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DIREITO CONSTITUCIONAL, PÚBLICO E PRIVADO

Conceito de Direito Constitucional


 Conceito: é um ramo do Direito Público apto a expor, interpretar e
sistematizar os princípios e normas fundamentais do Estado. É a ciência
positiva das constituições.
 Objecto: é a CONSTITUIÇÃO POLÍTICA DO ESTADO, cabendo a ele o
estudo sistemático das normas que integram a constituição.
 Corresponde à base, ao fundamento de todos os demais ramos do direito;
deve haver, portanto, obediência ao texto constitucional, sob pena de
declaração de inconstitucionalidade da espécie normativa, e
conseqüente retirada do sistema jurídico.
 O direito público se refere ao conjunto das normas jurídicas de natureza
pública, compreendendo tanto o conjunto de normas jurídicas que
regulam a relação entre o particular e o Estado, como o conjunto de
normas jurídicas que regulam as actividades, as funções e organizações
de poderes do Estado e dos seus servidores.
 Por se tratar de um conceito classificatório em relação ao conteúdo da
norma jurídica, distingue-se das normas jurídicas de natureza privada.
Continuação
 Direito privado se refere ao conjunto de normas jurídicas de natureza
privada, especificamente toda norma jurídica que disciplina a relação
entre os particulares. Por se tratar de um conceito classificatório em
relação ao conteúdo da norma jurídica, distingue-se das normas jurídicas
de natureza pública, ou direito público.
OUTROS CONCEITOS DIREITO
CONSTITUCIONAL, PÚBLICO E PRIVADO
 O Direito Constitucional é um ramo do direito público.
 Ramos de direito representam a divisão fictícia do Direito em ramos,
que se especializam em função de um objecto e método próprios. Assim,
em função das várias esferas de actividade e da na Sociedade, surgirão
vários ramos de direito.
 Contudo, a divisão do direito em ramos é meramente pedagógica e
fictícia, não significando que cada ramo seja um compartimento
estanque, incomunicável com os restantes ramos.
CONTINUAÇÃO…
 A divisão mais comum dos ramos de direito é a que contrapõe o direito
internacional do direito interno, e o direito interno estadual dividindo-se
em direito público e direito privado.
 O Direito Internacional ou Direito Internacional Público “é o ramo do
direito constituído pelo sistema de normas jurídicas que se aplicam a
todos os membros da Comunidade Internacional, para regular os
assuntos específicos desta, a fim de garantir os fins próprios da referida
Comunidade nas matérias da sua competência”.
 A divisão entre o direito público e o direito privado tem sido apresentada
com recurso a três grandes critérios, designadamente, o critério do
interesse, o critério da qualidade do sujeito e o critério da posição do
sujeito.
 Cont……….
 De acordo com o critério do interesse, o direito público é o que, cujas
normas prosseguem necessariamente o interesse público, ao passo que o
direito privado satisfaz o interesse particular.
 No entanto, esse critério não tem sido decisivo na medida em que
existem normas do direito público que protegem interesses privados.
 O critério da qualidade do sujeito na relação jurídica sustenta que
intervenham sujeitos públicos (exemplo, Estado e autarquias locais), ou
pelo menos, um dos sujeitos intervenientes nessa relação seja um ente
público.
 Já o direito privado é aquele que regula as relações jurídicas nas quais
não há intervenção de nenhum sujeito público.
 Cont………..
No entanto, este critério não é igualmente de todo certo na medida em
que nem sempre os entes públicos intervém numa relação jurídica com
poderes públicos, pois vezes há em que intervêm despedidos desse poder.
 De acordo com o critério da posição dos sujeitos, estaremos perante
normas de direito público quando, numa relação jurídica, uma das partes
intervenha revestido de poderes de autoridade “jus imperii”.
 Nos casos em que nenhum dos sujeitos se apresenta com poderes de
autoridade, e portanto, as partes, ainda que uma delas seja um ente
público, estão em pé de igualdade, tratar-se-á de uma relação de direito
privado. Este critério é compreensível, na medida em que nem sempre o
Estado intervém numa relação com jus imperii, havendo situações em
que se participa em pé de igualdade com os particulares, portanto,
despido do poder de autoridade, é o que acontece, por exemplo, quando
o Estado se dirige ao mercado para arrendar uma casa. Este é o critério
que parece defensável para a destrinça entre o direito privado e o direito
público.
 Cont…….

 Fazem parte do direito privado, entre outros, o Direito da


Família, o Direito das Sucessões, o Direito das Obrigações e
o Direito Comercial.
 Integram o direito público, dentre outros, o Direito
Constitucional, o Direito Administrativo, o Direito Penal, o
Direito Fiscal, o Direito Processual Penal e o Direito
Financeiro.
O Direito Constitucional é o fundamento do direito público
e do direito privado
 O direito constitucional é o cerne do direito público interno, uma vez que
tem por objecto a organização fundamental do Estado, designadamente
estruturar Estado, donde deriva a subordinação dos ramos de direito
público (Direito Administrativo, Direito Penal, Direito Fiscal, Direito
Aduaneiro, Direito Financeiro, Direitos Processuais, etc).
 O direito constitucional define os princípios fundamentais estruturantes do
Direito Administrativo, Direito Penal, Direito Tributário, etc e do Direito
Judiciário e determina os órgãos principais. De facto, a título
exemplificativo, a Constituição Moçambicana apresenta os princípios
fundamentais do Estado no título I, os princípios basilares do direito penal
nos artigos 56 a 72, a Constituição Administrativa nos artigos 249 a 253 e os
princípios do direito fiscal nos artigos 126 a 127 e 100.
 É o fundamento do direito privado, pois é o direito constitucional que
define as bases da organização económica e social do Estado, que
constituem o alicerce do direito privado (Direito Civil, Direito Comercial,
Direito das Obrigações, Direito da Família, Direito do Trabalho, Direito das
Sucessões, etc). Assim, e a título de exemplo, a Constituição
Moçambicana define os princípios estruturantes do direito do trabalho
(artigos 84 a 87 e 112), do direito da família (artigos 119 a 122), e do direito
das sucessões (artigo 83).
Cont…

 Assim, a opção da designação de Direito Constitucional como DIREITO


CONSTITUCIONAL PÚBLICO E PRIVADO, tem em vista apenas enfatizar que o
Direito Constitucional, para além de ser parte do direito público, é, ao mesmo
tempo, fundamento do direito público e direito privado. Contudo, tendo em
conta que os diversos ramos do direito público e do direito privado serão
abordados noutras disciplinas curriculares, vamos prender a nossa atenção ao
objecto do Direito Constitucional, que é a Constituição.
 UNIDADE 2 – A CONSTITUIÇÃO COMO FENÓMENO JURIDICO

 Objectivos específicos:
 Compreender a constituição em sentido material, forma e instrumental;
 Distinguir normas materialmente constitucionais e formalmente constitucionais

 A CONSTITUIÇÃO COMO FENÓMENO JURÍDICO


 O estudo da constituição como fenómeno jurídico implica compreender o
sentido e a formação da constituição.
 1. SENTIDO DA CONSTITUIÇÃO:
 A Constituição corresponde à organização jurídica fundamental, que é o
conjunto de normas positivas que regem a produção do direito, isto é, o
 conjunto de regras concernentes à forma do Estado e do governo, ao modo
de aquisição e exercício do poder, à criação e aos limites de actuação dos
órgãos do Estado.
Cont…
 Segundo Jorge Miranda, “enquanto parcela do ordenamento jurídico do
Estado, a Constituição é o elemento conformado e elemento conformador de
relações sociais, bem como resultado e factor de integração política.
 Ela reflecte a formação, as crenças, as atitudes mentais, a geografia e as
condições económicas de uma sociedade e, simultaneamente, imprimelhe
carácter, funciona como princípio de organização, dispõe sobre os direitos e os
deveres de indivíduos e dos grupos, rege os seus comportamentos, racionaliza
as suas posições recíprocas e perante a vida colectiva como um todo, pode ser
agente ora de conservação, ora de transformação”.
 “Sendo lei fundamental, a lei das leis, a Constituição é a expressão imediata dos
valores jurídicos básicos acolhidos ou dominantes na comunidade politica, a
sede da ideia de Direito nela triunfante, o quadro de referência do poder
politico que se pretende ao serviço desta ideia, o instrumento ultimo de
reivindicação de segurança dos cidadãos frente ao poder.
Cont…
 As normas constitucionais exercem três funções: institucionalizadora,
estabilizadora e prospectiva.
 Qualquer tipo de Estado e em qualquer época histórica em que este, assenta
em regras fundamentais próprias, isto é, envolve a institucionalização jurídica do
poder. Entretanto, só no século XVIII é que a Constituição começou a ser
concebida como o conjunto de regras que definem as relações do poder
político e o estatuto de governantes e governados: era o surgimento do
constitucionalismo moderno.
 A Constituição pode ser encarada numa perspectiva material, formal e
 instrumental.
1.1. Perspectiva ou sentido material da constituição

 Em sentido material, consideram-se o objecto, o conteúdo e a função da


 constituição, o que corresponde ao estatuto jurídico do Estado ou estatuto
 jurídico do político. A constituição estrutura o Estado e o Direito.
 A Constituição material comporta qualquer conteúdo e é o cerne dos
princípios materiais adoptados por cada Estado em cada fase da sua história, à
luz da ideia de Direito, dos valores e das grandes opções políticas que nele
dominem.
 Isto decorre do facto de que a Constituição escrita nem sempre contém todas
as regras relativas às matérias constitucionais, existindo deste modo,
Constituição não escrita – costumes.
 Classificações materiais de Constituições:
 Distingue Constitucionais normativas, nominais e semânticas;
 Constituições estatutárias ou orgânicas;
 Constituições programáticas, directivas ou doutrinais.
1.2. Constituição em sentido formal

 Em sentido formal ocupa-se da posição das normas constitucionais em confronto


com as demais normas jurídicas e da forma de articulação desses dois níveis de
normas, ou seja, trata da disposição das normas constitucionais ou do seu
sistema diante das demais normas ou do ordenamento jurídico em geral.
 Trata-se de um conjunto de normas formalmente qualificadas com
constitucionais e revestidas de força jurídica superior à de quaisquer outras
normas.
 Contrariamente à constituição material que corresponde ao poder constituinte
material, a Constituição formal corresponde ao poder constituinte formal, que é
a faculdade do Estado de conceber uma Constituição material em Constituição
formal, atribuindo certa forma e força jurídica a determinadas normas.
 Na Constituição formal, e tendo em conta as normas formalmente
constitucionais, pode-se distinguir a Constituição formal nuclear da Constituição
formal complementar.
1.3. Constituição em sentido instrumental

 A Constituição instrumental é o documento contendo normas constitucionais


(quer estejam em vigor quer não); é o texto constitucional, o texto denominado
Constituição ou elaborado como Constituição, naturalmente carregado da
força jurídica específica da Constituição formal.
 A Constituição instrumental pode conter a Constituição formal (que está em
vigor) e normas constitucionais que já não estejam em vigor, o que representa
uma divergência entre a Constituição formal e Constituição instrumental.
 Um dos exemplos de divergência entre a Constituição formal e a Constituição
instrumental é o caso das heteroconstituições: “quando um Estado outorga uma
Constituição a uma comunidade política, a qual depois adquire soberania,
necessariamente, neste momento, mudando o princípio do poder constituinte,
muda a Constituição formal, mas o texto constitucional perdura.
UNIDADE 3 - A FORMAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO

O poder constituinte
Poder constituinte material e poder constituinte formal
Vamos em termos breves apresentarmos o modo como se constitui ou se forma a
Constituição. O momento em que se revela o poder constituinte ou a soberania do
Estado. A fase marcante para o início de uma determinada época constitucional é
o do corte com a situação anterior, o que pode acontecer por meio de uma
revolução, a transição constitucional ou outra via, e não propriamente o da
aprovação da nova constituição. Exemplo, o momento que determinou a era
constitucional de Moçambique independente foi a própria independência de
Moçambique, que se traduziu no corte da situação constitucional vigente no
período colonial.
A independência nacional foi determinante para a aprovação da Constituição da
República Popular de Moçambique.
Por conseguinte, há-de haver sempre uma entidade responsável pelo rompimento
com a ordem preexistente, e decide pela elaboração de uma Constituição formal
que reflicta a nova era, podendo ser ela mesma a elaborar a nova Constituição,
Cont…
ou designar uma assembleia para o fazer tal entidade poderá ser força social,
política, movimento militar, etc. por exemplo, o caso moçambicano foi Movimento
de Libertação de Moçambique que liderou a libertação de Moçambique do julgo
colonial e elaborou e decretou a primeira Constituição de Moçambique
independente em 1975.
A nova Constituição é concebida tendo em conta a ideia que o grupo que
liderou o corte com a ordem anterior, tem sobre o direito. Nos dias que correm,
essa ideia direito deverá ser de democracia, o que implica que a nova
Constituição tenha de ser aprovada pelo povo, directamente ou através da
assembleia representativa. Neste caso, o órgão que vai aprovar a Constituição
formal tem plena autoridade baseada na legitimidade da Constituição material.
Isto significa que o órgão que vai aprovar a nova Constituição vai faze-lo dentro
de determinadas balizas ou limites, que implicam, por exemplo o respeito por uma
determinada organização económica e política, aos direitos fundamentais e ao
princípio democrático.
Note-se que até à aprovação da Constituição formal, o órgão encarregue para
elaborá-la é ainda órgão provisório ou transitório e os seus actos de decisão
política carecerão de convalidação ou eficácia.
As relações que se estabelecem entre o poder constituinte material e
poder constituinte formal são as seguintes:

a) O poder constituinte material precede logicamente ao poder constituinte formal,


uma vez que, (i) a ideia de direito é logicamente precedente à regra de direito (ii) o
valor comanda a norma (…)
b) O poder constituinte material precede historicamente o poder constituinte formal,
uma vez que o momento da afirmação de certa ideia de direito ou do nascimento
do regime é sempre anterior ao da formalização dessa ideia ou desse regime.
c) O poder constituinte material envolve o poder constituinte formal, porquanto, da
mesma forma que a Constituição formal contém uma referência material, o poder
constituinte formal complementa e especifica a ideia de Direito ditada pelo poder
constituinte material. Através do poder constituinte formal se declara e firma a
legitimidade da nova ordem constitucional.
d) O poder constituinte formal confere estabilidade e garantia de permanência
hierárquica ou sistemática ao principio normativo inerente à Constituição material,
uma vez que a ideia de direito é traduzida em regra, e a constituição formal coloca
o poder constituinte material ao abrigo das vicissitudes da legislação e da prática
quotidiana do Estado e das forças políticas.
Poder constituinte material originário
O sentido inicial do poder constituinte material originário é o poder de auto-
ordenação.
O poder constituinte material originário - consiste no conteúdo essencial da
soberania, que significa a faculdade originária de livre regência da comunidade
política mediante a instituição de um poder e a definição do seu estatuto jurídico.
Entretanto, o poder constituinte significa a capacidade de escolher um ou outro
rumo, nos momentos de viragem histórica e grandes crises, tais como:
1- A formação de um Estado ex novo: nos casos em que nasce um novo Estado,
nomeadamente por desmembramento (como aconteceu com o Sudão do Sul),
sucessão de Estado (por exemplo, do Estado colonial para Estado Moçambicano) e
agregação com outros Estados (exemplo, a formação de um Estado federal).
Com efeito, Jorge Miranda ensina que “o nascimento do Estado coincide com a
sua primeira Constituição, porque na Constituição vão exteriorizarse as
representações particulares do conceito do Estado. Reciprocamente, a
Constituição mais originária do Estado é a Constituição do seu nascimento, por ser
ela que traz consigo a configuração concreta do povo, do território, do poder e
por ser ela que chama a si a ideia de Direito dominante no meio social”.
Cont…
2- A restauração: nos casos em que um Estado volta a surgir depois do seu eventual
desaparecimento. Pode-se falar também dos casos em que se liberta de uma ocupação
estrangeira do seu território. A Constituição do Estado restaurado pode constituir continuidade ou
não da Constituição anterior. Exemplo de Portugal com a Dinastia de Bragança
3-A transformação da estrutura de um Estado: nos casos em que se verifica a modificação da
soberania, por exemplo quando um Estado passa a ser um protectorado, ou passa a pertencer
uma confederação ou sai da mesma. Uma vez que há continuidade do Estado, o que a nível
jurídico é que a nova Constituição vai reflectir aspectos que justificaram a transformação da
soberania
ou do território.
4- A mudança de um regime político: verifica-se apenas uma sucessão de regimes políticos, sem
alterar o Estado, operandosse por isso, uma substituição da ideia do Direito. A mudança de regime
pode traduzir-se um dos seguintes modos:
(a) supressão: desaparece a Constituição, entretanto, subsiste o poder constituinte;
(b) destruição: desaparece a Constituição e o próprio poder constituinte (o princípio da
legitimidade);
(c) revolução; um fenómeno constituinte, um facto ou acto normativo, pois implica o surgimento de
um novo direito, de um novo fundamento de validade do sistema jurídico positivo do Estado.
 Na revolução verifica-se uma quebra da ordem constitucional anterior e refaz-se uma nova
ordem.
(d) transição constitucional ou reforma política: passagem sem ruptura ou mudança na
continuidade.
Constituição e soberania do Estado
Nos casos em que se verifica a formação de um novo Estado, a restauração ou a
transformação radical, surge uma Constituição material, donde resultará a
Constituição formal. Essa Constituição material pode resultar de:
(i) Formação duma Constituição nova, que traduz de forma directa e imediata o
exercício da soberania;
(ii) Heteroconstituição: nos casos em que o novo Estado ou o Estado restaurado ou
transformado assume uma constituição produzida por um outro Estado, como é o
caso de Canadá, Nova Zelândia, Austrália, Jamaica e Maurícia que assumiram as
Constituições aprovadas pelo parlamento Britânico;
(iii) Novação: nos casos em que o Estado restaurado ou transformado assume a sua
Constituição anterior ao facto que originou a transformação ou a restauração.
De todo o modo, nos casos de novação e heteroconstituições se verifica ainda o
exercício do poder constituinte material, uma vez que o texto constitucional
encomendado passa a ter novo valor jurídico nesse Estado que lhe é atribuído pelo
poder constituinte desse novo Estado, ou seja, material e formalmente trata-se de
uma nova constituição desligada da sua origem histórica, apesar da Constituição
instrumental continuar a ser o texto encomendado.
A revolução não é um acto antijurídico (não jurídico), apenas é anticonstitucional,
uma vez que se opõe à Constituição anterior.
A revolução como fenómeno constituinte

Durante os séculos XVII e XVIII a revolução foi concebida apenas como rebelião
(revolta colectiva contra os governantes); como sendo a mudança de um governo
pelo outro. A Revolução pode realizar-se através de golpe de Estado ou de
insurreição (ou revolução stricto sensu), e pode visar como objectivos a instauração
de um regime novo, a restauração de um regime, etc.
Contudo, depois da Revolução Francesa e das Revoluções inglesa (1688) e
Portuguesa (1640) a revolução passou a ser encarada também no sentido
positivo, designadamente de criação de uma nova ordem jurídico-constitucional.
A revolução é um fenómeno constituinte, um facto ou acto normativo, pois implica o
surgimento de um novo direito, de um novo fundamento de validade do sistema
jurídico positivo do Estado.
Na revolução verifica-se uma quebra da ordem constitucional anterior e refaz-se
uma nova ordem.
A transição constitucional

Se na revolução verifica-se necessariamente a sucessão de Constituições materiais


e formais, substituição da Constituição material, seguindo-se a formal, na transição
verifica-se um dualismo, que consiste no seguinte:
enquanto se prepara a nova Constituição formal, continua a vigorar a Constituição
formal anterior a qual só deixará de vigorar com a entrada em vigor da nova,
entretanto, o órgão encarregue de preparar a nova constituição pode assumir as
posições de Poder Constituído ao abrigo da Constituição anterior e Poder
Constituinte na medida em que estiver a preparar o novo texto constitucional.
Não se conhecem formas típicas de transição constitucional. Certas vezes pode
assumir a forma de revisão constitucional. Vezes há em que uma dada Constituição
admite uma transição para uma nova Constituição, nomeadamente nos casos em
que a Constituição permita expressamente revisões profundas de princípios.
Na transição constitucional há sempre o respeito pelas regras de competência e as
formalidades constitucionalmente preestabelecidas, o que distingue essa figura do
golpe de Estado.
Cont.

 Quanto ao fundamento: segundo Jorge Miranda, ”uma transição


constitucional produz-se porque a velha legitimidade se encontra em
crise e justifica-se porque emerge uma nova legitimidade. E é a nova
legitimidade ou ideia de Direito que obsta à arguição de qualquer vício
no processo e que, doravante, vai não só impor-se como fundamento de
legitimidade mas ainda obter efectividade”.
O poder constituinte formal e o seu processo

Uma vez formada a ideia de direito, ou seja exercido o poder constituinte material,
segue-se o acto constituinte stricto sensu, que consiste na decretação da
Constituição formal, que no fundo trata-se de formalização da Constituição
material.
Entretanto, desde o momento da concepção da nova ideia sobre o Direito
(exercício do poder constituinte material) até à decretação da Constituição
formal, pode ocorrer um lapso de tempo mais ou menos longo. Durante esse
tempo, o órgão ou entidade encarregue de conceber a Constituição formal
estará a prepará-la.
Durante o período de concepção da Constituição formal poderá estar em vigor
uma Pré-Constituição, ou Constituição provisória ou ainda Constituição
revolucionária, que terá uma dupla finalidade:
1) Finalidade de definição do regime (termos e princípios) de elaboração da
Constituição formal;
2) Estruturação do poder político durante este período de interregno
constitucional; ou ainda de eliminação dos resquícios do antigo regime.
Terminado o processo de elaboração, ou o processo constituinte, é decretada
uma Constituição definitiva, a Constituição formal.
Cont…
 Com efeito, as normas de Pré-Constituição, por reconhecer-se que
estabelecem princípios fundamentais nos quais vai se basear a
Constituição formal, durante a sua vigência têm tido um valor
reforçado, ou seja, uma força jurídica superior às demais normas,
podendo ser alteradas só com normas também de valor reforçado. É o
que aconteceu por exemplo com os Acordos de Lusaka que vigoraram
durante o período de transição em Moçambique (1974 até ao dia 24 de
Junho de 1975).
Actos constituintes unilaterais singulares

Quando o poder constituinte couber a um único órgão ou sujeito.


Segundo Jorge Miranda, acto constituinte unilateral singular pode revestir uma das
seguintes formas:
a) A outorga da Constituição pelo monarca: o Rei (monarca) decreta e põe a
circular uma Constituição. Normalmente acontece nas monarquias, onde o
princípio da legitimidade é monárquico. Exemplo de França em 1814, Portugal
em 1826.
b) Decreto do Presidente da República ou de outro órgão do Poder Executivo.
Exemplo do Brasil em 1937.
c) Acto da autoridade revolucionária ou de autoridade constitutiva do Estado.
Exemplo em Moçambique e Angola em 1975.
d) Aprovação por assembleia representativa ordinária ou comum dotada de
poder para o efeito. Aqui o princípio de legitimidade é democrático (com o sem
pluralismo). Exemplo URSS em 1977.
e) Aprovação por assembleia formada especificamente para isso (assembleia
constituinte ou convenção). Aqui o princípio de legitimidade é democrático (com
ou sem pluralismo).Exemplo França em 1791, Portugal em 1822, 1911 e 1976, Brasil
em 1824, 1891, 1934 e 1946.
Cont…
 f) Aprovação por assembleia eleita simultaneamente como assembleia
constituinte e como assembleia ordinária. Aqui o princípio de legitimidade é
democrático (com o sem pluralismo). Exemplo Brasil em 1988.
Actos constituintes unilaterais plurilaterais (típico dos regimes
democráticos)

a) Aprovação por referendo, prévio ou simultâneo da eleição de assembleia


constituinte, de um ou vários grandes princípios ou opções constitucionais e, a
seguir, a elaboração da Constituição de acordo com o sentido da votação.
Exemplo Itália em 1946 e Grécia em 1974 (teve que se decidir previamente se se
optava por monarquia ou república).
b) A definição por assembleia representativa ordinária dos grandes princípios, a
elaboração de projecto de Constituição pelo Governo e a aprovação final por
referendo. Exemplo França em 1958.
c) A elaboração por assembleia constituinte, seguida de referendo. Exemplo
França em 1946. E mais alineas vide o modulo de DCPP.
Quanto à relação entre a forma jurídica e a realidade constitucional:

a) Do ponto de vista político, as Constituições podem ter origem democrática ou


autocrática serão de origem democrática quando resultarem de um processo de
efectiva e livre participação dos cidadãos, isto é quando constituam a vontade
política genuinamente expressa pelo povo.
E serão autocrática em caso contrário, nomeadamente quando impostas pelos
governantes. Isto significa que a forma não é necessariamente determinante para
qualificar a origem democrática ou autocrática da Constituição, pois pode haver
divergências entre a forma e a realidade constitucional (com o que efectivamente
venha a acontecer).
E demais alineas vide o modulo de DCPP.
Quanto à articulação entre o título de legitimidade (ou a forma de
produção da Constituição e o conteúdo da Constituição (o regime, a
forma ou sistema de governo)
Nem sempre houve coincidência entre uma Constituição de origem democrática
ou autocrática com a Constituição de conteúdo democrático ou autocrática,
pois, como explica Jorge Miranda, “não é a fonte ou o poder constituinte criador
da Constituição que dá garantia, por si só, de que a forma de governo instituída
venha a ser de democracia, pluralista ou não, ou de autocracia”.
É verdade que, nos tempos modernos, uma Constituição de origem democrática
é, em princípio de conteúdo democrático. Entretanto, a outorga de uma Carta
Constitucional implica a destruição da monarquia absoluta ou integral, uma vez
que contem aspectos de separação de poderes, o reconhecimento dos direitos
individuais, a autolimitação do poder do Rei, isto é, a outorga dessa Carta implica
a passagem duma monarquia absoluta para uma monarquia Constitucional, dai
que, nem sempre o título de legitimidade coincida com o conteúdo da
Constituição.
Outrossim, uma Constituição formada na base de um dado princípio de
legitimidade, pode sofrer vicissitudes ou alterações, ou ainda substituição desse
princípio, ao longo da sua vigência, isto é, uma alteração da Constituição material,
não obstante a permanência intacta da Constituição formal ou instrumental.
As formas e as regras dos actos constituintes
O poder constituinte material originário pode à qualquer altura, revolucionar a
Constituição, negando por completo a ideia de Direito anterior e substituindo-a por
outra: neste sentido, pode se dizer que “o poder constituinte material originário está
acima da Constituição”.
O órgão constituinte formal (órgão que em nome do soberano, o povo, elabora a
Constituição formal), pode modificar as regras preexistentes e estabelecer outras,
dentro dos limites da ideia de Direito ou do princípio de legitimidade que o habilita.
Como exemplifica Jorge Miranda:
(i) uma assembleia constituinte eleita para funcionar apenas durante certo período,
pode deliberar a prorrogação da sua sessão;
(ii) uma assembleia formada por norma anterior para a feitura da Constituição, pode
deliberar em assumir a plenitude dos poderes legislativos do Estado. É que, asregras de
organização de uma assembleia constituinte são preparatórias e instrumentais do
exercício do poder que lhe está cometido; logo, pode alterá-las e escolher os meios
mais adequados para o efeito; é já que o poder constituinte formal precede e
determina os poderes legislativos e governativos (poderes constituídos), pode arrogar-
se o exercício desses poderes.
Com efeito, o órgão constituinte ao alterar as regras orgânicas e processuais que o
precedem deverá sempre respeitar a ideia de Direito – limites do poder constituinte -,
salvo tratando-se de ruptura.
E essa alteração consubstancia uma adequação dessas regras à ideia do Direito
em cada momento histórico: como se sabe, a Constituição não é estática.
Os limites materiais do poder constituinte

Do ponto de vista lógico, o poder constituinte é anterior e superior aos poderes


constituídos clássicos, designadamente, legislativo, executivo e judicial.
Cabe ao poder constituinte definir e enquadrar formal e materialmente os poderes
constituídos, os quais só podem agir dentro das normas e princípios constantes da
Constituição formal. De todo o modo, o poder constituinte não é absoluto no
sentido de colocar na Constituição quaisquer regras, pois está sujeito a limites. Aliás,
nem o próprio povo dispõe de um poder absoluto sobre a Constituição.
Pode-se considerar a existência de limites aos seguintes poderes, e por isso, poder-
se falar de:
(i) Limites materiais do poder constituinte verdadeiro ou próprio;
(ii) Limites do poder constituinte material originário;
(iii) Limites do poder constituinte derivado (limites do poder de revisão
constitucional – que são os limites comummente mais falados).
Os limites do poder constituinte podem categorizar-se em transcendentes,
imanentes e heterónomos.
Limites transcendentes:
“São os que, antepondo-se ou impondo-se à vontade do Estado (e, em poder
constituinte democrático, à vontade do povo) e demarcando a sua esfera de
intervenção, provêm de imperativos de Direito natural, de valores éticos superiores,
de uma consciência jurídica colectiva”.
Dentre os limites transcendentes, podem apontar-se os relativos aos direitos
fundamentais imediatamente ligados com a dignidade da pessoa humana, por
exemplo, o direito a vida, a liberdade de crença, a liberdade pessoal, a igualdade
de tratamento, etc.
Assim o poder constituinte não pode conceber uma Constituição formal que
preveja, por exemplo a escravatura, a desigualdade entre os seres humanos, a
pena de morte, etc, sob pena dessa Constituição ser inválida e ilegítima.
Esses limites prevalecem mesmo nos casos de estado de sítio, os quais não podem
ser suspensos.
Limites Imanentes:
Segundo Jorge Miranda, decorrem da noção e do sentido do poder constituinte
formal enquanto poder situado, que se identifica por certa origem e finalidade e se
manifesta em certas circunstâncias.
São limites ligados à configuração do Estado à luz do poder constituinte material
ou à própria identidade do Estado de que cada Constituição representa apenas
um momento da marcha histórica. Integra limites relativos à soberania do Estado,
as vezes, à forma de Estado e à legitimidade política em concreto.
Por força desses limites:
(i) Um Estado soberano, que pretenda continuar a sé-lo, não pode anexar-se a
um outro, perdendo a soberania;
(ii) Um Estado federal que pretenda continuar a se-lo, não pode passar a ser um
Estado unitário,
(iii) Um Estado assente na legitimidade democrática e que está interessada em
mater essa legitimidade, não pode, de um momento para o outro, passar para
uma legitimidade autocrática (mudando a ideia de Direito).
Limites Heterónomos:
Esses limites resultam da conjugação com outros ordenamentos jurídicos. Fazem
parte desses limites, entre outros:
(i) Os que provêm das regras ou certos actos de Direito Internacional;
(ii) As regras resultantes de Direito interno, quando se trate de um Estado composto
ou complexo;
(iii) Os princípios gerais de Direito Internacional, maxime os princípios do jus cogens.
Note-se que certas regras de direito internacional podem estar já contidas na
Constituição de um Estado. Neste caso não se terão como verdadeiros limites
heterónomos, uma vez não afectam a estrutura constitucional.
Também não são heterónomos as cláusulas ou normas de quaisquer tratados
anteriores à feitura da nova Constituição, uma vez que, sem embargo da regra
pacta sunt servanda, se admite a possibilidade de desvinculação, observados certos
requisitos e tramites.
 MUITO OBRIGADO PELA ATENÇÃO

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