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Direito Constitucional I

Professor Bacelar Gouveia

Conceito de Direito Constitucional.

Direito Constitucional – é o conjunto de princípios e de normas


que regulam a organização, o funcionamento e os limites do poder
público do Estado, assim como estabelecem os direitos das
pessoas que pertencem à respetiva comunidade política.
Direito Constitucional

O Direito Constitucional regula, disciplina o exercício do poder


público do Estado que detém a força e os meios de coação de forma a
garantir a defesa dos direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos.

O Direito Constitucional como ramo do Ordenamento Jurídico


encerra três elementos: um elemento Subjetivo, referindo-se ao Estado
enquanto sujeito destinatário das suas normas, tanto o Estado-Poder,
como o Estado-Comunidade; um elemento Material referindo ao
conjunto de matérias objeto da sua regulação; e ainda um elemento
Formal enquanto lei fundamental do Estado que ocupa uma posição
hierarquicamente superior relativamente às outras leis do Estado.
Direito Constitucional

O termo Direito Constitucional que hoje em dia é utilizado um


pouco por todo o mundo, resultou do termo “Constituição” que nasceu
e se desenvolveu a partir do Séc. XVIII, como conjunto de princípios e
de normas fundamentais do Estado.

A expressão Direito Constitucional surgiu na França e em


Itália, aquando da elaboração dos primeiros manuais que se dedicaram
ao Estudo sistemático deste ramo Direito, destacando neste âmbito, o
autor Italiano de Pellegrino Rossi. Esta expressão sofreu concorrência
de outras expressões como foi o caso de Direito Político, mas acabou
por se sobrepor a estas.
Direito Constitucional
As divisões do Direito Constitucional.

O Direito Constitucional pode ser visto sobre várias


perspetivas, dependendo dos problemas que são tratados. Neste
sentido, o Direito Constitucional pode ser dividido em:

Direito Constitucional Material – conjunto de princípios e de


normas constitucionais que versam sobre os direitos fundamentais das
pessoas em relação ao poder político do Estado.

Os Direitos, Liberdades e Garantias dos cidadãos. Arts 28ºss,


55ºss, 61ºss da CRCV.
Direito Constitucional

Direito Constitucional Economico, Financeiro e Fiscal –


conjunto de princípios e de normas constitucionais que regulam a
organização económica da sociedade e a intervenção do poder público
no plano económico, financeiro e fiscal. Arts 91ºss

Direito Constitucional Organizatório – conjunto de princípios


e de normas constitucionais que organiza e disciplina o poder do
Estado, no que se refere à sua organização e funcionamento, bem
como nas relações entre as suas estruturas. Arts 119ºss
Direito Constitucional

Direito Constitucional Garantístico – conjunto de princípios


e de normas constitucionais que estabelecem os mecanismos
destinados à proteção da Constituição e a defesa da sua prevalência
sobre os outros atos jurídicos do Estado que lhe sejam contrários.
Arts 270ºss.
Direito Constitucional
Para além dessas divisões mais importantes, podemos
proceder ainda a outras divisões de âmbito mais específico consoante
as matérias tratadas pelo Direito Constitucional. Neste sentido
podemos ter ainda:

Direito Constitucional Internacional – Estabelece as regras


que regulam a relação do Estado de Cabo-Verde com os outros
Estados, através dos tratados e acordos internacionais. Arts 11º

Direito Constitucional dos Direitos Fundamentais – Define o


regime Jurídico-Constitucional dos Direitos, Liberdades e Garantias.
Arts 15ºss, 18ºss
Direito Constitucional
Direito Constitucional Económico – Estabelece as bases da
economia. Art. 91º
Direito Constitucional Ambiental – Estabelece os direitos e os
deveres dos cidadãos para com o ambiente. Art. 73º
Direito Constitucional Eleitoral – Estabelece as regras para a
eleição dos titulares dos Órgãos de Soberania. Arts 95º a 118º.
Direito Constitucional dos Partidos Políticos – Estabelece as
regras para constituição dos Partidos e define as suas competências. Arts.
55º, 57ºss.
Direito Constitucional Parlamentar – Estabelece as regras para a
constituição dos Parlamento, as suas competências e o seu modo de
funcionamento. Arts 115ºss, 140ºss
Direito Constitucional
Direito Constitucional Procedimental – Estabelece as regras
para o procedimento legislativo. Arts 157ºss.

Direito Constitucional Processual – Estabelece as regras e os


mecanismos da fiscalização da constitucionalidade das leis. Arts
277ºss

Direito Constitucional de Segurança – Estabelece as regras


definem o modo de organização e funcionamento das forças armadas e
policiais. Arts 244º, 246ºss

Direito Constitucional de Exceção – Estabelece os princípios e


as regras a aplicar nas situações de estado de sítio e estado de
emergência. Arts. 270ºss
Direito Constitucional
As características do Direito Constitucional.

O Direito Constitucional como ramo da ciência jurídica dispõe


de determinadas características que o distingue os outros ramos do
ordenamento jurídico.

Em primeiro lugar importa dizer que o Direito Constitucional


constitui um ramo de Direito Público, pois nele predomina claramente
o interesse público, na medida em que tem como principal objetivo
estabelecer as máximas orientações do Estado para com a comunidade,
definindo e regulando as suas competências nas relações com as
pessoas e os outros poderes da comunidade.
Direito Constitucional
Supremacia – o Ordenamento Jurídico constitui uma estrutura
hierarquicamente organizada e nesta organização, o Direito
Constitucional ocupa a posição suprema, ou seja, encontra-se no topo
da pirâmide da Ordem Jurídica. Esta posição que o Direito
Constitucional ocupa no Ordenamento Jurídico, tem como
consequência a obediência e a não contrariedade por parte das outras
fontes de Direito, sob pena de serem inconstitucionais. Arts 277.ºss

Transversalidade – o Direito Constitucional por ocupar o topo


da hierarquia no Ordenamento Jurídico acaba por ser transversal, no
sentido de que abarca as matérias mais importantes da sociedade, o
que o leva a confrontar-se com todos os outros ramos de Ordenamento
Jurídico que por seu turno lhe devem obediência.
Direito Constitucional
Politicidade – esta característica do Direito Constitucional
resulta do facto de o seu objeto ser também o estatuto do poder
público do Estado, ou seja, a definição e a regulação da competência
dos órgãos ou entidades que exercem o poder político.

Estadualidade – esta característica do Direito Constitucional


resulta do facto de ele ter como sujeito e o objeto do próprio Estado,
ou seja, que a origem e o desenvolvimento do Direito Constitucional
está intrinsecamente ligado à origem e o desenvolvimento do próprio
Estado.
Direito Constitucional
Legalismo – é também uma das características do Direito
Constitucional, na medida em que esta tem como principal fonte
normativa a lei. O costume foi afastado na preocupação de cortar com o
passado monárquico absolutista que triunfou até o século XVIII e
também pelo facto de a lei permitir com muito mais objetividade
controlar e regular o exercício do poder por parte dos órgãos do Estado.
Fragmentariedade – esta característica significa que o Direito
Constitucional não tem que efetuar uma regulação completa das
matérias sobre o qual se debruça, mas sim deixar que vários outros
aspetos sejam regulados por outros ramos do Direito, ocupando-se
apenas dos questões mais relevantes, como a defesa dos direitos
fundamentais do cidadão e a organização e funcionamento dos órgãos
do Estado.
Direito Constitucional
Juventude – também constitui uma das características do
Direito Constitucional, na medida em que ao contrário dos outros
ramos de Direito, só passou a ser estudado de forma autónoma a partir
do Séc. XVIII, o que faz com que muitos dos conceitos e das soluções
não estejam ainda suficientemente testadas.

Abertura – significa que o Direito Constitucional aceita


complementaridades e recebe influências de vários outros
ordenamentos internacionais e internos e com eles mantém relações
inter-sistemáticas, sobretudo no que se refere a definição e tutela dos
direitos fundamentais.
As relações do Direito Constitucional com os
outros ramos do Direito.

O Direito Constitucional por ocupar o topo da hierarquia das


leis mantém relações com os outros ramos do ordenamento jurídico,
em especial com os ramos de Direito Público, por ele definir e regular
o poder público do Estado.
Direito Administrativo – sendo este o ramo de Direito que
define a organização e o funcionamento da Administração Pública e a
sua relação com os administrados, requer do Direito Constitucional o
estabelecimento das linhas orientadoras dos seus principais capítulos,
tais como a organização e funcionamento da administração, os
direitos fundamentais dos administrados e a intervenção da jurisdição
na fiscalização da atividade administrativa. Art. 240.º.
As relações do Direito Constitucional com os outros ramos do Direito.

Direito Internacional Público – sendo este o ramo de Direito que


estabelece as normas e os princípios que disciplinam a organização e a
atividade dos membros da sociedade internacional, por seu turno, cabe
ao Direito Constitucional estabelecer a relevância desse Direito na
ordem jurídica interna, bem como a competência do Estado e dos outros
órgãos para participar nas relações internacionais. Art. 12.º, 4.
Direito Penal – sendo este o ramo de Direito responsável para
sancionar os comportamentos humanos ofensivos dos direitos
fundamentais das pessoas e do Estado, através da sua criminalização,
esta criminalização só pode ser feita com base e para a proteção dos
bens jurídicos que se encontram previamente definidos e consagrados
na Constituição. Art. 28.º ss
As relações do Direito Constitucional com os
outros ramos do Direito.
Direito Contra-ordenacional – cabendo a este ramo de Direito a
tipificação de comportamentos ilícitos, mas que pela sua
gravidade não constituem ilícitos penais e por seu turno não
cabem a aplicação de medidas privativas de liberdade mas apenas
de sanções pecuniárias, esta tipificação também deve obedecer os
princípios e as normas consagradas na Constituição.
Direito Judiciário – este ramo do Direito ocupa-se da organização
e do funcionamento das instituições que exercem o poder
judicial, mas essa organização e as suas competências devem
obedecer às normas pré-estabelecidas na Constituição. Art. 214.º.
As relações do Direito Constitucional com os
outros ramos do Direito.
Direito Processual – regulando este ramo de Direito a
tramitação dos processos nas instituições judiciárias, a definição
dos trâmites processuais devem obedecer e respeitar os
princípios e os direitos fundamentais das pessoas consagradas na
Constituição. Art. 35.º.
Direito Financeiro – ocupando este ramo de Direito das
prioridades para o Orçamento do Estado e das receitas e
despesas dos vários organismos públicos e da sua fiscalização,
estas questões devem respeitar as normas constitucionais
estabelecidas para este sector. Art. 94.º
As relações do Direito Constitucional com os
outros ramos do Direito.
Direito Fiscal – estabelecendo este ramo de Direito o
regime das receitas do Estado provenientes dos impostos,
estas regras devem obedecer aos princípios e normas
constitucionais relativas a esta matéria. Art. 93.º.
Direito da Religião – estabelece um conjunto de
princípios e regras relativas à proteção e a liberdade da
Religião que devem vigorar num Estado de Direito e numa
sociedade democrática de acordo com os princípios
constitucionais relativa a esta matéria. Art. 49.º.
As relações do Direito Constitucional com os
outros ramos do Direito.
Direito da Economia – a constituição estabelece um
conjunto de princípios e de normas que constituem a base da
organização económica da sociedade. Art. 91.º.
Direito da Segurança – a Constituição estabelece um
conjunto de princípios e de normas que devem ser respeitados na
definição das matérias relativas à segurança tanto a nível interno
como a nível externo. Art. 244.º e 246.ºss.
CONSTITUCIONALISMO E SISTEMAS CONSTITUCIONAIS

O estudo comparativo do Direito Constitucional – tal como dos


outros ramos de Direito – traz um conjunto de vantagens, como, por
exemplo, a possibilidade de melhor conhecer as soluções adotadas; oferece
contributos para a interpretação e para a integração de lacunas; fornece
pistas para alterações legislativas no futuro; e contribui para a elevação
cultural do jurista.
Perante a impossibilidade e mesmo a inutilidade de comparar o
sistema constitucional dos quase 200 Estados existentes, vamos optar por
escolher e comparar os sistemas políticos mais originais do ponto de vista
do seu contributo para o Direito Constitucional, sem esquecer a
preponderância e as múltiplas influências que alguns ordenamentos
constitucionais exerceram sobre os outros.
O Direito Constitucional do Reino Unido

Formação e evolução
O sistema constitucional do Reino Unido apresenta-se
como um dos mais originais quer do ponto de vista histórico
quer do ponto de vista cronológico. Este sistema tem como uma
das suas características, o facto de ter tido uma formação
institucional lenta com poucos sobressaltos, sem ter havido
grandes alterações ou ruturas constitucionais.
Apesar de não ter havido grandes ruturas, o processo de
formação do Estado do Reino Unido ficou marcado por várias
fases ou períodos fundamentais:
Formação e evolução

O primeiro período de estabilização territorial e do


predomínio do fator monárquico. Este período iniciou-se com a
implantação do Reino de Inglaterra no sul da ilha britânica e vai
até ao Séc. XVII.
Ficou marcado pela outorga da Magna Carta Libertatum
(1215), na sequência da derrota do Rei D. João I também
conhecido como João Sem Terra, em que a Nobreza e o Clero lhe
exigiram um importante conjunto de garantias em matéria
processual penal e tributária e pela sedimentação do poder do Rei
numa fase posterior, que lhe permitiu estruturar o poder público da
época.
Formação e evolução

O segundo período de turbulência institucional. Este


período que corresponde ao Séc. XVII ficou marcado pela
ocorrência de várias guerras civis, mudanças dinásticas e o
aparecimento de importantes textos constitucionais em matéria de
proteção de direitos como a Petição de Direitos e a Declaração de
Direitos.

Foi neste período que Oliver Cromwell implementou


durante um curto período uma espécie de República (entre 1645-
1658), que terminou com a sua morte, caracterizada pela
intolerância religiosa e pela imposição de uma “revolução puritana”,
que esteve na base do pensamento político de Thomas Hobbes;
Formação e evolução

O terceiro período que corresponde ao Séc. XVIII, ficou


marcado pelo predomínio do fator aristocrático com a ascensão
política da Câmara dos Lordes ao lado do Rei.

Foi também neste período que se consolidou o Reino Unido


como Estado composto, através da unificação de vários Estados
simples num percurso bastante complexo, com a anexação definitiva
do País de Gales pela Inglaterra em 1534 por Henrique VIII, a
União Real entre a Inglaterra e a Escócia em 1707 e pela integração
da Irlanda na Grã-Bretanha em 1801, sendo que esta integração
apenas se manteve em relação à Irlanda do Norte, uma vez que a
República da Irlanda se tornou independente em 1921;
Formação e evolução
O quarto período que corresponde ao Séc. XIX, ficou marcado
pela prevalência do fator democrático, através do reconhecimento da
primazia da Câmara dos Comuns, resultado das reformas
parlamentares realizadas em 1832 que definiu as sua composição e as
suas competências, tendo estas vindo a ser reforçadas em 1911.
Foi também nesta fase é que se deu a autonomização do
Governo, com a criação da figura do Primeiro-Ministro e depois com
o dos outros Ministros.
O sistema constitucional do Reino Unido teve projeção nos
outros Estados que foram suas colónias, sendo que em alguns casos,
apesar de se terem tornado independente, como é o caso da Austrália,
do Canadá e da Nova Zelândia, reconhecem-se subordinados à Coroa
Britânica.
Fontes

O sistema de Direito do Reino Unido insere-se numa das


variantes do sistema jurídico, designado sistema Anglo-Saxónico ou
sistema de Common Law, em oposição ao sistema Romano-Germânico
que é característico do sistema da europeu continental.

Este sistema tem como principais características: a


importância do costume (custom law) como fonte de Direito em
oposição à lei (statutory law); a relevância dos tribunais na realização
do Direito (the rule of precedente); a inexistência de fronteiras entre o
Direito Público e o Direito Privado.
Fontes
Estas características do sistema de Direito Britânico também
se aplica ao Direito Constitucional, fazendo com que este seja um
dos poucos Estados com um sistema constitucional essencialmente
consuetudinário, na qual o costume constitucional se apresenta
como sendo a principal fonte de Direito Constitucional, tendo este
por conseguinte um cariz essencialmente não escrito (unwritten
Constitution), ao contrário daquilo que acontece nos outros Estados
e sistemas constitucionais.

Muitas das regras, apesar de não terem sido escritas,


traduzem práticas reiteradas que são assumidas como sendo
obrigatória pelos titulares dos cargos políticos.
Fontes

Apesar de o costume assumir um importante papel no


sistema constitucional Britânico, vários diplomas também fazem
parte deste sistema de Direito Constitucional, tornando-o num
sistema misto e flexível, podendo ser alterado em qualquer
momento, sem necessidade de um procedimento específico, com
base no princípio da supremacia político-legislativa do Parlamento:
- A Magna Carta (Magna Carta Libertatum), de 15 de Junho
de 1215, que consiste na afirmação dos direitos da nobreza e do clero
contra o Rei João I derrotado, que ainda vigora em grande parte;
Fontes
- A Petição de Direito (Petition of Rights), de 7 de Junho de
1628, que proclamou os direitos fundamentais dos cidadãos,
representando uma vitória do Parlamento contra o Rei Carlos I;

- A Lei do Habbeas Corpus “Ter o Corpo” (Habbeas Corpus


Act), de 1679, que estabeleceu as garantias dos arguidos contras
detenções arbitrárias;

- A Declaração de Direitos (Bill of Rights), de 13 de


Fevereiro de 1689, que consistiu na mais ampla declaração dos
direitos fundamentais decretada pelo Parlamento, após a vitória
contra Jaime II, na Gloriosa Revolução de 1688;
Fontes
- O Acto do Estabelecimento (Act of Settlement), de 12 de
Junho de 1701, que estabeleceu a obrigação de professar a fé
anglicana e;

- O Acto do Parlamento (Act of Parliament), de 18 de Agosto


de 1911, alterado em1949 e 1958, que estabeleceu as regras de
funcionamento do Parlamento.

O sistema constitucional britânico, tem como uma das suas


características a preocupação com a defesa e proteção dos direitos
fundamentais do cidadão, sendo esta preocupação esteve na base e
moldou a própria construção do Estado Britânico. Este facto é
confirmado pela situação de o Reino Unido não ter sido atingido pelas
correntes absolutistas que dominaram a Europa durante o período do
Estado Moderno.
Fontes
A proclamação dos Direitos Fundamentais no Reino Unido
acabou por antecipar o fenómeno da positivação constitucional dos
Direitos Fundamentais nos países da Europa continental após a
Revolução Francesa de 1789.

Outro ponto importante a nível da limitação do poder


político do Estado Britânico, prende-se com facto deste sistema ter
uma concepção judicialista, que concede aos tribunais uma ampla
capacidade de intervenção, com o estabelecimento do princípio ou
da regra do precedente (the rule of precedent), segundo a qual
perante um caso idêntico, a primeira decisão deve ser seguida na
resolução de todos os outros casos análogos.
Organização Política
O sistema constitucional Britânico é constituído por
diversos órgãos que se organizam em função das suas competências,
sendo eles: o Monarca; o Parlamento; o Gabinete; os Tribunais; e o
Conselho Privado, agindo todos eles em nome da Coroa.

O Rei ou Monarca exerce o seu cargo a título vitalício,


segundo as regras da sucessão, não sendo aplicável a lei sálica,
devendo ainda ser crente da Igreja Anglicana de Inglaterra. O Rei
ocupa uma posição aparentemente forte no sistema constitucional,
uma vez que os atos realizados pelos outros órgãos são feitos em
nome da Coroa, mas na prática não dispõe de nenhum poder efetivo,
com base na regra da referenda ministerial: the king can do no
wrong, tendo ele apenas uma função simbólica.
Organização Política

Apesar destas limitações, o Monarca dispõe de determinadas


competências tais como: a nomeação e a exoneração do Primeiro-
Ministro em função dos resultados eleitorais; a dissolução da Câmara
dos Comuns a pedido do Primeiro-Ministro; a sanção das Leis, depois
de aprovadas no Parlamento; a nomeação dos Juízes e dos Lordes; o
comando das Forças Armadas e a declaração de guerra, o direito de
indulto; a criação de pares; e a atribuição de títulos e condecorações.
Organização Política
- O Parlamento, ao contrário do Monarca ocupa o lugar
central na acção política é composta por duas Câmaras:

A Câmara dos Lordes ou Câmara Alta que representava a


aristocracia foi substancialmente atenuada, passando a ter uma
representação mais baseada no mérito. Tem um número variável de
pares, cerca de 789 incluindo 26 cleros membros da Igreja Anglicana,
sendo os mesmos nomeados pelo Monarca a título vitalício.

Tem competência de intervenção a nível do processo


legislativo, a nível da sua avaliação, podendo atrasar a aprovação e
nos casos de leis financeiras mesmo votar contra. Esta Câmara
também tem sido o Supremo Tribunal Britânico, funcionando como
última instância judicial através dos seus Law Lords.
Organização Política

A Câmara dos Comuns ou Câmara Baixa é constituída por


659 Deputados, escolhidos por cinco anos através do sufrágio direto e
universal pelo sistema de círculos nominais. Tem competência política
e legislativa cabendo-lhe a subsistência política do Governo e a
aprovação das leis. Os trabalhos são orientados por um Presidente,
Speaker, escolhido pelos Deputados da maioria.
Organização Política
O Gabinete ou Governo Britânico é constituído pelo Primeiro-
Ministro e pelos Ministros, sendo estes escolhidos com base na
maioria obtida na Câmara dos Comuns.
Para além do Primeiro-Ministro existem mais duas categorias
de Ministros, os Senior Mnisters e os Junior Ministers. O
funcionamento do Governo pode ser restrito, apenas com os Ministers
in the Gabinet, ou alargado, com os Ministers not in the Gabinet.
O Governo exerce competências legislativas delegadas pela
Câmara dos Comuns e competências executivas que lhe são próprias e
sujeita-se à fiscalização do Parlamento.
O Primeiro-Ministro é o chefe do Governo e tem
competências para propor a nomeação e a exoneração dos Ministros.
Organização Política
O Conselho Privado (Privy Council) é o órgão de consulta do
Chefe de Estado e integra uma variedade de membros, uns designados
por razões políticas, outras por serem representantes da Igreja
Anglicana, mas a sua importância tem sido cada vez menor no sistema
constitucional Britânico.

Os Tribunais dividem-se em duas categorias: Tribunais


inferiores que são os county courts que tratam das matérias cíveis e os
magistrates courts, que tratam das matérias criminais e Tribunais
Superiores ou que têm duas categorias: a Câmara dos Lordes através
do Appellate Commitee, que trata apenas de questões judiciais e o
Supreme Court que se divide em dois, o High Court of Justice para as
questões cíveis e o Crown Court para os crimes mais graves.
Organização Política
O sistema de Partidos Britânico é dominado por dois
partidos que ocupam cerca de 85% do Parlamento, o Partido
Trabalhista ou o Labor Party, e o Partido Conservador ou o
Conservative Party, devido ao facto de terem sistema eleitoral que
não favorece os partidos mas pequenos, mas nos últimos tempos, o
Partido Liberal Democrata tem vindo a crescer.

O sistema de Governo Britânico é qualificado como sendo


um sistema Parlamentar de Gabinete, por ser a maioria Parlamentar
a formar o Gabinete, ou seja, o Governo e por este estar sujeito à
fiscalização do Parlamento, devendo o Primeiro-Ministro prestar
informações periodicamente e ainda pelo facto de o Parlamento
poder aprovar moções de censura e fazer cair o Governo.
O Direito Constitucional dos Estados Unidos da América

Formação e evolução
O sistema de Direito Constitucional dos Estados Unidos constitui
um sistema com características muito próprias, apesar de ter sofrido
diversas influências do sistema britânico, o que se explica pelo facto de
ter sido colónia deste Estado.
Os EUA entram para a História do Direito Constitucional, por ter
sido dos primeiros a efetivar a revolução liberal e por ter sido o primeiro
a possuir uma Constituição escrita – em 1787. Os EUA, hoje, é fruto de
uma evolução que aconteceu desde o descobrimento e da ocupação pelos
Britânicos no início do Séc. XVII, que estabeleceram treze colónias
começando pela Virgínia ou Nova Inglaterra em 1606, até aos finais do
Séc. XVIII, altura em que se deu a independência política dessas
colónias, a 4 de Julho de 1776.
Formação e evolução
Os principais motivos que levaram a independência dessas
colónias foram: os ideais liberais de emancipação colonial do novo
mundo; a libertação financeira do Império Britânico, para aliviar a
pesada carga fiscal aumentada pela lei do açúcar e do selo em 1764
e 1765; e a expansão económica através da afirmação de uma
economia e de um mercado próprio.

Após a independência, no âmbito da organização geral do


Estado foi criada em 1781 uma Confederação que, respeitando a
soberania dos Estados, que entretanto tinham redigido as suas
próprias Constituições, criava um Congresso com alguns poderes
mais do ponto de vista diplomático e representativo.
Formação e evolução
Contudo, devido a fragilidade da organização confederal e a
necessidade de fazer face às despesas militares necessárias para
garantir a consolidação da independência conduziu ao reforço de um
poder central, que passou a ser de tipo Federal.
Esta questão foi discutida na Convenção de Filadélfia, que
durou quatro meses de trabalho, findo o qual conseguiu-se um acordo
que veio a dar origem à própria Constituição dos Estados Unidos da
América – CNA. Nesta tarefa, que culminou com a aprovação da
CNA, destacaram os nomes de Alexander Hamilton, James Madison e
John Jay.
A CNA foi a provada a 17 de Setembro de 1787, e pouco
tempo depois, em 1791, foi aprovado a Declaração de Direitos – Bill
of Rights – que acrescentou os primeiros dez aditamentos à CNA, com
o objetivo de defender os direitos fundamentais do cidadão face ao
Estado, que não constava do texto original da Constituição.
Formação e evolução
Desde a aprovação da Constituição é possível dividir a História
do Direito Constitucional dos EUA em quatro períodos:
Primeiro período de expansão territorial, até meados do séc.
XIX, com a conquista de novos territórios como a compra de Louisiana
à França e a conquista dos espaços ocidentais do Oceano Pacífico;
Segundo período de fratura político social na segunda metade do
séc. XIX, com dura guerra civil, guerra de secessão, que opôs os sulistas
contra os nortista que defendiam a Federação e que acabaram por
vencer;
Terceiro período de internacionalização e de industrialização no
primeiro quartel do séc. XX, e a assunção como potência económica
mundial;
Quarto período de mundialização desde a II Guerra Mundial,
com a sua assunção como superpotência mundial, influenciando os
outros Estados e exportando o seu modelo presidencialista e federalista.
Fontes e Características da CNA: durabilidade,
elasticidade e rigidez
Em relação às fontes do Direito Constitucional dos EUA, não
obstante este sistema constitucional ter sido influenciado pelo
sistema Britânico da common law, o Direito Constitucional dos EUA
sempre teve um perfil legalista, assente na vigência de um ato
legislativo – a Constituição – apesar de aceitar uma certa relevância
do costume e da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.
A CNA provada a 17 de Setembro de 1787, e que se mantém
em vigor até a atualidade, foi obra de uma convenção constituinte – a
Convenção de Filadélfia – reunida em 1787, que tinha o objetivo de
reformatar os EUA em ordem a proporcionar uma maior eficiência na
ação do Estado Federal, sem anular o papel dos Estados Federados.
Fontes e Características da CNA: durabilidade,
elasticidade e rigidez
A CNA foi sistematizada em sete extensos artigos, alguns
subdivididos por secções – I do Poder Legislativo, o II poder Executivo; III
Poder Judicial; IV Federação e Estados Federados; V Revisão
Constitucional; VI Disposições Finais e Transitórias; VII Entrada em Vigor.
Apesar de se manter em vigor desde a sua aprovação em 1787, a
CNA sofreu várias alterações, que se traduzem, sobretudo, em aditamentos
à Constituição original: pouco depois da aprovação da Constituição, em
1791 foi aprovada a Declaração de Direitos – Bill of Rights – matéria que
estava omissa na Constituição originária que tinha um carácter puramente
organizatório. Mas, ao longo dos anos tem vindo a ser aprovados novos
aditamentos e revogados outros, com destaque para a abolição da
escravatura e a lei seca, para além da Declaração de Direitos totalizando 26
alterações.
Fontes e Características da CNA: durabilidade,
elasticidade e rigidez
A CNA já dispõe de mais de dois séculos de vigência, o que
tem despertado alguma curiosidade e procura de justificações para este
facto. Uma das causas que justificam essa durabilidade prende-se com
o facto de ele ter mais um carácter organizatório, não obstante os
aditamentos que regulam outras matérias.

Outra justificação prende-se com a sua elasticidade que tem


permitido, e o carácter conservador e renovador do Supremo Tribunal
de Justiça que tem conseguido moldar e adaptar o texto constitucional
às necessidades de regulação do Estado sem que este perca os seus
traços fundamentais.
Fontes e Características da CNA: durabilidade,
elasticidade e rigidez

Outra característica da CNA prende-se com a sua rigidez, ao


contrário da Constituição Britânica, exigindo um largo consenso e
um procedimento específico para a sua modificação.

Num primeiro momento são necessários votos dois terços


dos membros de ambas as câmaras ou das assembleias legislativas
estaduais para desencadear o processo, e, num segundo momento,
são necessários votos de três quartos para tornar vigentes essas
alterações.
A novidade da Estrutura Federal
O nascimento dos Estados Unidos trouxe uma nova figura
jurídico-constitucional até então desconhecida, que é a estrutura
federal. Esta estrutura surgiu após o fracasso da estrutura confederal,
criada depois da independência em 1781, devido à sua ineficiência na
ação executiva e a necessidade de se defender dos perigos que
ameaçam a sua própria subsistência enquanto Estado novo,
necessitando por isso de reforçar a sua capacidade de defesa.
Os EUA atualmente constituído por 50 Estados mais o Distrito
Federal, que mantêm a sua autonomia federativa ao nível dos poderes
legislativo, executivo e judicial, segundo uma Constituição estadual
própria. Contudo esta soberania que lhes permite até elaborar a sua
própria Constituição tem limites que são impostos pela Constituição
Federal a nível do respeito pela forma republicana de governo, da
igualdade de votos entre os Estados, da estrutura dos órgãos estaduais
e do respeito pelas competências da Federação.
A novidade da Estrutura Federal
A CNA estabelece as competências que são exclusivas da
Federação, como a emissão de moeda, a contração de empréstimos, as
relações externas, a defesa nacional e outras competência.
Também estabelece as competências exclusivamente Estaduais
como a legislação civil e penal, as competências Estaduais que podem
ser autorizadas pela Federação como a criação de impostos
alfandegários e a celebração de tratados internacionais.
Estabelece, ainda, as chamadas competências partilhadas, ou
seja, que podem ser exercidas tanto pela Federação, como pelos
Estados.
Os Direitos Fundamentais na CNA
Outro aspeto importante da CNA tem a ver com o facto de os
Direitos Fundamentais só terem surgido algum tempo depois da aprovação
da Constituição, mais concretamente com a Declaração dos Direitos
aprovados em 25 de Setembro de 1789 e ratificados em 15 de Dezembro
de 1791.
Esta declaração dispunha do seguinte conteúdo: Aditamento I –
Liberdade de religião e de culto, liberdade de opinião e de imprensa,
liberdade de reunião e o direito de petição; II – O direito de uso e porte de
armas; III – O não aboletamento forçado em tempo de paz; IV – A
garantia da inviolabilidade pessoal, comunicacional e do domicílio; V – A
garantia de processo devido, bem como o direito à propriedade privada;
VI – As garantias processuais criminais; VII – O direito a um julgamento
por júri; VIII – O direito à limitação das cauções e da proporcionalidade
das penas; IX – A cláusula de abertura a outros direitos fundamentais;
Os Direitos Fundamentais na CNA
X – A cláusula de os poderes federais serem atribuídos residualmente
aos Estados e ao Povo.
Para além destes direitos consagrados nos dez primeiros
aditamentos da Declaração dos Direitos, posteriormente foram
consagrados outros direitos fundamentais como outros aditamentos:
XIII – de 18 de Dez de 1865, que aboliu a escravatura e o trabalho
forçado; XV – de 30 de Março de 1870, que estabeleceu a igualdade
racial e o direito ao sufrágio; XIX – de 26 de Agosto de 1920, que
estabeleceu a igualdade sexual do direito ao sufrágio; XXIV – de 23
de Janeiro de 1964, que estabeleceu a igualdade fiscal do direito ao
sufrágio; e o XXVI – de 30 de Junho de 1971, que estabeleceu a
maioridade de direito ao sufrágio aos dezoito anos.
O Presidencialismo e a Separação de Poderes

A nível da organização do poder político, a CNA


estabeleceu três órgãos de soberania: O Congresso Federal, que
detém o poder legislativo; O Presidente da União, que detém o
poder executivo; e os Tribunais, que detém o poder judicial.

O Congresso é constituído por duas Câmaras: Câmara dos


Representantes, que é composta atualmente por 435 membros, mas
que pode variar em função do número de eleitores de cada Estado,
por um mandato de dois anos; e o Senado, que é composto por dois
senadores por cada Estado, independentemente da dimensão dos
Estados e que exercem o seu mandato por um período de seis anos.
O Presidencialismo e a Separação de Poderes
No Congresso vigora o sistema de bicamaralismo perfeito, o
que significa que é necessário a aprovação das providências legislativa
pelas duas câmaras para que estes possam entrar em vigor. O Senado
dispõe de uma certa preponderância, uma vez que lhe compete dar o
assentimento na designação dos membros do Governo e dos
magistrados do Supremo Tribunal Federal.
O Presidente exerce o poder executivo, é eleito por um período
de 4 anos, podendo ser eleito para um segundo mandato seguido ou
interpolado, tal como o Vice-Presidente. A escolha do Presidente é feito
em dois momentos: primeiro, cada Estado escolhe um conjunto de
cidadãos que vão integrar o colégio eleitoral restrito, em número igual
ao conjunto dos seus representantes e senadores, mais três delegados, e
depois, num segundo momento, estes membros que fazem um total de
538, vão escolher o Presidente e o Vice-Presidente, tendo a Câmara dos
Representantes o voto de desempate.

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