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As Leis de Valor Reforçado

Autoria : Dr. Bruno Lee Lai, Jurista

Publicação: Verbo Jurídico (www.verbojuridico.net | com | org)


Data de Publicação: 14 de Setembro de 2004
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Bruno Lee Lai – I curso de Pós-Graduação em Legística e Ciência da Legislação

As Leis de Valor Reforçado

Índice estrutural

I - Objectivos
II - A lei em sentido lato
III – O n.º 3 do artigo 112º
IV – Leis Reforçadas
Elenco
Critério das leis reforçadas
V – Leis orgânicas
VI – Leis de base
Lei de bases do sistema Educativo
VII – Leis de autorização legislativa
VIII - Leis estatutárias
Estatuto orgânico de Macau
IX – Conclusão
X – Bibliografia Principal

1
Bruno Lee Lai – I curso de Pós-Graduação em Legística e Ciência da Legislação

I Objectivos –
Com o presente trabalho, cujo tema versa sobre as especialidades técnicas e legislativa
na feitura de certas categorias de lei - 12ª sessão, do Curso de Pós-Graduação em
Legística e Ciência da Legislação, proferida pela Professora Doutora Margarida Salema
d`Oliveira Martins, pretende-se estudar as leis de valor reforçado.

Estudar, não a forma técnica do procedimento, mas a compreensão da existência de tão


variado tipo de leis. Estudar analisando algumas posições doutrinais que, embora possa
parecer repetitivo ou meramente glosativo, será uma pequena súmula, face aos limites
materiais do n.º de páginas e em virtude do limite temporal de algumas semanas para o
fazer, sem esquecer a complexidade da matéria.

Contudo, nos assuntos em que por experiência pessoal já houve possibilidade de uma
análise jurídica será dada uma especial atenção ao assunto, como são os casos da Lei de
Bases do Sistema Educativo e a Lei Orgânica de Macau.

II A lei em sentido lato-


Segundo o Dicionário Universal da Língua Portuguesa a palavra Lei provém do Latim
lege, que significa uma norma de carácter imperativo, imposta ao homem, que governa
a sua acção e que implica obrigação de obediência e sanção da transgressão (lei
positiva); preceito ou conjunto de preceitos obrigatórios que emanam da autoridade
soberana de uma sociedade, do poder legislativo; conjunto das regras jurídicas
estabelecidas pelo legislador; (entre outras definições).

Em termos jurídicos o seu significado também não é singelo, desdobrando-se em


variadíssimos conceitos. Não querendo fugir ao tema, traçamos os seguintes tipos de lei:
Leis Orgânicas, Leis de Autorização Legislativa, Leis Estatutárias e o conceito mais
amplo de Leis Reforçadas.

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Bruno Lee Lai – I curso de Pós-Graduação em Legística e Ciência da Legislação

III O N.º 3 do Artigo 112º -

O n.º 3 do Artigo 112º da Constituição da República Portuguesa é um dos princípios


chave da Constituição porque em 1º lugar concretiza o princípio do Estado de direito
democrático - princípio da hierarquia das fontes, o princípio da tipicidade das leis e o
princípio da legalidade da administração. Estabelece, em segundo lugar, uma norma
sobre as fontes normativas e os efeitos dos actos normativos constitucionalmente
tipificados.

É sobretudo uma norma concretizadora da vinculação constitucional do legislador


quanto à produção normativa, porquanto estabelece a relação hierárquica entre os vários
tipos de actos legislativos (leis de bases - decretos lei de desenvolvimento, Leis de
autorização – decretos leis autorizados, etc.) ou entre actos legislativos e actos
regulamentares e é uma norma que aponta para o princípio da competência1.

Para o Professor Marcelo Rebelo de Sousa, pese embora este artigo seja uma espécie de
“magna Charta” sobre a actividade normativa, os actos normativos não se esgotam nesta
norma, já que aqui faltam a lei de revisão constitucional, as convenções internacionais,
os regimentos das assembleias parlamentares, as convenções colectivas de trabalho e
normas estatutárias de diversa índole2.

IV Leis Reforçadas –
Elenco -
Na CRP estão tipificadas várias leis de valor reforçado, a saber:
- Leis Orgânicas (n.º 3 do artigo 112º e n.º 2 do 166º)3;
- Leis de Autorização (n.º 3 do artigo 112º e n.ºs 2, 3 e 4 do artigo165º)4;
- Leis de Base (n.º 3 do artigo 112º e alínea c) do n.º 1 do artigo 198º);5

1
In "CRP anotada", Gomes Canotilho/Vital Moreira Almedina, Coimbra, 1998, pp. 501 e ss.
2
In " Constituição da República Portuguesa Comentada", Lex, 2000, pp. 226 e ss.
3
(Forma dos actos) 2. Revestem a forma de lei orgânica os actos previstos nas alíneas a) a f), h), j),
primeira parte da alínea l), q) e t) do artigo 164.º e no artigo 255.º.
4
(Reserva relativa de competência legislativa) 2. As leis de autorização legislativa devem definir o
objecto, o sentido, a extensão e a duração da autorização, a qual pode ser prorrogada. 3. As autorizações
legislativas não podem ser utilizadas mais de uma vez, sem prejuízo da sua execução parcelada. 4. As
autorizações caducam com a demissão do Governo a que tiverem sido concedidas, com o termo da
legislatura ou com a dissolução da Assembleia da República.

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- Lei das grandes opções dos planos de desenvolvimento económico social (n.º 2
do artigo 105º)6;
- Leis de enquadramento do orçamento do Estado e das regiões autónomas (n.ºs 1
e 2 do artigo 106º7 e n.ºs 1 e 2 do artigo 165º)8;
- Lei da criação das regiões (artigo 255º)9;
- Estatuto das regiões autónomas (n.º 1 do artigo 228º)10;
- Lei quadro de adaptação do sistema fiscal nacional às especificidades regionais
(alínea i) do n.º 1 do artigo 227º)11;
- Lei quadro das reprivatizações (artigo 296º)12.

Do elenco de leis de valor reforçado apresentado pelo Professor Gomes Canotilho (na
obra já citada), pudemos detectar mais tipos de lei de valor reforçado apontado pelo
Professor Marcelo Rebelo de Sousa (também na obra já citada), que são:

- Leis que apresentam especificidade no regime de superação do veto político (n.º


3 do artigo 136º)13;
- Leis que apresentam especificidade no regime de fiscalização preventiva (n.ºs 4
a 7 do artigo 278)14.

5
(Competência legislativa) 1. Compete ao Governo, no exercício de funções legislativas: c) Fazer
decretos-leis de desenvolvimento dos princípios ou das bases gerais dos regimes jurídicos contidos em
leis que a eles se circunscrevam.
6
(Orçamento) 2. O Orçamento é elaborado de harmonia com as grandes opções em matéria de
planeamento e tendo em conta as obrigações decorrentes de lei ou de contrato.
7
(Elaboração do Orçamento) 1. A lei do Orçamento é elaborada, organizada, votada e executada,
anualmente, de acordo com a respectiva lei de enquadramento, que incluirá o regime atinente à
elaboração e execução dos orçamentos dos fundos e serviços autónomos.
8
(Reserva relativa de competência legislativa) 1. É da exclusiva competência da Assembleia da
República legislar sobre as seguintes matérias, salvo autorização ao Governo: (...).2. As leis de
autorização legislativa devem definir o objecto, o sentido, a extensão e a duração da autorização, a qual
pode ser prorrogada.
9
(Criação legal) As regiões administrativas são criadas simultaneamente, por lei, a qual define os
respectivos poderes, a composição, a competência e o funcionamento dos seus órgãos, podendo
estabelecer diferenciações quanto ao regime aplicável a cada uma.
10
(Estatutos) 1. Os projectos de estatutos político-administrativos das regiões autónomas serão
elaborados pelas assembleias legislativas regionais e enviados para discussão e aprovação à Assembleia
da República.
11
(Poderes das regiões autónomas) i) Exercer poder tributário próprio, nos termos da lei, bem como
adaptar o sistema fiscal nacional às especificidades regionais, nos termos de lei-quadro da Assembleia da
República;
12
(Reprivatização de bens nacionalizados depois de 25 de Abril de l974).
13
(Promulgação e veto) 3. Será, porém, exigida a maioria de dois terços dos Deputados presentes, desde
que superior à maioria absoluta dos Deputados em efectividade de funções, para a confirmação dos
decretos que revistam a forma de lei orgânica, bem como dos que respeitem às seguintes matérias:
14
(Fiscalização preventiva da constitucionalidade) 4. Podem requerer ao Tribunal Constitucional a
apreciação preventiva da constitucionalidade de qualquer norma constante de decreto que tenha sido

4
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- Leis aprovadas por maioria de dois terços (alínea o) do artigo 164º15, e n.º 6 do
artigo 168º)16.

O Professor Jorge Miranda aponta outras leis de valor reforçado17, aumentando ainda
mais o n.º deste tipo de leis:

- - Lei do regime do estado de sítio e do estado de emergência (n.º 5 e 7 do artigo


19º18, alínea e) do artigo 164º19 e n.º 7 do artigo 275º)20;
- Orçamento do Estado (artigos 105º, 106º, alínea g) do artigo 161º e n.º 5 do
artigo 165º)21;
- Leis ou lei do regime do referendo (artigo 115º, alínea b) do artigo 164º)22;
- Lei do regime de criação, extinção e modificação territorial das autarquias locais
(alínea n) do artigo 164º, alínea l) do n.º1 do artigo 227º e n.º 4 do artigo 236º)23.

enviado ao Presidente da República para promulgação como lei orgânica, além deste, o Primeiro-Ministro
ou um quinto dos Deputados à Assembleia da República em efectividade de funções. 5. O Presidente da
Assembleia da República, na data em que enviar ao Presidente da República decreto que deva ser
promulgado como lei orgânica, dará disso conhecimento ao Primeiro-Ministro e aos grupos parlamentares
da Assembleia da República. 6. A apreciação preventiva da constitucionalidade prevista no n.º 4 deve ser
requerida no prazo de oito dias a contar da data prevista no número anterior. 7. Sem prejuízo do disposto
no n.º 1, o Presidente da República não pode promulgar os decretos a que se refere o n.º 4 sem que
decorram oito dias após a respectiva recepção ou antes de o Tribunal Constitucional sobre eles se ter
pronunciado, quando a intervenção deste tiver sido requerida.
15
(Reserva absoluta de competência legislativa) o) Restrições ao exercício de direitos por militares e
agentes militarizados dos quadros permanentes em serviço efectivo, bem como por agentes dos serviços e
forças de segurança;
16
(Discussão e votação) 6. A lei que regula o exercício do direito previsto no n.º 2 do artigo 121.º e as
disposições das leis que regulam as matérias referidas nos artigos 148.º e 149.º, na alínea o) do artigo
164.º, bem como as relativas ao sistema e método de eleição dos órgãos previstos no n.º 3 do artigo 239.º,
carecem de aprovação por maioria de dois terços dos Deputados presentes, desde que superior à maioria
absoluta dos Deputados em efectividade de funções.
17
Jorge Miranda “Manual de Direito Constitucional – Tomo V”, Coimbra, 2003, pp. 353 e ss.
18
5. A declaração do estado de sítio ou do estado de emergência é adequadamente fundamentada e
contém a especificação dos direitos, liberdades e garantias cujo exercício fica suspenso, não podendo o
estado declarado ter duração superior a quinze dias, ou à duração fixada por lei quando em consequência
de declaração de guerra, sem prejuízo de eventuais renovações, com salvaguarda dos mesmos limites.
19
(Reserva absoluta de competência legislativa) e) Regimes do estado de sítio e do estado de
emergência;
20
(Forças Armadas) 7. As leis que regulam o estado de sítio e o estado de emergência fixam as
condições do emprego das Forças Armadas quando se verifiquem essas situações.
21
(Reserva relativa de competência legislativa) 5. As autorizações concedidas ao Governo na lei do
Orçamento observam o disposto no presente artigo e, quando incidam sobre matéria fiscal, só caducam no
termo do ano económico a que respeitam.
22
(Reserva absoluta de competência legislativa) b) Regimes dos referendos;
23
(Categorias de autarquias locais e divisão administrativa) 4. A divisão administrativa do território
será estabelecida por lei.

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Critérios das leis reforçadas –


Como é hábito na doutrina portuguesa, vários ilustres pensadores jurídicos indicam
critérios para a determinação das leis de valor reforçado. Para Gomes Canotilho (Ob. já
citada), estas leis são heterogéneas, têm um valor paramétrico (beneficiam de um
processo de fiscalização judicial tendente a assegurar esse mesmo valor), servem de
pressuposto material à disciplina normativa de outros actos legislativos, são
hierarquicamente superiores (tem capacidade derrogatória, para além do seu valor de
per si) e têm forma e especificidade procedimentais.

Segundo a Professora Margarida Salema D´Oliveira Martins, foi o Professor Gomes


Canotilho que introduziu doutrinariamente o conceito, ainda no período anterior à
primeira revisão constitucional, baseando-se em certas relações especiais de prevalência
entre leis ordinárias previstas na Constituição de 1976, como são o caso da lei de
enquadramemto do direito financeiro e leis do Plano24.

A ilustre oradora perfilha, na maioria do seu entendimento, a escola do Professor


Gomes Canotilho da variedade de critérios.

Para o Professor Marcelo Rebelo de Sousa as características são quase as mesmas,


embora por palavras e metodologia diferentes (essencialmente as elencadas no n.º 3 do
artigo 112), pois apresentam especialidades no regime de aprovação (são aprovadas por
maioria de dois terços) e são pressuposto normativo de outras leis.

Como critério residual o Professor Manuel Rebelo de Sousa diz ainda que têm valor
reforçado as leis que devam ser respeitadas por outras, apesar deste critério abranger
características dos outros critérios, esta derradeira definição permite reconhecer valor
reforçado nos princípios fundamentais das leis gerais da República, bem como na lei
do Orçamento, na lei das grandes opções do plano e nos estatutos político
administrativos dos Açores e da Madeira.

Uma doutrina minoritária, perfilhada pelo Professor Carlos Blanco de Morais, reconduz
como critério único, aferidor das leis reforçadas, apenas ao procedimento. Contudo,

24
12ª sessão do curso de pós graduação em legística e ciência da legislação.

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como refere o Professor Marcelo Rebelo de Sousa, tal critério não explica o
enquadramento evidente de leis de valor reforçado que não sejam leis de base ou
autorização legislativa (como por exemplo leis orgânicas, leis quadro, etc).

No mesmo entendimento, o Professor Jorge Miranda também refere que a tese de


Blanco de Morais (redução das leis de valor reforçada ao mero procedimento) é muito
empobrecedora. A terminologia “valor reforçado” associa-se mais a elementos de
conteúdo, de substância e de parametricidade do que a elementos formais ou
procedimentais (Ob. já citada, pp 351 e ss.).

Curiosamente foi no manual do Professor Jorge Miranda que encontrámos uma


explicação mais elucidativa da teoria das leis de valor reforçado. Tendo-se convertido o
sistema português em plurilegislativo com a criação das regiões autónomas, a unidade
do Estado manifesta-se através de leis gerais. E prevendo a Constituição subtipos ou
subcategorias de leis (leis orçamentais, leis de autorização legislativa, etc.) torna-se
indispensável assegurar a prossecução dos respectivos fins, não os deixando subverter
por leis de diferentes características.

Nenhuma lei é revestida em si mesma de maior ou menor força do que outra, tudo se
reconduz a um fenómeno de relação entre leis. Nenhuma lei é reforçada por natureza e
tão pouco é fundamento de validade de outra, apenas pode ser condição de sua validade.

O Professor Jorge Miranda refere, ainda, que as leis de valor reforçado têm dois
sentidos: lato e restrito. As leis reforçadas em sentido lato são leis ordinárias reforçadas
dotadas de força jurídica específica, decorrente de relações complexas entre actos
legislativos.

Em sentido restrito são leis reforçadas todas as leis que possuam força específica
independentemente da sua concatenação, como as leis gerais da república. Aquelas leis
autonomizadas em virtude da sua instrumentalidade para determinados fins ou
institutos.

O mesmo Professor inclui um critério que não encontrámos noutros autores, se é que
podemos denominar de critério, a inconstitucionalidade indirecta, ou seja, a lei contrária

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a lei de valor reforçado é inconstitucional, não porque ofenda uma norma constitucional
de fundo, de competência ou de forma, mas porque agride uma norma interposta
constitucionalmente garantida (artigos 280º, 281º e 282º). As leis reforçadas são-no,
unicamente, no confronto de outras leis25.

O referido Doutor expressa uma complexa estrutura das leis de valor reforçado que
importa sumariamente referir, quanto ao objecto, conteúdo normativo, função, âmbito
de vinculação, a competência dos órgãos donde emanam, as relações entre os órgãos e
quanto ao procedimento. O denominador comum a todas as leis reforçadas é a
específica força formal indesligável da função material que a Constituição lhes assina.

V Leis Orgânicas –
Segundo o Professor J. J. Gomes Canotilho, a categoria de leis orgânicas foi introduzida
na Constituição de 1976 através da Lei de Revisão n.º 1/8926. E, contrariamente às
constituições francesa e espanhola, o significado politico-constitucional de lei orgânica
na Constituição da República Portuguesa não é totalmente perceptível. Contudo,
segundo o conceituado Professor, as funções políticas das leis orgânicas, no
ordenamento constitucional português, estão bem definidas, a saber (cfr. também as leis
indicadas no artigo 166º n.º2)27:

- Subtrair as regras do jogo eleitoral às maiorias parlamentares de cada momento,


protegendo, simultaneamente, o direito das minorias;
- Exigir um consenso alargado para a disciplina do direito processual
constitucional (alínea c) do artigo 164º)28;
- Impor uma maioria qualificada na definição e organização da defesa nacional e
disciplina das forças armadas (alínea d) do artigo 164º)29;

25
Jorge Miranda “Manual de Direito Constitucional – Tomo V”, Coimbra, 2003, pp. 345 e ss.
26
In "Direito Constitucional e Teoria da Constituição", Almedina, Coimbra, 6ª edição, 2002, pp. 833 e ss.
27
(Forma dos actos) 2. Revestem a forma de lei orgânica os actos previstos nas alíneas a) a f), h), j),
primeira parte da alínea l), q) e t) do artigo 164.º e no artigo 255.º.
28
(Reserva absoluta de competência legislativa) c) Organização, funcionamento e processo do Tribunal
Constitucional;
29
(Reserva absoluta de competência legislativa) d) Organização da defesa nacional, definição dos
deveres dela decorrentes e bases gerais da organização, do funcionamento, do reequipamento e da
disciplina das Forças Armadas;

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- Proteger a constituição e os direitos fundamentais nos casos de estado de sítio e


de emergência, evitando rupturas constitucionais a pretexto de existência de
situações de anormalidade constitucional (alínea e) do artigo 164º)30;

No que diz respeito às características, para o citado jurisconsulto, as leis orgânicas são
leis ordinárias da Assembleia da República (cfr. n.º2 artigo do artigo 166º), têm valor
reforçado (n.º 2 do artigo 112º)31, são típicas (o já analisado n.º3 artigo do artigo 166º) e
são da competência exclusiva do legislador orgânico. As leis orgânicas são ainda
votadas obrigatoriamente na especialidade do plenário e não em comissões (n.º 4 do
artigo 168º)32, têm um regime especial de fiscalização preventiva (n.ºs 4 a 7 do artigo
278º)33, exigem uma maioria qualificada e, por conseguinte, um largo consenso
parlamentar para a superação do veto político do Presidente da República (n.º 3 do
artigo 136º)34 e revestem uma forma especial (n.º 2 do artigo 166º).

Para o Professor de Coimbra as leis orgânicas têm o carácter de lei reforçada e atendem
a um critério de forma e especificidade procedimentais. Perfilhando a mesma tese, a
Professora Margarida d´Oliveira Martins apura este entendimento, dizendo que é a
Constituição que estabelece aquela forma e determina as diferenças procedimentais
relativamente a outras leis35.

Da mesma forma, o Professor Gomes Canotilho salienta não o facto da previsão


constitucional, mas a forma e o procedimento específico dessa competência (devido à
reserva total de competência da Assembleia da República), ao qual, mais uma vez, a

30
(Reserva absoluta de competência legislativa) e) Regimes do estado de sítio e do estado de
emergência;
31
(Actos normativos) 2. As leis e os decretos-leis têm igual valor, sem prejuízo da subordinação às
correspondentes leis dos decretos-leis publicados no uso de autorização legislativa e dos que desenvolvam
as bases gerais dos regimes jurídicos.
32
(Discussão e votação) 4. São obrigatoriamente votadas na especialidade pelo Plenário as leis sobre as
matérias previstas nas alíneas a) a f), h), n) e o) do artigo 164.º, bem como na alínea q) do n.º 1 do artigo
165.º.
33
(Fiscalização preventiva da constitucionalidade) 4. Podem requerer ao Tribunal Constitucional a
apreciação preventiva da constitucionalidade de qualquer norma constante de decreto que tenha sido
enviado ao Presidente da República para promulgação como lei orgânica, além deste, o Primeiro-Ministro
ou um quinto dos Deputados à Assembleia da República em efectividade de funções.
34
(Promulgação e veto) 3. Será, porém, exigida a maioria de dois terços dos Deputados presentes, desde
que superior à maioria absoluta dos Deputados em efectividade de funções, para a confirmação dos
decretos que revistam a forma de lei orgânica, bem como dos que respeitem às seguintes matérias:
35
12ª sessão do curso de pós graduação em legística e ciência da legislação.

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Professora Margarida d´Oliveira Martins desenvolve, “trata-se, no fundo, de rigidificar


leis que se desconstitucionalizaram ou não se constitucionalizaram”.

Já o Professor Marcelo Rebelo de Sousa elenca as mesmas características das leis


orgânicas (concordando com a tese anterior) têm, sobretudo, um procedimento
legislativo agravado, não sendo tão enigmático quanto à função política e quanto ao
significado politico-constitucional das mesmas36.

O Professor Jorge Miranda refere que existe uma correspondência estreitíssima entre
leis orgânicas e leis de valor reforçado, não só pelo facto das duas expressões terem
surgido ao mesmo tempo, mas também pela razão de as leis orgânicas terem sido as
únicas qualificadas como lei de valor de reforçado entre 1989 e 1997.

VI Leis de Base –
São leis consagradoras dos princípios vectores ou das bases de um regime jurídico, cujo
o desenvolvimento desses mesmos princípios cabe ao executivo37. Como exemplos de
leis de base temos as Leis de Base do Sistema Educativo, Leis de Base do Sistema
Judiciário, Leis de Base do Sistema da Saúde, etc.

Segundo o Professor Manuel Rebelo de Sousa, as leis de base inserem-se no critério de


distinção de leis reforçadas porque são pressuposto normativo necessário de outras leis.

O significado deste tipo de leis é mais desenvolvido pelo professor Gomes Canotilho,
cujo o sentido vai evocar à competência Legislativa da Assembleia da República, em
vários níveis: Nível de densificação legislativa total (artigos 164º e 165º), intermédio
(nos casos em que a disciplina legislativa da Assembleia da República incide sobre o
regime comum ou normal alíneas d), e) e h) do n.º 1 do artigo 165º)38 e nível de

36
In " Constituição da República Portuguesa Comentada", Lex, 2000, pp. 227 e ss.
37
In Gomes Canotilho "Direito Constitucional e Teoria da Constituição", Almedina, Coimbra, 6ª edição,
2002, pp. 837 e ss.
38
(Reserva relativa de competência legislativa) d) Regime geral de punição das infracções
disciplinares, bem como dos actos ilícitos de mera ordenação social e do respectivo processo; e) Regime
geral da requisição e da expropriação por utilidade pública; h) Regime geral do arrendamento rural e
urbano;

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densificação limitado às bases gerais dos regimes jurídicos alíneas f), g), n), t), u) e z)
do n.º 1 do artigo 165º39.

Conforme a ideia do ilustre Professor, com princípio da reserva legislativa de bases


gerais desejou-se assegurar a intervenção legislativa primária da Assembleia da
República e, por outro lado, permitir ao Governo (e assembleias legislativas regionais),
mesmo sem autorização legislativa, legislar sobre a mesma matéria, uma vez fixadas as
bases gerais através de lei do parlamento. As leis de base são como directivas e limites
aos decretos-lei e definem os parâmetros materiais, princípios e critérios aos quais o
Governo e Assembleias Legislativas Regionais devem sujeitar-se no desenvolvimento
das referidas leis.

Segundo o constitucionalista Jorge Miranda40, a Constituição não define o que sejam


bases gerais, deixando, por isso, à Assembleia da República uma margem de
discrionaridade na delimitação da sua própria competência legislativa reservada.
Seguramente, na opinião, do ilustre Doutor, nelas se há-de incluir aquilo que cada acto
constitua as opções político-legislativas fundamentais.

Da leitura do manual do notável Professor, apuramos as seguintes características das


leis de base (não enunciamos todas, só as mais importantes e distintas) que são: versam
sobre matéria reserva da Assembleia da República, quer absoluta, quer relativa; são
sempre lei substantiva, ou seja não meramente procedimentais; revogam acto legislativo
de desenvolvimento anterior contrário; o acto legislativo de desenvolvimento é
naturalmente lei geral e abstracta; não está sujeito a prazos;

Salientamos uma característica premente das leis de base, que é o facto de se esta for
modificada e o decreto-lei não for, verificar-se-á ilegalidade superveniente. Como
vamos poder ver mais adiante, a Lei de Bases do Sistema Educativo vai sofrer uma
alteração que vai obrigar à alteração do diploma de desenvolvimento (Estatuto da
Carreira Docente).

39
(Reserva relativa de competência legislativa) f) Bases do sistema de segurança social e do serviço
nacional de saúde; g) Bases do sistema de protecção da natureza, do equilíbrio ecológico e do património
cultural; n) Bases da política agrícola, incluindo a fixação dos limites máximos e mínimos das unidades
de exploração agrícola; t) Bases do regime e âmbito da função pública; u) Bases gerais do estatuto das
empresas públicas e das fundações públicas; z) Bases do ordenamento do território e do urbanismo;
40
in “Manual de Direito Constitucional – Tomo V”, Coimbra, 2003, pp. 370 e ss.

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Bruno Lee Lai – I curso de Pós-Graduação em Legística e Ciência da Legislação

O que se pode afirmar na leis de base é que a doutrina de uma maneira geral aceita a
natureza paramétrica deste tipo de leis, que servem de pressuposto material à disciplina
estabelecida por estes outros actos legislativos.

A Professora Margarida d´Oliveira Martins, no entendimento referido no parágrafo


anterior, afirma que na elaboração das leis de base não há nenhuma especificidade
procedimental a ter em conta, observando-se os padrões utilizados para a lei comum41.

Lei de Bases do Sistema Educativo –


Aprovada pela Lei n.º 46/86, de 14 de Outubro, com as alterações introduzidas pela Lei
n.º 115/97, de 19 de Setembro, estabelece o quadro geral do sistema educativo. Neste
âmbito foram desenvolvidos diversos diplomas, sempre com o respeito pelos princípios
estabelecidos na lei de bases.

No desenvolvimento do regime jurídico estabelecido pela Lei n.º 46/86, de 14 de


Outubro, e nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 198.º da Constituição (redacção de
1998), o Governo decretou o desenvolvimento da lei de bases do sistema educativo,
através do Estatuto da Carreira Docente, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 139-A/90, de
28 de Abril, alterado pelo Decreto-Lei n.º 1/98, de 2 de Janeiro.

A Lei de Bases do Sistema Educativo prevê que o Governo faça aprovar, sob a forma de
decreto-lei, legislação complementar relativa a carreiras de pessoal docente, depois de
ter definido, no seu artigo 36.º, os princípios gerais a que estas devem estar sujeitas:

“Artigo 36º (Princípios gerais das carreiras de pessoal docente e de outros


profissionais da educação) 1 - Os educadores, professores e outros
profissionais da educação têm direito a retribuição e carreira compatíveis com
as suas habilitações e responsabilidades profissionais, sociais e culturais. 2 - A
progressão na carreira deve estar ligado à avaliação, de toda a actividade
desenvolvida, individualmente ou em grupo, na instituição educativa, no plano
da educação e do ensino e da prestação de outros serviços à comunidade, bem

41
12ª sessão do I curso de pós-graduação em legística e ciência da legislação.

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como às qualificações profissionais, pedagógicas e científicas. 3 - Aos


educadores, professores e outros profissionais da educação é reconhecido o
direito de recurso das decisões da avaliação referida no número anterior.”

Curioso é o artigo 6º do diploma que aprova o Estatuto da Carreira Docente, que diz o
seguinte: “Prevalência - 1 - O disposto no Estatuto aprovado pelo presente diploma
prevalece sobre quaisquer normas, gerais ou especiais”.

Ao que tudo indica, temos uma norma com uma característica da primariedade
hierárquica, sob forma de decreto-lei de desenvolvimento, fora do âmbito de lei de valor
reforçado elencado no n.º 2 do artigo 112º. É evidente que as leis de valor reforçado são
típicas, contudo, na nossa humilde opinião, é inegável que o legislador ordinário tentou
conceder uma primazia ao Estatuto da Carreira Docente.

A Lei de Bases do Sistema Educativo sofre uma alteração em 19 de Setembro, através


da Lei n.º 115/97 e imediatamente a seguir o Estatuto da Carreira Docente é,
igualmente, alterado pelo Decreto-Lei n.º 1/98, de 2 de Janeiro.

Outro decreto-lei de desenvolvimento é o Estatuto do Aluno do Ensino Não Superior,


cfr. artigo 1º - “Conteúdo - A presente lei aprova o estatuto do aluno do ensino não
superior, adiante designado por estatuto, no desenvolvimento das normas da Lei de
Bases do Sistema Educativo, a Lei n.º 46/86, de 14 de Outubro, relativas à
administração e gestão escolares”.

O artigo 2º do Estatuto do Aluno do Ensino Não Superior é eluciditativo: “O estatuto


prossegue os princípios gerais e organizativos do sistema educativo português,
conforme são estatuídos nos artigos 2.º e 3.º da Lei de Bases do Sistema Educativo, em
especial promovendo a assiduidade, a integração dos alunos na comunidade educativa
e na escola, o cumprimento da escolaridade obrigatória, o sucesso escolar e educativo
e a efectiva aquisição de saberes e competências”.

A Lei 31/2002, de 20 de Dezembro, aprovou o sistema de o Sistema de Avaliação da


Educação e do Ensino não Superior, desenvolvendo o regime previsto no artigo 49º
da Lei de Bases do Sistema Educativo. O referido artigo, cuja epígrafe é avaliação do

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Bruno Lee Lai – I curso de Pós-Graduação em Legística e Ciência da Legislação

sistema educativo, tem a seguinte disposição: 1 - O sistema educativo deve ser objecto
de avaliação continuada, que deve ter em conta os aspectos educativos e pedagógicos,
psicológicos e sociológicos, organizacionais, económicos e financeiros e ainda os de
natureza político-administrativa e cultural. 2 - Esta avaliação incide, em especial, sobre
o desenvolvimento, regulamentação e aplicação da presente lei.

Finalizando com mais um exemplo prático temos o Regime de Autonomia das


Escolas, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 115-A/98 de 4 de Maio. No desenvolvimento
do regime jurídico estabelecido pelo artigo 45.°42 e pela alínea d) do n.° 1 do artigo 59.°
(cuja epígrafe da lei é precisamente o desenvolvimento de uma lei posterior no que diz
respeito à administração e gestão escolares) da Lei de Bases do Sistema Educativo, Lei
n.° 46/86, de 14 de Outubro, alterada pela Lei n.° 115/97, de 19 de Setembro, e nos
termos da alínea c) do n.° 1 do artigo 198.° da Constituição (competência legislativa do
Governo)43, o Governo decreta, para valer como lei geral da República, nos termos do
artigo 112.°, n.° 5, o seguinte : (...).

VII Leis de Autorização Legislativa –


Este tipo de leis, segundo o Professor Manuel Rebelo de Sousa, insere-se, a par com as
leis de base, no critério de distinção de leis reforçadas que são pressuposto normativo
necessário de outras leis, o critério da parametrecidade ou primariedade material ou
hierárquica de certas leis sobre outras (um entendimento que aplica, também, às leis de
base44).

O Professor Gomes Canotilho também se refere a este critério de primariedade material


como característica das leis de base, acrescentando que embora exista uma igual
dignidade hierárquica entre as leis e decretos-leis, as leis de base adquirem uma
primariedade material e hierárquica com a correspondente subordinação dos decretos-
leis de desenvolvimento45.

42
(Administração e gestão dos estabelecimentos de educação e ensino) 4 - A direcção de cada
estabelecimento ou grupo de estabelecimentos dos ensinos básico e secundário é assegurada por órgãos
próprios, para os quais são democraticamente eleitos os representantes de professores, alunos e pessoal
não docente, e apoiada por órgãos consultivos e por serviços especializados, num e noutro caso segundo
modalidades a regulamentar para cada nível de ensino.
43
c) Fazer decretos-leis de desenvolvimento dos princípios ou das bases gerais dos regimes jurídicos
contidos em leis que a eles se circunscrevam.
44
In " Constituição da República Portuguesa Comentada", Lex, 2000, pp. 228 e ss.
45
In "Direito Constitucional e Teoria da Constituição", Almedina, Coimbra, 6ª edição, 2002, pp. 842 e ss.

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Bruno Lee Lai – I curso de Pós-Graduação em Legística e Ciência da Legislação

Conforme a leitura das posições dos ilustres Professores, o Professor Marcelo Rebelo de
Sousa parece-nos inequívoco na atribuição desta característica da primariedade material
tanto às leis de base como às leis de autorização. Já o Professor Gomes Canotilho
apenas atribui esta particularidade às leis de base46.

Na opinião do referido professor, com as leis de autorização o órgão legislativo habilita


ou autoriza o órgão executivo a emanar actos normativos com força de lei. E apesar de
semelhantes, as leis de autorização distinguem-se das leis da base, porquanto carecem
de ulterior intervenção do Governo, condicionando a sua área de intervenção e de
conformação.

As diferenças acentuam-se na transformação da ordem jurídica, na medida em que a lei


de bases altera a ordem jurídica e a lei de autorização intervém atenuadamente. Ao nível
da validade formal, a lei de base fica suspensa do desenvolvimento legislativo por parte
do Governo, ao passo que a lei de autorização caduca se não for utilizada. A lei de
autorização apenas habilita o Governo a legislar uma vez, enquanto que na lei de bases
o Governo pode desenvolver a lei.

No que diz respeito à sua materialidade, as leis de autorização versam sobre matérias da
competência reservada da Assembleia da República, e as leis de bases podem surgir em
qualquer domínio legislativo, salvo a competência reservada da Assembleia. Por fim a
lei de autorização é requisito de intervenção legislativa do Governo na área de
competência reservada da Assembleia, enquanto que a lei de bases só é pressuposto da
actividade legislativa do Governo quando versar matéria pertencente àquela área47.

Também o Professor Jorge Miranda ilustra características das Leis de Autorização


Legislativa (como seria de esperar)48. Segundo o referido constitucionalista as leis de
autorização legislativa não são de aplicação imediata (são acto-condição), não incidem

46
In "Direito Constitucional e Teoria da Constituição", Almedina, Coimbra, 6ª edição, 2002, pp. 848 e ss.
47
Na nossa modesta opinião, são nestes critérios que as leis de autorização e as leis de base se
distinguem, muito embora o âmbito material seja o critério decisivo. Evidentemente que o resultado das
leis não pode ser o critério de distinção das duas leis, no caso da lei de autorização o Governo legisla uma
só vez e no caso da lei de bases poder existir todo um elencado de diplomas, mas ajuda-nos a perceber o
conteúdo e a razão de ser das mesmas.
48
Jorge Miranda “Manual de Direito Constitucional – Tomo V”, Coimbra, 2003, pp. 376 e ss.

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Bruno Lee Lai – I curso de Pós-Graduação em Legística e Ciência da Legislação

sobre situações de vida, não revogam diplomas sobre matérias de autorização, na sua
modificação só têm efeitos para o futuro, está sujeito a prazos (caducando), só versam
uma vez sobre a matéria e a sua revogação antes da emissão de decreto-lei autorizado
impede a emissão deste.

Para a Professora Margarida d´ Oliveira Martins as leis de autorização legislativa


prescrevem critérios materiais que devem ser obrigatoriamente observados pelos
decretos-leis ou decretos-legislativos regionais autorizados, os quais lhes subordinam.
Claramente atribui o critério de primariedade material, e de uma maneira geral aponta as
características já referidas49.

Contudo, um aspecto importante salientado pela ilustre Professora é a previsão do


Governo sobre um anteprojecto de decreto-lei que deve (quando tenha procedido a
consultas públicas), a título informativo, juntá-lo à proposta de lei de autorização
legislativa, acompanhado com as tomadas de posição assumidas pelas diferentes
entidades interessadas na matéria (n.º 2 do artigo 200º do Regulamento da A. R.).

VII Leis Estatutárias –


Para o Professor Gomes Canotilho, In "Direito Constitucional e Teoria da
Constituição", Almedina, Coimbra, 6ª edição, 2002, pp. 859 e ss., as leis estautárias são
as leis da Assembleia da República que aprovam os estatutos político-administrativos
das regiões autónomas (e o Estatuto do Território de Macau – Estatuto que será
abordado mais à frente, face ao contacto pessoal com a norma). Não obstante a
elaboração dos projectos pertencer às Assembleias Regionais, é a Assembleia da
República que discute e aprova os estatutos através de uma lei (cfr. n.ºs 1 e 2 do artigo
226º)50, daí que não se possa falar de autonomia estatutária das Regiões Autónomas.

Os estatutos ocupam uma posição privilegiada no plano da hierarquia das fontes.


Embora não tenham valor constitucional, eles devem considerar-se como leis reforçadas
com valor paramétrico relativamente aos diplomas legislativos regionais e às restantes

49
12ª sessão do I curso de pós-graduação em legística e ciência da legislação.
50
(Estatutos) 1. Os projectos de estatutos político-administrativos das regiões autónomas serão
elaborados pelas assembleias legislativas regionais e enviados para discussão e aprovação à Assembleia
da República. 2. Se a Assembleia da República rejeitar o projecto ou lhe introduzir alterações, remetê-lo-á
à respectiva assembleia legislativa regional para apreciação e emissão de parecer.

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leis da república, cfr. alínea b), do n.º 2 do artigo 280º51 e alínea c), do n.º 1 do artigo
281º52.

O Professor Marcelo Rebelo de Sousa é da mesma opinião, referindo que este tipo de lei
enquadra-se num critério residual das leis de valor reforçado, leis que devem ser
respeitadas por outras53.

No que diz respeito ao âmbito normativo, e retomando o manual do Professor Gomes


Canotilho, os estatutos são leis organizatórias das Regiões com competência material
limitada, nos termos do artigo 227º da CRP (poderes das Regiões Autónomas). O seu
âmbito normativo está estreitamente condicionado por esta natureza. Este autor
concorda com o Professor Jorge Miranda, quando este diz que “O Estatuto não é uma
constituição, com amplitude potencialmente limitada, tem estrutura de lei ordinária,
ainda que reforçada”54.

Estatuto Orgânico de Macau


Relativamente ao Estatuto Orgânico de Macau este foi aprovado pela Lei n.º 1/76, de
17 de Fevereiro, com as alterações que lhe foram introduzidas pela Lei n.º 53/79, de 14
de Setembro, Lei n.º 13/90, de 10 de Maio e pela Lei 23-A/96, de 29/07. Como
menciona o Professor Jorge Miranda o estatuto de Macau é mais do que lei reforçada,
na medida em que é lei constitucional, alvo de recepção material pela Constituição55.

A norma habilitacional é bastante singular (Lei constituinte): “Visto o disposto nos n.ºs
1 e 2 do artigo 6.º da Lei Constitucional n.º 5/75, de 14 de Março”. Já nas alteração
posteriores a 1990 temos: “A Assembleia da República decreta, ouvido o Conselho de
Estado, nos termos do n.º 3 do artigo 292.º da Constituição”56.

51
(Fiscalização concreta da constitucionalidade e da legalidade) b) Que recusem a aplicação de norma
constante de diploma regional com fundamento na sua ilegalidade por violação do estatuto da região
autónoma ou de lei geral da República;
52
(Fiscalização abstracta da constitucionalidade e da legalidade) c) A ilegalidade de quaisquer
normas constantes de diploma regional, com fundamento em violação do estatuto da região ou de lei geral
da República;
53
In " Constituição da República Portuguesa Comentada", Lex, 2000, pp. 227 e ss.
54
In “Funções, órgãos e actos do Estado”, pag. 302
55
Jorge Miranda “Manual de Direito Constitucional – Tomo V”, Coimbra, 2003, pp. 358 e ss.
56
(Estatuto de Macau) 3. Mediante proposta da Assembleia Legislativa de Macau ou do Governador de
Macau, nesse caso ouvida a Assembleia Legislativa de Macau, e precedendo parecer do Conselho de
Estado, a Assembleia da República pode aprovar alterações ao estatuto ou a sua substituição.

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Bruno Lee Lai – I curso de Pós-Graduação em Legística e Ciência da Legislação

Pegando no que foi referenciado pelos Professores Gomes Canotilho e Marcelo Rebelo
de Sousa, podemos entender o Estatuto Orgânico de Macau como uma lei de valor
reforçado, porquanto as leis produzidas pela Assembleia Legislativa de Macau têm de
respeitar esta lei estatutária.

Salienta-se ainda o n.º 1 do artigo 69º do Estatuto Orgânico de Macau “Os diplomas
legais emanados dos órgãos de soberania da República que devam ter aplicação no
território de Macau conterão a menção de que devem ser publicados no Boletim Oficial
e serão aí obrigatoriamente publicados, mantendo a data da publicação no Diário da
República”, uma formalidade, compreensível porque, nos termos do artigo 5º da CRP,
Macau não faz parte do território português57.

Macau era apenas um território sob administração portuguesa (cfr. n.º 1 do artigo 292º
“O território de Macau, enquanto se mantiver sob administração portuguesa, rege-se
por estatuto adequado à sua situação especial, cuja aprovação compete à Assembleia
da República, cabendo ao Presidente da República praticar os actos neste previstos”.

Com a transição da administração do território para o Governo da República Popular da


China, a Lei Orgânica de Macau foi substituída pela Lei Básica de Macau, fruto de
longas negociações entre os governos chinês e português.

Na Primeira Sessão da Oitava Legislatura da Assembleia Popular Nacional (APN)


aprovou no dia 31 de Março de 1993 a Lei Básica da Região Administrativa Especial de
Macau (RAEM) da Republica Popular da China. Este documento foi elaborado
conforme a grande ideia de "um pais, dois sistemas", apresentada por Deng Xiaoping,
partindo da realidades de Macau. A lei Básica constitui uma garantia jurídica para a
execução da "administração de Macau pela gente de Macau" e para um alto grau de
autonomia da RAEM.

A Lei Básica da RAEM foi alvo de intensas negociações entre o Governo Português e o
Governo Chinês e foi longo o processo negocial até 8 de Fevereiro de 1979. Neste dia,

57
(Território) 1. Portugal abrange o território historicamente definido no continente europeu e os
arquipélagos dos Açores e da Madeira

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em Paris, Portugal e a China restabeleceram relações diplomáticas e, os diplomatas dos


dois países, Coimbra Martins e Han Kehua, assinaram uma acta sobre as conversações
mantidas em torno da questão de Macau. Esta passou a ser considerado como "território
chinês sob administração portuguesa", fórmula que acabou por figurar na Declaração
Conjunta Luso-Chinesa58, assinada em Pequim no dia 13 de Abril de 1987, por Cavaco
Silva e Zhao Ziyang. Neste documento ficou estabelecido que a RPC voltaria a assumir
a administração do Território em 20 de Dezembro de 1999. De acordo com o princípio
"um país, dois sistemas", foi criada a Região Administrativa Especial de Macau
(RAEM), subordinada ao governo chinês, mas gozando de uma grande autonomia
(excepção nas relações exteriores e na defesa), com poderes executivos, legislativos e
judiciais.

A criação da RAEM ficou definitivamente consolidada quando Jiang Zemin promulgou


a Lei Básica da Região no dia 31 de Março de 1993. No seu 5º artigo é possível ler que
em Macau "não se aplicam o sistema e as políticas socialistas, mantendo-se inalterados
durante cinquenta anos o sistema capitalista e a maneira de viver anteriormente
existentes". Finalmente, em 15 de Maio de 1999, foi dado o último passo com a eleição
de Hau Wah Edmund Ho para o cargo de primeiro governador do Território, a partir de
20 de Dezembro59.

Tecnicamente, a Lei Básica de Macau (LBM) detém um estatuto hierárquico às leis


ordinárias chinesas, a confirmar esta posição temos os artigos 2º60 11º61 da LBM. No
entanto denota-se restrições acentuadas no que diz respeito ao poder legislativo do
território de Macau, ao contrário do estabelecido na Lei Orgânica de Macau.

58
Aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da República n.º 25/87. O texto da
Declaração Conjunta, em anexo, foi republicado no DR n.º 113, I Série, de 16 de Maio de 1988-
Suplemento. Ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 38-A/87. Publicado no DR n.º 286,
I Série, de 14 de Dezembro de 1987, 3.º Suplemento, e rectificado no DR n.º 23, I Série, de 28 de Janeiro
de 1988. Publicada no Boletim Oficial de Macau n.° 23 - 3.º Suplemento, de 7 de Junho de 1988.
59
in “Macau: Os Três Momentos da Transição” Alfredo Gomes Dias, Professor na Escola Superior de
Educação de Lisboa , crónica.
60
A Assembleia Popular Nacional da República Popular da China autoriza a Região Administrativa
Especial de Macau a exercer um alto grau de autonomia e a gozar de poderes executivo, legislativo e
judicial independente, incluindo o de julgamento em última instância, de acordo com as disposições desta
Lei.
61
De acordo com o artigo 31.º da Constituição da República Popular da China, os sistemas e políticas
aplicados na Região Administrativa Especial de Macau, incluindo os sistemas social e económico, o
sistema de garantia dos direitos e liberdades fundamentais dos seus residentes, os sistemas executivo,
legislativo e judicial, bem como as políticas com eles relacionadas, baseiam-se nas disposições desta Lei.

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Na Lei Orgânica de Macau o estatuto de Lei Reforçada era inequívoco, a Assembleia


Legislativa de Macau ou o Governador de Macau eram obrigatoriamente ouvidos nas
alterações ao estatuto ou a sua substituição62 e no caso de modificações ao Estatuto era
necessário um parece favorável daquelas entidades63. O já mencionado artigo 68º da Lei
Orgânica de Macau é insofismavelmente prova disso.

Já na Lei Básica de Macau denuncia-se uma inversão do sistema de consulta aos órgãos
macaenses, isto é em vez de os mesmos serem ouvidos nas decisões e na produção
legislativa, as leis e diplomas produzidos pelo poder legislativo de Macau submetem-se
aos princípios estabelecidos na constituição chinesa, exemplo disso é o artigo 12º da
LBM64. O poder de revisão da LBM pertence, também, à Assembleia Popular Nacional
da República Popular da China (cfr. artigo 144º da LBM). Curioso é, de igual modo, o
artigo 145º “Ao estabelecer-se a Região Administrativa Especial de Macau, as leis
anteriormente vigentes em Macau são adoptadas como leis da Região, salvo no que
seja declarado pelo Comité Permanente da Assembleia Popular Nacional como
contrário a esta Lei. Se alguma lei for posteriormente descoberta como contrária a esta
Lei, pode ser alterada ou deixa de vigorar, em conformidade com as disposições desta
Lei e com os procedimentos legais”. Uma disposição de viola o princípio do Estado de
Direito Democrático, ínsito na CRP.

IX – Conclusão
Colhendo um pouco do que foi transcrito dos manuais dos ilustre Professores
referenciados, podemos elencar, salvo demasiada ousadia, pequenas características
gerais das leis de valor reforçado que são, essencialmente, a parametrecidade, o gozo de
uma maior formalismo de aprovação, de certa forma a característica de obediência
hierárquica (tanto a nível formal como material) na sua própria relação legislativa e,
como refere o Professor Jorge Miranda, “a específica força formal indesligável da
função material que a Constituição lhes assina”.

62
Artigo 292º da CRP - 3. Mediante proposta da Assembleia Legislativa de Macau ou do Governador de
Macau, nesse caso ouvida a Assembleia Legislativa de Macau, e precedendo parecer do Conselho de
Estado, a Assembleia da República pode aprovar alterações ao estatuto ou a sua substituição.
63
Artigo 292º da CRP - 4. No caso de a proposta ser aprovada com modificações, o Presidente da
República não promulgará o decreto da Assembleia da República sem a Assembleia Legislativa de Macau
ou o Governador de Macau, consoante os casos, se pronunciar favoravelmente.
64
A Região Administrativa Especial de Macau é uma região administrativa local da República Popular da
China que goza de um alto grau de autonomia e fica directamente subordinada ao Governo Popular
Central.

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X – Bibliografia principal:
Recursos físicos

- Canotilho, J. J. Gomes "Direito Constitucional e Teoria da Constituição",


Almedina, Coimbra, 6ª edição, 2002.
- De Sousa, Marcelo Rebelo e Alexandrino, José de Melo "Constituição da
República Portuguesa Comentada", Lex, 2000.
- Canotilho, J. J. Gomes e Moreira, Vital "Constituição da República Portuguesa
Comentada", Coimbra Editora, 1998.
- Canotilho, J. J. Gomes e Moreira, Vital "Fundamentos da Constituição ",
Coimbra Editora, 1991.
- Miranda, Jorge “Manual de Direito Constitucional – Tomo V” Coimbra Editora,
2003.
- Ascensão, Oliveira “O Direito Introdução e Teoria Geral” Almedina, 1995.
- Martins, Margarida Salema d`Oliveira Apontamentos da 12ª sessão, do Curso de
Pós-Graduação em Legística e Ciência da Legislação.

Recursos na Internet

- http://www.imprensa.macau.gov.mo/bo/i/1999/leibasica/index.asp
- http://www.incm.pt (para decretos-lei)
- http://www.spzc.pt/legislacao.html
- http://www.min-edu.pt/
- http://www.leme.pt/dicionarios/

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