter o seu fim;
4. Consoante com os valores tutelados pela norma violada.
Na (2), que considera a causalidade como bitola de indemnização, responde-se a
problemas, como: se está perante danos diretos ou danos indiretos; o que sucede perante
sequências causais anómalas não provocadas; como conjugar concursos de causas; a
causalidade virtual releva.

9. OUTROS ASPETOS RELEVANTES


9.1. CAUSAS DE JUSTIFICAÇÃO
A causa de justificação é a limitação negativa da ilicitude – em contraponto com a
positiva, que implica a violação de um direito subjetivo ou de uma norma de proteção. Permitem,
as causas de justificação, tornar permitida a prática de um dano (sem, contudo, excluir uma
completa necessidade de indemnização).
1. Colisão de direitos:
2. Legítima defesa:
3. Estado de Necessidade:
4. Ação Direta:
5. Consentimento do lesado:

9.2. CAUSAS DE EXCUSA


As causas de excusa permitem excluir, apesar de haver ilicitude, a culpa. Consistem,
assim, todo o fator que, apesar de não integrar a impossibilidade de entender e querer,
consubstanciadora de inimputabilidade, conduz, no entanto, a uma tal perturbação da vontade
do agente que evita o juízo de desvalor – havendo causa de excusa, não há culpa.
1. Erro desculpável: falso entendimento, por parte do agente, dos elementos
condicionantes que ditaram a sua atitude objetivamente contrária à norma, quando não
existisse nenhum dever de cautela, em ordem a evitar o engano.
2. Medo invencível: não exclui a reprovação do agente, mas é necessário que recaia em
aspetos verdadeiramente condicionantes do comportamento do agente e que seja grave
a, em termos de normalidade, explicar o desvio de vontade.
3. Desculpabilidade: face ao sentir geral, impede a reprovação do direito, não sendo
reconduzível, nem a medo, nem a erro – é uma válvula de segurança em situações
extremas, contra o rigor das normas de que resultariam efeitos não queridos para o
Direito (incumprir uma obrigação por acompanhar o funeral do pai).

101 DIREITO DAS OBRIGAÇÕES | Prof. António Menezes Cordeiro


10. SITUAÇÕES ESPECIAIS DE TUTELA AQUILIANA
10.1. RESPONSABILIDADE POR OFENSA DO CRÉDITO E DO BOM NOME
Na base desta responsabilidade está o direito de personalidade à integridade moral, ao
bom nome e a à reputação, patente do artigo 70º/1, do Código Civil, e ainda da Constituição da
República Portuguesa, artigo 26º.
O facto, enquanto pressuposto desta responsabilidade, seria uma insinuação ou
afirmação, feita pela palavra (escrita ou oral), pela imagem ou pelo som, que implique ou possa
implicar desprimor para o visado – que resultará, por conseguinte, diminuído aos olhos da
sociedade. De facto, na sociedade atual, dominada pelos meios de comunicação e pela
facilidade de a eles aceder, gera sucessivos atentados à honra.
Perante o problema, importa esclarecer:
1. Deve a difamação ser falsa ou verdadeira? Alguma doutrian (Pessoa Jorge),
entende que a informação terá de ser falsa; já outro setor (Antunes Varela)
entende que a difamação é-o, independentemente da informação ser falsa ou
verdadeira.
a. Regência: a exceptio veritatis, só por si, não é justificativa. Assim,
afirmações falsas podem atingir a honra; as afirmações verdadeiras, se
divulgadas no sentido de difamação/perjúrio, também deverão dar lugar
a indemnização.
2. O problema da colisão com o direito à liberdade de informação? A proteção
exagerada da honra atenta na liberdade de informação, de opinião e de
expressão.
a. Regência: num contexto em que tudo é permitido, não se está a intentar
contra a liberdade de expressão ou informação. No entanto, há de facto
um atentado contra o bom nome, o que aponta, tendencialmente e
tendo em conta o circunstancialismo atual, para a prevalência o direito
ao crédito e ao bom nome.
3. A Indemnização? A violação ao crédito ou ao bom nome pode gerar danos
patrimoniais e não patrimoniais – os primeiros serão ressarcidos, até ao
montante do prejuízo; os segundos conduzirão a uma análise dos danos morais
enquanto ressarcíveis e a medida dessa ressarcibilidade.

10.2. RESPONSABILIDADE POR CONSELHOS, RECOMENDAÇÕES OU INFORMAÇÕES


Em termos gerais, o artigo 485º estabelece uma regra geral de não responsabilização,
exceto em três situações:
1. Quando se tenha assumido a responsabilidade pelos danos.
2. Quando havia o dever jurídico de dar conselho, recomendação ou informação e
se tenha procedido com negligência ou intenção de prejudicar.
3. Quando o procedimento do agente constitua facto punível.
A regência entende existir problemas no artigo, que apelam a uma interpretação
restritiva. A título meramente informativo, notar que, de acordo com o Prof. Antunes Varela,
caberia a quem recebe os conselhos verificar a veracidade dos mesmos – posição com qual,
aliás, a regência discorda. Entende o Prof. Menezes Cordeiro que o artigo compagina com danos,
pessoais ou patrimoniais, levados a cabo com negligência e através de conselhos,
recomendações ou informações – o que atenta, desde logo, contra o sistema.
A regência entende que a chave da interpretação está na expressão simples: apenas se
desresponsabilizam os conselhos, recomendações ou informações simplórios, que não gerem
na outra parte uma expetativa de confiança. Para além disto, quando o comportamento

102 DIREITO DAS OBRIGAÇÕES | Prof. António Menezes Cordeiro


desencadeado poder conduzir a perigos ou danos, que o aconselhante conheça (dolo) ou deva
conhecer (negligência), também haverá responsabilidade – quanto à negligência, uma
negligência grave.

10.3 A PREVENÇÃO DO PERIGO E OS DEVERES DE TRÁFEGO


10.3.1. LINHAS GERAIS
Reporta-se a situações de prevenção de riscos: surgem, os deveres de tráfego, quando
alguém crie ou controle uma fonte de perigo, cabendo-lhe as medidas necessárias para prevenir
ou evitar danos. Podem ser elencadas, assim, algumas situações relevantes:
1. A criação do perigo.
2. Responsabilidade por um determinado espaço.
3. A abertura ao tráfego.
4. A assunção de uma tarefa.
5. A introdução de bens no tráfego.
6. A responsabilidade do Estado.
7. A responsabilidade pelo governo da casa.
A natureza dos deveres de tráfego: a lei prevê os deveres de tráfego para prevenir o risco.
A particularidade destes casos é, efetivamente, a inversão do ónus: é ao lesante que compete
fazer a prova correta da execução, ou, por outra, provar a ausência de culpa. É a estes deveres
que, têm a particularidade de usufruir de presunção de culpa, designa a regência de terceira via.

10.3.2. RESPONSABILIDADE PELO DEVER DE VIGILÂNCIA


O artigo 491º respeita à responsabilidade dos obrigados a um dever de vigilância,
podendo separar-se em dois pontos essenciais:
à Pessoas obrigadas, por lei ou negócio jurídico (em sentido formal e material), a
vigiar outras, por virtude da incapacidade natural destas: uma relação entre
vigiado e vigilante.
à Danos que as incapazes causem a terceiros: a proteção destina-se a proteger os
interesses de terceiros.
A propósito desta responsabilidade, a lei estabelece uma presunção de culpa, que
poderá ser ilidida mediante um de duas provas:
à Provando que cumpriu o dever de vigilância.
à Demonstrando que os danos se teriam verificado de qualquer das formas (a
causa virtual negativa).
Em termos gerais, este preceito destina-se, essencialmente, a incentivar o cuidado, a
vigilância, a educação e, sobretudo, reflete a socialização do risco, que caracteriza a sociedade
atual.

10.3.3. DANOS CAUSADOS POR EDIFÍCIOS OU OUTRAS OBRAS


O artigo 492º, respeitante à responsabilidade por danos causados por edifícios ou outras
obras, esclarece sobre os seguintes pressupostos:
à Proprietário ou possuidor: ficam afastados detentores.
à Cujo edifício ou obra ruir, no todo ou em parte:
à Por vício de construção ou defeito de conservação: causas atinentes ao próprio
edifício, não causas extrínsecas.
A propósito desta responsabilidade, a lei estabelece uma presunção de culpa, que
poderá ser ilidida mediante um de duas provas:
à Provar que não houve culpa da sua parte.

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à Provar que, mesmo com a diligência devida, não se teriam verificado os danos
(a causa virtual negativa).

10.3.4. DANOS CAUSADOS POR COISAS OU ANIMAIS


O artigo 493º/1 respeita a danos causados por animais ou coisas.
No tocante aos animais, a base encontra-se no artigo 502º: este prevê uma
responsabilidade objetiva, que não poderá ser afastada (quando não haja culpa). Por outro lado,
o artigo 493º/1 tem um foco diferente: pressupõe necessariamente o dever de vigiar aquela
coisa ou animal – novamente, este dever de vigilância projeta-se, com o objetivo de proteger
terceiros.
No tocante, em geral, a animais e coisas, novamente, deparamo-nos com uma situação
de presunção de culpa (e ilicitude), que poderá ser ilidida:
à Se o vigilante provar que não houve culpa da sua parte.
à Se o vigilante provar que os danos se teriam produzido igualmente, ainda que
não houvesse culpa (causa virtual negativa).

10.3.5. DANOS CAUSADOS POR ATIVIDADES PERIGOSAS


O artigo 493º/2, por outro lado, prevê a responsabilidade civil por atividades perigosas.
Entende a jurisprudência e a doutrina, em termos gerais, que: aquele que desencadeia uma
atividade perigosa tem deveres de proteção e de cuidado a seu cargo, os deveres de tráfego,
com o conteúdo essencial de prevenirem danos, pessoais ou materiais.

11. A RESPONSABILIDADE PELO RISCO


11.1. ASPETOS GERAIS SOBRE A RESPONSABILIDADE PELO RISCO
A responsabilidade pelo risco, também conhecida como responsabilidade objetiva ou
imputação sem culpa, é a situação na qual uma pessoa (o imputado) fica adstrita a ressarcir
outra, por um determinado dano, independentemente de, ilicitamente e com culpa, o ter
originado. Este é um tipo de responsabilidade realmente preocupante: por isso mesmo, só existe
quando prevista na lei (é uma responsabilidade típica).
Este tipo de responsabilidade, ligada a atividades perigosas que, gerando danos, dariam
azo a deveres de indemnizar, desenvolveram-se com base em duas linhas de fundamentação:
à A justiça distributiva: o risco deve estar associado à vantagem, o que significa,
em termos gerais, que o risco corre por quem beneficia, no fim.
à A ilicitude imperfeita: o Direito pretende que não se verifiquem danos nenhuns,
sendo a imputação objetiva um mecanismo apto a incentivar a adoção de
medidas que possa prevenir esses mesmos danos.

11.2. A RESPONSABILIDADE DO A
A responsabilidade pelo risco encontra-se prevista no artigo 500º/1, do Código Civil. De
acordo com a lei, podemos distinguir três pressupostos:
1. A comissão: alguém tem de ter encarregado outrem de uma comissão.
a. Alguns traços importantes: presença de liberdade de escolha do
comitente, de uma incumbência de uma comissão, da aceitação livre
dessa comissão, a existência de uma relação e a atuação do comissário
por conta do comitente.
b. A divergência em torno da subordinação:

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i. Doutrina tradicional: o comissário tem de estar subordinado ao
comitente, tem de estar sujeito às suas ordens; senão houver
subordinação, o comitente não poderá responder pelos danos.
ii. Posição da regência: não é necessário que haja subordinação,
porque o comitente é o beneficiário ultimo da comissão - no
universo do risco, o que realmente importa saber é se há ou não
vantagens (quem recebe a vantagem, sujeita-se ao risco). As
ordens só seriam relevantes se a responsabilidade fosse
subjetiva - exatamente porque estando no universo do risco, a
culpa é indiferente. Assim, existe comissão com subordinação e
sem subordinação.
2. Danos, causalidade e imputação ao comissário: pressupõe a ocorrência de
danos, que sejam causados pelo comissário, devendo estes ser imputáveis ao
mesmo (obrigação de indemnizar).
a. Estão incluídos todos os tipos de danos, até os morais.
3. No exercício da função: limitar o risco da responsabilidade.
a. Interpretação restritiva: um nexo funcional entre os danos e a própria
função da comissão – Antunes Varela.
b. Interpretação extensiva: basta que os danos sejam causados no
exercício da função e não por causa da função. É a posição da regência.
Ainda quanto à responsabilidade do comitente, há um aspeto importante a notar:
respeita ao direito de regresso do comitente. Assim, nos termos do artigo 500º/1, o comitente
que satisfizer a indemnização tem um direito de regresso sobre o comissário, de reembolso do
que haja pago. Pergunta-se, qual a natureza deste direito?
à Sub-rogação: o comitente, ao pagar, adquiria os direitos do lesado contra o
comissário (artigos 589º a 592º).
à Direito de regresso: um direito próprio contra o comissário.
De acordo com o artigo 500º, a responsabilidade do comitente é uma realidade
autónoma.
Há que analisar, ainda, o problema da culpa. A expressão também culpa, patente do
artigo 500º/3, remete para a aplicação do artigo 497º/2. De acordo com a regência, deve ser
entendida em sentido amplo, abrindo a lei espaço para a verificação de vários cenários:
1. O dano poderá ser imputável a comissário e comitente
2. O dano poderá ser imputável ao comitente, a titulo de culpa, e ao comissário, a
titulo de risco.
3. O dano poderá ser imputável ao comitente, a titulo de risco, por instituto diverso
do do artigo 500º, e ao comissário, a titulo de ilicitude, culpa ou risco.
Por último, quanto à natureza deste instituto, surgem vários teorias explicativas:
à Teoria da culpa in eligendo: o comitente será responsabilizado pela falta
de cuidado na escolha do comissário.
à Teoria da representação: defende um vinculo de imputação, que deriva
da comissão – o comissario faria repercutir, na esfere do comitente,
determinados efeitos (os danos).
à Teoria da garantia: Antunes Varela e Menezes Leitão; o instituto procura
garantir a indemnização do lesado (é o comitente devedor para efeitos
externos – tendo, depois, direito de regresso).
à Teoria do risco: o comitente, que recebe os benefícios da comissão, deve
também assumir os riscos provenientes da mesma – corresponde à
essência da imputação objetiva.

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à Teoria da ilicitude imperfeita: o legislador pretende que não haja danos,
para terceiros, em virtude de vínculos de comissão; como, pela natureza
das coisas, o comitente terá mais poder económico que o comissário e
como (quase) tudo está na mão do comitente (escolha, ordens,
motivação, etc), a lei impõe que seja este o responsabilizado – é um
modo indireto de orientar condutas, que resulta numa ilicitude
imperfeita.

11.2.1. A RESPONSABILIDADE DAS PESSOAS COLETIVAS


A responsabilidade das pessoas coletivas esta presente em vários preceitos: artigos
165º e 500º do CC e, ainda, 998º do Código das Sociedades Comerciais, com as devidas
adaptações. Quanto à problemática da responsabilidade das pessoas coletivas é possível definir
linhas evolutivas:
à Fase inicial: as pessoas coletivas não poderiam ser responsabilizadas, porque
não poderiam ter culpa – que era um juízo psicológico e não um juízo de censura
operado pelo Direito, como hoje se considera.
à Primeiro avanço: a necessidade de responsabilização conheceu um avanço –
procurou-se faze-lo por via da responsabilidade delitual ou aquiliana e por via da
responsabilidade obrigacional; por via da segunda seria simples, no entanto, por
via da primeira, nem tanto. Assim, recorreu-se à responsabilidade do comitente.
à Novos problemas: a via do comitente não seria satisfatória, porque estaria ligado
à ideia de pessoa coletiva enquanto incapaz e significaria introduzir requisitos,
que lhe conferiram uma posição mais favorável, quando comparada com
pessoas singulares.
à Nova fase: a pessoa coletiva responde pelos atos ilícitos dos titulares dos seus
órgãos, desde que tenham agido nessa qualidade.
Tendo em conta a fase evolutiva ficcionada acima, a regência defende uma interpretação
distinta do preceito constante do artigo 165º: não respeita a responsabilidade da pessoa coletiva
(essa responde nos mesmos termos das pessoas singulares), mas antes quando esta haja
através de representantes, escolhidos voluntariamente. Verifica-se, assim, uma
responsabilidade pelo comitente.

11.3. A RESPONSABILIDADE DO ESTADO E DE OUTRAS ENTIDADES PÚBLICA


O Estado é uma pessoa coletiva. No entanto, nem sempre se lhe reconheceu
responsabilidade pelos atos. Novamente, cabe traçar uma pequena evolução:
1. Inicialmente: o estado era entendido enquanto entidade soberana totalmente
irresponsável – não respondia pelos danos que causava, uma vez que, sendo o
precursor do bem comum, não geraria danos.
2. Nova fase: a responsabilização do Estado começou, então, através da
responsabilização dos funcionários públicos (Constituição de 1822). O Estado,
enquanto pessoa coletiva, respondia solidariamente com eles.
3. Entre 1997-2007: uma lei de que regulava exaustivamente a responsabilidade civil
do Estado.
4. Atualmente: existe uma lei que regula a responsabilidade extracontratual do Estado
e que se assemelha à responsabilidade das restantes pessoas coletivas. Será
responsabilidade do Estado quando perante danos causados pelos demais órgãos.
Será, por outro lado, responsabilidade do comitente quando estejam em causa atos
de comissários voluntariamente escolhidos.
Em termos gerais, esta é matéria de Direito Administrativo, mas cujo dogmática perante
à responsabilidade civil do Direito das Obrigações.

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11.4. OS DANOS CAUSADOS POR ANIMAIS
A responsabilidade por danos causados por animais é particular, pelo especial estatuto
dos animais: para o Direito, não são pessoas; não têm património, no entanto, podem causar
danos. De notar que, por animais, deve entender-se o sentido histórico de animais: estarão
excluídas plantas e micro-organismos.
Em termos gerais, verifica-se dois tipos de responsabilidade por danos causados por
animais:
1. Alguém tem em seu poder um animal com o encargo de vigilância: aqui, um tipo
de responsabilidade delitual, em que a culpa é presumida (493º/1). Poderá ser
ilidida, mediante prova de que agiu sem culpa ou de causa virtual.
a. Exemplo: alguém que peça a outrem que lhe guarde o animal.
2. Alguém utiliza em seu próprio interesse quaisquer animais (502º), responde
pelos danos que estes causaram, em função de um especial perigo que envolve
a sua utilização: um caso de responsabilidade objetiva (pelo risco).
a. Pressupostos:
i. Utilização de animais por uma pessoa.
ii. No seu próprio interesse.
iii. Danos resultantes do perigo especial que envolve a utilização
do animal: por exemplo, um cão, o perigo de morder ou arranhar;
não se engloba perigos não específicos do cão.

11.5. ACIDENTES DE VIAÇÃO


Acidentes de viação é a expressão utilizada para designar a ocorrência de danos com
intervenção de veículos – por norma, veículos motorizados, mas não necessariamente. O Direito
intervém, no mundo da circulação por meio de transportes, a priori – o Código da Estrada, que
prescreve as normas sobre as vias rodoviárias e as disposições aplicáveis aos veículos
autorizados a circular; a posteriori – estabelecendo as regras de distribuição dos danos,
humanos e patrimoniais, quando ocorrem acidentes.
Quanto à responsabilidade do condutor, podemos distinguir entre as imputações básicas
e a aplicação da comissão.
As imputações básicas resultam do artigo 483º ou por violação de deveres específicos:
aquele que, usando um veículo automóvel, ilicitamente, com dolo ou negligência, viole um direito
alheio, é obrigado a indemnizar (o mesmo se diga a respeito da violação de normas de proteção
– normas do Código da Estrada).
A aplicação da comissão, por sua via, tem uma relevância especial na matéria dos
acidentes de viação, afinal, na circulação de um veículo podemos distinguir três intervenientes,
o proprietário do veículo, o condutor material do veículo e a pessoa por conta da qual se processe
a condução. O que pode daí resultar?
à Coincidência – o veículo é conduzido pelo seu dono no seu interesse: as
consequências dos danos que ele possa provocar são imputáveis a um agente
único.
à Divergência: quando haja essa divergência a responsabilidade não pode ser só
participada pelo proprietário ou só pelo condutor. Para resolver estas situações
(artigos 501º e 503º/1) – deve haver uma comissão, com danos imputáveis ao
comissário e causados por este no exercício da sua função (aplica-se o instituto
da comissão no domínio dos acidentes de viação).
o Presunção de culpa do comissário (503º/3): presume-se que a culpa é
do comissário – sendo a responsabilidade do comissário, quem
responde é o comitente (artigo 500º); se, no entanto, não estava dentro

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do exercício das suas funções, é o próprio comissário que responde pelo
risco.
A opção legal pela solução descrita resulta de dois fatores: a postura e cuidado do
condutor (proprietário) é muito diferente e tendencialmente maior, que a do condutor
(comissário); para além disto, o condutor (comissário) é, em regra, um profissional da condução,
pelo que, tendo mais conhecimento e experiência, é-lhe exigida uma maior diligência. Fica,
assim, compreendido o sentido da presunção de culpa.
A consequência da presunção de culpa é, via artigo 500º, repercutida no comitente – em
função deste aspeto, os tribunais têm feito uma interpretação restritiva e admitido que a culpa
do condutor só se presume quando este o conduza por conta de outrem e não quando apenas
conduz um veículo alheio.

11.5.1. A RESPONSABILIDADE PELO RISCO


O artigo 503º/1 é um caso específico de responsabilidade pelo risco e tem como
pressupostos: direção efetiva do veículo (controlo material do veículo, titulo de posse ou
detenção) e utilização no próprio interesse (para evitar a imputação ao comissário). Figura-se,
assim, uma situação de responsabilidade do comitente, se verificados os pressupostos
legalmente previstos.
Novamente, subjaz ao preceito a ideia de ilicitude imperfeita: a lei dirige o risco contra
quem tem a direção efetiva do veículo e contra a pessoa que pode prevenir os danos, tomadas
medidas antecipadas e adequadas à prevenção.

11.5.2. OS BENEFICIÁRIOS DA RESPONSABILIDADE


Havendo responsabilidade por danos causados por veículos, impera saber quem poderá
beneficiar das competentes indemnizações: caberão, a partida, aos lesados. No entanto, há que
atender ao artigo 504º - beneficiários da responsabilidade, definidos por lei.

11.5.3. A EXCLUSÃO DA RESPONSABILIDADE


Note-se que, apesar de a lógica da lei ser que não deve haver danos por indemnizar, no
artigo 505º encontram-se previstos três casos de exclusão de responsabilidade:
à A aplicação do artigo 570º.
à A imputação do acidente ao lesado ou a terceiro.
à Caso de força maior estranha ao funcionamento do veículo: casos como
desmoronamento da berma ou tornado.

11.5.4. A COLISÃO DE VEÍCULOS


O artigo 506º/1, que regula a colisão de veículos – poder-se-á verificar, por isso, uma
situação em que, de facto, nenhum teve culpa, ou, simplesmente, de não se ter conseguido
provar ou atribuir a qualquer um deles a causa do acidente. Assim, podem formular-se duas
hipóteses:
à Ambos os veículos contribuíram para os danos: a responsabilidade é repartida na
proporção em que o risco de cada um dos veículos houver contribuído para o dano.
à Apenas um deles lhes deu azo: a responsabilidade corre por quem, a qualquer titulo,
responda pelo veículo causador.
Em caso de duvida, manda o artigo 506º/2: consideram-se as medidas de causa iguais.

11.5.5. A SOLIDARIEDADE
O artigo 507º prevê uma regra de solidariedade quando a responsabilidade pelo risco
recaia sobre várias pessoas: tem, este preceito, o objetivo de garantir que os danos resultantes
sejam efetivamente ressarcidos.

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Enquanto regras principais: devem aplicar-se as regras gerais das obrigações solidárias,
sendo conjugado com o regime especial previsto no artigo 507º/2.
à Se todos respondem pelo risco, a indemnização reparte-se entre os responsáveis
de harmonia com o interesse de cada um na utilização dos veículos.
à Se houver culpa de algum ou alguns deles, apenas os culpados respondem, os
restantes têm o direito de regresso pelo contra eles.
à Havendo vários culpados, há que atentar na medida das culpas respetivas
(497º/2 ex vi 507º/2).

11.5.6. LIMITES MÁXIMOS: O SEGURO OBRIGATÓRIO


O artigo 508º determina os limites máximos das indemnizações por acidentes de
automóveis, baseadas no risco: visam, estes limites, equilibrar o funcionamento da
responsabilidade e facilitar a operabilidade dos seguros – já que, no domínio da circulação
automóvel, estes são obrigatórios. A matéria consta do Decreto-Lei 291/2007.

11.6. INSTALAÇÕES DE GÁS E ELETRICIDADE


Nos termos do artigo 509º/1, requerem-se, para a responsabilização por instalações de
gás e de eletricidade: a direção efetiva dessas instalações (posse ou detenção das instalações)
e a utilização no interesse próprio.
Para além dos pressupostos, a lei afasta a responsabilidade quando a instalação esteja
de acordo com as regras técnicas em vigor e em perfeito estado de funcionamento (509º/1),
quando os danos derivem de causa de força maior (509º/2) e quando se trate de danos
causados por utensílios de uso de energia (509º/3).
O artigo 510º, por conseguinte, ainda resquício de uma época em que se considerava
que a responsabilização das companhias pudesse prejudicar o desenvolvimento, impõe limites
à responsabilidade.

11.7. RESPONSABILIDADE DO PRODUTOR


O produto defeituoso pode originar danos muito graves, que ultrapassam o valor
contratual, porque atingem o consumidor final: existiria, na cadeia produtiva, um problema de
causalidade e de vicio (problemas de prova). Para tanto, tentou resolver-se o problema ao nível
jurídico: surgiu, por isso, a responsabilidade do produtor.
O regime da responsabilidade do produtor encontra-se regulado pelo Decreto-Lei 383/89
– esclareça-se, desde logo, que se trata de um tipo de responsabilidade objetiva (é independente
da culpa) - a regência considera, no entanto, um caso de responsabilidade subjetiva (se o
produtor tem de responder pelos danos é porque não cumpriu os “deveres” inerentes ao
lançamento de um produto no mercado). No entanto, é possível a exclusão de responsabilidade:
nos termos do artigo 5º, que enuncia as provas a fazer pelo produtor, excluindo a
responsabilidade.
Ainda a propósito do diploma, será fundamental tecer algumas considerações:
à Quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para o dano, pode o tribunal,
tendo em conta as circunstancias, reduzir ou excluir a indemnização (artigo
7º/1);
à São ressarcíveis os danos resultantes da morte ou de lesão pessoal e os danos
em coisa diversa do produto defeituoso (artigo 8º/1/1ª parte).
à Em caso de morte ou lesão de varias pessoas, o ressarcimento total não pode
ultrapassar o montante de 50 milhões de euros (artigo 9º/1).

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11.8. A RESPONSABILIDADE AMBIENTAL
O Direito do Ambiente, atualmente, uma dimensão autónoma do Direito, é o sector
normativo que se ocupa da prevenção, da manutenção e da reparação dos factores ambientais
relativos ao Planeta Terra.
Não é desde sempre que o Direito do Ambiente se afirmou como vertente autónoma do
Direito: inicialmente, foi surgindo enquanto solução para problemas concreto, mas não se
autonomizando; eventualmente, acabou por nascer enquanto disciplina jurídica autónoma e
particular. Efetivamente, enquanto a maior parte das disciplinas jurídicas têm natureza
antropocêntrica, o Direito do Ambiente centra-se na Natureza. Ainda, contrariamente à
responsabilidade civil, cuja principal preocupação é o ressarcimento de danos já produzidos, a
principal preocupação da responsabilidade ambiental é a prevenção de danos.
Para além disto, podem formular-se princípios fundamentais do Direito do Ambiente:
à Princípio da prevenção: as providencias não se limitam à reparação de danos,
mas procuram impedir a ocorrência de danos ambientais.
à Princípio da causa: pelos danos ambientais, respondem quem os causar.
à Princípio da repartição comunitária: na falta ou insuficiência do causador, os
danos sejam repercutidos na sociedade, por via dos orçamentos de Estado.
à Princípio da cooperação: a defesa do ambiente é tarefa do Estado e da
sociedade, exigindo autoridade e meios de concertação.
à Princípio da integração: exige uma escala planetária de realização.
A responsabilidade ambiental vem regulada na Lei da Responsabilidade Civil Ambiente,
Decreto-Lei 147/2008, de 29 de Julho. A LRCA aponta, sumariamente, para os cinco problemas
essenciais da responsabilidade ambiental:
à A dispersão dos danos: desincentiva o lesado de demandar o poluidor.
à A complexidade causal: impede a responsabilidade.
à A latência das causas: o dano só surge muito depois do facto.
à Dificuldade técnica de provar que uma causa é apta a produzir o dano.
à A garantir financeira da capacidade do poluidor para suportar custos de
reparação.

12. RESPONSABILIDADE PELO SACRIFÍCIO


A responsabilidade pelo sacrifício pressupõe uma conduta que o Direito admita, como
lícita, mas que conduza à prática de determinados danos que permitam ao lesado adquirir um
direito à indemnização. Assim, podemos definir dois pressupostos:
à Permissão de causar um dano, de natureza excecional, através da inobservância
de direitos subjetivos ou de interesses juridicamente alheios.
à A imposição de um dever de indemnizar.
Dada a natureza deste tipo de responsabilidade, a mesma tem caracter típico: só se
verifica nos casos previstos legalmente. Assim sendo, poderá ser agrupada em três grupos de
casos:
1. O Estado de Necessidade (339º): permite destruir ou danificar coisa alheia com
o fim de remover o perigo atual de um dano manifestamente superior, do agente
ou de terceiro.
a. Indemnização: é integral e recai sobre o agente, quando o perigo for
provocado por sua culpa (qualquer circunstancialismo imputável)

110 DIREITO DAS OBRIGAÇÕES | Prof. António Menezes Cordeiro


exclusiva; poderá ser equitativa, cabendo ao agente e, ainda, aos que
tiraram proveito do ato ou contribuíram para o estado de necessidade.
2. A lesão ao direito de propriedade: 1333º/1, 1347º/3, 1348º/2, 1349º/3,
1367º, 1554º.
3. O incumprimento de contratos: quando seja permitido o não cumprimento do
contrato. São exemplos – 81º/2, 1102º/1, 1172º, 1229º.
Em termos da natureza do instituto, podemos delimitar que a responsabilidade pelo
sacrifício é uma responsabilidade sem ilicitude e sem culpa, mas não é indiferente à produção
de danos. É, por isso, um caso de ilicitude imperfeita e, para a avaliação do nexo de causalidade,
há que aplicar a teoria do escopo da norma.

13. A OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR


Em termos etimológicos, o efeito de indemnizar é “tornar sem dano” – ou seja, apagar o
dano. Dentro do sistema da responsabilidade civil, a indemnização pode traduzir-se em:
obrigação de indemnizar, o objeto da obrigação de indemnizar (corresponde à prestação) e a
situação jurídica que se consubstancia num fenómeno de responsabilidade (depois de
confirmada a imputação).
A obrigação de indemnizar, em termos gerais, é uma das modalidades das obrigações e
afirma-se como vínculo creditício: tem como fonte um facto jurídico em sentido estrito, em que
os sujeitos são o(s) autor(es) do dano (devedor) e o(s) lesado(s) (credor; o conteúdo é ditado pelo
que é necessário indemnizar e o objetivo é apagar o dano.
Quanto à classificação:
à Sujeitos: poderá ser plural (parciária ou solidária) ou singular.
à Tipo de imputação: poderá ser delitual, pelo risco ou pelo sacrifício.
à Espécie do dano.
à Conteúdo: específica (quando implique a entrega de um bem – é preferencial
566º/1) ou pecuniária (quando envolva a restituição em valor – opera como
exceção à regra, 566º).
à Escopo: relaciona-se com a anterior, podendo ser reconstitutivo ou
compensatório.
Quanto à indemnização: pode ter natureza provisória (quando os danos não hajam ainda
sido calculados) ou natureza definitiva; pode ser em renda (pagamento em prestações) ou à
cabeça (pago de uma vez só); pode ser compensação integral (no valor do dano) ou compensação
restrita (em função de negligência ou da situação do caso concreto – 494º; ainda noutros casos
– 498º, 508º, 510º, 399º/2, 568º; em caso de concurso com a culpa do lesado – 570º a 572º).
Há que atender, em matéria de indemnização, ao caso particular da compensatio lucri
cum damno: quando a indemnização deve ter em conta o “lucro” derivado do dano. Exemplo: A
danifica um bem de B, que valia 500€; apesar disso, os destroços valem 50€, devendo apenas
a B uma indemnização no valor de 450€. Por outro lado, pode o responsável exigir ao lesado, no
momento do pagamento da indemnização ou posteriormente, a cedência dos direitos que lhe
advenham da lesão. Exemplo: A indemniza B no valor de 500€, com base nos dados do exemplo
anterior, no entanto, exige, em troca, o destroço da coisa destruída.

13.1. O CONCURSO DE IMPUTAÇÕES


Pode, no entanto, ocorrer um problema de concurso de imputações – este concurso de
imputação pode surgir em resultado de um dano poder ser imputável a uma pluralidade de
sujeitos ou causas. Pode, assim, distinguir-se entre: concurso subjetivo (o mesmo dano é
imputado a várias pessoas - perante o lesado, todos respondem e, a nível interno, têm direito de
regresso, em função da culpa ou do risco); concurso objetivo (variedade de eventualidades que

111 DIREITO DAS OBRIGAÇÕES | Prof. António Menezes Cordeiro


conduzam aos mesmos danos). Podemos distinguir-se, a respeito do concurso objetivo, vários
tipos:
à Concurso necessário: dois ou mais eventos concorrem para a produção de um
dano – essa concorrência é condição essencial para a verificação do dano.
Surge, em resultado, uma obrigação de indemnizar subjetivamente complexa –
490º ou 497º.
à Concurso cumulativo: dois ou mais eventos provocam um dano, mas bastaria a
ocorrência de qualquer um deles para o dano se verificar. Surge, em resultado,
uma obrigação de indemnizar subjetivamente complexa – 483º/1 ou 497º.
à Concurso alternativo: dois ou mais eventos incidem sobre uma situação de dano,
sendo impossível demonstrar qual deles, concretamente, o provocou. Pode
distinguir-se, neste, o concurso efetivo ou o concurso virtual.
o Concurso efetivo: um dano é imputado a duas ou mais eventualidades.
o Concurso virtual: um dano é imputado a uma eventualidade, sendo certo
que, a esta não ter existindo, o dano ocorreria na mesma, sendo
imputado a uma eventualidade diferente.
Quanto ao problema da causa virtual, que tem agitado a doutrina: por causa virtual
entende-se o facto que causaria o dano, não fosse a interrupção ou antecipação do processo
causal por um outro facto que efetivamente causou o dano.
Exemplo: alguém envenenou um cavalo, para lesar o proprietário deste,
mas o animal veio a ser abatido a tiro, por outra pessoa que igualmente
queria lesar o proprietário do animal. O envenenamento é a causa
virtual, que iria conduzir à morte do cavalo; o tiro disparado para matar
e que matou o animal é a causa real.
à A Relevância positiva: responsabilizando o agente que pratica o facto que é causa
virtual do dano.
o A causa virtual não tem relevância positiva - se o autor da causa virtual fosse
civilcamente responsabilizado, sê-lo-ia sem o pressuposto causalidade
verificado (artigo 483º).
o Exemplo: a pessoa que envenenou o cavalo não teria de indemnizar o dano
do cavalo; responsável é quem abateu o animal.
à A Relevância negativa: desresponsabilizar o agente que praticou o facto que
realmente causou o dano, ou seja, o facto que é causa real. A pessoa que abateu o
cavalo seria desresponsabilizada.
o Poderá ocorrer, são exemplos: 491º, 492º, 493º/1 e 807º/2.
o Problema: saber se é ou não excecional.
§ Maioria da doutrina entende que é excecional: a mais conforme com
a legislação - na clausula geral de responsabilidade civil, não se
atribui relevância a causa virtual negativa; é a solução mais
consentânea com a função sancionatória e preventiva - conduziria a
resultados absurdos (nenhum seria responsável).
§ Pessoa Jorge entende que deveria ser regra geral.

14. MONTANTE E NATUREZA DA OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR


A Obrigação de indemnizar é um vínculo obrigacional complexo – dispõe de um dever de
prestar principal, de prestações secundárias e de deveres acessórios. O dever de prestar, sendo
definido pelo objetivo (supressão do dano), leva a que se trate de um vínculo finalisticamente
determinado. Este dever principal é ainda acompanhado pelas obrigações instrumentais
necessárias à sua efetivação e por deveres acessórios, garantindo uma correta reparação dos
danos.

112 DIREITO DAS OBRIGAÇÕES | Prof. António Menezes Cordeiro


Tratado do Direito Civil
Tomo IX
PROF. ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO

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114 DIREITO DAS OBRIGAÇÕES | Prof. António Menezes Cordeiro
DIREITO DAS OBRIGAÇÕES
O CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES

1. NOÇÕES GERAIS
Por CUMPRIMENTO deve entender-se: o cumprimento de uma obrigação respeita à
efetivação da prestação nela prevista.
A noção atual de cumprimento abarca as mais diversas realidades, a saber:
à A conduta do devedor e o resultado da mesma.
à O objetivo do resultado e o esforço.
à A contraposição entre realidades analíticas e realidades complexas.
à O problema de saber se a extinção é plena ou se abarca prestações secundárias
e deveres acessórios.
à O problema dos sucedâneos do cumprimento – dação, consignação,
compensação, novação, remissão e confusão.
Em função da pluralidade de sentidos a atribuir, a doutrina tem sublinhado que não
existe um conceito unitário de cumprimento, podendo, este, assumir as mais diversas
configurações.

2. A DOGMÁTICA DO CUMPRIMENTO
2.1. A TERMINOLOGIA
O cumprimento poderá ser designado de várias formas:
à Adimplemento.
à Pagamento – como efetivação da prestação.
à Liquidação – pelo prisma do devedor.
à Cobrança – pelo prisma do credor.
à Amortização.
à Solver.

2.2. OS PRINCÍPIOS DO CUMPRIMENTO


1. O PRINCÍPIO DA BOA FÉ: este princípio exprime, em cada situação concreta, os valores
fundamentais do ordenamento, concretizando-se em princípio da tutela da confiança e
princípio da materialidade subjacente.
a. As Funções:
i. Determinação da prestação principal.
ii. Fixação dos deveres acessórios.
iii. Delimitação do esforço exigível ao devedor.
iv. Integração da relação obrigacional,
2. O PRINCÍPIO DA TUTELA DA PROPRIEDADE: incorpora o respeito pelas obrigações e pela
autonomia privada.
a. Respeito pelas obrigações: seria deduzível de vários preceitos constitucionais,
cuja substancia se reconduz ao valor do respeito pelos contatos.
b. Apesar de a Constituição não proceder a uma proteção clara e expressa do valor
dos contratos nem da autonomia privada, tais valores poderão ser retirados do
preceito constante do artigo 62º, que respeita à propriedade privada.

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3. O PRINCÍPIO DA CORRESPONDÊNCIA: o cumprimento deve reproduzir qualitativamente o
figurino abstrato da conduta humana pré-visualizado pelo vínculo obrigacional – na falta
de correspondência, uma de duas: ou não há cumprimento ou há cumprimento
defeituoso.
a. A prestação nem sempre está determinada: no entanto, exige-se que seja
determinável.
4. O PRINCÍPIO DA INTEGRALIDADE: a prestação não deve ser efetuada por partes (artigo
763º/1), exceto se outra solução resultar de convenção, de lei ou dos usos.
a. Exceções: artigo 763º/2 – que deve ser interpretado conjuntamente com o
artigo 763º/3. O credor pode exigir apenas parte da sua prestação (renuncia
temporária a parcela do seu direito), no entanto, ao devedor, cabe oferecer a
prestação por inteiro.
5. O PRINCÍPIO DA CONCRETIZAÇÃO: reúne os parâmetros necessários para transmutar o teórico
comportamento devido, previsto na obrigação, numa atitude concreta, real e efetiva.
a. Quem pode fazer a prestação (legitimidade ativa).
b. A quem pode a prestação ser feita (legitimidade passiva).
c. O lugar da prestação.
d. O Prazo da Prestação.
e. A Imputação do Cumprimento.

3. O FUNCIONAMENTO DO CUMPRIMENTO
3.1. A LEGITIMIDADE PARA CUMPRIR
A legitimidade exprime uma qualidade do sujeito, mais precisamente, a qualidade que
habilita o sujeito a agir, no âmbito e ao abrigo de uma determinada posição jurídica. Assim, por
exemplo, passa pelo crivo da personalidade jurídica, da capacidade de gozo, da capacidade de
exercício, da titularidade do direito e da inexistência de limites legais.
Nos termos do artigo 767º/1, a prestação poderá ser efetuada pelo devedor ou por
terceiro:
à A prestação deve ser feita pelo devedor: quando é feita pelo próprio, quando é
feita pelo seu representante, legal ou voluntário, com poderes de representação
e agindo nessa qualidade ou sem poderes de representação, com ratificação
posterior.
o A capacidade do devedor (764º/1): o regime da invalidade de atos
praticados por incapaz equivale a uma anulabilidade especial (artigos
125º e 126º).
§ Se a prestação for um facto positivo ou negativo o devedor não
carece de capacidade de exercício – salvo violação da ordem
pública ou dos bons costumes (280º/1).
§ Se a prestação for uma entrega da coisa não se exige
capacidade de exercício – salvo violação da ordem pública ou
dos bons costumes (280º/1).
§ Se a prestação implicar um ato de disposição: o devedor deve
ser capaz (exige-se capacidade de exercício).
o Disposição da coisa: o devedor deve poder dispor da coisa que vá
entregar ao credor, a título de cumprimento –
§ A venda de bens alheios é nula, sempre que o vendedor careça
de legitimidade para a realizar (892º/1).

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§ O credor que, de boa fé, receber a prestação de coisa que
devedor não possa alienar, pode impugnar o cumprimento,
acrescendo os danos sofridos (765º/1).
§ O devedor, de boa ou má fé, que preste coisa de que não possa
dispor, não pode impugnar o cumprimento, a não ser que
ofereça nova prestação.
à O cumprimento por terceiro (767º/1): poderá ter interesse (quando desse ato
resulte uma situação jurídica tutelada pelo Direito) ou não.
o Requisitos: realização adequada da prestação, efetuada pelo terceiro,
nessa qualidade, com a intenção de cumprir a obrigação alheia.
o O terceiro deve ser inteiramente capaz e com o poder de dispor da coisa
entregue.
o Excecionalmente, o credor pode recusar a prestação (767ª/2 e 768º/2):
§ Acordo sobre só o devedor cumprir (767º/2/1ª parte): quando o
acordo seja expresso, não se aplicando acordos tácitos (217º);
§ A substituição seja prejudicial para o credor (767º/2/2ª parte):
quando a prestação não seja fungível, relevando um prejuízo
moral;
§ O devedor se oponha ao cumprimento e o terceiro não possa
ficar sub-rogado (592º) – a oposição não obsta a que o credor
aceite validamente a prestação (768º/2). A oposição é
admissível quando não seja possível a sub-rogação legal –
permite-se a recusa, mas não se obriga.
Tendo o terceiro cumprido, podem afigurar-se vários cenários:
à Cumprimento de terceiro, nos termos de um contrato celebrado entre ele e o
devedor.
à O terceiro pode ter agido como gestor de negócios: regras gerais da gestão de
negócios, em concreto, a aprovação da gestão e respeito pelos interesses
objetivo e subjetivo do devedor.
à Podem ser aplicáveis as regras de enriquecimento sem causa: cumprimento na
convicção errada de estar obrigado e o credor não ter conhecimento do erro –
artigo 478º.
à Pode verificar-se a repetição do indevido.
à Pode ser um caso de sub-rogação: o cumprimento por terceiro pode ser uma
forma de, para este, transmitir o crédito, bastando que tenha qualquer interesse
direto na realização da prestação (592º/2) ou tenha sido expressamente sub-
rogado, pelo credor ou pelo devedor (589º e 590º).
à Pode haver uma doação do terceiro ao devedor, quando ele tenha atuado com
animus donandi e haja aceitação do beneficiado.

3.2. A LEGITIMIDADE PARA RECEBER A PRESTAÇÃO


O artigo 769º impõe que a prestação deve ser feita ao credor ou ao seu representante –
só através desta regra se atinge o fim último da obrigação (o cumprimento). Assim, está implícita
a determinação prévia de quem é o credor.
1. O credor deve ter a capacidade para receber a prestação – 764º/2/1ª parte: o
objetivo é proteger os incapazes.
a. Nos termos do artigo 764º/2/1ª parte: o credor que cumprir perante
incapaz pode opor-se à anulação do cumprimento e ao pedido de nova
realização de prestação: se a prestação chegar ao poder do
representante; se o incapaz enriquecer (na medida em que isso suceda).

117 DIREITO DAS OBRIGAÇÕES | Prof. António Menezes Cordeiro


2. A prestação pode ser feita ao representante do credor: exige-se poderes
suficientes para receber a prestação e emitir a quitação (aplica-se, ora o
mandato judiciário, ora a procuração).
a. Se feita a representante sem poderes: opera como cumprimento se
houver ratificação.
3. Prestação a terceiro: o devedor que o faça permanece adstrito em relação ao
credor, devendo efetuar de novo, com adequação.
a. Artigo 770º - prestação a terceiro, com consequências liberatórias: se
assim tiver estabelecido (a), se o credor tiver ratificado ou consentido (a
e b), se existir uma transmissão de crédito a favor de terceiro (c), se o
credor se aproveitar do cumprimenta e tenha interesse fundado em não
o considerar como feito a ele próprio (d), se o credor for herdeiro de
quem recebeu e se responder pelos débitos deste (e), se a lei o
determinar.
4. Oposição à indicação feita pelo devedor (771º): a regra tem suscitado criticas e
interpretações restritivas. Entende-se que contempla valores jurídico-privados.
a. Os negócios celebrados pelo credor com terceiros são inoponíveis
interpartes.
b. O Direito Português não admite a procuração aparente.
c. O pagamento a um representante, tendo sido escolhido para incomodar
o devedor, é suscetível de causar danos morais e patrimoniais.

3.3. O LUGAR DA PRESTAÇÃO


Podemos delimitar vários fatores de determinação do lugar da prestação, que devem ser
analisados pela ordem respetiva:
1. Artigo 772/1/1ª parte: a existência de uma estipulação a tanto destinada.
a. Poderá ser: uma clausula expressa, uma opção tácita (resultante de factos
relativos à fonte da obrigação em causa – artigo 217º/1), as circunstancias
gerais envolvidas ou a natureza da prestação (manutenção da ponta, a executar
na ponte, por exemplo).
b. Papel da boa fé: é fundamental na determinação do lugar.
2. Artigo 772/1/1ª parte: a existência de uma disposição especial da lei.
a. Artigos 773º a 776.
b. Outros exemplos: 885º/1, 885º/2, 939º, 984º/a), 1039º/1, 1039º/2, 1195º,
1673º 3 2270º.
c. Necessário ter em conta legislação especial.
3. Artigo 772º/1/2ª parte: na falta das demais estipulações, deve ser efetuada no lugar do
domicílio do devedor.
a. Regras sobre o domicílio – 82º e seguintes.
b. E se o devedor tiver mais de um domicílio?
i. Em primeiro lugar, deve ser decidido de acordo com a boa fé (exemplo:
residindo as partes em Lisboa, local da contratação, não é crível que a
prestação possa ser exigida nas Ilhas, onde o devedor tenha um
segundo domicílio).
ii. Em segundo lugar, cabe ao devedor indicar o domicílio relevante para
efeitos de cumprimentos (interpretação extensiva, 543º/2, de acordo
com o princípio do favor debitoris, artigo 772º/1/2ª parte).
iii. Em terceiro lugar, em caso do devedor não escolher, cabe ao credor
fazê-lo (interpretação extensiva, artigo 548º).
c. Em caso do devedor mudar de domicílio.

118 DIREITO DAS OBRIGAÇÕES | Prof. António Menezes Cordeiro


i. Cabe ao devedor prevenir o credor, nos termos do artigo 762º/2.
ii. A prestação deve ser efetuada no novo domicílio do devedor (772º/2/1ª
parte) – se causar prejuízo ao credor, vale o lugar do domicílio primitivo
(artigo 772º/2/2ª parte).
1. Qual o quanto de prejuízo que justifica essa alteração?
2. Tendo o devedor abandonado esse domicílio, como fazer a
prestação?
3. Solução: à luz do caso concreto e da boa-fé.

3.3.1. ENTREGA DE MÓVEIS E DINHEIRO


O artigo 773º/1 regula o cumprimento de obrigações de entrega de móveis – acolhe a
doutrina de Savigny: deve ter lugar no local onde a coisa se encontra, aquando da conclusão do
negócio. Esta regra é extensiva às obrigações genéricas. O artigo 773º resolve, ainda, problemas
de risco e de cumprimento.
Quanto à obrigação pecuniária, esta tem regras próprias de cumprimento: nos termos do
artigo 774º, deve ser cumprida no lugar do domicílio do credor, ao tempo do cumprimento.
Aplicam-se, por conseguinte, as mesmas regras, aplicáveis ao domicílio do devedor. Cabe ao
credor prevenir o devedor, nos termos do artigo 762º/2 – quando não o faça, o devedor poderá
atrasar, sem culpa, o cumprimento, não havendo mora, nos termos do artigo 798º.
1. Mudança do domicílio do credor após a constituição da obrigação: nos termos
do artigo 775º, a prestação pode ser efetuada no domicílio do devedor, salvo se
aquele se comprometer a indemnizar este do prejuízo que sofrer com a
mudança.
a. O preceito esvazia, em parte, o artigo 774º: que remete o pagamento
para o domicilio do credor.
b. Pressupõe uma mudança que acarrete prejuízo – pressupõe-se que seja
um prejuízo razoável.
c. Confere ao devedor o direito potestativo de cumprir no seu domicílio.
d. Atribui ao credor o contradireito de manter o seu novo domicílio como
local de cumprimento.
2. Impossibilidade da prestação no lugar fixado: artigo 776º, manda aplicar,
quando a obrigação não for nula ou não se extinguir, os artigos 772º a 774º.
a. A clausula relativa a um local que impossibilite, logo no inicio, a
prestação, é nula, por via do artigo 280º/1. A nulidade atinge todo o
contrato, não sendo possível a redução.
b. Pode ocorrer que a impossibilidade superveniente no local acordado
pelas partes possa ser apenas parcial, em termos de obrigação: deve
interpretar-se extensivamente o artigo 793º, desde que a prestação
mantenha interesse para o credor. Sendo a lacuna igualmente
preenchida pelas regras supletivas.
c. Impossibilidade do lugar que resulta das normas supletivas (772º a
774º)? Se as partes não acordarem um local e a obrigação não for
considerada nula ou extinta, devem recorrer ao tribunal (aplicação
analógica do artigo 777º/2).

3.4. O PRAZO DA PRESTAÇÃO


O prazo de cumprimento da obrigação corresponde ao prazo de vencimento desta: em
suma, representa o momento máximo em que a obrigação pode ser cumprida, sem que o
devedor incorra em incumprimento (lato sensu). Quando ocorra o prazo, a obrigação diz vencida.

119 DIREITO DAS OBRIGAÇÕES | Prof. António Menezes Cordeiro


No entanto, o problema reside da diversidade de sentidos que podem ser atribuídos à
expressão obrigação vencida. De acordo com os ensinamentos do Prof. Pessoa Jorge, a
exigibilidade é o que melhor caracteriza o vencimento: a obrigação diz-se vencida no momento
em que o credor possa exigir a execução da prestação principal que dela decorra.
Qual é, então, o prazo?
à Quando o prazo é prefixado:
o Pode resultar da determinação das partes.
o Pode resultar da natureza das coisas.
o Pode resultar da lei.
à Quando o prazo não é prefixado: a fixação deve ser feita a posteriori.
o Poderá advir do tribunal:
§ artigo 777º/2 (pela natureza das coisas, pelo condicionalismo
que ditou a prestação ou pelos usos) – o pedido, dirigido ao juiz,
é simples, não sendo necessárias provas de fundamento ou
validade;
§ quando caiba ao devedor fixar o prazo, este não o faça e o
devedor o requeira (777º/3, 411º).
o Poderá advir de terceiro: sempre que o terceiro em causa se apresenta
a cumprir, nos termos do artigo 767º/1.
o Poderá advir do credor e do devedor, por acordo: resulta da autonomia
privada.
o Poderá advir do credor ou do devedor:
§ Um deles (ou ambos) tem o direito potestativo de, fixando um
prazo, provocar o vencimento da obrigação – através da
interpelação (805º/1 e 2).
§ O que é a interpelação (simples)? Declaração recipienda
(224º/1) feita pelo credor ao devedor, a fixar o prazo para o
cumprimento.
• Difere da interpelação admonitória: respeita a
obrigações já exigíveis, em sentido forte, visando
conferir ao devedor uma última hipótese para cumprir,
antes de se partir para o incumprimento definitivo.
§ Requisitos:
• O poder de interpelar é o direito de, unilateralmente,
fixar o prazo para o vencimento da obrigação.
• Tem de haver possibilidade temporal de o fazer
(exigibilidade fraca).
• Comunicação clara e completa, dirigida ao devedor e da
qual conste a vontade efetiva de provocar o vencimento
de uma obrigação.
• A receção efetiva, pelo devedor, dessa comunicação.
A propósito do cumprimento e da data de prestação, mormente da indeterminação da
data de prestação a priori, cabe fazer a distinção entre exigibilidade forte e exigibilidade fraca. A
passagem da exigibilidade fraca para a exigibilidade forte resulta de um dos sujeitos
suprarreferidos.
1. Exigibilidade forte: fixado esse prazo, ab initio ou em momento subsequente e
tendo o mesmo expirado, a prestação deva ser executada.
2. Exigibilidade fraca: existe a partir do momento em que possa ser fixado um prazo
para a prestação.

120 DIREITO DAS OBRIGAÇÕES | Prof. António Menezes Cordeiro


3.4.1. OBRIGAÇÕES PURAS – CUM POTUERIT E CUM VOLUERIT
Há a considerar, ainda, o caso das obrigações puras: obrigações que não comportam
qualquer prazo para o cumprimento, seja contratual, seja legal. Pode, o credor, a todo o tempo
exigir o cumprimento, assim como pode o devedor, também a todo o tempo, apresentar-se para
cumprir (777º/1) – no entanto, é necessária uma interpelação (805º/1), o que leva à fixação de
um prazo, logo à circunstancia de não existirem verdadeiras obrigações puras.
Ainda, existem obrigações cum potuerit (quando puder), que se caracterizam por um
prazo dependente da possibilidade do devedor (778º/1). A obrigação torna-se exigível quando
se verifique essa possibilidade. Em caso de morte do devedor, a obrigação é exigível a herdeiros
(342º/1). A clausula cum potuerit estará sujeita à validade do próprio contrato: se o contrato for
inválido, a obrigação cai no regime do artigo 777º/1.
Por fim, pode distinguir-se, ainda, as obrigações cum voluerit (quando quiser), que se
caracterizam pelo facto de o prazo ter sido deixado ao arbítrio do devedor (778º/2). O credor,
neste caso, só pode exigir a prestação aos herdeiros do devedor.

3.4.2. MORATÓRIAS E ANTECIPATÓRIAS – O BENEFÍCIO DO PRAZO


Qualquer prazo, depois de estabelecido, pode ser alterado, através do prolongamento do
prazo ou da antecipação do prazo.
O prolongamento corresponde a uma moratória, podendo ser de natureza contratual,
legal e judicial: as primeiras resultam de acordo das vontades das partes; as segundas são
normalmente impostas pelo legislador; as ultimas são decididas pelo tribunal em modificações
de obrigações por alteração de circunstancias (por exemplo – artigo 437º).
A antecipação carece de uma avaliação mais precisa: atender a favor de quem é o prazo
estabelecido (quem tem o benefício do prazo) – artigo 779º, aponta para três tipos: prazo
estabelecido em benefício do devedor, prazo estabelecido em benefício do credor e prazo
estabelecido em benefício de ambos. Quando outra coisa não se mostre, presume-se que foi
estabelecido em benefício do devedor.
1. A favor do devedor: o credor não pode antecipar o prazo; o devedor pode, sendo
a prestação havida como cumprimento efetivo (440º e 476º/3).
2. A favor do credor: quando não demonstrado, resulta de exceções (1147º,
1194º); o credor pode provocar o vencimento antecipado da obrigação, ao
contrário do devedor.
3. A favor de ambos: o prazo só pode ser antecipado por acordo.
Note-se, no entanto, que, quando o prazo funciona em benefício do devedor, este pode
perder o benefício – 780º/1:
1. Quando o devedor se tornar insolvente (em sentido material e formal –
decretada pelo tribunal);
2. Por causa imputável ao devedor, diminuírem as garantias do credito ou não
forem prestadas as garantias específicas.
a. Diminuição das garantias: quaisquer umas, não têm de estar
estipuladas no contrato.
i. Que tipo de garantia? Garantias especiais ou a garantia geral?
São garantias especiais – se bastasse a garantia geral para
provocar um vencimento antecipado, não faria sentido prever
em acréscimo a insolvência.
ii. Garantias especiais > conjugação com um regime que preveja
vencimentos antecipados:
1. Artigo 633º (garantia: fiança):
a. É lei especial.

121 DIREITO DAS OBRIGAÇÕES | Prof. António Menezes Cordeiro


b. Pressupõe um dever prévio de nomear o fiador
adequado, aceite pelo credor.
c. Requer diminuição que origine risco de
insolvência.
d. Dispensa a imputação ao devedor (pode advir
de caso fortuito ou ação de terceiros).
e. Credor: pode, por via judicial, fixar um prazo
para o reforço da fiança ou a prestação de
outra garantia idónea – só depois poderá exigir
o imediato cumprimento da obrigação.
f. Quando os casos integrem a previsão do artigo
633º e do artigo 780º/1 o credor pode optar
pelo esquema que melhor aproveite.
2. Artigo 701º (garantia: hipoteca):
a. É lei especial.
b. Pressupõe uma hipoteca já constituída.
c. Seja pelo que for, a coisa pereça ou a hipoteca
se torne insuficiente para a garantia.
d. Dispensa a imputação ao devedor (pode advir
de caso fortuito ou ação de terceiros).
e. Credor: pode, por via judicial, fixar um prazo
para o reforço da fiança ou a prestação de
outra garantia idónea – só depois poderá exigir
o imediato cumprimento da obrigação.
f. É aplicável ao penhor (678º) e à consignação
de rendimentos (665º).
3. Outras situações de perda do prazo: 702º/2 e 725º.
b. Por causa imputável ao devedor: com dolo ou negligência.
i. Traços gerais do regime do 780º, em comparação com o 633º
e o 701º:
1. É lei geral.
2. Aplica-se perante qualquer garantia especial (por
exemplo: qualquer fiança).
3. Exige uma diminuição do valor da garantia.
4. A diminuição tem de reservar de culpa do devedor.
5. Credor: pode exigir o reforço ou interpelar o devedor
para o cumprimento.
CONCLUSÕES: a perda de benefício do prazo atribui ao credor um direito potestativo, de
provocar a exigibilidade forte – a perda do benefício do prazo, estabelecido a favor do devedor,
torna a obrigação atingida exigível em sentido fraco.

3.5. A IMPUTAÇÃO DO CUMPRIMENTO


O problema da imputação coloca-se quando, havendo um credor de várias prestações
devidas por um mesmo devedor, por via de distintas obrigações do mesmo tipo, este (devedor)
faça uma prestação insuficiente para as solver a todas, não se sabendo por conta de qual ela foi
realizada.
A solução está prevista no artigo 783º/1: cabe ao próprio devedor designar os débitos a
que o cumprimento se refere. Apesar disso, o artigo 783º/2 impõe limites:
à Não pode, contra a vontade do credor, designar uma dívida ainda não vencida,
quando o prazo tenha sido estabelecido a favor do credor.

122 DIREITO DAS OBRIGAÇÕES | Prof. António Menezes Cordeiro


à Não pode, contra a vontade do credor, designar uma divida de montante superior
ao da prestação efetuada, sempre que o credor tenha direito de recusar uma
prestação parcial.
No entanto, quando o devedor não use a faculdade que lhe é conferida, devem funcionar
as regras supletivas, previstas no artigo 784º:
à O cumprimento deve imputar-se na divida vencida.
à Havendo várias, deve ser imputado na que oferecer menor garantia para o
credor.
à Havendo várias, na mais onerosa para o devedor.
à Havendo várias, na que primeiro se tenha vencido.
à Havendo várias ao mesmo tempo, na mais antiga da data de constituição.
à Em caso de não haver solução: o cumprimento deve ser feito por conta de todas,
rateadamente.

3.6. A PROVA DO CUMPRIMENTO E A QUITAÇÃO


Depois de efetuado o cumprimento, o autor (devedor) tem interesse em poder provar a
ocorrência, demonstrando a realização da prestação.
O ónus da prova funciona: o credor tem o dever de demonstrar o seu direito (facto
constitutivo – 342º/1); feita a demonstração, havendo cumprimento, cabe ao devedor
demonstrar o cumprimento, em virtude da sua eficácia extintiva (342º/2). Quando não se possa
fazê-lo, o devedor terá de cumprir novamente.
O Código Civil, no entanto, estabelece presunções de cumprimento (que podem, nos
termos gerais, artigo 352º, ser ilididas):
1. 786º/1: a quitação, sem reserva, do capital leva a presumir o cumprimento dos
juros ou das prestações acessórias.
2. 786º/2: a quitação de juros ou de outras prestações periódicas leva a presumir
o cumprimento de juros e prestações anteriores.
3. 786º/3: a entrega voluntária do título dos créditos, feita pelo credor ao devedor
faz presumir a liberação do devedor, dos condevedores e dos devedores
acessórios.
Quanto ao direito à quitação: o devedor tem o direito de exigir daquele a quem a
prestação foi feita a quitação (787º/1/1ª parte). O devedor pode recusar a prestação enquanto
a quitação não for dada (787º/2/1ª parte) e, efetuada a prestação, mantém o direito de a exigir
(787º/2/2ª parte). De acordo com o Prof. Menezes Cordeiro, deve respeitar-se a forma escrita.
Problema diverso é se o credor remete ao devedor a quitação antes do cumprimento e o
pagamento não chega a ter lugar: a jurisprudência vai responde, casuisticamente (pagina 139).

3.6.1. A RESTITUIÇÃO DO TÍTULO E A MENÇÃO AO CUMPRIMENTO


Dispõe o artigo 788º/1/1ª parte: o devedor pode, extinta a divida, exigir a restituição do
título da obrigação (quando o haja). Se o cumprimento for parcial, o titulo conferir outros direitos
ao credor ou se este tiver interesse legítimo na conservação, pode o devedor exigir que o credor
mencione o cumprimento efetuado (788º/1/2ª parte). Este direito assiste ao terceiro que
cumprir a obrigação, se ficar sub-rogado nos direitos do credor (788º/2). Para além disto, o
devedor pode recusar o cumprimento, enquanto não for restituído o título ou exarada a menção
a eu haja lugar (788º/3).

3.7. OS EFEITOS DO CUMPRIMENTO


O cumprimento, por norma, é realizado pelo devedor, envolvendo a extinção da
obrigação. Assim, tem como efeitos:

123 DIREITO DAS OBRIGAÇÕES | Prof. António Menezes Cordeiro


1. Extinção da obrigação.
a. Extinção do direito do credor.
b. Liberação do devedor.
Para além destes efeitos principais, podem delimitar-se efeitos acessórios:
à Facto constitutivo do dever do credor de passar a quitação ou de restituir o título
do crédito.
à Extinção das garantias reais ou pessoas conexionadas com o crédito.
à Obriga a contraparte em contrato com prestações recíprocas a efetuar, ela
própria, a prestação devida, não mais se podendo opor em nome da exceção do
contrato não cumprido.
à Origina obrigações fiscais (IVA, por exemplo).
O problema dos efeitos do cumprimento conhece, no entanto, exceções: é o caso das
obrigações duradouras e dos deveres acessórios. Nas obrigações duradouras o cumprimento
não conduz à sua extinção – antes se reforça a relação obrigacional. No caso dos deveres
acessórios, estes podem subsistir ao cumprimento: consubstancia-se esta realidade na culpa
post factum finitum.

4. A NATUREZA DO CUMPRIMENTO
1. Teoria do contrato:
2. Teoria do negócio unilateral:
3. Teoria da realização efetiva da prestação:
4. Teoria da realização final da prestação:
5. Teoria do acordo do escopo:

5. A CULPA POST FACTUM FINITUM


São situações em que, depois de extinta relação obrigacional e tendo cessado o contrato, ainda se
poderiam manter determinados deveres, para as partes. São deveres pós-eficazes; - que se mantém para lá da
vigência do contrato. Foi um conceito que surgiu através da jurisprudência, quando esta foi confrontada com
casos reais como o anterior.

Ex.: A compra a B um terreno para construção. Nos preliminares, fora


assegurado que não haveria novas construções na vizinhança,
designadamente para não estragar uma bela vista sobre um monte. Assim, A
constrói uma moradia dispendiosa. Uma vez consumada a situação, B
adquire o espaço mediante, obtém a alteração do plano de urbanização e
procede a edificações que prejudicam a vista da autoria. O contrato de
compra e venda era omisso quanto a quaisquer deveres de preservar as
vistas, mas a autora, sentindo-se prejudicada, demanda o réu em
indemnização condigna e ganha.

Foram surgindo várias Tentativas de explicação:

• Com base em disposições legais singulares, por analogia iuris, procura-se criar uma regra geral
de cppf;
• Analogia direta com a culpa in contrahendo;
• Através da natureza especifica de certas relações jurídicas, como a laboral e as relações
duradoras;
• Através da boa fé, em exclusivo, sem se concretizar;
• Negação da existência de cppf;

124 DIREITO DAS OBRIGAÇÕES | Prof. António Menezes Cordeiro


Quanto às modalidades, podemos distinguir:
1. Pós-eficácia em sentido amplo:
a. Pós-eficácia aparente: quando os efeitos sejam imputados, por disposição legal expressa e
específica, à extinção de certas obrigações;
b. Pós-eficácia virtual: quando a fonte da obrigação extinta postule deveres secundários
eficazes apenas depois da execução da prestação principal;
c. Pós-eficácia continuada: corresponde à manutenção, para lá do cumprimento da prestação
principal, de deveres secundários já anteriormente manifestados;
2. Pós-eficácia em sentido estrito: sobrevivência de deveres acessórios, após a cessação da obrigação.

Por fim, quanto à alguns acórdãos: RPt 24/nov/2005: serviço médico, RPt 2/jun/2008:
contrato de trabalho; STJ 12-out-2005: financiamento.

125 DIREITO DAS OBRIGAÇÕES | Prof. António Menezes Cordeiro


DIREITO DAS OBRIGAÇÕES
O NÃO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES

1. NOÇÕES GERAIS E MODALIDADES DE NÃO-CUMPRIMENTO


O não-cumprimento, ou incumprimento, ou inadimplemento, ocorre sempre que o
devedor não realize, de acordo com as regras aplicáveis, a prestação devida.

Impossibilidade Imputável ao Devedor (801º a 803º):


Quando a prestação venha, supervenientemente,
a tornar-se impossível.
INCUMPRIMENTO LATO SENSU
(798º E SS.): Cumprimento Retardado
inobservância de quaisquer
elementos atinentes à Cumprimento Defeituoso (799º):
posição do devedor ou do poderá distinguir-se entre cumprimento defeituoso
próprio credor, estando em em sentido estrito e cumprimento parcial.
causa, especialmente,
deveres acessórios. Mora do devedor (804º a
INCUMPRIMENTO STRICTO SENSU: 808º)
não execução da prestação
principal. Não cumprimento definitivo

2. O CUMPRIMENTO RETARDADO
2.1. MORA DO DEVEDOR
O cumprimento retardado pressupõe que, no momento da prestação, esta não seja
realizada: quando esse atraso seja imputável ao devedor, está em causa a mora do devedor.
Pressuposto necessário: a manutenção da obrigação – não poderá ocorrer impossibilidade ou
perda de interesse objetivo do credor.
1. Possibilidade da obrigação: a obrigação tem de se manter possível – se só for
possível no momento acordado, tornando-se impossível posteriormente a esse
momento, verifica-se, com o incumprimento, a impossibilidade definitiva da
obrigação.
a. Responsabilidade? Quando a impossibilidade seja ilicitamente
provocada.
2. Interesse do credor (792º/2): o credor deve manter o interesse na obrigação –
nessa situação, estar-se-á perante um incumprimento definitivo (808º/1).
a. Como é apreciado? Objetivamente: aptidão da prestação para satisfazer
as necessidades do credor.
Há, ainda, que ter em conta outros requisitos do cumprimento retardado:
1. Exigibilidade (forte) da prestação: a mora só surge depois de alcançado o prazo
em que a prestação devia ser efetivada.
2. Certeza: ausência de duvidas sobre a existência da obrigação.
3. Liquidez: latamente, a determinação da prestação – não seria exigível a
prestação de conteúdo não determinado ou não conhecido.

126 DIREITO DAS OBRIGAÇÕES | Prof. António Menezes Cordeiro


A mora do devedor: ocorre sempre que, por ato ilícito e culposo do devedor (violação
voluntária da obrigação), se verifique um cumprimento retardado. Os requisitos são:
possibilidade, interesse do credor, exigibilidade, certeza, liquidez e ato ilícito e culposo que gere
o cumprimento retardado. É especialmente relevante o requisito da exigibilidade forte: traduz o
momento em que, devendo a prestação ser cumprida, pode o credor reclamar juridicamente a
sua execução imediata.
O momento da constituição da mora do devedor coincide com o momento do vencimento
da obrigação: nos termos do artigo 805º, ocorre automaticamente.
Dentro do conceito amplo de mora do devedor, pode distinguir-se: mora ex persona,
implica a fixação do prazo da prestação através da interpelação (805º/1) – de acordo com a
regência, integra este tipo o caso de o devedor ter impedido a interpelação (805º/2/c); mora ex
re, vencimento com qualquer outra origem (805º/2/a) e b).

2.1.1. EFEITOS DA MORA DO DEVEDOR


(1) Manutenção da obrigação.
(2) Responsabilidade de indemnizar: regra geral, conforme decorre do artigo 799º, em
qualquer retardamento, a culpa do devedor é presumida – sendo esta uma presunção de faute,
ou seja, de culpa e ilicitude. Por via desta presunção de culpa, todos os danos resultantes devem
ser ressarcidos, incluindo os danos morais.
à Caso específico das obrigações pecuniárias: a lei entende que há sempre
danos, pelo que fixa o seu momento no equivalente aos juros legais (806º/1)
– com três delimitações (806º/2 e 3): os juros legais cedem quando, antes
da mora, fosse devido um juro mais elevado; quando as partes estipularam
um juro moratório diferente; quando o credor prove danos superiores aos
juros devidos.
(3) Perpetuatio obligationis: a mora faz correr o risco da impossibilidade superveniente
da prestação por conta do devedor. Regra geral, o risco corre por conta do credor – com a mora,
a situação inverte-se (807º/1). Apesar do preceito apenas aparentar aplicar-se às obrigações de
dare, deve ser entendido de forma ampla.
Em acréscimo, o devedor responde ainda: a título delitual, por quaisquer danos que lhe
sejam imputáveis (a responsabilidade será solidária entre ele e o devedor, na medida em que
ajam originado os danos – 497º/1); a título de risco; por danos causados por terceiro; por danos
fortuitos.

2.1.2. A CESSAÇÃO DA MORA


A mora cessa com:
1. Com o cumprimento, acompanhado pelas indemnizações a que haja lugar.
2. Com o incumprimento definitivo (808º/1): ocorre, quando, o credor perca,
objetivamente, o interesse; quando o devedor não cumpra num prazo
razoavelmente fixado pelo credor (interpelação admonitória).
Pode ocorrer que a prestação se torne impossível durante a mora: nesse caso, a
obrigação de indemnizar que se constitua é diferente da primeira (807º/1).

2.2. A MORA DO CREDOR


Há mora do credor quando, ilicitamente ou não, o credor provoque o atraso do
cumprimento. Traduz-se, por isto, na falta de cooperação do credor no cumprimento, por parte
do devedor, da obrigação – aplicando-se, igualmente, os demais requisitos (possibilidade,
interesse do credor, liquidez, certeza e exigibilidade).

2.2.1. EFEITOS DA MORA DO CREDOR

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(1) Manutenção da obrigação.
(2) Obrigação de indemnizar, recai sobre o credor (816º): deve indemnizar o devedor por
despesas que esteja seja obrigado a fazer em virtude da guarda da coisa e do oferecimento inútil
da prestação. A regência amplia os danos a indemnizar: devem incluir-se todos os danos,
inclusive os morais.
(3) Alterações na obrigação: enfraquecimento do direito do credor e intensificação do
risco que corre por conta do credor.
O enfraquecimento enfraquece porque: o credor perde direito a quaisquer juros
(814º/2); o devedor apenas deve dar conta ao credor dos frutos efetivamente percebidos
(814º/1), e não todos os que seriam obtidos por proprietário diligente (1271º - se não houvesse
mora); o devedor apenas passará a proceder ilicitamente quando atue com dolo (814º/1).
A intensificação do risco verifica-se, porque: a impossibilidade superveniente, ainda que
imputável ao devedor, corre por conta do credor; em obrigações recíprocas, a impossibilidade da
prestação do credor em mora não o exonera do dever de prestar (sem prejuízo do artigo
815º/2/parte final).
(4) possibilita-se, ao devedor, a extinção da obrigação: através da consignação em
depósito (841º/1/b) – apenas é admissível, no entanto, em obrigações de dare. Nas obrigações
de facere, o devedor poderá fixar um prazo, ao credor, para a cooperação deste – passado este
prazo, a obrigação extingue-se (808º/1, aplicação analógica – solução proposta por Cunha Sá).

2.2.2. CESSAÇÃO DA MORA DO CREDOR


(1) No momento em que o credor atue: colabore com a realização da prestação.
(2) No momento da consignação do depósito ou da passagem do prazo fixado pelo
devedor.

2.2.3. A NATUREZA DA MORA DO CREDOR


1. O credor seria inteiramente livre de colaborar:
2. O credor teria o encargo de colaborar no cumprimento:
3. O credor teria o dever de colaborar no cumprimento:
4. O credor deveria respeitar o direito subjetivo do devedor ao cumprimento: no
ordenamento, o devedor é alguém que tem uma situação jurídica passiva e não ativa.

2.3. ATRASO IMPUTÁVEL A TERCEIRO


O atraso no cumprimento da obrigação poderá ser imputado a terceiro: estamos numa
situação de eficácia externa das obrigações.
à Verificar se há ilicitude no comportamento do terceiro (à luz dos pressupostos da
responsabilidade civil).
à Se houver ilicitude: verifica-se uma imputação delitual contra o terceiro,
devendo, este, ressarcir os danos que provocar ao credor e ao devedor.
à Se não houver ilicitude: o atraso deve-se a caso fortuito, repercutindo-se os
danos na esfera daquele por conta de quem corre o risco (por norma, o
credor).

2.4. A DECLARAÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO


A declaração de não cumprimento ocorre quando, numa obrigação pendente, o devedor
toma a iniciativa de se dirigir ao credor, dizendo-lhe, antecipadamente, que não a irá cumprir. De
forma a produzir efeitos, têm de estar reunidos três requisitos: o cumprimento deve ser possível;
tem de se tratar de uma declaração séria, tem de ser uma declaração sem condições.
De acordo com a regência, em virtude da impossibilidade de renuncia antecipada aos
direitos, os efeitos da declaração de não cumprimento variam de situação para situação:

128 DIREITO DAS OBRIGAÇÕES | Prof. António Menezes Cordeiro


à Se a obrigação não tiver prazo (aplica-se o 777º) e o devedor proferir uma
declaração de não cumprimento séria: aquilo que o devedor está a fazer é a
provocar o vencimento da obrigação (nos termos do artigo 236º).
à Havendo um prazo estabelecido, a favor do devedor: quando haja uma
declaração de não cumprimento, o devedor está a proceder a uma antecipação
do prazo - o devedor está a prescindir do prazo.
à Quando o devedor está em mora e ainda não houve interpelação: quando haja
uma declaração de não cumprimento do devedor, dispensa o credor do prazo
admonitório (808º) - dispensa-se o credor da interpelação admonitória.

2.5. O NÃO CUMPRIMENTO DEFINITIVO


O não cumprimento definitivo ocorre quando há uma desistência, por parte do Direito,
de manter em vida o dever de prestar principal, na expetativa de que o devedor cumpra. Põe,
assim, termo ao cumprimento retardado. Poderá ocorrer em três casos:
à (1) impossibilidade imputável ao devedor (801º): substituição pelo dever de
indemnizar.
à (2) quando o credor perdeu o interesse objetivo na prestação durante a mora
(808º/1 e 2): a perda de interesse é apreciada objetivamente (pergunta-se se,
de acordo com o padrão do bom pai de família, ainda se justifica manter o dever
de prestar principal), cabendo ao credor a prova, nos termos do artigo 343º/2.
à (3) não tendo perdido o interesse, o credor estabeleceu um prazo admonitório,
mas o devedor deixou passar o prazo (808º/1): o prazo deve ser razoável (tendo
em conta o tipo de prestação), mais, para a interpelação admonitória não se
exige nenhum ritual específico nem menção ao artigo 808º (basta a fixação de
um prazo, através do qual o devedor compreenda que está na sua última chance
de cumprir a obrigação).

2.5.1. A RESOLUÇÃO POR INCUMPRIMENTO


A resolução por incumprimento coloca-se no contexto das obrigações recíprocas: em
caso de incumprimento por uma das partes, a outra passa a dispor de duas faculdades – a
faculdade de resolver o contrato e a faculdade de opor a exceção do contrato não cumprido.
A faculdade de resolver o contrato vem regulada, no Código Civil, no artigo 801º/2, a
propósito da impossibilidade imputável ao devedor. Esta faculdade deve ser alargada ao
incumprimento propriamente dito – dada a equiparação dos regimes (801º/1).
A resolução do contrato implica a supressão das prestações principais – mantém-se,
ainda assim, uma relação entre as partes: esta é composta por deveres acessórios e pelo dever
de indemnizar (compensação do credor fiel pelas vantagens que lhe seriam atribuídas pelo
cumprimento pontual do contrato).
Pergunta-se, no entanto, qual o valor da indemnização a que o credor fiel tem direito em
caso de resolução do contrato: de acordo com a doutrina tradicional, o credor ou realizava a
prestação e pedia uma indemnização, ou não realiza a prestação, só poderá receber uma
indemnização em relação ao interesse contratual negativo (colocar na situação hipotética de não
ter realizado o contrato). No entanto, aponta a regência, esta posição desvaloriza o
incumprimento.
De acordo com o Prof. Menezes Cordeiro, em caso de não realização da prestação,
devem ser indemnizados (a lei prevê, sem distinguir, a indemnização de todo o prejuízo do credor
– 798º): os danos emergentes do incumprimento, os lucros cessantes, as maiores despesas e
as despesas inutilizadas, por via do sucedido. No entanto, não se indemniza os danos pelo não
cumprimento. Em termos de resultado prático, as duas teses acabam por se cruzar – alarga-se,
no entanto, a da regência aos lucros cessantes (interesse contratual positivo).

129 DIREITO DAS OBRIGAÇÕES | Prof. António Menezes Cordeiro


2.5.2. A EXCEÇÃO DE NÃO-CUMPRIMENTO
A exceção de não cumprimento é concebível em situações em que duas prestações
devem ser executadas em momentos diferentes, uma delas vence-se em sentido forte (antes da
outra) o que investe o devedor da segunda no poder de recusar a conduta devida – é um caso
da também designada exceção do contrato não cumprido.
Na matéria da exceção de não cumprimento, o conceito de sinalagma é fundamental:
aplicado aos contratos, consubstancia as situações em que exista uma reciprocidade de
prestações. O sinalagma pode ser genético ou funcional:
à Sinalagma genético: reporta-se a conclusão de um contrato, com prestações
recíprocas que explicam a sua lógica (na compra e venda, o comprador contrata
porque quer a coisa e o vendedor porque pretende o preço).
à Sinalagma funcional: reporta-se à vida do contrato, quando fonte de obrigações
duradouras – a prestação vai sendo produzida para que a contraprestação seja
recebida.
à Sinalagma imperfeito: contratos que não são geneticamente sinalagmáticos,
mas que, no seu funcionamento, venham a originar prestações recíprocas
(exemplos: mandato gratuito,
Quanto aos pressupostos gerais, de acordo com o artigo 428º/1, podem distinguir-se 4:
1. Contratos com prestações recíprocas: devemos reportar a bilateralidade a
prestações recíprocas, ou seja, a um sinalagma funcional.
a. Não engloba apenas prestações principais, mas também prestações
secundárias e deveres acessórios.
b. Pode aplicar-se a outras situações: execução específica de contratos
sinalagmáticos (830º/5); nas obrigações recíprocas de restituição;
nas situações decorrentes de resolução do contrato; nas aquisições
potestativas de direitos reais; em aquisições não voluntárias
2. Sem prazos diferentes para o cumprimento das prestações: poderá resultar
da combinação das partes, da natureza da situação, do funcionamento das
obrigações puras ou da perda do benefício do prazo.
a. Interpretação extensiva da lei: no caso de os prazos serem distintos
e não cumprir aquele cuja obrigação vence primeiro – pode, a outra
parte, recorrer à exceção de não cumprimento.
3. Faculdade de recusar a prestação: equivale a um poder/direito potestativo,
dependendo inteiramente da vontade do seu titular.
a. Não pode ser objeto de renuncia (809º).
b. Não pode ser afastada mediante garantias (428º/2).
c. Não prescreve.
4. Enquanto o outro não a efetuar ou não oferecer o seu cumprimento
simultâneo.

2.5.3. A IMPOSSIBILIDADE NÃO IMPUTÁVEL


Inicialmente, cabe distinguir os tipos de impossibilidade:
1. Impossibilidade inicial: concretiza-se no momento da conclusão do negócio
jurídico, dando origem à nulidade (artigo 280º/1 + 401º/1).
2. Impossibilidade superveniente: concretiza-se na vigência da relação
obrigacional, extinguindo a prestação quando esta se torna impossível por causa
não imputável ao credor (artigo 790º/1) ou é equiparada ao não cumprimento
culposo, quando imputável ao próprio devedor (801º/1).

130 DIREITO DAS OBRIGAÇÕES | Prof. António Menezes Cordeiro


3. Impossibilidade física: quando, de acordo com as regras/leis da natureza, ou o
estado dos nossos conhecimentos científicos ou técnicos, a prestação não ossa
ter lugar.
4. Impossibilidade jurídica: a prestação não poder ser realizada por razões legais.
a. Diferenças para com a contrariedade à lei (sentido lato): a
impossibilidade assenta no objeto e contrariedade na conduta que esse
negócio implique.
5. Impossibilidade absoluta: quando atinge o objeto do negócio, de forma a que
ninguém possa acordar com aquele objeto.
a. Apenas esta é liberatória: resulta do artigo 401º/3 e é transponível para
a impossibilidade superveniente. Complemento: 791º.
b. Conclusões: 401º/3 + 791º - nas prestações fungíveis que podem ser
realizadas por terceiro) o devedor impedido (impossibilidade subjetiva
ou relativa) tem a obrigação de se fazer substituir por terceiro.
i. Implicações: não se poderá ter acordado que a prestação seja
feita apenas pelo devedor (767º/2/1ª parte), a substituição não
prejudique o credor (767º/2/2ª parte), a prestação tem de
integrar todos os requisitos do cumprimento (correspondência e
integralidade), o devedor deve localizar o terceiro, podendo
inclusive com ele contratar para efeitos de execução do
contrato, o terceiro efetive a prestação e o devedor suporte os
custos da substituição.
6. Impossibilidade relativa (ou subjetiva): quando apenas atinge a pessoa do
devedor – quando falta ao devedor a aptidão para realizar a prestação ou caso
ele a perca (inicial ou superveniente).
7. Impossibilidade definitiva: quando a prestação não possa ser realizada.
a. A impossibilidade deve ser reportada ao momento em que a obrigação
seja exigível em sentido forte: o mesmo se coloca em relações dotadas
de condição suspensiva ou termo inicial (401º/2 + 804º/2 + 792º/1) –
a impossibilidade afere-se no momento da verificação da condição.
8. Impossibilidade temporária: quando o obstáculo seja instantâneo.
a. Implicações: 792º/1, isenta o devedor de responsabilidade pela mora.
O 792º/2 ressalva que só se considera temporária quando atenta a
finalidade da obrigação, se mantiver o interesse do credor.
b. O credor não poderá aguardar ad aeternum: aplicação analógica do
artigo 808º/1 – o credor tem o direito potestativo de fixar um prazo
razoável para que se efetive a prestação, ultrapassado este, a
impossibilidade deve considerar-se definitivo.
9. Impossibilidade total: emerge quando a prestação não seja, em nada, viável.
10. Impossibilidade parcial: uma parcela da atuação devida pode, ainda, ser levada
a cabo.
a. Artigo 793º/1: nessa eventualidade, o devedor exonera-se mediante a
prestação do que lhe for possível. O nº2 permite ao credor resolver o
contrato.
b. Acréscimos – regência: o devedor que queira cumprir parcialmente tem
o ónus de invocar e provar a impossibilidade parcial, a não
responsabilidade no sucedido, a divisibilidade da prestação e o
interesse justificado do credor em receber uma prestação meramente
parcial. Esquema paralelo à redução e conversão (292º e 293º).
11. Impossibilidade moral (objeção de consciência): o objeto seria inviável por
contrariar uma conjunção de normas ou de princípios jurídicos.

131 DIREITO DAS OBRIGAÇÕES | Prof. António Menezes Cordeiro


a. Concretização: negócio jurídico cujo objeto exige, no seu cumprimento,
a violação de regras – deve ser analisada in concreto. Admitimos a
impossibilidade moral quando estejam em causa valores fundamentais
do sistema jurídico, expressos pela ideia de boa-fé.
b. Pode ser alargada às situações de objeção de consciência: o devedor
vê-se confrontado com a violação de direitos fundamentais, através do
cumprimento – em princípio, os seus direitos fundamentais.
Ainda, inicialmente, cabe apresentar a interpretação restritiva, protagonizada pela
regência, dos artigos 280º e 401º.
à Entendendo a obrigação como vinculo complexo, apesar da extinção, por
impossibilidade da prestação principal, deve entender-se que se mantêm os
deveres acessórios e as prestações secundárias.
à A impossibilidade deve ser entendida em sentido amplo: não apenas quando
envolva impossibilidade, mas também quando a exigibilidade seja absurda e
elevada – quando a probabilidade de realização, por não depender de
circunstancias controláveis, é extremamente improvável.
Há, ainda, que tratar o problema das prestações recíprocas e das impossibilidades
indiretas.
Quanto às prestações recíprocas: há que notar que a impossibilidade assume maior
relevado quando incide sobre uma obrigação com prestações recíprocas. Nessa situação, o
credor não vai receber a prestação a que tem direito, pelo que o artigo 795º/1 estabelece
consequências: fica exonerado, ele próprio, de efetuar a sua contraprestação; se já a houver
realizado, pode exigir a sua restituição – nos termos prescritos para o enriquecimento sem causa.
O problema coloca-se noutros termos quando o credor haja realizado a sua contraprestação,
antes de se ter verificado a impossibilidade (artigo 795º/1/2ª parte): haverá apenas lugar a
aplicação do instituto do enriquecimento sem causa.
Ainda quanto às prestações recíprocas, há a considerar as hipóteses em que seja posto
em causa o interesse do credor: o esgotamento do escopo (o interesse é satisfeito
independentemente da prestação); a supressão do escopo (a finalidade que levara à constituição
da obrigação desaparece); a perturbação do escopo (a finalidade sofre uma perturbação que
inutiliza a prestação combinada). O problema coloca-se nos termos de saber qual o destino da
contraprestação. Para responder a este problema, surgem 5 teorias:
1. Teoria da impossibilidade estrita: o destino seria o previsto para a
impossibilidade. Não poderá, suficientemente, o interesse do credor.
2. Teoria da impossibilidade ligada às despesas efetuadas: regras da
impossibilidade + direito a indemnização, ao devedor, pelas despesas
efetuadas.
3. Teoria da obtenção do fim: problemática própria – é suprimida a prestação
do devedor; a obtenção do fim extingue toda a obrigação, pelo que nem
credor nem devedor têm de prestar; a obtenção do fim suprime a obrigação,
mas o devedor tem uma pretensão de indemnização pelas regras.
4. Teoria da base do negócio: implicaria a base do negócio que levou à
contratação, pelo se reconduziria à aplicação do artigo 437º/1.
5. Teoria da distribuição do risco: aplicar o regime estrito da impossibilidade,
sendo complementado pelas regras do risco.
Atualmente, no Direito Português, tem-se entendido:
à No sentido da inviabilidade e da impossibilidade da prestação.
Outra problemática é a de saber das consequências das perturbações do fim da
prestação na contraprestação que, eventualmente, esteja em causa:
à Vaz Serra: apelo à alteração de circunstâncias.

132 DIREITO DAS OBRIGAÇÕES | Prof. António Menezes Cordeiro


à Antunes Varela: aplicação analógica do artigo 468º/1: o devedor teria o direito a
ser indemnizado pelas despesas que fundadamente considere indispensáveis e
do prejuízo sofrido.
à Baptista Machado, Menezes leitão: recurso ao 1227º - na empreitada, havendo
impossibilidade de executar a obra, cabe ao dono da obra indemnizar o
empreiteiro do trabalho executado e das despesas realizadas
à Impossibilidade imperfeita – posição adotada:
o O vínculo obrigacional é complexo: não se esgota nas prestações
principais, sendo complementado pelas prestações secundárias e pelos
deveres acessórios.
o A prestação principal é uma prestação de resultado: quando o resultado
não seja atingido pelo cumprimento, a prestação não é possível.
o Desaparece, assim o dever de prestar principal, mas mantêm-se todos
as prestações secundárias e os deveres acessórios. A impossibilidade
não extingue a relação obrigacional, mas a prestação principal.
o Intensificação dos deveres acessórios, por forma a garantir o equilíbrio
das partes.
o Conclusões:
§ Prestações de coisa: o escopo é a realização da entrega, se se
tornou inútil o escopo, o problema é do próprio, logo não há
impossibilidade.
§ Prestações de facto: salvo se houver norma ou disposição em
contrário, o credor não pode desistir (1172º - confirmação); a
inutilização prática do serviço é problema do credor.
o Assim, o devedor da contraprestação guarda o direito a esta e tem o
direito a ser indemnizado pelas maiores despesas (816º).

2.5.4. O COMMODUM DE REPRESENTAÇÃO – REGIME DO RISCO


O commodum de representação permite ao credor adquirir a prestação de direito que o
devedor haja recebido, em função da impossibilidade, e surge no artigo 794º, prevendo-se três
requisitos:
à Situação de impossibilidade da prestação: poderá ser qualquer um.
à Em virtude da impossibilidade, o devedor tem um direito sobre a coisa ou contra
um terceiro.
à Esse direito vem substituir o objeto da prestação.
A hipótese mais recorrente, do cómodo de representação, é o pagamento ao devedor
pela perda da coisa, designadamente pela entidade reguladora – o seguro, por seu torno, fica
sub-rogado nos direitos do segurado contra o terceiro responsável pelo sinistro.
De acordo com o artigo 794º, este instituto apenas se reporta à impossibilidade não-
imputável: no entanto, o artigo 803º, alarga à impossibilidade imputável ao devedor (nº1) e se o
credor fizer uso dele, o montante a que tenha direito é reduzido na medida correspondente (nº2).
Sendo a impossibilidade imputável ao credor, não há direito ao commodum.
Quanto à repartição do risco, previsto no artigo 796º, este vem prever o regime do risco
quando haja transação de coisas.
à Nos contratos com eficácia real, o risco do perecimento ou deterioração não
imputável ao alienante corre por conta do adquirente.
à Se a coisa alienada continuar em poder do alienante, em consequência do termo
constituído em seu favor, o risco só se transfere com o vencimento do termo ou
a entrega da cisa, salvo o previsto no artigo 807º.

133 DIREITO DAS OBRIGAÇÕES | Prof. António Menezes Cordeiro


à No contrato sob condição resolutiva, o risco na pendência corre pelo adquirente,
e a coisa lhe tiver sido entregue; sendo a condição suspensiva, o risco corre pelo
alienante, na pendência da condição.
Ainda, o artigo 797º dispõe sobre situações em que haja entrega do bem por
transportador.

2.5.5. A IMPOSSIBILIDADE IMPUTÁVEL AO DEVEDOR


Em virtude das insuficiências de regulação, deve recorrer-se aos artigos 801º a 803º: a
impossibilidade que é causada pelo devedor, para o credor, é equiparada ao não cumprimento.
Assim, vão aplicar-se as regras do não-cumprimento.
Numa situação em que a prestação se torna impossível, já não é possível haver mora, já
que esta pressupõe a possibilidade da prestação (804º/2). Assim, havendo impossibilidade
imputável ao devedor, este incorre numa situação de incumprimento definitivo. Sendo
demonstrada esta pelo credor, isenta-o de interpelação, mora, interpelação admonitória,
ultrapassagem do prazo razoável ou da perda do interesse objetivo (808º/1).
Perante este incumprimento culposo (801º/1), o credor tem um direito à indemnização;
de acordo com o artigo 801º/2, num contrato com prestações recíprocas, para além da
indemnização, pode ainda resolver o contrato.
à O credor pode resolver o negócio por inteiro, salvo se o não-cumprimento parcial
tiver pouca importância, no seu interesse (802º/2).
à O credor pode exigir o cumprimento da parcela que se mantiver possível,
reduzindo a sua contraprestação, se for devida.
à O credor tem, em qualquer caso, o direito à indemnização.
à Pode operar o esquema do commodum de representação (803º/1 e 2).

2.5.6. A IMPOSSIBILIDADE IMPUTÁVEL AO CREDOR


A atitude do credor (813º) pode atingir tal dimensão que impossibilite, pura e
simplesmente, a prestação do devedor: por exemplo, se destruir a coisa ou dê lugar a situações
que inviabilizem a prestação.
O artigo 795º/2 prevê a designada impossibilidade imputável ao credor: de acordo com
a 1ª parte do nº1 o credor não fica desonerado da prestação (caso contrário, tiraria o credor
partido da sua própria ilicitude). Não há, no entanto, lugar, no regime, ao benefício excessivo do
devedor: mantém-se o seu direito à contraprestação, mas fica desonerado do dever de prestar;
caso obtenha benefícios da desoneração, esses devem ser imputados na contraprestação
(795º/2/2ª parte).

2.5.7. A IMPOSSIBILIDADE IMPUTÁVEL A TERCEIRO


A impossibilidade imputável a terceiro opera como impossibilidade normal: dá lugar à
aplicação dos artigos 790º/1 e 795º/1, entre outros.

2.6. O NÃO CUMPRIMENTO FRONTAL – A NÃO EXECUÇÃO DA PRESTAÇÃO (3)


A regra base resulta do artigo 798º: o devedor que falte culposamente ao cumprimento
da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor.
à Devedor: sujeito passivo na relação obrigacional; ambas as partes em caso e
sinalagma; qualquer pessoa destinatária do dever de prestar, mesmo acessório
(o credor é devedor em deveres acessórios – 762º/2).
à Faltar ao cumprimento: não executar a prestação nela prevista – pode envolver
omissão, atuação contrária à prestação, má execução da prestação.
à Culposamente: juízo de censura que recai sobre o agente que viole a norma
jurídica – presunção de culpa 799º, que também é uma presunção de ilicitude.

134 DIREITO DAS OBRIGAÇÕES | Prof. António Menezes Cordeiro


à Dano: não satisfação do interesse do credor, seja patrimonial ou não
patrimonial;
Assim, os pressupostos da responsabilidade do devedor correspondem aos
pressupostos da responsabilidade civil:
1. Facto: não cumprimento ou omissão da conduta integradora da prestação, ou
atuação contrária à prestação.
2. Ilicitude: falta do cumprimento devido.
3. Culpa: juízo de censura que recai sobre o devedor faltoso.
a. Artigo 798º + 799º: presume-se a culpa do incumprimento; para que
haja culpa, é necessário que haja ilicitude, pelo que funciona a
presunção de culpa como presunção de culpa ou ilicitude (presunção de
faute – sistema francês).
b. Envolve, ainda, uma presunção de causalidade.
4. Dano: não obtenção do resultado da prestação.
5. Nexo de causalidade: o não cumprimento (relação) e a não obtenção da
vantagem obrigacionalmente atribuída.
Passando-se à fase indemnizatória, mantém-se, ainda assim, as prestações secundárias
(se possível), os deveres acessórios (que se podem intensificar), o dever principal (servir de
imagem à indemnização em espécia, se possível – artigo 566º/1). Nestes termos, a prestação
indemnizatória, que também assume a natureza de uma obrigação, visa reconstituir o que
existiria se não houvesse incumprimento.

2.6.1. A RESPONSABILIDADE POR ATOS DE REPRESENTANTES OU AUXILIARES


A responsabilidade obrigacional por atos de representantes ou auxiliares vem prevista
no artigo 800º/1: engloba-se, aqui, o devedor em sentido amplo (analisado supra), assim como
uma noção ampla, à semelhança da primeira, de credor.
Quanto aos pressupostos:
1. Existência de comissão: liberdade de escolha, incumbência da comissão,
aceitação pelo escolhido, relação daí decorrente e atuação por conta do
comitente.
2. Responsabilidade aquiliana ou objetiva do comissário: previsão, danos,
causalidade e imputação.
3. No exercício das funções (artigo 500º/2).
Quanto aos sujeitos abrangidos:
à Representantes legais: m1
à Auxiliares: representantes voluntários, mandatários, subcontratantes ou
executantes contratados para certas tarefas (264º/4, 1165º, 1198º, 1213º,
2334º).
Quanto, por fim, aos limites:
1. Seja convencionalmente excluída ou limitada.
2. Mediante acordo prévio dos interessados.
3. Desde que não estejam em causa deveres de ordem pública (situações não
disponíveis – devendo ser alargada a situações em que esteja em causa a tutela
da integridade física ou moral da pessoa).

2.6.2. O CUMPRIMENTO IMPERFEITO


O cumprimento imperfeito é um incumprimento e abrange duas áreas: a violação de
deveres acessórios e a realização inexata da prestação principal.
Quanto ao cumprimento inexato, verdadeiramente relevante, ocorre sempre que,
chegado o prazo para a execução, esta seja efetivada em termos que não correspondam à
conduta devida: pode, a inexatidão, resultar de:

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à Insuficiência
à Má qualidade
à Não correspondência do comportamento tomado.
Perante a realização de um cumprimento inexato, a primeira consequência é a
faculdade, concedida ao credor, de recusar a prestação (763º/1). Quando o credor recuse
justificadamente o cumprimento por defeito, segue-se: regime do cumprimento retardado ou do
incumprimento definitivo; quando a recusa é injustificada, verifica-se uma situação de mora do
credor.
Resta saber o que acontece se o credor aceitar a prestação inexata, que poderia recusar:
1. Aceitação porque desconhece o vício: pode pedir a anulação do cumprimento
(artigos 240º e ss.); pode, ainda, ter-se em conta o ressarcimento dos prejuízos.
2. Aceitação, conhecendo-se o vício:
a. O credor pode pedir, ao devedor, a indemnização pelos prejuízos
sofridos com a inexatidão, sendo a indemnização, pecuniária ou
específica, nos termos gerais.
b. O credor pode ter querido aceitar uma dação em pagamento (artigos
837º), extinguindo-se consequentemente a obrigação – sem que se fale
em cumprimento. Tem de resultar clara das manifestações das partes.
c. O credor pode pretender perdoar os prejuízos que o devedor lhe haja
causado. Implica um contrato – artigo 863º.

136 DIREITO DAS OBRIGAÇÕES | Prof. António Menezes Cordeiro


DIREITO DAS OBRIGAÇÕES
A FIXAÇÃO CONTRATUAL DOS DIREITOS DO CREDOR

1. AS CLÁUSULAS LIMITATIVAS DA RESPONSABILIDADE


Nos termos do artigo 809º, é nula a clausula pela qual o credor renuncia
antecipadamente a qualquer direitos que lhe são facultados: direito à indemnização integral por
incumprimento (798º), presunção de culpa (799º), direito à indemnização por impossibilidade
imputável ao devedor (801º/1), o direito de, sem prejuízo de indemnização, resolver o contrato
por impossibilidade imputável ao devedor (801º/2), possibilidade de, perante impossibilidade
parcial imputável ao devedor, resolver o negócio ou exigir o cumprimento do que for possível,
com redução da sua contraprestação e sempre sem prejuízo do direito à indemnização (802º/1),
o direito ao comodum de representação (803º), o direito à indemnização por mora (804º/1), a
inversão do risco por mora (807º/1), o direito a passar ao incumprimento definitivo (808º),
prescrição (300º), direito à exceção do contrato não cumprido (428º/2), direito à resolução por
incumprimento (801º/2 + 808º - interpretação sistemática), direito à execução específica.
Alguma doutrina, a respeito deste preceito, veio propugnar uma interpretação restritiva:
seria possível, apesar de tudo, a exclusão da responsabilidade nos casos de culpa leve.
A regência, contrariamente, discorda desta posição: o artigo 809º, representando o
princípio da defesa dos direitos (defende direitos, evitando que os possa haver sem o direito de
ação plena), impede a nulidade de situações indetermináveis, a irrenunciabilidade antecipada,
a subversão do ónus da prova e a equiparação entre o dolo e a negligência. Para além disto, as
vantagens associadas às cláusulas limitativas da responsabilidade podem ser atingidas com
recurso às clausulas penais (810º). Assim, deve ser mantida a interpretação direta do artigo
809º.

2. A CLÁUSULA PENAL
A clausula penal, enquanto clausula acessória, que define as consequências do
incumprimento, seja definitivo, seja mero incumprimento, pode ser organizada em várias
modalidades.
Quanto à autonomia:
à Cláusula penal acessória ou autêntica: inclui-se num contrato mais vasto ou
reforça-o – opera quando uma obrigação (principal, secundária ou acessória),
vinculativa, não seja cumprida.
o É a que se encontra prevista no artigo 810º.
à Cláusula penal autónoma ou não autêntica: é fixada pelas partes para
determinada eventualidade, sem que exista qualquer vinculatividade entre as
mesmas partes.
Quanto à função:
à Cláusulas penais stricto sensu: visam compelir o devedor ao cumprimento,
fixando uma pena como alternativa à prestação assegurada.
à Cláusulas de fixação antecipada de indemnização: procedem a uma liquidação
prévia do dano relevante para esse efeito.
à Cláusulas puramente compulsórias: pena em acréscimo à execução da
prestação em falta.
Quanto ao papel:
à Cláusulas compensatórias: quando operem perante um não cumprimento.
à Cláusulas moratórias: quando operem perante a simples morta.

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2.1. A DISTINÇÃO DA CLÁUSULA PENAL EM RELAÇÃO A OUTRAS FIGURAS
(1). Em relação ao sinal:
(2). Em relação à sanção pecuniária compulsória:
(3). Em relação às cláusulas limitativas da responsabilidade:
(4). Em relação às convenções de garantia:
(5). Em relação às sanções disciplinares privadas:

2.2. O REGIME DA CLÁUSULA PENAL


Em termos gerais, entendendo-se enquanto acessório do contrato, a clausula penal deve
adotar a forma exigida para a obrigação assegurada – 812º/2/1ª parte -, só sendo eficaz se e
quando o contrato for válido. A invalidade da obrigação/contrato implica a invalidade da cláusula
penal.
Há, no entanto, que ressalvar dois limites à cláusula penal: as obrigações não
prometíveis (exemplo: casamento) não são sancionáveis com clausulas penais (penas
contratuais); as obrigações naturais não podem ser dobradas por clausula penal, ou seja, a pena
contratual pode ultrapassar a dívida assegurada, mas nos limites da redutibilidade prevista no
artigo 812º.
Ainda, a respeito da transmissão e extinção das obrigações: em compensação, a cláusula
penal transfere-se automaticamente com a prestação principal (582º/1, 594º, 599º/2) e cessa
com a extinção da obrigação.
Quanto aos requisitos da cláusula penal:
à Derivação de um contrato.
à Deve assumir um conteúdo conforme com o artigo 280º.
à Natureza pecuniária exigível? Não necessariamente – pode ser dinheiro ou
qualquer outra realidade, não sendo igualmente exigível a patrimonialidade
(artigos 398º/2 e 405º/1).
à Cláusula penal stricto sensu: exige-se a culpa do agente, a qual, tratando-se de
incumprimento, se presume, nos termos do artigo 799º/1.
Nos termos do artigo 811º/2, no que respeita ao funcionamento prático da cláusula
penal: se as partes optarem por ela, e nada acordarem em contrário, presume-se que credor
desiste de ser indemnizado pelo dano excedente. Note-se, no entanto, que o credor mantém o
direito à prestação.
Há ainda lugar, no contexto do regime da cláusula penal, à redução equitativa: trata-se
de um sistema de controlo judicial da pena, que tem como fundamento essencial o princípio da
irrenunciabilidade antecipada aos direitos. Trata-se de uma redução da clausula penal, nos
termos do artigo 812º/2, levada a cabo pelo Tribunal, podendo, no entanto, as partes acordar
nela. A redução depende de um pedido do interessado, formulado por via de ação ou de execução
– não podendo ser oficiosamente decidida.
Para que possa haver redução tem que se verificar que a cláusula penal é
manifestamente excessiva: devendo ser exagerada, ou seja, resulta da desproporção entre o
prejuízo causado pelo inadimplemento e o montante da pena. A redução opera de acordo com a
equidade – artigo 812º/1 – que, neste caso, se reporta à equidade em sentido fraco.
De acordo com o artigo 812º/1, podem verificar-se três situações:
à Excesso ab initio
à Excesso superveniente
à Obrigação parcialmente cumprida
Pode equacionar-se, ainda, em paralelo com um problema de renuncia antecipada a
direitos (809º), a possibilidade de aumento equitativo pelo tribunal, através da aplicação

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analógica do artigo 812º/1 às situações em que a clausula penal estipulada pelas partes seja
manifestamente inferior ao que seria proporcional ao caso concreto.

3. O SINAL
O sinal é uma clausula típica, própria dos contratos onerosos: a quando da celebração de um
contrato, há sinal quando uma das partes entrega, à outra, uma coisa ou uma quantia.
Em termos gerais, no contrato promessa, qualquer quantia ou coisa entregue presume-
se que seja sinal (nos termos do artigo 441º), apesar de, regra geral, nos restantes contratos, só
assumir natureza de sinal quando as partes assim o estipulem. Esta presunção legal é ilidível,
por convenção das partes (pode a parte afirmar que a quantia é apenas cumprimento
antecipado)
Quanto ao funcionamento do sinal:
3. Havendo cumprimento: a coisa ou quantia é imputada no cumprimento (a não
ser possível, é restituída e o preço pago na integra).
4. Havendo incumprimento: depende de a quem seja imputável.
a. Imputável a quem recebe o sinal: o sinal é restituído em dobro.
b. Imputável a quem entrega o sinal: o autor do sinal perde a coisa ou a
quantia.
Problema diverso, que tem animado a doutrina, é o de saber quando deve, então, operar
o sinal:
3. Prof. Menezes Cordeiro: o sinal deve operar no momento da mora (do mero
incumprimento, por decorrência do prazo de vencimento da obrigação).
a. a alternativa de ter de interpelar o promitente-faltoso para que este
entre em mora (805.º), ter de lhe fixar um prazo admonitório (808.º/1)
e demonstrar a perda de interesse do promitente fiel é uma mera
burocracia.
b. Com o sinal visa-se estipular um prazo certo peremptório
c. A objeção do Professor Menezes Leitão de as sanções serem muito
pesadas para meros esquecimentos que podem ser de 1 dia aplica-se a
todos os prazos! Nessa medida, teria de se exigir incumprimento
definitivo em todos os casos de prazos.
d. O sinal é precisamente uma penitência!
e. Em princípio, o sinal afasta a execução específica (830.º/2). Se o sinal
só funcionasse no incumprimento definitivo, por que é que durante a
mora não se poderia recorrer à execução específica?!
f. Não podemos compactuar com o movimento geral de incumprimento de
prazos, que traz graves danos para as economias.
4. Prof. Menezes Leitão: o sinal deve operar no momento do incumprimento
definitivo, exceto de houver aumento do valor da coisa (sinal vinculístico).
a. aumento do valor da coisa, como admite posterior cumprimento: MORA.
b. Perda do sinal ou restituição em dobro: Incumprimento definitivo.
Porquê?
i. seria uma sanção excessiva e desproporcionada que um
simples atraso no cumprimento (que pode ser de 1 ou 2 dias)
legitimasse a outra parte a exigir sanções tão pesadas como a
perda do sinal ou a sua restituição em dobro.
ii. Exigir apenas a mora seria uma quebra sistemática com o
regime da cláusula penal (esta só pode ser exigida com o
incumprimento definitivo).

139 DIREITO DAS OBRIGAÇÕES | Prof. António Menezes Cordeiro


Quanto ao sinal vinculístico, ou seja, às situações em que houve tradição da coisa, nos
termos do artigo 442º/2/parte final, há a referir que, quando demandado pelo valor da coisa, o
promitente-alienante poderia defender-se e oferecer-se para cumprir, celebrando o contrato
definitivo.
Este sinal vinculístico pressupõe, desde logo: pagamento de um sinal, pelo promitente
adquirente, e benefício, deste, da tradição da coisa (salientando a necessidade de haver um
animus de cumprimento antecipado, não se admitindo, para efeitos de tradição da coisa, a
obsequidade).
Quanto ao funcionamento:
4. O promitente adquirente pode exigir o sinal em dobro.
5. O promitente adquirente pode exigir o valor da coisa, ao qual se deduz o preço
pego, em acréscimo à restituição do sinal (para salvaguardar o especial vínculo
estabelecido entre o promitente adquirente e a coisa – daí ser vinculístico).
a. valor objetivo da coisa (valor de mercado) – a quantia paga pela coisa +
sinal.
6. O promitente adquirente pode exigir a execução específica.

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DIREITO DAS OBRIGAÇÕES
A REALIZAÇÃO COATIVA DA PRESTAÇÃO

1. A AÇÃO DE CUMPRIMENTO E A EXECUÇÃO


(1). Ação por incumprimento e execução (817º a 826º): prevista no artigo 817º/1,
permite que o credor, perante o não cumprimento definitivo da obrigação, obtenha
uma sentença que condene o devedor ao seu acatamento.
a. Consequências da condenação: fixação da prestação que cabe ao devedor,
em definitivo; confere força executiva à prestação do credor.
b. Execução patrimonial: prevista nos artigos 712º a 877º do CPC, é um tipo de
execução que recai sobre o património do devedor ou, aliás, sobre todos os
seus bens penhoráveis – depois de obtida a condenação, ou
independentemente dela, se houver algum título executivo.
(2). Execução específica: A execução específica consiste na substituição do devedor no
cumprimento, obtendo o credor a satisfação do seu crédito.
a. Tem eficácia constitutiva: na medida em que a declaração do tribunal se
substitui à declaração do promitente faltoso. Assim, o tribunal emite uma
sentença que produz os mesmos efeitos da declaração negocial que não foi
realizada, operando-se a constituição do contrato definitivo.
b. Exceções ao funcionamento da execução específica:
i. Quando haja convenção em contrário (quando as partes pretendam
afastar a execução específica e assim o convencionem, quando
exista sinal ou quando exista clausula penal).
1. A notar, no entanto, que as partes podem ilidir a presunção:
convencionar o funcionamento cumulativo ou alternativo da
execução específica com o sinal; a parte que deu sinal pode
provar que a quantia não se pretendia que tivesse natureza
de sinal.
ii. Incompatibilidade desta com a natureza da obrigação (casos de
doação, do casamento e da impossibilidade superveniente).
iii. Exceções às exceções: quando se trate de contrato promessa
urbano, a execução específica nunca pode ser afastada pelas
partes.
c. Pressupõe a viabilidade do contrato definitivo, no momento em que seja
decretada: apesar de não ser nulo contrato promessa de venda de bens
alheios, é nula a execução específica de venda de bens alheios – não se
admite execução específica, pela natureza da obrigação em causa, quando
a propriedade da coisa não pertença ao promitente-alienante. Nestes
termos, há, no entanto, sempre lugar a responsabilidade obrigacional
(798º), caso não exista o funcionamento do sinal.
d. Pressupõe, ainda, a validade do contrato.

2. A SANÇÃO PECUNIÁRIA COMPULSÓRIA


A sanção pecuniária compulsória destina-se a constranger o devedor a obedecer ao que
lhe foi imposto, determinando-o a realizar o cumprimento devido e no qual foi condenado.
Em termos gerais, podemos distinguir entre:

141 DIREITO DAS OBRIGAÇÕES | Prof. António Menezes Cordeiro


à Sanções pecuniárias a aplicar pelo Tribunal: artigo 829º-A/1 a 3.
o Reportam-se a prestações de facto não fungível, positivo ou negativo
(nº1): a sanção depende da não fungibilidade, opera a requerimento
do credor, por decisão do tribunal e é fixada segundo critérios de
razoabilidade.
à Sanções automáticas: artigo 829º-A/4.
o Pressupõe uma prestação pecuniária
o Opera automaticamente
o É fixada em 5% do valor em dívida.
Quando analisada a aplicação prática da sanção pecuniária compulsória, será de notar
que esta não tem efeitos ressarcitórios ou compensatórios, visando, antes, incentivar o
cumprimento e o reforço do sistema judicial. Não funciona, para além disto, perante prestações
que possam ser efetuadas por terceiros. Para além disto, não podem ser convencionadas pelas
partes.

3. A CESSÃO DE BENS AO CREDOR


A cessão de bens ao credor, nos termos do artigo 831º, ocorre quando o devedor
encarregue os seus credores ou alguns deles de liquidar o seu património ou parte dele e de
repartir entre eles o produto obtido, para a satisfação de créditos. Pressupõe, necessariamente,
um contrato entre os seus intervenientes.

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DIREITO DAS OBRIGAÇÕES
A MODIFICAÇÃO DAS OBRIGAÇÕES

1. A ALTERAÇÃO DE CIRCUNSTÂNCIAS
1.1. A DELIMITAÇÃO DA ALTERAÇÃO DE CIRCUNSTÂNCIAS
(1). O Erro: nos termos do artigo 252º/2, no erro sobre a base do negócio (subjetivo) deve
aplicar-se o regime da alteração de circunstâncias (437º/1);
(2). O Risco: o risco corre por conta de quem adquire uma determinada vantagem – em
relação ao artigo 437º/1, as regras sobre o risco prevalecem; significa, assim, que a
alteração de circunstancias é supletiva.
(3). A Vontade das Partes e a Interpretação Contratual: tendo em conta a regra da liberdade
contratual (405º CC), as partes podem estipular soluções em matéria de alteração de
circunstâncias (o artigo 437º tem natureza supletiva).
(4). A Tutela da Confiança: a tutela da confiança efetiva-se por via de disposições legais
específicas e por via de institutos legais (venire contra factum e surrectio) e prevalece
sobre as regras da alteração de confiança – delimita de forma negativa a alteração de
circunstâncias.

1.2. A ALTERAÇÃO DE CIRCUNSTÂNCIAS E O DIREITO VIGENTE (437º/1)


A alteração de circunstancias consubstancia-se em 6 pressupostos:
1. Circunstancias em que as partes fundaram a decisão de contratar: está em
causa o circunstancialismo objetivo em que as bases assentaram – esta
alteração deve ser provada por quem se queira prevalecer do instituto.
a. Exclusão: a falsa representação da base do negócio conduz ao regime
do erro (252º/2), que não carece de ser bilateral.
b. Alteração de circunstancias: não há erro – ambas as partes têm
presente uma determinada realizada.
2. Alteração anormal: a alteração deve ser anormal, o que significa que deve ser
imprevisível – as partes não a poderão ter representado nem pensado na
alteração.
3. Tem a parte lesada direito à resolução ou à modificação do contrato: deve existir
uma parte lesada, que tem de provar a alteração de circunstancias, e que passa
a ter direito à resolução ou à modificação do contrato (437º/2 e 3).
4. Desde que a exigência das obrigações assumidas afete gravemente os princípios
da boa fé: a alteração deve afetar gravemente – significa, assim, que o dano
deve ser considerável.
5. Não seja coberta pelos riscos do contrato: como já analisado, o dispositivo do
artigo 437º/1 tem natureza supletiva, perante o regime legal ou contratual do
risco;
a. Delimitação temporal do instituto da alteração: o artigo 437º/1 implica
uma alteração manifestada durante a vigência contratual – pressupõe,
assim, contratos pendentes, contratos de execução continuada ou
periódica ou contratos de execução diferida. Depois do cumprimento,
tudo o que se alegue pertence aos riscos próprios do contrato (corre por
conta das esferas jurídicas em que incida).

143 DIREITO DAS OBRIGAÇÕES | Prof. António Menezes Cordeiro


b. Exceção: pode ocorrer que, no caso concreto, haja que buscar uma saída
diversa, alterando contratos já acatados; solução que caberá elaborar
pela Ciência do Direito.
6. A modificação, se operar, deve seguir juízos de equidade: está em causa uma
equidade em sentido fraco – implica uma adaptação do contrato à luz dos
critérios jurídicos.

144 DIREITO DAS OBRIGAÇÕES | Prof. António Menezes Cordeiro


DIREITO DAS OBRIGAÇÕES
A TRANSMISSÃO DAS OBRIGAÇÕES

1. A TRANSMISSÃO DAS OBRIGAÇÕES


A transmissão pode ser entendida em sentido lato: englobando a sucessão e a
transmissão em sentido estrito. Na sucessão, a situação jurídica permanece estática, assistindo-
se, apenas, à substituição do eu sujeito anterior por novo sujeito. No entanto, no caso da
transmissão, a situação em causa efetua uma movimentação da esfera do transmitente para a
esfera do transmissário – podendo, contrariamente ao que acontece na sucessão, sofrer
alterações, ainda que sem perder a sua identidade.

2. AS FORMAS DE TRANSMISSÃO DAS OBRIGAÇÕES


Podem distinguir três formas de transmissão das obrigações – que indicam o que se
transmite e como se transmite:
(1). Cessão de créditos e sub-rogação.
(2). Assunção de dívidas.
(3). Cessão da posição contratual.
A transmissão, no entanto, só ocorre quando se tenha verificado o facto jurídico dotado
de eficácia transmissiva: o facto transmissivo ou a fonte da transmissão – é exemplo, a existência
de um contrato entre um antigo credor e o novo credor. É a fonte que subjaz à transmissão que
determina o regime da mesma.
Em termos gerais, de acordo com as fontes, podemos distinguir três categorias:
à Transmissões contratuais: a fonte é um contrato.
à Transmissões unilaterais: a fonte é um ato unilateral.
à Transmissões legais: a fonte é a lei.

2.1. CESSÃO DE CRÉDITO


A cessão de créditos é uma forma de transmissão do direito de crédito, no todo ou em
parte, que opera por acordo entre o credor e o terceiro.
Quanto aos requisitos:
à Acordo entre o credor e terceiro: exige-se o acordo entre o cedente (antigo
credor) e o cessionário (novo credor); não se exige, no entanto, que o devedor
cedido manifeste acordo.
à Consubstanciando num facto transmissivo – fonte de transmissão.
à Transmissibilidade do crédito.
Quanto ao âmbito da transmissão, esta abrange as garantias e outros acessórios do
direito transmitido (artigo 528º/1) – tanto as garantias reais (penhor e hipoteca) como as
pessoais (fiança). Por outros acessórios deve entender-se, de acordo com Antunes Varela, a
estipulação de juros, a clausula penal e o compromisso arbitral.
Conforme já salientado em cima, nos termos do artigo 578º/1, o regime os efeitos da
cessão seguem o regime previsto para a fonte da cessão. Acresce que a cessão deve ser
acompanhada de fonte idónea para produzir efeitos: assim, as cessões serão inválidas se o
contrato ou for ou se não existir contrato de todo.
Note-se que há créditos que são intransmissíveis (577º/1/1ª parte):
(a) Quando assim o imponha a natureza da prestação: quando esteja ligada à
pessoa do devedor – atividades essencialmente pessoais,

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(b) Quando a vontade das partes o impeça: quando haja sido convencionado, ao
abrigo da autonomia privada.
(c) Quando a lei não o permita.
a. Exemplo: caso previsto no artigo 579º.
Depois de ocorrida a cessão do crédito, opera a transferência do direito à prestação do
cedente para o cessionário, com todas as faculdades que lhe sejam inerentes. Permite-se, no
entanto, a cedência de apenas uma parte do crédito – artigo 577º/1 -, situação que implica uma
modificação.
Ocorrida esta transmissão, o devedor deve ser notificado, para que cumpra perante o
cessionário – artigo 583º/1, momento a partir do qual se produzem os efeitos da cessão. Pode,
no entanto, equacionar-se uma exceção: quando o devedor aceite a cessão.
Existe, ainda, o dever de o cedente entregar ao cessionário os documentos e outros
meios probatórios do crédito, que estejam na sua posse e em cuja conservação não tenha
interesse legítimo (artigo 586º). E a transmissão para o cessionário do crédito, com as suas
vantagens e com os seus defeitos: o devedor pode opor todos os meios que invocaria contra o
cedente (585º); o cedente assegura a existência e a exigibilidade do crédito (587º/1), não
garantindo, no entanto, a solvência do devedor, a título supletivo (587º/2).
Se se verificar uma cessão a várias pessoas, prevalece a que for primeiro notificada.

2.2. SUB-ROGAÇÃO
A sub-rogação, vindo prevista no artigo 589º, é uma forma de transmissão de créditos
que opera a favor do terceiro que cumpra a obrigação do devedor ou com cujos meios a obrigação
seja cumprida pelo próprio devedor. A pessoa colocada na posição do primeiro credor, ou seja, o
segundo credor, a favor de quem opera a transmissão, diz-se sub-rogada.
Exemplo: António deve 100€ a Bento; Carlos paga essa quantia ao
credor e, consequentemente, pode ficar sub-rogado na posição de
Bento, encabeçando-lhe o crédito que, desta forma, para ele se
transmitiu.
Quanto aos tipos de sub-rogação:
à Voluntária: quando provocada pelo acordo entre o sub-rogante e o sub-rogado
(pelo credor – 589º) ou entre este e o devedor (pelo devedor – 590º).
o A sub-rogação voluntária pelo devedor pode ser direta (acordo nesse
sentido) ou indireta (resulta da utilização, pelo devedor, de meios do
sub-rogado, para realizar o cumprimento – 591º).
à Legal: quando resulte da lei (592º).
à Total: quando o sub-rogado assuma inteiramente o crédito do credor inicial.
à Parcial: quando o sub-rogado só assuma uma parcela do mesmo crédito.
A sub-rogação voluntária pelo credor deriva de acordo entre este e o sub-rogado: pode,
este acordo ser simplesmente implícito, se conjugar dois r quistos previstos na lei (589º), aos
quais a regência acrescenta um terceiro. Temos que: o sub-rogado deve prestar ao credor, o qual
tem de, expressamente, sub-rogá-lo na sua posição, até ao momento do cumprimento da
obrigação. A prestação, assim, tem de ser fungível, para poder ser efetuada pelo não devedor.
Por sua vez, a sub-rogação voluntária direta pelo devedor emerge também de acordo
entre as vontades, ainda que implícito, entre sub-rogado e devedor. Nos termos do artigo 590º,
temos requisitos: cumprimento de obrigação por terceiro, a vontade de sub-rogar,
expressamente manifestada pelo devedor, até ao momento do cumprimento da obrigação.
A sub-rogação legal implica um cumprimento efetuado por um não devedor, isto, pelo
terceiro sub-rogado – exige-se, apenas, que o sub-rogado, nos termos do artigo 592/1, tenha
garantido o cumprimento da obrigação e tenha, por outra causa, interesse direto no crédito
(posição jurídica subjetiva do terceiro dependa do cumprimento do débito).

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Quanto aos efeitos, podemos distinguir, enquanto efeito principal, a transmissão do
crédito para o sub-rogado – podendo transmitir-se a globalidade do crédito, ou apenas uma parte
deste (593/1). Quando seja parcial, o devedor encontra-se perante dois credores – com
preferência do primeiro credor exclusivo, o que significa que, salvo disposição em contrário de
todos os interessados, o credor inicial se possa ressarcir pelo património do devedor, em caso
de incumprimento, quedando ao credor sub-rogado apenas o remanescente (593/2). Havendo
vários sub-rogamos, estes estarão em pé de igualdade (593/3).
Para além do crédito, transmitem-se as garantias e outros acessórias (582 + 594),
conforme já visto em cima.
Quanto ao devedor, pergunta-se quais os efeitos da sub-rogação quando esta seja pelo
credor ou legal. Na sub-rogação pelo credor, tem de haver notificação (583/1, 594). Na sub-
rogação legal, deve ser aplicado um regime idêntico.

2.3 A ASSUNÇÃO DE DÍVIDAS


A assunção de dívidas é a transmissão da posição jurídica do devedor, isto é, do débito.
Com base no artigo 595/1, é possível distinguir três modalidades de assunção de
dívidas:
1. A assunção derivada de contrato entre o antigo e o novo devedor, ratificado
este pelo credor (595/1/a);
2. A assunção derivada de contrato entre o novo devedor e o credor, com
consentimento do antigo devedor
3. A assunção derivada de contrato entre o novo devedor e o credor, sem
consentimento do antigo devedor (591/1/b);
Quanto às consequências, também podemos distinguir os vários tipos de assunção de
dívidas: pode a assunção ter consequências liberatórias ou, por outro lado, ter consequências
cumulativas (592/2).
Quanto aos requisitos da assunção:
1. Existência de uma dívida efetiva.
2. Acordo do credor: opera independentemente da concordância do devedor,
mas não poderá ser dispensada a vontade do credor.
a. Deve traduzir-se numa declaração expressa que libera o antigo
devedor do seu débito (595/2).
3. Idoneidade do contrato de transmissão.
a. Caso o contrato seja anulado ou declarado nulo, mantém-se o débito
na esfera do devedor inicial.
Quanto aos efeitos, note-se que com a transmissão do débito, transmitem-se igualmente
as obrigações acessórias do antigo devedor, exceto as que sejam inseparáveis da própria pessoa
e as garantias do crédito, com exceção (592/2). Estes preceitos são, no entanto, supletivos: não
se aplicam se as partes hajam acordado outra previsão (599/1).
Assim, a assunção desliga o devedor inicial de qualquer relação com o credor. No
entanto, pode acontecer que a assunção não seja perfeita, por carência de requisitos –
invalidade da transmissão ou ausência de concordância do credor. Em caso de invalidade, a
obrigação do devedor inicial mantém-se (artigo 597).
Outra hipótese de imperfeição é o caso de assunção de dívida que advenha de ausência
de ratificação, quando disso seja caso, ou de declaração expressa de concordância (595/2). A
ausência de ratificação torna a assunção livremente revogável (596/2). Quando resulta da falta
de declaração expressa, dispõe o artigo 595/2 que o antigo devedor responda solidariamente
com o novo obrigado – é a chamada assunção cumulativa.
A regência considera que esta assunção cumulativa não transmite quaisquer débitos,
porque: o devedor primitivo mantém o seu débito, uma vez que continua a responder pela

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obrigação; o novo devedor não é transmissário, mas passa a responder, pela prestação –
constitui-se em relação a este um uma nova obrigação.

2.4 CESSÃO DA POSIÇÃO CONTRATUAL


A cessão da posição contratual, conforme resulta do artigo 424/1, consiste na
transmissão a um terceiro do acervo de direitos e deveres que, para uma parte, emergem de
determinado contrato. A parte que transmite a sua posição é o cedente, a outra parte, cedido, e
o terceiro, cessionário. Trata-se, no fundo, de uma transmissão da posição contratual.
Quanto aos requisitos da cessão contratual:
1. Existência de um contrato.
2. A transmissão de uma posição do contrato aludido.
3. Uma fonte de onde emerja a transmissão em causa.
Não se verifica a transmissão abstrata, ou seja, sem a previa atuação de um qualquer
facto transmissível que a justifique. Não é um negócio abstrato – deduz-se do princípio da
causalidade (regra transversal ao direito português) e do artigo 425 (conexão entre a cessão e o
negócio base).
Coloca-se, no entanto, o problema do âmbito da cessão contratual: o código civil parece
excluir os contratos que não sejam prestações recíprocas. Alguma doutrina considera que a
cessão da posição contratual apenas seria permitida numa situação em que nenhuma das
referidas prestações recíprocas tenha sido efetuada – nesse momento, verificar-se-ia cessão do
crédito ou assunção de êxitos.
A regência e o Prof Mota Pinto discordam: do contrato não surgem apenas direitos ou
deveres em relação às partes intervenientes, mas também direitos potestativos ou instrumentais
e pretensões – num contrato com prestações recíprocas em que uma delas já tivesse sido
efetuada, ainda se transmitiria uma situação variada e complexa, da qual apenas seria deduzida
uma prestação.
Quanto ao regime, a cessão da posição contratual vem regulado pelo artigo 425: deve
seguir o regime do negócio base, ou seja, da fonte de transmissão.
A cessão da posição do contratante produz efeitos em relação a três intervenientes. O
cedente fica liberado dos seus deveres e perde os seus direitos. O cessionário vai receber os
direitos e assumir os débitos que ao cedente assistiam. O cedido deixa de ter como contrapor-
te-ás o primeiro interveniente substituído pelo cessionário.
Pergunta-se, no entanto, o que acontece em caso e invalidade na celebração da cessão:
distingue-se este problema das invalidades ocorridas na própria celebração do contrato cedido
(os direitos potestativos de invocar as referidas invalidares mantém-se em termos gerais e
transmitem-se com a posição contratual – 427); e ainda do problema das vicissitudes referentes
a obrigações conexas com a cessão, mas que respeitam, apenas, ao cedente e ao cessionário.
O problema tem que ver com os efeitos de invalidades verificadas na formação do
contrato fonte da cessão. A regra geral seria admitir que as invalidades ocorridas na fonte da
cessão têm como efeito o desfazer da transmissão viciada. A doutrina nota, no entanto, que a
aplicação rígida desta solução conduziria a sérias injustiças: devendo atender, no caso concreto,
as regras da legitimidade para a invocação de invalidades, não pondo em causa a boa fé.

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DIREITO DAS OBRIGAÇÕES
EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES
1. A SUPRESSÃO DA FONTE
A extinção é a última vicissitude das obrigações, implicando a sua eliminação da ordem
jurídica.
As formas de extinção das obrigações previstas no Código, de acordo com os títulos
correspondentes: a dação em cumprimento (837º a 840º); a consignação em depósito (841º a
846º); a compensação (847º a 856º); a novação (857º a 862º); a remissão (863º a 867º); a
confusão (868º a 873º). Pode, ainda, acrescentar-se o cumprimento, forma de extinção por
excelência.

1.1. GENERALIDADES
Podem distinguir-se outras formas de extinção, nomeadamente, as que respeitam à
supressão da fonte: isto porque, afinal, as obrigações dependem da fonte de onde resultam.
Distinguem-se, então, várias figuras:
(1). Revogação
(2). Resolução
(3). Denuncia
(4). Caducidade
(5). Supressão de fontes não contratuais
(1) A revogação é livre, é discricionária e não é retroativa. É livre porque apenas depende
de manifestações de vontade para ser efetivada – sendo contrato um ato bilateral, exige-se o
mútuo consentimento das partes (406º/1). É discricionária na medida em que não é necessário
alegar nenhum fundamento específico. Não é retroativa na medida em que só produz efeitos
para o futuro, ou seja, ressalvam-se os efeitos advenientes da subsistência da fonte.
Nestes termos, a revogação tem uma natureza bilateral: no entanto, pode ser estipulado,
pelas partes, que uma delas tenha a faculdade de revogação unilateral (natureza supletiva das
regras, pela prevalência da autonomia privada). Por outro lado, sendo também possível em atos
unilaterais, pode, por vezes, assumir natureza unilateral: proposta contratual (230º); aceitações
e rejeições de propostas contratuais (235º) e promessas públicas (461º/1).
(2) A resolução é condicionada, tendencialmente vinculada e opera retroativamente-
configura um direito potestativo. É condicionada porque só é admitida quando fundada na lei ou
em convenção (artigo 432º/1), sendo necessário, igualmente, a invocação de determinado
fundamento (de acordo com Antunes Varela – é ponto essencial para distinguir a figura da
revogação). Tem eficácia retroativa na medida em que extingue, ab initio, as relações contratuais
– determina o artigo 434º/1, que comporta exceções (se as partes estipularem outra coisa; se a
finalidade que subjaz à resolução impuser a não retroatividade).
Quanto à eficácia retroatividade, há que notar a exceção constante do artigo 434º/2:
manutenção das prestações já efetuadas em contratos de execução continuada ou periódica; do
artigo 435º/1: não afeta direitos adquiridos por terceiro, uma vez que se dirige, em princípio, às
prestações do contrato. Quando, no entanto, tenha eficácia real: dirige-se à afetação de uma
coisa, só sendo oponível ao terceiro que tenha realizado uma aquisição tabular (435º/2, a
contrario).
Opera, em princípio, por simples declaração à outra parte (436º/1) – produzindo efeitos
nos termos gerais (224º). Pode ocorrer, no entanto, que opere por via judicial: 1047º.
Outros dois tipos: resolução por não cumprimento (801/2) e resolução por alteração de
circunstâncias (437/2).

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É muito discutido, nos termos do artigo 801/2, os critérios da indemnização: a doutrina
clássica entendia que, quando o credor optasse pela resolução, apenas teria direito a uma
indemnização pelas despesas (interesse contratual negativo – direito à pequena indemnização)
– o credor tem uma opção, entre pedir a grande indemnização, no entanto, preferindo destruir o
negócio, apenas teria direito à indemnização das despesas. Por outro lado, a regência, entende
que sendo o devedor que da causa à resolução, com a falta de cumprimento: admitir apenas o
interesse contratual negativo seria penalizar o credor em excesso, para além de que seria um
prémio ao incumprimento. A regência adota, assim, uma posição no sentido de serem abarcados
todos os danos: seja por via do interesse contratual negativo, seja por via do interesse contratual
positivo.
(3) A denúncia, que é específica dos contratos de execução indeterminada,
caracterizando-se por ser livre e unilateral, discricionária e não retroativa. Figura bastante
próxima da revogação: divergindo no ponto da unilateralidade.
Deve ser distinguida a denuncia da oposição à revogação: instituto no qual as partes, em
contratos a prazo de renovação automática, podem as partes obstar a que tal renovação sucede.
Na oposição à renovação não ocorre a supressão do contrato, apenas a não constituição de
idênticas situações obrigacionais.
Coloca-se o problema da fundamentação da denúncia: já que os negócios terminaram
em virtude do acordo das partes. Nestes termos, surgem várias orientações: haveria uma lacuna
contratual, a partir da qual se construiria a possibilidade de denúncia; um contrato duradouro
sem possibilidade de denúncia equivaleria a uma situação de escravidão (formas desoneração
pessoal fortes e contrárias à ordem pública); aplicação por analogia do regime da agência – para
integração da lacuna (à agência permite a denúncia, mas associa-a a um pré-aviso razoável).
(4) A caducidade, em sentido lato, corresponde a um esquema de cessação de situações
jurídicas, em virtude da superveniência de um facto a que a lei ou outras fontes atribuam efeitos
– traduz a cessação de posição jurídica por verificação de um facto stricto sensu dotado de
eficácia extintiva. Em sentido estrito, por outro lado, a caducidade é uma forma de repercussão
do tempo nas situações jurídicas que, por lei ou por contrato, devam ser exercidas num
determinado tempo. Expirado o respetivo prazo, sem que se verifique o exercício, ocorre a
extinção.
Quando a caducidade implique a extinção de uma obrigação, devem aplicar-se as regras
gerais da caducidade, com as necessárias adaptações.

1.2. A DAÇÃO EM CUMPRIMENTO


A dação em cumprimento é uma das formas de extinção das obrigações: prevista nos
artigos 837º a 840º. A dação em cumprimento caracteriza-se, em termos gerais, por dois aspetos
essenciais: aceitação de uma prestação diferente da devida e acordo entre as partes, que implica
uma imediata extinção da dívida. O melhor exemplo da dação em cumprimento é o cheque
bancário.
Podem distinguir-se duas modalidades de dação em cumprimento:
(a) Dação pro solvendo ou dação em função do cumprimento (840º): o momento da
extinção da obrigação corresponde ao momento em que o interesse do credor é
satisfeito.
a. 840º/2 – presunção legal: presume-se que a dação em cumprimento que
consista em cessão de crédito ou em assunção de dívida é feita pro
solvendo. As partes podem, no entanto, acordar coisa diversa ou ilidir a
presunção.
b. O melhor exemplo da dação em cumprimento é o cheque bancário.
(b) Dação pro solutum ou dação em cumprimento: a obrigação extingue-se com o
acordo.

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Pode colocar-se o problema da dação ser superior: o credor deve tentar esforçar-se para
conseguir um valor aproximado ao valor do bem, devolvendo-se o remanescente, depois
liquidada a dívida, ao devedor; não o fazer é agir de forma desleal para com o credor (sobretudo
na dação em função do cumprimento).
Quanto à natureza da figura: a regência entende que a dação em cumprimento tem um
perfil próprio, que se caracteriza por uma unidade peculiar e pela eficácia extintiva de obrigações.
Deve entender-se, simplesmente, como força convencional de extinção das obrigações, através
da realização de prestação diversa da prevista.

1.3. A CONSIGNAÇÃO EM DEPÓSITO


A consignação em depósito surge no contexto de obrigações que não podem ser
realizadas/cumpridas sem a cooperação do credor: se o credor faltar com a devida cooperação,
no momento do cumprimento, quer direta e voluntariamente, quer involuntariamente, pode o
devedor recorrer, no caso de obrigações de dare, ao mecanismo da consignação em depósito.
Contraponto com o Direito Romano: na altura, o devedor podia abandonar a coisa,
solução que, do ponto de vista económico, era uma má solução. Atualmente, permite-se o
depósito da coisa à ordem do tribunal – mecanismo da consignação em depósito.
Como requisitos:
(a) Prestação de entrega da coisa ou de quantia pecuniária – requisito que resulta
da natureza das coisas.
(b) Não poder, o devedor, realizar a prestação, por causa relacionada com o
devedor.
Conforme já mencionado, trata-se do depósito da coisa à ordem do tribunal: assim,
apenas tem lugar por via judicial: nos termos do Código do Processo Civil. Note-se que este
depósito tem, no entanto, natureza facultativo – 841º/2 -, entendendo-se que o solvens revogar,
mediante declaração feita em processo e pedindo a restituição ao depositário (845º/1).
Em termos gerais, a consignação em depósito tem uma dupla eficácia: desde que seja
aceite ou declarada válida pelo tribunal, opera a extinção da obrigação e estabelece uma relação
jurídica entre o depositário e o credor (uma obrigação de entrega).

1.4. A COMPENSAÇÃO
A compensação ocorre quando um devedor que seja credor do seu próprio credor, se
libere da dívida à custa do seu crédito (847º). Em termos gerais, quando existam vários credores,
é uma figura que permite que um dos créditos tenha vantagem sobre os demais – em virtude
deste motivo, a lei proíbe, em caso de insolvência, o funcionamento da compensação. .
Exemplo: A deve 1000€ a B e este deve 1000€ a A. Pela
compensação, ambos esses créditos se anulam, isto é, A libera-
se do seu débito sem efetuar a prestação, através do sacrifício
do seu crédito.
Podem distinguir três modalidades na compensação:
à Compensação legal: opera por via legal.
à Compensação convencional: opera por acordo das partes.
à Compensação judicial: opera por via judicial.
Quanto aos requisitos da compensação:
à Existência de dois créditos recíprocos: o declarante só pode utilizar créditos seus
para a compensação (851º/2) e só pode abranger dívidas do declarante e não
de terceiro, exceto se o declarante estiver em risco de ser executado por dívida
de terceiro (851º/1).
à Exigibilidade forte do crédito do autor da compensação: artigo 847º/1/a)

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à MFungibilidade e homogeneidade das prestações: artigo 847º/1/b) – não
sendo, no entanto, necessário que as prestações tenham o mesmo valor
(847º/2).
à Não exclusão, pela lei, da compensação: exemplo dos créditos excluídos, pelo
CC, da compensação (853º/1), como sejam os créditos provenientes de atos
ilícitos dolosos, os créditos impenhoráveis e os créditos do Estado.
à Declaração de vontade de compensar: artigo 848º/1 – esta vontade é unilateral,
não sendo necessário o acordo.
Quanto ao regime, podemos, desde logo, esclarecer que, nos termos do artigo 848º/2, a
compensação não permite a sujeição a termo ou a condição; assim como se encontram excluídas
deste tipo de extinção as obrigações naturais. Para além disto, nos termos do artigo 854º, a
compensação poderá ser parcial e é retroativa – retroage à data de vencimento das obrigações.

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