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Universidade Politécnica

A POLITÉCNICA

Escola Superior Aberta

GUIA DE ESTUDO
Direito Constitucional II
Curso de Ciências Jurídicas
(2º Semestre - NC)

Moçambique
FICHA TÉCNICA

Maputo, Janeiro de 2014

© Série de Guias de Estudo para o Curso de Gestão de


Recursos Humanos (Ensino a Distância).

Todos os direitos reservados à Universidade Politécnica

Título: Guia de Estudo de Direito Constitucional II


Edição: 1ª

Organização e Edição
Instituto Superior Aberto (ISA)

Elaboração (Conteúdo)
Mouzinho Patrício James Nicol’s
UNIDADES TEMÁTICAS

TEMAS PÁGINAS

1. Estrutura das Normas Constitucionais 2

2. Teoria do poder constituinte 16

3. A garantia da constituição Jurisdição constitucional moçambicana 37

46

4. Direitos Fundamentais 171


Curso de Ciências Jurídicas – Direito do Constitucional II – Semestre 2 NC

APRESENTAÇÃO

Caro(a) estudante

Está nas suas mãos o Guia de Estudo da disciplina de Direito


Constitucional II que integra a grelha curricular do Curso de Licenciatura
em Ciências Jurídicas oferecido pela Universidade Politécnica na
modalidade de Educação a Distância.

Este guia tem por finalidade orientar os seus estudos individuais neste
semestre do curso. Ao estudar a disciplina de Direito Constitucional II, você
(i) irá compreender a estrutura das normas constitucionais; (ii) conhecer a
teoria da Constituição; (iii) conhecer a garantia constitucional; (iv) conhecer
os direitos fundamentais.

Este Guia de Estudo contempla textos introdutórios para situar o assunto


que será estudado; os objectivos específicos a serem alcançados ao
término de cada unidade temática, a indicação de textos como leituras
Complementares isto é, indicações de outros textos, livros e materiais
relacionados ao tema em estudo, para ampliar as suas possibilidades de
reflectir, investigar e dialogar sobre aspectos do seu interesse; as diversas
actividades que favorecem a compreensão dos textos lidos e a chave de
correcção das actividades que lhe permite verificarem se você está a
compreender o que está a estudar.

Esta é a nossa proposta para o estudo de cada disciplina deste curso. Ao


recebê-la, sinta-se como um actor que se apropria de um texto para
expressar a sua inteligência, sensibilidade e emoção, pois você é também
o(a) autor(a) no processo da sua formação em Gestão de Recursos
humanos. Os seus estudos individuais, a partir destes guias, nos
conduzirão a muitos diálogos e a novos encontros.

A equipa de professores que se dedicou à elaboração, adaptação e


organização deste guia sente-se honrada em te-lo como interlocutor(a) em
constantes diálogos motivados por um interesse comum a educação de
pessoas e a melhoria contínua dos negócios, base para o aumento do
emprego e renda no país.

Seja muito bemvindo(a) ao nosso convívio.

A Equipa da ESA

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Curso de Ciências Jurídicas – Direito do Constitucional II – Semestre 2 NC

UNIDADE TEMÁTICA 1
Vamos iniciar o nosso estudo, na primeira unidade temática, dizendo que a
disciplina de Direito Constitucional II tem precedência com a de Direito
Constitucional I, que foi ministrada no semestre passado. Seja, só quem
aprovar na I terá o direito de frequentar a II. Para esta primeira parte o
nosso programa vai-se ocupar exclusivamente da estrutura das normas
constitucionais, que irá comportar diversos subtemas que se relacionam.

ESTRUTURA DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS

Elaborado pelo Mestre Mouzinho Nicol’s, adaptado de textos da Dra. Neusa de Matos e
o Mestre Pedro Sinai Nhatitima

Objectivos

No fim desta unidade você deverá ser capaz de:


 Conhecer o conceito e origem do Direito Constitucional, os seus
principios e sua função ordenadora;
 Saber distinguir as normas constitucionais preceptivas,
programaticas, exequiveis e não exiqueiveis por si mesmas e
nomas sobre normas constitucionais;
 Conhecer as particularidades do Direito Constitucional;
 Conhecer o conceito de Constituição;
 Saber fazer a interpretação constitucional;
 Saber indentificar as lacunas da constituição e a sua integração;
 Saber aplicar as normas constitucionais no tempo e no espaço.

I. ESTRUTURA DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS

1.1. O Direito Constitucional

O Direito Constitucional é o ramo de direito público interno formado pelo


conjunto das normas constitucionais que estabelecem os princípios
políticos e jurídicos da sociedade, regulam material, processual e
formalmente a organização do poder político, consagram e garantem os

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direitos e deveres fundamentais dos cidadãos e pessoas jurídicas e
definem positivamente a ordem-quadro, económica, social e cultural.

É tradicional dizer-se que o Direito Constitucional pertence, juntamente


com outros ramos do direito – Direito Internacional, administrativo, criminal,
fiscal, processual – ao direito público. (de acordo com o critério da
posição dos sujeitos, o direito privado caracteriza-se por relações
essencialmente igualitárias).

Por outras palavras, é o conjunto de normas jurídicas que regulam a


estrutura do Estado, designa as suas funções e define as atribuições
e os limites dos supremos órgãos do poder político.

O Direito Constitucional é a parcela de ordem jurídica que rege o próprio


Estado enquanto comunidade e enquanto poder. Quando se fala em
Direito Constitucional, à partida pensa-se mais na regulamentação jurídica,
na Constituição.

O direito constitucional é também um direito político porque:

 É um direito sobre o político – dado que, entre outras coisas tem como
objecto as formas e procedimentos da formação da vontade e das
tomadas de decisões políticas)
 É um direito do político por ser uma expressão normativa das forças
políticas e sociais
 É um direito para o político porque estabelece medidas e fins ao
processo político.

 O Direito Constitucional e a restante ordem jurídica estadual

Devido à amplitude do Direito Constitucional pode-se levantar a dúvida de


saber se este não se pode confundir com a ordem jurídica estatal.
Evidentemente que não.

No Direito Constitucional só entra o que corresponde à estrutura da


comunidade política e que não tem um significado político imediato, e não
o que se refere aos particulares e aos grupos como tal.

Ao Direito Constitucional pertence dispor sobre o poder político e sobre


algumas das suas manifestações essenciais.

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 As particularidades do Direito Constitucional (Posição
hierárquico-normativa)

O Direito Constitucional é um ramo de direito dotado de características


especiais.

Em primeiro lugar, caracteriza-se pela sua posição hierárquico-


normativa superior em relação aos outros ramos do direito. Esta
superioridade caracteriza-se em três perspectivas:

 as normas do Direito Constitucional constituem uma lex superior (Lei


Superior) que recolhe o fundamento de validade em si própria
(autoprimazia normativa);
 as normas de Direito Constitucional são normas de normas (norma
normarum), afirmando-se como fonte de produção jurídica de outras
normas;
 a superioridade normativa das normas constitucionais implica o
princípio da conformidade de todos os actos dos poderes políticos com
a Constituição, isto é, nenhuma norma de hierarquia inferior pode
estar em contradição com outra de dignidade superior (princípio de
hierarquia), e nenhuma norma infra-constitucional pode estar em
desconformidade com as normas e princípios constitucionais, sob
pena de inexistência, nulidade, anulabilidade ou ineficácia (princípio
da constitucionalidade).

A autoprimazia normativa significa que as normas constitucionais não


derivam a sua validade de outras normas com dignidade hierárquica
superior. Assim, o direito constitucional, que é constituído por normas
democraticamente feitas e aceites, é portador de um valor normativo
formal e material superior.

O carácter das normas de direito constitucional como normas de normas


ou fonte primária de produção jurídica implica a existência de um
procedimento de criação de normas jurídicas no qual as normas superiores
constituem as determinantes positivas e negativas das normas inferiores.
As normas superiores constituem fundamento da validade das normas
inferiores e determinam, até certo ponto, o conteúdo material destas
últimas. Daí a existência de uma hierarquia das fontes de direito.

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As normas de direito constitucional desempenham uma função de limite
relativamente às normas de hierarquia inferior e regulam parcialmente o
próprio conteúdo das normas inferiores de forma a obter-se não apenas
uma compatibilidade formal entre as normas constitucionais e as normas
ordinárias, mas também, uma verdadeira conformidade material.

A concepção das normas constitucionais no sentido de normae


normarum, isto é normas sobre a produção jurídica, significa ainda que o
ordenamento constitucional é um supra-ordenamento relativamente aos
outros ordenamentos jurídicos do território moçambicano.

A superioridade normativa do direito constitucional implica o princípio da


conformidade de todos os actos do poder político com as normas e
princípios constitucionais.

Nenhuma norma de hierarquia inferior pode estar em contradição com


outra de dignidade superior (principio da hierarquia) e nenhuma norma
infra-constitucional pode estar em desconformidade com as normas e
princípios constitucionais sob pena de inexistência, nulidade, anulabilidade
ou ineficácia (principio da inconstitucionalidade)

 Requisitos constitucionais formais


O direito constitucional distingue-se dos outros ramos do direito pela forma
e procedimento de criação e alteração das suas normas. A Constituição e
outras normas constitucionais emanam de um poder constituinte de
acordo com um processo específico, como se virá mais adiante.

 A auto garantia do direito constitucional


O direito constitucional é um direito que gravita sobre si mesmo, porque a
observância dessas normas não é assegurada pela força de outras
instâncias superiores da ordem jurídica – é um direito que gravita sobre si
mesmo, apelando para as suas próprias forças e garantias de forma a
assegurar as condições de realização e execução das suas normas (auto
garantia).

Todos os órgãos dos poderes públicos, e de forma especial os órgãos de


soberania, devem assumir a responsabilidade de respeito e cumprimento
das normas constitucionais, independentemente de estas serem ou não
susceptíveis de execução forçada e de à não observância das mesmas se
ligar qualquer tipo de sanção.

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 Continuidade e descontinuidade do direito constitucional

A ideia de continuidade e descontinuidade do direito constitucional


associa-se aos processos de mudança constitucional significando
basicamente o seguinte: existe continuidade quando uma ordem jurídico-
constitucional que sucede a outra se reconduz, jurídica e politicamente, à
ordem constitucional precedente.

Fala-se em descontinuidade quando uma nova ordem constitucional


implica uma ruptura com a ordem constitucional anterior.

 Flexibilidade e rigidez do Direito Constitucional


Segundo BRYCE, os Estados em que as chamadas leis constitucionais só
diferem das outras leis pela matéria, mas não pela hierarquia, podendo ser
modificadas em qualquer momento pela autoridade legislativa ordinária,
como qualquer outra lei, diz-se que são Estados de Constituição flexível.
(sistema inglês)

Os Estados em que as leis principais e fundamentais denominadas


Constituição possuem uma hierarquia superior às leis ordinárias e não são
modificáveis pela autoridade legislativa ordinária chamam-se Estados de
Constituição rígida.

A relação entre a rigidez e a flexibilidade não implica uma alternativa


radical, exigindo sim, uma articulação ou coordenação das duas
dimensões, porque, se por um lado o texto constitucional não deve
permanecer alheio à mudança, por outro há elementos do direito
constitucional que devem permanecer estáveis, sob pena de a
Constituição deixar de ser uma ordem jurídica fundamental do Estado para
se dissolver na dinâmica das forças políticas.

1.2. Os princípios e sua função ordenadora

O ordenamento jurídico traduz-se em princípios. A sua acção imediata


consiste em funcionarem como critérios de interpretação e de integração,
pois são eles que dão a coerência geral do sistema.

Os princípios constitucionais dividem-se em 3 categorias:

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1. Princípios axiológicos fundamentais (Teoria filosófica dos valores) –
correspondentes aos limites transcendentes do poder constituinte,
ponte de passagem do direito natural para o direito positivo. Ex.
proibição de discriminações, direito de defesa dos acusados,
liberdade de religião, etc.
2. Princípios político-constitucionais – correspondentes aos limites
imanentes do poder constituinte, aos limites específicos da revisão
constitucional. Ex. o principio democrático, o principio representativo,
o da constitucionalidade, o da separação dos órgãos do poder, o da
subordinação do poder económico ao poder político, etc.
3. Princípios constitucionais instrumentais – correspondente à
estruturação do sistema constitucional, em termos de racionalidade e
operacionalidade. Ex.: princípio da proporcionalidade, o da publicidade
das normas jurídicas, o da competência, etc.

1.2.1. Classificação das normas constitucionais

As disposições constitucionais são disposições jurídicas como quaisquer


outras. Entre as classificações ou contraposições de mais particular
incidência no domínio do Direito Constitucional avultam as seguintes:

 Normas constitucionais materiais e normas constitucionais de


garantia – as primeiras são aquelas que formam ou reflectem o
núcleo da Constituição em sentido material, a ideia de direito
modeladora do regime ou da decisão constituinte, e as segundas são
aquelas que estabelecem diferentes modos de assegurar o seu
cumprimento frente ao próprio Estado, por meios preventivos ou
sucessivos que lhe emprestem efectividade.

 Normas constitucionais de fundo, orgânicas e processuais ou de


forma – as primeiras respeitantes as relações entre a sociedade e o
Estado ou ao estatuto das pessoas e dos grupos dentro da
comunidade política; as segundas, definidoras dos órgãos do poder,
da sua estrutura, da sua competência, da sua articulação recíproca e
do estatuto dos seus titulares e as terceiras relativas aos actos e
actividades do poder, aos processos jurídicos de formação e

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expressão da vontade do Estado enquanto vontade necessariamente
normativa e funcional.

 Normas constitucionais preceptivas e normas constitucionais


programáticas – são preceptivas as de eficácia imediata ou pelo
menos de eficácia não dependente de condições institucionais ou de
facto; são programáticas aquelas que, dirigidas a certos fins e a
transformações não só da ordem jurídica mas também das estruturas
sociais ou da realidade constitucional implicam a verificação pelo
legislador, no exercício de um verdadeiro poder discricionário, da
possibilidade de as concretizar.

 Normas constitucionais exequíveis e não exequíveis por si


mesmas - as primeiras aplicáveis só por si, sem necessidade de lei
que as complemente e as segundas carecidas de normas legislativas
que as tornem plenamente aplicáveis as situações da vida.

 Normas constitucionais a se e normas sobre normas


constitucionais – as primeiras são aquelas que contem uma
especifica regulamentação constitucional, seja a título de normas
materiais, seja a titulo de normas de garantia. As segundas são as que
se reportam a outras normas constitucionais para certos efeitos.

1.3. A Interpretação constitucional

Há que interpretar a Constituição da mesma forma que é preciso


interpretar a lei. É só através da interpretação que podemos encontrar a
norma ou o sentido da norma.

Á função integradora da Constituição vem corresponder a função


racionalizadora da interpretação constitucional.

Partindo do princípio que ele tem de ser objectivista e evolutiva, de


maneira assegurar a coerência e a subsistência do ordenamento, podemos
apontar as seguintes directrizes:

 A Constituição deve ser tomada, a qualquer instante, como um todo, na


busca de uma unidade e harmonia de sentido;

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 Quando há contradição de princípios, elas devem ser superadas, nuns


casos mediante a redução proporcionada do respectivo alcance e
âmbito e da cedência de parte a parte e noutros casos, mediante a
preferência ou a prioridade, na efectivação de certos princípios frente
aos restantes;
 Todas as normas constitucionais são verdadeiras normas jurídicas e
desempenham uma função útil no ordenamento. A nenhuma norma
pode dar-se uma interpretação que lhe retire ou diminua a razão de ser.
A uma norma fundamental tem de ser atribuído o sentido que mais
eficácia lhe dê;
 Os preceitos constitucionais devem ser interpretados não só no que
explicitamente ostentam mas também no que implicitamente deles
resulta;
 Todas as normas constitucionais têm de ser tomadas como normas da
Constituição actual, da Constituição que temos, e não como normas de
uma Constituição futura, cuja execução não vincule, desta ou daquela
maneira, os órgãos de poder e o legislador ordinário.

1.3.1. A interpretação conforme à Constituição

Tendo em conta a interpretação da lei face à Constituição, devemos Ter


em conta que cada dispositivo legal não tem somente de ser captado no
conjunto das disposições da mesma lei, mas também cada lei no conjunto
da ordem jurídica.

Deve-se considerar a lei no contexto da ordem constitucional.

A chamada interpretação conforme a Constituição é um procedimento ou


regra própria da fiscalização da constitucionalidade, que se justifica em
nome de um máximo aproveitamento dos actos jurídicos.

1.4. As lacunas da Constituição e sua integração

A lei constitucional não regula tudo quanto dela deve ser objecto. Nem a lei
constitucional, o costume constitucional, a Declaração Universal, outras
regras de direito interno e direito internacional no seu conjunto se dotam de

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plenitude de regulamentação. Não há uma plenitude da ordem
constitucional como não há uma plenitude da ordem jurídica em geral.

Há lacuna – intencionais ou não intencionais, técnicas e teleológicas,


originárias e supervenientes – e há mesmo situações deixadas à decisão
política ou à discricionariedade do legislador ordinário.

As lacunas constitucionais não se confundem com as omissões


legislativas que correspondem a normas constitucionais não exequíveis
por si mesmas e cujo não preenchimento após decurso de certo tempo
determina a inconstitucionalidade por omissão. As lacunas são situações
constitucionalmente relevantes não previstas.

As omissões legislativas reportam-se a situações previstas, mas a que


faltam, no programa ordenador global da Constituição, as estatuições
adequadas a uma imediata exequibilidade.

As lacunas são verificadas pelo intérprete e pelos órgãos de aplicação do


direito. As omissões, se podem ser por eles também verificadas, só podem
ser declaradas especificamente pelos órgãos de fiscalização da
inconstitucionalidade por omissão. A integração de lacunas significa a
determinação da regra para aplicação ao caso concreto e é tarefa do
intérprete e do órgão da aplicação.

A integração de omissões legislativas reconduz-se à edição de lei pelo


legislador.

1.5. Aplicação das normas constitucionais no tempo

As normas constitucionais projectam-se sobre todo o sistema jurídico,


sobre as normas e os actos que o dinamizam, sobre o poder e a
comunidade política, conformando-os de harmonia com os seus valores e
critérios e trazendo-lhes um novo fundamento de validade ou de
autoridade.

Mas os efeitos da superveniência dessas normas constitucionais recortam-


se em termos diversos consoante se trate de Constituição nova ou de
modificação constitucional (designadamente revisão constitucional);
consoante se considere as relações das normas com normas

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constitucionais; consoante estas sejam ou não conformes ou compatíveis
com as normas constitucionais.

Os fenómenos jurídicos decorrentes da superveniência de normas


constitucionais podem sintetizar-se no seguinte:

 Acção da Constituição nova sobre a Constituição anterior – revogação


global e em certos casos caducidade (só pode haver uma
Constituição em cada momento)
 Acção de normas constitucionais novas (provenientes da modificação
constitucional) sobre normas constitucionais anteriores – revogação
(ocorre em caso de modificação parcial da Constituição. É sempre na
especialidade)
 Acção da Constituição nova sobre normas ordinárias anteriores não
desconformes ou incompatíveis – novação (como as normas retiram a
sua validade da Constituição, a mudança de Constituição acarreta a
mudança de fundamento de validade: as normas, ainda que
formalmente intocadas são novadas)
 Acção das normas constitucionais novas (provenientes da Constituição
nova ou de modificação constitucional) sobre normas ordinárias
anteriores desconformes – caducidade por inconstitucionalidade
superveniente (revogação, caducidade, ineficácia, etc.)
 Subsistência de normas constitucionais anteriores – recepção material
(quando normas constitucionais anteriores à nova Constituição
continuam em vigor nessa condição)
 Subsistência de normas ordinárias contrarias às novas normas
constitucionais, com força de normas constitucionais –
constitucionalização e recepção material (quando lhes é atribuída
força constitucional e estabelecida a conformidade material com a
Constituição)
 Subsistência de normas constitucionais anteriores, com força de
normas de direito ordinário – desconstitucionalização (quando certas
normas constitucionais anteriores não deixam de vigorar com a entrada
em vigor da nova Constituição, mas passam a normas de direito
ordinário)

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1.6. Aplicação das normas constitucionais no espaço

O principio geral é a aplicação da Constituição material e formal em todo o


território do Estado, seja qual for a forma que o Estado revista. A cada
Estado a sua Constituição.

A diferença está em que, havendo regiões autónomas, a própria


Constituição prevê estatutos político-administrativos próprios, verdadeiros
estatutos materialmente constitucionais, para todas e algumas áreas ou
regiões compreendidas no interior do território do Estado.

No Estado federal há Constituições particulares aplicáveis apenas nos


Estados federados, e a Constituição federal aplicável em todo o território
federal.

Relativamente ao estrangeiro, podemos dizer que a territorialidade da


ordem jurídica de cada Estado diz apenas respeito à execução; não
implica que o Direito do Estado somente regule factos ocorridos no seu
território – pois pode também regular factos ocorridos e situações
constituídas no estrangeiro; nem sequer significa que no território do
Estado o seu Direito seja o único Direito válido – pois outros Direitos
podem igualmente nele valer e ter aplicação.

Assim como pode haver normas constitucionais de outros Estados


aplicáveis em Moçambique, existem normas constitucionais
moçambicanas aplicáveis no estrangeiro: p. e. as regras sobre os titulares
dos órgãos quando em visita ao estrangeiro.

Por outro lado nenhum tribunal poderá aplicar normas estrangeiras


contrárias à Constituição do seu Estado.

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Leituras Obrigatórias

A leitura dos textos indicados, a seguir, é de fundamental importância para


a compreensão de nossos estudos e para a realização das actividades
propostas para esta primeira unidade de estudo. Portanto, não deixe de
estudá-los.

CAETANO, Marcelo, Manual de Ciência Politica e Direito


Constitucional, Coimbra, Almedina, 1998.

DINIS, Almerinda, HENRIQUE, Evangelina, CONTREIRAS, Introdução ao


Direito, 12º ano, Texto Editora, 1995.

GOUVEIA, Jorge Bacelar, Manual de Direito Constitucional, Vol. I,


Almedina, 2005.

Leituras Complementares

A leitura dos textos indicados, a seguir, é de fundamental importância para


a compreensão de nossos estudos e para a realização das actividades
propostas para esta primeira unidade de estudo. Portanto, não deixe de
estudá-los.

DALLARI, Dalmo de Abreu. Elemento de Teoria Geral do Estado. 24. ed.


São Paulo, Saraiva, 2003

NETO, Luísa, Direito Constitucional, Faculdade de Direito da


Universidade de Porto, texto de apoio, Agosto 2005.

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Actividades

A seguir, estão as actividades correspondentes a esta primeira unidade.


Resolva os exercícios propostos em cada uma e verifique se acertou,
conferindo a sua resposta na Chave de Correcção no final do presente
Guia de Estudo.

Actividade 1

Leitura do texto

Leia o capítulo sobre a Constituição do livro Manual de Ciência Politica e


Direito Constitucional, de Marcelo Caetano (pp.338-349), indicado como
leitura obrigatória.

Leia também o capítulo “Direito Constitucional. Origens e Conceito”, do


livro Introdução ao Direito, 12º ano, de Almerinda Dinis, Evangelina
Henrique e Maria Isidra Contreiras (pp.279-284).

Do mesmo modo, se recomenda a leitura do capítulo VII, sobre a


interpretação e aplicação das normas constitucionais, do Manual de Direito
Constitucional de Jorge Bacelar Gouveia (pp. 657-684).

Assim como deve ler o capítulo estrutura das normas constitucionais e


interpretação, integração e aplicação das normas constitucionais, dos
textos de apoio correspondente às aulas leccionadas ao 1 ano da
Faculdade de Direito da Universidade do Porto com a última revisão em
Agosto de 2005, de Luísa Neto (pp. 86-93).

1.1. Releia o texto e identifique, por escrito, qual a origem e o conceito do


Direito Constitucional, os princípios e a sua função ordenadora e as
suas particularidades e procure estar atento também, na sua leitura,

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no conceito de Constituição, assim como a interpretação e a aplicação
das normas constitucionais.

Agora coloque em prática os estudos que você realizou. Procure responder


às questoēs abaixo justificando cada uma delas e utilizando os
fundamentos retirados das leituras. Por isso, sugere-se que inicie as
actividades apos ter realizado as leituras. Verifique, no fim deste volume, o
Referencial de Respostas.

1. O termo Constituição pode ser utilizado em dois sentidos. Quais são e


fale de cada um deles.

2. Uma outra classificação de particular importância é a que permite as


distinguir as constituições em flexíveis, rígidas e semi-rígidas. Fale e dê
exemplos de cada uma delas.

3. Classifique a constituição de Moçambique a luz da mesma


Constituição, a de 2004.

4. Como se faz a interpretação constitucional?

5. Fale da aplicação das normas constitucionais no tempo e no espaço.

REFERÊNCIAS

CAETANO, Marcelo, Manual de Ciência Politica e Direito


Constitucional, Coimbra, Almedina, 1998.
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elemento de Teoria Geral do Estado. 24. ed.
São Paulo, Saraiva, 1998.
DINIS, Almerinda, HENRIQUE, Evangelina, CONTREIRAS, Introdução ao
Direito, 12º ano, Texto Editora, 1995.
MIRANDA, Jorge, Preliminares, o Estado e os Sistemas
Constitucionais, 7ª Edição, revista e actualizada, Coimbra Editora, 2003.
NETO, Luísa, Direito Constitucional, Faculdade de Direito da
Universidade de Porto, texto de apoio, Agosto 2005.

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UNIDADE TEMÁTICA 2

TEORIA DA CONSTITUIÇÃO

Elaborado pelo Mestre Mouzinho Nicol’s, adaptado de textos da Dra. Neusa de


Matos,Mestre Pedro Sinai Nhatitima e a Profa. Luisa Neto.

Objectivos

No fim desta unidade você deverá ser capaz de:


 Saber a teoria do Poder Constituinte;
 Conhecer a legitimidade e conteúdo da Constituição;
 Conhecer as fontes das Normas Constitucionais;
 Conhacer a modificaçao e substituiçao da Constituicao; e
 Saber das vicissitudes constitucionais;

1.1. Formação da Constituição

1.1.1. Teoria do Poder Constituinte

O fenómeno político é, um objecto que pode, no entanto, ser apreciado


quer sob uma perspectiva de facto (ou de “ser”) – v.g. no caso da Ciência
Política -, quer sob uma perspectiva normativa (ou de “dever ser”) – como
no caso do Direito Constitucional.

O objecto do Direito Constitucional é a Constituição, que cria estruturas


para que o Estado realize as suas tarefas.

O Direito Constitucional = Direito Político (Polis = Cidade, Estado) é


então um Direito da Organização, que respeita ao modo de criação do
Estado, visto que este é a única forma de sociedade política que tem
Constituição.

1.1.2. Elemento institucional - Poder político


No Estado Moderno de tipo Europeu corresponde à ideia de soberania.
Só pela subordinação do poder político ao Direito é que se encontra
organização estadual (vejam-se exemplificativamente o artigo 2º da

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Constituição da República de Moçambique de 2004). Esta soberania
implica coordenação na ordem externa e subordinação na ordem interna.

Na ordem interna a soberania caracteriza-se por:


1. Originalidade - Estado tem poder originário que vem de si
próprio e não é um poder delegado por uma entidade externa.
2. Supremacia - não há poder superior ao do Estado, o que vem
na sequência do que defendia Jean Bodin.
Esta é uma característica rejeitada por autores como Marcelo
Rebelo de Sousa que a considera como não fundamental.
Para estes autores: Regiões Autónomas  Estado

- poder não originário e não - poder originário e que pode


supremo. ou não ser supremo.

3. Poder constituinte – O Estado faz para si próprio uma


constituição (ou seja, auto-dota-se de uma Constituição). Mesmo os
Estados federados (não soberanos na ordem externa) têm poder
constituinte.
4. Estado detém todos os poderes – político, executivo,
jurisdicional e legislativo.
5. Possibilidade de delegação de poderes por:
- desconcentração – o Estado atribui poderes a outras entidades,
mas elas existem dentro da pessoa colectiva Estado.
- descentralização – o Estado atribui poderes, mas cria outras /
novas pessoas colectivas.

No entanto, encontramos já alguns fenómenos de paraconstitucionalização:


fenómenos de aproximação ao Estado por parte de organizações supra-
estaduais (ex.: UE, com marcas de estadualidade como o Parlamento
Europeu, Euro, política económica comum, Carta da ONU que prevalece
sobre todos os demais tratados internacionais).

Ao contrário dos vários grupos humanos (ex. associação académica), o


Estado é uma sociedade de fins gerais (que se dedica a uma pluralidade

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de fins), e que visa a realização temporal das necessidades colectivas. Até
agora apenas o Estado tem poder coercitivo. A ONU pode ter esse poder
coercitivo através do Conselho de Segurança, mas apenas sobre os
Estados em geral (numa decisão dependente da vontade dos membros
efectivos).

Rege fins gerais da ordem do Estado.

Contém os grandes princípios da ordem jurídica


do Estado

Constituição

Estabelece o modo de relacionamento Estado


com outros Estados

O poder constituinte pode ser formal e material, sendo o Poder


constituinte material o poder do Estado se dotar de tal estatuto, como
poder de auto-organização e auto-ordenação e o Poder constituinte
formal como a faculdade do Estado de atribuir tal força jurídica a certas
normas, como poder de erigir uma Constituição material em Constituição
formal.

Segundo a teoria clássica do poder Constituinte ele é um poder inicial,


autónomo e omnipotente.

Inicial porque não existe, antes dele, nem de facto nem de direito,
qualquer outro poder. É nele que se situa, por excelência, a vontade do
soberano (instancia jurídico-política dotada de autoridade suprema).

É um poder autónomo porque só a ele compete decidir como e quando se


deve dar uma Constituição à Nação.

É um poder omnipotente incondicionado: o poder constituinte não está


subordinado a qualquer regra de forma ou fundo.

Como pudemos constatar, na sua formulação clássica, o poder constituinte


não consentia quaisquer limites de forma ou de conteúdo.

Hoje o poder constituinte não pode criar uma Constituição a partir do nada,
não inventa novos valores aos quais a Constituição terá de se ajustar.

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Curso de Ciências Jurídicas – Direito do Constitucional II – Semestre 2 NC
Encontra sim, uma ordem pré-positiva, um conjunto de direitos
fundamentais aos quis o poder constituinte está amarrado.

Há porem um poder: o poder de modificar a Constituição em vigor segundo


as regras e processos nela prescritos - que é também considerado como
constituinte, embora seja instituído pela própria Constituição.

Este poder – poder constituinte derivado, poder de revisão – distingue-se


do poder constituinte originário.

O poder de revisão constitucional é por isso, um poder constituído tal como


o poder legislativo.

1.1.3. O Poder constituinte como puro facto

Os movimentos revolucionários e os golpes de Estado não se realizam de


acordo com os princípios jurídicos ou regras constitucionais.

A revolução não é o triunfo da violência: é o triunfo de um direito diferente.


Não é anti-jurídico é sim anticonstitucional

1.1.3.1. Legitimidade e conteúdo da Constituição

Uma coisa é o título de legitimidade ou a forma de produção da


Constituição e outra e o seu conteúdo ou a sua forma e o sistema de
governo que consigna.

Importa não confundir Constituição de origem democrática ou autocrática


com Constituição de conteúdo democrático ou autocrático.

Não é o poder constituinte criador da Constituição que dá garantia de que


a forma de governo instituída venha a ser de democracia ou de autocracia.

Diz-se por vezes que o poder constituinte do povo, deve prevalecer


sempre sobre a Constituição existente.

Contudo tem de se tomar em conta as condições em que o poder


constituinte é actualizado, as determinantes históricas de ruptura ou de
transição constitucional. É preciso atender aos riscos para a segurança
jurídica advenientes da diminuição ou do esvaziamento da força normativa
da Constituição.

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E, se se invoca o principio democrático, cabe verificar se é o povo que, real
e livremente, quer a mudança, de que maneira e com que meios.

Em democracia que se pretenda um Estado de Direito, mudar de governo


não equivale a mudar de Constituição e de regime. Nem uma maioria de
governo pode arrogar-se em maioria constitucional para conformar a
Constituição à sua imagem e perpetuar-se no poder.

Pelo contrário, e por conter as regras do jogo do regime, a Constituição


tem perdurar para alem da sucessão de governos e de partidos, porque a
todos tem de servir de referência institucional e a todos tem de oferecer um
quadro de segurança para o presente e futuro.

1.1.3.2. Os limites materiais do poder constituinte

O poder constituinte é logicamente anterior e superior aos poderes ditos


constituídos - o legislativo, o executivo e o judicial.

A Constituição define-os e enquadra-os: eles não podem ser exercidos


senão no âmbito da Constituição e as decisões e as normas que resultem
desse exercício não podem contrariar o sentido normativo da Constituição.

Isto torna-se mais patente quando há Constituição formal como Lei


fundamental do Estado.

Porem isso não quer dizer que o poder constituinte equivale a um poder
soberano absoluto e que pode dar à Constituição todo e qualquer conteúdo.

O poder constituinte está sujeito a limites.

Na doutrina é corrente considerar-se a existência de limites materiais do


poder de revisão constitucional.

As posições dos autores sobe o assunto são as mais diversas, mas


podemos dizer que o poder constituinte é limitado pelas estruturas políticas,
sociais, económicas e culturais dominantes da sociedade, bem como
pelos valores ideológicos de que são portadores.

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1.1.3.3. Estrutura e função da Constituição

Como vimos atrás a Constituição dá-nos a ideia de lei fundamental como


instrumento formal e processual de garantia e que pode e deve conter
programas ou linhas de orientação para o futuro.

Assim podemos dizer que a lei constitucional tem as seguintes funções:

 constituir normativo da organização estadual, determinado de forma


vinculativa as competências dos órgãos de soberania e as formas e
processos de exercício do poder;
 Racionalização e limites dos poderes públicos, função que esta
associada ao principio da separação e interdependência dos poderes,
porque separando os poderes e distribuindo as funções consegue-se
simultaneamente uma racionalização do exercício das funções de
soberania e o estabelecimento de limites recíprocos;
 Fundamentação da ordem jurídica da comunidade;
 Programa de acção – imposição de tarefas e programas que os
poderes públicos devam concretizar.

1.2. Tipos de Constituição

Actualmente encontramos fundamentalmente 3 modelos de Constituição:

 O modelo do Estado de direito liberal

Os elementos constitutivos deste tipo de Constituição são:

 A referente da Constituição é o Estado (Constituição estadual)


 O tipo de estão é o Estado Liberal, caracterizado por 3 princípios
fundamentais: o princípio da subsidiariedade (o Estado pode e deve
apenas intervir quando a sociedade não consegue solucionar os seus
problemas); o principio do Estado mínimo (que exige a redução ao
mínimo possível das actividades do Estado e consequentemente das
suas tarefas e despesas) e o principio da neutralidade (que aponta
para a necessidade de o Estado se abster de intervenções de carácter
económico-social, não devendo dirigir ou mudar as relações e
situações pré-existentes) – leave them as you find them.
 A racionalização e limite do poder;

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 A força normativa da Constituição traduz-se na sua pretensão de


regular juridicamente o estatuto organizatório dos órgãos do Estado
separado da sociedade;
 A estrutura da Constituição do Estado de direito liberal é
essencialmente negativa porque: conforma a sociedade negativamente
através do estabelecimento de limites ao poder estadual; consagra
direitos, liberdades e garantias essencialmente concebidos como
direitos de defesa do cidadão perante o Estado;
 A verdade da forma constitucional liberal tem de procurar-se no texto
(expresso) e o no contexto (oculto), isto é, a Constituição embora fosse
uma Constituição estadual, pressupunha o modelo económico-social
Burges: autonomia privada, economia de mercado, valores
fundamentais do individualismo possessivo.

 O modelo do Estado de direito social

Características:

 O referente da Constituição é Estado e a sociedade (Constituição


social);
 O tipo de Estado é o Estado Social caracterizado por: principio do
compromisso conformador ou constitutivo (cabendo ao Estado
intervir na sociedade para melhor assegurar as formas de existência
social), principio da democratização da sociedade (que obriga a
intervenções de carácter económico e social tendentes à prossecução
do principio da igualdade), princípios do Estado de direito formal
(racionalizadores e limitadores das medidas intervencionistas –
principio da liberdade);
 A conciliação dos esquemas de racionalização e limites, oriundos do
Estado liberal e com as exigências da sociabilidade e da democracia;
 A força normativa da Constituição exprime-se através das suas normas
em relação ao estatuto do Estado Sociedade;
 A estrutura da sociedade do Estado social é tendencialmente positiva
porque: constitui e conforma a sociedade através da imposição de fins
e tarefas aos poderes públicos e consagra, ao lado dos direitos

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negativos, direitos fundamentais de natureza positiva, que implicam
direitos de participação e direitos a prestações;
 A verdade da forma constitucional democrático-social deve procurar-se
no texto e contexto descodificados, pois a Constituição torna
transparente a sua mensagem social, económica e cultural, através da
formulação explícita dos fins e princípios significativos.

 O modelo do Estado socialista


 O referente da Constituição é o Estado é a sociedade;
 O tipo de Estado é o Estado socialista caracterizado por: carácter
classista do Estado; princípio do Estado máximo (que exige o
controlo e propriedade, pelos poderes públicos, dos principais meios de
produção); principio da não neutralidade (impondo-se o Estado
tarefas de transformação económica, social e cultural);
 A Constituição socialista tem como fundamento a conformação
socialista do poder do Estado e a definição programática das suas
tarefas;
 A força normativa traduz-se na pretensão de servir de programa de
transformações económicas, sociais e culturais através do Estado;
 A estrutura da Constituição é essencialmente positiva porque
estabelece um aparelho estadual ao qual se confiam tarefas
transformadoras da sociedade e consagra fundamentalmente direitos
positivos de natureza económica, social e cultural;
 A verdade da forma constitucional socialista revela, de forma expressa,
a estratégia da Constituição: é um texto ideologicamente identificado e
caracterizado que serve de programa e de balanço para conquistas
consideradas revolucionárias.

1.2.1. Fontes das normas constitucionais

Como se sabe as fontes de direito são os modos de criação de normas


jurídicas e reconduzem-se primordialmente à lei, ao costume e à
jurisprudência.

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Por lei (como fonte de direito) entende-se a formação de normas jurídicas,
por via de uma vontade a ela dirigida dimanada de uma autoridade ou de
um órgão com competência para o efeito.

No costume a criação e a execução dos direitos coincidem.

Na jurisprudência são os tribunais que, nas decisões que proferem nos


casos ou litígios a dirimir, dão sentido e explicitam o ordenamento jurídico.

No sistema constitucional de qualquer país aparecem sempre normas


provindas de lei, de costume e de jurisprudência.

A Constituição em sentido formal oriunda do século 18 corresponde à


Constituição cuja fonte è a lei.

Pelo contrário, Constituição assente no costume é só a Britânica por causa


do sistema de Commom Law e porque em Inglaterra foi possível assar
sem ruptura do Estado Estamental para o Estado constitucional.

Não existe nenhuma Constituição surgida da prática judicial. No entanto


certos Constituições do EUA seriam incompreensíveis sem o trabalho
sobre os seus preceitos e princípios levados a cabo pelos juízes.

1.2.2. Modificação e subsistência da Constituição

1.2.2.1. Modificabilidade e modificações da Constituição

Se é verdade que a grande maioria das Constituições são Constituições


definidas no sentido de voltadas para o futuro, sem duração pré-fixada,
também é verdade que nenhuma Constituição que vigore por um período
mais ou menos longo deixa de sofrer modificações, para se adaptar às
circunstâncias e a novos tempos ou para acorrer a exigências de solução
de problemas que podem nascer até da sua própria aplicação.

A modificação das Constituições é um fenómeno da vida jurídica. O que


varia é a frequência, a extensão e os modos como se processam as
modificações.

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1.2.2.2. Modificações da Constituição e vicissitudes
constitucionais

Para se situarem as modificações constitucionais, devemos partir de um


conceito mais lato – o conceito de vicissitudes constitucionais, ou seja,
quaisquer eventos que se projectem sobre a subsistência da Constituição
ou de algumas das suas normas.

Tais vicissitudes são de uma gama varíadissima, com diferente natureza e


manifestação e podem recortar-se segundo 5 grandes critérios: quanto ao
modo, quanto ao objecto, quanto ao alcance, quanto às consequências
sobre a ordem constitucional e quanto à duração dos efeitos.

VICISSITUDES CONSTITUCIONAIS

 Revisão Constitucional stricto


sensu
Quanto ao modo como  Expressas (quando o evento  Derrogação Constitucional
se produzem, tendo em constitucional produz-se como  Transição Constitucional
conta a forma como resultado de acto a ele  Revolução
através delas se exerce especificamente dirigido)  Ruptura não revolucionária
o poder ou se  Suspensão (parcial) da
representa a vontade Constituição
constitucional as  Costume constitucional
modificações podem  Interpretação evolutiva da
ser:  Tácitas (quando o evento é
Constituição
resultado indirecto, uma  Revisão Indirecta
consequência que se extrai a
posteriori de um facto normativo
historicamente localizado)

 Totais (são as que atingem a


Constituição como um todo, trate-se
de todas as suas normas ou trate-  Revolução
se, tão somente dos seus princípios  Transição Constitucional
fundamentais)

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Quanto ao objecto,  Parciais (são as que atingem


quanto às normas apenas parte da Constituição e
constitucionais que são nunca os princípios definidores da
afectadas as ideia de Direito que a caracteriza)  (modificações
vicissitudes podem ser: constitucionais) Toda menos
a revolução e a transição
constitucional

 Vicissitudes de alcance geral e


abstracto (aquelas que têm em
vista todas e quaisquer situações de
idêntica ou semelhante contextura e
 Todas, menos a derrogação
todos e quaisquer destinatários que
constitucional
nelas se encontrem)

Quanto ao alcance,
quanto às situações da
 Vicissitudes de alcance concreto
vida e aos destinatários
ou excepcional (quando se têm em
das normas
vista situações concretas,
constitucionais postos
verificadas ou a verificar-se, e
em causa pelas
alguns dos destinatários possíveis
vicissitudes, podemos
abrangidos pelas normas)
distinguir:  Derrogação Constitucional

 Vicissitudes que não colidem com a


sua integridade e, sobretudo, com a
sua continuidade e que  Todas, menos a revolução e
correspondem a uma evolução a ruptura não revolucionária
Quanto às
constitucional
consequências sobre
a ordem
constitucional
distinguem-se:

 Vicissitudes que equivalem a um


 Revolução
corte, a uma ruptura

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 Ruptura não revolucionária

 Vicissitudes de efeitos temporários  Suspensão (parcial) da


Constituição
Quanto à duração dos  Todas, menos a suspensão
efeitos distinguem-se: (parcial) da Constituição

 Vicissitudes de efeitos definitivos

As vicissitudes constitucionais expressas constituem a grande maioria


das vicissitudes; assentam numa vontade, afirmam-se como actos jurídicos.
Tanto podem ser parciais como totais.

Já as vicissitudes tácitas são necessariamente parciais.

Contudo, apenas as vicissitudes parciais implicam rigorosamente


modificações constitucionais.

As vicissitudes totais, essas correspondem à emergência de nova


Constituição, seja por via evolutiva (transição constitucional) ou por via de
ruptura (revolução).

Também as vicissitudes de alcance geral e abstracto podem ser totais ou


parciais. Não as de alcance individual, concreto ou excepcional
(derrogações constitucionais), por definição, sempre parciais.

As vicissitudes sem quebra de continuidade são quase todas parciais,


determinam meras modificações. As vicissitudes com ruptura são quase
todas totais. Mas pode haver vicissitudes totais na continuidade – desde
que a nova Constituição advenha com respeito das regras orgânicas e
processuais anteriores e vicissitudes parciais na descontinuidade – as
rupturas não revolucionárias.

As vicissitudes de efeitos temporários ou suspensões da Constituição


podem ser totais ou parciais e feitas nos termos da Constituição ou sem a
sua observância.

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A suspensão total da Constituição redunda sempre em revolução.

A suspensão parcial sem observância das regras constitucionais resulta


em rupturas definitivas.

A suspensão parcial de alcance individual concreto ou excepcional resulta


em derrogação.

Só a suspensão parcial da Constituição de alcance geral e abstracto, na


forma da própria Constituição, representa um conceito autónomo, a
integrar na categoria genérica das providencias ou medidas de
necessidade.

1.2.2.2.1. Os diversos tipos de vicissitudes constitucionais

Temos como tipos de vicissitudes constitucionais a revisão constitucional,


a derrogação constitucional, o costume constitucional, a
interpretação evolutiva da Constituição, a revisão indirecta, a
revolução, a ruptura não revolucionária, a transição constitucional e a
suspensão (parcial) da Constituição.

Importa classificá-los brevemente.

1.2.2.2.1.1. Revisão Constitucional é a modificação da Constituição


expressa, parcial, de alcance geral e abstracto e, por natureza, a que
traduz mais imediatamente um princípio de continuidade institucional.

É a modificação da Constituição com uma finalidade de auto-regeneração


e auto-conservação, de eliminação das suas normas já não justificadas
política, social ou juridicamente e de adição de elementos novos que a
revitalizem.

Só existe revisão total quando se tenha a intenção de renovar na totalidade


um texto constitucional sem mudança dos princípios fundamentais que o
enformam. Revisão total só pode ser da Constituição instrumental e não da
Constituição material.

 Derrogação (ou quebra ou ruptura material) da Constituição


aproxima-se da revisão constitucional – e com ela pode agrupar-se num
conceito de revisão latu sensu ou de reforma constitucional.

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É a violação, a título excepcional, de uma prescrição legal-constitucional
para um ou vários casos concretos, quando tal é permitido por uma lei
constitucional ou resulta para as variações da Constituição.

É a modificação da Constituição levada a cabo por meio de processo de


revisão que se traduz na excepção a um princípio constitucional ou na
regulamentação de um caso concreto.

As derrogações constitucionais podem assimilar-se na prática os actos,


comportamentos ou situações de inconstitucionalidade não objecto de
invalidação ou de outra forma eficaz de fiscalização.

As modificações tácitas da Constituição compreendem, antes de mais, as


que são trazidas pelo Costume constitucional, e depois, as que resultam
da interpretação evolutiva da Constituição e da revisão indirecta. A
interpretação jurídica deve ser evolutiva pela necessidade que existe de
congregar as normas interpretadas com as restantes normas jurídicas (as
que estão em vigor e não as que estavam em vigor ao tempo da sua
publicação), pela necessidade de atender aos destinatários (os
destinatários actuais e não os do tempo da entrada em vigor das normas),
pela necessidade de reconhecer um papel activo ao intérprete. A
interpretação Constitucional é necessariamente evolutiva, porque qualquer
Constituição é um organismo vivo, sempre em movimento, como a própria
vida, e está sujeita à dinâmica da realidade que jamais poderá ser captada
através de fórmulas fixas.

As vicissitudes constitucionais com ruptura na continuidade da ordem


jurídica ou alterações constitucionais stricto sensu podem ser totais e
parciais. Correspondem à revolução e à ruptura não revolucionária, ou
modificação da Constituição das regras processuais respectivas.

 A ruptura não revolucionária não põe em causa a validade em


geral da Constituição, somente a sua validade circunstancial. Continua a
reconhecer o princípio de legitimidade no qual assenta a Constituição,
apenas lhe introduz um limite ou o aplica de novo, por forma originária.

 A transição constitucional é a passagem de uma Constituição


material a outra com observância das formas constitucionais, sem ruptura.

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Muda a Constituição material, mas permanece a Constituição
instrumental e, eventualmente a Constituição formal.

 A suspensão (parcial) da Constituição é somente a não vigência


durante certo tempo, decretada por causa de certas circunstancias, de
algumas normas constitucionais.

Oferece um interesse importante no domínio dos direitos, liberdade e


garantias, susceptíveis de serem suspensos, mas nunca na totalidade,
com a declaração do Estado de sítio, de emergência ou outras situações
de excepção.

O princípio é a proibição da suspensão. Só excepcionalmente em caso de


necessidade, ela é consentida e de acordo com certas regras, tanto mais
rigorosas quanto mais avançado for o Estado de Direito.

1.2.2.2.1.1.2. Rigidez e flexibilidade Constitucionais

Concentrando a atenção na problemática da revisão constitucional


voltamos à classificação das Constituições em rígidas e flexíveis, porque
ela reporta-se à subsistência e modificação das normas constitucionais.

Diz-se rígida a Constituição que, para ser revista, exige a observância de


uma forma particular distinta da forma seguida para a elaboração das leis
ordinárias.

Diz-se flexível, aquela em que são idênticos o processo legislativo e o


processo de revisão constitucional, aquela em que a forma é a mesma
para a lei ordinária e para a lei de revisão constitucional.

A rigidez constitucional revela-se um corolário natural, decorrente da


adopção de uma Constituição em sentido formal.

A força jurídica das normas constitucionais liga-se a um modo especial de


produção e as dificuldades postas à aprovação de uma nova norma
constitucional impedem que a Constituição possa ser alterada em
quaisquer circunstâncias, sob a pressão de certos acontecimentos, ou que
possa ser afectada por qualquer oscilação ou inversão da situação política.

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Em contrapartida, devemos repisar que a faculdade formal da revisão se
destina a impedir que a Constituição seja alterada fora das regras que
prescreve.

A rigidez nunca deverá ser tanta para que impossibilite a adaptação a


novas exigências políticas e sociais: a sua exacta medida pede vir a ser,
em conjunto coma flexibilidade, uma garantia da Constituição.

1.2.2.2.1.1.3. A revisão constitucional e o seu processo

Nenhuma Constituição deixa de regular a sua revisão, tácita ou


expressamente.

Em geral regula-a expressamente, ora em moldes rígidos, ora em moldes


de flexibilidade.

Por vezes porém não a contempla, e tem de se encontrar uma forma de


revisão coerente com os princípios estruturais do sistema constitucional –
P. e. Franca 1799, 1814 e 1830.

É diversa a revisão constitucional em Estado simples e em Estado


composto.

No Estado simples a revisão apenas depende de um aparelho de órgãos


políticos.

Em Estado composto a revisão implica uma colaboração entre os seus


órgãos próprios e os dos Estados componentes, os quais possuem direito
de ratificação ou de voto (consoante os casos) quanto às modificações a
introduzir na Constituição, por esta traçar o quadro das relações de um e
de outros – donde a necessária rigidez em que se traduz.

O processo de revisão pode ser ou não idêntico ao primitivo processo de


criação da Constituição.

Se é uma assembleia legislativa ordinária a deter faculdades de revisão,


exerce-se, na maior parte das vezes, com maioria qualificada ou com
outras especialidades.

Em compensação verifica-se ser bastante rara a eleição de uma


assembleia ad-hoc de revisão – e subjacente a isso está a consideração

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de que o poder de revisão é um poder menor diante do poder constituinte
(originário), um poder derivado e subordinado.

O modo de revisão reproduz o sistema político:

 diferente em sistema pluralista (faz-se com livre discussão e várias


correntes de opiniões) e em sistema de partido único;
 em sistema democrático e em sistema autocrático;
 em sistema de divisão de poder e em sistema de concentração de
poder;
 em sistema de predominância de assembleia ou de chefe de Estado.

No entanto, por quase toda a parte é uma constante a intervenção dos


parlamentos neste processo. A intervenção do chefe de Estado é mais
intensa em monarquia do que em República.

Porque a democracia é essencialmente representativa, a revisão é quase


sempre obra de um órgão representativo – assembleia.

E quando se submete a revisão a referendo, trata-se quase sempre de


ratificação ou veto sobre um texto previamente votado em assembleia
representativa. O referendo pode ser possível ou necessário.

A revisão pode realizar-se a todo o tempo, a todo o tempo verificando-se


certos requisitos ou apenas em certo tempo.

Na maior parte dos países pode dar-se o tempo todo, mas há


Constituições que só admitem a sua alteração de x em x anos, ou que
antes de decorrido determinado prazo não a admitem senão por
deliberação específica ou que ostentam regras particulares para a primeira
revisão, vedada até certo prazo.

Outro problema é o dos limites circunstanciais de revisão: o da


impossibilidade de actos de revisão em situações de necessidade,
correspondentes ou não à declaração de Estado de sítio ou de emergência,
ou noutras circunstâncias excepcionais.

A iniciativa cabe ao órgão com competência para fazer lei de revisão ou a


qualquer dos seus membros. A iniciativa do processo de revisão pode

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partir do Chefe de Estado ou do governo. Raros são os casos de iniciativa
popular de revisão constitucional.

Por último a revisão esta sujeita à forma imperativa, tem de se enquadrar


em certa e determinada tramitação fixa.

1.2.2.2.1.1.4. Os limites materiais da revisão constitucional

Não obstante as discussões em torno do assunto, verificamos a


necessidade jurídica dos limites materiais da revisão.

Mantendo-se a Constituição em vigor, o poder de revisão é um poder


constituído, como tal sujeito às normas constitucionais. Quando o poder de
revisão se liberta da Constituição deixa de haver Constituição, nem poder
de revisão, mas sim uma Constituição nova e um poder constituinte
originário.

O poder de revisão é um poder constituinte derivado porque diz respeito às


normas constitucionais e porque não consiste em fazer nova Constituição,
introduzindo princípios fundamentais em vez de outros princípios
fundamentais.

Os limites materiais de revisão constitucional tornam-se por isso


juridicamente necessários.

Os limites materiais não podem ser violados ou removidos, sob pena de se


deixar de fazer uma revisão para se passar a fazer uma Constituição nova.

Mas uma coisa é remover os princípios que definem a Constituição em


sentido material e que se traduzem em limites de revisão e outra é remover
ou alterar as disposições específicas do articulado constitucional que
explicitam, num contexto histórico determinado, alguns desses limites.

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Leituras Obrigatórias

A leitura dos textos indicados, a seguir, é de fundamental importância para


a compreensão de nossos estudos e para a realização das actividades
propostas para esta primeira unidade de estudo. Portanto, não deixe de
estudá-los.

CAETANO, Marcelo, Manual de Ciência Politica e Direito Constitucional,


Tomo I, 6ª Edição, revista e ampliada, Almedina, Coimbra, 2003.

CUNHA, Paulo Ferreira, Manual de Direito Constitucional Geral, Quid


Juris, Sociedade Editora, Lisboa, 2006.

DINIS, Almerinda, HENRIQUE, Evangelina, CONTREIRAS, Introdução ao


Direito, 12º ano, Texto Editora, 1995.

NETO, Luísa, Direito Constitucional, Faculdade de Direito da


Universidade de Porto, texto de apoio, Agosto 2005.

Leituras Complementares

A leitura dos textos indicados, a seguir, é de fundamental importância para


a compreensão de nossos estudos e para a realização das actividades
propostas para esta primeira unidade de estudo. Portanto, não deixe de
estudá-los.

DALLARI, Dalmo de Abreu. Elemento de Teoria Geral do Estado. 24. ed.


São Paulo, Saraiva, 1998.

GOUVEIA, Jorge Bacelar, Manual de Direito Constitucional, Vol. I,


Almedina, 2005.

DINIS, Almerinda, HENRIQUE, Evangelina, CONTREIRAS, Introdução ao


Direito, 12º ano, Texto Editora, 1995.

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SOUSA, Marcelo Rebelo de, GALVÃO, Sofia, Introdução ao Estudo do


Direito, 4ª edição, revista e aumentada, com base na revisão
constitucional de 1997, Publicações Europa-americana, 1998.

Actividades

A seguir, estão as actividades correspondentes a esta primeira unidade.


Resolva os exercícios propostos em cada uma e verifique se acertou,
conferindo a sua resposta na Chave de Correcção no final do presente
Guia de Estudo.

Actividade 1

Leitura do texto
Leia as páginas 633-646, sobre a dinâmica do Direito Constitucional, com
destaque para o poder constituinte, as vicissitudes constitucionais e a
revisão constitucional do Manual de Direito Constitucional, de Jorge
Bacelar Gouveia (551-601).

Releia os textos e identifique, por escrito, o poder constituinte e a


constituição e o poder de revisão constitucional, do livro Introdução ao
Estudo de Direito, de Marcelo Rebelo de Sousa e Sofia Galvão (35-37),
assim como o Manual de Direito Constitucional, de Jorge Bacelar
Gouveia.

Leia também Poder Constituinte e Constituição Material, de Paulo Ferreira


da Cunha, do Manual Direito Constitucional Geral (pp. 126-136), assim
como o Capitulo 2 do mesmo manual (pp. 45-58), no que se refere a
aproximação fenoménica ao Direito Constitucional.

Agora coloque em prática os estudos que você realizou. Procure responder


às questoēs abaixo justificando cada uma delas e utilizando os
fundamentos retirados das leituras. Por isso, sugere-se que inicie as

Escola Superior Aberta/A Politécnica – Ensino à Distância 35


Curso de Ciências Jurídicas – Direito do Constitucional II – Semestre 2 NC
actividades após ter realizado as leituras. Verifique, no fim deste volume, o
Referencial de Respostas.

1. Quem faz uma Constituição?

2. Fala das fontes das normas constitucionais.

3. Fale da revisão constitucional e o seu processo.

REFERÊNCIAS

CAETANO, Marcelo, Manual de Ciência Politica e Direito


Constitucional, Coimbra, Almedina, 1998.
CUNHA, Paulo Ferreira, Manual de Direito Constitucional Geral, Quid
Juris, Sociedade Editora, Lisboa, 2006.
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elemento de Teoria Geral do Estado. 24. ed.
São Paulo, Saraiva, 2003.
DINIS, Almerinda, HENRIQUE, Evangelina, CONTREIRAS, Introdução ao
Direito, 12º ano, Texto Editora, 1995.
MIRANDA, Jorge, Preliminares, o Estado e os Sistemas
Constitucionais, Tomo I, 7ª Edição, revista e actualizada, Coimbra Editora,
2003.
GOUVEIA, Jorge Bacelar, Manual de Direito Constitucional, vol. I,
Almedina, Coimbra, 2005.
NETO, Luísa, Direito Constitucional, Faculdade de Direito da
Universidade de Porto, texto de apoio, Agosto 2005.
SOUSA, Marcelo Rebelo de, GALVÃO, Sofia, Introdução ao Estudo do
Direito, 4ª edição, revista e aumentada, com base na revisão
constitucional de 1997, Publicações Europa-americana, 1998.

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Curso de Ciências Jurídicas – Direito do Constitucional II – Semestre 2 NC

UNIDADE TEMÁTICA 3
Nesta unidade vai-se dar maior enfoque aos aspectos que dizem respeito
ao direito interno moçambicano. O que se pretende é fazer com que os
nossos tutorados tenham maior contacto com as nossas constituições. Por
isso, se recomenda a leitura da obra Evolução Constitucional da Pátria
Amada, por conter todas as constituições moçambicanas, do mesmo modo
se recomenda a leitura de toda a unidade.

GARANTIA DA CONSTITUIÇÃO

Elaborado pelo Mestre Mouzinho Nicols, adaptado de textos da Dra. Neusa de Matos e
o Mestre Pedro Sinai Nhatitima

Objectivos

No fim desta unidade voce deverá ser capaz de:

 Conhecer a inconstitucionalidade e a garantia da Constituição;


 Saber como se faz uma revisão da Constituição;
 Conhecer os sistemas de fiscalização da constitucionalidade; e
 Conhecer a fiscalização da Constitucionalidade no Direito
Moçambicano.

1. A INCONSTITUCIONALIDADE E A GARANTIA DA
CONSTITUIÇÃO
O Professor Marcelo Caetano define a inconstitucionalidade como sendo o
vício das leis que provenham de órgão que a constituição não considere
competente 1 ou que não tenham sido elaboradas de acordo com o
processo 2 prescrito na Constituição ou contenham normas opostas 3 às
constitucionalmente consagradas.

1 Exemplo o Conselho de Ministros delimita as fronteiras da República de Moçambique, sendo esta


competência exclusiva da AR ao abrigo do artigo 135 numero 2 al. c)
2 Exemplo a Assembleia da República na forma de Decreto aprova a lei eleitoral, em violação do

preceituado no artigo 141 da CRM que estatui a forma de lei para os actos legislativos da AR.
AR aprova os impostos na forma de Decreto em violação do preceituado no artigo 50 da CR.
AR aprova a Lei dos Impostos e é publicada no jornal notícia ao invés do Boletim da República, em
violação do artigo 141 da CRM.
3 Assembleia da República aprova na forma de lei a pena de morte na República de Moçambique, em

violação do artigo 70 da CRM.

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Curso de Ciências Jurídicas – Direito do Constitucional II – Semestre 2 NC

1.1. Tipos de inconstitucionalidade

 Inconstitucionalidade orgânica: Ocorre no caso de um órgão


praticar um acto que não se considere competente para tal ao abrigo
da CRM.

 Inconstitucionalidade formal: Ocorre quando uma lei é aprovada


sem ter obedecido o processo necessário para o efeito.

 Inconstitucionalidade material: Quando uma lei contenha normas


opostas letra e o ao espírito da CRM.

Os actos inconstitucionais podem ser cumulativos4.

1.2. Órgãos de fiscalização da constitucionalidade

A fiscalização da constitucionalidade pode ser feita por um órgão


político comum, órgão político especial, órgão jurisdicional comum ou
órgão jurisdicional especial.

 Órgão político comum: Quando o acto de fiscalização da


constitucionalidade é exercido pela Assembleia Política, i. é pelo órgão
que aprovou o acto inconstitucional.

Este tipo de fiscalização tem o seu fundamento na doutrina francesa5


segundo a qual sendo o Parlamento um órgão soberano e
representante da vontade do povo, os seus actos não devem ser
fiscalizados por terceiras entidades.

Apontam-se desvantagens para este modelo de fiscalização da


constitucionalidade o receio e suspeiçao do órgão fiscalizador em

AR aprova uma lei que apenas permite os homens de candidatarem –se a Presidência da República
em violação ao principio da igualdade consagrado no artigo 66 da CR.
4 Exemplo O Conselho de Ministros na forma de Decreto aprova um diploma legal que descrimine os

homens no acesso a educação.


Este acto está simultaneamente ferido de inconstitucionalidade orgânica e material.
5 É preciso ter em consideração que a revolução francesa teve por objecto combater o Rei absoluto e

os órgãos jurisdicionais que eram dependentes do Monarca. Por este facto a burguesia representada
pelo Parlamento não admitia que entidades conotadas com o poder do Rei fiscalizar os seus actos,
preferindo que a lei inconstitucional lhe fosse devolvida para efeitos de reapreciação.

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Curso de Ciências Jurídicas – Direito do Constitucional II – Semestre 2 NC
questionar o seu prestigio político quando se depare com uma norma
inconstitucional por si elaborada.

 Órgão político especial: Refere-se a um órgão político com a


competência especializada no domínio das questões juridico-
constitucionais como aliás sucede da França onde existe um Conselho
Constitucional que nos termos da fiscalização abstracta preventiva, no
prazo de um mês, pronuncia-se sobre a conformidade das leis
orgânicas e regulamentos das Assembleias sobre a sua conformidade
com a Constituição.

É importante realçar que as deliberações do Conselho Constitucional


são irrecorríveis e obrigatórias para todas as autoridades
administrativas e jurisdicionais.

Para além da verificação da conformidade das leis com a Constituição,


o Conselho Constitucional, vela pela regularidade da eleição do
Presidente da República, examina as reclamações e proclama os
resultados do escrutínio, e zela pela regularidade das operações de
referendum e proclama os resultados.

 Órgão jurisdicional especial: Ocorre quando a fiscalização da


constitucionalidade das leis é atribuída a um Tribunal especial criado
para o efeito, funcionando não apenas como tribunal de recurso
quando tais questões hajam sido suscitadas nos processos que
correm perante os restantes tribunais (fiscalização concreta) mas
procedendo também à fiscalização abstracta da constitucionalidade.

“Este tipo comporta uma grande variedade de subtipos: o órgão


competente para a fiscalização tanto pode ser um órgão competente
para a fiscalização ordinária (ex. Tribunal Supremo) ou um órgão
especialmente criado para o efeito (ex. um Tribunal Constitucional)6”.

É o chamado sistema concentrado de fiscalização da constituição que


tem como vantagens, salvaguardar a impreparação e transformação
dos tribunais comuns em órgãos políticos quando em sede de uma
questão jurídico -constitucional.

6 José Joaquim Gomes Canotilho, Direito Constitucional, ED Almedina, 1989, p 703

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Curso de Ciências Jurídicas – Direito do Constitucional II – Semestre 2 NC
No sistema português de fiscalização da constitucionalidade, ao
Tribunal Constitucional para além de lhe competir igualmente a
fiscalização da compatibilidade das normas constante do acto legislativo,
cabem também importantes funções como supremo tribunal em matéria
eleitoral e como órgão de controlo da constitucionalidade e legalidade
dos referendos nacionais e locais. É ainda ao Tribunal Constitucional
que compete igualmente, por exemplo, verificar a perda do cargo ou
declarar a impossibilidade física permanente do Presidente da
República, bem como proceder ao registo e à extinção do partidos
políticos, verificar as suas contas e julgar as acções de impugnação das
respectivas eleições internas ou das deliberações dos seus órgãos.

 Órgão jurisdicional comum: Ocorre quando a Lei Mãe permite


que todo e qualquer tribunal (judiciais, administrativos, militares, etc.) à
título incidental, nos feitos submetidos a julgamento se recusem a
aplicar normas que infrinjam o disposto da Constituição ou os
princípios nela consignados, com fundamento na sua
inconstitucionalidade.

É o chamado sistema difuso ou americano de fiscalização da


constituição.

Nos EUA a competência para fiscalizar a constitucionalidade das leis é


reconhecida a qualquer juiz federal, quando chamado a fazer a
aplicação de uma determinada lei aprovada pelo Congresso a um caso
concreto submetido a apreciação judicial.

Em Moçambique a fiscalização da constitucionalidade reúne


características próprias dos sistemas de fiscalização difuso e dos
sistemas de fiscalização concentrado pelo facto de apesar da existência
do Conselho Constitucional com competências para proceder a
fiscalização abstracta preventiva e sucessiva dos actos legislativos e
normativos dos órgãos do Estado. Por exemplo, se percorrermos as
duas últimas constituições a de 1990 e a de 2004 podem encontrar
articulados que melhor podem elucidar os vários tipos de fiscalização na
nossa jurisdição interna. Ao abrigo do preceituado no artigo 162 da
Constituição da República de 1990 e artigo 214 da Constituição da
República de 2004, todos os tribunais constituírem verdadeiros órgãos

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Curso de Ciências Jurídicas – Direito do Constitucional II – Semestre 2 NC
da justiça constitucional já que podem recusar-se a aplicar normas ou
princípios que ofendam a Constituição da República.

Para além da fiscalização da compatibilidade das normas e dos


princípios com a Constituição da República, ao Conselho cabe dirimir
conflitos de competência entre os órgãos de soberania; pronunciar-se
sobre a legalidade dos referendos; supervisar o processo eleitoral;
verificar os requisitos legais exigidos para as candidaturas a Presidente
da República; apreciar em última instancia as reclamações eleitorais e
validar os resultados eleitorais nos termos da lei.

Ao Presidente da República, Presidente da Assembleia da República,


Primeiro-ministro e ao Procurador-geral da República, é-lhes atribuído
ao abrigo do artigo 183 da CRM de 1990 e o nº 2 do artigo 245 da CRM
de 2004, a competência para solicitar a declaração de
inconstitucionalidade ou de ilegalidade de um acto legislativo ao
Conselho Constitucional, não sendo as suas deliberações passíveis de
recurso.

Na CRM de 1990 desconhecia-se o modo de composição,


funcionamento, organização e o processo de fiscalização e controle da
constitucionalidade e legalidade dos actos normativos, em virtude de na
altura não terem sido fixadas pela Assembleia da República, tal como
lhe competia ao abrigo do preceituado no artigo 184 da CRM. Mas já na
CRM de 2004 esse preceituado ganha corpo no artigo 242.

1.3. Modo de fiscalização da constitucionalidade

A fiscalização da constitucionalidade dos actos legislativos e normas e


realizada por três diferentes modos.

O primeiro é a fiscalização abstracta preventiva 7 , isto é, quando


efectuada antes mesmo de os diplomas normativos serem publicados e
entrarem em vigor.

Na Alemanha os tribunais comuns quando considerem uma lei de


inconstitucional de cuja validade dependa a sua decisão, devera

7 Artigo 181nº1 alínea a) da CRM de 1990 e na CRM de 2004 se prevê no artigo 244, nº 1 alínea a).

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suspender o processo e pedir a sua apreciação pelo Tribunal
Constitucional.

O segundo modo de controlo da constitucionalidade é o da fiscalização


abstracta sucessivas, levada a cabo independentemente de qualquer
aplicação, num caso ou litígio concreto, da norma objecto de apreciação.

O terceiro processo, o corre quando os tribunais em sede do controlo


difuso ao abrigo do artigo 162 da CRM de 1990, recusam-se aplicar
uma determinada norma ao caso concreto com fundamento na sua
inconstitucionalidade (art. 2014 da CRM de 2004)

No caso da Alemanha não se pode dizer que haja aqui a admissão de


um verdadeiro processo de fiscalização concreta da constitucionalidade
pelos tribunais ordinários, porque, ao contrário do previsto no sistema
moçambicano, os mesmos tribunais não podem decidir sozinhos da não
aplicação da norma que entendam como inconstitucional.

A nossa Constituição da República de 1990 e de 2004, não estabelece


o trânsito do controlo difuso para o controlo concentrado (Conselho
Constitucional) pois, a recusa de aplicação de uma norma com
fundamento na sua constitucionalidade devia ser precedida de
julgamento e declaração de inconstitucionalidade pelo órgão
competente.

Aparentemente esta questão poderia ser resolvida enquadrando as


decisões dos tribunais ao abrigo do artigo 181 nº1 alínea a) da CRM
1990 e 244, nº 1 alínea a) da CRM de 2004 quando estabelece que o
Conselho constitucional declara a inconstitucionalidade e ilegalidade
dos actos legislativos e normativos.

Ora para nós nos parece claro que as decisões dos tribunais não são
actos normativos muito menos actos legislativos.

Tal como estabelecia o artigo 162 nº3 da CRM de 1990 e no artigo 214
da CRM de 2004, em que se preconiza que as decisões dos tribunais
tem por objecto penalizar as violações da legalidade, e não normar ou
legislar, atribuições essas exclusivas do poder legislativo e executivo8.

8Artigos 131, 133, 135, 141, 153 e 157 da CRM de 1990, hoje incorporados nos artigos 158, 169, nº 1,
179, 182, 204 e 210, todos da CRM de 2004.

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Esta lacuna tem como consequências a não uniformização da
jurisprudência e a não fixação de força obrigatória geral com a mesma
eficácia e os mesmos efeitos das decisões proferidas em processo de
fiscalização abstracta preventiva e sucessiva, das decisões tomadas em
sede do controlo difuso.

O incumprimento da Constituição, também pode ser examinado por


carência das medidas legislativas necessárias para a sua execução
fiscalização da inconstitucionalidade por omissão9.

Trata-se de uma omissão legislativa inconstitucional derivada do não


cumprimento de imposições constitucionais permanentes e concretas.

A acção por omissão é muitas vezes usada para contornar a omissão


do legislador.

1.4. Modo de controlo da Constituição

 Controlo por via incidental 10 : A inconstitucionalidade do acto


normativo só pode ser invocada no decurso de uma acção submetida
a apreciação dos tribunais.

A questão da inconstitucionalidade é levantada, por via de incidente,


por ocasião e no decurso de um processo comum (civil, penal,
administrativo ou outro), e é discutida na medida em que seja relevante
para a solução do caso concreto.

 Controlo por via principal11: As questões da inconstitucionalidade


podem ser levantadas a título principal, mediante processo
constitucional autónomo. Neste tipo é consentido a certos cidadãos ou
a certas e determinadas entidades a impugnação de uma lei
inconstitucional, independente da existência de qualquer controvérsia.

9 Exemplo a lei que atribui vantagens a igreja católica e não atribui as restantes confissões religiosas.
Esta lei é inconstitucional na parte onde não atribui direitos as restantes confissões religiosas por
omissão
10 Na Constituição moçambicana de 1990 ocorria ao abrigo do artigo 162 ao permitir que os tribunais

constantes do artigo 167, na apreciação de um caso concreto, podiam recusar-se a aplicar uma norma
com fundamento na sua inconstitucionalidade. O que se verifica hoje na conjugação dos artigos 214 e
223 da CRM de 2004.
11 Na ordem jurídica moçambicana ocorre quando as figuras previstas no artigo 183 da CRM de 1990,

solicitam ao Conselho Constitucional que aprecie e declare preventiva ou sucessivamente a


inconstitucionalidade e a ilegalidade dos actos legislativos e normativos dos órgãos do Estado ao
abrigo do artigo 180 nº1 alínea a), o que vem previsto nos artigos 244 e 245 da CRM de 2004.

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 Controlo abstracto 12
: O controlo abstracto significa que a
impugnação da constitucionalidade de uma lei é feita
independentemente de qualquer litígio concreto. O controlo abstracto
de normas não é um processo contraditório de partes; é sim um
processo que visa sobretudo a defesa da Constituição e da legalidade
democrática através da eliminação de actos normativos contrários à
Constituição.

 Controlo concreto 13 : O controlo concreto é também chamado


«acção judicial».

Trata-se aqui de dar operatividade prática à ideia da judicial review


americana: qualquer tribunal que tem de decidir um caso concreto está
obrigado, em virtude da sua vinculação pela constituição, a fiscalizar se
as normas jurídicas aplicáveis ao caso são ou não validas14”.

Quanto a legitimidade para solicitar a impugnação da


constitucionalidade pode ser universal quando qualquer pessoa goza de
poderes para suscitar, ou ex. officio quando reservadas as pessoas com
legitimidade processual ou a determinados órgãos previamente
definidos, como seja por exemplo o Presidente da República,
Presidente da AR, Primeiro-ministro e o Procurador-geral da República,
abrigo do artigo 183 da CRM de 1990 e 245 n 2º da CRM de 2004.

1.5. Efeitos da declaração da inconstitucionalidade

A questão dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade é apenas


relevante nas decisões de inconstitucionalidade proferidas em
fiscalização abstracta sucessiva.

“É que por definição, o problema não se levanta na fiscalização


preventiva nem na fiscalização da inconstitucionalidade por omissão.
Quanto à fiscalização concreta, o juízo de inconstitucionalidade
repercute-se somente no caso dos autos e, nos termos da Constituição
e da lei, o tribunal não dispõe ai de competência para restringir os

12 Esta relacionado com o controlo concentrado e principal exercido pelo Conselho Constitucional ao
abrigo do artigo 180 n. º 1 alínea a) da CRM de 1990 e o artigo 244 da CRM de 2004.
13 Está associado ao controlo jurisdicional difuso e incidental que era exercido ao abrigo do artigo 162

da CRM de 1990 e o que preconiza o artigo 214 da CRM de 2004.


14 José Joaquim Gomes Canotilho, Direito Constitucional, ED Almedina, 1989, pp 705 e 706

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efeitos da sua decisão, na verdade, é principio geral que, nos efeitos
submetidos a julgamento, nenhum tribunal possa aplicar normas
inconstitucionais, pelo que se compreende que, uma vez julgada a
norma inconstitucional, a sua não aplicação ao caso concreto constitua
uma consequência automática e directa daquele juízo”15.

Eficácia erga omnes: ocorre quando a declaração de


inconstitucionalidade tem como efeitos a eliminação da norma jurídica
do ordenamento jurídico.

Inter partes: quando a eficácia do acto é posta em causa apenas entre


as partes em conflito em sede da fiscalização concreta.

Em Portugal quando essa norma em sede da fiscalização concreta por


três vezes não é aplicada com fundamento na sua inconstitucionalidade,
o Tribunal Constitucional em sede da fiscalização abstracta sucessiva,
tem a obrigação de se pronunciar com vista a uniformizar a
jurisprudência com força obrigatória geral.

Os efeitos podem ser ex nunc, no sentido de que os efeitos da


invalidade apenas vigoram para o futuro. Ex tunc quando os efeitos para
alem da aplicação para o futuro retroagem para os actos praticados
desde o primeiro momento.

Efeito repristinatório: “quando se trata de inconstitucionalidade


originária, a declaração de inconstitucionalidade produz efeitos desde a
entrada em vigor da norma declarada inconstitucional e determina a
repristinação das normas que ela, eventualmente haja revogado.

Tratando-se de inconstitucionalidade superveniente, a declaração só


produz efeitos desde a entrada em vigor na norma constitucional
infringida e, por isso nunca provoca a repristinação.

O efeito repristinatório diminui em muito os problemas derivados da


criação de vazios normativos como consequência das declarações de
inconstitucionalidade”16.

Inexistência: quando em virtude da gravidade do acto inconstitucional,


a norma em causa pura e simplesmente é considerada inexistente. É o

15 Luís Nunes de Almeida. O Sistema Português da Fiscalização da Constitucionalidade.


16 Luís Nunes de Almeida. O Sistema Português da Fiscalização da Constitucionalidade.

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caso de uma lei entrar em vigor sem que tenha sido promulgada pelo
Presidente da República, e publicada no Boletim da República17.

Anulação: quando a lei inconstitucional é revogada após ter entrado em


vigor, ressalvando-se ou não os efeitos por ela produzidos.

Ineficácia: quando o juiz ao abrigo do artigo 162 da CRM de 1990 não


atribuía eficácia a um determinada norma por entender ser inconstitucional
(artigo 214 da CRM de 2004).

1.6. A jurisdição constitucional de moçambicana

Moçambique é um país recentemente saído de um conflito armado,


envolvendo o Governo sob direcção do Partido FRELIMO (Frente de
Libertação de Moçambique) e a RENAMO (Resistência Nacional
Moçambicana) – que durou cerca de 16 anos, tendo terminado, em 1992,
com a assinatura do Acordo Geral de Paz.

Antes, o país viveu durante cerca de 500 anos, sob regime de colonização
portuguesa, que se fez sentir, essencialmente, na vida política, económica
e social dos moçambicanos.

Em 1975, com a conquista da independência nacional, o país dá início a


um processo de edificação de novas estruturas de ordem política, social e
económica, assente nos princípios revolucionários socialistas, processo
esse que, entretanto, é interrompido em 1990, com a promulgação da nova
Constituição, que consagra, como projecto, a construção dum Estado
assente em princípios democráticos e de direito do tipo ocidental.

Assim, são edificadas várias estruturas tendentes a assegurar o respeito


pela Constituição e pelo Estado de Direito Democrático, das quais se
destaca a figura do Chefe do Estado, enquanto garante da Constituição, os
Tribunais e o Conselho Constitucional, entidade especializada na matéria
da defesa e garantia da lei fundamental.

17 Artigo 124 da CRM de 1990 e artigo 163 nº 1 da CRM de 2004.

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Até a entrada em funcionamento do Conselho Constitucional, um longo
caminho é percorrido, visando a afirmação e consolidação do sistema de
fiscalização da constitucionalidade.

Na presente obra, propõe-se escalpelizar a evolução da jurisdição


constitucional moçambicana, suas metamorfoses, bem como determinar
em que medida o modelo de “policiamento” da Constituição vigente no
período colonial, transita para o modelo político revolucionário do tipo
socialista, que vigora de 1975 a 1990, assente na política de
“escangalhamento” da máquina estadual colonial.

O mesmo se indaga com relação a transição do Estado do tipo socialista


centralizado, para um Estado de Direito Democrático, descentralizado, cuja
preocupação assenta no estabelecimento de parâmetros de actuação da
democracia representativa, da economia de mercado e da garantia dos
direitos e liberdades fundamentais.

Neste percurso, descritivo, visa-se, acima de tudo, a compreensão do


modelo actual de controlo da Constituição, com recurso ao passado, tendo
como pressuposto que alguns dos institutos jurídicos do passado,
aparentemente transitam para épocas políticas distintas, sugerindo, assim,
a sua sobrevivência para além dos tempos.

Do ponto de vista político ideológico, a transversalidade dos referidos


institutos jurídicos não se apresenta como sendo pacífica e linear. Dai que
se considera pertinente a problematização dessas zonas de cruzamento
algo incestuosas.

Nesta perspectiva, pretende-se ainda com a presente obra dar um


contributo para uma visão global do sistema de fiscalização da
constitucionalidade moçambicano, trazendo deste modo, um subsídio para
o processo de edificação e consolidação do Estado de Direito e
Democrático moçambicano.

1.6.1. Modelos conceptuais de controlo da constituição

A supremacia da norma constitucional é conhecida desde o


constitucionalismo antigo.

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Existiu na civilização ateniense uma espécie de supremacia de uma dada
lei ou de um dado corpo de leis que, em terminologia moderna, poderemos
chamar de leis constitucionais ou fundamentais.

Na civilização ateniense, as normas jurídicas distinguiam-se em nómos e


pséfisma, o que, modernamente, corresponde às leis e aos decretos.

Na realidade, os nómoi, ou seja, as leis, tinham um carácter que, sob


certos aspectos, poderiam se aproximar ao das modernas leis
constitucionais, e isto não somente porque diziam respeito à organização
do Estado, mas, ainda, porque as modificações das leis vigentes não
podiam ser feitas a não ser através de um procedimento especial, com
características que, sem dúvida, podem trazer à mente do jurista
contemporâneo o procedimento de revisão constitucional.

Em relação aos pséfisma era princípio fundamental aquele segundo o qual


o decreto, qualquer que fosse o seu conteúdo, devia ser legal, seja na
forma, seja na substância, “isto é, devia, como seriamos tentados a dizer,
nós, juristas modernos, ser constitucional, ou seja, não podia estar em
contraste com os nómoi vigentes – com as leis constitucionais”18.

Na Idade Média, Platão e Aristóteles vinculam a concepção do direito


natural, configurando-o como norma superior, de derivação divina, na qual
todas as outras normas devem ser inspiradas.

Todo o acto que contrariasse o direito natural era declarado formalmente


nulo e não vinculatório, mesmo que tivesse sido proclamado pelo Papa ou
pelo Imperador.

Nas tribos africanas conhecem-se praticas sociais que indiciam a


supremacia dos usos e costumes, sujeitando as autoridades legislativas,
executiva e judicial, sob pena de as decisões contrárias não serem
obedecidas.19

Modernamente, as razões para a crescente afirmação dos sistemas de


controlo da Constituição são diversas, apontando-se de entre várias:

18 Moraes Alexandre, Jurisdição constitucional e os Tribunais constitucionais, São Paulo, 2000, p. 29 e


seguintes
19 Junod Henrique, Usos e Costumes bantos, Lourenço Marques, 1974. P 413 e seguintes

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 A incapacidade dos partidos políticos com assento no Parlamento


de eficazmente, representarem os interesses gerais do povo, em
benefício dos interesses económicos mais fortes, perigando, assim,
a sobrevivência do Estado;
 O crescente papel do poder executivo na definição do rumo da
sociedade sem a necessária legitimidade política e, em detrimento
do poder soberano do ramo legislativo;
 O desrespeito dos direitos fundamentais pelo regimes totalitários
que vigoraram na Europa, no inicio do século XX; etc.

Estes e outros factores, determinaram a necessidade de um mecanismo


de controlo das actividades dos demais órgãos do Estado, visando, em
última instância, assegurar o respeito e a supremacia dos direitos do
homem, ou por outra, o fortalecimento da democracia e do Estado de
Direito Democrático.

Biscaretti Di Ruffía, aponta-nos para esse sentido, ao afirmar que a


garantia mais concreta e eficaz das liberdades fundamentais e do Estado
de Direito, é aquela que veda a modificação da constituição pelo legislador
ordinário e consequente não aplicação das normas incompatíveis20.

Starck Christian reforça a ideia, afirmando que, se a Constituição é um


corpo de leis obrigatórias, será necessária a existência de mecanismo de
controlo de sua efectividade21.

O controlo visa, acima de tudo, a salvaguarda dos valores fundamentais


superiormente vincados em sede de uma lei formal ou materialmente 22
suprema às restantes formas de actuação dos poderes do Estado,
regulando a forma do Estado, de governo, o modo de aquisição e o
20
Di Ruffia Biscaretti, Introduzione al diritto constituzionale comparato. Milão : Giuffrè, 1988. p. 708
21
Starck, Christian, La légitimité de la justice constituzionale et le principe démocratique de majorité, In
Vários autores. Legitimidade e legitimação da justiça constitucional. Coimbra: Coimbra Editora. 1995. P
62.
22
Na Inglaterra não há lugar ainda hoje para a distinção formal entre leis constitucionais e leis
ordinárias. Sendo a Constituição inglesa costumeira, ela não deve nada à teorização decorrente das
Constituições escritas e formalizadas. Trata-se de uma constituição que pode ser compreendida
unicamente sob o ponto de vista material, é igualmente flexível sob ponto de vista estritamente jurídico.
Desde a “Gloriosa Revolução”, vigora o princípio da supremacia não da constituição, mas sim do
Parlamento. A constituição inglesa descansa sobre a soberania ilimitada do Parlamento.

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exercício do poder, o estabelecimento de seus órgãos, os limites de sua
actuação, os direitos fundamentais do homem e as respectivas garantias,
enfim, os aspectos conformadores relativos a existência, organização,
funcionamento do Estado e da sua relação com os particulares.

Na vertente dos regimes soviético – marxista, a necessidade da


efectivação da justiça constitucional tem por base garantir a concretização
das etapas a percorrer dentro do socialismo, até a meta final, o comunismo.

Nestes regimes, não se pretende, necessariamente, expor a superioridade


da Constituição no ordenamento, nem, graças a ela, assegurar certos
institutos decorrentes do regime consagrado contra desvios, ou prevenir
omissões de regulamentação legal, mas sim compenetrar a sociedade
política na construção do socialismo, rumo ao comunismo.

Os modelos de controlo da constitucionalidade são basicamente três, a


saber:

 Modelo de fiscalização judicial;


 Modelo de fiscalização jurisdicional concentrado, e;
 Modelo de fiscalização político.

O primeiro modelo consiste nos próprios tribunais assumirem a função


papel de controlo do poder legislativo e executivo.

Os dois últimos assentam em órgãos especiais na sequência do receio e


recusa dos tribunais em combaterem as arbitrariedades do poder político,
preferindo manter a sua posição passiva e tradicional de mero órgão de
protecção, repressão e de resolução de conflitos entre privados23.

1.6.1.1. Modelo judicial

O modelo judicial é inicialmente referenciado na doutrina e pratica inglesa,


no século XVII, pelo Lorde Edward Coke.

Apologista da supremacia da “common law/direito consuetudinário” sobre


as leis aprovadas pelo Parlamento, Lorde Edwarde Coke defendia que, em

23 Cappelleti Mauro, Tribunales Constitucionales Europeos y Derechos Fundamentales, In vários


autores, Edição Centro de Estudos Constitucionales

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caso de as leis do Parlamento contrastarem com as regras costumeiras, os
juízes deviam fazer prevalecer a common law.

A tese de Sir Edward Coke acabou esquecida, após a revolução de 1688


que proclamou a doutrina, ainda hoje praticada, da supremacia do
Parlamento mas, retomada pelos tribunais norte-americanos, no sentido de
invalidarem, face ao caso concreto, normas inconstitucionais.

A ideia dos tribunais exercerem o controlo difuso de constitucionalidade,


tanto em relação aos actos normativos federais, quanto em relação aos
actos normativos estaduais e municipais é firmada no célebre caso
Marbury v. Madison, em histórica decisão do Supremo Tribunal Federal
dos EUA, relatada pelo seu Chief Justice John Marshall.

Marbury havia sido nomeado, em 1801, nos termos da lei, para o cargo de
juiz da paz no Distrito de Columbia, pelo então Presidente da União John
Adams, que se encontrava nos últimos dias do seu mandato.

Ocorre, porém, que não houve tempo suficiente para que fosse dada a
posse ao já nomeado Marbury, antes que assumisse a presidência o
republicano Thomas Jeferson. Este, ao assumir o poder, determinou que o
seu Secretário de Estado, Madison, negasse posse a Marbury, que, por
sua vez, em virtude dessa ilegalidade, requereu ao Supremo Tribunal
Federal para que o Secretário de Estado Madison fosse obrigado a dar-lhe
posse.

Marschall, de forma hábil, tratou o caso pelo ângulo da competência


constitucional do Supremo Tribunal Federal, analisando a incompatibilidade
da Lei judiciária de 1789, que autorizava o Tribunal a expedir mandados
para remediar erros ilegais do Executivo, e a própria Constituição, que em
seu artigo III, Secção 2, disciplinava a competência originária do Tribunal.

Assim, apesar de o Supremo Tribunal Federal ter entendido ser ilegal a


conduta do Secretário de Estado Madison, deliberou, preliminar e
prejudicialmente, que carecia de competência para emitir o mandado
requerido, uma vez que as competências do Supremo Tribunal Federal
estariam taxativamente previstas pela Constituição, não podendo a Lei
Judiciária de 1789 amplia-las.

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Dessa forma, deixou de expedir o mandado judicial requerido, declarando-
se incompetente, firmando, assim, o princípio da supremacia da
constituição em face de qualquer lei ordinária, devendo os tribunais
anularem todas as leis em contradição com a norma fundamental, pois esta,
sendo a expressão da vontade popular, não deve nunca ser contrariada.

Esta decisão abre um importante precedente que, entretanto, é seguido


pelas demais instâncias do poder judicial americano, que passam a exercer,
de forma difusa, o poder de não aplicar leis em desacordo com a
Constituição, sendo o Supremo Tribunal a última instância para resolução
de tais conflitos.

A propósito, defende Alexander Hamilton que, a necessidade de um poder


independente que garanta a Constituição como norma fundamental, não
deve significar uma superioridade do judiciário sobre o legislativo. Somente,
supõe que o poder do povo é superior a ambos e que, sempre que a
vontade do legislador, traduzida nas suas leis, se oponha à do povo,
declarada na Constituição, os juízes devem obedecer a esta, não àquela,
pautando a sua decisão pela lei básica, não pelas leis ordinárias, passando,
assim, os juízes a serem os núncios da vontade popular.

No sistema norte-americano não existe a possibilidade de análise em


abstracto da inconstitucionalidade de uma lei ou acto normativo do poder
público, por meio de uma acção originária, com efeitos ”erga omnes”.

A própria jurisprudência entende que o Supremo Tribunal Federal não é


encarregado da protecção geral contra todas as más potenciais e
complicadas tarefas de Governo, sendo a função judicial limitada à
resolução de um litígio posto em juízo e, consequentemente, não deve
pronunciar-se abstractamente, quando não houver necessidade de um
arbitramento judicial entre as partes opostas.

Apontam-se ao controlo difuso as seguintes características:

 O dever de exercer o controlo de constitucionalidade ser comum


aos tribunais de todos os graus, em relação as leis federais,
estaduais e municipais;

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Curso de Ciências Jurídicas – Direito do Constitucional II – Semestre 2 NC

 O dever dos tribunais absterem-se de analisar uma questão


constitucional sem a presença de todos os juízes, em virtude da
pertinência da matéria;
 A prevalência do princípio da constitucionalidade das leis;
 A obrigação dos tribunais tomarem conhecimento de uma arguição
de inconstitucionalidade quando provenha de pessoas cujos direitos
tenham sido postos em causa;
 Proibição dos tribunais ingressarem na análise interpretativa de
conveniência e oportunidade da edição de uma determinada lei;
 Na dúvida dever prevalecer o princípio da presunção de
constitucionalidade, pois a discordância entre a Constituição e a
norma deve ser absolutamente clara;
 Interpretação da constitucionalidade de uma lei, tendo em conta os
fins a que a Constituição visa alcançar, etc.

A competência de recurso do Supremo Tribunal Federal dos Estados


Unidos da América compreende:

 A Decisão de tribunais federais que tenham declarado a


inconstitucionalidade de uma lei federal, desde que o Governo seja
parte no litígio;
 A Decisão de tribunais estaduais que tenham declarado a
inconstitucionalidade de uma lei federal;
 A Decisão de tribunais estaduais que tenham julgado válidas leis
estaduais contestadas em face da Constituição ou de leis federais;
 A Decisão de tribunais distritais federais especiais de três juízes;
 A Decisão dos tribunais de apelação federais e dos tribunais
estaduais de mais elevada instância, incluindo quando ocorre
conflito entre decisões de tribunais estaduais, ou entre tribunais
federal e estadual.

Negado o provimento ao recurso, a decisão do tribunal inferior, impugnada,


perante o Supremo Tribunal Federal, transforma-se em definitiva, devendo
ser cumprida pelas partes.

Entretanto, se o Supremo Tribunal Federal der provimento ao recurso


poderá reformar parcial ou totalmente a decisão ou, ainda, anula-la.

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Se o Supremo Tribunal Federal decidir pela reforma da decisão, vale como
última palavra sobre o assunto, pois, acabou por decidir o processo em
última instância, e essa decisão será obrigatória para as partes, cabendo
aos tribunais inferiores executa-las.

Se, porém, anulou a decisão, o caso será novamente remetido ao tribunal


inferior para que o reanalise, segundo o definido pelo Supremo Tribunal
Federal. Igualmente, o tribunal estará obrigado a cumprir essa decisão.

Caso haja incumprimento das decisões do Supremo Tribunal Federal pelos


tribunais inferiores, o processo poderá ser avocado e o próprio Tribunal
Supremo Federal dará a decisão final, ou, ainda, determinará que outro
tribunal inferior o faça. Além disso, poderá responsabilizar os juízes dos
tribunais inferiores por desacato24.

Entretanto, declarado inconstitucional um acto legislativo, este, é nulo para


todos os fins legais, é como se nunca tivesse existido e, por conseguinte,
não pode servir de fundamento para criar direitos e obrigações.

Todo este mecanismo funciona graças ao princípio do stares decisis que,


em nome da certeza, segurança jurídica e uniformização do Direito, impõe
aos tribunais e aos juízes inferiores a sua vinculação à decisão do
Supremo Tribunal que retire a força jurídica do acto normativo entretanto
considerado inconstitucional25.

Para Francisco Llorente, 26 esta actividade do Supremo Tribunal e dos


restantes tribunais dos EUA traduz a outra face do poder legislativo pois,
em sede do caso concreto, procede a invalidação de normas específicas, o
que, de certo modo, interfere com a actividade criativa do legislador. Este
órgão age muitas vezes como contra legislador, ou legislador negativo ou
seja, diz o direito e dá o direito.

24 De Moraes Alexandre, Jurisdição Constitucional e Tribunais Federais, Ed. São Paulo, Editora Atlas
S.A -2000; paginas 91 e seguintes.
25 Viera Óscar, Supremo Tribunal Federal, In Jurisprudência Política, Ed. Revista dos Tribunais, 1994 p
44
26 Lhorente Francisco, La Jurisdiccion Constitucional como Forma de Creacion de Derecho, In Revista
Espanola de Derecho Constitucional, Ed. Centro de Estúdios Constitucionales, Numero 22, 1988

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A interferência com a actividade criativa do legislador, ocorre, sobretudo,
quando a “Supreme Court”, em sede de apreciação de um recurso vindo de
um Tribunal Estadual ou Federal, manifesta uma opinião contrária ou
favorável à constante da sentença do tribunal ”a quo” e convida este a
reformular ou manter a sua sentença em conformidade com a lei
fundamental.

É justamente a opinião da Supreme Court de overrulung (anulação) ou


upholding (ratificação) que vai criar o direito, com efeitos erga omnes e,
gradualmente, caso a caso, invalidando as normas consideradas
inconstitucionais.

O exemplo mais eloquente da actividade correctiva da justiça constitucional


americana pode ser encontrado no caso Lochner v N.York, onde o
Supremo Tribunal decidiu pela inconstitucionalidade de uma lei do Estado
de N. York, que estabelecia um limite máximo de 10 horas de trabalho,
durante a semana, e 6, nos fins-de-semana, para os padeiros, por violação
do princípio constitucional de liberdade contratual constante da emenda 14
à Constituição Federal.

Esta decisão do Supremo Tribunal veio proibir a todos os Estados que


promulgassem actos legislativos contrários à vida, liberdade e propriedade
das pessoas sem o devido processo legal, não obstante criticada pelo juiz
Holmes, em voto vencido, como sendo um acto de verdadeira criação
legislativa, assente em princípios vagos e que não se encontram na
Constituição.

Uma outra decisão refere-se ao caso Reynolds v. Sim, onde os


requerentes de diversos distritos do Estado de Alabama vieram reclamar
da ausência de proporcionalidade entre os eleitores e o número de
mandatos a eleger para as Assembleias distritais, em violação ao princípio
constitucional da igualdade, constante da emenda XIV, uma vez que esta
distribuição vinha sendo realizada com base num censo de 1900, já
ultrapassado e totalmente incompatível com a configuração populacional
dos anos sessenta. Esta desproporcionalidade não atendia, sobretudo, ao
crescimento galopante da população nos grandes centros urbanos, em

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benefício das zonas rurais despovoadas pelo êxodo populacional para os
centros urbanos à busca de melhores condições de vida.

Determinou, então, o Supremo Tribunal que os Estados fizessem um


esforço honesto e em boa fé para organizar distritos eleitorais compatíveis
com as populações, de forma a garantir o principio de um homem um voto.

É importante notar que esta decisão, não se limitou apenas a impugnar


uma situação inconstitucional, como também a partir do princípio da
igualdade, determinou positivamente de que forma o sistema eleitoral
deveria comportar-se. Mais do que isso, conferiu a justiça federal a
competência para fiscalizar tais mudanças27.

Um outro acórdão de relevante importância é proferido no caso Coooper vs.


Aaron, onde o Governador do Estado do Arkansas contestava a aplicação
da sentença do Supremo Tribunal Federal no caso Brown vs. Board of.
Education, na qual se ordenava aos Estados o desmantelamento do
sistema de segregação existente nos estabelecimentos de ensino.

Completando a jurisprudência do Acórdão Marbury vs. Madison, o


Supremo Tribunal afirmou que, ao dizer o direito de acordo com as regras
do direito constitucional positivo, a sua interpretação da Constituição era
ela própria o direito supremo da União e, enquanto tal, gozava de
supremacia.

Esta decisão, para além de afirmar a supremacia da lei constitucional, veio,


também, consagrar a hierarquia normativa do sistema federal fundada na
“Supremacy Clause”, que obriga os Estados a submeterem-se ao exercício
regular das competências federais, ainda quando provenha do poder
judicial28.

A actividade correctiva exercida pelos tribunais americanos deve


obviamente ser inserida no contexto do exercício da função jurisdicional,
que resulta da interpretação conjugada da doutrina desenvolvida pelo juiz

27 Viera Óscar, Supremo Tribunal......obcit, pp. 61-69

28
Pereira Miguel, O Contributo da Função Jurisprudencial para a Integração Jurídico – Política dos EUA;
Ed., FDL Tese 1994/95 PP 19 e ss.

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Marshall e do artigo III secção II da Constituição, que limita a competência
dos Tribunais Federais na resolução de causas com natureza jurídica e
não política, pressupondo pois, a existência um litígio concreto entre duas
partes interessadas.

Mesmo naqueles casos em que os tribunais proferem decisões com


efeitos gerais ou quase legislativos, está claro que elas assentam num
caso concreto e em regras processuais que asseguram ao juiz os
princípios da legalidade, objectividade, imparcialidade e independência.

Se, ao dizer o direito, o juiz extravasar o caso concreto, esse exagero deve
ser visto com a finalidade de, em primeira linha, salvaguardar os interesses
particulares das partes envolvidas em conflito e, por outro lado, defender
as liberdades e direitos fundamentais protegidos pela Constituição no
âmbito da “Supremacy Clause”.

Consideramos este modelo como sendo dos mais eficazes, na medida em


que, por um lado, o princípio de freios e contra pesos permite que a
actividade correctiva do Supremo Tribunal se manifeste sem grandes
constrangimentos e, por outro lado, por constituir um meio adequado de
salvaguarda das liberdades e direitos fundamentais dos particulares, face
ao Estado.

1.6.1.2. Modelo jurisdicional concentrado

Até ao início do século XX, não existia qualquer modelo jurisdicional de


fiscalização da constitucionalidade, na Europa Continental.

Na Áustria, o Parlamento, por influência do direito público francês, assumia


uma posição de relativa supremacia, não cabendo, assim, qualquer outro
órgão estatal ou mesmo o judiciário questionar a respeito da legitimidade
dos actos do Parlamento.

Em Portugal, dezanove anos após a decisão histórica do Juiz Marshall no


caso Marbury v Madison, competia, ainda, ao poder legislativo velar pela
observância da Constituição e das leis, por si aprovadas.

A entrada em funcionamento, na Europa do modelo jurisdicional


concentrado só vai ter lugar nos anos XX, baseado na concepção de Hans

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Kelsen segundo a qual cabe à Constituição definir o processo através do
qual a lei inconstitucional deva ser anulada, bem como o órgão competente
para tanto.

Para tal, entende Kelsen que a fiscalização da constitucionalidade não


seria uma função própria do judiciário, constituindo, antes, uma espécie de
função constitucional autónoma ou, por outra, um puro trabalho de
interpretação constitucional centrado nos limites jurídico funcionais do
legislador que não toma por referência a trilogia clássica de separação de
poderes, particularmente no que se refere ao poder de fazer leis pelo
parlamento, não devendo, por isso, a função jurídica legislativa ser
exclusiva da assembleia política, se tomarmos em consideração que os
tribunais, por via do legislador negativo, anulam leis29.

Para o efeito, só um Tribunal Constitucional, autónomo, pode exercer essa


relevante função, contornando, deste modo, os potenciais conflitos que
possam advir de uma determinada lei ser desaplicada por um tribunal e
aplicada por outros, o que implicaria colocar em xeque a própria autoridade
da Constituição.

Segundo Kelsen, “.... Se todo o tribunal é competente para controlar a


constitucionalidade da lei a aplicar por ele a um caso concreto, em regra
ele apenas tem a faculdade de, quando considerar a lei como
inconstitucional, rejeitar a sua aplicação ao caso concreto, quer dizer,
anular a sua validade somente em relação ao caso concreto. A lei, porém,
permanece em vigor para todos os outros casos a que se refira e deve ser
aplicada a esses casos pelos tribunais, na medida em que estes não
afastem também a sua aplicação num caso concreto. Se o controle da
constitucionalidade das leis é reservado a um único tribunal, este pode
deter competência para anular a validade da lei reconhecida como
inconstitucional não só em relação a um caso concreto mas em relação a
todos os casos a que a lei se refira – quer dizer, para anular a lei como tal.

29 Neste sentido Pablo Tremps; Tribunal Constitucional y Poder Judicial; Ed. Centro de Estudos
Costitucionales, p. 6 e seguintes

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Até esse momento, porém, a lei é válida e deve ser aplicada por todos os
órgãos aplicadores do Direito30”

Entretanto, a concepção de Kelsen é criticada por Carl Shmitt que


considera o sistema de justiça constitucional incompatível com o regime
democrático, pelo facto de intrometer-se na actividade do poder legislativo.

Segundo Shimitt, as decisões políticas devem ficar no âmbito do legislativo


ou executivo.

Aos juízes, é incumbido julgar “sobre a base da lei” e não julgar a própria
lei; a não ser assim, diz Shimitt, estaríamos a entregar à “aristocracia de
toga” todo o poder político”. Para Shmitt, somente o Supremo Chefe da
Nação teria legitimidade para exercer a função de controlar a
constitucionalidade das leis.

Argumentos desta ordem, embora partilhados por democratas que


defendem a supremacia da lei, enquanto expressão maior da vontade geral,
tornaram-se extremamente frágeis após a ascensão do fascismo e do
nazismo na Europa – daí que, findos estes regimes acresceu-se aos
argumentos de Kelsen a necessidade de serem edificados sistemas
constitucionais capazes de assegurarem o respeito pelas liberdades
fundamentais31.

Em 1920, a Constituição austríaca instituiu o Tribunal Constitucional


competente para, de modo único e por via de acção directa, exercer a
fiscalização da constitucionalidade, excluindo-se deste processo os
tribunais ordinários.

Com a reforma constitucional de 1929, a par do controle abstracto das leis,


passa o modelo austríaco a admitir, igualmente, o controle concreto,
provocado no curso de uma demanda judicial, mas com a particularidade
deste controle concreto apenas ser suscitado pelo órgão jurisdicional
concentrado. Aos demais órgãos da magistratura ordinária não caberia

30
Kelsen, Hans. Teoria pura do direito. São Paulo: Martins Fontes, 1985. P 288-290.
31 Neste sentido Cappelletti, Jorge Miranda que inserem a função criativa da justiça constitucional no
âmbito da defesa dos direitos fundamentais, como resultado da crescente interpretação e aplicação
efectiva dos instrumentos jurídicos internacionais, cujo escopo é a dignidade da pessoa humana,
sobretudo quando são chamados a dar um sentido aos conceitos vagos contidos em tais documentos.

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mais do que aplicar a lei, ainda quando sobre ela pairassem dúvidas
quanto à compatibilidade com a Constituição.

Em 1975, é instituído um recurso constitucional direccionado ao Tribunal


Constitucional, permitindo, também, aos particulares, o direito de arguirem
a inconstitucionalidade das leis, que estivessem lesionando o exercício de
um direito.

O modelo austríaco é assimilado por outros países, especialmente


europeus, como sejam a Alemanha, Itália, Espanha, Turquia, Chipre,
Grécia e Bélgica e, com alguma excepção, Portugal.

Em Portugal, “o tema da fiscalização da constitucionalidade foi dos temas


fundamentais da revisão constitucional de 1981-1982, em virtude de a
prevista extinção do Conselho da Revolução obrigar a reponderar o
sistema e haver clara consciência de que o equilíbrio dos órgãos do poder
e o sentido das normas constitucionais iriam depender do modo como a
garantia viesse a ser estruturada e posta em acção. Em teoria, o legislador
da revisão gozava de uma grande margem de liberdade para escolher o
sistema que considerasse mais adequado (....) Na prática encontrava-se
condicionado (como não podia deixar de ser) pelo sistema vindo de 1976 e
pelos seus resultados. Não se regressou, pois, pura e simplesmente, ao
modelo da fiscalização difuso, nem se substituiu o Conselho da Revolução
por um novo órgão político. Entendeu-se que era altura de formar um
Tribunal Constitucional como órgão de contencioso de normas jurídicas
que receberia as competências do Conselho, da Comissão Constitucional e,
relativamente a actos respeitantes às regiões autónomas (segundo a Lei
número 15/79, de 19 de Maio, do Supremo Tribunal Administrativo”32.

A Constituição da República Portuguesa consagra o Tribunal


Constitucional como o Tribunal competente especificamente para
administrar a justiça constitucional.

É o órgão de cúpula, em razão da competência de recurso de que dispõe


relativamente às decisões de outros tribunais, incluindo o Supremo
Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Administrativo.

32 Miranda, Jorge. Controlo da Constitucionalidade e Direitos Fundamentais em Portugal. In: Vários


autores. La Jurisdiccion constitucional en iberoamerica. Madrid: Dykinson, 1997, p 862.

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Segundo José Manuel Cardoso, a Constituição “não o trata simplesmente
como uma outra ordem de jurisdição, ao lado ou em paralelo com as
restantes, mas como um outro órgão de soberania, a par (ou além) dos
classicamente enunciados”33.

O Tribunal Constitucional português é, essencialmente, um órgão


jurisdicional de controlo normativo, tanto da constitucionalidade quanto da
legalidade do ordenamento jurídico.

Trata-se de um meio mais idóneo para assegurar o cumprimento do


programa constitucional. O Tribunal é o guardião da Constituição. O
Tribunal Constitucional controla, designadamente a actividade do legislador.
Para além de administrar a justiça em matérias de natureza jurídico –
constitucional, a Constituição da República, reserva-lhe outros importantes
temas de organização político constitucional de Portugal34.

O Tribunal Constitucional é composto por 13 juízes divididos em duas


secções não especializadas, e de igual hierarquia, cada qual constituída
pelo Presidente do Tribunal e por mais seis juízes.

A Constituição somente exige a competência plenária para efeito da


fiscalização abstracta da constitucionalidade e da legalidade, não sendo
possível o julgamento pelas secções do Tribunal Constitucional.

No exercício das suas funções, os juízes do Tribunal Constitucional gozam


de independência, inamovibilidade, imparcialidade e irresponsabilidade,
não podendo os seus membros serem responsabilizados por suas
decisões, salvo nos termos limites em que o são os juízes dos tribunais
judiciais.

Os membros do Tribunal Constitucional estão sujeitos às mesmas


incompatibilidades dos juízes dos demais tribunais. Assim, não podem,
durante o exercício de suas funções, desempenhar qualquer outra função
pública ou privada, salvo as funções docentes ou de investigação científica
de natureza jurídica, não remuneradas, nos termos da lei.

33 Costa, José Manuel Moreira Cardoso da. A Jurisdição Constitucional em Portugal. Ed. Coimbra
Editora, 1992. P. 19
34 Neste sentido Nadais António, Vitorino António, Canas Vitalino, Lei sobre Organização,
Funcionamento e processo do tribunal constitucional. Lisboa: AAFDL, 1984

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As principais competências do Tribunal Constitucional residem no controlo
abstracto preventivo, sucessivo e concreto da constitucionalidade das leis e
dos actos normativos do poder político, a fiscalização da
inconstitucionalidade por omissão; a protecção dos direitos e liberdades
fundamentais; controle das regras da democracia representativa (eleições)
e participativa (referendo e plebiscitos), controle do correcto funcionamento
dos poderes públicos e da regularidade no exercício de suas competências
constitucionais.

A fiscalização preventiva da constitucionalidade ocorre após a aprovação


do diploma legislativo pelo órgão competente e antes da promulgação e
mandada publicar pelo Presidente da República ou pelos Ministros da
República.

As entidades com legitimidade activa, nomeadamente o Presidente da


República, Ministros da República, Primeiro-ministro e 1/5 deputados da
Assembleia da República, solicitam ao Tribunal Constitucional a arguição
de inconstitucionalidade, no prazo de oito dias contados a partir da data de
recepção do diploma para promulgação ou assinatura, no caso do
Presidente da República ou dos Ministros, ou da data em que o Presidente
da Assembleia da República der conhecimento ao Primeiro-ministro e aos
grupos parlamentares do envio do diploma legal ao Presidente da
República para que o promulgue como lei.

Entretanto, a iniciativa não preclude o veto político: no caso de o Tribunal


Constitucional não se pronunciar pela inconstitucionalidade tanto o
Presidente da República como o Ministro da República podem exerce-lo,
solicitando nova apreciação pela Assembleia respectiva ou comunicando-o
ao Governo conforme os casos.

Pelo contrário, o exercício do veto político preclude a iniciativa de


fiscalização preventiva – pretende-se evitar que o Tribunal Constitucional
seja arrastado para o debate político emergente do veto.

Se o Tribunal Constitucional se pronunciar pela inconstitucionalidade de


norma constante de um diploma legal, deverá o diploma ser vetado pelo
Presidente da República ou pelo Ministro da República, conforme os casos,
e devolvido ao órgão que a tiver aprovado. A Assembleia da República

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poderá afastar a declaração preventiva de inconstitucionalidade por maioria
de 2/3 dos deputados presentes, desde que superior à maioria absoluta
dos deputados em efectividade de funções.

Entretanto, nada obsta a que o mesmo diploma possa ser questionado em


sede da fiscalização abstracta sucessiva.

O Tribunal Constitucional, em parceria com os demais tribunais, exerce a


guarda da Constituição por meio da fiscalização abstracta sucessiva das
leis e dos actos normativos35 editados pelo poder público.

Como ressaltam Canotilho e Moreira, “O Tribunal Constitucional não é o


único órgão de justiça constitucional, visto que a todos eles compete
apreciar e decidir questões de constitucionalidade, de acordo com o
sistema desconcentrado ou difusa da constitucionalidade adoptado pela
CRP”.36

Com efeito, nos termos da Constituição da República portuguesa, compete


ao Tribunal Constitucional, apreciar:

 A inconstitucionalidade de quaisquer normas;


 A ilegalidade de quaisquer normas constantes de acto legislativo
com fundamento em violação de lei com valor reforçado;
 A ilegalidade de quaisquer normas constantes de diploma regional,
com fundamento em violação do estatuto regional ou de lei geral da
República;
 A ilegalidade de quaisquer normas constantes de diploma emanado
dos órgãos de soberania com fundamento em violação dos direitos
de uma região consagrados em estatuto.

35 As emendas da Constituição, as normas introduzidas por revisão constitucional, os actos legislativos-


leis, decretos-leis, decretos legislativos regionais, actos normativos da Assembleia da República sem
forma de lei ou conexos com actos de fiscalização política, tais como resolução de autorização da
declaração de guerra, os decretos normativos do Presidente da República, os regimentos das
assembleias e dos demais órgãos colegiais do Estado, das regiões autónomas e do poder local, os
actos normativos da administração pública, os actos normativos da função jurisdicional, tais como os
assentos do STJ e do Tribunal de Contas, normas consuetudinárias, normas de direito estrangeiro
aplicáveis em Portugal.
36 Canotilho, J.J. Gomes; Moreira, Vital, Constituição da República portuguesa anotada. 3.ª Edição.
Coimbra: Coimbra Editora, 1991. P. 834

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Para além da legitimidade processual activa, o Presidente da República, o
Presidente da Assembleia da República, o Primeiro-ministro, o Procurador-
geral da República, 1/10 dos deputados da Assembleia da República,
tratando-se de violação dos direitos e do estatuto das regiões autónomas
ou da lei geral da República, têm competência para suscitar a acção de
inconstitucionalidade os Ministros da República, as assembleias
legislativas regionais, seus respectivos presidentes ou 1/10 dos deputados
locais e os presidentes dos governos regionais.

A legitimidade processual passiva é atribuída ao órgão que editou ou


aprovou a norma impugnada.

O pedido de apreciação da constitucionalidade ou da legalidade das


normas jurídicas pode ser apresentado a qualquer tempo, devendo ser
endereçado ao Presidente do Tribunal Constitucional, especificando as
normas cuja apreciação se requer e as normas ou princípios
constitucionais violados.

Admitido o pedido, não será possível a desistência.

Após a audição do autor da norma impugnada, o Tribunal Constitucional


delibera sobre a constitucionalidade da norma requerida com base numa
maioria simples, desde que presentes mais de metade dos membros da
plenária, não obstando que o faça nos termos de um fundamento diverso
daqueles cuja violação foi invocada.

Com relação a fiscalização concreta, consagra a Constituição portuguesa


que, “nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar
normas que infrinjam o disposto na Constituição”.

“Essa fiscalização consiste na apreciação da constitucionalidade e, sendo


o juízo positivo (sobre a existência de inconstitucionalidade) na
consequente não aplicação da norma (ou do segmento de norma) julgada
inconstitucional. A fiscalização dá-se nos feitos submetidos a julgamento,
nos processos em curso em tribunal, incidentalmente, não a título
principal.”37

37 Miranda Jorge, Controlo da Constitucionalidade....ob.cit

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À semelhança da judicial review, os tribunais, através da interpretação e
aplicação das leis ao caso concreto, desempenham uma função de
contrabalanço e limite dos poderes executivo e legislativo, face aos direitos
e liberdades fundamentais, afastando a aplicação ao caso concreto, as
normas em desconformidade com a Constituição da República.

Diversamente do modelo francês de garantia da Constituição, o modelo


português admite que as leis possam ser injustas, parciais ou elaboradas
por maus legisladores, determinando assim que os juízes, mais do que a
boca que limita-se a proferir as palavras da lei, questionem as normas
jurídicas, revogando aquelas que se mostrem em contradição com a lei
fundamental38.

Entretanto, a última palavra sobre a constitucionalidade da norma


impugnada pela jurisdição difusa será do Tribunal Constitucional que, em
sede de recurso de constitucionalidade, aprecia as decisões que:

 Recusem a aplicação de qualquer norma com fundamento na sua


inconstitucionalidade;
 Apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada
durante o processo;
 Apliquem norma anteriormente julgada inconstitucional ou ilegal
pelo próprio Tribunal Constitucional.

Igualmente, quanto as decisões dos tribunais que recusem a aplicação de


uma norma com fundamento na sua ilegalidade.

Nos processos de fiscalização concreta, poderão recorrer ao Tribunal


Constitucional o Ministério público e as pessoas legitimadas pela lei
processual, no prazo de oito dias, desde que esgotados os recursos
ordinários39.

38 Neste sentido, Piçarra Nuno, A separação dos poderes como doutrina e princípio constitucional;
Coimbra Editora, 1989, p. 202 e seguintes
39 Nos termos do artigo 70.º da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional não é admitido recurso para o
Tribunal Constitucional de decisões sujeitas a recurso ordinário obrigatório, nos termos da respectiva
lei processual. Se a decisão admitir recurso ordinário, a não interposição de recurso para o Tribunal
Constitucional não faz precludir o direito de interpo-lo de ulterior decisão que confirme a primeira.

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Curso de Ciências Jurídicas – Direito do Constitucional II – Semestre 2 NC
A interposição de recurso constitucional interrompe prazos para
interposição de outros eventuais recursos cabíveis, que somente poderão
ser interpostos após a decisão do tribunal.

Tal como na fiscalização abstracta, o Tribunal Constitucional somente


poderá julgar inconstitucional ou ilegal a norma que a decisão recorrida
tenha aplicado ou a que haja recusado aplicar, ou seja, estará sujeito ao
pedido incidental. No entanto, o Tribunal possui ampla liberdade para a
análise da inconstitucionalidade ou ilegalidade, podendo declara-las com
fundamentos diversos do arguido40.

A decisão do Tribunal Constitucional não abrange matéria de facto. Os


recursos são restritos à questão da constitucionalidade ou da legalidade de
normas aplicadas ou desaplicadas pelos tribunais recorridos.

O Tribunal Constitucional, mesmo dando provimento ao recurso, não


julgará o mérito do processo, substituindo a decisão dada por outro tribunal,
mas o enviará ao tribunal competente, para que o faça de acordo com a
interpretação constitucional ou legal fixada pelo tribunal, pois a ela somente
compete a decisão sobre a constitucionalidade ou legalidade41.

A Constituição admite a passagem da fiscalização concreta à fiscalização


abstracta, no caso de uma norma que já tenha sido por ele julgada
inconstitucional ou ilegal em três casos concretos, declarando-os
abstractamente inconstitucional ou ilegal, com força obrigatória geral. A
iniciativa pertence a qualquer dos juízes do Tribunal Constitucional ou do
Ministério Público42.

A Constituição da República portuguesa prevê, ainda, que o Tribunal


Constitucional, a pedido do Presidente da República, do Provedor de
Justiça e dos Presidentes das assembleias legislativas regionais, possa
declarar a inconstitucionalidade por omissão das medidas legislativas,
dando conhecimento dessa decisão ao órgão legislativo competente.

40 Costa, José Manuel Moreira Cardoso da, A Jurisdição.ob. cit. P.53.º


41 Miranda, Jorge, Manual.ob. cit. T. 2, p. 378;
42 Art. 82 da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional

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Curso de Ciências Jurídicas – Direito do Constitucional II – Semestre 2 NC
Na fiscalização abstracta sucessiva da constitucionalidade e da legalidade,
a declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade, tem força
obrigatória geral.

A norma inconstitucional é declarada nula, produzindo efeitos desde a sua


entrada em vigor. Além disso, determina a repristinação das normas que
ela, eventualmente, haja revogado.

Os efeitos da decisão de inconstitucionalidade não abrangem os casos


julgados, exceptuando as normas de âmbito penal, disciplinar ou ilícito de
mera ordenação social mais favorável ao arguido.

Os efeitos repristinatórios decorrem automaticamente da declaração de


inconstitucionalidade proferida pelo Tribunal Constitucional,
independentemente de referência expressa no acórdão.

Em certas circunstâncias, tais como a existência de razões de segurança


jurídica, de equidade ou de interesse público de excepcional relevo, o
Tribunal Constitucional poderá fixar efeitos de inconstitucionalidade ou da
ilegalidade com alcance mais restrito do que o alcance previsto em geral
pela Constituição.

Na fiscalização concreta da constitucionalidade e da legalidade, os efeitos


da declaração de inconstitucionalidade serão ex tunc, vinculando apenas
as partes e naquele determinado processo, nos termos previstos na Lei
Orgânica do Tribunal Constitucional.

Como ensina José Manuel Cardoso da Costa, essa declaração de


inconstitucionalidade, “tem, pois, o efeito de determinar em definitivo, em
função do juízo que recair sobre a constitucionalidade duma norma,
aplicação ou não dela ao caso (....). Assim sendo, as decisões em apreço
são unicamente obrigatórias no caso em que são proferidas, nelas não se
emitindo qualquer declaração genérica, com eficácia erga omnes, sobre a
validade da norma”,43 exceptuando do caso de uma norma que já tenha
sido julgada inconstitucional ou ilegal pelo Tribunal Constitucional, em três
casos concretos. Neste caso, a declaração de inconstitucionalidade ou

43 A Jurisdição.....ob. cit. p.57

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ilegalidade terá força obrigatória geral com a mesma força e eficácia das
decisões proferidas em sede do controlo abstracto de constitucionalidade.

No caso da inconstitucionalidade por omissão, o Tribunal Constitucional,


limita-se a dar conhecimento ao órgão legislativo competente, sem
qualquer outro efeito prático à decisão.

1.6.2. Modelo político

Este modelo integra mecanismos institucionais que realizam o controlo ou


a fiscalização da conformidade das normas com a Constituição por
intermédio de um órgão político comum ou especial.

1.6.2.1. Modelo político comum

Neste modelo, o controlo da conformidade das normas com a Constituição


é realizada pelo próprio Parlamento que aprova o acto inconstitucional, ou
por uma Câmara parlamentar específica.

Tem por base o pensamento dos filósofos democratas radicais do


iluminismo e do modelo de Estado de Direito Burguês, segundo o qual,
sendo a Assembleia Política um órgão soberano que, de forma justa e
racional, representa a vontade do povo, a razão dos seus actos nunca
deverá ser questionada por outros órgãos, dado que implicaria reconhecer
a existência de um poder acima da vontade geral do povo expressa por
intermédio das leis.

Este modelo vai vigorar em quase todos os países europeus no Século XIX
e, depois nas Constituições de matriz marxista-leninista, onde as
assembleias nacionais, na qualidade de órgãos representativos supremos
do povo eram chamadas a decidir sobre a conformidade das leis com a
Constituição.

No caso dos decretos aprovados pelo Conselho de Ministros, sendo ilegais


eram simplesmente anulados pela assembleia política44.

A antiga Jugoslávia, diferentemente do que sucedeu com a maioria dos


antigos países comunistas, enveredou pela criação de um Tribunal

44 É o caso de Cuba (artigo 73 alínea d) da Constituição; e da antiga União Soviética (artigo 121 nº7) da
Constituição.

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Constitucional que então decidia sobre a conformidade das leis provinciais
e federais com a Constituição.

Está subjacente nestes modelos de garantia das normas constitucionais e


ordinárias que o fim último não é, propriamente, a salvaguarda dos direitos
fundamentais como, aliás, sucede com os modelos ocidentais, mas sim a
manutenção de um determinado sistema político, de uma certa identidade
sócio cultural e das respectivas bases teoréticas, como sejam, a
democracia popular e a legalidade socialista.

O facto de esta actividade decorrer no âmbito do princípio da unicidade do


poder, coloca em causa o princípio segundo o qual a fiscalização da
Constituição é algo relacionado com a acção duns órgãos relativamente a
outros ou da actuação do poder contra o poder.

Para nós, não existe aqui fiscalização nenhuma mas sim, uma actividade
de controlo da conformidade das normas ordinárias com a lei fundamental,
pois não é de admitir que, qualquer que seja o órgão se fiscalize a si
próprio.

1.6.2.2. Modelo político especial

A tradição francesa assente na sacralização e concepção da lei como a


expressão máxima da vontade popular, em que o povo participa na sua
elaboração e, como tal, justa e insusceptível de ser questionada, aliada a
inoportunidade e desconfiança dos juízes questionarem os actos políticos,
constituíram obstáculos ao reconhecimento de um papel mais importante
do Conselho Constitucional na fiscalização da constitucionalidade das leis.

Sendo os actos do Parlamento de essência e majestade particulares,


justos e perfeitos, segundo a doutrina de Rousseou, o controlo da
constitucionalidade das leis tornava-se um mecanismo completamente
inócuo e desnecessário.

Só no início do século XX se começou a debater a questão do controle da


constitucionalidade das leis e, no conjunto, os seus defensores apontavam
todos para um sistema de controlo difuso levado a cabo pelos tribunais
comuns.

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Porém, o temor pelo questionamento de valores democráticos até então
conquistados face ao poder absoluto, nomeadamente, a soberania do
Parlamento, a sacralização da lei, a separação de poderes e o temor pelo
governo dos juízes, aparentava conviver mal com um sistema semelhante
ao da judicial review, do tipo norte-americano45.

Um controle da constitucionalidade das leis só veio a ser instituído mais


tarde, em 1946, com a criação do Comité Constitucional, órgão
eminentemente de natureza política.

Esse Comité era constituído pelo Presidente da República, pelo Presidente


da Assembleia Nacional, pelo Conselho da República e por sete membros
designados pela Assembleia Nacional, respeitando-se a representação
proporcional dos diversos grupos e, ainda por três membros designados
pelo Conselho da República, respeitando-se as mesmas condições.

A Constituição previa que em caso de incompatibilidade da lei com a


norma constitucional, aquela deveria ser devolvida à Assembleia Nacional
para nova deliberação e que, se o Parlamento mantivesse a aprovação, a
lei não poderia ser promulgada enquanto não houvesse alteração
constitucional adequada.

Ficava, assim, salvaguardada a soberania do Parlamento e, evitava-se a


inoportunidade dos juízes interferirem no poder legislativo.

Na senda do Comité Constitucional, em 1958 é instituído o Conselho


Constitucional, pelo título VII da Constituição, com o papel essencial de,
através da fiscalização preventiva dos actos legislativos, evitar um regime
de predomínio da vontade do Parlamento, defendendo assim, os interesses
do Governo, moldado, em boa parte, do modelo de Estado que Charles De
Gaulle sempre desejara para a França, encabeçado por uma magistratura
unipessoal à margem dos partidos e do Parlamento.

Entretanto, a partir da decisão 71-44 DC, de 16-7-1971, onde o Conselho


Constitucional reconhece o pleno valor constitucional ao preâmbulo da
Constituição, progride-se no sentido do pleno controlo preventivo de

45 Neste sentido, Beatriz Segorbe e Cláudia Trabuco, O Conselho Constitucional Francês; Editora
Quarteto; 2002; página 25 e seguintes.

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constitucionalidade das leis que desrespeitassem os direitos fundamentais
já lá consagrados, deixando a jurisdição constitucional de ter, como meta
primordial, o controle do Parlamento para consagrar-se como protectora
dos direitos fundamentais, tornando-se, assim, esta matéria a primeira e
mais importante função do controle da constitucionalidade das leis.

O Conselho Constitucional é constituído por nove membros escolhidos pelo


Executivo e pelo Parlamento46, além de todos os antigos Presidentes da
República, como membros natos e vitalícios, para um mandato de nove
anos para os membros não vitalícios, sendo vedada a recondução.

A Constituição francesa prevê uma espécie de controlo preventivo da


Constituição a ser realizado pelo Conselho Constitucional, ao estipular que,
se no decurso do procedimento legislativo, se perceber que uma proposta
ou uma emenda não é matéria de lei ou é contrária à delegação concedida,
poderá o Governo opor-se à sua tramitação e, em caso de conflito entre o
Governo e o Presidente da Câmara interessada, pronunciar-se-á o
Conselho Constitucional, a pedido de qualquer das partes, no prazo de oito.

Assim, permite o texto constitucional francês que o Conselho


Constitucional, provocado pelo Governo, ou pelo Presidente de qualquer
das Câmaras legislativas possa, no curso do processo legislativo, analisar
a constitucionalidade de uma proposta de lei ou de uma emenda.

A Constituição francesa prevê ainda que as leis orgânicas, antes de sua


promulgação, e os regulamentos das assembleias parlamentares, antes de
entrarem em vigor, a pedido do Presidente da República, do Primeiro-
ministro, dos Presidentes das Câmaras legislativas, de 60 deputados ou 60
senadores, serão submetidos ao Conselho Constitucional, que se
pronunciará sobre a sua conformidade com a Constituição.

Igualmente, se a pedido do Presidente da República, do Primeiro-ministro,


do Presidente de uma ou outra Câmara legislativa ou de 60 deputados ou
60 senadores, declarar, preventivamente, que um compromisso
internacional contém uma cláusula inconstitucional, o mesmo não poderá
ser ratificado ou aprovado enquanto não houver reforma da Constituição.

46 Três são escolhidos pelo Presidente da República, três pelo Presidente da Assembleia Nacional e
três pelo Presidente do Senado.

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Curso de Ciências Jurídicas – Direito do Constitucional II – Semestre 2 NC
O Conselho Constitucional possui outras competências de natureza política.

Compete-lhe o empêchement do Presidente da República, além de velar


pela regularidade da sucessão presidencial47.

A Constituição francesa prevê a necessidade de o Presidente da República


consultar o Conselho Constitucional, além do Primeiro-ministro e dos
Presidentes das assembleias, para instituir as medidas excepcionais no
caso de perigo grave e iminente para as instituições, a independência da
nação, a integridade do território, o cumprimento dos compromissos
internacionais ou, ainda, o regular funcionamento dos poderes públicos.

O Conselho Constitucional deve velar pela regularidade das eleições do


Presidente da República, examinando as impugnações e proclamando os
resultados da votação.

O Conselho Constitucional decide sobre a regularidade das eleições de


deputados e senadores, do referendo e da proclamação dos seus
resultados48.

O Conselho Constitucional decide ainda em última instância, sendo tais


decisões inapeláveis ”erga omnes”, obrigando a todos os poderes públicos
e todas as autoridades administrativas e judiciais, inclusive o próprio
Conselho Constitucional.

A decisão do Conselho Constitucional C.C 18L de 16 de Janeiro de 1962,


clarifica que a autoridade de caso julgado das suas decisões se verifica
não só em relação ao dispositivo mas também em relação aos motivos que
as sustêm e lhes servem de fundamento.

Os efeitos vinculantes somente são aplicados em relação ao dispositivo da


decisão e não em relação a sua motivação.

Grosso modo, as competências do Conselho Constitucional apontam para


a caracterização deste órgão como sendo de natureza política.

Aliam-se a estas competências:

47 Artigo 7.º
48 Moraes de Alexandre; Jurisdição.ob.cit; paginas 144 e seguintes

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Curso de Ciências Jurídicas – Direito do Constitucional II – Semestre 2 NC

 A estruturação dos poderes do Estado, tendo em atenção o


princípio da separação de poderes e da supremacia da lei;
 O posicionamento e relacionamento do Conselho Constitucional,
com os restantes órgãos de soberania, em particular com o poder
legislativo onde, aliás, se vislumbra a influência das decisões do
Conselho Constitucional;
 A inexistência de um mecanismo formal de interacção entre o
Conselho constitucional e a jurisdição ordinária, não obstante a sua
jurisprudência ser publicada para efeitos de integração na
actividade dos juízes49;
 A dignidade constitucional do Conselho, dos seus membros, da sua
estrutura e funções, que o protege dos poderes públicos que ele
mesmo controla e, para sua modificação, carecendo de uma
revisão constitucional, não acontecendo o mesmo com a jurisdição
ordinária que merece uma regulação infra constitucional;
 O alcance político das decisões do Conselho Constitucional, não
obstante o seu carácter jurisprudencial, não sucedendo o mesmo
com a jurisdição ordinária50;
 A designação política dos seus membros;
 A protecção dos direitos fundamentais em sede da fiscalização
preventiva dos actos da assembleia política;
 A inexistência do controlo difuso de constitucionalidade, ficando
impossível a tutela dos direitos fundamentais quando um dos
legitimados não impugna uma lei antes da sua promulgação,
deixando-a entrar em vigor, uma vez que não poderão os juízes
deixar de aplicar determinada lei ao caso concreto por entendê-la
incompatível com a Constituição.

A ausência das regras processuais do contraditório, da audição, e da


iniciativa processual pelas partes em litígio51, etc.

49 É de realçar a resistência dos tribunais franceses em aceitarem a jurisprudência do Conselho


Constitucional

50
Este fenómeno pode ser exemplificado pelo debate em volta da despenalização do aborto que
apesar de ser jurídica tem sempre repercussões políticas.

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Curso de Ciências Jurídicas – Direito do Constitucional II – Semestre 2 NC
Posição divergente encontramos em Mauro Cappelleti 52 , para quem o
Conselho Constitucional exerce uma função de natureza jurisdicional se
tomarmos em consideração a natureza vinculatória do parecer do Conseil
Constitucional que é, certamente, um parecer jurídico de
constitucionalidade e não uma mera avaliação de oportunidade política.

Junta-se a este argumento a actuação jurídica e jurisprudencial do


Conselho, no sentido da determinação do Direito aplicável mediante
critérios de racionalidade e objectividade jurídica, visando a salvaguarda
dos direitos e liberdades fundamentais constantes do Preâmbulo da
Declaração de 1789, a imparcialidade, independência orgânica e dos
titulares, etc.

1.6.3. A JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL MOÇAMBICANA

No Direito Constitucional moçambicano, a questão da fiscalização da


constitucionalidade pode ser vista em duas fases.

A primeira refere-se ao período da proclamação da independência até à


entrada em vigor da Constituição da República de 1990;

A segunda, da entrada em vigor da Constituição de 1990, incluindo a


revisão constitucional ocorrida em Novembro de 2004.

Em Junho de 1975, logo após a conquista da independência nacional, a


FRELIMO – Frente de Libertação de Moçambique, protagonista, com o
Governo português dos Acordos de Lusaka, dá início a um processo
revolucionário que culmina com o que, então, se designava por
“escangalhamento” do aparelho de Estado colonial assente em novos
valores de ordem política, económica e social, inspirados num regime
político do tipo leninista,53com realce para:

51 Este ponto concreto é contrariado por dois ex. Membros do Conselho Constitucional que entendem a
ausência do princípio do contraditório não é suficiente para afastar a sua natureza jurisdicional. Para
Waline e Luchaire o Conselho Constitucional é uma verdadeira jurisdição com poderes para determinar
e definir os termos em que a Constituição deve ser aplicada – sobre esta matéria tomam decisões
definitivas com carácter jurisprudencial e definitivo – é exemplo de uma jurisdição não contraditória.
52 Mauro Capelletti, obcit, p.30
53 Miranda Jorge, Ciência Política – Formas de Governo, Apontamentos das Lições do 1.º ano jurídico,
Lisboa, 1992.

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 O papel dirigente e impulsionador do Estado na economia nacional;


 A democracia popular, em que o exercício do poder político
concentra-se na Assembleia Popular, órgão de expressão máxima
da vontade popular;
 A orientação, direcção e supervisão dos órgãos estatais segundo a
linha política definida pela FRELIMO, força dirigente do Estado e da
sociedade, a fim de assegurar a conformidade da política do Estado
com os interesses do povo.

Cada um dos órgãos de soberania exercia funções próprias mas com uma
subordinação ao «partido dirigente», recebendo deste as devidas
orientações e directivas políticas ideológicas. Neste sentido, os tribunais
apresentavam, anualmente, um relatório à Assembleia do Povo do escalão
respectivo, sobre o trabalho judicial realizado54.

55
Face à nova ordem política, social e económica e a revogação
automática de toda legislação contraria ao Estado revolucionário, indaga-
se em que medida a política de “escangalhamento” da estrutura jurídica e
judicial colonial, terá afectado o modelo de fiscalização da
constitucionalidade das normas constante da Constituição portuguesa de
1933 ou, “repescado” pelo Estado novo.

Para o efeito, há que conhecer o modelo colonial de garantia da


Constituição e, posteriormente, buscar os pontos de
convergência/divergência com os modelos que emergiram pós a
independência nacional.

1.6.3.1. Período colonial

Até à proclamação da independência nacional, conhecem-se diversos


períodos de fiscalização da constitucionalidade das normas.

Para a presente obra interessa-nos, apenas, o período que decorre entre


1933 à 1974, por se encontrar nele o modelo de fiscalização da

54 Artigos 1 e 8 da Lei n.º 12/78, de 2 de Dezembro – Lei da Organização Judiciária


55 Nos termos do artigo 79.º da Constituição da República Popular de Moçambique “toda a legislação
anterior no que for contrário à Constituição fica automaticamente revogada. A legislação anterior no
que não for contrário à Constituição mantém-se em vigor até que seja modificada ou revogada.

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constitucionalidade que antecede à proclamação da independência
nacional de Moçambique.

O artigo 123.º da Constituição de 1933, estabelecia que “Nos feitos


submetidos a julgamento não podem os tribunais 56 aplicar normas que
infrinjam o disposto nesta Constituição ou ofendam os princípios nela
consignados, cabendo – lhes, para o efeito, apreciar a existência da
inconstitucionalidade, salvo se o seu conhecimento for da competência
exclusiva da Assembleia Nacional, nos termos do & 2.º deste artigo.

Este dispositivo constitucional, no seu parágrafo 2.º, afastava do


conhecimento dos tribunais a inconstitucionalidade orgânica ou formal da
regra de direito constante de diplomas promulgados pelo Presidente da
República ou de normas constantes de tratados ou outros actos
internacionais, devendo, apenas serem apreciadas pela Assembleia
Nacional, por sua iniciativa ou do Governo, determinando a mesma
Assembleia os efeitos da inconstitucionalidade, sem ofensa, porém, das
situações criadas pelos casos julgados.

Estabeleceu-se aqui um modelo de fiscalização judicial difusa, combinado


com elementos de fiscalização política.

No seguimento do preceituado no artigo 123.º da Constituição Portuguesa,


veio o artigo 199.º da Carta do Império Colonial de 1933, aprovado pelo
Decreto 23.228, de 15 de Novembro, estabelecer que, para o caso dos
tribunais situados nas colónias, não podiam aplicar leis e decretos ou
quaisquer outros diplomas que violassem o disposto na lei fundamental e
no Acto Colonial ou que ofendessem os princípios nelas consignados, tal
como na Carta Orgânica do Império eram interpretados.

O juiz, quando em face de uma norma em desconformidade com a lei


fundamental, suspendia a apreciação do caso concreto e fazia subir o
incidente de inconstitucionalidade para o Conselho Superior das Colónias,
para julgamento da questão específica da inconstitucionalidade para,
depois, descer ao tribunal a quo, que julgaria a causa principal, tendo em

56 Ao abrigo do & 1 do mesmo artigo, a fiscalização da constitucionalidade é concentrada em algum ou


alguns tribunais, conferindo às decisões desses tribunais força obrigatória geral.

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consideração a orientação do Conselho Superior das Colónias sobre a
questão prejudicial.

A Carta do Império Colonial retoma o & 2.º do artigo 123 da Constituição,


impondo no seu & 1.º do artigo 199.º, uma restrição a judicialidade da
fiscalização da constitucionalidade, ao atribuir competência exclusiva à
Assembleia Nacional, por iniciativa própria ou do Governo, a apreciação da
constitucionalidade das normas emanadas dos órgãos de soberania,
designadamente o Chefe de Estado, a Assembleia Nacional e o Governo.

Em 1953, é aprovada a Lei Orgânica do Ultramar 57 que, na sua base


LXVIII, Secção I do Capítulo VII, alarga a fiscalização jurisdicional da lei
fundamental para questões de natureza formal e orgânica, subindo os
incidentes para o Conselho do Ultramar, órgão criado em substituição do
Conselho Superior das Colónias.

Em 1963, retomam-se os princípios da Carta do Império de 1933,


passando a inconstitucionalidade orgânica e formal dos diplomas
promulgados pelo Presidente da República, Diplomas Ministeriais e
Portarias do Ministro do Ultramar a serem apreciadas e deliberadas pela
Assembleia Nacional, por sua iniciativa ou por iniciativa do Governo,
reservando-se ao Conselho Ultramarino o julgamento de
inconstitucionalidade material, mediante a subida, em separado, dos
incidentes.

Até a tomada da decisão sobre a questão incidental o tribunal a quo


suspendia a apreciação e julgamento da questão principal, conforme a
base LXVII, Secção I, Capítulo VII, da Lei Orgânica do Ultramar, publicada
pela portaria 19.92158, do Ministro do Ultramar, de 27 de Junho de 1963.

A base LVXI do Capítulo VIII da Lei Orgânica do Ultramar n.º 5/ 72, de 23


de Junho, mantém o sistema anterior, acrescentando que as decisões do
Conselho Ultramarino que declarem a inconstitucionalidade de qualquer
norma têm força obrigatória geral, preceituando ainda que as decisões
deste Conselho vigoram a partir da data da sua publicação conforme o n.º
3 da mesma base.

57 Decreto 2.066, de 27 de Junho de 1953, publicado no Boletim Oficial n.º 29, I Série, de 18 de Julho.
58 Boletim Oficial n.º 26, I Série, de 3 de Junho

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Resumindo, a fiscalização política repartia-se pela Assembleia Nacional e
pelo Conselho Ultramarino, competindo à Assembleia Nacional apreciar a
inconstitucionalidade orgânica ou formal dos diplomas legais promulgados
pelo Presidente da República ou de normas constantes de tratados ou
outros actos internacionais, determinando a mesma Assembleia os efeitos
da inconstitucionalidade, salvaguardando os casos julgados.

Tinham legitimidade para solicitar a fiscalização da constitucionalidade a


própria Assembleia e o Governo.

O Conselho Ultramarino, órgão mais alto de consulta do Ministro do


Ultramar em matéria de política e administração ultramarinas, competia
julgar, nos termos da lei, os incidentes de inconstitucionalidade orgânica ou
formal de diplomas emanados pelos governos provinciais.

No que se refere a fiscalização jurisdicional, a legislação ultramarina


tratava de atribuir ao tribunais a competência de, oficiosamente, não
aplicarem normas que violassem o disposto na Constituição, exceptuando-
se a inconstitucionalidade orgânica e formal de diplomas promulgados,
cujo conhecimento era reservado à Assembleia Nacional, cabendo ao
Conselho Ultramarino, abstractamente, aplicar ou desaplicar essas normas
jurídicas.

59
Segundo Jorge Miranda, decorriam da não aplicação das normas
inconstitucionais algumas consequências práticas, a saber:

 Não aplicação, pelo juiz, de leis ou diplomas, que entenda


inconstitucionais, como resultado da sua interpretação;
 Obrigação do juiz em averiguar os fundamentos da
inconstitucionalidade, ainda que o réu não o tenha feito em sede do
julgamento;
 Possibilidade do juiz conhecer da inconstitucionalidade, para além
do vício alegado pelas partes processuais;
 Indisponibilidade exclusiva da matéria garantistíca da Constituição,
em relação às partes processuais, etc.

59 Miranda Jorge, Contributo para uma Teoria da Inconstitucionalidade, Coimbra Editora, 1996, pp. 254
e 255.

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Sendo a norma contida no artigo 123.º da Constituição portuguesa
manifestamente objectiva e desprovida de natureza processual, indaga-se
sobre os mecanismos que suportavam a intervenção dos juízes na não
aplicação das normas inconstitucionais.

Quer nos parecer que essa actuação decorria do Direito Processual Civil,
sendo certo, porém que estes dois ramos de direito adjectivo não contêm
nenhuma referência expressa ao constitucionalismo processual.

Está-se aqui a referir as excepções dilatórias e peremptórias que, nos


termos dos artigos 494.º e 496.º, do Código Processual Civil obstam à
apreciação do mérito da acção ou que, servindo de causa impeditiva,
modificativa ou extintiva do direito invocado pelo autor, determinam a
improcedência total ou parcial do pedido. A par da actuação oficiosa do
tribunal, face ao artigo 123.º da Constituição portuguesa, estas excepções
são alegadas em sede da contestação, o que obriga o juiz a conhecê-las
antes de decidir sobre a questão de fundo.

Concordando com os fundamentos da inconstitucionalidade da norma, o


juiz declarava a inconstitucionalidade e pronunciava-se pela absolvição do
réu do pedido, transitando a sentença em caso julgado.

Segundo Jorge Miranda, «trata-se de uma questão prejudicial e não de um


mero incidente pois, perante uma questão de inconstitucionalidade, o juiz
coloca-se, não no direito processual, mas sim no Direito Constitucional;
saber se uma lei é constitucional ou inconstitucional é uma interrogação, a
que deve ser dada resposta através da norma da Constituição alegada
como infringida. Essa norma constitucional (norma garantida) conflui com
as normas processuais (normas de garantia); não são normas processuais
que confluam umas com as outras.

É uma questão prejudicial imprópria (estando nós agora a pensar nas


hipóteses, primárias e mais vulgares, de não ter sido lavrado assento do
Supremo Tribunal de Justiça). Tendo sido suscitada a questão da
inconstitucionalidade, ela, cumula-se com a questão objecto do processo,
e para julga-la é competente o próprio juiz junto do qual se faz arguição: o
juiz da causa. Não se devolve portanto, para qualquer outro processo ou
para qualquer tribunal. Sem embargo, não se confunde ou se dissolve na

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questão principal, visto que, para lá da autonomia emergente da atribuição
da competência, existe a autonomia de estrutura das questões prejudiciais,
a qual se verifica.

Não colide esta autonomia com a ausência de um processamento


separado da questão. A inconstitucionalidade levanta-se e insere-se no
processo, sem dar motivo a uma fase diferente, nela enxertada. O juiz
conhece incidenter tantum e em qualquer altura do processo»60. Exceptua
esta realidade o artigo 770.º do Código de Processo Civil, ao estabelecer o
recurso interposto por parte do Ministério Público para o tribunal pleno,
destinada unicamente a provocar assento sobre o conflito de
jurisprudência.

Nestes casos o tribunal pleno afastava-se da resolução de um litígio em


concreto, submergindo um processo autónomo de uniformização da
jurisprudência, onde a questão da inconstitucionalidade passava a ser uma
questão principal.

É previsível que as partes não aceitassem a decisão do juiz que


declarasse a constitucionalidade ou inconstitucionalidade da norma tida
por prejudicial.

Nestes casos proporcionava-se a via dos recursos estabelecidos nos


termos do Código de Processo Civil para a discussão da questão
prejudicial no Tribunal da Relação e no Supremo Tribunal de Justiça.

Têm interesse para a questão em discussão os recursos ordinários de


apelação, revista e para o tribunal pleno.

No recurso de apelação, a questão prejudicial de inconstitucionalidade ou


constitucionalidade da norma, só podia ser suscitada face a uma sentença
final ou de um despacho saneador proferido pelo tribunal de comarca que
tivesse conhecido do mérito da questão (artigo 691.º C.P.C), ignorando em
matéria de direito a conformidade ou desconformidade da norma aplicada
com a Constituição.

60 Contributo; ob. Cit. P. 258.º E seguintes

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Nos mesmos termos, recorria-se em sede do recurso de revista do
acórdão da relação que confirmava ou não confirmava a sentença, para o
Supremo Tribunal de Justiça (artigo 721.º C.P.C)

Aqui, a questão da constitucionalidade cabia perfeitamente no n.º 2 do


artigo 721.º do Código do Processo Civil quando o tribunal sentencia em
perfeito desacordo com a lei fundamental, interpretando ou aplicando uma
determinada norma em desconformidade com a Constituição.

No respeitante ao recurso para o pleno tribunal (artigo 763.º C.P.C), este


continuava agindo a luz de um processo, de uma instância ou de um litígio
concreto não completamente sanado, querendo com isto significar que,
muito embora os seus efeitos perdurassem para além do caso concreto
(assento), a sua natureza mantinha-se a mesma, ou por outra, como
recurso ordinário de natureza prejudicial, perfeitamente a par dos termos
do recurso da apelação e de revista.

A intervenção ex officio é algo excessivamente activa do juiz em matéria


de garantia da Constituição, parece contrariar a natureza privatista do
direito adjectivo, pois que, neste, predomina o princípio do pedido, ou por
outra, ser às partes a quem cabe dar o início e o impulso processual
devido.

Quanto a nós, a apreciação de inconstitucionalidade é independente de


uma concepção de processo, seja qual for, privatista ou publicita. Trata-se
na verdade de uma jurisdição objectiva que ultrapassa largamente os
interesses privados e cuida de assegurar a conformidade dos actos jurídico
público e privado com a letra e espírito das normas conformadoras
fundamentais, a Constituição.

1.6.3.2. O Controlo da constitucionalidade na vigência da


constituição de 1975

Uma visão rápida e simplista da Constituição da República Popular de


Moçambique pode conduzir-nos ao entendimento de que o modelo de
Estado do tipo socialista, 61 não acentua, com firmeza, o princípio da

61A Constituição moçambicana é susceptível de enquadramento no modelo constitucional de Estado


socialista, cuja ideia básica, reside na conformação do Estado aos princípios de índole socialista. A sua

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superioridade formal e material da norma constitucional, acarretando, no
62
âmbito da inconstitucionalidade, uma aparente inoperacionalidade
sancionatória das normas legais ou regulamentares que surjam
desconformes com a Constituição.

A aparente indefinição de um sistema de garantia e de sancionamento das


normas inconstitucionais é, de todo compreensível, se tivermos em linha
de conta que Moçambique, logo após a conquista da independência
nacional, assumiu, como questão primordial da sua agenda política, a
eliminação do sistema político, económico e social colonial, então vigente,
e a edificação de novas regras de convivência que assegurassem a
criação das bases materiais, políticas e ideológicas para a construção do
Estado do tipo socialista63. (artigo 4.º da lei n.º 1/77, de 1 de Setembro).

Deste modo, toda a legislação contrária à Constituição ficou


automaticamente revogada, mantendo-se em vigor o que não fosse

força normativa traduz-se na pretensão de servir de programa de transformações económicas, sociais


e culturais através do Estado.
62 V.d. Miranda, J., Notas para uma Introdução ao Direito constitucional comparado, Lisboa, 1970,

pag.71.
63
Os idealistas da construção do Estado do tipo socialista tinham a convicção de que a
causa de todo o mal numa sociedade do tipo ocidental estava na sociedade do
antagonismo das classes sociais, devendo por esse facto serem suprimidas as classes
sociais, proibindo a apropriação privada dos bens de produção e, pondo estes bens à
disposição da colectividade, que os exploraria no interesse de todos.
Nessa altura, seria estabelecida uma sociedade fraternal, liberta das contradições
antagónicas da sociedade política do tipo ocidental, passando a vigorar uma sociedade do
tipo comunista dominada pela concórdia. Cada um trabalharia para a comunidade
segundo as suas possibilidades, e dela receberia em proporção das suas necessidades. Na
sociedade comunista toda a violência seria inútil: Estado e Direito se tornariam inúteis e
desapareceriam.
A passagem à nova sociedade, sem Estado nem Direito, representariam um novo salto
dialéctico, inverso ao primeiro que observamos na história da humanidade. O homem
seria de novo livre, senhor de si, orientando-se por meras regras morais, de costumes, etc.
A expressão da justiça residiria na observação do interesse geral.
Visando atingir o estágio primário da vivência social, numa primeira fase a lei, no sentido
lato do termo, seria a fonte ou o veículo principal da ideologia marxista-leninista
identificada com a vontade dos dirigentes ansiosos de rápidas transformações
revolucionárias.
A interpretação e aplicação da lei não teria propriamente por base a Constituição, pois
que, esta seria também mais um instrumento de materialização da vontade política
exprimida pelos dirigentes revolucionários de forma imperativa, residindo aí os princípios
da vinculação dos órgãos e actos do Estado e dos particulares. Qualquer interpretação da
lei deveria ser feita em conformidade com os ditames da doutrina marxista, enquanto guia
da actividade dos agentes do Estado, incluindo os juízes.
Sendo as leis escassas, o juiz devia procurar a solução do litígio nos princípios do marxismo
– leninismo.

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contrário ao espírito revolucionário plasmado na então lei fundamental
(artigo 79.º da Constituição).

Tratava-se de uma Constituição que, acima de tudo, propunha-se reflectir


sobre o processo histórico, em termos de balanço das etapas percorridas
na trajectória revolucionária que conduziu à independência nacional,
incorporando os valores político-jurídicos objectivados ao longo da luta de
libertação nacional, maxime, nas zonas libertadas, e traçando um
programa de transformações revolucionárias para as etapas seguintes a
percorrer rumo ao socialismo.64

Assim, o seu cumprimento não se fundaria apenas na juridicidade das


suas normas, mas também no facto delas se adequarem aos fins
revolucionários que presidem à nova ideia de direito, onde a prática do
funcionamento das instituições do Estado e a prática democrática dos
cidadãos impõem novas definições e desenvolvimentos que, em princípio,
se vão traduzir numa ruptura com o regime político colonial, incluindo tudo
aquilo que diz respeito aos mecanismos de garantia da Constituição65.

64
V.d. o preâmbulo da Lei nº11/78, de 15 de Agosto, onde se diz: “A” Constituição, lei
fundamental da República popular de Moçambique, consagra as principais conquistas da
nossa revolução, ao mesmo tempo que define os objectivos a alcançar pelo povo
Moçambicano. Como programa que é, a Constituição deve acompanhar o avanço do
processo da edificação da nova sociedade. O povo moçambicano dirigido pela FRELIMO,
seu partido de vanguarda, é o agente principal de transformação da nossa sociedade na
construção da base material e ideológica para a passagem ao socialismo.
65
Se atentarmos ao preâmbulo da Lei da Organização Judiciária (Lei n.º 12/78, de 2 de Dezembro),
veremos que a vontade política de descontinuidade é evidente e inequívoca.
Nessa lei, estabelece o legislador de então que, abolir a injustiça inerente ao sistema colonial e
estabelecer a justiça que sirva os interesses e as aspirações das largas massas do Povo
moçambicano, foi sempre objectivo fundamental do combate libertador que, a quando do
desenvolvimento da guerra popular revolucionária de libertação nacional, várias estruturas de opressão
colonial como os administradores e os régulos, foram eliminadas, criando-se em sua substituição um
sistema de aplicação da justiça profundamente ligado ao modo de vida, às aspirações das massas e às
exigências da própria luta.
A aplicação da justiça baseava-se na linha política da FRELIMO e no estudo das tradições sociais
locais. O trabalho político junto das massas constituía o factor fundamental que, através da múltipla
diversidade dos costumes locais, abria caminho à unidade nacional, num esforço de uniformização das
medidas tomadas em todas regiões libertadas.
Diz ainda o legislador que, após a proclamação da independência, o avanço da revolução, com a
destruição do aparelho de Estado colonial-capitalista e a edificação do Estado Democrático Popular,
tornou-se necessário criar um sistema judiciário de tipo novo, formulando-se assim, regras e princípios
que regulavam a estrutura, composição e funcionamento dos tribunais, tidos como sendo o lugar da
forja onde o povo cria o direito novo que cada vez mais rechaça o direito velho da sociedade colonial
capitalista e feudal.
O mesmo espírito é, claramente visível em outros diplomas legais como o Decreto n.º 14/75, de 11 de
Setembro, que cria Comissões de Trabalho para solução das questões individuais de trabalho e das
resultantes de doenças profissionais e acidentes de trabalho, que, vê na legislação colonial como o
símbolo da opressão e exploração dos moçambicanos dai, a necessidade de serem instaladas
comissões de trabalho que iriam resolver os conflitos laborais de acordo com os ditames da revolução
socialista.

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A efectivação da justiça constitucional na lei fundamental de 1975, assenta
na garantia da concretização das etapas políticas a percorrer rumo ao
comunismo. Neste regime, não se pretende, necessariamente, expor a
superioridade da Constituição no ordenamento nem, graças a ela,
assegurar certos institutos decorrentes do regime consagrado contra
desvios, ou prevenir omissões de regulamentação legal, mas, sim,
compenetrar a sociedade política da necessidade de construção do
socialismo rumo ao comunismo.

A fonte de interpretação e aplicação da lei são os princípios e normas


emanados pelos órgãos importantes do partido único no poder, reflectidos
nas directivas traçadas para o interior da sociedade e do Estado,
reservando-se à Constituição da República Popular de Moçambique, um
papel de mero instrumento organizacional.

Porém, se é verdade que a Constituição de 1975 não acentua, com clareza,


o princípio da superioridade formal e material da norma constitucional, o
mesmo já não se pode dizer com relação à operacionalidade sancionatória.

Com efeito, porque a Constituição se destina a reger e organizar o Estado,


a natureza do seu poder, as relações entre ele e os cidadãos, ela reclama
um mínimo de garantia. A sua subsistência de nenhum modo poderia ter
sido deixada à sorte das vicissitudes inerentes à vontade particular dos
titulares do poder.

Resulta daqui que, no próprio texto originário e na legislação ordinária,


foram regulados, ainda que de forma difusa, certos mecanismos de
garantia da Constituição e da constitucionalidade.

Preferimos usar o termo “garantia” e não “fiscalização”, porque,


rigorosamente, se pode sustentar que a Constituição de 1975 descurou de
organizar uma fiscalização, enquanto meio específico de garantia de
constitucionalidade.66

66 V.d. Guadagni, Marco, Introdução ao Direito Moçambicano, pag.78 – versão portuguesa de “IL Diritto
In Mozambique”, Trento, 1989; Monteiro, Óscar, colectânea de Lições de Direito Estatal Moçambicano,
leccionadas ao IIº ano Jurídico da Faculdade de Direito da U.E.M, no ano lectivo de 89/90, pag.56.

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1.6.3.3. GARANTIA INCUMBIDA AO PARTIDO FRELIMO

Estabelecia o Programa do Partido FRELIMO que a tarefa central do


Partido no âmbito do Estado era desenvolver e consolidar o Estado
socialista, instrumento do poder dos operários e camponeses
moçambicanos.

Neste sentido, a composição e o funcionamento do Estado devia reflectir a


natureza popular do regime de ditadura do proletariado.

É o Partido que traçava as linhas de orientação fundamentais de


desenvolvimento em todas as esferas da vida social. Essas linhas de
orientação reflectiam-se nas leis do Estado, o que exprimiam a aplicação
prática das directivas do Partido.

Neste particular, o Partido orientava e dinamizava o funcionamento das


Assembleias do Povo e dos órgãos da justiça popular, de modo a que
estivessem sempre presentes nas suas decisões os valores e princípios da
ditadura do proletariado.

Essas orientações eram traçadas através do Congresso, órgão supremo


do Partido que, ao abrigo da alínea a) do artigo 18.º dos Estatutos e
Programa, definia a linha política do Partido e as orientações que dirigiam
o Estado.

No intervalo do Congresso, competia ao Comité Central, garantir a


implementação da linha política definida pelo órgão máximo do Partido,
orientando e controlando as actividades dos órgãos centrais do Estado e
das organizações sociais67.

A Constituição de 1975 identifica os órgãos centrais do Estado como


sendo a Assembleia Popular, órgão supremo do poder de Estado,
Comissão Permanente da Assembleia Popular, entidade que assume as
funções da Assembleia Popular no intervalo entre as sessões deste órgão,
o Presidente da República Popular de Moçambique, a quem compete fazer
respeitar a Constituição e assegurar o funcionamento correcto dos órgãos

67 Alíneas b) e e) do artigo 21 dos Estatutos e Programa

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do Estado, o Conselho de Ministros, cabendo-lhe a governação do país
através de actos normativos e outras decisões que assumem a forma de
Decreto ou Resolução68.

Os órgãos centrais do Estado estendem-se para o nível local por


intermédio das Assembleias do Povo, dos Governos Provinciais e
Conselho Executivos

Face a este conteúdo programático e estatutário do Partido FRELIMO


coloca-se a questão de determinar o nível de intervenção deste nas
actividades de controlo da Constituição.

Do ponto de vista jurídico político, a resposta parece obvia: Deve resultar


da combinação da natureza e dos fins do regime político então vigente e
das normas que plasmam esse mesmo regime.

Quanto à natureza do regime político, já tivemos a oportunidade de o


referenciar como tratando-se de uma ditadura do proletariado, assente no
centralismo democrático, visando a construção de um Estado de
democracia popular.

Sendo a FRELIMO a força política que dirigia o Estado e a sociedade, que


traçava a orientação política básica do Estado, dirigia e supervisava a
acção dos órgãos estatais a fim de assegurar a conformidade da política
do Estado com os interesses do povo, competia-lhe, em última instância,
através do Congresso e do Comité Central, velar pela conformidade e
sancionamento da actuação dos órgãos do Estado, aos mais diversos
níveis, com os valores e fins políticos impregnados na lei fundamental.

Quer a Constituição da República Popular de Moçambique, quer os


Estatutos e Programa do Partido FRELIMO, convergiam para a
subalternização da actuação dos órgãos do Estado, face ao Partido
FRELIMO e à sua linha política69.

68 Artigos 43, 50, 53, 58, 60, 63, 64, 65 e seguintes da Constituição da República Popular de
Moçambique
69 A título exemplificativo vide os artigos 3.º da CRPM e 5.º dos Estatutos e Programa do Partido

FRELIMO, colecção 4.º Congresso

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1.6.3.3.1. Garantia incumbida ao Presidente da Republica

A primeira competência que a Constituição de 1975 confere ao


Presidente da República é a de “fazer respeitar a Constituição e
assegurar o funcionamento correcto dos órgãos do Estado”. Desta
disposição se infere que o Presidente da República é um garante da
Constituição, encarada esta na sua globalidade. Ao Presidente da
República é atribuída, constitucionalmente, a missão de assegurar que
os órgãos do Estado funcionem com regularidade; que cada órgão
actue dentro da esfera das suas competências, observando as normas
constitucionais.

No entanto, a Constituição de 1975 não estabelece os procedimentos de


intervenção do Chefe do Estado no contencioso jurídico-constitucional para
requerer a uma outra entidade a apreciação preventiva ou sucessiva da
constitucionalidade dos actos jurídico-público. Aliás, trata-se de algo que
não parece possível a luz de sistema de governo cujo poder está unificado,
se atendermos que a fiscalização da constitucionalidade é algo relacionado
com a acção certos órgãos relativamente a outros ou da actuação do poder
contra o poder.

Trata-se de uma actividade de controlo da conformidade dos actos jurídico


públicos e políticos, no sentido da manutenção do sistema político
marxista-leninista, da afirmação da moçambicanidade e das suas tradições
e das respectivas bases teoréticas assentes nos ditames da revolução
socialista.

1.6.3.3.2. Garantia incumbida ao Conselho de Ministros e aos


Governos Provinciais

A Lei nº14/78, de 28 de Dezembro 70 no seu artigo 5.º nº2, alínea i) confere


ao Conselho de Ministros a competência para revogar as decisões dos
Governos e Conselhos Provinciais, dos Conselhos Executivos de Cidade e
de Localidade, bem como do aparelho de Estado respectivo que
contrariem a Constituição e demais normas legais.

70 Publicada na série “Principal Legislação …”vol. VI, pag. 43

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Analogamente, a Lei n.º 5/78 de 22 de Abril 71 no artigo 11.º, alínea g),
atribui ao Governo Provincial a competência para revogar as decisões dos
Administradores, Presidentes de Conselho Executivos de Cidade, assim
como de Conselho Distritais e de Localidade.

Nas disposições acima referidas avulta a preocupação do legislador


ordinário em assegurar um controlo político-administrativo da
constitucionalidade e de legalidade dos actos dos órgãos do poder de
Estado a nível local.

No entanto, este sistema de controlo, deixa escapar a fiscalização política


dos actos normativos do Conselho de Ministros.

1.6.3.3.3. Garantia incumbia a Assembleia Popular

O artigo 44.º da Constituição de 1975 confere à Assembleia Popular o


poder de revogar as deliberações das Assembleias do Povo que
contrariem a Constituição.

Este poder de revogação é regulado em termos mais amplos pela Lei n.º
1/77,72 que, no seu artigo 5.º nº3, estipula o seguinte:

“A Assembleia de escalão imediatamente superior tem competência para


revogar as decisões das Assembleias do escalão inferior que contrariem a
Constituição, as Leis e outras disposições Legais da República popular de
Moçambique.”

Nos termos do artigo 5.º n.º 3 da mesma Lei, no intervalo entre sessões
das Assembleias, compete ao órgão do Governo de nível imediatamente
superior suspender as decisões inconstitucionais ou ilegais, havendo
exigência de confirmação à posterior do acto de suspensão pela
Assembleia competente para a revogação, na sua sessão seguinte.

No entanto, solução diversa é adoptada pela Lei n.º 5/86, de 25 de Junho73


que, pelo artigo 5.º nº3, retira a competência de suspensão aos órgãos do
Governo, passando esta a ser exercida pelo órgão permanente da

71 Idem, vol., v, pag. e ss.


72 Publicada na série “principal legislação promulgada pelo Governo da República popular da
Moçambique”, Maputo, 1978.
73 Publicada na série “Assembleia popular”, 15ª sessão, Maputo 1987.

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Assembleia do nível imediatamente superior, mantendo-se a exigência da
sua conformação posterior.

Esta solução parece-nos ter sido a mais feliz, por ser consentânea com o
princípio da soberania das Assembleias, como órgãos superiores do poder
de Estado no respectivo escalão territorial74

Nota-se, claramente, que estamos em face de um controlo da


constitucionalidade meramente político, circunscrito num campo também
político, o das Assembleias.

O sistema de controlo incumbido às Assembleias peca por deixar de fora


os actos da Assembleia Popular, porquanto, estando este órgão no vértice
da pirâmide do sistema das Assembleias, nenhuma outra instância política
pode exercer o controlo sobre os seus actos. Esta circunstância apenas se
pode compreender no âmbito do modelo político de controlo da
Constituição que concebe o poder da Assembleia Popular como sendo a
expressão máxima da vontade popular e, dai, a sua inquestionabilidade
por terceiros, mas que é beliscada pela retoma de alguns princípios e
normas constantes do regime colonial, no que tange à garantia da
Constituição.

1.6.3.3.4. Garantia incumbida a Comissão para Questões Estatais


e de Desenvolvimento da Legalidade

Pela Resolução n.º 18/78, de 26 de Dezembro 75 é criada uma comissão


da Assembleia popular designada por Comissão para Questões Estatais e
de Desenvolvimento da Legalidade.

Nos termos do artigo 2.º, n.º 2 desta resolução, compete a referida


Comissão "zelar pela aplicação da legalidade, constitucionalidade e
desenvolvimento do Estado de Democracia popular".

A sua tarefa principal consiste na criação de condições para o estudo e


divulgação das “ decisões fundamentais dos órgãos estatais, as Leis e
Resoluções da Assembleia Popular, as Decisões e Decretos do Presidente

74 Constituição da RPM. Artigo 37.


75 Publicada na série “Principal Legislação …, cit., vol. Vol. I, pags. 100 e ss.

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76
da República e os Decretos do Conselho de Ministros nos diverso
sectores do Estado e da sociedade.

É evidente que a Comissão de que nos estamos a debruçar não é


especializada no domínio da fiscalização da constitucionalidade. A
divulgação da Constituição e das demais normas jurídicas visa,
essencialmente o seu conhecimento pelos destinatários, de modo a
assegurar o seu cumprimento, o que se funda na convicção da
possibilidade de um controlo político baseado na consciência dos cidadãos
e autodisciplina das instituições. 77

Não afastamos o valor desta concepção, mas continuamos a sustentar a


necessidade de uma garantia jurídica institucionalizada da Constituição,
pois o incumprimento das normas não se funda apenas no seu
desconhecimento pelos destinatários; a ignorância pode ser factor
concorrente da violação do Direito mas não a razão principal.

1.6.3.3.5. Garantia incumbida a Comissão de Assuntos


Constitucionais Jurídicos e de Legalidade da
Assembleia Popular

Pela Resolução n.º 10/87, de 21 de Dezembro, é criada a Comissão de


Assuntos Constitucionais, Jurídicos e de Legalidade.

De entre as competências da comissão estabelecidas na Resolução


nº13/87 de 22 de Dezembro 78
que aprova a “Directiva sobre
funcionamento das comissões de trabalho da Assembleia popular”- avulta
a de analisar e dar parecer sobre a constitucionalidade das leis e demais
disposições legais.

Trata-se de uma Comissão especializada, com carácter permanente,


composta por Deputados da Assembleia popular.

As decisões da Comissão são tomadas por consenso, podendo a mesma


auxiliar-se de pareceres de especialistas que se julgue necessários. Tem
poderes para solicitar informações ao Conselho de Ministros sobre matéria

76 V. Preâmbulo da resolução cit….


77 Cfr. Artº.3 e 4 de resolução cit…
78 Idem.

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do seu foro e para interpelar os membros do Governo para esclarecimento
de determinados assuntos.

Da conjugação dos Artigos 20.º do Regulamento, 6.º alínea a) e 8 nº6


alínea a) e b) da Directiva pode-se delinear o procedimento seguido pela
Comissão para o controlo preventivo da constitucionalidade das Leis e
Resoluções da Assembleia popular, do seguinte modo:

a) O Projecto de Lei ou de Resolução é previamente apreciado por uma


comissão especializada na matéria objecto de regulamentação a qual dá
um parecer genérico;

b) Seguidamente, intervém a Comissão de Assuntos Constitucionais,


Jurídicos e de Legalidade que aprecia o projecto, sugerindo-lhe
reformulações que o compatibilize com a Constituição.

c) Finalmente, a Comissão Permanente da Assembleia Popular aprecia o


mesmo projecto e, sendo o caso de inconstitucionalidade, pode devolvê-lo
ao respectivo proponente, sugerindo-lhe reformulações que o adeqúe a
Constituição.

Como se nota claramente, a Comissão de Assuntos Constitucionais,


Jurídicos e de Legalidade não é uma instância decisória sobre as questões
de inconstitucionalidade. Ela limita-se, tão somente a emitir um parecer
que, posteriormente, será objecto de sancionamento pela Comissão
Permanente, sendo esta quem decide em termos definitivos.

Em relação a outros actos normativos a que faz alusão o Artigo 8.º nº6
alínea c) da Directiva, o Regulamento é omisso quanto aos procedimentos
para o seu controlo. Julgamos que nem os poderes conferidos à Comissão
para solicitar informações ao Conselho de Ministros ou interpelar membros
do Governo seriam suficientes para responder a esta questão.

Igualmente, nos dois diplomas que temos vindo a citar não se deslumbra a
questão do controlo sucessivo da constitucionalidade das Leis ou
Resoluções da Assembleia popular, parecendo ser sustentável afirmar que
esta modalidade de fiscalização foi excluída.

Ora, através das reservas que acabamos de apresentar e outras que


poderiam ser feitas, é de concluir que a criação desta Comissão foi um

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passo importante do legislador em direcção a garantia da
constitucionalidade.

Com efeito, afloramos, em sede própria, que o período anterior à criação


desta Comissão caracteriza-se pela existência de um sistema de controlo
político e administrativo muito fluído e incompleto que não abrange os
actos normativos da Assembleia popular e do Conselho de Ministros, actos
esses que devem constituir objecto primário de fiscalização.

Importa ter presente que, em 1987, um projecto de revisão da Constituição


79
continha uma proposta mais avançada sobre a matéria de fiscalização
da constitucionalidade.

Segundo o artigo 50.º alínea c) do referido projecto, competiria à


Assembleia Popular deliberar sobre a constitucionalidade das Leis,
Decretos e Resoluções”, cabendo a Comissão Permanente da Assembleia
Popular revogar decisões inconstitucionais.

Esta proposta é inequívoca no sentido de conferir claramente à


Assembleia Popular e à Comissão Permanente o estatuto de órgãos de
fiscalização da constitucionalidade e, em segundo lugar, por fazer alusão
expressa aos tipos de actos sujeitos ao controlo de cada um dos dois
órgãos e, nesta matéria, são suficientemente abrangentes ao sujeitar a
fiscalização todos os actos normativos da Assembleia Popular e do
Conselho de Ministros (Leis, Decretos e Resoluções) e os actos não
normativos dos órgãos do Estado em geral (decisões).

1.6.3.3.6. Garantia incumbida aos tribunais

Nos termos do artigo 70.º da Constituição de 1975, cabe aos tribunais


“defender e salvaguardar os princípios determinados na Constituição e nas
demais normas”.

Se, para alguns, esta formulação não se afigura suficiente para um


entendimento no sentido da consagração de um controlo jurisdicional
difuso e concreto de inconstitucionalidade, em nossa opinião, pode-se
alcançar entendimento diverso.

79 Publicada na série “Assembleia popular”, Maputo, 1987.


O projecto foi adoptado pela Assembleia popular na sua 2º sessão ordinária, de 15 a 23 de Setembro
de 1987.

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Senão vejamos:

A Constituição de 1975 cuida de revogar toda a legislação contrária ao


novo regime político.

Com efeito, estabelece o artigo 79.º da referida Constituição que toda a


legislação anterior contrária à Constituição é automaticamente revogada,
mantendo-se em vigor a que estiver em conformidade com a lei
fundamental.

A prática demonstra que, parte significativa da legislação do período


colonial foi efectivamente revogada, sobretudo a referente ao direito
substantivo. No que se refere ao direito adjectivo, assistiu-se à sua
manutenção em convivência aparentemente harmoniosa com o direito
constitucional de matriz soviética. Se assim aconteceu é porque não se
vislumbrava qualquer contradição entre o direito adjectivo colonial e os
princípios revolucionários.

Aliás, é preciso ter em mente que o direito de matriz soviética em muito se


assemelha ao padrão do direito bizantino isto é, do direito romano e dos
países que pertencem ao sistema romanista da Europa continental onde,
tal como a França e Alemanha se enquadra Portugal.

As categorias do direito russo são, assim, naturalmente as dos direitos


romanistas. A concepção do direito existente nas universidades e nas
mentes dos juristas é a concepção romanista. O direito soviético pode
encontrar-se numa compilação de tipo casuística; neste sistema, o jurista
soviético não concebe o direito como um produto de natureza
jurisprudencial; a regra de direito surge-lhe, tal como ao jurista alemão,
francês ou português, como regra de conduta, prescrita aos indivíduos, e
cuja formulação compete, não ao juiz, mas à doutrina e ao legislador.

Os ramos do direito processual civil e penal em nada foram alterados na


sua essência, por se crer, também, no seu fim meramente processual e
inofensivo para o espírito da revolução. Ainda que houvesse vontade
política para a revogação dos códigos processuais, é quase certo que a
disponibilidade técnica para a sua reposição seria manifestamente
inexistente.

Escola Superior Aberta/A Politécnica – Ensino à Distância 93


Curso de Ciências Jurídicas – Direito do Constitucional II – Semestre 2 NC
A apreciação judicial da constitucionalidade das normas por intermédio das
excepções peremptórias desmente a opinião, segundo a qual vigora nas
antigas colónias portuguesas apenas o modelo político de controlo da
Constituição.

Chegados a este estágio, tudo indicia a sobrevivência do modelo colonial


de garantia da Constituição, face à política da FRELIMO de
escangalhamento do aparelho estadual colonial.

Se, na vigência das Constituições portuguesas de 1911 e 1933, domina,


em princípio, o modelo de fiscalização judicial difuso, mas atenuado por
elementos de fiscalização política, na Constituição moçambicana de 1975
domina a fiscalização política, algo difusa, atenuada por elementos da
fiscalização judicial.

A natureza política da garantia da Constituição resulta, em ambos os casos,


dos seguintes factores:

 No caso moçambicano, pela intervenção de uma panóplia de


órgãos de natureza política na garantia dos princípios da
revolução socialista, a saber a Assembleia Popular, a
Comissão para Questões Estatais e Desenvolvimento de
Legalidade, a Comissão de Assuntos Constitucionais Jurídicos
de Legalidade da Assembleia Popular, o Conselho de
Ministros, os Governos Provinciais, o Presidente da República
e, por fim, o Congresso e o Comité Central do Partido
FRELIMO;

 No caso português, através da intervenção da Assembleia


Nacional no conhecimento da inconstitucionalidade orgânica e
formal dos diplomas promulgados pelo Presidente da
República e do Conselho Ultramarino na apreciação dos
incidentes de inconstitucionalidade material.

A natureza judicial pode, em ambos, ser encontrada na actuação dos


tribunais na apreciação de excepções peremptórias que alegam um vício
de inconstitucionalidade como uma questão prejudicial ao processo
principal, obrigando o juiz a conhecê-la antes da apreciação da questão de
fundo.

Escola Superior Aberta/A Politécnica – Ensino à Distância 94


Curso de Ciências Jurídicas – Direito do Constitucional II – Semestre 2 NC
No caso português, o artigo 123.º da Constituição de 1933, acentua a
obrigação dos tribunais de agirem oficiosamente, fiscalizando a
conformidade das normas com a lei fundamental, sucedendo o mesmo
com a Constituição moçambicana de 1975, cuja judicialidade retira-se,
também, da interpretação das normas adjectivas, em consonância com a
concepção lata da obrigação dos tribunais defenderem e salvaguardarem
os princípios determinados na Constituição e nas demais normas em vigor.

1.6.3.4. O controlo da constitucionalidade na vigência da


Constituição de 1990

A Constituição de 1990 80 surge numa conjuntura histórico-político bem


demarcada, tanto no plano externo, como no plano interno.

No plano internacional, é de assinalar, com particular destaque, as


transformações políticas, económicas e sociais que se registaram nos
países socialistas do leste Europeu, a partir de 1985, com a introdução da
“ perestroika” e a “Glassnost,” na então URSS.

No plano interno, referencie-se a necessidade, por um lado, de


funcionamento das instituições do Estado, de acordo com os princípios
democráticos do tipo ocidental e, por outro, a preocupação em encontrar
caminhos, rumo à reconciliação nacional, que passam, necessariamente,
pelo pluralismo e tolerância política. 81

Surgida neste contexto, a Constituição de 1990 demarca-se,


substancialmente da sua predecessora e procura uma aproximação ao
modelo constitucional de Estado de Direito social, consagrando vários
institutos e princípios.

O princípio da supremacia constitucional resulta do preceituado no artigo


200.º da Constituição da República, que estabelece a prevalência das
normas constitucionais sobre todas as restantes normas do ordenamento
jurídico.

80Publicada no B.R nº44 I série, suplemento, de 2 Novembro. /1990.


81V.d. relatório do comité central da FRELIMO ao V Congresso, publicado In “boletim da célula, ED. Do
partido FRELIMO, nº45, Maputo, Dez. / 1989, P.P. 25 e 26, onde se diz: “o aprofundamento da
democracia (…) exige de todos um espírito de grande abertura. É normal numa sociedade os cidadãos
terem pontos de vista diversos sobre os problemas.
As opiniões erradas (…) devem ser corrigidas. Corrigir porém opiniões erradas não deve significar
hostilizar os seus autores…”

Escola Superior Aberta/A Politécnica – Ensino à Distância 95


Curso de Ciências Jurídicas – Direito do Constitucional II – Semestre 2 NC
Este princípio encontra-se, ainda, no preâmbulo da lei fundamental, na
parte que reconhece a Constituição como a lei base de toda organização
política e social da República de Moçambique.

A actividade de garantia da Constituição acometidas ao Presidente da


República, aos Tribunais e, ainda, ao Conselho Constitucional constituem
outro elemento que indicia a posição superior das normas e princípios
constitucionais, face ao restante ordenamento jurídico.

1.6.3.4.1. Presidente da Republica e a garantia da Constituição

À semelhança do que sucede em França82 e Portugal,83 o Presidente da


República é, nos termos do artigo 117.º da Constituição da República o
seu garante. Nessa qualidade, compete ao Presidente da República
participar, como sujeito de pleno direito84, no sistema de fiscalização da
constitucionalidade dos actos normativos, solicitando ao Conselho
Constitucional a declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade, tal
como preceituado no artigo 183.º da CR.

Na fiscalização abstracta, o Presidente da República, a par do Presidente


da Assembleia da República, o Primeiro-ministro e o Procurador-geral da
República, dispõe de legitimidade activa para desencadear o processo de
declaração de inconstitucionalidade junto do Conselho Constitucional. 85

Até a entrada em vigor da revisão constitucional ocorrida em 2004 86, o


Presidente da República exerceu por duas vezes a iniciativa processual de
verificação da constitucionalidade das normas da Assembleia da República,
situando-se a taxa de sucesso na ordem dos 50%.

82
O Presidente da República velará pelo respeito à Constituição. Assegurará, pela sua arbitragem, o
funcionamento regular dos poderes públicos, assim como a continuidade do Estado. (artigo 5.º)
83
O Presidente da República participa como sujeito de pleno direito, no sistema de fiscalização da
constitucionalidade dos actos normativos, a título preventivo ou sucessivo, bem como da
inconstitucionalidade por omissão, no âmbito da função de garantia do regular funcionamento das
instituições e de defensor da Constituição (artigo 123.º da Constituição da República)
84
A legitimidade processual para solicitar a verificação da constitucionalidade das normas é um dos
principais pressupostos relativos às partes.
A falta de legitimidade activa leva à não admissibilidade do pedido ou, dito doutro modo quando um
pedido for formulado por pessoa ou entidade sem legitimidade processual, aquele não deve ser
admitido. Por outro lado, no Direito Processual Constitucional, por força do interesse público, a
legitimidade activa não coincide necessariamente com a titularidade do interesse específico para o qual
se requer tutela jurisdicional, contrariamente ao que sucede no direito processual comum em que a
legitimidade respeita, em regra, aos titulares do direito subjectivo.
85 Artigo 183.º da CR
86 Texto aprovado na Assembleia da República em 16 de Novembro de 2004

Escola Superior Aberta/A Politécnica – Ensino à Distância 96


Curso de Ciências Jurídicas – Direito do Constitucional II – Semestre 2 NC
No primeiro caso, o Presidente da República, no uso das competências
que lhe são conferidas pelas disposições conjugadas dos art. 124.º e 183.º
alínea a) da Constituição, nomeadamente os poderes de promulgação das
leis e, ainda, a faculdade de solicitar a declaração de inconstitucionalidade
das leis, solicitou a apreciação preventiva da constitucionalidade da lei sem
número, que decreta feriados nacionais nas datas de Ide – UI-Fitre e Ide-
UI-Adha dias de festas religiosas muçulmanas, aprovada pela Assembleia
da República, em 4 de Maio de 1996, tendo o Tribunal Supremo, na
qualidade de Conselho Constitucional deliberado pela inconstitucionalidade
material da referida lei.

No segundo caso, o Presidente da República, ao abrigo do disposto na


alínea a) do artigo 183.º da Constituição e na alínea a) do artigo 49.º da Lei
n.º 9/2003, de 22 de Outubro, solicitou ao Conselho Constitucional a
verificação da constitucionalidade da designada Lei de Combate à
Corrupção, aprovada pela Assembleia da República, aos 16 de Outubro de
2003, e que lhe foi submetida para a promulgação, nos termos do disposto
no artigo 124.º da Constituição.

Desta vez, o Conselho Constitucional, considerou-se incompetente para


decidir sobre o pedido de fiscalização prévia de constitucionalidade que lhe
foi submetido pelo Presidente da República, alegando grosso modo, o
facto de o texto constitucional não fazer nenhuma referência expressa à
fiscalização abstracta preventiva.

Segundo a deliberação n.º 12/CC/03 “se o legislador constituinte quisesse


introduzir tal fiscalização, o deveria ter feito indicando expressamente o
tipo ou tipos de diplomas que seriam objecto dessa fiscalização e, ainda de
forma genérica, os termos em que ela deveria ser feita, não deixando para
a lei ordinária toda essa matéria.

Além disso, a Constituição teria de especificar quem tem legitimidade para


solicitar a fiscalização preventiva sob pena de se entender que é todo
elenco do artigo 183.º que tem essa prerrogativa.”

A ter que concordar com este pensamento, questionamos, então, a


competência do Conselho Constitucional para apreciar qualquer outro tipo

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Curso de Ciências Jurídicas – Direito do Constitucional II – Semestre 2 NC
de fiscalização da constitucionalidade, uma vez que nenhuma se mostra
expressa na lei fundamental.

A esta questão voltaremos na discussão das competências do Conselho


Constitucional.

O mesmo argumento é válido para a questão da legitimidade, uma vez que,


em parte nenhuma da Constituição, o legislador constituinte se encarrega
de especificar quais dos órgãos competentes para suscitar a verificação da
constitucionalidade das normas, questionando-se, por maioria de razão
donde o Conselho Constitucional retirou a conclusão de que o Presidente
da República, só poder intervir em sede da fiscalização abstracta
sucessiva das normas.

Aliás, é curioso constatar que a própria Lei que aprova os Estatutos do


Conselho Constitucional, limita-se, no seu artigo 49.º, a transcrever o
conteúdo do artigo 183.º da Constituição, sem detalhar a legitimidade dos
órgãos na solicitação da verificação da constitucionalidade.

Por outro lado, sendo o Presidente da República o garante da Constituição


e, mais ainda, o centro do sistema de governo presidencialista87, não se

87
O sistema de governo moçambicano não é presidencial, nem parlamentar, nem semi-presidencial.
Não é, rigorosamente presidencial, porque:
 Coexistem um Presidente, um Conselho de Ministros e um Primeiro-ministro, ambos titulando
o exercício do poder executivo, diversamente do que sucede dos EUA, onde o poder
executivo está centrado no órgão singular, Presidente da União;
 Ainda que remotamente, o Conselho de Ministros responde perante a Assembleia da
República, podendo esta aprovar monções de censura. No entanto, esta responsabilidade
não deve ser confundida com a responsabilidade política, porque dela não se vislumbra
qualquer possibilidade de o Governo ser demitido face a tal monção de censura, derivado do
facto de a composição e o funcionamento do Governo depender exclusivamente do
Presidente da República, a Assembleia da República não dispor de instrumentos que
materializem a responsabilidade política do Governo face ao parlamento, exceptuando
quando pela segunda vez, o Programa do Governo é reprovado pela Assembleia da
República;
 O Presidente da República tem iniciativa de lei e de revisão constitucional, matéria que é
exclusiva da Assembleia política num sistema presidencial;
 O princípio de “check and balances”, funciona de forma desigual. Com efeito, a Assembleia
da República, não dispõe de poderes para equilibrar o seu protagonismo junto do Presidente
da República e do Governo.
Não é parlamentar, na medida em que:
 O Chefe do Governo (Presidente da República) dispõe de legitimidade popular, não sendo
indicado pelo partido com maioria na Assembleia da República;
 O Chefe de Estado não desempenha papel honorífico, gozando de poderes vastos;
 Não há responsabilidade política do Governo face à Assembleia da República;
 O Primeiro-ministro não é Chefe formal do Governo, cabendo-lhe uma função coadjuvante
em relação ao Presidente da República.
Não é semi presidencial, visto que:
Não há separação entre Presidente da República e o Governo, pois que o primeiro integra o Conselho
de Ministros na qualidade de Chefe do Governo;
Não há equilíbrio de poderes. A balança pende claramente a favor do Presidente da República e do
seu Governo;

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Curso de Ciências Jurídicas – Direito do Constitucional II – Semestre 2 NC
compreende que seja obstruída a legitimidade do Chefe do Estado para,
preventivamente, assegurar o cumprimento da lei fundamental, sob pena
de se incorrer na violação material da lei mãe, pondo-se em causa a
essência do sistema de governo presidencialista, opção assumida pela
Constituição de 1990.

Talvez por isso, o Tribunal Supremo, a quando da apreciação da lei dos


feriados muçulmanos, diversamente da deliberação do Conselho
Constitucional n.º12/CC/03, reconhece a legitimidade do Presidente da
República para, ao abrigo da alínea a) do artigo 183.º da Constituição da
República, suscitar ao Conselho Constitucional a verificação preventiva da
constitucionalidade das leis, considerando que não se compreenderia que
o Presidente da República, a quem compete promulgar as leis nos termos
prescritos no n.º 1.º do art. 124.º da Constituição, quando elas suscitassem
dúvidas quanto à sua constitucionalidade, se visse na contingência de,
primeiro, as ter de promulgar para, só depois, vir solicitar a declaração de
inconstitucionalidade das mesmas.

Este parece-nos ser o argumento mais aceitável pois, doutro modo, a


deliberação do Conselho Constitucional, conduz-nos a um bloqueio da lei
fundamental no que se refere a legitimidade para solicitar a declaração de
inconstitucionalidade ou de ilegalidade das normas.

A par da legitimidade activa, o artigo 183.º da CR, estabelece a faculdade


do Presidente da República, solicitar a verificação da constitucionalidade
das normas.

Trata-se de uma questão muito debatida pela doutrina, no sentido da


determinação da natureza jurídica da liberdade de iniciativa dos órgãos de
fiscalização da constitucionalidade, a propósito do uso do termo facultativo
“podem”88 para indicar uma faculdade de exercício livre ou uma faculdade

Trata-se de um sistema presidencialista, algo impuro, atendendo ao conjunto de poderes que são
atribuídos ao Presidente da República, fazendo com que os restantes órgãos de soberania gravitem
em seu torno.
88
A mesma faculdade encontramo-la nos artigos 278.ºn.º 1 e 281.º n.º 2 da Constituição da República
Portuguesa.

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Curso de Ciências Jurídicas – Direito do Constitucional II – Semestre 2 NC
de exercício obrigatório dos órgãos com legitimidade activa para suscitar a
verificação da constitucionalidade das normas jurídicas, sobretudo em
sede da fiscalização abstracta. 89

A doutrina dominante defende que se trata de uma faculdade de livre


iniciativa do Presidente da República e dos órgãos com legitimidade activa
para suscitar a verificação da constitucionalidade das normas, indo mais
longe ao ponto de sugerir que a livre iniciativa é algo tão óbvio que surge
tão simplesmente como pressuposto e, quando problematizado, a
liberdade de iniciativa aparece afirmada sem hesitações.90

De igual modo e no mesmo sentido defendem Gomes Canotilho e Vital


Moreira, afirmando que “a legitimidade processual activa para desencadear
a fiscalização preventiva compete exclusivamente, conforme os casos ao
Presidente da República (.....) e é apenas sempre uma faculdade e não
obrigação”91.

Já a posição de Jorge Miranda é inferida a partir do momento em que


defende a natureza de livre iniciativa, em sede de fiscalização sucessiva.

Na verdade, sobre a natureza do poder de iniciativa – escreve Jorge


Miranda – “é um poder funcional, se bem que não de exercício obrigatório.

Não pode dizer-se que qualquer dos órgãos políticos esteja adstrito a
requerer a apreciação e a declaração da inconstitucionalidade, quando
esta, em puro juízo jurídico, se lhes apresenta nítida”92.

O artigo 278 n.º1 estabelece a faculdade do Presidente da República requerer ao Tribunal


Constitucional a apreciação preventiva da constitucionalidade de qualquer norma constante de tratado
internacional que lhe tenha sido submetido para ratificação, de decreto que lhe tenha sido enviado para
a promulgação como lei ou como decreto-lei ou de acordo internacional cujo decreto de aprovação lhe
tenha sido remetido para assinatura.
Igual faculdade é atribuída aos Ministros da República quando se trate da verificação preventiva da
constitucionalidade de qualquer norma constante de decreto legislativo regional ou de decreto
regulamentar de lei geral da República que lhes tenham sido enviado para assinatura e, ao
Primeiro-ministro ou um quinto dos Deputados à Assembleia da República em
efectividade de funções quando, se trate de qualquer norma constante de decreto que
tenha sido enviado ao Presidente da República para promulgação como lei orgânica.
O artigo 281.º n.º2 estabelece igualmente a faculdade do Presidente da República, Presidente da
Assembleia da República, o Primeiro-ministro, o Provedor de Justiça, o Procurador-geral da República,
um décimo dos Deputados à Assembleia da República e as entidades regionais, requererem ao
Tribunal Constitucional a declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade, com força obrigatória
geral
89
CANOTILHO, J.J. Gomes e MOREIRA, Vital – In “Constituição Anotada”, II, 2ª. Ed., pág. 152.
90
TELLES, Miguel Galvão – In “O Direito”, ob.cit. pág. 36
91
CANOTILHO, J.J. Gomes e MOREIRA, Vital – In “Constituição......ob.cit, pág. 152.
92 MIRANDA, Jorge – In Manual........ob.cit, pág. 368

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Curso de Ciências Jurídicas – Direito do Constitucional II – Semestre 2 NC
André Salgado de Matos entende que o princípio da constitucionalidade
tornaria tentador considerar a competência de iniciativa como um
verdadeiro dever funcional; mas, ao afirmar a mera possibilidade de
requerimento à entidade competente por parte dos órgãos
constitucionalmente legitimados para o impulso processual, a Constituição
afasta esta interpretação em termos gerais, antes apontando para a
natureza discricionária desta competência93.

No entanto, há a posição minoritária de autores como Rui Medeiros que


recusam a ideia de que, em matéria de fiscalização abstracta, a faculdade
de iniciativa de fiscalização da constitucionalidade é de exercício livre,
alegando, para o caso específico do Presidente da República, que este
deverá sentir-se na obrigação de requerer a apreciação preventiva da
Constitucionalidade sempre que estiver, na sua convicção íntima, perante
leis inconstitucionais.

Quanto a nós, defendemos que entre o carácter do livre exercício dessa


faculdade e o obrigatório existe um espaço de intervenção em que os
órgãos com legitimidade activa para suscitar a fiscalização abstracta
deverão ponderar e actuar, de modo livre ou obrigatório, conforme os
casos presentes e de acordo com a sua convicção, tendo como pano de
fundo o interesse público a que está adstrito a defender.

A propósito, o acórdão do Tribunal Supremo94, que se pronuncia sobre a


constitucionalidade da Lei sem n.º, que decreta feriados nacionais nas
datas de Ide- Ul-Fitre e Ide –Ui –Adha, dias de festas religiosas
muçulmanas, qualifica a competência que é conferida ao Presidente da
República ao abrigo do artigo 183, alínea a), como uma faculdade de
solicitar a declaração de inconstitucionalidade das leis.

93 MATOS, André Salgado; In “ A Fiscalização Administrativa da Constitucionalidade”, Dissertação de


Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas, Faculdade de Direito de Lisboa, 2000, pág. 132
94
Antes da entrada em funcionamento do Conselho Constitucional, as suas competências eram
exercidas pelo Tribunal Supremo.

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Curso de Ciências Jurídicas – Direito do Constitucional II – Semestre 2 NC
Enuncia o princípio do dispositivo, 95 que o objecto de um determinado
processo deve ser fixado pela entidade que toma a iniciativa de o
promover96, sob pena da não admissão do pedido.

Tem que indicar, ainda, a norma que considera inconstitucional e a norma


que considera infringida, porque não se pode imaginar uma infracção da
Constituição de maneira genérica e indeterminada, pelo facto de a
inconstitucionalidade pressupor uma relação entre certo comportamento e
certa norma constitucional97.

Entretanto, a prática moçambicana parece inicialmente ter assumido um


outro entendimento, senão vejamos:

A quando do pedido da apreciação preventiva da constitucionalidade da lei


que decretava os feriados muçulmanos, o Presidente da República veio,
para o efeito, invocar que, tendo dúvidas quanto à sua constitucionalidade,
ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º1 do artigo 181.º, ambos da
Constituição da República, solicitava que o Tribunal Supremo, a
apreciação preventiva do referido projecto de lei, sem contudo invocar a
norma inconstitucional e o preceito ou princípio da Constituição violados.

O Tribunal Supremo, ainda que consciente da não concretização efectiva 98


do pedido, veio apreciar e decidir o pedido do Presidente da República,
nos termos genéricos em que era solicitado, restando a este órgão, fixar os
termos precisos da questão controvertida.

95
O princípio do dispositivo postula que a tramitação processual esteja ao inteiro dispor das partes de
um determinado processo. Em muitos dos processos de fiscalização da constitucionalidade e da
legalidade não há partes em sentido rigoroso.
Por essa razão o conteúdo tradicional do princípio tem de sofrer neste terreno as necessárias
modificações.
Diremos por isso que de acordo com o princípio do dispositivo quem é senhor do processo são os
outros sujeitos processuais que não o juiz constitucional. A este grande princípio opõe-se um outro: o
inquisitório, que tenderá a depositar nas mãos do juiz o poder de decisão sobre acontecimentos
processuais.
O princípio do dispositivo desdobra-se em sub princípio do pedido que se traduz na obrigatoriedade de
o poder de iniciativa e fixação do objecto do processo caber a alguém distinto do julgador. (.........)
Nos processos de fiscalização da constitucionalidade e da legalidade a relevância do sub princípio do
pedido traduz-se na adesão (quase ilimitada) ao princípio do pedido e na adesão (parcial) ao princípio
da disponibilidade quanto ao termo do processo.95 Por um lado, significa que certo tipo de processo só
pode ser iniciado por impulso de outrem que não seja o julgador, ou seja, o processo só inicia sob
iniciativa das entidades às quais é constitucionalmente reconhecida a legitimidade processual activa.
96
CANAS Vitalino, In “Processos de Fiscalização da Constitucionalidade e da Legalidade pelo Tribunal
Constitucional, Coimbra Ed. 1986, págs. 102 e ss.
97 MIRANDA Jorge, In “Manual de Direito........”, ob. Cit., pág. 369.
98 A dado passo do Acórdão, afirmam os Venerandos Juízes do Tribunal Supremo que o Presidente da

República, para tanto invoca, unicamente, suscitarem-se dúvidas quanto à constitucionalidade da


referida lei.

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Curso de Ciências Jurídicas – Direito do Constitucional II – Semestre 2 NC
Em defesa dos termos em que o Presidente da República procedeu no
caso do projecto de lei dos feriados muçulmanos, alegaram alguns juristas
que, tratando-se o Conselho Constitucional de um órgão de competência
especializada no domínio das questões jurídico-constitucionais 99 , tem a
obrigação constitucional de discernir do pedido genérico a questão
concreta controvertida, abonando ainda em favor do Chefe de Estado, o
facto de não ter formação jurídica.

Salvo melhor opinião, discordamos desta posição, porquanto:

O Presidente da República, independentemente da sua formação


académica, dispõe de mecanismos institucionais que o apoiam no
exercício das suas atribuições, sendo o caso do Procurador-geral da
República, do Ministro da Justiça e dos assessores da Presidência da
República que o aconselham no exercício das funções de chefia do
Governo e do Estado.

Embora à data não existisse qualquer lei que definisse a composição,


funcionamento e o processo de fiscalização e controlo da
constitucionalidade e legalidade dos actos normativos e as demais
competências do Conselho Constitucional e, por conseguinte, a
inexistência de qualquer norma ordinária que obrigasse o Presidente da
República a fixar, em termos concretos, o seu pedido, tanto o solicitante
bem como o juiz constitucional dispunham das normas processuais
subsidiárias para instar o Presidente da República a agir de acordo com o
princípio do pedido.

Tratando-se de um pedido irregular, susceptível de comprometer o êxito do


pedido, deveria o Tribunal Supremo ter solicitado ao Presidente da
República que demonstrasse as razões de direito que servem de
fundamento da solicitação, nos termos da alínea c) n.º1 do artigo 467.º do
Código do Processo Civil, conjugado com o artigo 477.º do mesmo código.

Mantendo-se a irregularidade, não devia ser admitido o pedido.

Outra posição pode ser assumida, se atendermos o preceituado no n.º 5


do artigo 41.º da Lei Orgânica do Conselho Constitucional, ao estabelecer

99 O Conselho Constitucional é o órgão de competência especializada no domínio das questões


jurídico-constitucionais (artigo 180.º da Constituição da República)

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a vinculação deste órgão ao princípio do pedido, não podendo conhecer da
inconstitucionalidade de normas que não integram o objecto do pedido,
podendo, contudo, fazê-lo com fundamento na violação de normas ou
princípios constitucionais diversos daqueles cuja violação foi invocada, ou
seja, o princípio do pedido limita os poderes da cognição do Conselho
Constitucional quanto ao pedido, mas já não quanto à causa de pedir.

Neste último caso, não estaria fora de hipótese a ineptidão da solicitação


por ininteligibilidade da causa de pedir,100 implicando, consequentemente,
o indeferimento liminar da solicitação.

Inclinamo-nos mais para a irregularidade da solicitação. Aliás, essa é a


solução adoptada pelo Estatuto do Conselho Constitucional, ao
estabelecer no seu artigo 41.º que o pedido de apreciação da
constitucionalidade ou legalidade das normas deve especificar, além das
normas cuja apreciação se requer, as normas ou princípios constitucionais
violados e, na sua falta, o Presidente do Conselho Constitucional, notifica o
autor do pedido para suprir as deficiências, após o que os autos lhes são
novamente conclusos para efeitos de apreciação.

É neste sentido que, a quando do pedido da apreciação preventiva da


constitucionalidade da lei de Combate à Corrupção, o Presidente da
República veio esgrimir argumentos de ordem legal, dizendo o seguinte:

“Tratando-se de uma lei, que pela sua natureza, está directamente ligada
aos Direitos Fundamentais, consagrados na Constituição da República, e
por me parecer que algumas das suas disposições são de
constitucionalidade duvidosa venho por esta via solicitar ao Conselho
Constitucional, nos termos do artigo 183.º, alínea a) da Lei 9/2003, de 22
de Outubro, a verificação da constitucionalidade das seguintes normas da
Lei de Combate à Corrupção:

 Artigo 6.º, que me parece pretender introduzir a presunção de


indeferimento tácito o que colocaria os administrados numa
situação de séria desvantagem diante da Administração
Pública. Julgo que este facto não é compatível com um Estado

100 Ver artigo 193.º n.º 2 alínea a) do Código do Processo Civil.

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que se quer democrático e preocupado com direitos dos
cidadãos;
 Alíneas b), c) do n.º 2 do artigo 20 da mesma Lei que atribuem
ao Gabinete Central de Combate à Corrupção competências
exclusivas de magistrados judiciais, ou seja, os titulares de
órgãos de soberania encarregados de exercer função
jurisdicional. Creio que aqueles poderes não são atribuíveis a
quem goze das garantias constitucionais de independência e
de irresponsabilidade apenas asseguradas aos juízes (artigo
164 da CRM). As mesmas alíneas parece-me que podem pôr
em causa também alguns direitos fundamentais como a
reserva da vida privada (art. 71 da CRM), o direito à
propriedade (artigo 86 da CRM) e a presunção de inocência
(artigo 101) ”

A actuação do Tribunal Supremo no caso da lei dos feriados


muçulmanos indicia a tendência deste órgão para assumir um
ascendente com relação aos demais órgãos do Estado, dando-se ao
direito de, ex officio, fixar o objecto da solicitação o que se traduz na
disposição de mais um poder de intervenção no viver social, podendo
escolher, quiçá com critérios eminentemente políticos, as normas e a
matéria a apreciar101.

Diversamente dos mecanismos de fiscalização da constitucionalidade,


o Presidente da República goza do mecanismo político de veto das leis
da Assembleia da República, desde que devidamente fundamentado.

Não se trata, aqui de um mecanismo de fiscalização da


constitucionalidade, uma vez que, se a lei reexaminada for aprovada
por maioria de 2/3 dos deputados, ainda que ferida de
inconstitucionalidade ou de ilegalidade, o Presidente da República deve
promulga-la e mandá-la publicar.

Trata-se de um mecanismo que deve ser visto no âmbito exclusivo da


actuação política dos órgãos envolvidos, tanto mais que, no direito
comparado (caso português), uma vez o Presidente da República opte

Neste sentido Vitalino Canas In “Princípios Estruturantes dos Processos de Fiscalização da


101

Constitucionalidade e da Legalidade, Lisboa 1985, pag.75.

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pelo veto, ficará prejudicada a fiscalização preventiva da
constitucionalidade, evitando-se que o Tribunal Constitucional envolva-
se no debate político entre o Presidente da República e a Assembleia
da República.

1.6.3.4.2. Assembleia da Republica e a Garantia da Constituição

A actuação da Assembleia da República não se compadece com a prática


de actos normativos que possam pôr em causa a Constituição da
República.

Nesse sentido, incumbe a Assembleia da República que seja


objectivamente rigorosa com os seus próprios actos de modo a que não
extravasem a letra e o espírito da lei fundamental.

Tal como na Constituição de 1975, a primeira legislatura da Constituição


de 1990, instituiu a Comissão dos Assuntos Jurídicos e de Legalidade,
incumbida de, entre outras tarefas, dar parecer sobre a constitucionalidade
e legalidade dos actos normativos da Assembleia, antes da discussão e
aprovação pela plenária da Assembleia da República, ainda que sem
carácter vinculativo.

Os seus procedimentos são praticamente os mesmos da então Comissão


de Assuntos Constitucionais Jurídicos e de Legalidade da Assembleia
Popular.

O projecto de Lei ou Resolução é previamente apreciado pela comissão


especializada da Assembleia da República, seguindo-se a intervenção da
Comissão dos Assuntos Jurídicos e de Legalidade da Assembleia da
República, a quem compete emitir o competente parecer de
constitucionalidade e legalidade do acto normativo proposto.

De seguida a plenária da Assembleia da República aprecia o mesmo


projecto juntamente com o parecer da Comissão dos Assuntos Jurídicos,
deliberando subsequentemente.

Como se pode depreender, a Comissão de Assuntos Constitucionais e de


Legalidade não é uma instância decisória sobre as questões de
inconstitucionalidade. Ela limita-se a emitir um parecer que, posteriormente,

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poderá ser objecto de sancionamento pela plenária da Assembleia da
República.

É a esta Comissão a quem, certamente, compete aconselhar o Presidente


da Assembleia da República, no caso de entender solicitar a declaração de
inconstitucionalidade ou de ilegalidade ao Conselho Constitucional.

A competência conferida ao Presidente da Assembleia da República para


solicitar a declaração de inconstitucionalidade ou ilegalidade dos actos
normativos é de carácter facultativo.

Nos casos de verificação da constitucionalidade apreciados antes da


entrada em vigor da revisão constitucional de 2004, coube sempre ao
Presidente da República a iniciativa de o solicitar, o que é de todo
compreensível se atendermos que a ratio da fiscalização da
constitucionalidade assenta nos princípios da separação e balanceamento
dos três pilares do poder do Estado, tendo, por fim último, a garantia das
liberdades fundamentais.

Aliás, seria de todo ridículo que o Presidente da Assembleia da República,


logo após a aprovação de um acto normativo pela Assembleia da
República e remetido ao Presidente da República para efeitos de
promulgação de publicação, encetasse de seguida, e sem que o
Presidente da República tivesse esgotado todos os mecanismos ao seu
dispor, a verificação preventiva da constitucionalidade da norma aprovada
pelo órgão que ele próprio preside.

Quanto a nós, é mais sensato que o Presidente da Assembleia da


República intervenha após a promulgação e publicação do acto normativo
pelo Presidente da República, de modo a permitir que, antes, outros
órgãos, que não a própria Assembleia da República, se pronunciem sobre
o acto normativo da Assembleia da República.

Outrossim, reside no facto de, em sede da fiscalização abstracta sucessiva,


o Presidente da Assembleia da República poder pronunciar-se sobre um
acto normativo que no momento da entrada em vigor é constitucional mas
que, derivado das vicissitudes políticas e sociais do tipo, entrada em vigor

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de uma nova Constituição, a posterior, se torna contraditória com a lei
fundamental.

Nestas circunstâncias, não veríamos factor algum que embaraçasse o


Presidente da Assembleia da República no seu pedido.

Os mesmos fundamentos usados para legitimar a intervenção do


Presidente da República a quando do pedido de apreciação da
constitucionalidade da lei dos feriados muçulmanos, nomeadamente o
artigo 183.º da CR e o acórdão do Tribunal Supremo, de 4 de Maio de
1996, são válidos para o Presidente da Assembleia da República.

Entretanto, há que recordar que o Conselho Constitucional, na sua


deliberação 12/CC/03, nega a legitimidade do Presidente da República
com o fundamento de que a mesma não se mostrar expressa no articulado
da Constituição, o que, seria também aplicável para o Presidente da
Assembleia da República e restantes entidades previstas no artigo 183.º
da CR.

Sobre este ponto, já tivemos a ocasião de manifestar a nossa total reserva,


pelo facto de nos conduzir a um bloqueio da Constituição, pois não se
mostra expresso para nenhum dos órgãos previstos no artigo 183.º da Lei
Fundamental a legitimidade para intervir em processos de fiscalização
predeterminados, sendo a referência do artigo 183.º da CR de 1990 algo
genérica.

1.6.3.4.3. Garantia incumbida aos tribunais

Por tribunais entender-se-á, aqui, os órgãos constitucionais de soberania


(artigo 109.º da CR) a quem está incumbido, especialmente, o exercício da
função jurisdicional (artigo 168 nº1).

Nos termos do artigo 167.º, a Constituição prevê a existência de tribunais


judiciais e não judiciais, porquanto o nº1 deste preceito discrimina o
Tribunal Supremo e outros Tribunais Judiciais, do Tribunal Administrativo,
Tribunais Militares, Tribunais Aduaneiros, Tribunais Fiscais, Tribunais
Marítimos e Tribunais de Trabalho, previstos pelas restantes alíneas do
mesmo preceito.

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O artigo 162.º da Constitução impõe aos tribunais- entenda-se tribunais em
sentido lato, o dever de não aplicarem normas inconstitucionais,
compentindo-lhes, implicitamente, a garantia da lei fundamental.

Depreende-se deste preceito que a Constituição, para além do controlo


concentrado, abstracto e principal, consagra também a fiscalização
jurisdicional difusa, concreta e incidental a cargo de todos os tribunais
existentes na ordem jurídica Moçambicana.

Os tribunais só podem exercer a fiscalização da constitucionalidade por


ocasião da aplicação de normas jurídicas infraconstitucionais na solução
de casos que hajam sido submetidos a sua apreciação e decisão. Assim, a
inconstitucionalidade há-de ser suscitada, em cada caso pelos sujeitos
processuais, incluindo o próprio tribunal e o Ministério público102.

A questão da inconstitucionalidade surge como uma questão prejudicial


dentro de um determinado processo cujo fim é a solução de uma lide. Isso
exclui, portanto, a hipótese de se poder instaurar perante um tribunal uma
acção específica para a apreciação e declaração da inconstitucionalidade
de uma norma.

Em face de uma questão de inconstitucionalidade, o juiz “a quo” aprecia a


sua procedência e, se o resultado da apreciação for positivo, desaplica, ao
caso sub judicie, a norma julgada inconstitucional. Caso contrário, a norma
é aplicada.

O Juiz não tem competência para declarar a invalidade da norma


inconstitucional, cabendo-lhe, apenas, decidir da sua ineficiência.103

Essa decisão é eficaz, apenas com relação ao caso concreto objecto do


processo no qual a questão de inconstitucionalidade tenha sido levantada,
vinculando as partes no mesmo processo.104

A sua impugnação é feita mediante os recursos ordinários previstos na lei


adjectiva, art. 676.º e seguintes do Código do Processo Civil e art. 645.º e
seguintes, nos prazos previstos nos artigos 685.º e 145.º ambos do mesmo
Código e art. 651.º do Código Processual Penal, tendo legitimidade para o
efeito o Ministério Público ou a parte contra quem as decisões foram

102 Artigo 26.º e 647.º do Código do Processo Civil


103 Caetano, Marcello, Manual…ob.cit., pag 624.
104 Idem; no mesmo sentido, cfr. Miranda. Jorge, Manual…ob.cit. vol. II Ag 365.

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proferidas nos termos do Código do Processo Penal (artigos 26.º do C.P.C
e 647.º do C.P.P.)

O recurso ordinário desemboca no Tribunal Supremo, entidade que, nos


termos da Constituição de 1990, assume a plenitude da jurisdição judicial,
fixando jurisprudência para o caso concreto.

Em 2003, a Assembleia da República, através da Lei n.º 4/2003, de 21 de


Janeiro, evoluiu no sentido do estabelecimento de relação de recurso entre
os demais tribunais previstos na Constituição e o Conselho Constitucional.
105

Para o efeito, estabeleceu-se a secção II do capítulo III, onde se previa o


recurso ao Conselho Constitucional das decisões dos tribunais que:

 Recusem a aplicação de qualquer norma com fundamento em


inconstitucionalidade;

 Apliquem norma cuja inconstitucionalidade tivesse sido suscitada


durante o processo;

 Apliquem norma já anteriormente julgada inconstitucional ou ilegal


pelo próprio Conselho Constitucional;

 Recusem a aplicação de norma constante de acto interno com


fundamento na sua contrariedade com uma convenção
internacional, ou apliquem em desconformidade com o
anteriormente decidido sobre a questão pelo Conselho
Constitucional.

No caso da inconstitucionalidade suscitada durante o processo, a referida


lei admitia o recurso para o Conselho Constitucional apenas no caso de
não admissão de recurso ordinário por a lei o não prever ou por já haverem
sido esgotados todos os que no caso cabiam, salvo os destinados a
uniformização da jurisprudência. Também não se admite recurso para o
Conselho Constitucional as decisões sujeitas a recurso ordinário
obrigatório (artigo 57.º n.º 5).

O âmbito do recurso das decisões judiciais para o Conselho Constitucional


circunscrevia-se à questão da inconstitucionalidade ou da ilegalidade

105 Compete ao Conselho Constitucional apreciar recursos de decisões de outros tribunais (art. 7)

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suscitada, cabendo ao Ministério Público e as pessoas que, de acordo com
a lei reguladora do processo em que a decisão foi proferida, impulsionar o
processo. (artigos 58.º e 59.º).

No entanto, esta lei, embora promulgada pelo Presidente da República e


publicada no Boletim da República, não chegou sequer a vigorar com o
fundamento de, segundo o Presidente da Comissão dos Assuntos
Jurídicos Direitos Humanos e Legalidade, a lei estar ferida de
inconstitucionalidade, fundada na natureza jurídica do Conselho
Constitucional.

No entender da CAJDHL, o Conselho Constitucional previsto na Lei n.º


4/2003, de 21 de Janeiro, tinha natureza jurisdicional ou seja,
competências para tomar decisões jurisdicionais o que extravasava de
longe as competências fixadas pela Constituição da República para este
órgão.

O Presidente da CAJDHL esclarece, ainda, que a Lei n.º 4/2003, de 21 de


Janeiro, foi lavrada com base em dois textos que existiam na Assembleia
da República sobre a matéria mas na perspectiva e no espírito em que
apontava a revisão constitucional na matéria atinente ao órgão que se
pretendia criar. É, pois, assim que foram acometidas ao Conselho
Constitucional competências de natureza jurisdicional, passando este
órgão a apreciar recursos dos tribunais judiciais sobre a
constitucionalidade das leis aplicadas 106 , contrariando deste modo a
designação política do órgão, Conselho Constitucional; a estrutura dos
tribunais previstas no artigo 167.º da CR onde não consta o Conselho
Constitucional e, por último, o facto do modelo moçambicano inspirar-se no
modelo político francês de fiscalização da constitucionalidade.

Assim, a Lei 9/2003, de 22 de Outubro veio expurgar da Lei Orgânica do


Conselho Constitucional todas as conotações do Conselho Constitucional
com a magistratura e tribunais judiciais, a saber;

 A designação dos integrantes do Conselho Constitucional de


Juízes, passando a designar-se de membros;

 A apreciação dos recursos de decisões de outros tribunais, e;

106 Jornal Media fax n.º 2835, de 06.08.2003

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 O processo de fiscalização concreta.

Esta questão liga-se com a natureza das funções desempenhadas pelas


jurisdições objectivas, no caso concreto, do Conselho Constitucional.

1.6.3.4.4. O Conselho Constitucional

Tal como em França, o nascimento do Conselho Constitucional


moçambicano tem sido um processo algo conturbado e original.

Aquando da discussão e aprovação da Constituição de 1990, duas


correntes políticas se posicionaram.

Uma, defendendo a transferência do controle da Constituição para um


órgão verdadeiramente jurisdicional, Tribunal Constitucional e, outra,
defendendo a manutenção do controle da lei fundamental por uma
assembleia política, Assembleia Popular.

Pretendiam os defensores da jurisdicionalização do controle da


Constituição tornar esta actividade mais adequada com os princípios do
Estado de Direito Democrático, tendo por fim último assegurar a defesa
das liberdades e direitos fundamentais, limitando, deste modo, a actuação
da Assembleia Política, através do estabelecimento de vasos
comunicantes entre o Tribunal Constitucional e a Assembleia Popular, no
que tange ao controle da constitucionalidade das normas.

Porém, o Anteprojecto de Revisão da Constituição da República Popular


de Moçambique, publicado em Janeiro de 1990, trouxe consigo a proposta
de um modelo político de controlo da Constituição, atribuindo à Assembleia
Popular, a competência para apreciar a inconstitucionalidade e ilegalidade
dos actos legislativos e normativos dos órgãos do Estado107.

Parece-nos óbvio que este Anteprojecto de Revisão da Constituição da


RPM, embora pretendendo, claramente, demarcar-se da Constituição
marxista de 1975, em alguns aspectos como o da jurisdição constitucional,
revela um esforço dos proponentes na continuidade do centralismo
democrático, ainda que disfarçado nas vestes do Estado de Direito
Democrático do tipo ocidental.

107 Artigo 92.º

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É visível, nesta proposta, o receio dos políticos em ser confiada a garantia
da Constituição a um órgão independente e fora de controlo político
partidário, o que parece traduzir pouco interesse no controle efectivo da
constitucionalidade dos actos normativos.

Mais ainda, os políticos parece não admitirem que os seus actos possam
ser fiscalizados por uma entidade diversa da assembleia política, o que, no
seu entender, poria em causa a soberania e legitimidade popular do
parlamento.

Parte das razões desta opção podem ser encontradas na história da


edificação do Estado moçambicano, nomeadamente:

 A formação do sistema constitucional moçambicano por via de uma


revolução apoiada pelo bloco europeu do leste que se propunha
destruir o sistema colonial opressor até então instalado;
 O ensejo de pôr fim ao regime burguês, aliado à necessidade de
massificação do exercício do poder político, centralizando o se
exercício na então Assembleia Popular que representava a vontade
soberana do povo moçambicano, aprovando normas e controlando
a actuação dos demais órgãos do poder político estadual.

Grosso modo, como já podemos referir em capítulos anteriores, a


actividade de controlo da Constituição estava confiada aos órgãos políticos,
neste caso, às Assembleias Políticas de âmbito nacional e provincial.

Sendo assim, o controlo jurisdicional dos actos normativos mostrava-se


completamente inútil.

Tal como na França, “a esta inutilidade do controle da constitucionalidade


das leis acrescia o seu carácter inoportuno – se por ventura uma lei fosse
contrária à Constituição, caberia ao juiz sanciona-la, o que no espírito dos
revolucionários poderia significar um entrave ao seu dinamismo, por parte
de um poder que se pretendia aliado108.

108Segundo Beatriz Segorbe; Cláudia Trabuco In, O Conselho.ob.cit, nenhum regime depois de 1791
admitiu a ideia de um poder judicial capaz de fazer contrapeso ao poder legislativo. O Juiz era visto e
pretendia-se um mero servidor da lei, incapaz de um juízo valorativo sobre a bondade de qualquer
diploma

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Numa palavra, a deificação da lei tornava o controlo da constitucionalidade
inútil, ao passo que a desconfiança no poder judicial o tornava inoportuno.

É entre as posições da jurisdicionalização do controlo da Constituição e a


centralização do poder político na Assembleia Política que a Constituição
de 1990 vai estabelecer o Conselho Constitucional, órgão de competência
especializada no domínio das questões jurídico-constitucionais109.

Trata-se, quanto a nós, de uma solução aparentemente intermédia das


tendências da jurisdicionalização ou da politização da actividade de
garantia da Constituição que culmina com aparente afastamento do
Tribunal Constitucional e a Assembleia da República na actividade de
controlo da lei fundamental.

A Assembleia da República, algo disfarçada e a coberto das


indeterminações da lei fundamental, em alguns momentos da vida política
do país, acabou por desempenhar um papel fundamental na fiscalização e
garantia da Constituição, remetendo o Conselho Constitucional a um papel
secundário e de ostracismo ainda que especializado na matéria.

Pela génese, o Conselho Constitucional moçambicano, tal como o francês,


tem uma natureza iminente mente política.

Enquanto o legislador constituinte francês preocupa-se em estabelecer


através do Conselho Constitucional, um mecanismo de resfriamento da
actuação abusiva da Assembleia Nacional face ao Executivo, no caso
moçambicano as razões pela opção por um Conselho Constitucional,
assentam na busca de uma solução intermédia, que não belisque a
soberania da Assembleia da República e evite que a actividade de garantia
da Constituição vá para além do âmbito de actuação dos órgãos políticos,
evitando-se, assim, que um corpo estranho ao ambiente político, imiscua-
se no exercício da actividade legislativa.

1.6.3.4.5. Competência do Conselho Constitucional

No domínio da fiscalização da constitucionalidade, estabelece a


Constituição de 1990 que compete ao Conselho Constitucional apreciar e

109 Artigo 180.º

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declarar a inconstitucionalidade e a ilegalidade dos actos legislativos e
normativos dos órgãos do Estado110.

No entanto, a referida lei não define com clareza os parâmetros da


fiscalização da constitucionalidade, abrindo assim campo para a sua
regulamentação aquém ou além do estipulado pelo legislador constituinte,
o que poderia ser aproveitado para desvirtuar o sistema de controlo da
constitucionalidade, perigando, deste modo, a salvaguarda dos direitos e
liberdades fundamentais, bem como o correcto funcionamento dos órgãos
do Estado, no âmbito do sistema de governo111.

Só um sistema de controlo da lei fundamental amplamente consagrado na


Constituição pode assegurar o carácter sagrado e firme da lei mãe, e não
uma lei comum, por sinal sujeita às mutações e turbulências no seio do
parlamento.

No âmbito da Lei Orgânica do Conselho Constitucional, 112 o legislador


ordinário encarrega-se de regular duas espécies de processos de
fiscalização da constitucionalidade processos de fiscalização abstracta da
constitucionalidade ou legalidade e processos de fiscalização prévia da
constitucionalidade e legalidade dos referendos 113 , deixando de fora a
fiscalização abstracta prévia e a concreta.

Estas espécies de fiscalização da constitucionalidade constavam


expressamente dos artigos 39.º alínea b) 114 e c) 115 , 41.º 44.º 116 57.º e
seguintes da Lei Orgânica do Conselho Constitucional n.º 4/2003, de 21 de
Janeiro, que, entretanto, sem que a referida lei entrasse em vigor, foram
expurgadas pela Assembleia da República com fundamento na sua

110
Alínea a) n.º 1 do artigo 181.º
111
Podemos por exemplo, verificar na Constituição Portuguesa que, no capítulo da Garantia e Revisão
da Constituição, estabelece a inconstitucionalidade por acção, a fiscalização preventiva da
constitucionalidade, fiscalização concreta da constitucionalidade e da legalidade, fiscalização abstracta
da constitucionalidade e da legalidade e por fim a inconstitucionalidade por omissão.
112
Lei n.º 9/2003, de 22 de Outubro
113 Artigos 36.º, 37.º, 39.º, 41.º e seguintes da Lei Orgânica do Conselho Constitucional.
114 Referência genérica aos processos de fiscalização abstracta da constitucionalidade ou da legalidade
115 Recursos para o Conselho Constitucional das decisões de outros tribunais que: recusem a aplicação

de qualquer norma, com fundamento em inconstitucionalidade; apliquem norma cuja


inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo; apliquem norma já anteriormente julgada
inconstitucional ou ilegal pelo próprio Conselho Constitucional; recusem a aplicação de norma
constante de acto interno com fundamento na sua contrariedade com convenção internacional, ou
apliquem em desconformidade com o anteriormente decidido sobre a questão pelo Conselho
Constitucional.
116 No caso da fiscalização preventiva, o prazo de audição do órgão autor da norma é de 5 dias.

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inconstitucionalidade, aprovando seguidamente a lei n.º 9/2003, de 22 de
Outubro.

Os argumentos das inconstitucionalidades situavam-se basicamente na


alegação de que a Constituição da República não previa expressamente a
fiscalização abstracta preventiva e, por outro lado, não sendo o Conselho
Constitucional um verdadeiro tribunal, mas sim um órgão de natureza
iminentemente político, não lhe competia a apreciação em sede de recurso,
das decisões que provenham doutros tribunais.

Relativamente a primeira alegação, vale a pena nos determos nos


argumentos do Conselho Constitucional 117 que sustentam a deliberação
relativa ao pedido do Presidente da República, no sentido de o Conselho
Constitucional, verificar a constitucionalidade da designada Lei de
Combate à Corrupção, aprovada pela Assembleia da República, a 16 de
Outubro de 2003, e que lhe foi submetida para promulgação, nos termos
do disposto no artigo 124.º da Constituição

Notificado o autor da norma – a Assembleia da República, está, veio aduzir


o argumento de a Constituição da República referir-se apenas à
apreciação e declaração da inconstitucionalidade e da ilegalidade dos
actos normativos e legislativos dos órgãos do Estado; ademais, o artigo
39.º da Lei n.º 4/2003, de 31 de Janeiro, prevê apenas processos de
fiscalização da constitucionalidade ou legalidade, processo de fiscalização
da legalidade dos referendos, reclamações eleitorais e validação e
proclamação dos resultados eleitorais, parecendo para o autor da norma
líquido que a figura de fiscalização preventiva da constitucionalidade não
aparece tratada nem na Lei n.º 4/2003, de 21 de Janeiro, nem na
Constituição da República vigente, concluindo assim pelo demérito do
pedido.

Equacionada a questão pelo Conselho Constitucional veio esta concluir:

 Pela não referência específica à fiscalização preventiva da


constitucionalidade na lei fundamental;

117 Deliberação n.º 12/CC/03

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 Pela não aplicação da jurisprudência do Tribunal Supremo que


considerou este órgão competente para fiscalizar preventivamente
a Lei sobre os Feriados Nacionais nas datas do Ide-Ui-Fitre e Ide-
UI Adha, em acórdão preferido no processo n.º 1/96, e publicado
no Boletim da República n.º 44 da IIIª Série, de 4 de Dezembro de
2002, com fundamento deste ter exercido uma competência que
não estava demonstrada na lei fundamental aliado ao facto de não
constituir caso julgado. Para o Conselho, faz mais sentido que o
Presidente da República, quando se suscitem dúvidas acerca da
conformidade de uma lei ou de algumas das suas disposições com
normas constitucionais, em mensagem fundamentada, a devolva
para reexame pela Assembleia da República, nos termos da
Constituição;
 Em considerar-se incompetente para decidir sobre o pedido de
fiscalização prévia de constitucionalidade que lhe foi submetido
pelo Presidente da República de Moçambique, por não se mostrar
prevista no texto constitucional, para além do facto de que, se o
legislador constituinte quisesse introduzir tal fiscalização, o deveria
ter feito, indicando expressamente o tipo ou tipos de diplomas que
seriam objecto dessa fiscalização e, ainda que de forma genérica,
os termos em que ela deveria ser feita, não deixando para a lei
ordinária toda essa matéria.

Guiando-nos pela Constituição da República de Moçambique e


fazendo ”jus” à deliberação do Conselho Constitucional, concluiríamos,
então, pela extensão da incompetência do Conselho Constitucional para
decidir, não apenas sobre o pedido de fiscalização prévia de
constitucionalidade, mas também pela incompetência para deliberar sobre
qualquer pedido do que o legislador ordinário chama de processos de
fiscalização da constitucionalidade ou de legalidade.

Não estamos em crer que tenham sido esses os efeitos pretendidos pelos
membros do Conselho Constitucional, isto é, bloquear os processos de
fiscalização da constitucionalidade constantes da então alínea a) do n.º1
do artigo 181.º da Constituição da República.

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Negar a competência da fiscalização prévia da constitucionalidade com o
fundamento de a Constituição não se referir aos actos sujeitos a esse
processo constitui um argumento com o qual não subscrevemos, se
atendermos a que a alínea a) do n.º1 do artigo 181.º da Constituição da
República tratava, de modo genérico, os processos de fiscalização da
constitucionalidade dos actos legislativos e normativos das entidades do
Estado.

Por outro lado, é dado adquirido que os prazos prescritos na Lei n.º 4/2003,
de 31 de Janeiro, para o exercício da fiscalização abstracta, ultrapassam
largamente os trinta dias que o Presidente da República dispõe para
promulgar as leis aprovadas pela Assembleia da República, obstando,
assim a partida, que este exerça a fiscalização prévia.

No entanto, entendemos que uma questão de ordem meramente


processual/prazos, não deve pôr em causa normas e princípios
objectivamente constitucionais, nomeadamente, aqueles que costuram a
sistemática e lógica do sistema de garantia da Constituição vigente.

Cremos que, neste ponto, os membros do Conselho Constitucional teriam


sido mais cautelosos, reconhecendo a existência de uma lacuna da lei
4/2003, de 31 de Janeiro, no que tange aos prazos para o exercício da
fiscalização abstracta prévia das leis dentro dos ditames da promulgação
pelo Presidente da República, criando, assim, nos termos do artigo 10.º do
Código Civil, o direito aplicável para este caso, cingindo-se pela regra geral
consagrada no artigo 138.º do Código de Processo Civil118.

Em princípio, não haveria contraditório119 e instrução face à necessidade


de a tramitação processual assumiria a forma mais simplificada possível,
tendo em atenção a necessidade da celeridade processual e a obediência
do prazo de trinta dias que o Presidente da República dispunha para
promulgar os actos legislativos.

118
Quando não esteja expressamente regulada na lei, os actos processuais terão a forma que, em
termos mais simples, melhor se ajuste ao fim que visam atingir

119
Assente que não há contraditório, tal não se opõe, no entanto, a que se possa solicitar ao órgão
donde emanou a norma, elementos que possam esclarecer a sua motivação e fundamentação. Neste
sentido vide o artigo 44.º da Lei n.º 9/2003, de 22 de Outubro

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O Conselho Constitucional, ao vir dizer que não reconhece a orientação
jurisprudencial emanada pelo Tribunal Supremo, quando ainda exercia as
competências do Conselho Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo
208.º da Constituição, no sentido da admissão da fiscalização preventiva
da constitucionalidade, por não reunir suficiente fundamentação quer na
história quer na letra ou no espírito da Constituição da República, cria um
precedente de preocupante gravidade para a consolidação do Estado de
Direito Democrático, traduzido na(o):

 Descontinuidade da jurisprudência e legitimação para o contínuo


questionamento das deliberações do Conselho Constitucional;
 Ausência da segurança jurídica, admitindo que as deliberações do
Conselho Constitucional possam ser radicalmente questionadas
dentro dos mesmos parâmetros históricos e jurídico constitucionais
que orientam a edificação do Estado moçambicano;
 Questionamento do sistema de governo de pendor presidencialista,
que se traduz na limitação da actividade garantistíca do Chefe de
Estado, obrigando-o a um confronto constante com a Assembleia
da República, ao devolver o diploma legal para efeitos de reexame;
 “Demissão” do Conselho Constitucional das suas obrigações
constitucionais, traduzindo-se na “usurpação” das suas
competências por parte da Comissão dos Assuntos Jurídicos,
Direitos Humanos e Legalidade da Assembleia da República, órgão
que, efectivamente, aconselha a plenária da Assembleia da
República e a Comissão Permanente, no seu pronunciamento
sobre a constitucionalidade dos seus actos legislativos;
 Desamparo dos direitos e liberdades do cidadão
constitucionalmente consagrados, uma vez confirmada a auto
mutilação do Conselho Constitucional, no que concerne à garantia
preventiva e sucessiva da lei fundamental e por interpretação
extensiva dos argumentos do Conselho Constitucional, constantes
da deliberação n.º 12/CC/03;
 Recondução da actividade dominante Conselho Constitucional ao
exercício de competências eleitorais;

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Curso de Ciências Jurídicas – Direito do Constitucional II – Semestre 2 NC
A posição do Conselho Constitucional nesta questão da fiscalização prévia
da constitucionalidade, veio reforçar o pensamento daqueles que se
esforçavam em ver o Conselho Constitucional reduzido à um órgão
iminentemente político, centrado em questões meramente eleitorais e de
referendo, abrindo espaço para que a Assembleia da República, através
da CAJDHL, se destacasse no processo de garantia da Constituição, como,
aliás, sucedeu na expurgação das inconstitucionalidades na Lei Orgânica
do Conselho Constitucional e na Lei de Combate a Corrupção.

A questão da fiscalização concreta também liga-se à natureza das funções


do Conselho Constitucional.

A sua determinação não constitui tarefa fácil, pelo que, para uma melhor
percepção do posicionamento funcional em sede da fiscalização
concreta, faremos recurso à doutrina, legislação e jurisprudência
vigentes.

A resposta a este ponto implica, ainda, a sua abordagem, tendo por


base determinadas matérias que se mostram reflectidas na actuação da
justiça constitucional, como sejam o princípio da separação de poderes,
os princípios estruturantes dos processos de fiscalização da
constitucionalidade e da legalidade, as decisões da justiça
constitucional, bem como os seus efeitos.

É corrente a doutrina contemporânea abordar a problemática da natureza


das actividades de fiscalização da constitucionalidade numa perspectiva
estrita da teoria da interpretação da lei do que propriamente no plano de
uma teoria da Constituição. O que quer dizer que têm sido privilegiado
nesta abordagem figuras de construção jurisdicional como a interpretação
conforme a Constituição, as omissões legislativas parciais, os casos de
inconstitucionalidade parcial, as sentenças aditivas, interpretativas e
substitutivas, os casos de mera verificação de quase inconstitucionalidade
ou de inconstitucionalidade futura ou próxima, as situações de mera
verificação da inconstitucionalidade sem emissão da correspondente
declaração, etc. Para o efeito, alegam parte desses autores a incapacidade
da teoria da separação de poderes, na sua versão clássica, em demonstrar
a relação de inferioridade da lei em relação a Constituição ou do poder do
juiz, não apenas de aplicar as leis mas, também, o de, responsavelmente,

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Curso de Ciências Jurídicas – Direito do Constitucional II – Semestre 2 NC
criar normas jurídicas, gerais e individuais razoáveis, adequadas e
proporcionais às “cláusulas abertas” constitucionais120.

A proliferação destas decisões ditas «intermediárias», e o seu progressivo


uso para resolver os problemas suscitados pela relação entre a justiça
constitucional e os órgãos legislativos, não nos deve inibir de, à prior,
colocarmos o problema na óptica ou perspectiva organizatória,
reconhecendo-se, desde já, que a contraposição existente entre a teoria da
constituição e a teoria da interpretação tem mais um valor simbólico do que
um sentido dogmático rigoroso. É que, bem vistas as coisas, toda a teoria
da constituição comporta também uma teoria da interpretação
constitucional.

Segundo Nuno Piçarra, a relação de cumplicidade entre a teoria da


constituição e a teoria da interpretação resulta do efectivo controlo do
poder pelo poder, pressupondo que os centros de poder, entre os quais se
há -de processar a relação de recíproco controlo, possuam características
diferenciadoras capazes de os contrapor ou de criar entre eles tensões.
Entre o órgão legislativo e o órgão jurisdicional tais características não
decorrem do facto de cada um deles representar forças político – sociais
portadoras de interesses divergentes mas, simplesmente, do facto de cada
um deles exercer funções materiais e teleologicamente deferentes, entre
as quais existe uma particular tensão.

Porque a natureza da lei é política mas também jurídica, porque a sua


componente política pode sobrepor-se à sua componente jurídica e
postergar os valores jurídico constitucionais fundamentais, ela convoca,
ipso facto, no Estado de Direito, a limitação do poder pelo poder ou seja,
um segundo poder destinado a aferir da validade das leis em função dos
valores conformadores fundamentais.

Nesse processo, a jurisdição constitucional, melhor do que o próprio poder


legislativo, está em condições de aferir a conformidade das leis com a lei
fundamental, vestindo para o efeito a capa de contra poder legislativo, sem
obviamente erigir-se em contra legislador ou seu substituto.

120 Queiroz Cristina; Interpretação Constitucional e Poder Judicial; Coimbra Editora; 2000; pp. 28 e 29

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Curso de Ciências Jurídicas – Direito do Constitucional II – Semestre 2 NC
Vista pelos tradicionais como uma função limitativa ao princípio
democrático do Governo do povo e para o povo, pelo facto de invalidar as
deliberações expressas pela Assembleia política, a actuação da jurisdição
constitucional traduz-se, quanto a nós, na defesa da própria democracia,
ao propor-se salvaguardar, face a actuação do legislador, valores
individuais fundamentais próprios de um Estado de Direito, usando para o
efeito diversos mecanismos de interacção e interdependência dos órgãos
do poder do Estado.

Quanto aos termos da aplicação do princípio da separação de poderes a


partir da Constituição de 1990 temos a dizer o seguinte:

A Lei Mãe institui princípios de convivência democrática como sejam o


pluralismo democrático, o Estado de Direito, a separação de poderes,
acompanhado obviamente de instituições vocacionadas para a
implementação e garantia.

Constata-se a existência de três pilares do poder do Estado


nomeadamente a função legislativa exercida pela Assembleia da República
e pelo Conselho de Ministros, a função executiva exercida pelo Presidente
da República e Conselho de Ministros e a função jurisdicional, exercida
pelos Tribunais e Conselho Constitucional.

As relações de interdependência, embora não expressamente


referenciadas, resultam implícitas, por exemplo, no processo de ratificação
pela Assembleia da República da nomeação pelo Presidente da República
do Presidente do Tribunal Supremo, do Vice-presidente Tribunal Supremo,
do Presidente do Conselho Constitucional e do Presidente do Tribunal
Administrativo; na apreciação do programa do Governo pela Assembleia da
República; na prestação de informação anual à Assembleia da República
pelo Procurador-geral da República, etc.

A não aplicação plena dos princípios processuais civil e penal, como seja o
princípio do contraditório, 121 o princípio de partes processuais e da

121 Nos processos de fiscalização abstracta não opera qualquer manifestação do princípio do
contraditório, no sentido rigoroso que a doutrina lhe atribui.
Não há partes porquanto não há interesses opostos. Toda a intervenção das entidades legitimadas a
participar nos processos conflui numa única direcção: a conveniente tutela de interesses públicos da
constitucionalidade e da legalidade. (neste sentido Vitalino Canas, Princípios Estruturantes dos
Processos de Fiscalização da Constitucionalidade e da Legalidade, Lisboa 1985)

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Curso de Ciências Jurídicas – Direito do Constitucional II – Semestre 2 NC
natureza subjectiva do processo em virtude do interesse público envolvido
na garantia da Constituição 122 , etc. – tem servido de justificação para
aqueles constitucionalistas que segundo critérios de natureza processual
questionam a natureza jurisdicional das funções da justiça constitucional.

Sobre este ponto, é certo que a Constituição da República não situa,


expressamente, o Conselho Constitucional na hierarquia dos restantes
tribunais nela previstos.

Mas, a par desta realidade jurídico-constitucional, existe outra,


nomeadamente a de que o Conselho Constitucional é um órgão de
soberania e exerce uma competência especializada no domínio das
questões jurídico – constitucionais.

O anterior Estatuto do Conselho Constitucional123 consagrava para os seus


membros, garantias de independência e inamovibilidade,
irresponsabilidade, regime de incompatibilidades com demais funções
públicas e privadas, proibição de exercício de actividades políticas e
impedimentos e suspeições dos juízes dos tribunais judiciais.

Tal estatuto é semelhante ao de qualquer juiz de um tribunal e no próprio


Estatuto dos Magistrados Judiciais.

A nível processual, a Lei n.º 9/ 2003, de 21 de Janeiro, fazia recurso ao


Código do Processo Civil, nomeadamente quanto à distribuição de
processos (artigo 38.º), contagem de prazos (artigo 48.º124), etc.

Relativamente a esta questão, recorde-se que o Tribunal Supremo, quando


teve que se pronunciar preventivamente sobre a constitucionalidade da Lei
sem n.º que decretava feriados nacionais, nas datas de Ide-Ui – Fitre e Ide
– Ui-Adha, dias de festas religiosas muçulmanas, tendo por base a lei
objectiva e adjectiva civil, veio deliberar que, na falta da lei processual
constitucional, havia que determinar os princípios a observar na sua

122 Os actos do poder público e privado devem sofrer o influxo da norma constitucional e a ela se
subordinando enquanto a concretizam e desenvolvem na vida quotidiana
123 Lei n.º 9/2003, de 22 de Outubro
124 A contagem dos prazos referidos na presente Lei é aplicável o disposto no artigo144.º do Código de

Processo Civil.

Escola Superior Aberta/A Politécnica – Ensino à Distância 123


Curso de Ciências Jurídicas – Direito do Constitucional II – Semestre 2 NC
definição, de acordo com as regras de integração de lacunas da lei,
previstas no art. 10.º do Código Civil125.

Assim, situando a questão no âmbito da natureza e competência que


exerce, do estatuto dos seus membros e do respectivo processo, é de se
concluir que, nos termos da Constituição e da então Lei Orgânica, cabia ao
Conselho Constitucional uma função jurisdicional objectiva, derivado do
interesse público que protege, ao fiscalizar o cumprimento das normas
constitucionais, normas essas que constituem o elemento definitório, por
excelência, de um Estado de Direito.

Esta perspectiva reconduz-nos a uma actividade do Conselho


Constitucional verdadeiramente jurisprudencial, no sentido clássico,
aplicando normas jurídicas preexistentes, mediante um processo cognitivo
de interpretação racional e controlável.

Com isto se pretende evidenciar que a natureza jurisdicional ou judicial de


um determinado órgão não resulta, apenas, do seu posicionamento no
conjunto dos tribunais, ou pelo facto de aplicar o direito a um caso concreto.

Como afirma o Professor Vitalino Canas na sua tese de mestrado


subordinada ao tema “Princípios Estruturantes dos Processos de
Fiscalização da Constitucionalidade e da Legalidade”, Lisboa, 1985, a
manifestação dos elementos processuais na actividade de garantia da
constituição e da legalidade em si, são dados interessantes por uma outra
razão: constituem dados preciosos a utilizar quando tentarmos determinar
qual a natureza das funções garantistícas da Constituição.

Aqueles que privilegiam o critério processual, isto é, aqueles que


sustentam que o que permite diferenciar as várias funções do Estado são
as características específicas de cada um dos processos, nomeadamente
os que vejam na natureza contraditória de um processo de partes o
elemento constitutivo da função jurisdicional, terão grandes dificuldades em
demonstrar que a actividade garantistíca da Constituição é jurisdicional.

Segundo outras posições, nomeadamente de Gomes Canotilho e Jorge


Miranda, esta questão ultrapassa-se através do entendimento segundo o

125 Acórdão da plenária do Tribunal Supremo, sem n.º datado de 24 de Outubro de 1996

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qual essa função jurisdicional não é subjectiva, tal como a de um tribunal
comum, mas, sim, objectiva atendendo que o objecto imediato a defender é
uma norma no contexto mediato de um Estado de Direito e de democracia.

Deste modo, conjugando a competência especializada do Conselho


Constitucional no domínio das questões jurídico-constitucionais e a
cláusula aberta contida no então artigo 184.º da Constituição, não nos
repugna que a primeira lei orgânica do Conselho Constitucional (Lei n.º
4/2003, de 21 de Janeiro) tivesse atribuído competência ao Conselho
Constitucional para apreciar recursos de decisões de outros tribunais126.

Aliás, o artigo 162.º da Constituição de 1990, ao estabelecer que em


nenhum caso os tribunais deviam aplicar normas que contrariassem a
Constituição, pareceu deixar implícito que a não aplicação da norma
inconstitucional pelos tribunais comuns deveria, em algum momento, ser
uniformizada pelo órgão especializado na matéria, pois que a desaplicação
de uma norma não significava que a dita norma tivesse sido afastada, com
força obrigatória geral do ordenamento jurídico.

De outro modo, teríamos diversos tribunais, com variedade de


fundamentos, a desaplicarem normas inconstitucionais, sem que algum
órgão pudesse fixar a orientação jurisprudencial.

Se assim não fosse, não faria sentido que a Constituição tivesse


transitoriamente atribuído ao Tribunal Supremo o exercício das
competências do Conselho Constitucional.

Cremos que estava na mente do legislador constituinte que estes dois


órgãos concorrem para a mesma função e orientam-se pelos mesmos
princípios de natureza legalista, embora algo diferentes na denominação,
objecto e, em parte, nas normas processuais.

De difícil compreensão seria, certamente, se a Constituição viesse dizer


que, por exemplo, transitoriamente as funções de governação são
exercidas pelo Tribunal Supremo.

126 Artigo 7.º n.º 1 alínea d)

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Se o Tribunal Supremo é o mais alto órgão judicial com jurisdição em todo
o território nacional, então o Conselho Constitucional é o único órgão
especializado no domínio das questões jurídico-constitucional.

Sendo assim, qualquer aplicação objectiva de norma por parte de um


órgão jurídico público, particularmente em sede de um caso concreto, deve
sujeitar-se à fiscalização por parte do Conselho Constitucional.

Para além da fiscalização da constitucionalidade das normas jurídicas a


Constituição da República de 1990, encarregava o Conselho
Constitucional de diversas tarefas relacionadas com a regularidade das
consultas políticas, competindo-lhe, nomeadamente, supervisar o processo
eleitoral, verificar os requisitos legais exigidos para as candidaturas a
Presidente da República, apreciar, em última instância, as reclamações
eleitorais, validar e proclamar os resultados finais do processo eleitoral.

No que se refere aos efeitos da declaração de inconstitucionalidade ou de


ilegalidade preceituava o n.º3 do artigo 54.º da Lei n.º 9/2003, de 22 de
Outubro da lei supra referida que, em caso de declaração da
inconstitucionalidade ou da ilegalidade, com força obrigatória geral, podia o
referido órgão emitir normas provisórias para regular a situação lacunar,
resultante dessa declaração, até que o órgão competente emitisse a norma
em falta.

O conteúdo desta norma suscitou interpretações diversas, quanto à sua


constitucionalidade, se tivermos por base a teoria da separação de
poderes do Estado e a atribuição desses mesmos poderes ou funções a
órgãos com natureza e finalidade distintas.

Indagava-se se o Conselho Constitucional, agindo nos termos do


dispositivo legal acima referido, não estaria a exercer uma função que a
Lei-Mãe reservava a outros órgãos de soberania, nomeadamente, à
Assembleia da República, ao Presidente da República e ao Conselho de
Ministros?

À Assembleia da República incumbe legislar sobre questões básicas da


política interna e externa do País; ao poder executivo, exercido pelo
Presidente da República e Conselho de Ministros, cabe a administração do

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país, a garantia da integridade territorial, a manutenção da ordem pública,
a segurança, a promoção do desenvolvimento económico, a
implementação da acção social do Estado e a consolidação da legalidade;
e, por fim, aos Tribunais, reserva-se o papel de garantir e reforçar a
legalidade como instrumento da estabilidade jurídica, assegurar o respeito
pelas leis, direitos e liberdades dos cidadãos, bem como os interesses
jurídicos dos diferentes órgãos e entidades com existência legal, educar os
cidadãos no cumprimento das leis, penalizar as violações da legalidade e
decidir pleitos de acordo com o estabelecido pela lei.

Sendo que a Constituição da República não atribui(a) função legislativa ao


Conselho Constitucional, não poderia este órgão legislar situações
lacunares, sem que isso não resultasse na usurpação de funções de
outros órgãos de soberania.

São fundamentos desta posição o facto de:

A prática de actos normativos pressupor características típicas da função


legislativa que o Conselho Constitucional não tem, como seja o critério da
oportunidade política na aprovação ou revogação de uma norma ou lei, a
não fundamentação das suas decisões, a revogabilidade por iniciativa
própria, das suas decisões e a fiscalização abstracta sucessiva dos seus
actos;

Competir a Assembleia da República, ao Presidente da República e ao


Conselho de Ministros a pratica de actos normativos com carácter de
generalidade, abstracção e força obrigatória geral, respectivamente;

A criação normativa não ser uma actividade típica da função jurisdicional;

O acórdão não constituir forma de criação de normas jurídicas;

A Constituição da República não atribuir ao Conselho Constitucional


qualquer poder normativo “positivo”, reservando-se a este órgão a
competência para, apenas, apreciar e declarar a inconstitucionalidade e a
ilegalidade dos actos legislativos e normativos dos órgãos do Estado.

Assim, conclui-se pela inconstitucionalidade orgânica do então nº3 do


artigo 54.º da Lei do Conselho Constitucional, face a intromissão deste na

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função legislativa, violando o princípio constitucional da separação de
poderes.

A Lei Orgânica do Conselho Constitucional número 9/2006, de 2 de Agosto


trata de expurgar completamente o conteúdo deste artigo.

Olhando para o direito comparado, nomeadamente o português, esta


matéria tem algum parentesco com a problemática dos assentos que levou
alguns juristas a defini-los de lei, outros a considera-los de verdadeira
jurisprudência.

Neste contexto, o Tribunal Constitucional português, em acórdão n.º


743/96, de 28 de Maio de 1996, declarou, com força obrigatória geral, a
inconstitucionalidade da norma constante do artigo 2.º do Código Civil, na
parte em que atribuía aos tribunais competência para fixar doutrina com
força obrigatória geral, por violação do artigo 115.º n.º5 (actual artigo 112.º)
da Constituição Portuguesa.

Com esta decisão, o Tribunal Constitucional português pretendeu deixar


claro que estas proposições normativas de estrutura geral e abstracta, que
se autonomizam, formal e normativamente, por via dos assentos
interpretativos ou pelo preenchimento de uma lacuna do sistema, em
conformidade com as regras da integração da lei definidas no artigo 10.º do
Código Civil, não devem, nunca, considerar-se como sendo uma actividade
típica da função jurisdicional, pois, se assim não fosse, estariam os
tribunais, no caso especifico, a imiscuir-se na função legislativa.

1.6.3.5. Controlo da constitucionalidade na vigência da revisão


constitucional de 2004

Em 06 de Dezembro de 2000, a Assembleia da República deliberou, ao


abrigo da Resolução n.º 22/2000, proceder à revisão da Constituição da
República e criou, para o efeito, a Comissão Ad-Hoc para a Revisão da
Constituição.

A revisão da Constituição da República de 1990 é justificada pela


necessidade de acomodar todas as alterações necessárias decorrentes do
advento do multipartidarismo, do Estado de Direito e da democracia
participativa.

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Curso de Ciências Jurídicas – Direito do Constitucional II – Semestre 2 NC
Em Julho de 2004, a Comissão Ad-Hoc para a Revisão da Constituição,
depositou o Projecto de Revisão da Constituição da República,
acompanhado dos apensos, entre os quais as contribuições da Bancada
Parlamentar do Partido FRELIMO, consideradas, pelo referido Partido,
pertinentes para a melhoria do texto elaborado pela Comissão,
constituindo, assim, parte integrante do Projecto.

No que toca à actividade de garantia da Constituição, o Projecto assentava


nos seguintes postulados:

 Reafirmação do Estado de Direito Democrático, alicerçado na


separação e interdependência dos poderes (Preâmbulo e art. 129.º);
 Subordinação do Estado à Constituição e a legalidade democrática
(art. 2.º n.º3);
 Prevalência das normas constitucionais sobre todas as restantes
normas do ordenamento jurídico (art. 2.º n.º4);
 Obrigação de todos os cidadãos respeitarem a ordem constitucional
(art. 38.º n.º 1);
 Sancionamento dos actos contrários a Constituição (art.38.º n.º 2.º)
 Atribuição ao Chefe do Estado do estatuto de garante da
Constituição, zelando pelo funcionamento correcto dos órgãos do
Estado, no âmbito de um sistema presidencialista mitigado (art.
140.º n.º 1.º e 2.º);
 Exercício do poder de veto pelo Presidente da República, podendo
por mensagem fundamentada, devolver a lei para reexame pela
Assembleia da República (art.157.º);
 Proibição dos tribunais aplicarem leis ou princípios que ofendam a
Constituição (art. 207.º);
 Definição do Supremo Tribunal de Justiça como órgão Superior da
hierarquia dos tribunais judiciais, sem prejuízo da competência
própria da jurisdição constitucional especializada (art. 218.º);
 Criação do Tribunal Constitucional, órgão jurisdicional de
competência em questões jurídico-constitucionais (art. 227.º);
 Atribuição ao Tribunal Constitucional de competências para
apreciar e declarar a inconstitucionalidade dos actos normativos

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Curso de Ciências Jurídicas – Direito do Constitucional II – Semestre 2 NC
dos órgãos do Estado, em sede da fiscalização abstracta
preventiva, sucessiva e concreta127 (artigos 229.º, 231.ºe 232.º).
 Irrecorribilidade das deliberações do Tribunal Constitucional (art.
233.º);
 Atribuição de legitimidade activa para solicitar a apreciação de
inconstitucionalidade ao Presidente da República, ao Presidente da
Assembleia da República, um terço, pelo menos, dos Deputados da
Assembleia da República, ao Primeiro-ministro, ao Procurador-
geral da República, ao Provedor da Justiça e a cinco mil cidadãos
(art. 230.º).

Realça-se no Projecto, a preocupação da Comissão Ad-Hoc para a


Revisão da Constituição da República em:

 Clarificar a natureza do órgão competente em questões jurídico-


constitucionais, optando, claramente, pela natureza jurisdicional
do órgão, definindo-o como um Tribunal, cujos juízes gozam de
independência, inamovibilidade, imparcialidade e
irresponsabilidade e que, em sede da jurisdição objectiva,
procede à apreciação e declaração, com força obrigatória geral,
da inconstitucionalidade dos actos normativos e, ainda, à
deliberação, para o mesmo efeito, em sede de recurso das
decisões dos tribunais comuns que recusem a aplicação de
qualquer norma com fundamento na sua inconstitucionalidade;
 Estabelecer expressamente, em sede da lei fundamental, dois
tipos de processos de fiscalização da constitucionalidade,
respectivamente, o preventivo, sucessivo e o concreto,
clarificando, definitivamente a questão da admissibilidade da
fiscalização preventiva, negada pelo Conselho Constitucional na
sua deliberação n.º 12/CC/2004;
 Ampliar o leque dos órgãos com legitimidade para solicitar a
apreciação de inconstitucionalidade, passando a incluir o
Provedor de Justiça e cinco mil cidadãos.

127Cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que:
Recusem a aplicação de qualquer norma com fundamento na sua inconstitucionalidade ou ilegalidade;
Apliquem normas cuja inconstitucionalidade ou ilegalidade hajam sido suscitados durante o processo.
Os recursos só podem ser interpostos pela parte que haja suscitado a questão da inconstitucionalidade
ou da ilegalidade. (art.º 232.º)

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Curso de Ciências Jurídicas – Direito do Constitucional II – Semestre 2 NC
Entretanto, a Bancada Parlamentar do Partido FRELIMO, após análise do
Projecto consensualizado, trouxe um novo aspecto pertinente para a
reflexão da Comissão Ad-Hoc respeitante ao Tribunal Constitucional. “Tal
aspecto baseava-se em que 13 anos após a aprovação da Constituição de
1990, a Assembleia da República aprovou a lei que institui o Conselho
Constitucional, como forma de materialização do artigo 184.º da lei
fundamental, que desaguou com a legitimação na IX Sessão da
Assembleia da República dos membros do Conselho Constitucional. A
reflexão levada para a Comissão pela Bancada Parlamentar da FRELIMO
era que “se devia consolidar o Conselho Constitucional ou se “esquecer”, e
avançar-se com vista à instituição do Tribunal Constitucional”.

O ponto de vista da Bancada Parlamentar da FRELIMO era no sentido da


consolidação do Conselho Constitucional e consequente reforço das suas
competências.

Assim, o artigo 232.º, sobre decisões dos tribunais que caibam recurso ao
Tribunal Constitucional, seria eliminado, pois para Tribunais, caberia a
função da fiscalização concreta.

A Bancada Parlamentar da FRELIMO sustentava o seu argumento com o


facto de o sistema francês de fiscalização da constitucionalidade através
do Conselho Constitucional se não compadecer com o conteúdo do artigo
232.º sobre os recursos128.

Como já tivemos oportunidade de referir, a questão de opção pelo


Conselho Constitucional ou Tribunal Constitucional não deve ser colocada
meramente na perspectiva nominal dos órgãos.

O problema de fundo reside nas competências a atribuir ao Conselho


Constitucional ou Tribunal Constitucional. Nada impede que o legislador
possa criar um órgão com denominação política e, no entanto, atribuir-lhe
competências de natureza jurisdicional, ou “mutatis mutandis”.

Veja-se o caso do Congresso dos EUA – Câmara do Senado que, em sede


de impeachiment ao Presidente da União, transforma-se num verdadeiro

128 Adenda ao Texto Final do Projecto da Constituição da República de Moçambique e Adenda, V


legislatura

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tribunal e julga com objectividade e isenção as infracções do Presidente
norte-americano.

O próprio Conselho Constitucional francês, pelo facto de as suas decisões


vincularem, com força obrigatória geral, a todos os órgãos do Estado e,
ainda, exercer as suas funções com imparcialidade, objectividade,
independência e irresponsabilidade, a doutrina tem ultimamente entendido
como se tratando de um órgão que desenvolve uma actividade
verdadeiramente jurisdicional, camuflada num órgão de veste política.

Retirando-se ao Conselho Constitucional a competência para deliberar os


recursos em matéria de constitucionalidade proveniente dos tribunais
comuns, o contrário do que a Bancada da FRELIMO afirmava,
enfraquecia-se a posição do Conselho Constitucional em sede da garantia
da constitucionalidade e, consequentemente, também a garantia dos
cidadãos que, eventualmente, poderiam ver os seus direitos e liberdades
violados por decisões inconstitucionais.

Esta proposta trazia consigo outro inconveniente, que é a criação de duas


jurisdições constitucionais distintas, uma comum do, tipo anglo-saxónico,
tutelada pelo Tribunal Supremo e outra, especializada na veste do
Conselho Constitucional, e que, aparentemente, não se cruzariam no
sentido da uniformização da jurisprudência constitucional. Mais ainda,
reduziria o Conselho Constitucional a um órgão meramente político,
dedicado exclusivamente e de forma sazonal às questões de natureza
meramente eleitorais.

Esta adenda só se poderia se compreender em sede da posição


manifestada pelo Tribunal Supremo, a quando dos debates sobre a revisão
da Constituição, em que veio afirmar ser contra o actual figurino do sistema
judicial, alegando, para o efeito, não estarem ainda reunidas as condições
materiais e de recursos humanos para a implementação, no país, de um
tribunal especializado na apreciação e deliberação de questões
constitucionais.

Entendia ainda o Tribunal Supremo que o controlo jurisdicional da


constitucionalidade das leis e dos actos administrativos dos órgãos do
Estado não se achava organizado da mesma forma em todos os países.

Escola Superior Aberta/A Politécnica – Ensino à Distância 132


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“....na esmagadora maioria dos países, especialmente os do sistema
anglo-saxónico, o controlo jurisdicional da constitucionalidade das leis e
dos actos administrativos é feito em tribunais comuns.

Uma das razões fundamentais que desaconselham a criação de uma


jurisdição constitucional especializada é que, tal como temos vindo a
alertar, a nossa experiência demonstra que a demanda nesta área é quase
nula.

Na verdade, desde a independência nacional Moçambique nunca registou


um único pedido de controlo concreto da constitucionalidade.

Quanto aos casos de apreciação abstracta da constitucionalidade, o défice


de demanda, segundo o Tribunal Supremo, é elevadíssimo.

Durante treze anos de exercício transitório das competências do Conselho


Constitucional, o Tribunal Supremo apenas conheceu um único caso de
controlo abstracto da constitucionalidade, de natureza preventiva.

Para o Tribunal Supremo (TS), parece estar provado que, de modo geral, o
Conselho Constitucional não tem nada que fazer fora dos períodos
eleitorais, ou seja, as suas funções resumem-se, na prática, à supervisão
dos processos eleitorais, o que significa que os seus membros, que estão
sujeitos ao regime de incompatibilidade igual ao dos juízes, estariam
votados ao ostracismo durante cerca de cinco anos de mandato.

Não está, e nem nunca esteve em causa, a necessidade de controlo da


constitucionalidade das leis e dos actos administrativos do Estado. A
questão está em saber como faze-lo nas condições de Moçambique, país
com escassos recursos humanos, materiais e financeiros; com enorme
défice de rede judiciária, sobretudo ao nível das jurisdições de base, por
inexistência de recursos; com deficiente nível de cultura jurídica, onde a
demanda, na esmagadora maioria dos casos, incide sobre matérias do
direito comum”.129

A necessidade de edificação de um sistema “judiciário” uniforme e capaz


de assegurar, em última instância, o respeito pelos direitos e liberdades

129 In Jornal Notícias, Política, pag. 3, publicado no dia 23 de Setembro de 2004

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fundamentais dos cidadãos, deve constituir a preocupação constante e
permanente dos fazedores das leis.

É neste espírito que deve ser vista a necessidade do funcionamento da


jurisdição constitucional especializada, e não com base em critérios de
ordem estatística, de insuficiência de recursos humanos, materiais e
financeiros, etc.

A ausência de demanda na área da jurisdição constitucional prende-se,


obviamente com a fraca cultura jurídica dos cidadãos, atendendo que,
mais de metade da população moçambicana é analfabeta, rural, vivendo
do sistema informal de justiça e do fraco senão nulo, conhecimento
especializado dos aplicadores do direito, em matéria da jurisdição
constitucional.

Os recursos materiais, humanos e financeiros, esses sempre serão


escassos.

O que há a fazer é aceitar-se os desafios tal como quando em 1989, se


institucionalizou o Tribunal Supremo, a Procuradoria-geral da República e
mais tarde o Tribunal Administrativo, sem recursos e conhecimento técnico
suficientes mas tendo, obviamente em mente a necessidade de
consolidação do Estado de Direito Democrático.

Se é verdade que em treze anos o Tribunal Supremo na veste de


Conselho Constitucional tenha conhecido apenas um único caso de
fiscalização abstracta, não é menos verdade que, o Conselho
constitucional, de 2004 a esta parte, sob impulso de parte dos Deputados
da Assembleia da República, tenha significativamente crescido a sua
demanda.

Na sua maioria as referidas decisões do Conselho Constitucional tendem a


por em causa os actos do Chefe do Estado e de Governo, órgão em torno
de quem gravita o sistema de governo, e nessa qualidade, a Constituição
assegurar todos os instrumentos necessários para a prossecução das suas
atribuições;

Em nosso entender, contribui para esta tendência o facto de o Conselho


Constitucional na sua interpretação conforme a Constituição, parecer

Escola Superior Aberta/A Politécnica – Ensino à Distância 134


Curso de Ciências Jurídicas – Direito do Constitucional II – Semestre 2 NC
ignorar o sistema de governo em que o Chefe de Estado está inserido,
limitar a sua interpretação ao elemento literal da Constituição e interpretar
o princípio da separação de poderes de forma estanque, esquecendo dos
vasos comunicantes que se estabelecem entre os três poderes do Estado.

A continuarmos com esta tendência corremos o risco de as circunstâncias


dos factos determinarem a alteração do sistema de governo para um outro
ainda desconhecido, onde certamente o Chefe de Estado, órgão legitimado
pela vontade popular para conduzir um programa ver-se-ia limitado do
exercício pleno das suas funções.

O texto final da Constituição publicado na 1ª série do Boletim da República


do dia 22 de Dezembro de 2004 opta, por uma solução diversa do Tribunal
Supremo e da Bancada Parlamentar da FRELIMO.

Com efeito, retoma a definição de Conselho Constitucional, órgão de


soberania e de competência especializada no domínio das questões
jurídico-constitucionais130, competindo:

 Apreciar e declarar a inconstitucionalidade de leis e a ilegalidade


dos actos normativos dos órgãos do Estado;
 Dirimir conflitos de competências entre órgãos de soberania;
 Verificar previamente a constitucionalidade dos referendos.131

Os actos normativos abrangidos pelo sistema de controlo são os actos da


Assembleia da República, revestidos na forma de leis, moções e
resoluções, os decretos-leis e decretos do Conselho de Ministros e os
actos do Governador do Banco de Moçambique, praticados no exercício
das suas competências.

Não há, aqui, referência nenhuma ao controlo da constitucionalidade das


normas geradas no âmbito da autonomia privada. Parece que a
Constituição assume uma posição negativista da doutrina que exclui,
liminarmente, a fiscalização das normas que decorrem da autonomia
privada (contratos), as normas que respeitam à autonomia associativa

130
Em parceria com o Conselho Constitucional, às Assembleias Provinciais, compete fiscalizar e
controlar a observância dos princípios e normas estabelecidas na Constituição, sem no entanto,
legitimidade activa e poderes para desaplicar leis inconstitucionais.

131 Artigo 244.º

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Curso de Ciências Jurídicas – Direito do Constitucional II – Semestre 2 NC
(estatutos de associações) e as normas resultantes da autonomia colectiva
(Contratos Colectivos de Trabalho). Para os negativistas, são objecto de
fiscalização as normas jurídico públicas, caracterizadas pela sua
generalidade e abstracção, pela sua imediação em relação à Constituição
e elaboradas por entidades ou sujeitos investidos em poderes de
autoridade para vincular terceiros.

Entretanto, tendo por base o pluralismo jurídico referido no artigo 4132 da


Constituição da República, preocupa-nos o facto de a Lei Fundamental não
se referir, expressamente, ao controlo abstracto da constitucionalidade das
normas consuetudinárias/direito costumeiro.

133
Trata-se de normas provenientes de autoridades tradicionais,
legalmente reconhecidas, ou de práticas 134 seguidas pelas populações
rurais com a convicção espontânea de sua obrigatoriedade e que o Estado
trata de reconhecer, na medida em que não contrariem os valores e
princípios fundamentais da Constituição135.

Tal como as normas jurídico públicas, as regras costumeiras regulam


situações de convivência social de uma determinada comunidade/etnia,
vinculam moralmente os seus membros, o seu objecto tem uma relação
imediata com os direitos e liberdades fundamentais dos membros da
comunidade/etnia consignados na Constituição e elaboradas por
autoridades tradicionais reconhecidas pelo Estado.

Os tribunais remetem para o Conselho Constitucional os assentos e outras


decisões com fundamento na inconstitucionalidade, nos casos em que:

 Recusem a aplicação de qualquer norma com base na sua


inconstitucionalidade;
 Quando o Procurador-geral da República ou o Ministério Público
solicite a apreciação abstracta da constitucionalidade ou da
legalidade de qualquer norma, cuja aplicação tenha sido recusada,

132 O Estado reconhece os vários sistemas normativos e de resolução de conflitos que coexistem na
sociedade moçambicana, na medida em que não contrariem os valores e os princípios fundamentais
da Constituição.
133 O Estado reconhece e valoriza a autoridade tradicional legitimada pelas populações e segundo o

direito consuetudinário. (artigo 118º)


134 Artigo 3.º do Código Civil
135 O Estado reconhece os vários sistemas normativos e de resolução de conflitos que coexistem na

sociedade moçambicana, na medida em que não contrariem os valores e os princípios da Constituição.


(artigo 4.º)

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Curso de Ciências Jurídicas – Direito do Constitucional II – Semestre 2 NC
com a justificação de inconstitucionalidade ou ilegalidade, por
decisão judicial insusceptível de recurso136.

Entretanto, este artigo nos parece algo impreciso, por quanto, limita-se a
estabelecer a obrigação de remeter ao Conselho Constitucional os
assentos e outras decisões com fundamento de inconstitucionalidade, sem,
contudo se referir expressamente para que efeito.

Na alínea a)137 do artigo 247.º parece resultar tácito que com a remessa ao
Conselho Constitucional das decisões que recusem a aplicação de uma
norma com fundamento na sua inconstitucionalidade, se pretende apenas
que este tome conhecimento da decisão dos tribunais.

De todo o modo, há que retirar um efeito útil desta disposição.

Esta alínea teria alguma utilidade se, desse conhecimento, o Conselho


Constitucional ou o Ministério Público, em nome do interesse público,
verificada a recusa reiterada de aplicação de uma determinada norma com
fundamento na sua inconstitucionalidade ou ilegalidade, pudessem,
oficiosamente, iniciar o processo da sua apreciação abstracta e fixação de
jurisprudência com força obrigatória geral.

É o que, aliás, sucede em Portugal. Quando uma norma é


constitucionalmente ou legalmente questionada por três vezes, o Ministério
Público interpõe recurso obrigatório ao Tribunal Constitucional, no sentido
deste decidir com força obrigatória geral a interpretação prevalecente.

Diversamente da alínea a), a alínea b) do artigo 247.º trata de clarificar que


a remessa tem por objectivo a solicitação da fiscalização abstracta da
constitucionalidade ou da legalidade de qualquer norma, cuja aplicação
tenha sido recusada, com a justificação de inconstitucionalidade ou
ilegalidade, por decisão judicial insusceptível de recurso.

Desconhece-se como é que os particulares que se achem ofendidos de


uma decisão judicial que a considerem manifestamente inconstitucional ou
ilegal, num processo de partes, poderão, para além do recurso ordinário
defender os seus interesses junto do Conselho Constitucional uma vez que,

136 Artigo 247.º


137 Quando se recuse a aplicação de qualquer norma com base na sua inconstitucionalidade.

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Curso de Ciências Jurídicas – Direito do Constitucional II – Semestre 2 NC
ao abrigo do artigo 245.º138 da Constituição da República, não gozam de
legitimidade activa, ficando, assim, na dependência do Procurador-geral da
República/Ministério Público, o que nos parece limitar o direito dos
cidadãos a recorrer aos Tribunais139 contra os actos que violem os seus
direitos e interesses reconhecidos pela Constituição e pela lei140.

Se a Constituição da República avança no sentido de estender a


legitimidade activa a cerca de dois mil cidadãos, peca, no entanto, pela
exclusão do particular directamente interessado na lide em aceder a justiça
constitucional.

A atribuição da competência no domínio das questões jurisdicionais ao


Conselho Constitucional ajuda a esclarecer a natureza das funções do
Conselho Constitucional.

Embora a sua denominação 141 e nomeação 142 dos seus membros seja
política não há dúvidas quanto à natureza jurisdicional objectiva das suas
funções se atendermos as garantias de independência, inamovibilidade,
imparcialidade, irresponsabilidade143 e incompatibilidades144, na tomada de
decisões de acordo com critérios de objectividade e de legalidade, na
apreciação, em sede de recurso dos assentos e das decisões dos tribunais
que recusem a aplicação de uma norma com fundamento na sua
inconstitucionalidade ou ilegalidade, no cumprimento obrigatório dos seus
acórdãos para todos os cidadãos, instituições e no não cabimento de
recurso das suas decisões, prevalecendo sobre outras decisões145.

138
Gozam de legitimidade activa:
 O presidente da República;
 O Presidente da Assembleia da República;
 Um terço, pelo menos, dos deputados da Assembleia da República;
 O Primeiro-ministro;
 O Procurador-geral da República;
 O Provedor de Justiça;
 Dois mil cidadãos
139 Entenda-se tribunais como se tratando das jurisdições objectiva (Conselho Constitucional) e

subjectiva (tribunais comuns)


140 Artigo 70.º
141 Conselho Constitucional
142 Um Juiz Conselheiro é nomeado pelo Presidente da República, cinco são designados pela

Assembleia da República e um pelo Conselho Superior da Magistratura Judicial;


143
Artigo 217.º e seguintes
144 Nos termos do artigo 243.º, os Juízes Conselheiros do Conselho Constitucional, em exercício, não

podem desempenhar quaisquer outras funções públicas ou privadas, excepto a actividade de docente
ou investigação jurídica ou outra de criação e produção científica, literária, artística e técnica, mediante
prévia autorização do respectivo órgão
145 Artigo 248.º

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Curso de Ciências Jurídicas – Direito do Constitucional II – Semestre 2 NC
A par da função jurisdicional, o Conselho Constitucional exerce outras
funções de natureza política no âmbito:

 Da verificação dos requisitos legais exigidos para as candidaturas a


Presidente da República;
 Da declaração da incapacidade permanente do Presidente da
República;
 Da verificação da morte e a perda de mandato do Presidente da
República;
 Da apreciação em última instância, dos recursos e reclamações
eleitorais;
 Da validação e proclamação dos resultados eleitorais;
 Do julgamento, em última instância, da legalidade da constituição
dos Partidos Políticos e suas coligações, bem como a apreciação
da legalidade das suas denominações, siglas, símbolos e a
faculdade de ordenar a extinção nos termos da Constituição e da lei;
 Do julgamento de acções de impugnação de eleições e de
deliberação dos órgãos dos partidos políticos, bem como da
legalidade das denominações, siglas e símbolos;
 Do julgamento de acções que tenham por objecto o contencioso
relativo ao mandato dos deputados;
 Do julgamento das acções que tenham por objecto as
incompatibilidades previstas na Constituição e na lei.

O domínio do controlo concreto da constitucionalidade é claramente visível


nos artigos 214.º e 247.º da Constituição da República, que impede os
tribunais de aplicarem leis ou princípios que ofendam a Constituição, nos
feitos que lhes sejam submetidos, devendo a decisão de recusa de
aplicação da norma ou do princípio inconstitucional ser submetida
obrigatoriamente ao Conselho Constitucional, em sede de recurso.

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Curso de Ciências Jurídicas – Direito do Constitucional II – Semestre 2 NC

Leituras Obrigatórias
A leitura dos textos indicados, a seguir, é de fundamental importância para
a compreensão de nossos estudos e para a realização das actividades
propostas para esta primeira unidade de estudo. Portanto, não deixe de
estudá-los.

NETO, Luísa, Direito Constitucional, Faculdade de Direito da


Universidade de Porto, texto de apoio, Agosto 2005.

Leituras Complementares

A leitura dos textos indicados, a seguir, é de fundamental importância para


a compreensão de nossos estudos e para a realização das actividades
propostas para esta primeira unidade de estudo. Portanto, não deixe de
estudá-los.

AA. VV., Evolução Constitucional da Pátria Amada, Benjamim Pequenino,


coord., Maputo, GDI/Instituto de Apoio à Governação e
Desenvolvimento, 2009.

CAETANO, Marcelo, Manual de Ciência Politica e Direito


Constitucional, Coimbra, Almedina, 1998.

Actividades

A seguir, estão as actividades correspondentes a esta primeira unidade.


Resolva os exercícios propostos em cada uma e verifique se acertou,
conferindo a sua resposta na Chave de Correcção no final do presente
Guia de Estudo.

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Curso de Ciências Jurídicas – Direito do Constitucional II – Semestre 2 NC

Actividade 1

Leitura do texto

Leia o capítulo sobre o “Controlo da Legalidade” da obra de Almerinda


Dinis, Evangelina Henrique, Maria Isidra Contreiras, Introdução ao Direito
(pp. 171-180).

Leia também sobre “Inconstitucionalidade e garantia da Constituição” da


obra de Luísa Neto, Direito Constitucional (pp.123-142).

Assim como leia a parte sobre “A inconstitucionalidade das lei e os da


declaração de inconstitucionalidade”, de Marcelo Caetano, indicado como
leitura complementar. Deve ao mesmo tempo ler outras obras indicadas.

Agora coloque em prática os estudos que você realizou. Procure responder


às questoēs abaixo justificando cada uma delas e utilizando os
fundamentos retirados das leituras. Por isso, sugere-se que inicie as
actividades após ter realizado as leituras. Verifique, no fim deste volume, o
Referencial de Respostas.

1. Distinga garantia da Constituição e garantias constitucionais.

2. Dê a definição de inconstitucionalidade e diga os tipos de


inconstitucionalidade.

3. Fale dos sistemas ou modelos de controlo da constitucionalidade


das normas jurídicas.

4. Quando se controla a inconstitucionalidade?

5. O sistema moçambicano de garantia da Constituição e da

constitucionalidade, do ponto de vista normativo, conhece uma

evolução positiva. Fale dele.

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Curso de Ciências Jurídicas – Direito do Constitucional II – Semestre 2 NC

REFERÊNCIAS

CAETANO, Marcelo, Manual de Ciência Politica e Direito


Constitucional, Coimbra, Almedina, 1998.
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elemento de Teoria Geral do Estado. 24. ed.
São Paulo, Saraiva, 2003.
DINIS, Almerinda, HENRIQUE, Evangelina, CONTREIRAS, Introdução ao
Direito, 12º ano, Texto Editora, 1995.
GOUVEIA, Jorge Bacelar, Manual de Direito Constitucional, vol. I,
Almedina, 2005.
MIRANDA, Jorge, Preliminares, o Estado e os Sistemas
Constitucionais, Tomo I, 7ª Edição, revista e actualizada, Coimbra Editora,
2003.
AA. VV., Evolução Constitucional da Pátria Amada, Benjamim Pequenino,
coord., Maputo, GDI/Instituto de Apoio à Governação e
Desenvolvimento, 2009.
Constituição da Republica de Moçambique (2004), Imprensa Nacional,
Maputo Moçambique, 2004.

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Curso de Ciências Jurídicas – Direito do Constitucional II – Semestre 2 NC

UNIDADE TEMÁTICA 4

DIREITOS FUNDAMENTAIS

Elaborado pelo Mestre Mouzinho Nicols, adaptado de textos da Dra. Neusa de Matos e
o Mestre Pedro Sinai Nhatitima

Objectivos

No fim desta unidade voce deverá ser capaz de:

 Conhecer os Direitos fundamentais em sentido formal e material;

 Saber definir Direitos fundamentais;

 Saber distinguir Direitos fundamentais de primeira, segunda e


terceira gerações; e

 Conhecer os Direitos fundamentais e conceitos afins.

1. Os Direitos Fundamentais

Por direitos fundamentais entendemos os direitos ou as posições jurídicas


subjectivas das pessoas enquanto tais, individual ou institucionalmente
consideradas, assentes na Constituição, seja na Constituição formal, seja
na Constituição material.

A dupla noção de direito fundamentais em sentido formal e em sentido


material implica dois pressupostos:

 Não há direitos fundamentais sem reconhecimento duma esfera própria


das pessoas, mais ou menos ampla, frente ao poder político;
 Não há direitos fundamentais em Estado totalitário.

Em contrapartida

 não há verdadeiros direitos fundamentais sem que as pessoa estejam


em relação imediata com o poder, beneficiando de um estatuto comum

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Curso de Ciências Jurídicas – Direito do Constitucional II – Semestre 2 NC
e não separadas em razão de grupos ou das condições a que
pertençam;
 Não há direitos fundamentais sem Estado ou, pelo menos, sem
comunidade política integrada.

1.1. Direitos fundamentais em sentido formal e sem sentido


material

Não custa apreender o sentido formal de direitos fundamentais se o


considerarmos em face ao sentido formal de Constituição.

Por direitos fundamental podemos entender toda a posição jurídica


subjectiva das pessoas enquanto consagrada na Lei fundamental.

Por via da Constituição formal tal posição jurídica subjectiva participa da


Constituição material, só por estar inscrita na Constituição formal, dotada
da protecção a esta ligada, nomeadamente quanto a garantia da
constitucionalidade e a revisão.

E inconstitucional uma lei que a viole e só por revisão pode ser eliminada
ou ter o seu conteúdo essencial modificado.

Todos os direitos fundamentais em sentido formal são também direito


fundamentais em sentido material.

O conceito material de direitos fundamentais não se trata apenas de


direitos declarados, estabelecidos, atribuídos pelo legislador constituinte,
pura e simplesmente; trata-se também dos direitos resultantes da
concepção da Constituição dominante, da ideia de direito, do sentimento
jurídico colectivo.

Situando os direitos fundamentais no quadro da Constituição material,


podemos apercebe-los à luz dos princípios e factores de legitimidade de
que dependem.

1.2. Direitos fundamentais e conceitos afins

A expressão direita fundamental tem sido nas últimas décadas a preferida


na doutrina e nos textos constitucionais para designar os direitos das
pessoas frente ao Estado que são objecto da Constituição.

Escola Superior Aberta/A Politécnica – Ensino à Distância 144


Curso de Ciências Jurídicas – Direito do Constitucional II – Semestre 2 NC
Explicam esse facto a o directo e imediato enlace entre Constituição e
direito que o nome sugere, a neutralidade do conceito que exprime e talvez
as insuficiências da concepção dos direitos como sendo essencialmente
liberdades individuais frente ao Estado.

Como conceitos afins do de direitos fundamentais encontramos o de


direitos de personalidade, as situações funcionais, os direitos dos povos,
interesses difusos, garantias institucionais e deveres fundamentais.

Os direitos de personalidade são posições jurídicas fundamentais do


homem que ele tem pelo simples facto de nascer e viver. Revelam o
conteúdo necessário da personalidade. Tem por objecto, não algo de
exterior ao sujeito, mas modos de ser físicos e morais da pessoa.

Os direitos fundamentais pressupõem relações de poder; os direitos de


personalidade relações de igualdade.

Os direitos fundamentais têm uma incidência publicista, ainda quando


ocorram efeitos nas relações entre os particulares. Os direitos de
personalidade têm uma incidência privatística.

Os direitos fundamentais pertencem ao domínio do direito constitucional;


os direitos de personalidade ao do direito civil.

Em situações funcionais englobamos as situações jurídicas, activas e


passivas, dos titulares dos órgãos e dos agentes do Estado e de quaisquer
entidades públicas em que se subjectivam os estatutos inerentes aos
cargos desempenhados por essas pessoas no Estado e noutras entidades
públicas.

Distinguem-se dos direitos fundamentais por os direitos fundamentais


implicarem diferenciação, separação ou exterioridade diante do Estado.

Enquanto as situações funcionais são situações jurídicas de membros do


Estado poder ou do Estado-aparelho, os direitos fundamentais são
situações jurídicas de membros do Estado-Comunidade, das pessoas que
o constituem.

Ao passo que as situações funcionais são consequência da prossecução


do interesse público es este prevalece sobre o interesse dos titulares, os

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Curso de Ciências Jurídicas – Direito do Constitucional II – Semestre 2 NC
direitos fundamentais só existem ai onde haja um interesse das pessoas
que valha por si, autónomo, diferenciado.

Dai o carácter obrigatório do exercício ou da invocação das situações


funcionais e o carácter livre o exercício dos direitos fundamentais.

Não se pode fazer confusão entre os direitos dos povos – desde o direito
`a autodeterminação ao direito a paz – e os direitos do homem – o direito a
vida, a liberdade física, as convicções religiosas e filosóficas, ao trabalho,
etc.

Os Direitos do Povos são direitos de colectividades mais ou menos bem


definidas, em situações variáveis.

Interesses difusos e aquilo que se considera uma manifestação da


existência ou do alargamento de necessidades colectivas individualmente
sentidas. São necessidades comuns a uma pluralidade de indivíduos e que
somente podem ser satisfeitas numa perspectiva comunitária.

Não se pode dizer que alguém possui um direito a valorização do


património monumental, ou ao controlo da poluição, ou da erosão, ou a
salubridade pública. O que se encontram ai são interesses difusos, ou seja,
interesses dispersos por toda a comunidade e que a penas a comunidade
pode prosseguir, independentemente da determinação de sujeitos.

Estamos perante uma garantia institucional quando uma determinada


norma se confina a um sentido organizatório objectivo, independentemente
de uma atribuição ou de uma actividade pessoal.

Quando a norma estabelece uma faculdade de agir ou de exigir em favor


de pessoas ou de grupos, se coloca na respectiva esfera jurídica uma
situação activa que uma pessoa ou um grupo possa exercer por si e
invocar directamente perante outras entidades estamos perante um direito
fundamental.

No entanto há direitos fundamentais indissociáveis de garantias


institucionais – p. e. o direito de constituir família, indissociável da
protecção familiar.

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Curso de Ciências Jurídicas – Direito do Constitucional II – Semestre 2 NC
Por último importa distinguir direitos fundamentais de deveres
fundamentais.

Por deveres fundamentais podemos entender as situações jurídicas de


necessidade ou de adstrição de comportamentos impostas
constitucionalmente as pessoas, aos membros da comunidade política.
Não são deveres do homem em geral: são apenas aqueles que o homem
tem perante o Estado, ou perante outros homens, defronte do Estado,
enquanto cidadão e que derivam do seu estatuto básico, a Constituição,
em conformidade com os princípios que a enformam.

Categorias de direitos fundamentais


 Direitos fundamentais individuais (dto. A vida, a
Quanto aos sujeitos
liberdade pessoal, a objecção de consciência, o
direito ao trabalho, direito ao ensino, etc.) e
institucionais (dto. De antena, livre organização de
confissões religiosas, livre acção das associações,
associações sindicais, etc.)
 Direitos comuns (direitos de todos os membros da
comunidade política só por virtude dessa qualidade
p. e. dtos. dos cônjuges, dtos, do consumidor, etc.) e
particulares (direitos de certos e determinados
membros devido as categorias sociais que integram
ou situações duradouras em que tenham que se
mover)
 Direitos do cidadão e do trabalhador (dtos.
Correspondentes a situações socioeconómicas
específicas, e dtos. Que sendo embora de todos os
homens para os trabalhadores assumem maior
interesse – p. e. dto. Ao trabalho e a segurança
social)
 Direitos relativos ao status libertatis (dtos. De
Quanto ao objecto
liberdade, que tem por objecto a expansão da
personalidade sem interferência do Estado), ao
status civitatis (dtos. Cívicos que tem por objecto
prestações positivas do Estado, de outras entidades

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Curso de Ciências Jurídicas – Direito do Constitucional II – Semestre 2 NC

públicas e da sociedade no seu conjunto no


interesse dos súbditos) e ao status activae civitatis
(dtos. Políticos que tem por objecto a interferência
das pessoas na própria actividade do Estado, na
formação da sua vontade)
 Direitos pessoais (dtos. Em que se trata de
proteger directa e essencialmente a pessoa
enquanto tal, a pessoa singular. P. e. o direito a vida,
a integridade moral e física, a liberdade e segurança,
liberdade de consciência, de culto ou de religião, o
direito de deslocação ou emigração, etc.), sociais
(São os direitos advenientes da inserção do homem
em sociedade, sem as quais ele não poderia
alcançar e fruir os bens económicos, culturais e
sociais destinados a satisfação das suas
necessidades) e políticos (direitos da pessoa frente
ao Estado ou no Estado – dtos. De participação na
vida pública, de tomar parte na vida política e na
direcção dos assuntos públicos do pais – p. e. dto.
De sufrágio, dto. De acesso a cargos públicos, dto.
De associação política, dto. De apresentação de
candidaturas à Presidência da República, etc. )
 Direitos gerais (os que são atribuídos ou atribuíveis
à face de situações de carácter geral) e especiais
(os que são atribuídos ou atribuíveis a face de
situações especiais eventualmente verificáveis –p. e.
dto. A habeas corpus por virtude duma prisão ou
detenção ilegal, a garantia de proibição de
despedimentos sem justa causa ou por motivos
políticos ou ideológicos, a liberdade de propaganda
eleitoral, a protecção do trabalho das mulheres
durante a gravidez e após o parto, etc. )
 Direitos e garantias (os direitos representam só por
Quanto à estrutura
si certos bens e as garantias destinam-se a
assegurar a fruição desses bens – p. e. ao dto. À

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vida corresponde uma garantia que consiste na


proibição da pena de morte; ao direito à liberdade e
segurança correspondem importantíssimas garantias
de direito e de processo penais, como a não
retroactividade da lei incriminadora, etc. )
 Direitos, liberdades e garantias (dto de acesso aos
tribunais, dto. A vida, dto. De constituir família, etc.)
e direitos sociais (são o de acesso a justiça apesar
da insuficiência de meios económicos, dto. Ao
trabalho, dto. Das crianças à protecção, dto. Ao
ensino, etc. )

1.3. Atribuição dos direitos fundamentais

O princípio da universalidade é o primeiro princípio comum a quaisquer


direitos fundamentais: seja, todos quantos fazem parte da comunidade
política, são titulares dos direitos e deveres aí consagrados.

O princípio da igualdade não se confunde com este – todos tem os


mesmos direitos e deveres.

O principio da universalidade diz respeito aos destinatários das normas, o


principio da igualdade ao seu conteúdo.

1.4. Os limites do exercício dos direitos fundamentais

A Declaração Universal dos Direitos do Homem afirma no seu artigo 29


que o indivíduo tem deveres para com a comunidade “fora da qual não é
possível o livre e pleno desenvolvimento da sua personalidade” e que no
gozo dos direitos e das liberdades “ninguém esta sujeito senão às
limitações estabelecidas pela lei com vista exclusivamente a promover o
reconhecimento e o respeito dos direitos e das liberdade dos outros a fim
de satisfazer as justas exigências da moral, da ordem pública e do bem-
estar numa sociedade democrática”.

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1.5. Direitos fundamentais em especial

1.5.1. Liberdade de comunicação


1.5.1.1. A liberdade religiosa

A liberdade religiosa esta no cerne da problemática dos direitos


fundamentais, mas é uma aquisição recente e ainda desconhecida ou
negada em numerosos países.

Sem plena liberdade religiosa não há plena liberdade cultural, nem plena
liberdade política.

A liberdade religiosa aparece indissociável da liberdade de consciência,


sendo porem a liberdade de consciência mais ampla, compreendendo quer
a liberdade de ter ou não religião, quer a liberdade de confissões de
natureza não religiosa (filosófica).

1.5.1.2. A liberdade de ensino

A liberdade de ensino como liberdade de aprender e de ensinar com as


seguintes vertentes:

 Liberdade de acesso a escola e liberdade de escolha da escola;


 Liberdade de criação de escolas distintas das do Estado); e
 Liberdade na escola (liberdade dos alunos e professores na escola).

1.5.1.3. Liberdade de comunicação social

Embora estreitamente ligadas, liberdade de expressão e liberdade de


comunicação social não se confundem.

A liberdade de expressão é mais do que a liberdade de comunicação


social, porque abrange todos e quaisquer meios de comunicação entre as
pessoas – a palavra, a imagem, o livro, qualquer outro escrito, etc.

Por outro lado a liberdade de comunicação social tem a ver com outros
valores como a liberdade de religião, a liberdade de associação, em geral
com o pluralismo.

O mesmo se passa com liberdade de informação.

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1.5.1.4. Liberdade de Associação e liberdade de reunião

 O direito de associação

Existe uma associação quando indivíduos põem em comum os seus


esforços para prosseguir certo fim que continuará através dos tempos a se
alimentado pelas actividades de novos associados e substituir os primeiros,
mas sempre senhores de o modificar ou abandonar.

 Liberdade de reunião e manifestação

 Reunião é a aglomeração de pessoas, temporária e não


institucionalizada, para certos fins livremente definidos.

 Manifestação é a reunião qualificada, em conexão com a liberdade


de expressão, o direito de participação política e o direito de petição.

1.5.1.5. Liberdades económicas e propriedade privada

 Liberdade de Trabalho e profissão

É um dos clássicos direitos fundamentais das pessoas.

 A liberdade de trabalho pode traduzir-se:

 Na liberdade de escolha e de exercício de qualquer tipo de trabalho,


desde que não seja considerado ilícito pela lei penal;
 A interdição do trabalho obrigatório.

 A liberdade de profissão pode significar:

 Direito de escolher livremente, sem impedimentos nem discriminações


qualquer profissão;
 Dto. De acesso à formação escolar correspondente;
 Dto. De acesso à preparação técnica e as modalidades de
aprendizagem profissional necessárias;
 Dto. De acesso aos requisitos necessários à promoção na carreira
profissional
 Dto. De escolher uma especialidade profissional e obter as necessárias
qualificações;

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Curso de Ciências Jurídicas – Direito do Constitucional II – Semestre 2 NC

 Dto. De mudar de profissão.

 Iniciativa económica

A iniciativa económica é a liberdade de inicio e desenvolvimento de


actividades económicas.

É um dos critérios de destrinça da Constituição económica.

 Direito de propriedade

O direito de propriedade é um direito real máximo, é uma garantia


institucional e um direito fundamental.

Se a Constituição a todos garante o direito de adquirir a propriedade e


outros direitos patrimoniais, não pode deixar de a todos garantir a
segurança contra privações arbitrárias.

Leituras Obrigatórias

A leitura dos textos indicados, a seguir, é de fundamental importância para


a compreensão de nossos estudos e para a realização das actividades
propostas para esta primeira unidade de estudo. Portanto, não deixe de
estudá-los.

CAETANO, Marcelo, Manual de Ciência Politica e Direito


Constitucional, Coimbra, Almedina, 1998.

MIRANDA, Jorge, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos


Fundamentais, 2ª Edição, revista e actualizada, Coimbra Editora, 1993.

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Curso de Ciências Jurídicas – Direito do Constitucional II – Semestre 2 NC

Leituras Complementares

A leitura dos textos indicados, a seguir, é de fundamental importância para


a compreensão de nossos estudos e para a realização das actividades
propostas para esta primeira unidade de estudo. Portanto, não deixe de
estudá-los.

DALLARI, Dalmo de Abreu. Elemento de Teoria Geral do Estado. 24. ed.


São Paulo, Saraiva, 1998.

DINIS, Almerinda, HENRIQUE, Evangelina, CONTREIRAS, Introdução ao


Direito, 12º ano, Texto Editora, 1995.

Actividades

A seguir, estão as actividades correspondentes a esta primeira unidade.


Resolva os exercícios propostos em cada uma e verifique se acertou,
conferindo a sua resposta na Chave de Correcção no final do presente
Guia de Estudo.

Actividade 1

Leitura do texto

Leia o capítulo “Pessoa, fundamento e fim da ordem jurídica”, da obra de


Almerinda Dinis, Evangelina Henrique, Maria Isidra Contreiras, Introdução
ao Direito (pp. 47-65), indicado como leitura obrigatória.

Leia também a Parte IV, do Manual de Direito Constitucional, no que se


refere aos Direitos Fundamentais, no Titulo I, sobre a problemática dos
direitos fundamentais, concretamente sobre o sentido dos direitos
fundamentais, de Jorge Miranda (pp.7-48).

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Curso de Ciências Jurídicas – Direito do Constitucional II – Semestre 2 NC
Releia o texto e identifique, por escrito, os conceitos afins e categorias de
direitos fundamentais, direitos fundamentais e direitos do homem (pp. 48-
72).

Enfatiza também a categoria de direitos fundamentais, no que se refere


aos Direitos fundamentais individuais e direitos fundamentais institucionais
(73-79), direitos fundamentais comuns e direitos fundamentais particulares
(pp.79-107), da obra de Jorge Miranda.

Agora coloque em prática os estudos que você realizou. Procure responder


às questoēs abaixo justificando cada uma delas e utilizando os
fundamentos retirados das leituras. Por isso, sugere-se que inicie as
actividades apos ter realizado as leituras. Verifique, no fim deste volume, o
Referencial de Respostas.

1. Faça a distinção entre direitos do Homem e direitos fundamentais.

2. É usual agruparem-se os direitos do Homem em gerações,


conforme as etapas históricas em que foram declarados. Quais são
essas etapas e ilustre, naquilo se for possível, com base na CRM.

3. Jorge e Ana Valente discutiam o conteúdo de vários anúncios


publicados em órgãos de comunicação social. Num, um canal de
televisão privado abria lugares a elementos do sexo masculino para
correspondentes em várias capitais provinciais moçambicanas, com
comprovados conhecimentos de francês, inglês, alemão e espanhol.
Noutro, uma empresa do sector de vestuário oferecia postos de
trabalho a elementos do sexo feminino e masculino de raça branca
com boa apresentação e que não fossem daltónico (daltonismo –
incapacidade de distinguir certas cores). Por fim, um outro anúncio
postulava a admissão de trabalhadores masculinos para uma
empresa de construção civil da Matola, mas com a condição de os
mesmos terem nascido neste município. Quid Juris?

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Curso de Ciências Jurídicas – Direito do Constitucional II – Semestre 2 NC

REFERÊNCIAS

CAETANO, Marcelo, Manual de Ciência Politica e Direito


Constitucional, Coimbra, Almedina, 1998.
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elemento de Teoria Geral do Estado. 24. ed.
São Paulo, Saraiva, 2003.
MIRANDA, Jorge, Preliminares, o Estado e os Sistemas
Constitucionais, 7ª Edição, revista e actualizada, Coimbra Editora, 2003.
MIRANDA, Jorge, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos
Fundamentais, 2ª Edição, revista e actualizada, Coimbra Editora, 1993.

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Curso de Ciências Jurídicas – Direito do Constitucional II – Semestre 2 NC

CHAVE DE CORRECÇÃO DAS ACTIVIDADES

UNIDADE TEMÁTICA 1

ESTRUTURA DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS

Actividade I

Depois de colocar em pratica os estudos que você realizou. Procurando


responder às questoes justificando cada uma delas e utilizando os
fundamentos retirados das leituras. Agora verifique o Referencial de
Respostas.

1. De facto o termo Constituição pode ser utilizado em dois sentidos:

Em sentido material e sentido formal.

Material, quando se refere à organização do Estado, aos fins e titularidade


dos seus órgãos, assim como à forma de governo. Esta acepção inclui,
assim, os costumes, as tradições e as normas escritas ou não, que
caracterizam um determinado regime político.

Ex.: A Constituição Britânica, já que é constituída, no essencial, por regras


dispersas de origem costumeira.

Formal, a palavra Constituição é entendida como um texto que codifica as


normas que regulam a forma e o exercício do poder político e que é
decretada por um órgão dotado de poderes especiais.

Ex.: A actual Constituição Moçambicana.

2. As Constituições são flexíveis, rígidas e semi-rígidas. As constituições


flexíveis são aquelas que podem ser revistas pelo mesmo processo de
adoptado para a elaboração de leis ordinárias. Ex: Constituição Italiana
de 1947. As Constituições rígidas são as que exigem, para a sua

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Curso de Ciências Jurídicas – Direito do Constitucional II – Semestre 2 NC
modificação, a observância de uma forma distinta do processo
legislativo ordinário. Ex: Constituição dos EUA, da França, Portugal
(1976), Moçambique. As constituições semi-rígidas são as que, numa
parte, podem ser revistas através de processo análogo ao das leis
ordinárias e, noutra parte, apenas mediante um processo de natureza
especial. Ex: Constituição brasileira de 1824.

3. A Constituição moçambicana é rígida, uma vez que ela só pode ser


revista cinco anos depois da entrada em vigor da última lei de revisão,
salvo deliberação de assunção de poderes extraordinários de revisão,
aprovada por maioria de três quartos dos deputados (293 C.R.M),
mesmo assim as propostas de alteração devem ser da iniciativa do
Presidente da República ou de um terço, pelo menos, dos deputados
da Assembleia da República (art. 291, nº 1) e as propostas de
alteração devem ser depositadas na Assembleia da República até
noventa dias antes do inicio do debate. Dizer ainda que as alterações
da Constituição são aprovadas por maioria de dois terços dos
deputados (art. 295, nº 1), o Presidente da República não pode recusar
a promulgação da lei de revisão (art. 295, nº 3) e durante o período da
vacatura do cargo de Presidente da Republica a Constituição não pode
ser alterada (art. 257, nº 1).

4. Há que interpretar a constituição da mesma forma que é preciso


interpretar a lei. A função integradora da Constituição vem
corresponder a função racionalizadora da interpretação constitucional.
Partindo do princípio que ele tem de ser objectiva e evolutiva, de
maneira a assegurar a coerência e a subsistência do ordenamento,
podemos apontar as seguintes directrizes:

 A Constituição deve ser tomada, a qualquer instante, como um todo,


na busca de uma unidade e harmonia de sentido;
 Quando há contradição de princípios, elas devem ser superadas,
nuns casos mediante a redução proporcionada do respectivo
alcance e âmbito da cedência de parte a parte e noutros casos,
mediante a preferência ou a prioridade, na efectivação de certos
princípios frente aos restantes;

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Curso de Ciências Jurídicas – Direito do Constitucional II – Semestre 2 NC
 Todas as normas constitucionais são verdadeiras normas jurídicas
e desempenham uma função útil no ordenamento jurídico. A
nenhuma norma pode dar-se uma interpretação que lhe retire ou
diminua a razão de ser. A uma norma fundamental tem de ser
atribuído o sentido que mais eficácia lhe dê;
 Os preceitos constitucionais devem ser interpretados não só no que
explicitamente ostentam mas também no que implicitamente deles
resulta;
 Todas as normas constitucionais têm de ser tomadas como normas
da Constituição actual, da Constituição que temos, e não como
normas de uma Constituição futura, cuja execução não vincule,
desta ou daquela maneira, os órgãos de poder e o legislador
ordinário.
 A interpretação deve ser feita conforme a própria constituição, que
se justifica em nome de um máximo aproveitamento dos actos
jurídicos.

5. No tempo - As normas constitucionais projectam-se sobre todo o


sistema jurídico, sobre as normas e os actos que o dinamizam, sobre o
poder e a comunidade política, conformando-os de harmonia com os
seus valores e critérios e trazendo-lhes um novo fundamento de
validade ou de autoridade.

Mas os efeitos supervenientes dessas normas constitucionais recortam-se


em termos diversos consoante se trate de Constituição nova ou de
modificação constitucional (designadamente revisão da constituição);
consoante se considere as relações das normas com normas
constitucionais; consoante estas sejam ou não conformes ou compatíveis
com as normas constitucionais.

No espaço – O principio geral é a aplicação material e formal em todo o


território do Estado, seja qual for a forma que o Estado revista. A cada
Estado a sua Constituição. A diferença está em que, havendo regiões
autónomas, a própria Constituição prevê estatutos político-administrativos
próprios, verdadeiros estatutos materialmente constitucionais, para todas e

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Curso de Ciências Jurídicas – Direito do Constitucional II – Semestre 2 NC
algumas áreas ou regiões compreendidas no interior do território do Estado,
ela abrange a zona terrestre, marítima e aérea, assim como no estrangeiro.

UNIDADE TEMÁTICA 2

TEORIA DO PODER CONSTITUINTE

Actividade I

Depois de colocar em pratica os estudos que você realizou. Procurando


responder às questoes justificando cada uma delas e utilizando os
fundamentos retirados das leituras. Agora verifique o Referencial de
Respostas.

1. Quem faz uma Constituição? A teoria moderna criou um conceito


chamado “poder constituinte” que procura juridicizar o acto de força
bruta que é, quase sempre, a criação de uma nova Constituição.
Reza assim a teoria: o poder constituinte é a autoridade ou força
concreta que cria, garante ou elimina uma Constituição. O grande
teórico deste poder, a propósito da Revolução Francesa é o Abade
Syéiés, que considerava este poder como ilimitado. Hoje a doutrina
tende-o a ver como limitado pelas normas básicas de direito
internacional. Este poder está nas mãos do povo. É o povo que decide
sobre uma determinada Constituição. Embora para se fugir à ideia de
povo como massa, manipulável plebiscitariamente, se tenha
introduzido o conceito de povo como pluralidade, envolvendo os
indivíduos enquanto tal, mas também as organizações, networks e
instituições de que os indivíduos fazem parte, mas que formulam uma
vontade própria e autónoma, chamando-se atenção para as estruturas
de comunicação (Habermas) ou de deliberação (Ackerman) que
permitam um diálogo informado e racional acerca das decisões
políticas fundamentais.
Para que este poder constituinte se manifeste existem procedimentos
que actualmente estão tipificados e que vão desde uma Assembleia

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Curso de Ciências Jurídicas – Direito do Constitucional II – Semestre 2 NC
Constituinte soberana, uma Assembleia Constituinte não soberana,
uma ou várias convenções populares ou/e um referendo, que pode
estar acoplado a uma projecto saído de uma Assembleia ou de outra
autoridade qualquer.
Esta teoria é atraente e racional, mas contém muitos problemas
inultrapassáveis. Analisemos dois casos. O primeiro é o da
Constituição da República federal da Alemanha( que se deve chamar
Lei Fundamental ou Básica- Grundgesetz e não Constituição-
Verfassung). Esta Constituição (de 1949), ainda hoje em vigor e com
um vigor renovado, resultou da Segunda Guerra Mundial e foi imposta
pelos aliados que, embora tenham entregue a sua redacção a um
conselho parlamentar alemão, tiveram uma interferência determinante
nas opções fundamentais, e obrigaram os alemães a modificar uma
primeira versão que apresentava um poder executivo demasiado forte.
O que apressadamente foi feito, com o auxílio de uma plêiade de
juristas alemães a declararem que o resultado correspondia às
tradições legais germânicas. Mas como muitos juristas alemães, a
começar por um dos mais importantes, Carl Schmitt; declararam,
anteriormente, que o Nazismo correspondia ao sentir concreto do povo
alemão e por isso a legislação devia ser interpretada, segundo esse
sentir concreto, i.e. segundo o Nazismo, as declarações dos juristas
alemães têm o valor que têm. O que é facto é que a Alemanha tem
uma Constituição imposta, discretamente, pelos Aliados vencedores
da Segunda Guerra Mundial. O povo alemão não teve muito a ver com
o assunto…
Menos discreto foi o General MacArthur Comandante Supremo das
forças ocupantes do Japão, também a seguir à Segunda Guerra
Mundial. Perante uma proposta japonesa de Constituição que pouco
mudava, pura e simplesmente deitou-a fora e mandou dois oficiais do
seu Estado-Maior redigir uma Constituição que foi diligentemente
aprovada por uma assembleia de Japoneses, eleita segundo regras
fixadas pelos americanos. O poder constituinte da Constituição
Japonesa foi o General MacArthur.
É certo que ambos os povos têm respeitado estas Constituições e
votado ano após ano em eleições, segundo os métodos e para os

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Curso de Ciências Jurídicas – Direito do Constitucional II – Semestre 2 NC
órgãos previstos nelas, o que lhes dá uma legitimidade tácita. Mas,
também é certo que o poder constituinte foi uma força militar e nada
mais.
Na esfera constitucional, mais do que em qualquer lugar, o político, a
força e o jurídico andam de mãos dadas, pelo que qualquer teorização
dura o tempo de um regime…No fundo, o conceito de povo não passa
de uma formalidade. Quem detém a força em determinado momento é
que decide sobre a Constituição. Também há que referir que as
Constituições que deveriam surgir depois de cuidadas e racionais
ponderações, são, quase sempre, o fruto de situações de turbulência
imensa em que a racionalidade e ponderação não abundam.

2. Como se sabe as fontes de direito são os modos de criação de


normas jurídicas e reconduzem-se primordialmente à lei, ao costume e
à jurisprudência.
Por lei (como fonte de direito) entende-se a formação de normas
jurídicas, por via de uma vontade a ela dirigida dimanada de uma
autoridade ou de um órgão com competência para o efeito. No
costume a criação e a execução dos direitos coincidem.
Na jurisprudência são os tribunais que, nas decisões que proferem nos
casos ou litígios a dirimir, dão sentido e explicitam o ordenamento
jurídico.
No sistema constitucional de qualquer país aparecem sempre normas
provindas de lei, de costume e de jurisprudência. A Constituição em
sentido formal oriunda do século 18 corresponde à Constituição cuja
fonte è a lei.
Pelo contrário, Constituição assente no costume é só a Britânica por
causa do sistema de Commom Law e porque em Inglaterra foi
possível assar sem ruptura do Estado Estamental para o Estado
constitucional.
Não existe nenhuma Constituição surgida da prática judicial. No
entanto certos Constituições do EUA seriam incompreensíveis sem o
trabalho sobre os seus preceitos e princípios levados a cabo pelos
juízes.

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Curso de Ciências Jurídicas – Direito do Constitucional II – Semestre 2 NC
3. Nenhuma Constituição deixa de regular a sua revisão, tácita ou
expressamente. Em geral regula-a expressamente, ora em moldes
rígidos, ora em moldes de flexibilidade. Por vezes porém não a
contempla, e tem de se encontrar uma forma de revisão coerente com
os princípios estruturais do sistema constitucional – P. e. Franca 1799,
1814 e 1830. É diversa a revisão constitucional em Estado simples e
em Estado composto. No Estado simples a revisão apenas depende
de um aparelho de órgãos políticos.

Em Estado composto a revisão implica uma colaboração entre os seus


órgãos próprios e os dos Estados componentes, os quais possuem
direito de ratificação ou de voto (consoante os casos) quanto às
modificações a introduzir na Constituição, por esta traçar o quadro das
relações de um e de outros – donde a necessária rigidez em que se
traduz. O processo de revisão pode ser ou não idêntico ao primitivo
processo de criação da Constituição.

UNIDADE TEMÁTICA 3

GARANTIA DA CONSTITUIÇÃO

Actividade I

Depois de colocar em pratica os estudos que você realizou. Procurando


responder às questoes justificando cada uma delas e utilizando os
fundamentos retirados das leituras. Agora verifique o Referencial de
Respostas.
1. O estado constitucional democrático necessita de um mínimo de
garantias e de sanções que surgem associadas a este ideia de protecção e
tutela da ordem constitucional que traz consigo a ideia de defesa do
Estado que se define como o conjunto dos institutos, garantias e medidas
destinadas a proteger a existência jurídica do mesmo (do seu território,
independência…). Com o surgimento do Estado constitucional agora fala-

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Curso de Ciências Jurídicas – Direito do Constitucional II – Semestre 2 NC
se na garantia da constituição, dado que o único objecto de defesa não é
puramente o Estado, mas antes a forma do Estado tal como é normativa
constitucionalmente definida (= Estado democrático).

A defesa da constituição exige certos mecanismos de garantia desta,


destinadas a assegurar a sua observância, aplicação, estabilidade e
conservação da lei fundamental. Não obstante, as garantias da
constituição não devem ser confundidas com garantias constitucionais pois
estas reconduzem-se ao direito dos cidadãos exigirem aos poderes
públicos a sua protecção e o reconhecimento dos meios processuais mais
adequados para essa finalidade.

2. A inconstitucionalidade consiste no não cumprimento da


Constituição, por acção ou omissão, por parte dos órgãos do poder político,
que correspondem os dois tipos de inconstitucionalidade. Os principais
tipos de inconstitucionalidade são:

 - Inconstitucionalidade por acção

 - Inconstitucionalidade por omissão.

A inconstitucionalidade por acção é também conhecida por


inconstitucionalidade Positiva e traduz-se numa actuação do poder político
contraria às normas constitucionais.

Este tipo de inconstitucionalidade pode assumir as seguintes modalidades:

 Inconstitucionalidade Material – quando existe uma contradição


entre o conteúdo do acto do poder político e o das normas constitucionais.

Ex.: Uma lei que estabelece a pena de morte viola forçosamente o artigo
40, nº 2, da C.R.M.

 Inconstitucionalidade Formal – quando um acto do poder político é


praticado sem que se tenham seguidos os tramites previstos nas normas
constitucionais.

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Curso de Ciências Jurídicas – Direito do Constitucional II – Semestre 2 NC
Ex.: Uma lei que seja publicada sem ter a assinatura do Presidente da
Republica, isto é, sem ter sido promulgada, viola o previsto no artigo 163
da C.R.M.

 Inconstitucionalidade por omissão, também designada por


Inconstitucionalidade Negativa, resulta da inércia ou do silencio de
qualquer órgão do poder, que, incumbido de praticar certos actos pela
C.R.M., os não prática. Ex.: O artigo 92 da C.R.M. nº 3 prevê que o Estado
deve apoiar as associações de consumidores e a serem ouvidas sobre as
questões que digam respeito à defesa dos consumidores, sendo-lhes
reconhecida legitimidade processual para a defesa dos seus associados.

3. São vários os modelos fundamentais de justiça constitucional que


podemos adoptar para obter uma visão global dos diferentes tipos de
controlo dos actos normativos, no entanto reconduzem-se a dois grandes
tipos:
 Modelo Unitário – todos os tribunais têm o direito e o dever de, no
âmbito das acções e recursos, aferir a conformidade constitucional do
acto normativo aplicável – subjacente a ideia de “jurisdição
constitucional não se distingue das outras formas de jurisdição, pois
não se justifica a existência de uma jurisdição especificamente
competente apenas para apreciar questões de (in) constitucionalidade.
Este modelo está associado ao modelo de controlo difuso e perdura
em países como Austrália, EUA, Suíça, Brasil, etc.
 Modelo de Separação – a jurisdição constitucional é confiada a um
tribunal especificamente competente para as questões constitucionais,
e este tribunal é separado dos demais. Este modelo é hoje acolhido
em países como Áustria, Portugal, Alemanha, Espanha, etc.

4. Controlo Preventivo – este controlo é efectuado antes da entrada


em vigor do acto normativo, quando a lei ou acto equivalente é ainda um
“acto imperfeito” carecido de eficácia jurídica.
Controlo Sucessivo – este é um controlo exercido a posterior (após a
promulgação, publicação ou entrada em vigor), o acto normativo já é um
acto perfeito e com plena eficácia.

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5. Na Constituição Portuguesa de 1933, predomina o modelo de
fiscalização judicial da constitucionalidade, temperado por elementos
de fiscalização política;

Na Constituição Moçambicana de 1975 predomina a fiscalização política


da constitucionalidade difundida por várias entidades estaduais e do
partido único, temperada com resquícios do modelo judicial vigente na
Constituição Portuguesa de 1933 e no Código de Processo Civil, ainda
vigente, ao abrigo das excepções peremptórias que aleguem um vício de
inconstitucionalidade como uma questão prejudicial ao processo principal;

A Constituição da República de Moçambique de 1990 demarca-se do


modelo vigente na Constituição de 1975, optando por um órgão de
denominação política «Conselho Constitucional» mas que, entretanto,
exerce uma função de natureza jurisdicional objectiva, atendendo as
garantias de independência, inamovibilidade, imparcialidade,
irresponsabilidade e incompatibilidades inerentes ao exercício da justiça
constitucional. Acresce a este fundamento o facto de os acórdãos do
Conselho Constitucional serem de cumprimento obrigatório e não
passíveis de recurso;

Ao Conselho Constitucional, cabe-lhe o controlo concentrado abstracto e


principal da constitucionalidade e, aos tribunais, a fiscalização concreta e
incidental, ao abrigo do artigo 162.º da Constituição e da figura das
excepções peremptórias vigentes na lei processual civil;

A combinação dos dois modelos de fiscalização da constitucionalidade


concentrado e difuso – dissipa, de certo modo, as objecções que a
doutrina tem colocado em relação a cada um deles, ao procurar-se com a
sua conjugação uma “cooperação” entre as vantagens de um e de outro,
pondo de lado os respectivos inconvenientes;

A Revisão constitucional aprovada em Novembro de 2004 trata de


consolidar o modelo de fiscalização da constitucionalidade vigente na
Constituição de 1990, clarificando a fiscalização abstracta preventiva e
sucessiva e a concreta, introduzindo uma relação de recurso entre os
tribunais comuns e o Conselho Constitucional, no que tange a recusa de
aplicação de uma norma com fundamento na sua inconstitucionalidade;

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Trata-se do culminar de edificação do sistema jurídico de garantia da
Constituição, representado no topo pelo Conselho Constitucional.

Estamos em face de um modelo de controlo da constitucionalidade misto,


onde avulta o sistema de controlo incidental difuso e o abstracto,
concentrado no Conselho Constitucional.

UNIDADE TEMÁTICA 4

DIREITOS FUNDAMENTAIS

Actividade I

Depois de colocar em pratica os estudos que você realizou. Procurando


responder às questoes justificando cada uma delas e utilizando os
fundamentos retirados das leituras. Agora verifique o Referencial de
Respostas.

1. É costume distinguir entre direitos do Homem e os direitos fundamentais.


Direitos do Homem são aquele conjunto de direitos essenciais que
correspondem ao Homem por razão da sua própria natureza, dai o seu
carácter inviolável, intemporal e universal. Enquanto os direitos
fundamentais são os direitos do Homem reconhecidos na lei.

2. Direitos da 1ª geração – Os direitos civis são os que decorrem da livre


actuação dos indivíduos em sociedade, isolada ou colectivamente. Os
políticos são os que atribuem aos cidadãos “o poder de cooperar na vida
estadual ou no exercício de funções públicas, ou manifestarem a própria
vontade para a formação da vontade colectiva”. Perante os direitos
políticos, o Estado deve não só respeitá-los, como criar incentivos,
proporcionando as condições para que os cidadãos os possam gozar e
exercer plenamente.

Escola Superior Aberta/A Politécnica – Ensino à Distância 166


Curso de Ciências Jurídicas – Direito do Constitucional II – Semestre 2 NC
Grande parte dos direitos fundamentais tem carácter civil e político, como
são, por exemplo: (arts. 40, 48, 59, 41, 73, 52)
- Direito à vida;
- Direito à liberdade e segurança;
- Direito a uma administração equitativa da justiça;
- Direito ao respeito pela vida privada e familiar, pelo domicílio e
pela correspondência;
- Direito à liberdade de expressão e opinião;
- Direito de casar e de constituir família;
- Direito à liberdade de reunião e associação;
- Direito à liberdade de circulação e de escolha de residência;
- Direito de propriedade;
-etc.
Os direitos civis e políticos surgem imbuídos dos ideais jusnaturalistas e
correspondem a um ciclo histórico que se prolonga até a 2ª Guerra Mundial.
Direitos da 2ª geração – Com o advento do Estado social, os
direitos sociais foram sendo progressivamente consagrados. A
década de 60 foi marcante para a consagração deste tipo de
direitos. São por exemplo (84, 85, 88, 93, 89, 91, 92, 82, 95):
- Direito ao trabalho;
- Direito à educação, cultura e ciência;
- Direito à saúde;
- Direito a segurança social;
- Direito à propriedade privada;
- Direito do consumidor
Direitos da 3ª geração – A partir da década de 80, com maior destaque a
década de 80 se começam a afirmar os direitos do Homem da terceira
geração. Que se resumem em:
- Direito à paz; ao desenvolvimento, ao ambiente e recursos
naturais, ao espaço aéreo, ao fundo do mar, etc. (arts. 29 e 209)

3. Nos três casos há violação do princípio da igualdade, mas


concretamente no artigo 35 da Constituição. Vejamos então: No Primeiro
anuncio não há qualquer razão para não serem admitidos elementos do
sexo feminino (no respeitante aos conhecimentos de línguas não há

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Curso de Ciências Jurídicas – Direito do Constitucional II – Semestre 2 NC
obviamente nenhuma inconstitucionalidade), pelo que a condicionante do
sexo contrária o disposto nos artigos 35, que estabelece o princípio da
universalidade e igualdade, e 36, que estabelece o princípio da igualdade
do género, conjugados (todos os cidadãos são iguais perante a lei, gozam
dos mesmos direitos e estão sujeitos aos mesmos deveres,
independentemente (…), sexo), isto é, estão aqui confrontados com uma
discriminação juridicamente inadmissível no respeitante aos elementos do
sexo feminino.
No que tange ao segundo anúncio, pode-se obviamente exigir boa
apresentação a um candidato (este requisito não é, obviamente,
inconstitucional), mas esta pode existir em qualquer raça, daí a
condicionante da raça branca contrariar o preceituado no artigo 35 (todos
os cidadãos são iguais perante a lei, gozam dos mesmos direitos e estão
sujeitos aos mesmo deveres, independentemente (…), da raça), isto é,
estamos aqui confrontados com uma discriminação juridicamente
inadmissível no respeitante aos elementos de outras raças que não a
branca. Quanto aos trabalhadores não serem daltónicos, é um requisito
perfeitamente exigível para trabalhadores de empresas de vestuário, visto
que se trata também de ajudar os clientes a comprar as peças de roupa,
pelo que não haveria aqui qualquer inconstitucionalidade.
No tocante ao terceiro anúncio, não se contraria o vertido no artigo 35, o
facto de se tratar da contratação de trabalhadores masculinos para a
construção civil (penosidade do trabalho associada mais ao sexo
masculino e convicção enraizada na constituição), mas já atentará contra o
postulado no referido artigo, o facto de se excluírem os trabalhadores
nascidos fora da Matola (todos os cidadãos são iguais perante a lei, gozam
dos mesmos direitos e estão sujeitos aos mesmo deveres,
independentemente (…), local de nascimento), sem qualquer fundamento
razoável para tal.
Em suma, nos casos em que houve violação do princípio da universalidade
e igualdade a vinculatividade da Constituição prevaleceu sobre a
autonomia privada, extravasando estas opções do grau de autonomia
privada concedido às entidades particulares. Vale dizer, tratou-se de
tratamento diferenciados repousando não só sobre razoes arbitrárias,

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porque insuficientes e desrazoáveis, mas ainda sobre razoes contrárias à
dignidade humana, o que é proibido pelo princípio da igualdade.

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