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ao Juiz Conselheiro
António Henriques Gaspar
apoios pessoais:
ANA MARIA BARATA DE BRITO
ANABELA MIRANDA RODRIGUES
ANTÓNIO AMARO ROSA
ANTÓNIO BRITO NEVES
ARMANDO DIAS RAMOS
CARLOS LOPES DO REGO
CARLOS PINTO DE ABREU
JOÃO VALENTE CORDEIRO
JOSÉ BRAZ
JOSÉ DUARTE NOGUEIRA
LUÍS AZEVEDO MENDES
MANUEL GUEDES VALENTE
MÓNICA BASTOS DIAS
SALVADOR DA COSTA
VÂNIA COSTA RAMOS
apoios institucionais:
Câmara Municipal de Pampilhosa da Serra
Estudos em Homenagem
ao Juiz Conselheiro
António Henriques Gaspar
2019
Coordenadores
António Amaro Rosa
Armando Dias Ramos
ESTUDOS EM HOMENAGEM AO JUIZ CONSELHEIRO
ANTÓNIO HENRIQUES GASPAR
coordenadores
António Amaro Rosa
Armando Dias Ramos
editor
EDIÇÕES ALMEDINA, S.A.
Rua Fernandes Tomás, nºs 76, 78 e 80
3000-167 Coimbra
Tel.: 239 851 904 · Fax: 239 851 901
www.almedina.net · editora@almedina.net
design de capa
FBA.
pré-impressão
EDIÇÕES ALMEDINA, S.A.
impressão e acabamento
Novembro, 2019
depósito legal
….
Aos autores foi dada liberdade quanto à adoção do Novo Acordo Ortográfico.
CDU 34
Confidencialidade da comunicação com o defensor
como exigência de um processo penal justo e equitativo
Vânia Costa Ramos
Advogada, Presidente do Fórum Penal – Associação dos Advogados Penalistas e investigadora no
Centro de Investigação em Direito Penal e Ciências Criminais (CIDPCC) da Faculdade de Direito
da Universidade de Lisboa
vaniacostaramos@carlospintodeabreu.com
Introdução
181
ESTUDOS EM HOMENAGEM AO JUIZ CONSELHEIRO ANTÓNIO HENRIQUES GASPAR
como Membro do Comité das Nações Unidas contra a Tortura), sempre ter
pugnado pela defesa da importância do papel do Advogado, defensor no
processo penal, que concretize adequadamente a intervenção informada,
activa e cívica, bem como as exigências do processo justo e equitativo.
Cada texto jurídico assume uma função específica, podendo esta ser mais
ou menos dogmática, problemática, descritiva, crítica, prática ou inovadora.
No presente humilde contributo, a função é, sem prejuízo de algum apon-
tamento crítico, essencialmente descritiva e prática, dando à estampa um
texto que poderá parecer, numa perspectiva meramente interna, descrever
um enquadramento jurídico que temos como um dado “adquirido” e, em
particular, na perspectiva do direito de acesso ao Advogado, indiscutível.
Mas que, visto de uma perspectiva internacional em que foi inicialmente
desenvolvido1, teve e tem o interesse de dar a conhecer um ordenamento
que se destaca essencialmente pela positiva, por consagrar claramente um
regime jurídico em que o papel da assistência por Advogado, em geral, e
por defensor, em particular, tem consagração legal e constitucional solida-
mente estabelecida e sem qualquer excepção no que toca ao direito a não
estar só.
Também no domínio da protecção da confidencialidade das relações
entre defensor e arguido, o nosso regime destaca-se a nível internacional,
pela protecção firme e alargada das prerrogativas do mandato no âmbito da
defesa penal, pelo menos a nível legislativo.
Finalmente, o que aqui se escreve tem sobretudo uma perspectiva prática
baseada na nossa experiência na defesa em processos de natureza penal,
circunstância que considerámos poder constituir o modesto valor acres-
centado de um texto escrito por Advogados, defensores penais, mas que
poderá também, certamente, levar a que alguma ou algumas das opiniões
expressadas mereçam discordância – e, esperamos sinceramente, resposta
crítica, dialogante e sobretudo construtiva – de outros causídicos e dos
demais actores judiciários, bem como de outros juristas e da academia.
1
O presente texto, numa primeira versão em língua inglesa, foi elaborado como relatório
português para o XX Congresso da Associação Internacional de Direito Comparado, rea-
lizado em 22-28 de Julho de 2018. Mantivemos, no essencial, a versão apresentada naquele
Congresso e elaborada em Maio de 2018, com algumas alterações na estrutura do texto. O
texto não tem pretensões de exaustividade quanto às referências bibliográficas e jurispru-
denciais, sendo por natureza incompleto por esta perspectiva, tratando-se de work in progress.
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CONFIDENCIALIDADE DA COMUNICAÇÃO COM O DEFENSOR
2
Para uma análise mais detalhada relativamente ao direito à assistência por um Advogado
em processo penal em Portugal, também no que diz respeito às vítimas, cf. Costa Ramos/
Churro (2019), na qual se apresenta uma descrição do enquadramento geral do direito à
assistência por Advogado e a definição de “suspeito” (“suspect”) e de “arguido” (“accused”).
Ver também Abreu (2008); Silva (2014a).
3
Para mais detalhes sobre este direito, ver Silva (2001).
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ESTUDOS EM HOMENAGEM AO JUIZ CONSELHEIRO ANTÓNIO HENRIQUES GASPAR
4
Para mais detalhes sobre esta disposição constitucional, cf. Miranda/Medeiros (2007),
anotação relativa ao artigo 208.º da CRP, p. 98 e ss.
5
Lei n.º 62/2013 de 26 de Agosto.
6
Lei n.º 145/2015 de 9 de Setembro.
7
Artigo 13.º da Lei n.º 62/2013 de 26 de Agosto, e artigos 66.º, n.º 3, 69.º, 72.º, 75.º, 76.º,
77.º, 78.º, 79.º, 80.º, 88.º, 89.º, 92.º e 113.º do EOA.
8
Cf. artigo 179.º, n.º 2 e 187.º, n.º 5 do CPP. Ver, contudo, as referências infra na secção 4.
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CONFIDENCIALIDADE DA COMUNICAÇÃO COM O DEFENSOR
9
A questão de saber se poderá a testemunha ser representada por Advogado da mesma
sociedade de Advogados do defensor deverá ser apreciada, em nossa opinião, à luz dos cri-
térios das disposições sobre conflito de interesses prevista no Estatuto. Em fase de inquérito
que esteja em segredo de justiça, poderá eventualmente a situação colidir com interesses
processuais referentes à protecção do inquérito contra o perigo de comprometimento ou
perturbação para aquisição da prova.
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ESTUDOS EM HOMENAGEM AO JUIZ CONSELHEIRO ANTÓNIO HENRIQUES GASPAR
10
Cf. Caeiro/Costa (2013), pp. 550-551.
11
Artigo 272.º,, n.º 1, do CPP. Vide ainda Caeiro/Costa (2013), p. 554.
12
Embora os entes colectivos possam também ser responsabilizadas por actos criminosos,
desde que a previsão dessa responsabilidade esteja estabelecida de forma explícita em norma
expressa, não existem regras processuais específicas para entes colectivos na qualidade de
arguidos. Sobre esta questão, cf. representativamente Silva (2014); Silva (2009).
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CONFIDENCIALIDADE DA COMUNICAÇÃO COM O DEFENSOR
fundada da prática de crime […]” (artigo 58.º, n.º 1, alínea a), do CPP);
ii) “[t]enha de ser aplicada a qualquer pessoa uma medida de coação ou de
garantia patrimonial […]” (artigo 58.º, n.º 1, alínea b)); iii) “[u]m suspeito
for detido, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 254.º a 261.º
[…]” do CPP; iv) “[f]or levantado auto de notícia que dê uma pessoa como
agente de um crime e aquele lhe for comunicado, salvo se a notícia for
manifestamente infundada” (artigo 58.º, n.º 1, alínea d)).
Além disso, o CPP exige que “[s]e, durante qualquer inquirição feita a
pessoa que não é arguido surgir fundada suspeita de crime por ela come-
tido, a entidade que procede ao acto suspende-o imediatamente […]” e deve
ser operada a constituição de arguido (artigo 58.º, n.º 2, e 59.º, n.º 1). A
constituição de arguido pode ocorrer a pedido da “[…] pessoa sobre quem
recair suspeita de ter cometido um crime […] sempre que estiverem a ser
efectuadas diligências, destinadas a comprovar a imputação, que pessoal-
mente a afectem.”13 Para esse efeito, como se refere supra, é importante que
a testemunha possa ser assistida por um Advogado.
A violação das disposições sobre a aquisição formal da qualidade
de arguido desencadeia a aplicação de uma regra de exclusão da prova
(habitualmente designada “proibição de valoração da prova”), no mínimo
relativamente às declarações prestadas pela pessoa em causa (assim como
qualquer prova secundária que apresente um nexo de causalidade com a
mesma)14.
A partir do momento em que um defensor tenha sido mandatado ou
nomeado oficiosamente, este permanecerá em funções durante todo o pro-
cesso penal, a menos que seja substituído por outro defensor.
A conjugação destas regras com as regras sobre a assistência obrigatória
por Advogado, que serão explicadas mais adiante, determina que, normal-
mente, um sujeito que seja constituído arguido não só tenha o direito formal
à assistência por um Advogado, mas seja, de facto, assistido por um Advogado
em caso de detenção e antes de qualquer interrogatório.
A aplicação prática deste direito não é sempre salvaguardada, todavia,
de forma ideal, atendendo a que muitas vezes o defensor, se nomeado ofi-
ciosamente, até por inexperiência ou falta de adequação dos honorários
para a prestação de serviço urgente, mas também quando mandatado, não
13
Artigo 59.º do CPP e 250.º,, n.º 8, do CPP.
14
Artigo 58.º,, n.º 5, e 122.º do CPP.
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ESTUDOS EM HOMENAGEM AO JUIZ CONSELHEIRO ANTÓNIO HENRIQUES GASPAR
15
Cf. neste sentido, os standards do Comité Europeu para a Prevenção da Tortura e Outras
Penas ou Tratamentos Desumanos e Degradantes – Access to a lawyer as a means of preventing
ill-treatment, Extract from the 21st General Report of the CPT, 2011, disponível em https://rm.coe.
int/16806ccd25 O TEDH reconhece também esta função (cf., por exemplo, Acórdão de
27.11.2008 [GC], Salduz v. Turkey, proc., n.º 36391/02, §54, disponível em http://hudoc.
echr.coe.int/eng?i=001-89893; Acórdão de 21.04.2011, Nechiporuk and Yonkalo v. Ukraine,
proc., n.º 42310/04, §263, disponível em http://hudoc.echr.coe.int/eng?i=001-104613).
No âmbito da União Europeia, a mesma foi ainda expressamente reconhecida na Directiva
(UE) 2013/48 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de outubro de 2013, relativa
ao direito de acesso a um advogado em processo penal e nos processos de execução de
mandados de detenção europeus, e ao direito de informar um terceiro quando da privação
de liberdade e de comunicar, numa situação de privação de liberdade, com terceiros e com
as autoridades consulares (cf. considerandos 28, 29, e artigo 3.º, n.º 2, al. c)).
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CONFIDENCIALIDADE DA COMUNICAÇÃO COM O DEFENSOR
16
Os valores dos honorários dos Advogados que prestam apoio judiciário são estabelecidos
por Decreto-Lei e são bastante modestos, para não dizer mesmo desajustados, em relação
aos valores dos honorários dos Advogados privados.
17
Até à presente data, só há, em Portugal, um Advogado especialista em Direito Criminal.
Contudo, a possibilidade de especialização foi introduzida em finais de 2016.
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ESTUDOS EM HOMENAGEM AO JUIZ CONSELHEIRO ANTÓNIO HENRIQUES GASPAR
18
Cf. artigo 4.º, nº 3, da Portaria, n.º 10/2008, de 3 de Janeiro.
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CONFIDENCIALIDADE DA COMUNICAÇÃO COM O DEFENSOR
19
A lei garante a assistência por intérprete próprio e diverso do do Tribunal para as
conversações sigilosas com o defensor, mas evidentemente tal assistência não é idêntica
nem substitui a possibilidade de comunicar diretamente e sem barreiras com o defensor,
sendo que, inclusivamente, existem barreiras práticas à efectivação de reuniões com um
cliente, sobretudo detido, sem quaisquer restrições, com assistência por intérprete, como
claramente testemunha o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 30 de Setembro de
2015, proferido no processo n.º 347/10.8PJPRT-E.P1, com a Relatora Maria Luísa Arantes,
disponível em http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/1d5953
dbe1d6f4cf80257ee3002dae56?.
20
Artigo 64.º, n.º 1 alínea a) a c) e alínea e) a g) do CPP.
21
Artigo 64.º, n.º 1 alínea d) do CPP.
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ESTUDOS EM HOMENAGEM AO JUIZ CONSELHEIRO ANTÓNIO HENRIQUES GASPAR
22
Neste caso, o arguido pode opor-se a que os seus depoimentos sejam utilizados numa
fase posterior (cf. artigo 357.º do CPP).
23
Correia de Matos v. Portugal, Comm. 1123/2002, U.N. Doc. A/61/40, Vol. II, at 175
(HRC 2006), disponível em http://www.worldcourts.com/hrc/eng/decisions/2006.03.28_
Correia_de_Matos_v_Portugal.htm.
24
Correia de Matos v. Portugal [GC], Judgment of April 4, 2018, application no. 56402/12,
disponível em http://hudoc.echr.coe.int/eng?i=001-182243. Vários juízes emitiram opiniões
dissidentes.
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CONFIDENCIALIDADE DA COMUNICAÇÃO COM O DEFENSOR
(até 48h), o arguido tem o direito de contactar com o seu defensor “[…] a
qualquer hora do dia ou da noite […]” (artigo 124.º, n.º 3, da Lei 115/2009
de 12 de Outubro25). Além do direito do próprio arguido, o defensor tam-
bém tem o direito “[…] de comunicar, pessoal e reservadamente, com os
seus patrocinados, mesmo quando estes se encontrem presos ou detidos
[…]” (artigo 78.º do EOA).
Na prática, o Advogado tem o direito de reunir com o arguido detido
em qualquer momento e antes de todos os interrogatórios. Dado que a
assistência por Advogado em interrogatórios das pessoas detidas é obri-
gatória, o defensor terá sempre a oportunidade de, pelo menos, prestar
consulta jurídica ao cliente antes do início do interrogatório. O defensor
poderá pedir, aliás, que lhe seja concedido algum tempo para a consulta com
o cliente.
Em nossa opinião, o cumprimento diligente do patrocínio em processo
penal impõe que o defensor reúna em privado com o cliente antes da pres-
tação de qualquer depoimento. Porém, na prática tal nem sempre acontece,
por exemplo se o cliente não pedir explicitamente a referida consulta.
Independentemente de o cliente o fazer, somos de opinião que é dever do
Advogado solicitar proactivamente a reunião com o cliente. A defesa por
Advogado é imposta, precisamente, por o cliente se encontrar numa situa-
ção de vulnerabilidade e não ter ou o discernimento ou os conhecimentos
técnicos indispensáveis a avaliar e decidir se é ou não pertinente consultar
o Advogado.
Na prática, o local da reunião dependerá das condições infra-estruturais
do edifício, por um lado, e da avaliação do risco de fuga ou do perigo para
outras pessoas relativamente a determinada pessoa detida, por outro. Assim,
estas reuniões podem ter lugar em centros de detenção, por vezes nos pró-
prios espaços de detenção (especialmente nas instalações da polícia ou do
tribunal), outras nas salas próprias para visitas de Advogados, conhecidas
por “parlatório”, se o cliente se encontrar detido num estabelecimento
prisional. Por último, as reuniões também podem ter lugar na sala onde o
interrogatório irá ser realizado, ou noutra sala disponibilizada pelo Tribunal
ou entidade policial para esse efeito, na ausência das autoridades.
Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade (Lei n.º 115/2009 de
25
12 de Outubro).
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ESTUDOS EM HOMENAGEM AO JUIZ CONSELHEIRO ANTÓNIO HENRIQUES GASPAR
A lei não prevê qualquer limitação de tempo para estas reuniões e, por
conseguinte, o tempo é definido pelo Tribunal ou pela autoridade com-
petente no que se refere ao interrogatório (por exemplo, pela polícia),
numa apreciação individual caso-a-caso. Deverá ser tido em conta o pedido
específico do defensor a este respeito, bem como a complexidade do caso
e também – quando é concedido acesso aos elementos do processo, o que
deverá ser a regra – da quantidade de elementos de prova que têm que ser
analisados.
Enquanto nos interrogatórios realizados pela polícia não haverá, de uma
forma geral, muito tempo para a consulta com o cliente antes do interro-
gatório – especialmente porque a pessoa detida tem que ser apresentado
a um Juiz dentro de 48 horas – em casos complexos de criminalidade dita
“de colarinho branco” ou outra “criminalidade complexa” ou ditos “mega-
-processos”, é concedido normalmente mais tempo.
Os juízes de instrução, os casos em que temos tido contacto, têm aliás
interpretado a exigência legal de 48 horas para apresentação do arguido
para realização do interrogatório judicial de arguido detido do art. 141.º,
n.º 1, do CPP, no sentido de que esta tem de se realizar neste prazo, mas
o interrogatório pode prosseguir para lá do seu termo. Tal abordagem
permite ao Tribunal conceder mais tempo à defesa para se preparar para o
interrogatório.
O defensor é responsável por pedir que seja concedido o tempo apro-
priado e, se não for o caso, por assegurar que a impossibilidade de preparar
o interrogatório de forma adequada fique registada em acta. Durante estas
reuniões, o defensor e o cliente estão sempre sozinhos. Embora o CPP pre-
veja uma excepção, no sentido de permitir que a reunião tenha lugar à vista
de um encarregado de vigilância, por razões de segurança, deve ser sempre
assegurado que este encarregado de vigilância não possa ouvir o conteúdo
da conversa (artigo 61.º, n.º 2, do CPP). A prática na esmagadora maioria
dos casos criminais é que a reunião tem lugar em privado, fora da vista dos
encarregados de vigilância.
Não temos conhecimento de nenhuma instalação para as consultas com
Advogados onde estejam instaladas câmaras ou dispositivos de gravação. No
entanto, devido a limitações logísticas, pode acontecer que a reunião tenha
lugar numa sala concebida para outros fins (por exemplo sala para interro-
gatórios, sala de espera num posto da polícia) e que esteja equipada com
tais dispositivos. O defensor deve assegurar que uma outra sala apropriada
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CONFIDENCIALIDADE DA COMUNICAÇÃO COM O DEFENSOR
seja providenciada ou, se tal não for de todo possível, deve assegurar que tais
dispositivos não estejam em funcionamento. Se as condições para a consulta
confidencial não estiverem satisfeitas, o defensor não deve ter conversas
confidenciais com o cliente.
em http://www.Tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/19870007.html.
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ESTUDOS EM HOMENAGEM AO JUIZ CONSELHEIRO ANTÓNIO HENRIQUES GASPAR
27
Figueiredo Dias (1974), Direito Processual Penal, § 14, IV, 5, apud Acórdão do
Tribunal Constitucional nº. 7/1987 de 9 de Janeiro de 1987, disponível em http://www.
Tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/19870007.html.
28
Artigo 61.º, n.º 1 alínea d) do CPP
29
Ver o Acórdão do Tribunal Constitucional 532/2006, DR II-Série n.º 217, de 10/11/2006.
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CONFIDENCIALIDADE DA COMUNICAÇÃO COM O DEFENSOR
o artigo 9.º da Directiva (UE) 2013/4830 poderá impor que, sempre que o
arguido seja citado para tais diligências de recolha de prova, este tenha de
ser informado explicitamente do seu direito à assistência por Advogado na
referida diligência e das eventuais consequências de uma renúncia. Deverá
ainda garantir-se que qualquer renúncia a esse direito é informada, cons-
ciente, voluntária e inequívoca e é ainda devidamente exarada em acta,
assim como as circunstâncias em que a mesma foi expressada. A nosso ver,
uma interpretação do direito à assistência por Advogado em conformidade
com o artigo 32.º, n.ºs 1 e 3, da CRP, poderá conduzir ao mesmo resultado
interpretativo. No entanto, não temos conhecimento de quaisquer decisões
dos Tribunais portugueses neste sentido.
De ressalvar que, na prática, existem casos em que a informação de que
o arguido pode fazer acompanhar-se de defensor, é de facto facultada.
Contudo trata-se de mera informação, sem advertências adicionais quanto
às consequências da renúncia (por exemplo, de que a prova posteriormente
poderá ser, para certos efeitos, utilizada, não podendo ser suscitado vício
decorrente da falta da presença do defensor, não sendo a mesma obrigató-
ria). Note-se que a renúncia é, em regra, documentada de forma simplificada,
fazendo apenas constar que o arguido renunciou à presença de um defensor.
Deve notar-se ainda que sempre que o arguido tenha constituído um
defensor, ou já tenha sido nomeado um defensor oficioso em momento
anterior, o respectivo Advogado será notificado relativamente a todos os
actos processuais em que o seu cliente deve comparecer.
Importa finalmente referir que como regra geral o defensor não tem a
oportunidade de estar presente nas inquirições de testemunhas durante
a fase de investigação, a não ser que as mesmas sejam efectuadas “para
memória futura”31.
30
Directiva 2013/48/UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 22 de outubro de 2013
relativa ao direito de acesso a um Advogado em processo penal e nos processos de execução
de mandados de detenção europeus, e ao direito de informar um terceiro quando da pri-
vação de liberdade e de comunicar, numa situação de privação de liberdade, com terceiros
e com as autoridades consulares.
31
Aplicam-se as “declarações para memória futura” quando é previsivel que a testemunha
não poderá estar presente no julgamento, ou “[…] nos casos de vítima de crime de tráfico de
pessoas ou contra a liberdade e autodeterminação sexual […]” (artigo 271.º, n.º 1 do CPP)
– ver Caeiro/Costa (2013), p. 555.
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ESTUDOS EM HOMENAGEM AO JUIZ CONSELHEIRO ANTÓNIO HENRIQUES GASPAR
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CONFIDENCIALIDADE DA COMUNICAÇÃO COM O DEFENSOR
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ESTUDOS EM HOMENAGEM AO JUIZ CONSELHEIRO ANTÓNIO HENRIQUES GASPAR
200
CONFIDENCIALIDADE DA COMUNICAÇÃO COM O DEFENSOR
32
Cf. como exemplo o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 30 de Setembro de
2015, processo n.º 347/10.8PJPRT-E.P1, disponível em
http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/1d5953dbe1d6f4cf802
57ee3002dae56?OpenDocument.
33
Ver também o Código de Deontologia dos Advogados Europeus (Code of Conduct
for European Lawyers of the Council of Bars and Law Societies of Europe (CCBE)).
Tradução na língua portuguesa no portal da Ordem dos Advogados Portugueses:
201
ESTUDOS EM HOMENAGEM AO JUIZ CONSELHEIRO ANTÓNIO HENRIQUES GASPAR
https://portal.oa.pt/ordem/regras-profissionais/legislacao-internacional/codigo-de-
deontologia-dos-Advogados-europeus/.
34
Ver também Secção 2.3 do Código de Deontologia dos Advogados Europeus (Code of
Conduct for European Lawyers of the Council of Bars and Law Societies of Europe (CCBE)).
202
CONFIDENCIALIDADE DA COMUNICAÇÃO COM O DEFENSOR
Ver também Secção 2.1.1 do Código de Deontologia dos Advogados Europeus (Code of
35
Conduct for European Lawyers of the Council of Bars and Law Societies of Europe (CCBE)).
203
ESTUDOS EM HOMENAGEM AO JUIZ CONSELHEIRO ANTÓNIO HENRIQUES GASPAR
36
Isto poderá ocorrer em situações inesperadas nas quais o Advogado deve ponderar se
continua a haver confiança mútua e, se não for o caso, renunciar ao mandato.
37
Existe discussão académica relativamente à questão de saber se o arguido teria ou não o
direito de mentir, sendo, salvo melhor opinião, actualmente aceite de forma consensual que
o arguido não tem propriamente um direito de impedir a busca da verdade, mas também
não tem de nela colaborar.
204
CONFIDENCIALIDADE DA COMUNICAÇÃO COM O DEFENSOR
Por seu turno, não existe qualquer obrigação para o Advogado de denún-
cia de provas de que venha a ter conhecimento ou sequer de informação
sobre a localização dos elementos de prova, isto se o cliente tiver revelado
tais informações ao Advogado. A única situação em que possa haver, por
parte do Advogado, o dever de agir, seria caso as informações fornecidas
pelo cliente revelassem que há pessoas em risco de vida ou em risco de sofrer
danos corporais graves ou atentados graves à sua liberdade. Nesses casos,
o Advogado deverá encontrar forma de lograr um compromisso entre os
dois interesses jurídicos concorrentes – a protecção da vida ou protecção da
integridade física ou da liberdade e a protecção do sigilo profissional – e, de
preferência, encontrar uma forma de reportar a localização da vítima sem
revelar de onde, de quem ou de que parte provêm as provas – ou procurando
persuadir o cliente a impedir que o perigo se concretize, libertando a vítima,
ou, no limite, por exemplo mediante comunicado enviado ao Bastonário
da Ordem dos Advogados que então, em contrapartida, poderia reportar a
informação às autoridades38.
Se, nestes casos, as provas conduzissem à descoberta de elementos de
prova contra o cliente do Advogado, discutir-se-á se poderão as provas
obtidas por tal meio ser utilizadas contra aquele, ou não. Tal dependerá,
em princípio, de saber se a acção de denúncia é considerada ilícita mas
desculpável, ou se está abrangida por uma causa justificativa o que tornaria
a descoberta e a recolha de provas lícita (ou existindo uma das excepções à
doutrina dos frutos da árvore envenenada). Consideramos que a limitação
da susceptibilidade da valoração a esta última constelação poderá ser a inter-
pretação mais correcta. Mas cremos que inexiste opinião unâmime e, aliás,
desconhecemos casos em que tal tenha sucedido que seriam apenas casos
limite verdadeiramente excepcionais, conforme referido (por exemplo, o
cliente ou potencial cliente revelar que raptou uma criança que se encontra
ainda viva mas que morerrá dentro de horas se não houver intervenção).
38
Este é o sistema em vigor para apresentar denúncias nos termos dos regulamentos rela-
tivos ao branqueamento de capitais.
205
ESTUDOS EM HOMENAGEM AO JUIZ CONSELHEIRO ANTÓNIO HENRIQUES GASPAR
39
Regulamento, n.º 94/2006 OA (2ª Série) de 25 de Maio de 2006.
206
CONFIDENCIALIDADE DA COMUNICAÇÃO COM O DEFENSOR
do meio de prova sujeito a segredo […]” (artigos 2.º, n.º 1 e 2, 3.º, n.º 3, e
4.º, n.º 3, do RDSP).
Em caso de indeferimento (mas não em caso de deferimento 40), o
Advogado pode recorrer directamente para o Bastonário da Ordem dos
Advogados (artigos 6.º, n.º 1, e 7.º, n.º 1, do RDSP). Se o Bastonário man-
tiver o indeferimento, o Advogado terá de respeitar de forma integral o
sigilo profissional ou enfrentar as consequências (ver 2.3. infra). Este pro-
cedimento aplica-se igualmente a todos os domínios abrangidos pelo sigilo
profissional, incluindo relativamente aos documentos que se encontrem
na posse do Advogado e que estejam relacionados com o desempenho das
suas funções.
40
“A decisão de deferimento da dispensa de segredo profissional é irrecorrível” (artigo
5.º do RDSP). No entanto, no respeito do princípio de independência (artigo 81.º, n.º 1,
e artigo 89.º do EOA), o Advogado poderá ainda reavaliar a situação e decidir respeitar o
sigilo profissional.
41
“Os ministros de religião ou confissão religiosa e os Advogados, médicos, jornalistas,
membros de instituições de crédito e as demais pessoas a quem a lei permitir ou impuser
que guardem segredo podem escusar-se a depor sobre os factos por ele abrangidos” (artigo
135.º, n.º 1 do CPP).
207
ESTUDOS EM HOMENAGEM AO JUIZ CONSELHEIRO ANTÓNIO HENRIQUES GASPAR
42
A doutrina jurídica estabeleceu uma analogia com os requisitos definidos no artigo 187.º,
n.º 1 do CPP, relativamente à intercepção e à gravação de conversações ou comunicações
telefónicas durante o inquérito (...), que só podem ser autorizadas quanto às seguintes
infracções penais: a) infracções penais “puníveis com pena de prisão superior, no seu
máximo, a 3 anos”; b) infracções “relativas ao tráfico de estupefacientes”; c) “[…] detenção
de arma proibida e de tráfico de armas”; d) “de contrabando”; e) “de injúria, de ameaça, de
coacção, de devassa da vida privada e perturbação da paz e do sossego, quando cometidos
através de telefone”; f) “de ameaça com prática de crime ou de abuso e simulação de sinais
de perigo; ou” g) “de evasão, quando o arguido haja sido condenado por algum dos crimes
previstos nas alíneas anteriores.”
43
I.e. a protecção de tais bens jurídicos é uma necessidade social premente, à semelhança
do que é referido como “uma providência […] necessária” “numa sociedade democrática”
no artigo 8.º, n.º 2 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
44
“[…] A intervenção é suscitada pelo juiz, oficiosamente ou a requerimento” (artigo 135.º,
n.º 3 do CPP).
45
Ver Acórdão de fixação de jurisprudência, n.º 2/2008 do Supremo Tribunal de Justiça,
de 13.02.2008, Proc. 894/07. Embora trate directamente de sigilo bancário, as con-
clusões aplicam-se também a outros tipos de sigilo, incluindo o sigilo profissional do
Advogado.
208
CONFIDENCIALIDADE DA COMUNICAÇÃO COM O DEFENSOR
46
Ver. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21.04.2005, Proc. 05P1300 (3050/04);
Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 05.11.2007, CJ, 2007, T5, p. 288, casos
em que a Ordem dos Advogados não autorizou os depoimentos, mas o Tribunal ainda assim
os ordenou, citando os artigos 2.º, 20.º, 32.º, n.º1 e 203.º da Constituição da República
Portuguesa.
47
Ver Cordeiro (2016).
48
A Lei do Cibercrime parece ter uma regulamentação diferente nesta matéria, uma vez
que refere que “[…] [n]ão pode […] fazer-se uso da injunção […] quanto a sistemas informáticos
utilizados para o exercício da advocacia […]” (artigo 14.º n. 6 da Lei, n.º 109/2009 de 15 de
Setembro). No entanto, também determina que as regras relativas à dispensa e à quebra de
sigilo profissional é aplicável às pessoas que invocam sigilo profissional (artigo 14.º, n.º 6
e, n.º 7 da Lei n.º 109/2009 de 15 de Setembro). Por conseguinte, alguns autores afirmam
que o regime de intimação estabelecido no artigo 182.º a este respeito é também aplicável
e que a distinção apenas implica que a autoridade que pode ordenar a intimação tem de
ser um Tribunal superior àquele onde o incidente tiver sido suscitado, conforme estabele-
cido no artigo 135.º do CPP – ver Albuquerque (2011), anotação referente ao artigo 182.º,
n.º 2. É de referir que, se as autoridades procurarem obter documentos que não estão de
todo abrangidos por sigilo profissional, mas que se encontram num escritório de Advogados,
ou em relação aos quais as autoridades presumem que o Advogado estaria interessado em
pedir a dispensa de sigilo, é certamente preferível, também no que diz respeito ao princípio
da proporcionalidade e à salvaguarda do sigilo relativamente aos documentos mantidos nas
instalações do Advogado, intimar um Advogado para que este entregue os documentos do
que ordenar uma busca e colocar o Advogado em posição de suspeito.
209
ESTUDOS EM HOMENAGEM AO JUIZ CONSELHEIRO ANTÓNIO HENRIQUES GASPAR
49
A natureza contratual (artigo 790.º e ss. do Código Civil) ou a natureza delitual
(artigo 483.º e ss. do Código Civil) da responsabilidade civil nesses casos continua a ser
controversa.
50
Os limites das sanções podem ser agravados até um terço se o crime for cometido “[…]
para obter recompensa ou enriquecimento, para o agente ou para outra pessoa, ou para
causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado […]” ou se o crime for cometido “[…] através de
meio de comunicação social” (artigo 197.º do Código Penal).
210
CONFIDENCIALIDADE DA COMUNICAÇÃO COM O DEFENSOR
51
No processo concreto que decorreu recentemente, mencionado no texto, a Ordem dos
Advogados concedeu ao defensor a dispensa de segredo profissional relativamente a deter-
minados documentos, mas o defensor nesse momento já cessara funções.
211
ESTUDOS EM HOMENAGEM AO JUIZ CONSELHEIRO ANTÓNIO HENRIQUES GASPAR
52
É evidente que, se o Advogado incitar ou auxiliar o cliente a cometer um crime, o
Advogado estaria a violar o EOA, e ele próprio estaria a cometer um crime, pelo menos
como instigador ou cúmplice e, por conseguinte, tal conduta não iria ser protegida pelo
regime do segredo profissional.
212
CONFIDENCIALIDADE DA COMUNICAÇÃO COM O DEFENSOR
53
Quanto às buscas e apreensões em geral no âmbito do processo penal em Portugal, cf.
Caeiro/Costa (2013), pp. 558 e ss.
54
Um registo público está disponível em https://portal.oa.pt/Advogados/pesquisa-de-
Advogados/.
55
Aparentemente, alguma jurisprudência e doutrina entenderá que a busca nas instalações
de Advogados poderá ser ordenada em caso de crimes dos quais o Advogado não é suspeito.
A nosso ver, tal medida tem um carácter marcadamente excepcional; em princípio, os úni-
cos objectos ou documentos que poderão ser apreendidos são os que estão relacionados
com infracções cometidas pelo Advogado ou pelos seus colaboradores (neste caso, uma
213
ESTUDOS EM HOMENAGEM AO JUIZ CONSELHEIRO ANTÓNIO HENRIQUES GASPAR
condição indispensável é que sejam constituídos como arguidos antes da busca) ou os que
constituem objectos de um crime (tal como a prova de um crime que não poderia ser obtida
de outra forma – imagine uma situação em que alguém teria escondido um cadáver num
escritório de Advogados sem o conhecimento do Advogado). No último caso, consideramos
que a medida preferível é a da intimação em vez de efectuar uma busca num escritório de
Advogado. Esta medida deverá ser uma medida absolutamente excepcional. Admitindo-se
as buscas para outro tipo de documentos e sem que o Advogado seja ele próprio suspeito
constituído arguido, então tais buscas deveriam ser preteridas em favor de intimação para
a entrega de documentos, perante a qual o Advogado poderia pedir a dispensa de sigilo,
ou ser suscitada a quebra de segredo profissional. Inexistindo receio que a prova possa
desaparecer ou ser destruída, não é em caso algum justificada a busca.
56
Cf. o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 23 de Fevereiro de 2017, Processo,
n.º 1130/14.7TDLSB-C.L1-9, Relator: Cristina Branco, disponível em http://www.dgsi.pt/
jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/2f1cf874c969def3802580d0006e6214?O
penDocument.
57
Ver o que foi decidido no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 15 de Abril de
2010, proferido no Processo, n.º 56/06.2TELSB-B.L1-9, com a Relatora Fátima Mata-Mouros:
“[…] V – O eventual interesse da investigação na apreensão de documentação respeitante
ao exercício da advocacia não pode, por si só, servir de justificação à constituição de um
Advogado como arguido. VI – Segundo as opções feitas pelo legislador e que se encontram
claramente plasmadas na lei, designadamente no Estatuto da Ordem dos Advogados e
no CPP, não é a apreensão de documentação profissional num escritório de Advogados
que permite fundamentar a constituição do Advogado como arguido, antes sendo a
constituição de um Advogado como arguido que abre a possibilidade de apreensão de
correspondência profissional do mesmo. […]”, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/
e6e1f17fa82712ff80257583004e3ddc/fdc745090a69eaa18025770b003dd2eb?OpenDo
cument.
214
CONFIDENCIALIDADE DA COMUNICAÇÃO COM O DEFENSOR
58
Ver também artigo 75.º do EOA.
59
Lei 145/2015, de 9 de Setembro.
60
Ver a Decisão Singular do Vice-Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, de 04 de
Julho de 2016, proferida no ^`âmbito do Processo n.º 108/15.8JALRA-A.L1.-3, com o Relator
Orlando Nascimento, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/-/90B96E72687D805280
257FFE002B0530.
61
Ver o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20 de Fevereiro de 2018, Processo,
n.º 5340/17.7T9LSB-A.L1-5, Relator: Vieira Lamim, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrl.
215
ESTUDOS EM HOMENAGEM AO JUIZ CONSELHEIRO ANTÓNIO HENRIQUES GASPAR
nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/3e7390ebccec599980258249004ebb7b?Open
Document&Highlight=0,cibercrime.
62
O artigo 179.º, n.º 3 do CPP determina que “[o] juiz que tiver autorizado ou ordenado
a diligência é a primeira pessoa a tomar conhecimento do conteúdo da correspondência
apreendida. Se a considerar relevante para a prova, fá-la juntar ao processo; caso contrário,
restitui-a a quem de direito, não podendo ela ser utilizada como meio de prova, e fica ligado
por dever de segredo relativamente àquilo de que tiver tomado conhecimento e não tiver
interesse para a prova”.
63
Ver o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20 de Fevereiro de 2018, Processo,
n.º 5340/17.7T9LSB-A.L1-5, Relator: Vieira Lamim, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrl.
nsf/33182fc732316039802565fa00497 eec/3e7390ebccec599980258249004ebb7b?Open
Document&Highlight=0,cibercrime.
216
CONFIDENCIALIDADE DA COMUNICAÇÃO COM O DEFENSOR
pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=1137&tabela=leis.
217
ESTUDOS EM HOMENAGEM AO JUIZ CONSELHEIRO ANTÓNIO HENRIQUES GASPAR
65
Cf. também Caeiro/Costa (2013), pp. 555-557.
218
CONFIDENCIALIDADE DA COMUNICAÇÃO COM O DEFENSOR
66
Caeiro/Costa (2013), p. 556.
67
Cf., a título representativo, Mendes (2013), p. 225, citando a jurisprudência constitu-
cional, no Acórdão 184/2004, de 28.03.2004, que refere inclusivamente que bastaria a
referência às garantias de defesa constante do artigo 32.º, n.º 1, “para que entre esses direitos
219
ESTUDOS EM HOMENAGEM AO JUIZ CONSELHEIRO ANTÓNIO HENRIQUES GASPAR
220
CONFIDENCIALIDADE DA COMUNICAÇÃO COM O DEFENSOR
processo, por violação dos artigos 187.º, n.º 1, e 188.º, n.º 1, do CPP nos
termos dos artigos 126.º, n.º 1, do CPP, e 32.º, n.º 8 da Constituição da
República Portuguesa, as gravações e transcrições das conversas não podiam
ser utilizadas. Além disso, as provas derivadas, inclusivamente o produto
estupefaciente apreendido, tinham sido excluídas, nos termos do artigo
122.º, n.º 1, do CPP. Não obstante, os arguidos tinham sido condenados com
base em outras provas, inclusivamente as confissões que fizeram durante a
audiência de julgamento.
Esta decisão foi objecto de recurso no qual os arguidos defenderam que
o efeito reflexo (“efeito à distância”) nos termos do artigo 122.º, n.º 1, do
CPP se aplicaria a quaisquer provas que tivessem um nexo causal com as
provas inválidas e nulas, e não permitiria quaisquer limitações. O Tribunal
da Relação de Coimbra decidiu que, não obstante a nulidade da intercep-
ção das intercepções telefónicas, nem todas as provas derivadas tinham
que ser excluídas, nomeadamente: a identificação dos arguidos, caso esta
identificação tivesse sido confirmada pelos mesmos ou pelas testemunhas;
as buscas, mesmo caso tivessem sido realizadas após as intercepções telefó-
nicas; a apreensão do produto estupefaciente no automóvel conduzido por
um dos arguidos. Mais, decidiu o Tribunal que a alegação de que não teria
sido encontrada outra prova do crime, tinha que ser demonstrada; as provas
reais, tais como os intrumentos/objectos do crime seriam abrangidas pela
exclusão (o automóvel, o produto estupefaciente), ainda que a apreensão
dos mesmos estivesse eivada de nulidade. Finalmente, a confissão prestada
pelo arguido de livre vontade, não sendo assim inteiramente um resultado
das intercepções telefónicas ilícitas, também não deveria ser excluída.
O Supremo Tribunal de Justiça confirmou esta decisão 71.
O Tribunal Constitucional limitou a sua decisão relativamente à questão
da constitucionalidade da interpretação do artigo 122.º, n.º 1, segundo a
qual a utilização de provas derivadas, diferentes das provas obtidas pelas
próprias intercepções telefónicas, seria permitida caso tal prova subsequente
fosse uma declaração prestada pelos próprios arguidos sob a forma de con-
fissão72. Segundo a decisão73, ainda que a nossa Constituição contenha uma
disposição explícita que define o direito a obter a eliminação ou exclusão
71
Ver pp. 11-14 do Acórdão, §2.1.
72
Ver p. 14 do Acórdão, §2.1.
73
Ver pp. 15-16 do Acórdão, § 2.2.1.
221
ESTUDOS EM HOMENAGEM AO JUIZ CONSELHEIRO ANTÓNIO HENRIQUES GASPAR
74
Ver artigo 32.º § 8 da CRP
75
Ver p. 15 do Acórdão, § 2.2.1. O artigo 32.º §1 da Constituição da República Portuguesa
estabelece: “O processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o
recurso”.
76
Ver p. 15 do Acórdão, § 2.2.1.
77
Ver p do Acórdão, § 2.2.1.
78
Ver p. 16 do Acórdão, § 2.2.1.
222
CONFIDENCIALIDADE DA COMUNICAÇÃO COM O DEFENSOR
79
Ver p.. 21 do Acórdão, §2.2.4.
80
O Tribunal apresentou um resumo do desenvolvimento da teoria da árvore envenenada
(the fruit-of-the-poisonous-tree-doctrine) na jurisprudência do Supremo Tribunal dos Estados
Unidos com referência a Silverthorne Lumber Co. v. United States, 251 U.S. 385 (1920), Nardone
v. United States, 308 U.S. 338 (1939), Weeks v. United States, 232 U.S. 383 (1914) e Mapp v. Ohio,
367 U.S. 643 (1961). O Tribunal referiu que esta doutrina tinha sido sempre aplicada com
limitações e resenha a jurisprudência do Supremo Tribunal dos Estados Unidos relativa-
mente à limitação da fonte independente (“independent source limitation”) (Silverthorne Lumber
Co. v. United States and Segura v. United States, 468 U.S. 796, 1983), à limitação da descoberta
inevitável (“inevitable discovery limitation”) (Nix v. Williams, 467 U.S. 430 (1983)) e à limi-
tação da mácula (nódoa) dissipada “purged taint limitation” (Wong Sun v. United States, 371 U.S.
471 (1962); Michigan v. Tucker, 417 U. S. 433 (1971); Oregon v. Elstad, 470 U.S. 298 (1985)).
81
Ver p. 22 e ss. do Acórdão, §2.2.5.
223
ESTUDOS EM HOMENAGEM AO JUIZ CONSELHEIRO ANTÓNIO HENRIQUES GASPAR
82
Ver p. 22 do Acórdão, § 2.2.4.
83
Ver pp. 24-25 do Acórdão, § 2.3.1.
84
Ver p. 25 do Acórdão, § 2.3.1.
85
Ver p. 25 do Acórdão, §2.3.1.
224
CONFIDENCIALIDADE DA COMUNICAÇÃO COM O DEFENSOR
sigilo profissional, etc.), sem prejuízo das excepções à exclusão das provas
derivadas, também já referidas.
Conforme também já referimos, diversa jurisprudência e doutrina consi-
dera que as provas obtidas em violação de direitos processuais fundamentais
devem igualmente ser excluídas nos termos do artigo 32.º da CRP e do artigo
126.º do CPP, o que inclui as situações de violações do direito de defesa ou
o do direito à assistência por Advogado86.
No que respeita à apreensão de correspondência ou de comunicações
electrónicas guardadas em suporte digital, bem como à intercepção da
comunicação entre o cliente e o defensor, as disposições estabelecidas no
CPP e na Lei do Cibercrime quanto à utilização destes meios de obtenção
de provas definem de forma explícita a nulidade como a sanção aplicável
em caso de infracção (artigo 179.º, n.º 1, e artigo 190.º do CPP, aplicável
às comunicações electrónicas ex vi artigo 17.º e artigo 18.º, n.º 4, da Lei do
Cibercrime).
Esta nulidade é considerada como uma regra de exclusão da prova, em
consonância com o disposto nos artigos 32.º, n.º 8, da CRP, e 126.º, n.º 1 e
3 do CPP. Existe, todavia, discussão sobre a questão da aplicabilidade desta
sanção para a violação de todas as disposições formais estabelecidas no CPP
e na Lei do Cibercrime, ou apenas às disposições sobre os pressupostos para
o decretamento destas medidas, mas já não quanto às formalidades, caso em
que se estaria perante o que seria uma “mera nulidade”, i.e. uma nulidade
que poderá sanar-se caso não seja arguida atempadamente).
Acresce que o EOA estabelece expressamente uma regra de exclusão
da prova para todos os actos cometidos em violação do sigilo profissional
(artigo 92.º, n.º 5, do EOA). Nos termos desta norma, os actos praticados pelo
Advogado em violação do sigilo profissional, i.e. os actos não autorizados no
âmbito da dispensa ou da quebra do sigilo profissional, conforme descrito
supra, não podem ser utilizados como prova em Tribunal.
86
Cf., a título representativo, Mendes (2013), p. 225, citando a jurisprudência constitu-
cional, no Acórdão 184/2004, de 28.03.2004, que refere inclusivamente que bastaria a
referência às garantias de defesa constante do artigo 32.º, n.º 1, “para que entre esses direi-
tos de defesa se considerasse incluído o de ver excluídas do processo (tornadas ineficazes,
inválidas ou nulas) as próprias provas ilegais reportadas a valores constitucionalmente
relevantes”; Correia (2006), pp. 189-191.
225
ESTUDOS EM HOMENAGEM AO JUIZ CONSELHEIRO ANTÓNIO HENRIQUES GASPAR
87
Cf. o considerando n.º 20 da Directiva.
226
CONFIDENCIALIDADE DA COMUNICAÇÃO COM O DEFENSOR
Crítica e Reforma?
A protecção do segredo profissional e do direito à assistência por
Advogado em Portugal, especialmente no processo penal, está bem con-
cebida e garante um elevado nível de protecção que deverá ser mantido,
sem prejuízo da possibilidade de aperfeiçoamento de alguns aspectos de
pormenor.
Conforme realçado supra, deveria ser consagrada uma disposição legal
que estabeleça a obrigação de informar as testemunhas sobre o seu direito à
assistência por Advogado. Tal evitaria que pessoas que são de facto suspeitas
(ou passariam a sê-lo caso prestem declarações) fossem inquiridas na quali-
dade de testemunhas sem poder exercer de forma informada e plena o seu
direito à não auto-incriminação e requererem a constituição formal como
arguidas, sendo o caso. Tal disposição legal estaria também em consonância
com as boas práticas já adoptadas por algumas autoridades judiciárias ou
policiais, supra referidas.
A aplicação prática do direito à assistência por Advogado desde o início da
detenção também poderá ser objecto de melhora. Caso uma pessoa detida
não confira mandato a um defensor a título privado e deseje ser assistida
por um defensor nomeado oficiosamente, este último deverá ser nomeado
sem demora, e não apenas no momento imediatamente anterior ao início
do interrogatório. Assim, promover-se-ia o respeito por duas garantias
fundamentais: (i) a função do Advogado como garante da prevenção dos
maus tratos, em conformidade com as recomendações do Comité Europeu
para a Prevenção da Tortura e Outras Penas ou Tratamentos Desumanos
88
Ver , a título exemplificativo, Albuquerque (2011), anotação ao artigo 310.º, n.º 17 e 18
do CPP, afirmando que a decisão de não pronúncia não é susceptível de reabertura, nos
termos do artigo 279.º do CPP, com referências adicionais, a favor e contra esta posição.
227
ESTUDOS EM HOMENAGEM AO JUIZ CONSELHEIRO ANTÓNIO HENRIQUES GASPAR
89
Cf. supra nota 15.
90
Como é o caso, por exemplo, na Alemanha.
228
CONFIDENCIALIDADE DA COMUNICAÇÃO COM O DEFENSOR
91
Ver, por exemplo, as situações referidas pelo Bastonário da Ordem dos Advogados em
2017 (http://expresso.sapo.pt/sociedade/2017-07-09-Ordem-vai-processar-Estado-por-
-causa-de-buscas-a-Advogados), e por Bastonários anteriores, por exemplo em 2012 (http://
www.inverbis.pt/2012/Advogados/Advogados-arguidos-buscas-escritorios). Cf. também
Narciso Machado, Juiz Desembargador jubilado, https://www.publico.pt/2017/07/18/socie-
dade/opiniao/as-buscas-nos-escritorios-dos-Advogados-1779398. Segundo as informações
gentilmente cedidas pelos competentes Conselhos Regionais da Ordem dos Advogados,
referentes ao período de 2009 a 2017, ocorreram as seguintes buscas em escritórios de
Advogados Lisboa – 2009: 28; 2010: 4; 2011: 13; 2012: 18; 2013: 10; 2014: 18; 2015: 15; 2016:
17; 2017: 18 (Total: 141); Porto – 2009: 4; 2010: –; 2011: –; 2012: 0; 2013: 2; 2014: 1; 2015:
6; 2016: 3; 2017: 2 (Total: 18); Coimbra – 2009: 5; 2010: 2; 2011: 0; 2012: 4; 2013: 1; 2014: 7;
2015: 4; 2016: 2; 2017: 4 (Total: 29); Évora: 2009: 0; 2010: 0; 2011: 0; 2012: 0; 2013: 0; 2014:
1; 2015: 1 2016: 00; 2017: 0 (Total: 2); Faro: 2009: –; 2010: 2; 2011: 1; 2012: 1; 2013: 3; 2014:
1; 2015: 4; 2016: 1; 2017: 1 (Total: 14); Açores – 2009: 5; 2010: 0; 2011: 0; 2012: 0; 2013: 0;
2014: 0; 2015: 0; 2016: 0; 2017: 0 (Total: 1)
92
http://expresso.sapo.pt/sociedade/2017-07-09-Ordem-vai-processar-Estado-por-causa-
-de-buscas-a-Advogados.
229
ESTUDOS EM HOMENAGEM AO JUIZ CONSELHEIRO ANTÓNIO HENRIQUES GASPAR
Lista de referências
A prática de tais actos por pessoas que não possuem a qualificação necessária para o
94
230
CONFIDENCIALIDADE DA COMUNICAÇÃO COM O DEFENSOR
Cordeiro, João Valente (2016) A quebra do dever de sigilo por imposição do Tribunal
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Anos da Constituição da República Portuguesa de 1976, AAFDL, Lisboa.
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Dias, por ocasião dos 20 anos do Código de Processo Penal Português, Almedina, Coimbra,
pp. 789-803.
231
Índice
Apresentação 7
PARTE 1
RETRATO E TESTEMUNHOS
PARTE 2
DIREITO PENAL E DIREITO PROCESSUAL PENAL
485
ESTUDOS EM HOMENAGEM AO JUIZ CONSELHEIRO ANTÓNIO HENRIQUES GASPAR
PARTE 3
DIREITO CIVIL E PROCESSO CIVIL
486
ÍNDICE
PARTE 4
DIREITO FISCAL E DIREITO DA UNIÃO EUROPEIA
PARTE 5
HISTÓRIA E HISTÓRIA DO DIREITO
487