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Estudos em Homenagem

ao Juiz Conselheiro
António Henriques Gaspar
apoios pessoais:
ANA MARIA BARATA DE BRITO
ANABELA MIRANDA RODRIGUES
ANTÓNIO AMARO ROSA
ANTÓNIO BRITO NEVES
ARMANDO DIAS RAMOS
CARLOS LOPES DO REGO
CARLOS PINTO DE ABREU
JOÃO VALENTE CORDEIRO
JOSÉ BRAZ
JOSÉ DUARTE NOGUEIRA
LUÍS AZEVEDO MENDES
MANUEL GUEDES VALENTE
MÓNICA BASTOS DIAS
SALVADOR DA COSTA
VÂNIA COSTA RAMOS

apoios institucionais:
Câmara Municipal de Pampilhosa da Serra
Estudos em Homenagem
ao Juiz Conselheiro
António Henriques Gaspar

2019

Coordenadores
António Amaro Rosa
Armando Dias Ramos
ESTUDOS EM HOMENAGEM AO JUIZ CONSELHEIRO
ANTÓNIO HENRIQUES GASPAR
coordenadores
António Amaro Rosa
Armando Dias Ramos
editor
EDIÇÕES ALMEDINA, S.A.
Rua Fernandes Tomás, nºs 76, 78 e 80
3000-167 Coimbra
Tel.: 239 851 904 · Fax: 239 851 901
www.almedina.net · editora@almedina.net
design de capa
FBA.
pré-impressão
EDIÇÕES ALMEDINA, S.A.
impressão e acabamento

Novembro, 2019
depósito legal
….

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sem prévia autorização escrita do Editor, é ilícita e passível de procedimento
judicial contra o infrator.

biblioteca nacional de portugal – catalogação na publicação

ESTUDOS EM HOMENAGEM A ANTÓNIO HENRIQUES GASPAR

Estudos em homenagem a António Henriques Gaspar.


– (Estudos de homenagem)
ISBN 978-972-40-8208-0

CDU 34
Confidencialidade da comunicação com o defensor
como exigência de um processo penal justo e equitativo
Vânia Costa Ramos
Advogada, Presidente do Fórum Penal – Associação dos Advogados Penalistas e investigadora no
Centro de Investigação em Direito Penal e Ciências Criminais (CIDPCC) da Faculdade de Direito
da Universidade de Lisboa
vaniacostaramos@carlospintodeabreu.com

Carlos Pinto de Abreu


Advogado especialista em Direito Criminal, reconhecido pela Ordem dos Advogados Portugueses,
e membro da Direcção da APAV – Associação Portuguesa de Apoio à Vítima
carlospintodeabreu@carlospintodeabreu.com

João Valente Cordeiro


Advogado, Professor de Direito e Ética na Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade Nova
de Lisboa e investigador no Centro de Investigação em Saúde Pública, Escola Nacional de Saúde
Pública, Universidade Nova de Lisboa.
joaovalentecordeiro@carlospintodeabreu.com

Introdução

Presta-se neste escrito modesta contribuição para os Estudos em


Homenagem ao Senhor Juiz Conselheiro António Henriques Gaspar, o que
fazemos sobretudo na nossa qualidade de Advogados e de penalistas preo-
cupados com o rigor da interpretação e da aplicação da lei, com a cidadania
informada e activa e com a ética nas profissões do foro e na praxis judiciária.
A escolha do presente tema pode atribuir-se a uma dúplice motivação:
por um lado, como ponto de partida, o interesse académico e dogmático,
mas, em particular, a experiência prática dos autores no exercício profissional
e em equipa da advocacia penal, da defesa em processo penal; por outro, a
circunstância de o homenageado, nas suas várias vestes (na Magistratura do
Ministério Público, inclusivamente na qualidade de Agente de Portugal no
Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, e na Judicatura, quer em Portugal,
quer como Membro do Comité Diretor de Direitos Humanos e do Comité
de Peritos do Conselho da Europa para a Melhoria dos Procedimentos para
Proteção dos Direitos Humanos, ambos do Conselho da Europa, e ainda

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ESTUDOS EM HOMENAGEM AO JUIZ CONSELHEIRO ANTÓNIO HENRIQUES GASPAR

como Membro do Comité das Nações Unidas contra a Tortura), sempre ter
pugnado pela defesa da importância do papel do Advogado, defensor no
processo penal, que concretize adequadamente a intervenção informada,
activa e cívica, bem como as exigências do processo justo e equitativo.
Cada texto jurídico assume uma função específica, podendo esta ser mais
ou menos dogmática, problemática, descritiva, crítica, prática ou inovadora.
No presente humilde contributo, a função é, sem prejuízo de algum apon-
tamento crítico, essencialmente descritiva e prática, dando à estampa um
texto que poderá parecer, numa perspectiva meramente interna, descrever
um enquadramento jurídico que temos como um dado “adquirido” e, em
particular, na perspectiva do direito de acesso ao Advogado, indiscutível.
Mas que, visto de uma perspectiva internacional em que foi inicialmente
desenvolvido1, teve e tem o interesse de dar a conhecer um ordenamento
que se destaca essencialmente pela positiva, por consagrar claramente um
regime jurídico em que o papel da assistência por Advogado, em geral, e
por defensor, em particular, tem consagração legal e constitucional solida-
mente estabelecida e sem qualquer excepção no que toca ao direito a não
estar só.
Também no domínio da protecção da confidencialidade das relações
entre defensor e arguido, o nosso regime destaca-se a nível internacional,
pela protecção firme e alargada das prerrogativas do mandato no âmbito da
defesa penal, pelo menos a nível legislativo.
Finalmente, o que aqui se escreve tem sobretudo uma perspectiva prática
baseada na nossa experiência na defesa em processos de natureza penal,
circunstância que considerámos poder constituir o modesto valor acres-
centado de um texto escrito por Advogados, defensores penais, mas que
poderá também, certamente, levar a que alguma ou algumas das opiniões
expressadas mereçam discordância – e, esperamos sinceramente, resposta
crítica, dialogante e sobretudo construtiva – de outros causídicos e dos
demais actores judiciários, bem como de outros juristas e da academia.

1
 O presente texto, numa primeira versão em língua inglesa, foi elaborado como relatório
português para o XX Congresso da Associação Internacional de Direito Comparado, rea-
lizado em 22-28 de Julho de 2018. Mantivemos, no essencial, a versão apresentada naquele
Congresso e elaborada em Maio de 2018, com algumas alterações na estrutura do texto. O
texto não tem pretensões de exaustividade quanto às referências bibliográficas e jurispru-
denciais, sendo por natureza incompleto por esta perspectiva, tratando-se de work in progress.

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CONFIDENCIALIDADE DA COMUNICAÇÃO COM O DEFENSOR

1. O direito de assistência por advogado em processo penal em


Portugal2

1.1. Enquadramento jurídico do direito de assistência por Advogado


em Portugal
O direito à assistência por Advogado é um direito consagrado no orde-
namento jurídico português com estatuto constitucional na Constituição
democrática de 1976. O artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa
(adiante designada por CRP), inspirado no artigo 6.º da Convenção
Europeia dos Direitos Humanos (adiante designada por CEDH), esta-
belece o direito a um processo justo e equitativo, à tutela jurisdicional
efectiva e à assistência por Advogado, sob o título “[a]cesso ao direito e
tutela jurisdicional efetiva”. O direito à assistência por Advogado está
consagrado no n.º 2 desta norma constitucional que prevê que “[t]odos
têm direito, nos termos da lei, à informação e consulta jurídicas, ao patro-
cínio judiciário e a fazer-se acompanhar por Advogado perante qualquer
autoridade”.
Em consequência, todas as pessoas, independentemente do seu estatuto
processual (arguido, assistente, vítima, parte civil, testemunha, perito,
interveniente acidental), têm o direito à assistência por Advogado perante
qualquer autoridade3, o que abrange, evidentemente, autoridades que con-
duzam, tramitem ou acompanhem processos penais ou prestam assistência
em processos dessa natureza). Acresce que, no processo criminal, o direito
do arguido à assistência por Advogado está ainda explicitamente reconhe-
cido no artigo 32.º, n.º 3, da CRP.
A função do Advogado é inclusivamente reconhecida constitucional-
mente e a advocacia é erigida como instituição essencial à administração
da justiça. O artigo 208.º da CRP, aditado em 1997, determina que “[a] lei
assegura aos Advogados as imunidades necessárias ao exercício do mandato
e regula o patrocínio forense como elemento essencial à administração

2
 Para uma análise mais detalhada relativamente ao direito à assistência por um Advogado
em processo penal em Portugal, também no que diz respeito às vítimas, cf. Costa Ramos/
Churro (2019), na qual se apresenta uma descrição do enquadramento geral do direito à
assistência por Advogado e a definição de “suspeito” (“suspect”) e de “arguido” (“accused”).
Ver também Abreu (2008); Silva (2014a).
3
 Para mais detalhes sobre este direito, ver Silva (2001).

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ESTUDOS EM HOMENAGEM AO JUIZ CONSELHEIRO ANTÓNIO HENRIQUES GASPAR

da justiça.”4. Esta disposição fundamental constitui uma das fontes para a


protecção legal dos privilégios e das imunidades conferidos aos Advogados
no desempenho da sua actividade profissional, concretizados na Lei da
Organização do Sistema Judiciário5 e na Lei que aprova o Estatuto da Ordem
dos Advogados (doravante designado por EOA) 6.
Os Advogados não podem ser impedidos do exercício das suas funções e
de gozar dos privilégios e imunidades necessários ao exercício das mesmas
de modo parcial, independente e de forma responsável, nomeadamente os
seguintes: i) protecção do sigilo profissional (confidencialidade na relação
Advogado-cliente); ii) o direito de exercer livremente o patrocínio e a con-
sulta jurídica e de não ser sancionado pelo exercício de quaisquer actos em
conformidade com as regras profissionais; iii) o direito à protecção especial
da comunicação com o cliente e à protecção do sigilo de quaisquer docu-
mentos relativos ao exercício dos direitos de defesa (confidencialidade na
relação Advogado-cliente); iv) o direito a regulamentação especial relativa
à colocação de selos, às penhoras, às buscas e exames em diligências rea-
lizadas nas suas instalações profissionais, bem assim como à apreensão de
correspondência e de documentos7.
Excepto em caso de acção penal contra o próprio Advogado, a confiden-
cialidade na relação entre o defensor em processo penal e o seu cliente é, a
nosso ver, um princípio quase absoluto – na medida em que comporta limi-
tadíssimas excepções para a dispensa ou para quebra da confidencialidade
das comunicações entre defensor e cliente8. Podem, quanto muito, existir
situações extremas e excepcionais em que a violação de tal dever possa ser
justificada por direito de necessidade ou, no limite, exculpada por estado
de necessidade.

4
 Para mais detalhes sobre esta disposição constitucional, cf. Miranda/Medeiros (2007),
anotação relativa ao artigo 208.º da CRP, p. 98 e ss.
5
 Lei n.º 62/2013 de 26 de Agosto.
6
 Lei n.º 145/2015 de 9 de Setembro.
7
 Artigo 13.º da Lei n.º 62/2013 de 26 de Agosto, e artigos 66.º, n.º 3, 69.º, 72.º, 75.º, 76.º,
77.º, 78.º, 79.º, 80.º, 88.º, 89.º, 92.º e 113.º do EOA.
8
 Cf. artigo 179.º, n.º 2 e 187.º, n.º 5 do CPP. Ver, contudo, as referências infra na secção 4.

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CONFIDENCIALIDADE DA COMUNICAÇÃO COM O DEFENSOR

1.2 O direito das testemunhas à assistência por Advogado


O Código do Processo Penal (CPP) reflecte estas disposições constitucio-
nais e, no que respeita às testemunhas, o artigo 132.º, n.º 4, determina que as
testemunhas poderão ter assistência por um Advogado quando são inquiridas.
Neste caso, a função do Advogado está limitada a informar a testemunha
sobre os seus direitos, sem interferir na inquirição, salvo necessidade de
aconselhamento imediato. O Advogado pode, por exemplo, aconselhar a
testemunha a não responder a determinada pergunta, caso isso implique
ou possa implicar a incriminação desta; sobre o exercício dos direitos de
recusa a depor, ou sobre direito a requerer a constituição como arguido,
etc., podendo evidentemente colocar à entidade que dirige a inquirição
as questões necessárias ao exercício daquela função. De sublinhar que o
defensor de um arguido não pode representar testemunhas no processo e
vice-versa (artigo 132.º, n.º 5, do CPP)9.
Embora não exista qualquer disposição sobre a informação legal obriga-
tória relativa a este direito, as Secções dos Tribunais e do Ministério Público
incluem frequentemente nas notificações das testemunhas informação sobre
o direito a fazer-se acompanhar por Advogado. Consideramos que deveria
existir uma clara e expressa disposição legal exigindo tal comunicação, uma
vez que o conhecimento sobre o direito à assistência por Advogado é crucial
para a testemunha poder exercê-lo e, consequentemente, exercer os seus
demais direitos, por exemplo, se tal se revelar adequado, o direito de soli-
citar a sua constituição como arguido, conforme se explicará mais adiante.

1.3. O direito do suspeito e do arguido à assistência por Advogado


O Código de Processo Penal distingue entre o “suspeito” e o “arguido”.
O “suspeito” é definido pelo artigo 1.º, alínea e), do CPP como “toda a
pessoa relativamente à qual exista indício de que cometeu ou se prepara para
cometer um crime, ou que nele participou ou se prepara para participar”.

9
 A questão de saber se poderá a testemunha ser representada por Advogado da mesma
sociedade de Advogados do defensor deverá ser apreciada, em nossa opinião, à luz dos cri-
térios das disposições sobre conflito de interesses prevista no Estatuto. Em fase de inquérito
que esteja em segredo de justiça, poderá eventualmente a situação colidir com interesses
processuais referentes à protecção do inquérito contra o perigo de comprometimento ou
perturbação para aquisição da prova.

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ESTUDOS EM HOMENAGEM AO JUIZ CONSELHEIRO ANTÓNIO HENRIQUES GASPAR

Embora o CPP não inclua uma definição do conceito de “arguido”10, esta


definição pode ser extraída das normas subjacentes ao estatuto do arguido,
ou seja do complexo dos seus direitos e deveres no processo penal (artigo
60.º e 61.º), e estabelecida a partir das exigências para a aquisição formal
desse estatuto (artigo 57.º, 58.º e 59.º).
Relativamente aos suspeitos, o direito à assistência por Advogado aplica-
-se nos mesmos termos descritos para as testemunhas, devendo salientar-se
que, caso durante inquirição ou pedido de informações contra pessoa con-
tra quem surja suspeita fundada da prática de crime, a mesma terá de ser
necessária e imediatamente constituída como arguida, como explicado infra
(artigo 250.º, n.º 8, e 59.º, n.º 1, do CPP).
O arguido tem pleno direito à assistência por Advogado desde o momento
em que adquire tal qualidade (artigo 60.º e 61.º, n.º 1, alínea e) do CPP).
Nesse momento, o arguido também recebe indicação e, se necessário, expli-
cação, por via de comunicação oral ou por escrito, quanto ao gozo e exercício
do direito à assistência por Advogado (artigo 58.º do CPP), recebendo, tanto
quanto sabemos, em todos os casos, uma “carta de direitos e deveres” (termo
de constituição de arguido).
A constituição de uma pessoa como arguida tem de ser comunicada, o
mais tardar, no momento em que a acusação é deduzida (artigo 57.º, n.º 1,
do CPP). Porém, esta é mais a excepção do que a regra – apenas acontece
na prática caso o arguido não tenha sido localizado durante as investigações,
dado que o CPP determina que sempre que uma investigação criminal contra
determinada pessoa esteja pendente, esta pessoa tem que ser interrogada
o mais tardar no momento antes da decisão sobre a dedução de acusação 11.
Consequentemente, a constituição de arguido geralmente acontece antes
desse momento. É ainda obrigatória a constituição de arguido a partir do
momento em que12: i) uma pessoa preste “[…] declarações perante qualquer
autoridade judiciária ou órgão de polícia criminal […]” enquanto corre um
“[…] inquérito contra pessoa determinada em relação à qual haja suspeita

10
 Cf. Caeiro/Costa (2013), pp. 550-551.
11
 Artigo 272.º,, n.º 1, do CPP. Vide ainda Caeiro/Costa (2013), p. 554.
12
 Embora os entes colectivos possam também ser responsabilizadas por actos criminosos,
desde que a previsão dessa responsabilidade esteja estabelecida de forma explícita em norma
expressa, não existem regras processuais específicas para entes colectivos na qualidade de
arguidos. Sobre esta questão, cf. representativamente Silva (2014); Silva (2009).

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CONFIDENCIALIDADE DA COMUNICAÇÃO COM O DEFENSOR

fundada da prática de crime […]” (artigo 58.º, n.º 1, alínea a), do CPP);
ii) “[t]enha de ser aplicada a qualquer pessoa uma medida de coação ou de
garantia patrimonial […]” (artigo 58.º, n.º 1, alínea b)); iii) “[u]m suspeito
for detido, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 254.º a 261.º
[…]” do CPP; iv) “[f]or levantado auto de notícia que dê uma pessoa como
agente de um crime e aquele lhe for comunicado, salvo se a notícia for
manifestamente infundada” (artigo 58.º, n.º 1, alínea d)).
Além disso, o CPP exige que “[s]e, durante qualquer inquirição feita a
pessoa que não é arguido surgir fundada suspeita de crime por ela come-
tido, a entidade que procede ao acto suspende-o imediatamente […]” e deve
ser operada a constituição de arguido (artigo 58.º, n.º 2, e 59.º, n.º 1). A
constituição de arguido pode ocorrer a pedido da “[…] pessoa sobre quem
recair suspeita de ter cometido um crime […] sempre que estiverem a ser
efectuadas diligências, destinadas a comprovar a imputação, que pessoal-
mente a afectem.”13 Para esse efeito, como se refere supra, é importante que
a testemunha possa ser assistida por um Advogado.
A violação das disposições sobre a aquisição formal da qualidade
de arguido desencadeia a aplicação de uma regra de exclusão da prova
(habitualmente designada “proibição de valoração da prova”), no mínimo
relativamente às declarações prestadas pela pessoa em causa (assim como
qualquer prova secundária que apresente um nexo de causalidade com a
mesma)14.
A partir do momento em que um defensor tenha sido mandatado ou
nomeado oficiosamente, este permanecerá em funções durante todo o pro-
cesso penal, a menos que seja substituído por outro defensor.
A conjugação destas regras com as regras sobre a assistência obrigatória
por Advogado, que serão explicadas mais adiante, determina que, normal-
mente, um sujeito que seja constituído arguido não só tenha o direito formal
à assistência por um Advogado, mas seja, de facto, assistido por um Advogado
em caso de detenção e antes de qualquer interrogatório.
A aplicação prática deste direito não é sempre salvaguardada, todavia,
de forma ideal, atendendo a que muitas vezes o defensor, se nomeado ofi-
ciosamente, até por inexperiência ou falta de adequação dos honorários
para a prestação de serviço urgente, mas também quando mandatado, não

13
 Artigo 59.º do CPP e 250.º,, n.º 8, do CPP.
14
 Artigo 58.º,, n.º 5, e 122.º do CPP.

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ESTUDOS EM HOMENAGEM AO JUIZ CONSELHEIRO ANTÓNIO HENRIQUES GASPAR

visitará ou não visitará suficientes vezes a pessoa que se encontra detida,


mas apenas reunirá com a mesma pouco tempo antes da realização do seu
interrogatório. Isto sucede pois as autoridades, em regra, nomeiam um
defensor apenas no momento em que o arguido o solicitar, o que sucede
geralmente imediatamente antes do interrogatório e não logo no momento
da detenção, motivo pelo qual se defende a presença de Advogado nos esta-
belecimentos prisionais, nas instalações da Polícia Judiciária e nas restantes
esquadras de polícia.
De facto, ainda que “[o] arguido [possa] constituir Advogado em qualquer
altura do processo” (artigo 62.º, n.º 2, do CPP), nem sempre o faz. E em regra
as autoridades apenas nomeiam um defensor ex officio imediatamente antes
da realização do interrogatório, caso a pessoa não confira a título particular
mandato a um defensor, dado que a obrigatoriedade de assistência apenas
se aplica aos “[…] interrogatórios de arguido detido […]” (artigo 64.º, n.º 1,
al. a), do CPP). Neste contexto, a função do defensor como salvaguarda da
prevenção de maus-tratos encontra-se muito enfraquecida, já que implicaria
uma presença a partir do início da detenção, e não apenas no momento do
interrogatório15.
Além disso, podem surgir limitações para o exercício dos direitos de
defesa no que diz respeito à consulta dos autos e à preparação do inter-
rogatório, devido ao brevíssimo tempo de que o defensor dispõe entre a
convocatória para o interrogatório e o início do mesmo, já que a lei deter-
mina que a pessoa tem de ser apresentada a um Juiz o mais tardar 48 horas
após a detenção.

15
 Cf. neste sentido, os standards do Comité Europeu para a Prevenção da Tortura e Outras
Penas ou Tratamentos Desumanos e Degradantes – Access to a lawyer as a means of preventing
ill-treatment, Extract from the 21st General Report of the CPT, 2011, disponível em https://rm.coe.
int/16806ccd25 O TEDH reconhece também esta função (cf., por exemplo, Acórdão de
27.11.2008 [GC], Salduz v. Turkey, proc., n.º 36391/02, §54, disponível em http://hudoc.
echr.coe.int/eng?i=001-89893; Acórdão de 21.04.2011, Nechiporuk and Yonkalo v. Ukraine,
proc., n.º 42310/04, §263, disponível em http://hudoc.echr.coe.int/eng?i=001-104613).
No âmbito da União Europeia, a mesma foi ainda expressamente reconhecida na Directiva
(UE) 2013/48 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de outubro de 2013, relativa
ao direito de acesso a um advogado em processo penal e nos processos de execução de
mandados de detenção europeus, e ao direito de informar um terceiro quando da privação
de liberdade e de comunicar, numa situação de privação de liberdade, com terceiros e com
as autoridades consulares (cf. considerandos 28, 29, e artigo 3.º, n.º 2, al. c)).

188
CONFIDENCIALIDADE DA COMUNICAÇÃO COM O DEFENSOR

1.4. Direito à assistência por Advogado para pessoas indigentes e nome-


ação de Advogados no âmbito do apoio judiciário
O apoio judiciário está disponível em qualquer processo criminal,
independentemente da gravidade da infracção em causa. Existe requisito
de insuficiência económica estabelecido na Lei sobre o Acesso ao Direito
e aos Tribunais (Lei n.º 34/2004 de 29 de Julho), e noutros regulamentos
sobre o apoio judiciário. Porém, a nomeação de defensor não pressupõe
que exista já decisão sobre o preenchimento deste requisito. Desta forma,
na prática, mesmo que não tenha conferido mandato a um defensor a título
privado, o arguido beneficia sempre da assistência por um defensor nomeado
oficiosamente.
O defensor oficioso é pago pelo Estado e o arguido somente terá que
suportar as respectivas despesas caso venha a ser condenado e, neste
caso, apenas se não tiver feito prova da sua insuficiência económica 16. Os
defensores que trabalham na área do apoio judiciário são profissionais
independentes que exercem a título privado também, tal como os restantes
defensores, e que escolhem igualmente participar neste sistema. Quando
da inscrição para o apoio judiciário, os Advogados podem escolher as áreas
sectoriais nas quais pretendem trabalhar, sendo uma dessas áreas o Direito
Criminal. Isto aplica-se a qualquer Advogado com inscrição activa na Ordem
dos Advogados, independentemente da sua experiência e/ou especialização
em direito criminal17.
A Ordem dos Advogados é responsável pela abertura anual de um
concurso para inscrição no sistema de apoio judiciário. Em seguida, são ela-
boradas listas de Advogados que prestam apoio judiciário e distribuídas por
comarca. O sistema de nomeação de Advogados no apoio judiciário para pro-
cessos concretos funciona depois de forma aleatória e automática. A Ordem
dos Advogados dispõe de um sistema de informação e de gestão do acesso
ao direito (SinOA) que gere as nomeações e, sempre que a presença de um
Advogado nomeado oficiosamente seja necessária, a autoridade responsável
efectuará um pedido por via informática ao SinOA e será indicado um nome

16
 Os valores dos honorários dos Advogados que prestam apoio judiciário são estabelecidos
por Decreto-Lei e são bastante modestos, para não dizer mesmo desajustados, em relação
aos valores dos honorários dos Advogados privados.
17
 Até à presente data, só há, em Portugal, um Advogado especialista em Direito Criminal.
Contudo, a possibilidade de especialização foi introduzida em finais de 2016.

189
ESTUDOS EM HOMENAGEM AO JUIZ CONSELHEIRO ANTÓNIO HENRIQUES GASPAR

de forma aleatória. O sistema está assim concebido de modo a garantir que


não seja possível escolher o Advogado e, em teoria, para que os Advogados
recebam um número equivalente de processos (para evitar “pocket lawyers”
– Advogados que actuam favorecendo as finalidades das autoridades poli-
ciais e não a defesa do cliente – e práticas de cambão a que se assistiu no
passado).
A Ordem dos Advogados também organiza escalas de Advogados oficio-
sos para prestar serviço presencial ou de prevenção. Os Advogados inscritos
no sistema de apoio judiciário são livres de escolher participar, ou não, no
sistema de escalas. Se for esse o caso, o Advogado receberá um e-mail da
Ordem dos Advogados indicando os dias em que estará de escala de pre-
venção (disponibilidade 24 h para ser chamado por telefone e apresentar-se
perante um tribunal ou a um posto da polícia) e escala presencial (presença
física num determinado tribunal ou num posto da polícia durante uma
manhã ou uma tarde). Na Comarca de Lisboa, actualmente, é usual que um
Advogado esteja “escalado” duas vezes por mês, mas a frequência noutras
Comarcas onde a proporção de Advogados inscritos face ao número de
nomeações seja inferior poderá ser muito maior.
Na escala não presencial ou de prevenção, a nomeação funciona con-
forme descrito supra – as autoridades apresentam um pedido ao sistema
e é indicado um nome. Os Advogados são chamados conforme a ordem
determinada pela Ordem dos Advogados através do sistema aleatório auto-
matizado, devendo deslocar-se no prazo máximo de uma hora ao local para
onde são chamados18. Na escala presencial, os Advogados presentes são cha-
mados conforme a ordem de chegada para as instalações do tribunal ou da
polícia.
O arguido que recorra ao patrocínio oficioso não pode escolher livre-
mente o seu defensor, o que é uma desigualdade do sistema. O Advogado
será sempre designado de forma aleatória a partir das listas previamente ela-
boradas e através do sistema informático gerido pela Ordem dos Advogados,
a partir de qualquer nome registado em “direito criminal”.
A impossibilidade de escolher o defensor, em particular em processos
em que pela sua complexidade ou pela especialização da matéria, ou mesmo
pela circunstância de o arguido não falar a língua portuguesa, pretendendo

18
 Cf. artigo 4.º, nº 3, da Portaria, n.º 10/2008, de 3 de Janeiro.

190
CONFIDENCIALIDADE DA COMUNICAÇÃO COM O DEFENSOR

defensor com quem possa comunicar directamente, é claramente uma vio-


lação do princípio da igualdade e das garantias mínimas de defesa. 19

1.5. Disposições relativas à obrigatoriedade da assistência por


Advogado
A Constituição da República Portuguesa estabelece que “[o] arguido tem
direito a escolher defensor e a ser por ele assistido em todos os atos do pro-
cesso, especificando a lei os casos e as fases em que a assistência por Advogado
é obrigatória.” (artigo 32.º, n.º 3, da CRP). A obrigatoriedade da assistência
por Advogado resulta do reconhecimento de que o arguido se encontra numa
posição vulnerável, quer por razões processuais, quer por razões pessoais.
Nestes termos, o CPP obriga à assistência por Advogado nas seguintes
situações – sem prejuízo de quaisquer outras disposições que prescrevam
também essa obrigatoriedade – consideradas como “vulnerabilidade pro-
cessual”: i) “[n]os interrogatórios de arguido detido ou preso”; ii) “[n]os
interrogatórios feitos por autoridade judiciária”; iii) “[n]o debate instrutório
e na audiência”; iv) nas fases de recurso; v) quando declarações de teste-
munhas são obtidas que possam ser utilizadas em tribunal (“declarações
para memória futura”); vi) “[n]as audiência[s] de julgamento realizada[s] na
ausência do arguido”20. Para além destas situações, devido à “vulneralbili-
dade pessoal” de certas pessoas, o CPP prescreve assistência por Advogado
“[e]m qualquer acto processual, à excepção da constituição de arguido,
sempre que o arguido for cego, surdo, mudo, analfabeto, desconhecedor
da língua portuguesa, menor de 21 anos, ou se suscitar a questão da sua
inimputabilidade ou da sua imputabilidade diminuída” 21.

19
 A lei garante a assistência por intérprete próprio e diverso do do Tribunal para as
conversações sigilosas com o defensor, mas evidentemente tal assistência não é idêntica
nem substitui a possibilidade de comunicar diretamente e sem barreiras com o defensor,
sendo que, inclusivamente, existem barreiras práticas à efectivação de reuniões com um
cliente, sobretudo detido, sem quaisquer restrições, com assistência por intérprete, como
claramente testemunha o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 30 de Setembro de
2015, proferido no processo n.º 347/10.8PJPRT-E.P1, com a Relatora Maria Luísa Arantes,
disponível em http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/1d5953
dbe1d6f4cf80257ee3002dae56?.
20
 Artigo 64.º, n.º 1 alínea a) a c) e alínea e) a g) do CPP.
21
 Artigo 64.º, n.º 1 alínea d) do CPP.

191
ESTUDOS EM HOMENAGEM AO JUIZ CONSELHEIRO ANTÓNIO HENRIQUES GASPAR

Na prática há poucas situações em que o arguido é interrogado no âmbito


de procedimentos criminais sem a assistência de um defensor – por norma
quando as autoridades policiais interrogam o arguido sem que o tenham
detido previamente22, e durante a recolha de elementos de prova se o arguido
falar Português e se tiver mais de 21 anos de idade. Evidentemente, se a
pessoa não tiver sido constituída arguída, as inquirições serão, por regra,
realizadas sem a presença de um Advogado. O mesmo poderá acontecer
por ocasião da prática de outros actos de inquérito, conforme referido infra.
O regime português de assistência obrigatória por Advogado tem sido
questionado a nível internacional. Até 2006 tinha sido considerado compa-
tível com o direito internacional, nomeadamente pelo Tribunal Europeu dos
Direitos Humanos (TEDH). Em 2006, no entanto, a Comissão dos Direitos
Humanos das Nações Unidas decidiu pela violação do artigo 14.º, parágrafo
3 (d) do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, uma vez
que o processo penal português não previa excepções à obrigatoriedade de
assistência por Advogado, independentemente da gravidade das acusações e
da complexidade do processo e das características do arguido 23. O Tribunal
Europeu dos Direitos Humanos (TEDH), contudo, confirmou recentemente
a conformidade do sistema com a CEDH24.

1.6. O direito à assistência por defensor nas fases anteriores ao julga-


mento

1.6.1. As reuniões do defensor com clientes detidos


O arguido que se encontre detido tem o direito de “[s]er assistido por
defensor em todos os actos processuais em que participar e, quando detido,
comunicar, mesmo em privado, com ele” (artigo 61.º, n.º 1, alínea f), do
CPP). Antes do primeiro interrogatório e durante o período de detenção

22
 Neste caso, o arguido pode opor-se a que os seus depoimentos sejam utilizados numa
fase posterior (cf. artigo 357.º do CPP).
23
 Correia de Matos v. Portugal, Comm. 1123/2002, U.N. Doc. A/61/40, Vol. II, at 175
(HRC 2006), disponível em http://www.worldcourts.com/hrc/eng/decisions/2006.03.28_
Correia_de_Matos_v_Portugal.htm.
24
 Correia de Matos v. Portugal [GC], Judgment of April 4, 2018, application no. 56402/12,
disponível em http://hudoc.echr.coe.int/eng?i=001-182243. Vários juízes emitiram opiniões
dissidentes.

192
CONFIDENCIALIDADE DA COMUNICAÇÃO COM O DEFENSOR

(até 48h), o arguido tem o direito de contactar com o seu defensor “[…] a
qualquer hora do dia ou da noite […]” (artigo 124.º, n.º 3, da Lei 115/2009
de 12 de Outubro25). Além do direito do próprio arguido, o defensor tam-
bém tem o direito “[…] de comunicar, pessoal e reservadamente, com os
seus patrocinados, mesmo quando estes se encontrem presos ou detidos
[…]” (artigo 78.º do EOA).
Na prática, o Advogado tem o direito de reunir com o arguido detido
em qualquer momento e antes de todos os interrogatórios. Dado que a
assistência por Advogado em interrogatórios das pessoas detidas é obri-
gatória, o defensor terá sempre a oportunidade de, pelo menos, prestar
consulta jurídica ao cliente antes do início do interrogatório. O defensor
poderá pedir, aliás, que lhe seja concedido algum tempo para a consulta com
o cliente.
Em nossa opinião, o cumprimento diligente do patrocínio em processo
penal impõe que o defensor reúna em privado com o cliente antes da pres-
tação de qualquer depoimento. Porém, na prática tal nem sempre acontece,
por exemplo se o cliente não pedir explicitamente a referida consulta.
Independentemente de o cliente o fazer, somos de opinião que é dever do
Advogado solicitar proactivamente a reunião com o cliente. A defesa por
Advogado é imposta, precisamente, por o cliente se encontrar numa situa-
ção de vulnerabilidade e não ter ou o discernimento ou os conhecimentos
técnicos indispensáveis a avaliar e decidir se é ou não pertinente consultar
o Advogado.
Na prática, o local da reunião dependerá das condições infra-estruturais
do edifício, por um lado, e da avaliação do risco de fuga ou do perigo para
outras pessoas relativamente a determinada pessoa detida, por outro. Assim,
estas reuniões podem ter lugar em centros de detenção, por vezes nos pró-
prios espaços de detenção (especialmente nas instalações da polícia ou do
tribunal), outras nas salas próprias para visitas de Advogados, conhecidas
por “parlatório”, se o cliente se encontrar detido num estabelecimento
prisional. Por último, as reuniões também podem ter lugar na sala onde o
interrogatório irá ser realizado, ou noutra sala disponibilizada pelo Tribunal
ou entidade policial para esse efeito, na ausência das autoridades.

 Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade (Lei n.º 115/2009 de
25

12 de Outubro).

193
ESTUDOS EM HOMENAGEM AO JUIZ CONSELHEIRO ANTÓNIO HENRIQUES GASPAR

A lei não prevê qualquer limitação de tempo para estas reuniões e, por
conseguinte, o tempo é definido pelo Tribunal ou pela autoridade com-
petente no que se refere ao interrogatório (por exemplo, pela polícia),
numa apreciação individual caso-a-caso. Deverá ser tido em conta o pedido
específico do defensor a este respeito, bem como a complexidade do caso
e também – quando é concedido acesso aos elementos do processo, o que
deverá ser a regra – da quantidade de elementos de prova que têm que ser
analisados.
Enquanto nos interrogatórios realizados pela polícia não haverá, de uma
forma geral, muito tempo para a consulta com o cliente antes do interro-
gatório – especialmente porque a pessoa detida tem que ser apresentado
a um Juiz dentro de 48 horas – em casos complexos de criminalidade dita
“de colarinho branco” ou outra “criminalidade complexa” ou ditos “mega-
-processos”, é concedido normalmente mais tempo.
Os juízes de instrução, os casos em que temos tido contacto, têm aliás
interpretado a exigência legal de 48 horas para apresentação do arguido
para realização do interrogatório judicial de arguido detido do art. 141.º,
n.º 1, do CPP, no sentido de que esta tem de se realizar neste prazo, mas
o interrogatório pode prosseguir para lá do seu termo. Tal abordagem
permite ao Tribunal conceder mais tempo à defesa para se preparar para o
interrogatório.
O defensor é responsável por pedir que seja concedido o tempo apro-
priado e, se não for o caso, por assegurar que a impossibilidade de preparar
o interrogatório de forma adequada fique registada em acta. Durante estas
reuniões, o defensor e o cliente estão sempre sozinhos. Embora o CPP pre-
veja uma excepção, no sentido de permitir que a reunião tenha lugar à vista
de um encarregado de vigilância, por razões de segurança, deve ser sempre
assegurado que este encarregado de vigilância não possa ouvir o conteúdo
da conversa (artigo 61.º, n.º 2, do CPP). A prática na esmagadora maioria
dos casos criminais é que a reunião tem lugar em privado, fora da vista dos
encarregados de vigilância.
Não temos conhecimento de nenhuma instalação para as consultas com
Advogados onde estejam instaladas câmaras ou dispositivos de gravação. No
entanto, devido a limitações logísticas, pode acontecer que a reunião tenha
lugar numa sala concebida para outros fins (por exemplo sala para interro-
gatórios, sala de espera num posto da polícia) e que esteja equipada com
tais dispositivos. O defensor deve assegurar que uma outra sala apropriada

194
CONFIDENCIALIDADE DA COMUNICAÇÃO COM O DEFENSOR

seja providenciada ou, se tal não for de todo possível, deve assegurar que tais
dispositivos não estejam em funcionamento. Se as condições para a consulta
confidencial não estiverem satisfeitas, o defensor não deve ter conversas
confidenciais com o cliente.

1.6.2. O direito à assistência por defensor em Portugal como um direito


absoluto não sujeito a derrogações
O direito à assistência por defensor constitui um direito absoluto em
Portugal. Não existem quaisquer derrogações a este direito, mesmo em casos
de terrorismo, criminalidade organizada, etc. A primeira proposta legislativa
do CPP em 1986 continha uma disposição que derrogava o direito ao acesso
a um Advogado em casos de terrorismo, crime violento ou crime altamente
organizado, o que permitia ao Ministério Público impedir a comunicação
entre a pessoa detida e o seu defensor antes da apresentação para primeiro
interrogatório judicial.
O Tribunal Constitucional julgou que esta disposição era incompatível
com o direito constitucional da assistência por defensor, consagrado no
artigo 32.º, n.º 3, da CRP. Mais, para o Tribunal Constitucional, o direito à
“assistência” por defensor abrange “[…] não apenas a simples presença física
do defensor aos actos do processo, mas o direito de o arguido comunicar com ele
[…]” (sublinhado nosso)26. Neste acórdão, o Tribunal Constitucional, citou
Figueiredo Dias, argumentando que existiria uma contradição em a lei esta-
belecer, por um lado, a obrigatoriedade da assistência por Advogado para
o interrogatório do arguido detido, mas, por outro lado, depois, privar essa
assistência de qualquer efectividade prática ao determinar que o arguido
detido continuasse “incomunicável” antes do interrogatório e impedindo-o
de se aconselhar com o seu defensor. A compreensão subjacente ao papel do
defensor naquele Acórdão pressupunha que este tinha um papel não só dis-
suasor de eventuais maus tratos no período de detenção, caso em que a mera
presença de um defensor poderá porventura ser alegada como suficiente,
mas também como garante do exercício efectivo dos direitos de defesa e de
participação logo nesta fase, fase com consequências para todo o processo
penal, podendo assim evitar “declarações emitidas por equívoco, confusão,

 Acórdão do Tribunal Constitucional no. 7/1987 de 9 de Janeiro de 1987 está disponível


26

em http://www.Tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/19870007.html.

195
ESTUDOS EM HOMENAGEM AO JUIZ CONSELHEIRO ANTÓNIO HENRIQUES GASPAR

receio ou ignorância”27. Esta abordagem liberal do direito à assistência por


Advogado data de 1972, ano em que teve lugar uma reforma do processo
penal que já seguia os princípios fundamentais dos Estados democráticos
e do Estado de Direito, pondo assim fim à possibilidade de ter um arguido
incomunicável face ao seu Advogado.

1.6.3. O direito à assistência por defensor durante as diligências de


investigação criminal realizadas com a participação do arguido
(interrogatórios, acareações, buscas, reconstituição do facto, pro-
cedimentos de identificação, etc.)
Em Portugal, o defensor tem o direito de assistir a todos os interroga-
tórios do seu cliente sem excepções. Em muitos casos, a assistência por
Advogado até é obrigatória, conforme acima referido. Quanto às acare-
ações, reconstituições do facto e reconhecimentos de pessoas (artigos
146.º, 147.º e 150.º do CPP) o arguido tem o direito à assistência por um
defensor nos termos das disposições gerais do artigo 61.º, n.º 1, alínea f),
do CPP.
No entanto, a assistência por Advogado não é obrigatória, excepto
quando “o arguido for cego, surdo, mudo, analfabeto, desconhecedor
da língua portuguesa, menor de 21 anos, ou se suscitar a questão da
sua inimputabilidade ou da sua imputabilidade diminuída”28, já tendo
inclusivamente o Tribunal Constitucional declarado que a falta de assis-
tência por Advogado obrigatória nos casos dos reconhecimentos não viola a
Constituição29.
Não existem sequer disposições legais que estabeleçam uma obrigação
explícita de informar o arguido que tenha sido convocado para tais diligên-
cias de que poderá ser assistido nelas por um defensor (além da informação
geral já fornecida no momento da constituição formal de arguido).
A interpretação do artigo 61.º, n.º 1, alínea f), do CPP em conformi-
dade com o artigo 3.º, n.º 1, 2, alínea b), e 3, alínea c), em articulação com

27
 Figueiredo Dias (1974), Direito Processual Penal, § 14, IV, 5, apud Acórdão do
Tribunal Constitucional nº. 7/1987 de 9 de Janeiro de 1987, disponível em http://www.
Tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/19870007.html.
28
 Artigo 61.º, n.º 1 alínea d) do CPP
29
 Ver o Acórdão do Tribunal Constitucional 532/2006, DR II-Série n.º 217, de 10/11/2006.

196
CONFIDENCIALIDADE DA COMUNICAÇÃO COM O DEFENSOR

o artigo 9.º da Directiva (UE) 2013/4830 poderá impor que, sempre que o
arguido seja citado para tais diligências de recolha de prova, este tenha de
ser informado explicitamente do seu direito à assistência por Advogado na
referida diligência e das eventuais consequências de uma renúncia. Deverá
ainda garantir-se que qualquer renúncia a esse direito é informada, cons-
ciente, voluntária e inequívoca e é ainda devidamente exarada em acta,
assim como as circunstâncias em que a mesma foi expressada. A nosso ver,
uma interpretação do direito à assistência por Advogado em conformidade
com o artigo 32.º, n.ºs 1 e 3, da CRP, poderá conduzir ao mesmo resultado
interpretativo. No entanto, não temos conhecimento de quaisquer decisões
dos Tribunais portugueses neste sentido.
De ressalvar que, na prática, existem casos em que a informação de que
o arguido pode fazer acompanhar-se de defensor, é de facto facultada.
Contudo trata-se de mera informação, sem advertências adicionais quanto
às consequências da renúncia (por exemplo, de que a prova posteriormente
poderá ser, para certos efeitos, utilizada, não podendo ser suscitado vício
decorrente da falta da presença do defensor, não sendo a mesma obrigató-
ria). Note-se que a renúncia é, em regra, documentada de forma simplificada,
fazendo apenas constar que o arguido renunciou à presença de um defensor.
Deve notar-se ainda que sempre que o arguido tenha constituído um
defensor, ou já tenha sido nomeado um defensor oficioso em momento
anterior, o respectivo Advogado será notificado relativamente a todos os
actos processuais em que o seu cliente deve comparecer.
Importa finalmente referir que como regra geral o defensor não tem a
oportunidade de estar presente nas inquirições de testemunhas durante
a fase de investigação, a não ser que as mesmas sejam efectuadas “para
memória futura”31.

30
 Directiva 2013/48/UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 22 de outubro de 2013
relativa ao direito de acesso a um Advogado em processo penal e nos processos de execução
de mandados de detenção europeus, e ao direito de informar um terceiro quando da pri-
vação de liberdade e de comunicar, numa situação de privação de liberdade, com terceiros
e com as autoridades consulares.
31
 Aplicam-se as “declarações para memória futura” quando é previsivel que a testemunha
não poderá estar presente no julgamento, ou “[…] nos casos de vítima de crime de tráfico de
pessoas ou contra a liberdade e autodeterminação sexual […]” (artigo 271.º, n.º 1 do CPP)
– ver Caeiro/Costa (2013), p. 555.

197
ESTUDOS EM HOMENAGEM AO JUIZ CONSELHEIRO ANTÓNIO HENRIQUES GASPAR

O defensor não é sequer informado do local e da data das inquirições


e algumas autoridades consideram que inexiste o direito de assistir a estas
inquirições, mas apenas um direito de consultar posteriormente os autos
respectivos.
Em nosso entender, esta abordagem é incompatível com o direito de
“[i]ntervir no inquérito” – artigo 61.º, n.º 1, alínea g), do CPP, sempre que
o processo penal seja público, o que é a regra desde 2007 (artigo 86.º do
CPP). É verdade que o CCP não regulamenta a participação em tais actos
processuais. Contudo, consideramos que esta “lacuna” será provavelmente
acidental: em 2007, quando o legislador adoptou a investigação pública
como regra, não foram adaptadas todas as disposições do CPP de forma
adequada. Esta interpretação parece encontrar apoio na interpretação das
disposições referentes às “declarações para memória futura”: nestes actos
processuais a assistência por Advogado é obrigatória. Tal poderia ser inter-
pretado no sentido de implicar que em outras inquirições de testemunhas
a assistência por Advogado não seria obrigatória, mas que seria possível e
que não seria proibida.
Consultar um auto de inquirição a posteriori não é, em nossa opinião,
“intervenção” num acto de inquérito, já que não permite que o defensor
tenha contacto directo e presencial com a testemunha, podendo percepcio-
nar a sua expressão oral e corporal, factor essencial para aferir da respectiva
credibilidade, ou colocar-lhe questões, ainda que por meio de pedidos de
esclarecimento.
Negar esta diferença é recusar o valor da contraditoriedade na produção
da prova, valor esse que é reconhecido legal e mesmo constitucionalmente.
Mais, quando o auto é elaborado por súmula, tal priva o defensor de saber se
a testemunha veiculou outra informação que, para a entidade que presidiu
à inquirição, foi considerada irrelevante, mas que na perspectiva da defesa
(muitas vezes com conhecimento de factos não acessíveis às autoridades de
investigação) o seriam.
Tal resulta, não raramente, em que, na fase de julgamento, o depoimento
prestado pela testemunha possa, sem que esta esteja a mentir, levar a con-
clusões bem diferentes daquelas resultantes da fase de inquérito.
Finalmente, com o alargamento da susceptibilidade da valoração de tais
autos em julgamento, torna-se essencial permitir a participação da defesa
logo no inquérito, nos casos em que inexistam razões para decretar o segredo
de justiça.

198
CONFIDENCIALIDADE DA COMUNICAÇÃO COM O DEFENSOR

1.6.4. O conteúdo do direito à assistência por defensor nos interroga-


tórios

Em Portugal, o defensor tem o direito de assistir a todos os interrogatórios


do seu cliente, sem excepção. Em muitos casos, a assistência por Advogado
é mesmo obrigatória, conforme indicado supra. Durante as fases anteriores
ao julgamento, o defensor não pode intervir no interrogatório. Esta obri-
gação não prejudica o direito do defensor a intervir com vista a arguir uma
nulidade. O defensor pode ainda pedir uma interrupção durante o interro-
gatório para reunir em privado com o cliente. No entanto, na prática, este
pedido de interrupção apenas deve ser feito em circunstâncias excepcionais,
pois correr-se-á o risco de poder ser considerado como uma interferência
indevida no interrogatório (geralmente, o defensor solicitará interrupções
caso considere que o arguido está cansado ou a comprometer a sua defesa
de tal modo a que o defensor pondere a possibilidade de aconselhar o seu
cliente a fazer uma pausa ou a não prestar mais declarações). Esta condicio-
nante pragmática torna ainda mais evidente a importância da preparação
da diligência antes da sua realização.
No final do interrogatório conduzido pelo Juiz de instrução, o defensor
pode pedir que se coloquem perguntas adicionais ao arguido. Segundo o
CPP, o Juiz de instrução decidirá se este pedido é efectuado na presença do
arguido ou não, e se as perguntas são relevantes. Em caso afirmativo, o Juiz
de instrução dirigirá as respectivas perguntas ao arguido (artigo 141.º, n.º 6,
do CPP). Na nossa prática, o Juiz de instrução em regra não limita a presença
do arguido nesta fase, solicitando o defensor ao Juiz os esclarecimentos
pertinentes na presença do arguido (ou mesmo, por vezes, directamente a
este, interrompendo o Juiz de instrução a formulação das questões apenas
quando as considere irrelevantes).
As mesmas regras são aplicadas ao primeiro interrogatório não judicial de
arguido detido conduzido pelo “Ministério Público competente na área em
que a detenção se tiver operado” (art 143.º, n.º 1, do CPP) e aos interroga-
tórios feitos pela polícia criminal (artigo 143.º, n.º 2, e artigo 144.º do CPP).
Tal como relativamente a outros actos de investigação, o defensor
geralmente está autorizado a intervir arguindo nulidades ou outros vícios
processuais e também a intervir sugerindo perguntas (ou actos, por exemplo
durante uma reconstituição do facto) à autoridade judicial.

199
ESTUDOS EM HOMENAGEM AO JUIZ CONSELHEIRO ANTÓNIO HENRIQUES GASPAR

1.7. A comunicação entre o defensor e o cliente na fase de julgamento

Durante a audiência de julgamento, o defensor está sempre autori-


zado a comunicar com o seu cliente de forma livre e confidencial. Caso
seja necessário, o defensor poderá inclusivamente pedir uma interrup-
ção para reunir em privado com o arguido. Existem, no entanto, alguns
impedimentos de natureza prática ao exercício deste direito durante o
julgamento.
O primeiro resulta do facto de o defensor não estar sentado ao lado do
seu cliente durante a audiência de julgamento. Deste modo, sempre que
haja necessidade de comunicar, o defensor tem de levantar-se e dirigir-se
ao banco dos arguidos onde o cliente está sentado para poder falar com ele,
ou tem de solicitar uma interrupção do julgamento. Esta circunstância faz
com que a preparação do julgamento assuma importância vital, visto que o
defensor tem de estar preparado da melhor forma possível relativamente
para o que possa vir a resultar da produção de prova no decurso da audiência
de julgamento.
Além do mais, quando um cliente se encontra detido, o defensor geral-
mente só está autorizado a comunicar com ele no Tribunal imediatamente
antes do início da audiência de julgamento, ou logo a seguir à audiência, ou
durante as interrupções, se o Juiz autorizar estas conversas de forma explí-
cita. Caso contrário, os agentes da polícia ou os guardas prisionais destacados
para vigiar o detido indicarão em regra que não têm permissão para autorizar
tais conversas. Acresce que nestes processos por vezes é impossível falar
com o cliente depois da sessão de julgamento ter terminado, por o mesmo
ser imediatamente retirado e conduzido de volta ao estabelecimento pri-
sional ou à cela do Tribunal. É evidente que estamos perante uma limitação
do direito à assistência por Advogado, pois o arguido tem o direito de ser
informado por parte do defensor sobre o desenvolvimento do julgamento
e também de fazer-lhe perguntas sobre este.
Nos casos em que o cliente é imediatamente afastado, terá de esperar,
em situação de ansiedade e de incerteza, até finalmente poder telefonar
ao defensor (o que é possível uma vez por dia, durante 5 minutos), ou até
o defensor ter tempo para ir visitá-lo. Assim, parece que a restrição é des-
proporcionada, pois poder-se-ia evitar esta consequência concedendo um
período, ainda que breve, mas razoável, para que o arguido possa conferen-
ciar com o seu defensor.

200
CONFIDENCIALIDADE DA COMUNICAÇÃO COM O DEFENSOR

Entre as sessões de audiência de julgamento, em termos gerais, o defensor


está sempre autorizado a falar com o arguido, mesmo que este se encontre
preso. No entanto, esta possibilidade torna-se difícil para os Advogados
nomeados oficiosamente, dado o Estado apenas paga três idas ao estabele-
cimento prisional (a um valor de € 76,50 cada, ilíquido de impostos) e, caso
haja necessidade de um intérprete, pago pelo Estado, o defensor terá ainda
que requerer a autorização para os serviços do intérprete junto do Tribunal32.
Há margem para melhorar neste domínio, por exemplo autorizando o
cliente a ficar sentado ao lado do defensor durante o julgamento; propor-
cionando que haja tempo para consulta entre o defensor e o cliente detido,
tanto durante os intervalos das sessões no Tribunal, como, em particular,
após o terminus das sessões de audiência de julgamento, mesmo que seja
apenas por um curto intervalo de tempo, suficiente para uma consulta
acerca do julgamento; pagar aos defensores que foram nomeados oficiosa-
mente as reuniões realizadas no estabelecimento prisional, ultrapassando o
actual número máximo de três, se a complexidade ou a duração do processo
o exigir.

2. Confidencialidade na relação do defensor com o cliente

2.1. Segredo profissional, lealdade e obrigações legais dos Advogados


Como indicado supra, o artigo 208.º da Constituição estabelece que o
patrocínio forense é um elemento essencial da administração da justiça.
Assim, a lei assegura que os Advogados em Portugal tenham um conjunto
de obrigações, prerrogativas e imunidades, que são necessárias ao exercício
pleno e eficaz do seu mandato. Os requisitos legais impostos aos Advogados
em Portugal estão expressamente previstos no Estatuto da Ordem dos
Advogados33, aprovado por Lei. As normas contidas neste documento

32
 Cf. como exemplo o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 30 de Setembro de
2015, processo n.º 347/10.8PJPRT-E.P1, disponível em
http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/1d5953dbe1d6f4cf802
57ee3002dae56?OpenDocument.
33
 Ver também o Código de Deontologia dos Advogados Europeus (Code of Conduct
for European Lawyers of the Council of Bars and Law Societies of Europe (CCBE)).
Tradução na língua portuguesa no portal da Ordem dos Advogados Portugueses:

201
ESTUDOS EM HOMENAGEM AO JUIZ CONSELHEIRO ANTÓNIO HENRIQUES GASPAR

aplicam-se a todos os Advogados portugueses, incluindo os defensores em


processo penal. Em termos gerais, Advogados portugueses têm que advogar
na observância de princípios como a honestidade, probidade, rectidão, leal-
dade, cortesia, sinceridade e independência (artigos 88.º e 89.º do EOA).
Entre os deveres inerentes à profissão, o sigilo profissional e o dever de
guardar segredo profissional, explicitamente regulados no artigo 92.º do
EOA, assumem importância crucial34. Em termos gerais, “[o] Advogado é
obrigado a guardar segredo profissional no que respeita a todos os factos cujo
conhecimento lhe advenha do exercício das suas funções ou da prestação
dos seus serviços […]” (artigo 92.º, n.º 1). O âmbito da confidencialidade
na relação Advogado-cliente abrange: (i) “[…] factos referentes a assuntos
profissionais conhecidos, exclusivamente, por revelação do cliente ou reve-
lados por ordem deste”; (ii) “[…] factos de que tenha tido conhecimento em
virtude de cargo desempenhado na Ordem dos Advogados”; (iii) “[…] factos
referentes a assuntos profissionais comunicados por colega com o qual esteja
associado ou ao qual preste colaboração”; (iv) “[…] factos comunicados por
coautor, corréu ou cointeressado do seu constituinte ou pelo respetivo repre-
sentante”; (v) “[…] factos de que a parte contrária do cliente ou respetivos
representantes lhe tenham dado conhecimento durante negociações para
acordo que vise pôr termo ao diferendo ou litígio”; (vi) “[…] factos de que
tenha tido conhecimento no âmbito de quaisquer negociações malogradas,
orais ou escritas, em que tenha intervindo” (artigo 92.º, n.º 1, do EOA).
De sublinhar que, nos termos do artigo 92.º, n.º 2, do EOA, a obrigação
da confidencialidade na relação Advogado-cliente existe “[…] quer o serviço
solicitado ou cometido ao Advogado envolva ou não representação judicial
ou extrajudicial, quer deva ou não ser remunerado, quer o Advogado haja ou
não chegado a aceitar e a desempenhar a representação ou serviço, o mesmo
acontecendo para todos os Advogados que, directa ou indirectamente,
tenham qualquer intervenção no serviço” (artigo 92.º, n.º 2, do EOA). Além
disso, “[o] segredo profissional abrange ainda documentos ou outras coisas
que se relacionem, direta ou indiretamente, com os factos sujeitos a sigilo”
(artigo 92.º, n.º 3, do EOA).

https://portal.oa.pt/ordem/regras-profissionais/legislacao-internacional/codigo-de-
deontologia-dos-Advogados-europeus/.
34
 Ver também Secção 2.3 do Código de Deontologia dos Advogados Europeus (Code of
Conduct for European Lawyers of the Council of Bars and Law Societies of Europe (CCBE)).

202
CONFIDENCIALIDADE DA COMUNICAÇÃO COM O DEFENSOR

Não obstante a sua natureza indubitavelmente fundamental e essencial


para o patrocínio forense, o sigilo profissional ou dever da confidencialidade
na relação Advogado-cliente não constituem valores absolutos e podem
ser objecto de ponderação relativamente a outros interesses legais em
conflito em alguns casos muitíssimo restritos (ver Secções 2.2 e 2.4, mais
adiante).

2.2. O conflito entre os deveres do Advogado e a descoberta da verdade


De acordo com o Estatuto da Ordem dos Advogados, os Advogados por-
tugueses têm um conjunto de deveres para com a comunidade e para com a
Ordem dos Advogados (artigo 90.º e 91.º, respectivamente). Para a Ordem
dos Advogados, o regime de impedimentos e incompatibilidades (artigos
81.º a 87) reveste-se de particular importância, dado que está intimamente
ligada ao princípio da independência, que constitui uma pedra angular da
profissão. De acordo com o princípio da independência (artigo 89.º) 35, os
Advogados portugueses devem “[…] no exercício da profissão, manter sem-
pre em quaisquer circunstâncias a sua independência, devendo agir livre de
qualquer pressão, especialmente a que resulte dos seus próprios interesses
ou de influências exteriores, abstendo-se de negligenciar a deontologia
profissional no intuito de agradar ao seu cliente, aos colegas, ao tribunal ou
a terceiros” (artigo 89.º).
Entre as obrigações dos Advogados para com a comunidade, a defesa da
boa administração da justiça é primordial. Os Advogados portugueses não
devem, assim, “[…] advogar contra o direito, [...] usar de meios ou expedien-
tes ilegais, nem promover diligências reconhecidamente dilatórias, inúteis
ou prejudiciais para a correta aplicação de lei ou a descoberta da verdade”
(artigo 90.º, n.º 2, alínea a)). A confiança recíproca entre o Advogado e o
cliente também constitui um valor essencial orientador da profissão de
Advogado (artigo 97.º, n.º 1, do EOA). Se não houver um acordo entre o
Advogado e o cliente quanto à estratégia a seguir num determinado caso,
então não há confiança mútua e o Advogado deve deixar a representação do
cliente, assegurando que o cliente possa obter, em tempo útil, a assistência
de outro Advogado (artigo 97.º, n.º 1, e 100.º, n.º 2, do EOA). Assim, em

 Ver também Secção 2.1.1 do Código de Deontologia dos Advogados Europeus (Code of
35

Conduct for European Lawyers of the Council of Bars and Law Societies of Europe (CCBE)).

203
ESTUDOS EM HOMENAGEM AO JUIZ CONSELHEIRO ANTÓNIO HENRIQUES GASPAR

princípio, o Advogado não irá exprimir em tribunal uma posição diferente


da do seu cliente36.
Os deveres para com o cliente não afastam nem excluem a aplicação da
lei. De acordo com o artigo 97.º, n.º 2, do EOA, o Advogado tem assim o
dever de agir de forma a defender todos os interesses legítimos do cliente,
cumprindo as normas legais e deontológicas aplicáveis. Em todo o caso, este
dever de o Advogado de não agir de forma ilícita ou de dificultar ou obsta-
culizar a administração da justiça, não o obriga, sobretudo enquanto actue
na qualidade de defensor em processo penal, a apoiar activamente a desco-
berta da verdade. Em processo penal, o arguido nunca presta declarações
sob juramento e não é susceptível de cometer falsidade de depoimento 37.
Se o arguido, no entanto, solicitar a assistência de um Advogado para
o auxiliar a impedir a busca da verdade, por exemplo escondendo provas
relevantes, designadamente pedindo que este esconda a arma do crime; ou
se o arguido entregar ao Advogado outras provas reais relevantes, o dever do
Advogado é, no nosso entendimento, a recusa da aceitação do recebimento
de tais provas ou de colaboração na sua ocultação, o que é claro no caso da
arma do homicídio ou quanto a outras provas materiais e físicas.
A situação poderá ser mais complexa relativamente a documentos, uma
vez que nem sempre é claro se estes constituem elementos de prova de
um crime. Além disso, o cliente poderia ter providenciado documentos ao
seu Advogado para que este analizasse os seus conteúdos e aconselhasse o
cliente no que respeita a eventual responsabilidade criminal, ou em forma de
documentos de suporte relativamente às explicações prestadas ao Advogado
quanto à eventual suspeita da prática de uma infracção penal. Nesses casos,
o Advogado deve conservar os documentos, e assegurar que estes não sejam
destruídos, ou devolver os documentos ao cliente depois de os ter analizado.
Consideramos que a destruição de provas por parte do Advogado não é,
nunca, aceitável do ponto de vista legal e dos seus deveres deontológicos,
podendo convocar a responsabilidade penal deste, bem como o auxílio com
esse propósito de destruição de prova.

36
 Isto poderá ocorrer em situações inesperadas nas quais o Advogado deve ponderar se
continua a haver confiança mútua e, se não for o caso, renunciar ao mandato.
37
 Existe discussão académica relativamente à questão de saber se o arguido teria ou não o
direito de mentir, sendo, salvo melhor opinião, actualmente aceite de forma consensual que
o arguido não tem propriamente um direito de impedir a busca da verdade, mas também
não tem de nela colaborar.

204
CONFIDENCIALIDADE DA COMUNICAÇÃO COM O DEFENSOR

Por seu turno, não existe qualquer obrigação para o Advogado de denún-
cia de provas de que venha a ter conhecimento ou sequer de informação
sobre a localização dos elementos de prova, isto se o cliente tiver revelado
tais informações ao Advogado. A única situação em que possa haver, por
parte do Advogado, o dever de agir, seria caso as informações fornecidas
pelo cliente revelassem que há pessoas em risco de vida ou em risco de sofrer
danos corporais graves ou atentados graves à sua liberdade. Nesses casos,
o Advogado deverá encontrar forma de lograr um compromisso entre os
dois interesses jurídicos concorrentes – a protecção da vida ou protecção da
integridade física ou da liberdade e a protecção do sigilo profissional – e, de
preferência, encontrar uma forma de reportar a localização da vítima sem
revelar de onde, de quem ou de que parte provêm as provas – ou procurando
persuadir o cliente a impedir que o perigo se concretize, libertando a vítima,
ou, no limite, por exemplo mediante comunicado enviado ao Bastonário
da Ordem dos Advogados que então, em contrapartida, poderia reportar a
informação às autoridades38.
Se, nestes casos, as provas conduzissem à descoberta de elementos de
prova contra o cliente do Advogado, discutir-se-á se poderão as provas
obtidas por tal meio ser utilizadas contra aquele, ou não. Tal dependerá,
em princípio, de saber se a acção de denúncia é considerada ilícita mas
desculpável, ou se está abrangida por uma causa justificativa o que tornaria
a descoberta e a recolha de provas lícita (ou existindo uma das excepções à
doutrina dos frutos da árvore envenenada). Consideramos que a limitação
da susceptibilidade da valoração a esta última constelação poderá ser a inter-
pretação mais correcta. Mas cremos que inexiste opinião unâmime e, aliás,
desconhecemos casos em que tal tenha sucedido que seriam apenas casos
limite verdadeiramente excepcionais, conforme referido (por exemplo, o
cliente ou potencial cliente revelar que raptou uma criança que se encontra
ainda viva mas que morerrá dentro de horas se não houver intervenção).

2.3. Excepções à confidencialidade na relação Advogado-cliente


O segredo profissional na relação Advogado-cliente e as excepções
a esta regra aplicam-se de igual modo a todos os Advogados e a todos

38
 Este é o sistema em vigor para apresentar denúncias nos termos dos regulamentos rela-
tivos ao branqueamento de capitais.

205
ESTUDOS EM HOMENAGEM AO JUIZ CONSELHEIRO ANTÓNIO HENRIQUES GASPAR

Advogados-Estagiários inscritos na Ordem dos Advogados, integrantes


de uma sociedade de Advogados ou exercendo em prática individual,
Advogados de empresa (in-house), em regime integral ou parcial, remune-
rado ou voluntário.
A Lei Portuguesa não prevê quaisquer limitações ou derrogações do
segredo profissional, por exemplo a respeito de determinados crimes, tais
como o terrorismo ou a criminalidade altamente organizada.
Os mecanismos através dos quais o segredo profissional pode ser levan-
tado, são essencialmente dois: a dispensa do sigilo profissional e a quebra
do sigilo profissional. Ambos os casos são de importância fundamental e
merecem uma menção especial.

2.3.1. A dispensa do sigilo profissional na relação Advogado-cliente


A dispensa do sigilo profissional deve ser requerida por iniciativa do
Advogado. A autorização dada ao Advogado por parte do cliente para
revelar factualidade e informações abrangidas pelo sigilo profissional
não é suficiente para que o Advogado possa depor sobre determinados
factos ou revelar determinados factos abrangidos pelo sigilo. Antes de
mais, é de salientar que este mecanismo é de natureza extraordinária e
que só é permitido “desde que tal seja absolutamente necessário para a
defesa da dignidade, direitos e interesses legítimos do próprio Advogado
ou do cliente ou seus representantes […]”, como estipula expressamente
o artigo 92.º, n.º 4, do EOA, e igualmente o artigo 4.º, n.º 1 e 2, do
Regulamento de Dispensa de Segredo Profissional da Ordem dos Advogados
(RDSP)39.
No que se refere ao procedimento de dispensa de sigilo, o Advogado deve
apresentar um requerimento fundamentado “[…] dirigido ao Presidente
do Conselho Distrital [agora Regional] a cuja área geográfica pertença o
domicílio profissional do Advogado […]” (artigo 2.º, n.º 1, do RDSP). Depois
de ter avaliado os elementos do processo de forma livre e independente, o
Presidente do Conselho Regional da Ordem dos Advogados competente
aceitará ou recusará o pedido, com base numa apreciação a fim de aferir
“[…] da essencialidade, actualidade, exclusividade e imprescindibilidade

39
 Regulamento, n.º 94/2006 OA (2ª Série) de 25 de Maio de 2006.

206
CONFIDENCIALIDADE DA COMUNICAÇÃO COM O DEFENSOR

do meio de prova sujeito a segredo […]” (artigos 2.º, n.º 1 e 2, 3.º, n.º 3, e
4.º, n.º 3, do RDSP).
Em caso de indeferimento (mas não em caso de deferimento 40), o
Advogado pode recorrer directamente para o Bastonário da Ordem dos
Advogados (artigos 6.º, n.º 1, e 7.º, n.º 1, do RDSP). Se o Bastonário man-
tiver o indeferimento, o Advogado terá de respeitar de forma integral o
sigilo profissional ou enfrentar as consequências (ver 2.3. infra). Este pro-
cedimento aplica-se igualmente a todos os domínios abrangidos pelo sigilo
profissional, incluindo relativamente aos documentos que se encontrem
na posse do Advogado e que estejam relacionados com o desempenho das
suas funções.

2.3.2. A quebra de sigilo profissional na relação Advogado-cliente


É de referir que o Advogado não é obrigado a testemunhar contra o seu
cliente e não é obrigado a requerer a dispensa do sigilo em caso de ser con-
vocado para se apresentar como testemunha. Em regra, o Advogado pedirá
a dispensa do sigilo a fim de proteger os interesses do seu cliente, ou a sua
própria dignidade, direitos e interesses, em caso de estes serem prejudicados
pelo cliente, e não para proteger interesses de terceiros.
Nestes termos, o artigo 135.º, n.º 1, do CPP estabelece que os Advogados41
“[…] podem escusar-se a depor sobre os factos […] abrangidos [pelo segredo
profissional]”. Nesses casos, a autoridade judiciária irá averiguar a legiti-
midade da escusa (se os factos estão ou não abrangidos pelo sigilo) e a sua
justificação.
Caso a autoridade judiciária perante a qual a escusa tenha sido invocada
tiver dúvidas fundadas sobre a legitimidade da escusa, deverá primeiro
efectuar as investigações necessárias, o que inclui solicitar o parecer da
Ordem dos Advogados (artigo 135.º, n.º 2 e 4, do CPP, artigo 92.º do EOA

40
 “A decisão de deferimento da dispensa de segredo profissional é irrecorrível” (artigo
5.º do RDSP). No entanto, no respeito do princípio de independência (artigo 81.º, n.º 1,
e artigo 89.º do EOA), o Advogado poderá ainda reavaliar a situação e decidir respeitar o
sigilo profissional.
41
 “Os ministros de religião ou confissão religiosa e os Advogados, médicos, jornalistas,
membros de instituições de crédito e as demais pessoas a quem a lei permitir ou impuser
que guardem segredo podem escusar-se a depor sobre os factos por ele abrangidos” (artigo
135.º, n.º 1 do CPP).

207
ESTUDOS EM HOMENAGEM AO JUIZ CONSELHEIRO ANTÓNIO HENRIQUES GASPAR

e RDSP). A decisão sobre a legitimidade da escusa tem um carácter for-


mal (ou seja, trata-se meramente do cumprimento dos requisitos legais
formais). Se a autoridade judicial concluir que a escusa é ilegítima (e que
os factos não estão abrangidos pelo sigilo profissional), deve requerer ao
Tribunal uma ordem para que seja prestado depoimento (artigo 135.º, n.º 2,
do CPP).
Se os factos estiverem abrangidos pelo sigilo profissional, a decisão rela-
tiva à justificação da quebra do sigilo constitui uma decisão material que deve
obedecer sempre “ao princípio da prevalência do interesse preponderante,
nomeadamente tendo em conta a imprescindibilidade do depoimento para
a descoberta da verdade, a gravidade do crime42 e a necessidade de protec-
ção de bens jurídicos”43 (artigo 135.º, n.º 3, do CPP). Esta decisão apenas
poderá ser tomada44 pelo “[…] Tribunal superior àquele onde o incidente
tiver sido suscitado45, ou, no caso de o incidente ter sido suscitado perante
o Supremo Tribunal de Justiça […]”, pelo pleno das secções criminais deste,
depois de ter solicitado o parecer da Ordem dos Advogados (artigo 135.º,
n.º 3 e 4, do CPP).
Do ponto de vista da jurisprudência dominante, o parecer da Ordem
dos Advogados não é vinculativo para o Tribunal, embora seja obrigatório

42
 A doutrina jurídica estabeleceu uma analogia com os requisitos definidos no artigo 187.º,
n.º 1 do CPP, relativamente à intercepção e à gravação de conversações ou comunicações
telefónicas durante o inquérito (...), que só podem ser autorizadas quanto às seguintes
infracções penais: a) infracções penais “puníveis com pena de prisão superior, no seu
máximo, a 3 anos”; b) infracções “relativas ao tráfico de estupefacientes”; c) “[…] detenção
de arma proibida e de tráfico de armas”; d) “de contrabando”; e) “de injúria, de ameaça, de
coacção, de devassa da vida privada e perturbação da paz e do sossego, quando cometidos
através de telefone”; f) “de ameaça com prática de crime ou de abuso e simulação de sinais
de perigo; ou” g) “de evasão, quando o arguido haja sido condenado por algum dos crimes
previstos nas alíneas anteriores.”
43
 I.e. a protecção de tais bens jurídicos é uma necessidade social premente, à semelhança
do que é referido como “uma providência […] necessária” “numa sociedade democrática”
no artigo 8.º, n.º 2 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
44
 “[…] A intervenção é suscitada pelo juiz, oficiosamente ou a requerimento” (artigo 135.º,
n.º 3 do CPP).
45
 Ver Acórdão de fixação de jurisprudência, n.º 2/2008 do Supremo Tribunal de Justiça,
de 13.02.2008, Proc. 894/07. Embora trate directamente de sigilo bancário, as con-
clusões aplicam-se também a outros tipos de sigilo, incluindo o sigilo profissional do
Advogado.

208
CONFIDENCIALIDADE DA COMUNICAÇÃO COM O DEFENSOR

solicitar este parecer antes da decisão do Tribunal 46 e ele tenha o valor de


perícia47.
Se o Tribunal superior decidir que a quebra de sigilo não se mostra
justificada, todos “os actos praticados pelo Advogado com violação de
segredo profissional não podem fazer prova em juízo” (artigo 92.º, n.º 5, do
EOA).
À semelhança do que ocorre com a dispensa de sigilo, como supra
referido, a autorização de um cliente dada ao Advogado para revelar factos
abrangidos pelo sigilo profissional não é suficiente para que a quebra do
sigilo seja ordenada. Este procedimento também se aplica a todos os domí-
nios abrangidos pelo sigilo profissional, incluindo a notificação para entrega
dos documentos que o Advogado tiver em sua posse relacionadas com o
exercício das suas funções (artigo 182.º, n.º 1 e 2, do CPP) 48.

46
 Ver. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21.04.2005, Proc. 05P1300 (3050/04);
Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 05.11.2007, CJ, 2007, T5, p. 288, casos
em que a Ordem dos Advogados não autorizou os depoimentos, mas o Tribunal ainda assim
os ordenou, citando os artigos 2.º, 20.º, 32.º, n.º1 e 203.º da Constituição da República
Portuguesa.
47
 Ver Cordeiro (2016).
48
 A Lei do Cibercrime parece ter uma regulamentação diferente nesta matéria, uma vez
que refere que “[…] [n]ão pode […] fazer-se uso da injunção […] quanto a sistemas informáticos
utilizados para o exercício da advocacia […]” (artigo 14.º n. 6 da Lei, n.º 109/2009 de 15 de
Setembro). No entanto, também determina que as regras relativas à dispensa e à quebra de
sigilo profissional é aplicável às pessoas que invocam sigilo profissional (artigo 14.º, n.º 6
e, n.º 7 da Lei n.º 109/2009 de 15 de Setembro). Por conseguinte, alguns autores afirmam
que o regime de intimação estabelecido no artigo 182.º a este respeito é também aplicável
e que a distinção apenas implica que a autoridade que pode ordenar a intimação tem de
ser um Tribunal superior àquele onde o incidente tiver sido suscitado, conforme estabele-
cido no artigo 135.º do CPP – ver Albuquerque (2011), anotação referente ao artigo 182.º,
n.º 2. É de referir que, se as autoridades procurarem obter documentos que não estão de
todo abrangidos por sigilo profissional, mas que se encontram num escritório de Advogados,
ou em relação aos quais as autoridades presumem que o Advogado estaria interessado em
pedir a dispensa de sigilo, é certamente preferível, também no que diz respeito ao princípio
da proporcionalidade e à salvaguarda do sigilo relativamente aos documentos mantidos nas
instalações do Advogado, intimar um Advogado para que este entregue os documentos do
que ordenar uma busca e colocar o Advogado em posição de suspeito.

209
ESTUDOS EM HOMENAGEM AO JUIZ CONSELHEIRO ANTÓNIO HENRIQUES GASPAR

2.4. Consequências da violação do sigilo profissional por parte do


Advogado

Se o Advogado violar o sigilo profissional poderá ser responsabilizado


disciplinar, civil e criminalmente. Nos termos do artigo 115, n.º 1, do EOA,
se tal infracção for cometida com dolo ou com negligência, o Advogado
comete uma infracção disciplinar que será processada exclusivamente pelos
orgãos competentes da Ordem dos Advogados, de acordo com os respecti-
vos procedimentos disciplinares (artigo 114.º e ss. do EOA), sempre com
recurso para os tribunais administrativos.
Como a violação do sigilo profissional na relação Advogado-cliente é
um acto ilícito, pode gerar ainda responsabilidade civil caso seja provada
em tribunal a existência de nexo de causalidade entre os danos sofridos e a
actuação dolosa ou negligente do Advogado49.
Também o Advogado que viole o segredo profissional poderá ser res-
ponsabilizado por cometer o crime de violação de segredo, punível com
pena de prisão até um ano, ou com pena de multa até 240 dias (artigo
195.º do Código Penal50). Acresce que o Advogado que “[…] se aprovei-
tar de segredo […] e provocar deste modo prejuízo a outra pessoa ou ao
Estado […]” poderá também ser responsabilizado por cometer o crime
de aproveitamento indevido de segredo, punível com pena de prisão
até um ano ou com pena de multa até 240 dias (artigo 196.º do Código
Penal).
Finalmente, qualquer informação obtida por violação do segredo pro-
fissional não pode ser utilizada como prova (artigo 92.º, n.º 5, do EOA, e
artigos 122.º e 126.º, n.º 3, do CPP). Como será sublinhado infra, o mesmo
se aplica aos casos em que a violação do segredo profissional na relação
Advogado cliente resulte de diligências praticadas pelas autoridades de
prossecução penal.

49
 A natureza contratual (artigo 790.º e ss. do Código Civil) ou a natureza delitual
(artigo 483.º e ss. do Código Civil) da responsabilidade civil nesses casos continua a ser
controversa.
50
 Os limites das sanções podem ser agravados até um terço se o crime for cometido “[…]
para obter recompensa ou enriquecimento, para o agente ou para outra pessoa, ou para
causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado […]” ou se o crime for cometido “[…] através de
meio de comunicação social” (artigo 197.º do Código Penal).

210
CONFIDENCIALIDADE DA COMUNICAÇÃO COM O DEFENSOR

2.5. A intromissão do Estado na confidencialidade da comunicação


entre defensor e arguido

2.5.1. O defensor como testemunha contra o seu cliente


Os Advogados podem depor como testemunhas no processo do seu
cliente caso não sejam Advogados nesse processo e somente nas circuns-
tâncias acima referidas (vide Secção 2.3 supra): se pedirem e for deferida a
dispensa ou se for ordenada a quebra do sigilo profissional.
Estas regras aplicam-se também, pelo menos em tese, aos defensores em
processo penal. Contudo, na prática não temos conhecimento de processos
em que um defensor tenha sido obrigado a depor como testemunha con-
tra o seu cliente quanto às informações reveladas por parte do mesmo nas
fases anteriores ao julgamento, ou durante o julgamento. Recentemente,
num processo mediático, o Juiz recusou convocar o anterior defensor de
um arguido, considerando que havia um impedimento para o defensor em
depor como testemunha, uma vez que o mesmo estaria sujeito a deveres
para com o cliente, os quais não são compatíveis com o regime relativo ao
depoimento na qualidade de testemunha. Tal obrigação afectaria o âmago do
direito à assistência por defensor em processo penal e do segredo profissio-
nal. Concordamos com esta decisão e entendemos, aliás, não ser admissível
ordenar que um defensor preste testemunho com quebra de sigilo profis-
sional nestes processos e contra o seu cliente.
Poderá haver casos excepcionais em que seja admissível porventura,
por iniciativa do Advogado, a dispensa do sigilio profissional referente a
comunicações ou documentos referentes ao exercício do mandato ou da
defesa oficiosa em processo penal, se o seu depoimento for absolutamente
indispensável para salvaguardar a dignidade ou os direitos fundamentais
do próprio Advogado (direito à vida, direito à integridade física e mental),
ou dos direitos fundamentais do cliente. A nosso ver, tal não poderá suce-
der, porém, quando o Advogado continue a ser ele próprio o defensor 51,
uma vez que o estatuto de defensor e o estatuto de testemunha não são
compatíveis.

51
 No processo concreto que decorreu recentemente, mencionado no texto, a Ordem dos
Advogados concedeu ao defensor a dispensa de segredo profissional relativamente a deter-
minados documentos, mas o defensor nesse momento já cessara funções.

211
ESTUDOS EM HOMENAGEM AO JUIZ CONSELHEIRO ANTÓNIO HENRIQUES GASPAR

Em todo o caso, não pode confundir-se a possibilidade de o defensor em


processo penal pedir a dispensa com a susceptibilidade de ser ordenada a
quebra de segredo profissional do defensor em processo penal, presente ou
anterior. Como veremos infra, não é permitida a intercepção de conversas ou
de correspondência entre o defensor e o seu cliente, excepto se o defensor
também estiver envolvido em actividade criminosa. Não seria, pois, coerente
permitir que a quebra do sigilo profissional do defensor pudesse ser orde-
nada para que este pudesse ser obrigado a depor contra o seu cliente. Em
qualquer caso, o defensor em funções não pode ser inquirido na qualidade
de testemunha relativamente ao que sabe quanto ao processo do seu cliente.
É de salientar que, de modo geral, o facto de defender um cliente num
processo penal não constitui a prática de um crime e por conseguinte a mera
alegação de que o defensor é suspeito por prestar assistência a alguém no
âmbito de de um processo penal não permite colocar o defensor em posição
de arguido e de o deter ou de o inquirir52.
No entanto, se o próprio Advogado for suspeito da prática de crime,
poderá ser constituído arguido e ser detido para interrogatório. Nesses
casos, o Advogado poderá pedir a dispensa do sigilo profissional ou invocar
o sigilo profissional a fim de estar autorizado a revelar, ou a não revelar,
informação confidencial, dependendo dos seus interesses, segundo as regras
supramencionadas que regem o segredo profissional (vide Secção 2.2 supra).
Na prática não é incomum os Advogados que tenham sido constituídos
arguidos prestarem declarações sem anteriormente terem pedido a dispensa
do sigilo profissional, considerando que o mesmo não se aplicaria nesta
situação. Entendemos que esta interpretação não é correcta, dado que
caberá à Ordem dos Advogados determinar a dispensa do sigilo profissional
em qualquer caso, e dado que não existem excepções aos procedimentos
aplicáveis relativamente a estas situações.
Porém, consideramos que, se um Advogado tiver sido detido e se
existir um conflito entre o direito do Advogado à liberdade e a obrigação
de respeitar o sigilo profissional, conflito que não poderá ser resolvido
atempadamente pela Ordem dos Advogados (já que o interrogatório tem

52
 É evidente que, se o Advogado incitar ou auxiliar o cliente a cometer um crime, o
Advogado estaria a violar o EOA, e ele próprio estaria a cometer um crime, pelo menos
como instigador ou cúmplice e, por conseguinte, tal conduta não iria ser protegida pelo
regime do segredo profissional.

212
CONFIDENCIALIDADE DA COMUNICAÇÃO COM O DEFENSOR

início dentro de 48 horas), a violação do segredo profissional por parte do


Advogado poderia considerar-se abrangida por uma causa de exclusão da
culpa. De todo modo, nestes casos, a Ordem dos Advogados poderá ser
solicitada a autorizar a dispensa do sigilo profissional retroactivamente.

2.5.2. Buscas e apreensões em escritórios de Advogados e de documen-


tos de Advogados e a intercepção da comunicação confidencial
entre cliente e Advogado

2.5.2.1. Disposições gerais relativamente às buscas e às apreensões de


documentos nas instalações de Advogados53
O artigo 75.º, n.º 1, do EOA estabelece que “[a] imposição de selos, o
arrolamento, as buscas e diligências equivalentes no escritório ou sociedade
de Advogados ou em qualquer outro local onde faça arquivo, assim como
a interceção e a gravação de conversações ou comunicações, através de
telefone ou endereço eletrónico, utilizados pelo Advogado no exercício da
profissão, constantes do registo da Ordem dos Advogados, 54 só podem ser
decretados e presididos pelo Juiz competente”.
Tal implica que o domicílio, os telefones e os endereços de e-mail que
constam no registo do Advogado na Ordem dos Advogados gozem de protec-
ção do sigilo profissional. Buscas e apreensões nas instalações do Advogado,
assim como a intercepção de comunicações, só podem ser ordenadas em
casos muito excepcionais.
O CPP regulamenta os requisitos das buscas nas instalações dos
Advogados em processos penais. Em primeiro lugar, importa salientar que a
apreensão de correspondência nos escritórios de Advogados deve, em prin-
cípio55, ser precedida pela constituição formal do Advogado como arguido,

53
 Quanto às buscas e apreensões em geral no âmbito do processo penal em Portugal, cf.
Caeiro/Costa (2013), pp. 558 e ss.
54
 Um registo público está disponível em https://portal.oa.pt/Advogados/pesquisa-de-
Advogados/.
55
 Aparentemente, alguma jurisprudência e doutrina entenderá que a busca nas instalações
de Advogados poderá ser ordenada em caso de crimes dos quais o Advogado não é suspeito.
A nosso ver, tal medida tem um carácter marcadamente excepcional; em princípio, os úni-
cos objectos ou documentos que poderão ser apreendidos são os que estão relacionados
com infracções cometidas pelo Advogado ou pelos seus colaboradores (neste caso, uma

213
ESTUDOS EM HOMENAGEM AO JUIZ CONSELHEIRO ANTÓNIO HENRIQUES GASPAR

em conformidade com os artigos 58.º e 59.º do CPP que determinam que


tal decisão não é arbitrária, discricionária ou automática. Pelo contrário,
tal diligência só deverá ser determinada se uma suspeita específica bem
fundada de uma actividade criminosa, baseada em provas obtidas antes da
busca, incidir sobre o próprio Advogado, caso em que o sigilo profissional
na relação Advogado-cliente não constitui uma justificação válida para a
recusa de acesso a informação, dado que o sigilo profissional não abrange a
actividade criminosa do próprio Advogado56. Urge, portanto, garantir que a
constituição formal do Advogado como arguido não possa ser instrumenta-
lizada a fim de aceder e obter informações relevantes a respeito do cliente 57.
Além da constituição formal do Advogado como arguido, o CPP esta-
belece regras especiais para as buscas e as apreensões nas instalações dos
Advogados. Uma busca só poderá ser ordenada por um Juiz e deverá ser “[…]

condição indispensável é que sejam constituídos como arguidos antes da busca) ou os que
constituem objectos de um crime (tal como a prova de um crime que não poderia ser obtida
de outra forma – imagine uma situação em que alguém teria escondido um cadáver num
escritório de Advogados sem o conhecimento do Advogado). No último caso, consideramos
que a medida preferível é a da intimação em vez de efectuar uma busca num escritório de
Advogado. Esta medida deverá ser uma medida absolutamente excepcional. Admitindo-se
as buscas para outro tipo de documentos e sem que o Advogado seja ele próprio suspeito
constituído arguido, então tais buscas deveriam ser preteridas em favor de intimação para
a entrega de documentos, perante a qual o Advogado poderia pedir a dispensa de sigilo,
ou ser suscitada a quebra de segredo profissional. Inexistindo receio que a prova possa
desaparecer ou ser destruída, não é em caso algum justificada a busca.
56
 Cf. o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 23 de Fevereiro de 2017, Processo,
n.º 1130/14.7TDLSB-C.L1-9, Relator: Cristina Branco, disponível em http://www.dgsi.pt/
jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/2f1cf874c969def3802580d0006e6214?O
penDocument.
57
 Ver o que foi decidido no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 15 de Abril de
2010, proferido no Processo, n.º 56/06.2TELSB-B.L1-9, com a Relatora Fátima Mata-Mouros:
“[…] V – O eventual interesse da investigação na apreensão de documentação respeitante
ao exercício da advocacia não pode, por si só, servir de justificação à constituição de um
Advogado como arguido. VI – Segundo as opções feitas pelo legislador e que se encontram
claramente plasmadas na lei, designadamente no Estatuto da Ordem dos Advogados e
no CPP, não é a apreensão de documentação profissional num escritório de Advogados
que permite fundamentar a constituição do Advogado como arguido, antes sendo a
constituição de um Advogado como arguido que abre a possibilidade de apreensão de
correspondência profissional do mesmo. […]”, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/
e6e1f17fa82712ff80257583004e3ddc/fdc745090a69eaa18025770b003dd2eb?OpenDo
cument.

214
CONFIDENCIALIDADE DA COMUNICAÇÃO COM O DEFENSOR

presidida pessoalmente pelo Juiz, o qual avisa previamente o presidente do


conselho local da Ordem dos Advogados […], para que o mesmo, ou um seu
delegado, possa estar presente” (artigo 177.º, n.º 5, do CPP 58). A apreensão
de documentos num escritório de Advogados também deve ser ordenada e
efectuada pessoalmente por um Juiz na presença de um representante da
Ordem dos Advogados local (artigo 180.º, n.º 1, do CPP).
O EOA estabelece que, durante a busca, o Advogado e o representante
da Ordem dos Advogados podem apresentar requerimentos (inclusivamente
invocar nulidades, etc.), nomeadamente invocando o sigilo profissional. Se
tal for o caso, o Juiz selará os documentos e nos cinco dias posteriores ao
recebimento dos requerimentos detalhando os fundamentos para a aprecia-
ção e determinação da aplicablidade do sigilo profissional, o Juiz remeterá os
documentos em causa para o Presidente do Tribunal da Relação competente
que irá decidir se o sigilo profissional é aplicável e, em caso afirmativo, se a
quebra do sigilo profissional poderá ser ordenada, o que só deverá aconte-
cer em regra se o Advogado for arguido e se os próprios documentos “[…]
constituírem objecto ou elemento de um crime” (artigo 180.º, n.º 2, do CPP
e artigo 76.º, n.º 4, do EOA59).
Quanto ao conteúdo específico do mandado de busca, a questão não é
incontroversa. Nos termos dos artigos 97.º, n.º 1, alínea b), e n.º 5, do CPP,
o mandado deverá ser especificado e fundamentado. Este pressuposto
processual foi interpretado como uma proibição de imprecisão e de inexis-
tência de conexão entre os factos que estão a ser investigados e uma conduta
específica do suspeito60.
Não obstante, algumas decisões dos Tribunais superiores em Portugal
consideraram que o mandado de busca estaria suficientemente detalhado se
indicasse o contexto geral do caso, o facto de que há suspeitas relativamente
ao suspeito (e aqui não se trata da suspeita específica consubstanciada em
determinadas condutas) e o crime putativo que poderá ter sido cometido 61.

58
 Ver também artigo 75.º do EOA.
59
 Lei 145/2015, de 9 de Setembro.
60
 Ver a Decisão Singular do Vice-Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, de 04 de
Julho de 2016, proferida no ^`âmbito do Processo n.º 108/15.8JALRA-A.L1.-3, com o Relator
Orlando Nascimento, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/-/90B96E72687D805280
257FFE002B0530.
61
 Ver o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20 de Fevereiro de 2018, Processo,
n.º 5340/17.7T9LSB-A.L1-5, Relator: Vieira Lamim, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrl.

215
ESTUDOS EM HOMENAGEM AO JUIZ CONSELHEIRO ANTÓNIO HENRIQUES GASPAR

Quanto às disposições processuais aplicáveis ao procedimento, deve


referir-se que a presença obrigatória do Juiz62 e do representante da Ordem
dos Advogados visa impedir prácticas de “rummaging” ou “fishing expeditions”
(buscas indiscriminadas na documentação em posse do Advogado) e evitar
a apreensão de documentos abrangidos pelo sigilo profissional, dado que o
CPP também estabelece que os documentos abrangidos pelo sigilo profis-
sional não podem ser apreendidos, “[…] salvo se o Juiz tiver fundadas razões
para crer que aquela [prova] constitui objecto ou elemento de um crime”
(artigo 179.º, n.º 2, do CPP).
Desta forma, o Juiz deve ser a primeira pessoa que, juntamente com
o representante da Ordem dos Advogados, lê e analisa os documentos a
fim de decidir se são ou não relevantes, caso em que os mesmos não serão
apreendidos, e também a fim de determinar se o sigilo profissional será apli-
cável (artigos 180.º, n.º 2 e 3, e 179.º, n.º 3, do CPP). Porém, jurisprudência
recente afirma expressamente que “[…] [e]m relação a certos factos ilícitos
em investigação, que podem ter sido concretizados através de condutas
aparentemente normais, não é de esperar que os elementos de prova sejam
encontrados em pastas ou ficheiros devidamente identificados e que logo do
acto de busca resulte prova devidamente seleccionada e analisada, antes se
apresentando como natural a recolha de um leque alargado de elementos,
cuja análise só será possível em posterior trabalho de gabinete […] 63”.
Em nossa opinião, é claro que as apreensões efectuadas no âmbito de
buscas e apreensões ilimitadas, sem um objectivo específico e arbitrárias são
ilícitas, nomeadamente por violação dos artigos 118.º, 176.º, n.º 1, 177.º, n.º 5,

nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/3e7390ebccec599980258249004ebb7b?Open
Document&Highlight=0,cibercrime.
62
 O artigo 179.º, n.º 3 do CPP determina que “[o] juiz que tiver autorizado ou ordenado
a diligência é a primeira pessoa a tomar conhecimento do conteúdo da correspondência
apreendida. Se a considerar relevante para a prova, fá-la juntar ao processo; caso contrário,
restitui-a a quem de direito, não podendo ela ser utilizada como meio de prova, e fica ligado
por dever de segredo relativamente àquilo de que tiver tomado conhecimento e não tiver
interesse para a prova”.
63
 Ver o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20 de Fevereiro de 2018, Processo,
n.º 5340/17.7T9LSB-A.L1-5, Relator: Vieira Lamim, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrl.
nsf/33182fc732316039802565fa00497 eec/3e7390ebccec599980258249004ebb7b?Open
Document&Highlight=0,cibercrime.

216
CONFIDENCIALIDADE DA COMUNICAÇÃO COM O DEFENSOR

do CPP, dos artigos 16.º, n.º 3, 5 e 7 da Lei do Cibercrime 64 (no caso de


informação electrónica) e dos artigos 75.º, 76.º e 92.º do EOA).
Uma busca no escritório de um defensor no âmbito de uma investigação
na qual este representa um arguido resultaria numa flagrante violação dos
direitos à defesa e à assistência por Advogado em processo penal (artigo
32.º, n.ºs 1 e 3, da CRP) e é, a nosso ver, por conseguinte, absolutamente
proibida. Excepção seria o caso em que o defensor também está envolvido na
actividade criminosa do cliente e por isso seja constituído arguido. Contudo,
existe um sério risco de instrumentalização da possibilidade de constituir o
defensor como arguido nestes casos e, por conseguinte, esta deverá ter um
carácter altamente excepcional e a constituição do defensor como arguido
deverá ser feita com base em fortes indícios de actividade criminosa, e não
com base em meras e vagas suspeitas imprecisas.
Recentemente houve um processo mediático (tráfico de drogas, corrup-
ção, etc.) em que o arguido que tinha sido detido mandatou um determinado
defensor e, visto que os Procuradores suspeitavam do envolvimento do
Advogado, assim que o defensor compareceu no Tribunal foi imediata-
mente constituído arguido e, por conseguinte, ficou impedido de actuar na
qualidade de defensor no processo. Esta situação foi alvo de crítica (dado
que o Advogado não foi posteriormente acusado e alegou que teria sido
deliberadamente constituído como arguido como forma de o retirar deste
processo, o que demonstra os riscos de tal actuação). No entanto, e por
outra perspectiva, esta medida poderá ser vista como uma forma de evitar
a necessidade de, numa fase posterior, ter de requerer medidas intrusivas
contra um defensor, o que iria bulir com o cerne do direito a uma defesa
efectiva em processo penal e do dever de salvaguarda do sigilo profissional.
Temos ainda conhecimento de casos em que surgiram suspeitas con-
tra escritórios de Advogados quanto a supostas actividades criminosas
específicas, mas, no entanto, a autoridade judicial competente absteve-
-se de fazer uma busca e optou por pedir ao escritório de Advogados em
causa que fornecesse às autoridades determinados documentos relevantes
para a investigação, evitando assim uma busca invasiva que podia preju-
dicar gravemente a reputação do escritório de Advogados (nos processos
mediáticos essas buscas são transmitidas em directo pelos media) e o segredo

 Lei n.º 109/2009, de 15 de Setembro (Lei do Cibercrime), disponível em http://www.


64

pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=1137&tabela=leis.

217
ESTUDOS EM HOMENAGEM AO JUIZ CONSELHEIRO ANTÓNIO HENRIQUES GASPAR

profissional relativamente a assuntos de clientes não relacionados com os


factos em causa.
As regras supra referidas também são aplicáveis às pesquisas nos siste-
mas informáticos e às apreensões de dados informáticos, i.e. pesquisas nos
sistemas informáticos utilizados para o exercício da advocacia (artigos 15.º,
n.º 6, e 16.º, n.º 5, da Lei do Cibercrime). Estas pesquisas poderão implicar
dificuldades adicionais em caso de sistemas informáticos de Advogados de
empresa, caso os respectivos sistemas informáticos não estejam devidamente
separados do sistema informático geral da empresa.

2.5.2.2. Buscas e apreensões de correspondência e de comunicações ele-


trónicas ou a intercepção de conversas com o Advogado65
Relativamente à correspondência entre o defensor e o seu cliente, o
artigo 179.º, n.º 2, do CPP estabelece que “é proibida, sob pena de nulidade,
a apreensão e qualquer outra forma de controlo da correspondência entre o
arguido e o seu defensor, salvo se o Juiz tiver fundadas razões para crer que
aquela constitui objecto ou elemento de um crime”.
É de referir que a apreensão de correspondência que se encontra ainda
em circulação só é permitida nos seguintes casos: “[…] a) a correspondência
foi expedida pelo suspeito ou lhe é dirigida, mesmo que sob nome diverso
ou através de pessoa diversa; b) está em causa crime punível com pena de
prisão superior, no seu máximo, a 3 anos; e c) a diligência se revelará de
grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova” (artigo 179.º,
n.º 1, alíneas a), b) e c)).
Estas mesmas regras são aplicáveis às comunicações electrónicas guar-
dadas em suporte digital, dado que o artigo 17.º da Lei do Cibercrime
determina a aplicação das regras previstas no artigo 179.º do CPP nestes
casos. A este respeito, a nosso ver, a correspondência electrónica também
goza de protecção adicional depois de ter sido recebida pelo destinatário,
por força do regime estabelecido naquele art. 17.º. Existe todavia uma
divergência relativamente à questão de saber se o limite dos crimes puníveis
com pena de prisão superior a 3 anos seria igualmente aplicável à apre-
ensão de comunicações arquivadas quanto a outros crimes para além dos
“cibercrimes”.

65
 Cf. também Caeiro/Costa (2013), pp. 555-557.

218
CONFIDENCIALIDADE DA COMUNICAÇÃO COM O DEFENSOR

O procedimento relativamente à busca e à apreensão de comunicações


electrónicas guardadas é o mesmo que se aplica à correspondência. Porém,
a implementação operacional do controlo judicial e do controlo pelo repre-
sentante da Ordem dos Advogados conhece neste contexto obstáculos
adicionais, visto que teriam de ser implementados tanto durante a busca
e apreensão (quanto aos dados a serem apreendidos) mas principalmente
também posteriormente, dado que por vezes é difícil filtrar e seleccionar os
dados de forma adequada durante o decurso da própria busca.
A intercepção das comunicações entre o arguido e o seu defensor, nos
termos do artigo 187.º, n.º 5, do CPP (aplicável às comunicações electrónicas
ao abrigo do artigo 18.º, n.º 4, da Lei do Cibercrime) não é permitida “[…]
salvo se o Juiz tiver fundadas razões para crer que aquela constitui objecto
ou elemento de um crime”. O resultado só pode ser utilizado como meio de
prova relativa ao crime do qual o Advogado é suspeito 66.

3. Regras de exclusão da prova e nulidades

3.1. Regras de exclusão da prova e o fruto da árvore envenenada – enqua-


dramento geral
Em Portugal, o princípio da exclusão da prova obtida em violação de
direitos fundamentais está estabelecido constitucionlente no artigo 32.º,
n.º 8 da CRP. Encontram-se ainda várias regras de exlcusão, ou proibições
de valoração da prova, no CPP e em outras leis.
A regra constitucional de exclusão da prova foi introduzida em 1976
com a nova Constituição e estabelece: “[s]ão nulas todas as provas obtidas
mediante tortura, coação, ofensa da integridade física ou moral da pessoa,
abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou
nas telecomunicações.” Existe diversa jurisprudência e doutrina relevante
considerando que as provas obtidas em violação de direitos processuais
fundamentais devem igualmente ser excluídas nos termos do artigo 32.º da
CRP e do artigo 126.º do CPP67.

66
 Caeiro/Costa (2013), p. 556.
67
 Cf., a título representativo, Mendes (2013), p. 225, citando a jurisprudência constitu-
cional, no Acórdão 184/2004, de 28.03.2004, que refere inclusivamente que bastaria a
referência às garantias de defesa constante do artigo 32.º, n.º 1, “para que entre esses direitos

219
ESTUDOS EM HOMENAGEM AO JUIZ CONSELHEIRO ANTÓNIO HENRIQUES GASPAR

O CPP tem no artigo 126.º, sob a epígrafe “métodos proibidos de prova”,


uma regra correspondente à da CRP: “1- São nulas, não podendo ser uti-
lizadas, as provas obtidas mediante tortura, coacção ou, em geral, ofensa
da integridade física ou moral das pessoas. 2- São ofensivas da integridade
física ou moral das pessoas as provas obtidas, mesmo que com consen-
timento delas, mediante: a) Perturbação da liberdade de vontade ou de
decisão através de maus tratos, ofensas corporais, administração de meios
de qualquer natureza, hipnose ou utilização de meios cruéis ou engano-
sos; b) Perturbação, por qualquer meio, da capacidade de memória ou de
avaliação; c) Utilização da força, fora dos casos e dos limites permitidos
pela lei; d) Ameaça com medida legalmente inadmissível e, bem assim,
com denegação ou condicionamento da obtenção de benefício legalmente
previsto; e) Promessa de vantagem legalmente inadmissível. 3- Ressalvados
os casos previstos na lei, são igualmente nulas, não podendo ser utilizadas,
as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na
correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respec-
tivo titular. 4- Se o uso dos métodos de obtenção de provas previstos neste
artigo constituir crime, podem aquelas ser utilizadas com o fim exclusivo
de proceder contra os agentes do mesmo.”
É aplicável, todavia, a doutrina do fruto da árvore envenenada (the fruit-of-
-the-poisonous-tree-doctrine), com as seguintes limitações: “mácula (nódoa)
dissipada”, “descoberta inevitável” e “fonte independente”68.
O Tribunal Constitucional reconheceu expressamente esta doutrina no
seu Acórdão n.º 198/2004 de 24 de Março69, que versou sobre a questão da
constitucionalidade do artigo 122.º, n.º 1, do CPP 70.
O Tribunal de primeira instância tinha decidido que, tendo em conta
a nulidade de diversas intercepções telefónicas conduzidas no âmbito do

de defesa se considerasse incluído o de ver excluídas do processo (tornadas ineficazes,


inválidas ou nulas) as próprias provas ilegais reportadas a valores constitucionalmente
relevantes”; Correia (2006), pp. 189-191.
68
 Cf. a este respeito Mendes (2013a); Caeiro/Costa (2013), pp. 573-576. Ver também Israel,
Jerold H./ Lafave, Wayne R. (2001), pp. 291-301.
69
 Acórdão do Tribunal Constitucional, n.º 198/2004 de 24 de Março, Proc., n.º 39/04, 1.ª
Secção, Relator: Cons. Rui Moura Ramos, disponível em http://www.Tribunalconstitucional.
pt/tc/acordaos/20040198.html
70
 O artigo 122.º, n.º 1 do CPP estabelece que “[a]s nulidades tornam inválido o acto em que
se verificarem, bem como os que dele dependerem e aquelas puderem afectar.”

220
CONFIDENCIALIDADE DA COMUNICAÇÃO COM O DEFENSOR

processo, por violação dos artigos 187.º, n.º 1, e 188.º, n.º 1, do CPP nos
termos dos artigos 126.º, n.º 1, do CPP, e 32.º, n.º 8 da Constituição da
República Portuguesa, as gravações e transcrições das conversas não podiam
ser utilizadas. Além disso, as provas derivadas, inclusivamente o produto
estupefaciente apreendido, tinham sido excluídas, nos termos do artigo
122.º, n.º 1, do CPP. Não obstante, os arguidos tinham sido condenados com
base em outras provas, inclusivamente as confissões que fizeram durante a
audiência de julgamento.
Esta decisão foi objecto de recurso no qual os arguidos defenderam que
o efeito reflexo (“efeito à distância”) nos termos do artigo 122.º, n.º 1, do
CPP se aplicaria a quaisquer provas que tivessem um nexo causal com as
provas inválidas e nulas, e não permitiria quaisquer limitações. O Tribunal
da Relação de Coimbra decidiu que, não obstante a nulidade da intercep-
ção das intercepções telefónicas, nem todas as provas derivadas tinham
que ser excluídas, nomeadamente: a identificação dos arguidos, caso esta
identificação tivesse sido confirmada pelos mesmos ou pelas testemunhas;
as buscas, mesmo caso tivessem sido realizadas após as intercepções telefó-
nicas; a apreensão do produto estupefaciente no automóvel conduzido por
um dos arguidos. Mais, decidiu o Tribunal que a alegação de que não teria
sido encontrada outra prova do crime, tinha que ser demonstrada; as provas
reais, tais como os intrumentos/objectos do crime seriam abrangidas pela
exclusão (o automóvel, o produto estupefaciente), ainda que a apreensão
dos mesmos estivesse eivada de nulidade. Finalmente, a confissão prestada
pelo arguido de livre vontade, não sendo assim inteiramente um resultado
das intercepções telefónicas ilícitas, também não deveria ser excluída.
O Supremo Tribunal de Justiça confirmou esta decisão 71.
O Tribunal Constitucional limitou a sua decisão relativamente à questão
da constitucionalidade da interpretação do artigo 122.º, n.º 1, segundo a
qual a utilização de provas derivadas, diferentes das provas obtidas pelas
próprias intercepções telefónicas, seria permitida caso tal prova subsequente
fosse uma declaração prestada pelos próprios arguidos sob a forma de con-
fissão72. Segundo a decisão73, ainda que a nossa Constituição contenha uma
disposição explícita que define o direito a obter a eliminação ou exclusão

71
 Ver pp. 11-14 do Acórdão, §2.1.
72
 Ver p. 14 do Acórdão, §2.1.
73
 Ver pp. 15-16 do Acórdão, § 2.2.1.

221
ESTUDOS EM HOMENAGEM AO JUIZ CONSELHEIRO ANTÓNIO HENRIQUES GASPAR

das provas obtidas de forma ilícita através da violação de valores protegidos


pela Constituição74, “[…] a afirmação genérica contida no artigo 32º., n.º 1,
da CRP, bastaria para que entre esses direitos de defesa se considerasse
incluído o de ver excluídas do processo (tornadas ineficazes, inválidas ou
nulas) as próprias provas ilegais reportadas a valores constitucionalmente
relevantes. […]”75.
Segundo o Tribunal, o direito à exclusão de provas obtidas de forma
inconstitucional não é mais do que uma “dimensão específica e indisso-
ciável do direito a um processo penal com todas as garantias de defesa” 76.
O Tribunal adere ao princípio da Justizförmigkeit des Verfahrens, segundo o
qual o juízo sobre a culpabilidade somente estará em conformidade com o
sistema jurídico processual caso nenhuma garantia processual tenha sido
violada em desfavor do arguido, citando a afirmação de Roxin de que num
Estado de direito este princípio tem tanto valor como a condenação do
culpado e o reestabelecimento da paz jurídica 77.
A questão em causa era, por conseguinte, a de decidir se “todas as
garantias de defesa” (artigo 32.º, n.º 1, da CRP) “[…] não abrangem, tam-
bém, […] para além da invalidade da própria prova nula, a afirmação do
«efeito-à-distância» dessas provas inválidas sobre outras provas válidas […]”
(p. 15 do Acórdão, § 2.2.1.), resultando na sua supressão, o que constituiria
“[…] uma extensão da ilegalidade do meio de prova anterior […]” (p. 15 do
Acórdão, § 2.2.1.)78. O Tribunal Constitucional considerou que o efeito
reflexo constitui certamente “[…] uma das dimensões garantísticas do pro-
cesso criminal, permitindo verificar se o nexo naturalístico que, caso a caso,
se considere existir entre a prova inválida e a prova posterior é, também
ele, um nexo de antijuridicidade que fundamente o «efeito-à-distância», ou
se, pelo contrário, existe na prova subsequente um tal grau de autonomia
relativamente à primeira que a destaque substancialmente daquela” (p. 16
do Acórdão, § 2.2.1.).

74
 Ver artigo 32.º § 8 da CRP
75
 Ver p. 15 do Acórdão, § 2.2.1. O artigo 32.º §1 da Constituição da República Portuguesa
estabelece: “O processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o
recurso”.
76
 Ver p. 15 do Acórdão, § 2.2.1.
77
 Ver p do Acórdão, § 2.2.1.
78
 Ver p. 16 do Acórdão, § 2.2.1.

222
CONFIDENCIALIDADE DA COMUNICAÇÃO COM O DEFENSOR

O Tribunal salienta que o príncípio da doutrina do fruto da árvore envenenada


(the fruit-of-the-poisonous-tree-doctrine) não tem outro sentido do que este:
“a ponderação do caso concreto determinando a existência, ou não, desse
nexo de antijuridicidade entre a prova proibida e a prova subsequente que
exige para esta última o mesmo tratamento jurídico conferido àquela” (p. 16
do Acórdão, § 2.2.1.). A decisão referiu que esta doutrina tinha sido desen-
volvida numa ordem jurídica substancialmente diferente da portuguesa
(e que algumas das soluções adoptadas no sistema jurídico dos Estados
Unidos não teriam, por conseguinte, qualquer correspondência no nosso
direito), mas que, ainda assim, influenciara o nosso sistema jurídico 79.
No entanto, o Tribunal sublinhou que a doutrina “[…] nunca teve, na sua
origem e desenvolvimento no direito norte-americano, o sentido que o recor-
rente parece querer atribuir-lhe de um «efeito dominó» que arrasta todas as
provas que, em quaisquer circunstâncias, apareçam em momento posterior
à prova proibida e com ela possam, de alguma forma, ser relacionadas” 80.
O Tribunal resumiu ainda a posição de outros sistemas jurídicos europeus
sobre esta questão (Alemanha, Espanha, Itália), sublinhando que havia uma
tendência a reconhecer o efeito reflexo das proibições de prova (embora
tenha havido e continue a haver discussão, e inexista consenso) 81.
Lendo o artigo 122.º, n.º 1, do CPP à luz da jurisprudência do Supremo
Tribunal dos Estados Unidos da América, o Tribunal Constitucional portu-
guês declarou então que “[…] esta norma abre um espaço interpretativo no
qual há que procurar relações de dependência ou de produção de efeitos
(o artigo 122º, n.º 1 do CPP fala em actos dependentes ou afectados pelo

79
 Ver p.. 21 do Acórdão, §2.2.4.
80
 O Tribunal apresentou um resumo do desenvolvimento da teoria da árvore envenenada
(the fruit-of-the-poisonous-tree-doctrine) na jurisprudência do Supremo Tribunal dos Estados
Unidos com referência a Silverthorne Lumber Co. v. United States, 251 U.S. 385 (1920), Nardone
v. United States, 308 U.S. 338 (1939), Weeks v. United States, 232 U.S. 383 (1914) e Mapp v. Ohio,
367 U.S. 643 (1961). O Tribunal referiu que esta doutrina tinha sido sempre aplicada com
limitações e resenha a jurisprudência do Supremo Tribunal dos Estados Unidos relativa-
mente à limitação da fonte independente (“independent source limitation”) (Silverthorne Lumber
Co. v. United States and Segura v. United States, 468 U.S. 796, 1983), à limitação da descoberta
inevitável (“inevitable discovery limitation”) (Nix v. Williams, 467 U.S. 430 (1983)) e à limi-
tação da mácula (nódoa) dissipada “purged taint limitation” (Wong Sun v. United States, 371 U.S.
471 (1962); Michigan v. Tucker, 417 U. S. 433 (1971); Oregon v. Elstad, 470 U.S. 298 (1985)).
81
 Ver p. 22 e ss. do Acórdão, §2.2.5.

223
ESTUDOS EM HOMENAGEM AO JUIZ CONSELHEIRO ANTÓNIO HENRIQUES GASPAR

acto inválido) que, com base em critérios racionais, exijam a projecção do


mesmo valor negativo que afecta o acto anterior […]” 82.
In casu, o Tribunal Constitucional português concluiu que a ilicitude da
prova original não afectaria a confissão posterior, desde que esta tenha sido
feita de forma livre e esclarecida, constituindo, por conseguinte, um acto
independente praticado de livre vontade – o que havia sido o caso, dado que
não podia concluir-se que os arguidos só tinham confessado por pensarem
que as provas obtidas por meio de intercepção telefónica eram válidas, visto
que os seus Advogados tinham invocado a ilicitude de tais provas antes da
audiência de julgamento83. O Tribunal considerou que a confissão “[…] tem
tal autonomia que possibilita um acesso aos factos totalmente destacável de
qualquer outra forma de acesso anteriormente surgida e afectada por um
valor negativo […]”84.
Em conclusão, o Tribunal Constitucional determinou que “[…] o enten-
dimento do artigo 122.º, n.º 1, do CPP, subjacente à decisão recorrida,
segundo o qual este abre a possibilidade de ponderação do sentido das
provas subsequentes, não declarando a invalidade destas, quando estiverem
em causa declarações de natureza confessória, mostra-se constitucional-
mente conforme, não comportando qualquer sobreposição interpretativa a
essa norma que comporte ofensa ao disposto nos preceitos constitucionais
invocados […]”85.
Esta doutrina aplica-se, de modo geral, às regras de exclusão.

3.2. A exclusão de provas ou informações obtidas ilicitamente por meio


de buscas a escritório de Advogado ou intromissão nas comunica-
ções abrangidas pelo sigilo profissional
Em geral, as provas obtidas por meio de uma busca ou intromissão
ilícita na correspondência ou nas comunicações deverão ser excluídas em
conformidade com as normas identificadas supra (artigo 32.º, n.º 8, da CRP
e artigo 126.º, n.º 1 e 3 do CPP), visto que tal representa uma violação de
direitos constitucionais (inviolabilidade do domicílio e da correspondência,

82
 Ver p. 22 do Acórdão, § 2.2.4.
83
 Ver pp. 24-25 do Acórdão, § 2.3.1.
84
 Ver p. 25 do Acórdão, § 2.3.1.
85
 Ver p. 25 do Acórdão, §2.3.1.

224
CONFIDENCIALIDADE DA COMUNICAÇÃO COM O DEFENSOR

sigilo profissional, etc.), sem prejuízo das excepções à exclusão das provas
derivadas, também já referidas.
Conforme também já referimos, diversa jurisprudência e doutrina consi-
dera que as provas obtidas em violação de direitos processuais fundamentais
devem igualmente ser excluídas nos termos do artigo 32.º da CRP e do artigo
126.º do CPP, o que inclui as situações de violações do direito de defesa ou
o do direito à assistência por Advogado86.
No que respeita à apreensão de correspondência ou de comunicações
electrónicas guardadas em suporte digital, bem como à intercepção da
comunicação entre o cliente e o defensor, as disposições estabelecidas no
CPP e na Lei do Cibercrime quanto à utilização destes meios de obtenção
de provas definem de forma explícita a nulidade como a sanção aplicável
em caso de infracção (artigo 179.º, n.º 1, e artigo 190.º do CPP, aplicável
às comunicações electrónicas ex vi artigo 17.º e artigo 18.º, n.º 4, da Lei do
Cibercrime).
Esta nulidade é considerada como uma regra de exclusão da prova, em
consonância com o disposto nos artigos 32.º, n.º 8, da CRP, e 126.º, n.º 1 e
3 do CPP. Existe, todavia, discussão sobre a questão da aplicabilidade desta
sanção para a violação de todas as disposições formais estabelecidas no CPP
e na Lei do Cibercrime, ou apenas às disposições sobre os pressupostos para
o decretamento destas medidas, mas já não quanto às formalidades, caso em
que se estaria perante o que seria uma “mera nulidade”, i.e. uma nulidade
que poderá sanar-se caso não seja arguida atempadamente).
Acresce que o EOA estabelece expressamente uma regra de exclusão
da prova para todos os actos cometidos em violação do sigilo profissional
(artigo 92.º, n.º 5, do EOA). Nos termos desta norma, os actos praticados pelo
Advogado em violação do sigilo profissional, i.e. os actos não autorizados no
âmbito da dispensa ou da quebra do sigilo profissional, conforme descrito
supra, não podem ser utilizados como prova em Tribunal.

86
 Cf., a título representativo, Mendes (2013), p. 225, citando a jurisprudência constitu-
cional, no Acórdão 184/2004, de 28.03.2004, que refere inclusivamente que bastaria a
referência às garantias de defesa constante do artigo 32.º, n.º 1, “para que entre esses direi-
tos de defesa se considerasse incluído o de ver excluídas do processo (tornadas ineficazes,
inválidas ou nulas) as próprias provas ilegais reportadas a valores constitucionalmente
relevantes”; Correia (2006), pp. 189-191.

225
ESTUDOS EM HOMENAGEM AO JUIZ CONSELHEIRO ANTÓNIO HENRIQUES GASPAR

Em todo o caso, o sigilo profissional relativo à correspondência confiden-


cial entre Advogados é, em regra, de carácter absoluto e essa correspondência
jamais poderá ser utilizada como prova e, por conseguinte, não está sujeita
à dispensa ou à quebra do sigilo profissional (artigo 113.º, n.º 2, do EOA).
Desta forma, as provas obtidas em violação das normas que regem o sigilo
profissional do Advogado, referidas supra, assim como as provas derivadas
que não estejam abrangidas pelas excepções acima mencionadas serão con-
sideradas nulas e sem efeito e terão de ser excluídas.
É de referir que a protecção do sigilo profissional do Advogado e as
respectivas regras de exclusão da prova também se aplicam no contexto de
processos transnacionais e constituiriam um motivo de não reconhecimento
ou não execução de uma Decisão Europeia de Investigação (DEI), nos termos
do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), da Directiva (UE) 2014/41 do Parlamento
Europeu e do Conselho, de 3 de abril de 2014, relativa à decisão europeia
de investigação em matéria penal (transposto em Portugal pelo artigo 22.º,
n.º 1, alínea b), da Lei 88/2017, de 21 de Agosto)87.
Este motivo de não execução, no que repeita ao sigilo profissional do
Advogado, deve ser interpretado ou visto como um motivo obrigatório
de recusa em todos os casos em que a nossa lei proíbe as buscas, as apre-
ensões ou a intercepção das comunicações entre os Advogados e os seus
clientes.
Violações flagrantes do direito à assistência por Advogado, sob a forma
de buscas e de intercepção de comunicações ilícitas, ou mesmo um inter-
rogatório sob coacção de um Advogado, não constituem em princípio per se
fundamento para arquivar um inquérito penal. Porém, se as provas poste-
riormente obtidas contra o cliente do Advogado o tiverem sido unicamente
com base em tais provas originariamente obtidas de forma flagrantemente
ilícita, o processo poderá acabar por ser encerrado em resultado da aplicação
da doutrina do fruto da árvore envenenada, conforme referido supra.
Tal não impediria, contudo, a reabertura do inquérito, caso fossem
encontrados novos elementos de prova obtidos de forma independente,
que permitissem por si só concluir que existiam fortes indícios da prática
de crime (artigo 279.º do CPP). Se a decisão de arquivamento do processo
for tomada pelo Tribunal de julgamento, não será admissível a reabertura
do processo pelos mesmos factos, ainda que tenham sido descobertos novos

87
 Cf. o considerando n.º 20 da Directiva.

226
CONFIDENCIALIDADE DA COMUNICAÇÃO COM O DEFENSOR

factos ou elementos de prova, dado que apenas as condenações, mas não as


absolvições, poderão ser objecto de recurso extraordinário de revisão (artigo
449.º, n.º 1, alínea d), a contrario, do CPP).
Quanto à decisão de não pronúncia, doutrina e jurisprudência discutem
se a mesma está sujeita à reabertura do inquérito, nos termos do artigo 279.º
do CPP, ou não, sendo-lhe aplicável o disposto para as sentenças, no artigo
449.º, n.º 1, alínea d), a contrario CPP88.

Crítica e Reforma?
A protecção do segredo profissional e do direito à assistência por
Advogado em Portugal, especialmente no processo penal, está bem con-
cebida e garante um elevado nível de protecção que deverá ser mantido,
sem prejuízo da possibilidade de aperfeiçoamento de alguns aspectos de
pormenor.
Conforme realçado supra, deveria ser consagrada uma disposição legal
que estabeleça a obrigação de informar as testemunhas sobre o seu direito à
assistência por Advogado. Tal evitaria que pessoas que são de facto suspeitas
(ou passariam a sê-lo caso prestem declarações) fossem inquiridas na quali-
dade de testemunhas sem poder exercer de forma informada e plena o seu
direito à não auto-incriminação e requererem a constituição formal como
arguidas, sendo o caso. Tal disposição legal estaria também em consonância
com as boas práticas já adoptadas por algumas autoridades judiciárias ou
policiais, supra referidas.
A aplicação prática do direito à assistência por Advogado desde o início da
detenção também poderá ser objecto de melhora. Caso uma pessoa detida
não confira mandato a um defensor a título privado e deseje ser assistida
por um defensor nomeado oficiosamente, este último deverá ser nomeado
sem demora, e não apenas no momento imediatamente anterior ao início
do interrogatório. Assim, promover-se-ia o respeito por duas garantias
fundamentais: (i) a função do Advogado como garante da prevenção dos
maus tratos, em conformidade com as recomendações do Comité Europeu
para a Prevenção da Tortura e Outras Penas ou Tratamentos Desumanos

88
 Ver , a título exemplificativo, Albuquerque (2011), anotação ao artigo 310.º, n.º 17 e 18
do CPP, afirmando que a decisão de não pronúncia não é susceptível de reabertura, nos
termos do artigo 279.º do CPP, com referências adicionais, a favor e contra esta posição.

227
ESTUDOS EM HOMENAGEM AO JUIZ CONSELHEIRO ANTÓNIO HENRIQUES GASPAR

e Degradantes89; (ii) o direito a uma defesa efectiva e a um processo


equitativo, facultando mais tempo ao defensor para preparar o primeiro
interrogatório.
Por último, deveria consagrar-se a exigência de que o arguido fique sen-
tado ao lado do defensor na audiência de julgamento90, a concessão de tempo
para o defensor reunir com o seu cliente que se encontra detido durante os
intervalos das sessões e, em particular, após o termo da audiência de julga-
mento, bem como melhoradas as condições para o exercício da assistência
prestada por defensor nomeado relativamente às consultas nas prisões,
ultrapassando o actual número máximo de duas idas ao estabelecimento
prisional pagas pelo Estado, sempre que a complexidade ou a duração do
processo o exijam.
Em geral, é de salientar que a protecção do segredo profissional do
Advogado e do direito à assistência por Advogado, em particular no processo
penal, constituem princípios fundamentais do sistema jurídico português,
aos quais é conferido um elevado grau de protecção. Estes princípios repre-
sentam uma característica marcante do nosso sistema jurídico que deverá
ser preservada. Apesar de o sigilo profissional do Advogado em Portugal
não ser absoluto – aparentemente o único sigilo absoluto em Portugal é o
sigilo religioso, que jamais em circunstância alguma poderá ser quebrado
ou suprimido – quando esteja em causa o segredo do defensor o sigilo é
praticamente absoluto, dado que a sua quebra ou restrição representaria
uma violação do núcleo duro do direito fundamental de defesa e à assistência
por Advogado em processo penal.
No passado, a interpretação das regras relativamente ao sigilo profissio-
nal era extremamente rigorosa e não era comum ver buscas nas instalações
de Advogados, mesmo nos casos mais restritos em que tais buscas são
permitidas, por exemplo quando o Advogado seja suspeito de actividade
criminosa. Nos últimos dez anos tem-se instalado entre os Advogados a
impressão de que há um número elevado de buscas efectuadas nos escritó-
rios com base na existência de suspeita de actividade criminosa contra esses
Advogados e/ou os seus clientes, o que poderia revelar uma tendência de
tornar os Advogados suspeitos apenas como meio para obter a autorização
para a realização de buscas nas suas instalações, para obter provas contra

89
 Cf. supra nota 15.
90
 Como é o caso, por exemplo, na Alemanha.

228
CONFIDENCIALIDADE DA COMUNICAÇÃO COM O DEFENSOR

os respectivos clientes91. O Bastonário da Ordem dos Advogados referiu


inclusivamente em 2017 que a Ordem estaria a acompanhar cerca de dez
casos que são considerados duvidosos92.
Conforme referido supra, tais buscas só são lícitas se o próprio Advogado
for suspeito e for constituído como arguido imediatamente antes da busca
(i.e. com base nas provas disponíveis antes da busca). Na prática, infeliz-
mente, há circunstâncias em que tais buscas são ordenadas sem a existência
de uma suspeita forte e bem fundamentada da prática de um acto criminoso
específico atribuído ao Advogado, mas antes com base numa suspeita contra
o cliente, o que é abusivo, arbitrário, ilícito e inconstitucional.
Felizmente, o nosso sistema jurídico consagra remédios jurídicos para tais
violações, cujos vícios devem ser arguidos imediatamente e durante a busca
e, se se concluir pela existência de violação do sigilo profissional, as provas
devem ser excluídas. Sem este remédio, a protecção do segredo profissio-
nal do Advogado e, em particular, do direito de defesa e à assistência por
Advogado em processo penal ficariam desprovidos de eficácia ou, utilizando
a expressão do Justice Holmes, do Supremo Tribunal dos Estados Unidos da
América, significaria reduzir a protecção constitucional daqueles direitos a
uma “form of words”, uma protecção meramente semântica ou, dito de outro
modo, uma absoluta e inaceitável ausência de protecção.

91
 Ver, por exemplo, as situações referidas pelo Bastonário da Ordem dos Advogados em
2017 (http://expresso.sapo.pt/sociedade/2017-07-09-Ordem-vai-processar-Estado-por-
-causa-de-buscas-a-Advogados), e por Bastonários anteriores, por exemplo em 2012 (http://
www.inverbis.pt/2012/Advogados/Advogados-arguidos-buscas-escritorios). Cf. também
Narciso Machado, Juiz Desembargador jubilado, https://www.publico.pt/2017/07/18/socie-
dade/opiniao/as-buscas-nos-escritorios-dos-Advogados-1779398. Segundo as informações
gentilmente cedidas pelos competentes Conselhos Regionais da Ordem dos Advogados,
referentes ao período de 2009 a 2017, ocorreram as seguintes buscas em escritórios de
Advogados Lisboa – 2009: 28; 2010: 4; 2011: 13; 2012: 18; 2013: 10; 2014: 18; 2015: 15; 2016:
17; 2017: 18 (Total: 141); Porto – 2009: 4; 2010: –; 2011: –; 2012: 0; 2013: 2; 2014: 1; 2015:
6; 2016: 3; 2017: 2 (Total: 18); Coimbra – 2009: 5; 2010: 2; 2011: 0; 2012: 4; 2013: 1; 2014: 7;
2015: 4; 2016: 2; 2017: 4 (Total: 29); Évora: 2009: 0; 2010: 0; 2011: 0; 2012: 0; 2013: 0; 2014:
1; 2015: 1 2016: 00; 2017: 0 (Total: 2); Faro: 2009: –; 2010: 2; 2011: 1; 2012: 1; 2013: 3; 2014:
1; 2015: 4; 2016: 1; 2017: 1 (Total: 14); Açores – 2009: 5; 2010: 0; 2011: 0; 2012: 0; 2013: 0;
2014: 0; 2015: 0; 2016: 0; 2017: 0 (Total: 1)
92
 http://expresso.sapo.pt/sociedade/2017-07-09-Ordem-vai-processar-Estado-por-causa-
-de-buscas-a-Advogados.

229
ESTUDOS EM HOMENAGEM AO JUIZ CONSELHEIRO ANTÓNIO HENRIQUES GASPAR

A força da protecção do sigilo profissional do Advogado no nosso sistema


jurídico evidencia-se na circunstância de nas normas sobre a luta contra o
branqueamento de capitais não constar nenhuma obrigação dos Advogados
reportarem os seus clientes quando actuem no âmbito das suas funções
de consulta jurídica ou do patrocínio forense, antes, durante ou depois do
processo judicial93, dado que estes actos estão reservados legalmente aos
Advogados e solicitadores (actos próprios94).
A única excepção é constituída pelos actos dos Advogados praticados
como representantes em transacções comerciais, ou outros actos que não
sejam definidos como actos próprios, ou seja, funções que possam ser exerci-
das por qualquer pessoa e que não se encontrem abrangidas pelo segredo
profissional de Advogado.
Tanto quanto é do nosso conhecimento, de momento não há propostas
relativamente à modificação do quadro jurídico actual nesta matéria.
Mas qualquer proposta que vise restringir a protecção vigente iria origi-
nar um conflito com as protecções constitucionais do direito à informação e
ao patrocínio por Advogado, especialmente em matéria de processo penal,
e da tutela judicial efectiva e das imunidades do patrocínio forense estabe-
lecidas nos artigos 20.º, n.ºs 1 e 2, 32.º, n.ºs 1 e 3, e 208.º da Constituição
da República Portuguesa.

Lista de referências

Abreu, Carlos Pinto de (2008) Breves notas sobre a imprescindibilidade do Advogado.


In Comissão dos Direitos Humanos da Ordem dos Advogados, Direitos Básicos –
Alimentação, Saúde e Habitação, Lisboa, Principia, 2008, pp. 147-149.
Albuquerque, Paulo Pinto de (2011) Comentário do Código de Processo Penal à luz
da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 4.ª ed.,
Universidade Católica Editora, Lisboa.
Caeiro, Pedro/Costa, Miguel João (2013) The Portuguese System. In: Katalin Ligeti
(ed.), Toward a Prosecutor for the European Union, Vol. 1, Hart, Oxford/Portland, OR,
pp. 540-585.

 Artigo 79.º, n.º 1 da Lei 83/2017, de 18 de Agosto.


93

 A prática de tais actos por pessoas que não possuem a qualificação necessária para o
94

exercício da profissão de Advogado ou da profissão de solicitador constitui uma ofensa


criminal – ver os artigos 1.º e 7.º da Lei, n.º 49/2004, de 24 de Agosto.

230
CONFIDENCIALIDADE DA COMUNICAÇÃO COM O DEFENSOR

Cordeiro, João Valente (2016) A quebra do dever de sigilo por imposição do Tribunal
(art.135º do CPP) depois de ouvida a Ordem dos Advogados, Revista da Ordem dos
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Dias, por ocasião dos 20 anos do Código de Processo Penal Português, Almedina, Coimbra,
pp. 789-803.

231
Índice

Apresentação 7

PARTE 1
RETRATO E TESTEMUNHOS

Biobibliografia de António Silva Henriques Gaspar


António Henriques Gaspar 13

Homenagem ao juiz conselheiro António Henriques Gaspar


José Brito 25

Um texto para uma homenagem: as linhas que o quotidiano tece


para um esquiço de uma personalidade
Guilherme Figueiredo 27

António Henriques Gaspar: um homem com qualidades


José de Faria Costa 31

Discurso proferido no almoço de homenagem, em Pampilhosa


da Serra
José Artur Anes Duarte Nogueira 37

PARTE 2
DIREITO PENAL E DIREITO PROCESSUAL PENAL

A “relação de namoro” como elemento do tipo de crime violência


doméstica
Ana Maria Barata de Brito 43

485
ESTUDOS EM HOMENAGEM AO JUIZ CONSELHEIRO ANTÓNIO HENRIQUES GASPAR

Jovens e delinquentes: a revisão urgente da idade


da imputabilidade
Anabela Miranda Rodrigues 55

Legítima defesa putativa e excesso


António Brito Neves 77

O Estado de Direito e as novas ameaças criminais


José Braz 97

O hexágono da prevenção criminal. Contributos para uma


reconstrução das fronteiras da prevenção e repressão criminal
Manuel Monteiro Guedes Valente 143

O crime de organização criminosa no Código Penal português


Paulo Pinto de Albuquerque 173

Confidencialidade da comunicação com o defensor como exigência


de um processo penal justo e equitativo
Vânia Costa Ramos / Carlos Pinto de Abreu / João Valente Cordeiro 181

PARTE 3
DIREITO CIVIL E PROCESSO CIVIL

O papel do juiz na resolução amigável dos conflitos judiciais


Acácio das Neves 235

Mecanismos de filtragem dos recursos no acesso aos Supremos


Tribunais: a experiência portuguesa no processo civil.
Os problemas suscitados pelo modelo de revista excepcional
consagrado no CPC
Carlos Lopes do Rego 255

O Dano na responsabilidade civil pelo prospeto


Filomena Gaspar Rosa 283

486
ÍNDICE

O PEPEX (procedimento extrajudicial pré-executivo


– Lei 32/2014, de 30/05), alguns aspetos relevantes
Mónica Bastos Dias 329

O objeto do litígio e os temas da prova


Salvador da Costa 347

PARTE 4
DIREITO FISCAL E DIREITO DA UNIÃO EUROPEIA

A desformatação administrativa da avaliação indireta da matéria


tributável. Um retorno às “Comissões Distritais de Revisão”?
Benjamim Silva Rodrigues 381

Da interpretação uniforme do direito da União à “sacralização”


do reenvio prejudicial. Ainda sobre a questão dos limites materiais
à revisão dos Tratados
José Luís da Cruz Vilaça 397

PARTE 5
HISTÓRIA E HISTÓRIA DO DIREITO

Notas ao povoamento antigo da Beira-serra e Zêzere-ofiúsico.


Breves contributos
José A. A. Duarte Nogueira 413

Breves notas históricas sobre os tribunais da Relação


no espaço português ou que o foi
Luís Azevedo Mendes 455

487

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