Você está na página 1de 48

1º ano de Direito Direito Constitucional CAD

Direito Constitucional (Resumos):

Capítulo I – Definição, objeto e fontes do Direito Constitucional


1.1. Noção e objeto do Direito Constitucional:
• Enquanto ramo da ordem jurídica, o Direito Constitucional é o conjunto dos
princípios e normas jurídicas que constituem uma determinada coletividade política,
estabelecendo os seus princípios básicos, enunciando os seus fins e atribuições,
definindo os direitos fundamentais das pessoas face ao poder público, regulando a
organização política do Estado.

• Neste sentido formal, o Direito Constitucional é um ramo do direito recente, nascido


com as primeiras constituições recentes, que visaram submeter o Estado ao Direito
e limitar o seu poder.

• Num sentido material, pode falar-se de direito constitucional desde que houve
normas escritas ou consuetudinárias especialmente dedicadas à organização do
poder político.

• Numa definição elementar, o Direito Constitucional é antes de mais o direito


consubstanciado na constituição de cada país.

1.2. Fontes do Direito Constitucional:


• A principal fonte do Direito Constitucional é a própria constituição, no sentido
corrente de lei básica do Estado, dotada de uma unidade formal, ordenada e
consistente.

• Mas a constituição não é a única fonte do Direito Constitucional. Por um lado,


existem Estados sem constituição, neste sentido de instrumento jurídico unitário,
como é o caso da Grã-Bretanha. Podendo, por esse motivo, o Direito Constitucional
aparecer disperso num conjunto de leis constitucionais ou costumes constitucionais
avulsos, a denominada “constituição dispersa”.

• Fonte autónoma de Direito Constitucional são ainda as normas extraconstitucionais


“recebidas” pela constituição, para as quais ela remete.

• O costume (costume constitucional) também pode ser considerado fonte do Direito


Constitucional sempre que uma prática reiterada e duradoura dos órgãos
constitucionais passa a ser, geralmente, considerada como regra que deve ser
seguida.

• Por outro lado, de entre as chamadas fontes auxiliares, a jurisprudência


constitucional pode assumir uma grande relevância. Se bem que a vocação dos
tribunais não seja criar normas, mas sim de as aplicar.

1
1º ano de Direito Direito Constitucional CAD

• Também a doutrina constitucional, por meio das correntes doutrinais apoiadas


pelos constitucionalistas mais reconhecidos, nos seus comentários, manuais e
monografias, pode exercer uma influência relevante sobre a prática do Direito
Constitucional e sobre a jurisprudência dos tribunais constitucionais.

1.3. Divisões e ramos do Direito Constitucional:


Podemos distinguir 4 ramos fundamentais:
a) O Direito político ou Direito do Estado: que tem por objeto a constituição política
em sentido restrito, que respeita à organização e funcionamento dos órgãos do
Estado;

b) Constituição dos Direitos fundamentais, que consagra os direitos e liberdades dos


particulares perante o Estado;

c) Constituição Económica e Social, que tem por objeto as normas constitucionais


relativas à esfera económica e social;

d) A justiça e o Processo Constitucional, que se referem ao regime da fiscalização da


constitucionalidade da atividade do Estado e ao processo nos tribunais
constitucionais ou com funções constitucionais.

1.4. O Direito Constitucional como Direito Público:


• O Direito Constitucional pertence ao Direito Público, qualquer que seja o critério
utilizado para operar a distinção: seja o critério da natureza dos sujeitos, visto que
estão em causa justamente entidades e órgãos públicos; seja o critério dos
interesses, visto que o Direito Constitucional visa justamente regular a esfera pública
e estão em causa os mais eminentes interesses públicos; seja o critério da natureza
das relações, uma vez que se trata de relações marcadas pelo poder e autoridade
pública em relação aos particulares.

1.5. O Direito Constitucional e outros ramos do Direito:


• Com a ampliação do espaço constitucional, nenhum ramo da ordem jurídica é alheio
à constituição e, portanto, ao Direito constitucional.

• Além de ser o estatuto da organização política, a constituição insere também os


princípios fundamentais das outras esferas do Direito. Existe, assim, também um
Direito constitucional administrativo, um Direito constitucional penal, um Direito
constitucional laboral, um Direito constitucional civil, etc.

2
1º ano de Direito Direito Constitucional CAD

• De realçar que os ramos do direito infraconstitucional que mais proximidade têm


com o Direito Constitucional são o Direito Penal, por causa das liberdades
individuais, art. 27.º a 32.º e o Direito Administrativo, por causa da atividade do
Estado, art. 266.º a 272.º, a que se pode acrescentar, entre nós, o Direito do
Trabalho, art. 53-57.º e 58-59.º, o Direito Fiscal, art. 103.º e 104.º e o Direito Público
da Economia, dada a densidade da constituição laboral, da constituição fiscal e da
constituição económica, respetivamente.

1.6. A ciência do Direito constitucional:


• A expressão “Direito Constitucional” não designa exclusivamente o sistema
normativo constitucional, também designa o saber que o tem por objeto, a disciplina
que o estuda e, portanto, a Ciência do Direito constitucional.

• Por um lado, no sentido normativo o Direito Constitucional é aquilo que está nas
constituições e demais fontes de direito constitucional. Por outro lado, no sentido
de disciplina ou ramo de saber jurídico, o Direito Constitucional é “aquilo que os
constitucionalistas fazem”, designadamente o estudo dos princípios e normas
constitucionais, a sua interpretação, integração, sistematização, explicação.

Capítulo II - Definição, sentido e vida da constituição


2.1. Constituição e constitucionalismo
2.1.1. Nas origens do constitucionalismo:
• Inaugurado na América do Norte com a revolução anticolonial e a independência
das 13 colónias Britânicas (1776) e depois a Constituição dos Estados Unidos, e na
Europa com a Revolução Francesa (1789), o constitucionalismo surge ligado à luta
contra a opressão do domínio colonial, no caso dos Estados Unidos, ou do Estado
absolutista, no caso da Europa.

Os valores essenciais no constitucionalismo histórico originário são:

1. A liberdade e a autonomia individual face ao poder;

2. Limitação da esfera de ação e do poder do Estado;

3. Declaração dos direitos individuais inserida na constituição ou à margem dela como


defesa da esfera da liberdade dos particulares contra o poder;

4. Separação de poderes, ou seja, repartição das três funções do Estado (legislar,


governar e administrar, julgar) por três poderes separados e autónomos
(parlamento, governo e tribunais), como reação à concentração dos poderes do
soberano, como sucede no Estado absolutista;

3
1º ano de Direito Direito Constitucional CAD

5. Princípio da legalidade, pelo qual o governo só poderia atuar com base e no respeito
das leis do parlamento;

• Portanto, daqui se conclui que, sobretudo a Revolução Liberal, inspirou estes


objetivos, uma vez que esta mesma revolução visou restringir o âmbito do poder
político, limitar o poder do Estado. Assim sendo, conseguiria garantir os direitos
individuais, tais como a liberdade de imprensa, de reunião, de propriedade;
conseguiria, igualmente, separar o poder do rei e distribui-lo por diferentes órgãos;
conseguiria alcançar a ideia de governo representativo.

• Por isso, o constitucionalismo histórico é considerado um constitucionalismo liberal,


como expressão da luta contra o Estado absoluto.

2.1.2. “Estatuto” da coletividade política:


• A Constituição pretende recriar juridicamente a coletividade política enquanto tal,
conferir-lhe consistência orgânica, estabelecer os seus fins, enunciar as
competências dos órgãos políticos e regular o seu funcionamento, definir os direitos
e deveres dos seus membros, estabelecer os mecanismos de resolução de conflitos
e de sanção das infrações à ordem constitucional. Desta forma, pode afirmar-se que
a Constituição cria o Estado, mas também regula e limita o poder político.

• A Constituição é uma expressão de autodeterminação jurídica, de auto-organização


e de autorregulação coletiva de uma coletividade.

2.1.3. Os vários sentidos da Constituição:


Historicamente, podem identificar-se três sentidos distintos da noção de Constituição:

1. O designado pré-constitucionalismo, que se identifica com as chamadas Leis


Fundamentais, ou seja, as regras, em geral não escritas, de natureza essencialmente
consuetudinária, que não regulavam o poder político.

• Neste primeiro sentido, a noção de Constituição já se identifica com a noção de


ordenamento do poder político, mas faltam-lhe os traços essenciais do moderno
conceito de Constituição.

2. O segundo sentido corresponde ao Constitucionalismo liberal que se encontra


indissoluvelmente ligado ao nascimento das constituições escritas. Neste contexto,
a constituição passou a designar uma nova expressão das Leis Fundamentais,
identificada com o constitucionalismo liberal e com os seus valores essenciais.

4
1º ano de Direito Direito Constitucional CAD

• Neste segundo sentido, a noção de Constituição surge, portanto, associada à luta


contra o absolutismo e o abuso do poder, pelos valores do Estado liberal
representativo e do Estado de direito.

3. Atualmente, com o desenvolvimento do constitucionalismo, a noção de


Constituição adquiriu um significado materialmente neutro, passando a designar a
Lei Fundamental da ordem política do Estado.

• É com este terceiro sentido, politicamente neutro, de Lei Fundamental do Estado,


que se baseia, atualmente, a noção de Constituição.

2.1.4. A Constituição formal e a Constituição material:


• A distinção entre Constituição material e Constituição formal relaciona-se com o
designado critério da “constitucionalidade”, ou seja, daquilo que deve ser
considerado como dotado de valor constitucional.

• Em sentido formal, fazem parte da Constituição todas as normas que integram a


Constituição escrita, ou seja, a lei ou leis formalmente constitucionais.

• Em sentido material, fazem parte da Constituição exclusivamente as normas que,


pela sua importância, merecem ser consideradas fundamentais,
independentemente de estarem ou não inseridas na Constituição formal ou nas leis
formalmente constitucionais.

• Face ao exposto conclui-se que pode não haver coincidência entre Constituição
formal e Constituição material. A Constituição formal só existe nos Estados
possuidores de uma Constituição escrita. Já a Constituição material existe em
qualquer Estado mesmo que não possua Constituição formal.

• Por outro lado, pode suceder que nem todas as normas escritas na Constituição
tenham dignidade constitucional. Inversamente, pode haver normas fora da
Constituição que devam ser consideradas materialmente constitucionais, dada a sua
importância e relevância para a ordem fundamental da coletividade.

• Uma expressão desta distinção recorda-se na Carta Constitucional de 1826, que


estipulava que só tinham valor constitucional as normas respeitantes à organização
dos poderes e aos direitos individuais, podendo as restantes ser livremente
modificadas por lei ordinária – “autodesconstitucionalização”. O que este preceito
pretende significar é que as demais normas não eram materialmente
constitucionais, apesar de fazerem parte da Constituição formal. Por isso, deviam
ser tratadas como normas infraconstitucionais.

5
1º ano de Direito Direito Constitucional CAD

• A distinção entre Constituição material e Constituição formal não se confunde com


a distinção entre “constituição real” e “constituição jurídica”. A Constituição real é
a que resulta da correlação dos poderes estabelecidos (forças armadas, poder
económico, igrejas, etc.); enquanto que a Constituição jurídica não passa de um
pedaço de papel, que ou corresponde à Constituição real e sobrevive ou não
corresponde e está condenada. Todavia, a constituição visa dominar e conformar a
realidade constitucional, e não o contrário.

2.1.5. As características da Constituição:


Entre as características tradicionalmente ligadas à noção da Constituição como Lei
Fundamental contam-se especialmente três: a autolegitimidade, a supremacia jurídica
e autogarantia.

1. Autolegitimidade: a Constituição valida-se a si mesma, não dependendo a sua


legitimidade de nenhum parâmetro jurídico exterior ou superior a ela, ao contrário
das normas do direito ordinário (infraconstitucional) que derivam a sua legitimidade
da constituição.

2. Supremacia jurídica: instância superior da ordem jurídica; fonte de direito colocada


no vértice da pirâmide normativa.

3. Autogarantia: significa que é a constituição que contém os mecanismos que


garantem o seu cumprimento, incluindo mecanismos de fiscalização judicial da
constitucionalidade das leis e demais atos do poder (judicial review).

2.1.6. Constituição e democracia constitucional:


• As constituições democráticas são, por definição, instrumentos de regulação e
disciplina da democracia. A democracia constitucional rege-se pelo Estado de
direito constitucional. Desta forma, é a Constituição que define os direitos políticos
fundamentais, as formas de expressão política democrática, as regras essenciais do
regime eleitoral e do referendo, as normas de seleção e designação dos titulares de
cargos políticos.

• A democracia constitucional implica, por natureza, limitações à democracia


maioritária. Assim, por exemplo, nenhuma maioria pode prevalecer sobre os
direitos fundamentais; a Constituição pode estabelecer limites à sucessão de
mandatos eletivos e exigir maiorias qualificadas para certas leis ou decisões, etc.

• A democracia constitucional supõe poderes de veto e checks and balances


destinados a controlar o poder das maiorias. A democracia constitucional é tudo

6
1º ano de Direito Direito Constitucional CAD

menos uma “ditadura da maioria”. A democracia constitucional é uma democracia


constitucionalmente regulada e limitada.

2.2. Objeto e âmbito da constituição


2.2.1. Expansão da cobertura constitucional:
• Na sua origem, a constituição visava organizar e limitar juridicamente o poder
político e garantir a propriedade e a liberdade dos particulares contra esse mesmo
poder. Por isso, as constituições eram, em geral, curtas e o seu âmbito limitava se à
organização do poder político e ao bill of rights.

• Com o tempo, as constituições foram-se alargando a outras áreas, nomeadamente


aos direitos sociais, económicos e culturais, à constituição económica e à inclusão
de mecanismos de fiscalização da constitucionalidade das leis e outros atos do
Estado.

Atualmente, uma constituição moderna inclui as seguintes áreas:

➢ Constituição política: organização territorial do Estado, eleições, referendos, etc.;

➢ Constituição dos direitos fundamentais;

➢ Constituição económica;

➢ Sistema normativo;

➢ Constituição garantia: fiscalização da constitucionalidade e revisão da constituição.

2.3. Classificação das constituições:


• Com mais de dois séculos de constitucionalismo o panorama das constituições
diversificou-se bastante. Importa, por isso, destacar as mais relevantes classificações
das constituições.

Quanto à orientação política, podemos distinguir:

a) As constituições liberais: as nossas primeiras constituições até ao Estado Novo.

b) As constituições autoritárias: a constituição de 1933, do Estado Novo.

Quanto à forma de legitimação e de expressão de poder político, podemos distinguir:

a) As constituições democráticas: onde o poder é baseado na vontade popular


expressa em eleições (e eventualmente em referendos).

b) As constituições autocráticas: em que o poder político não tem essa origem (ex:
oligarquias tradicionais, ditaduras militares, regimes de partido único, etc.).

7
1º ano de Direito Direito Constitucional CAD

Quanto ao critério da correspondência com a realidade constitucional, podemos


distinguir:

a) As constituições normativas: são aquelas que conseguem estar em sintonia com a


realidade constitucional, e cujas normas cumprem, efetivamente, o seu papel de
regular o poder e o seu funcionamento.

b) As constituições nominais: são aquelas que, embora destinadas a ter força


normativa, não conseguiram regular o seu processo político. Revela um desacerto
com a realidade constitucional.

c) As constituições semânticas: nem sequer pretendem controlar a realidade


constitucional, visando apenas formalizar o poder político vigente (Constituição de
1933).

Quanto ao critério da finalidade, podemos distinguir:

a) As constituições “normativas” ou garantísticas: têm por objetivo fundamental a


limitação do poder, com predomínio de normas de garantia de direitos e situações
estabelecidas;

b) As constituições programáticas ou diretivas: estabelecem um plano de metas a


atingir pelo Estado, através de preceitos vocacionados para alcançar certos objetivos
mais ou menos longínquos, ou promover transformações políticas, económicas ou
sociais. Abundante em normas programáticas, que carecem da intervenção do
legislador.

Quanto ao critério da revisão ou estabilidade, podemos distinguir:

a) As constituições flexíveis: não exigem nenhum procedimento especial para a sua


alteração, podendo ser alteradas pelo processo legislativo ordinário (constituição
inglesa);

b) As constituições rígidas: estabelecem determinados imites à sua alteração;

c) As constituições hiper-rígidas: maior rigidez na alteração do texto constitucional,


com cláusulas, igualmente, rígidas (limites orgânicos, temporais, formais, materiais
e circunstanciais).

Quanto à natureza do sistema económico, podem ser divididas em:

a) Constituições capitalistas ou de economia de mercado;

8
1º ano de Direito Direito Constitucional CAD

b) Constituições comunistas ou de economias de direção central (caso da antiga União


Soviéticas e demais países comunistas);

Quanto ao critério da origem, podemos distinguir:

a) Constituição popular: elaborada e aprovada por uma Assembleia Constituinte,


composta por representantes eleitos pelo povo.

b) Constituição outorgada (carta constitucional): imposta pelo poder político, sem


intervenção de assembleia representativa;

c) Constituição pactuada: deriva de um compromisso entre duas forças políticas


diferentes (Constituição de 1838).

2.4. Formação, modificação e fim das constituições

2.4.1. O poder constituinte:


• Uma nova Constituição surge a partir da atividade do poder constituinte, que
representa uma permanente possibilidade de auto-organização do Estado. Este
poder nunca desaparece, ficando oculto, por assim dizer, em momentos não
constituintes.

• É essencial a distinção entre poder constituinte que corresponde a um poder


originário, pré-constitucional e, em princípio, ilimitado, e os poderes constituídos
que são poderes derivados, criados pela constituição e subordinados à constituição.

• O próprio poder de revisão constitucional é um poder derivado, e não uma


renovação do poder constituinte, sendo previsto e regulado no próprio texto
constitucional.

No início do constitucionalismo moderno, as teses acerca do titular do poder


constituinte originário eram essencialmente duas:

1. A tese monárquica: sendo o poder constituinte uma manifestação ou expressão do


poder soberano, cabendo, portanto, ao monarca (Carta Constitucional de 1826).

2. Por outro lado, as teses democráticas apresentam duas variantes:


a) A teoria da soberania popular (Rousseau): o poder constituinte, enquanto
manifestação ou expressão direta do poder soberano, pertence ao povo, o qual,
mediante o referendo popular, deve aprovar a sua Constituição;

b) A teoria da soberania nacional (Sieyès): o poder constituinte, enquanto


manifestação ou expressão do poder soberano, pertence à Nação; sendo esta uma

9
1º ano de Direito Direito Constitucional CAD

entidade abstrata, a Constituição deve ser elaborada por uma Assembleia de


representantes da Nação, especialmente eleita para aprovar uma Constituição.

• O poder constituinte exerce-se, normalmente, em consequência de uma interrupção


da ordem constitucional precedente, por efeito de uma revolução ou golpe de
Estado. Portanto, a descontinuidade constitucional é um pressuposto do poder
constituinte.

• Embora sendo um poder originário e, em princípio, ilimitado, atualmente entende-


se que existem limites ao poder constituinte democrático. Nenhuma Constituição
pode aspirar ao reconhecimento da sua legitimidade se não respeitar os princípios
essenciais do constitucionalismo democrático e republicano.

Vários são os limites que se impõem ao legislador constituinte:

a) O poder constituinte está limitado pelo seu próprio objeto, pela sua própria
motivação. Se o seu objeto é a limitação do poder político, não se vê como ele
próprio pode ser ilimitado, o que seria uma incongruência.

b) Limites democráticos e culturais: se o legislador constituinte pretende que o povo


respeite, voluntariamente, a Constituição é preciso que ele a aceite e, para isso, ele
tem de se rever nela. Para isso, é necessário que o legislador tenha em consideração
uma série de dados éticos, culturais, espirituais, entre outros, específicos da
comunidade a que se dirige a Constituição.

c) Limites transpositivos: necessidade de observância de certos princípios de justiça,


como é exemplo o princípio da igualdade, da proibição do excesso, entre outros.

d) Na era globalização é impossível o legislador constituinte abstrair-se da ordem


jurídica internacional; há uma série de princípios de direito internacional que devem
ser respeitados, de que são exemplo a proibição do genocídio, da discriminação
racial, da tortura e, em geral, dos direitos humanos.

2.4.2. O procedimento constituinte:

a) Fase pré-constituinte:
• Antes da elaboração da Constituição podem ocorrer as chamadas decisões pré-
constituintes.

• As decisões pré-constituintes formais são as decisões relacionadas com o


acionamento do procedimento constituinte: decisão de criar e aprovar uma nova
constituição; decisão relativa à escolha do procedimento constituinte a utilizar;
adoção de leis constitucionais transitórias; aprovação da lei eleitoral para a
Assembleia Constituinte.
10
1º ano de Direito Direito Constitucional CAD

b) Fase constituinte:
• A fase constituinte propriamente dita consiste na elaboração e aprovação da
Constituição, segundo um determinado procedimento constituinte.

c) Compromisso constituinte:
• A Constituição, por via de regra, resulta de compromissos entre forças e ideias
divergentes. Isto é assim geral, nas constituições elaboradas por assembleias
constituintes pluripartidárias, em o que a Constituição resulta do debate
deliberativo entre as diversas forças políticas.

2.4.3. Modificação das constituições:


• As constituições podem mudar de conteúdo de maneira mais ou menos profunda
embora mantendo a identidade, sem serem substituídas por outras. E podem
mesmo ser substituídas por outras sem nova manifestação formal do poder
constituinte.

a) Revisão constitucional:
• Cabe ao poder constituinte definir os termos em que a Constituição pode ser
modificada. O poder de revisão constitucional, ou poder constituinte derivado,
também é um poder constituído.

• Em geral, a Constituição não pode ser livremente modificada a todo o tempo, como
as leis ordinárias, exigindo, por via de regra, um procedimento de revisão especial.

O poder constituinte também pode estabelecer limites à revisão constitucional,


interditando a eliminação ou modificação de certos traços da Constituição:

1. Limites orgânicos: atribuição do poder de revisão a certo órgão, em regime de


exclusividade dentro da partilha geral do poder legislativo pelos órgãos de
soberania.

2. Limites temporais: impedem o exercício do poder de revisão a qualquer momento,


obedecendo a certos limites de tempo.

3. Limites formais: regras que introduzem particularidades em determinadas fases do


processo de revisão constitucional (maiorias agravadas).

4. Limites circunstanciais: regras que vedam a expressão do poder de revisão


constitucional na vigência de situações de exceção constitucional, assim defendendo
a verdade e o livre consentimento da vontade de mudar a Constituição, por exemplo,
o estado sítio ou emergência.

11
1º ano de Direito Direito Constitucional CAD

5. Limites materiais: afastam do poder de revisão um conjunto de matérias, valores,


princípios ou institutos que integram o núcleo essencial do texto constitucional,
pondo em causa a identidade constitucional.
São de referir, ainda, as principais finalidades da revisão constitucional:

• Atualizar a ordem constitucional adequando-a à realidade constitucional.

• Interpretar a ordem constitucional estabelecendo novos critérios de interpretação


em aspetos que tenham ficado por esclarecer e que, em muitos casos, só a prática
constitucional permite detetar.

• Completar a ordem constitucional suprindo falhas e lacunas nas respetivas


disposições, para além de introduzir novos instrumentos.

Capítulo III – A Constituição como Norma:


3.1. A constituição como Lei Fundamental:
3.1.1. A “força normativa da constituição”:

• Nem todas as normas constitucionais têm a mesma natureza, estrutura e função.


Todas elas, porém, possuem uma eficácia normativa, seja como direito atual
diretamente regulador de relações jurídicas, seja como elementos essenciais de
interpretação e de integração de outras normas.

• O texto constitucional não pode, nem deve ser considerado como simples estatuto
jurídico de repartição do poder do Estado e de garantia dos direitos e liberdades. A
força normativa da constituição expande-se até aos assuntos da ordem económica
e social. Por conseguinte, a Constituição tanto é Lei Fundamental dos direitos,
liberdades e garantias, como dos direitos económicos, sociais e culturais.

3.1.2. Preeminência normativa:

• A Constituição é a Lei Fundamental do Estado, a lei superior do Estado, que vincula


todos os seus órgãos. Por isso, ela deve ser respeitada, desde logo, pelos poderes
públicos. A primeira regra de um Estado de direito constitucional é o principio da
constitucionalidade, segundo o qual toda a ação do Estado e demais poderes
públicos se rege pela Constituição, e a validade dos seus atos depende da sua
conformidade com a Constituição.

• A Constituição é, portanto, a norma fundamental da ordem jurídica num duplo


sentido: por um lado, na medida em que as demais normas, nomeadamente as
constantes das leis ordinárias, são as normas infraconstitucionais, estando por isso
mesmo subordinadas à Constituição; por outro lado, porque a Constituição não se

12
1º ano de Direito Direito Constitucional CAD

encontra, em princípio, subordinada a qualquer outra norma. Deste modo, todas as


outras normas lhe devem respeito, não podendo contrariá-la. Daí resulta o princípio
da constitucionalidade, ou de supremacia (ou prevalência) da Constituição.

• A principal manifestação da preeminência normativa da Constituição consiste em


que toda a ordem jurídica se deve guiar pela Constituição e deve estar em
conformidade com ela, caso contrário devem ser eliminadas essas mesmas normas
que não a respeitem. São três as componentes principais desta preeminência
normativa da Constituição:

1. Todas as normas infraconstitucionais devem ser interpretadas no sentido mais


concordante com a Constituição;

2. As normas de direito ordinário desconformes com a constituição são inválidas, não


podendo ser aplicadas pelos tribunais e devendo, aliás, ser anuladas pelo Tribunal
Constitucional;

3. Salvo quando não exequíveis por si mesmas, as normas constitucionais aplicam-se


diretamente, mesmo sem lei intermediária, ou contra ela e no lugar dela (art. 18.º,
n.º 1.

3.1.3. Normas, princípios e diretrizes políticas:


a) Normas e princípios:

• Como todas as leis, também a Constituição inclui normas em sentido estrito (regras)
e princípios. As normas são regras de conduta, autorizando, impondo ou proibindo
certas ações. Os princípios, por sua vez, não são regras de conduta, mas antes linhas
informadoras da ordem constitucional, dando-lhe sentido e consistência.

• Por um lado, as normas conferem direitos ou faculdades e impõem obrigações aos


seus destinatários, nomeadamente o poder público ou os particulares; por outro
lado, os princípios têm por destinatário, normalmente, o próprio legislador ou
outros titulares de poder público.

• Os princípios possuem menor densidade normativa, não criando diretamente


direitos e obrigações. Por isso, deixam uma maior margem de liberdade de decisão
ao legislador do que as normas, conferindo também maior margem de apreciação
dos tribunais constitucionais na verificação da conformidade da ação do Estado com
os princípios constitucionais.

b) Normas proibitivas e normas impositivas:

13
1º ano de Direito Direito Constitucional CAD

• Destinando-se a Constituição a limitar o poder político, muitas das normas


constitucionais são normas proibitivas; mas também há normas impositivas de ação
do Estado, que tipicamente podem revestir três modalidades:

1. Normas que visam a realização dos direitos económicos, sociais e culturais, que
implicam obrigações de prestação;

2. Normas que visam a criação de novos institutos ou novas instituições do poder


público, como por exemplo, a criação de imposto único sobre o rendimento;

3. Normas que definem simples diretrizes políticas, que definem orientações e


objetivos das políticas públicas;

• A figura da inconstitucionalidade por omissão (art. 283.º) constitui o meio


apropriado para fiscalizar o cumprimento das normas impositivas e das diretrizes
políticas, ainda quase as segundas sejam mais “fracas” do que as primeiras.

c) Normas autoexequíveis e normas não exequíveis por si mesmas:

• Mesmo no campo das normas constitucionais que conferem direitos ou impõem


obrigações há que distinguir as normas exequíveis por si mesmas, sem necessidade
de implementação legislativa e as normas que carecem de execução ou
implementação legislativa, ficando por isso “inativas” no caso de omissão legislativa.

3.1.4. Consequências da supremacia da Constituição:

• A principal consequência da supremacia da Constituição é a ilegitimidade das


normas ou ações infraconstitucionais contrárias à Constituição, o que resulta na
invalidade dessas mesmas normas ou ações.

Sistemas de fiscalização da Constitucionalidade:

• Sistema norte-americano: o Supremo Tribunal Federal decidiu que as normas legais


contrárias à Constituição são inválidas, pelo que não podem ser aplicadas pelos
tribunais nos casos sujeitos ao seu julgamento. Embora sem serem expurgadas da
ordem jurídica, as normas inconstitucionais não se impõem aos tribunais quando
estes são chamados a julgar questões em que elas sejam aplicáveis (fiscalização
judicial concreta, incidental e difusa da constitucionalidade).

• Sistema austríaco: embora os tribunais ordinários não possam recusar a aplicação


de uma norma por motivo da inconstitucionalidade, podem, porém, suspender a
causa principal e suscitar a questão de constitucionalidade junto do Tribunal
Constitucional, a quem incumbe decidir a questão, com força obrigatória geral. Com
isso, a norma é expurgada do ordenamento jurídico, deixando de poder ser aplicada

14
1º ano de Direito Direito Constitucional CAD

pelos tribunais (sistema de fiscalização judicial abstrata e concentrada da


constitucionalidade).

3.1.5. Supremacia da constituição, integração europeia e obrigações


internacionais:
• A integração europeia e a emergência de uma ordem constitucional europeia de tipo
federal põem em questão a supremacia das constituições na ordem interna dos
Estados-membros da União Europeia.

• Na interpretação do Tribunal de Justiça da União Europeia, a ordem constitucional


europeia autodefine-se, em termos de supremacia, sobre a ordem constitucional
dos Estados-membros, que, assim, deixam de poder invocar as constituições
nacionais para se furtarem ao cumprimento das obrigações resultantes do direito da
União.

• Por outro lado, na ordem constitucional interna, a Constituição é a lei suprema, pelo
que na falta de uma exceção expressa, o direito da União não goza de nenhuma
imunidade perante a Constituição. Até à revisão constitucional de 2004, os tribunais
portugueses podiam recusar-se a aplicar normas de direito da União, em caso de
incompatibilidade com a Constituição. Desta forma, o único meio de evitar o
incumprimento por parte da União contra Portugal era, obviamente, alterar a
Constituição para eliminar essa incompatibilidade.

3.1.6. Constituição nacional e Direito Constitucional Internacional”


• A ideia constitucional, o constitucionalismo e as constituições nasceram no quadro
nacional, tendo por referência o Estado. Mas essa referência nacional do
constitucionalismo está em vias de tornar-se insuficiente.

• Desde a II Guerra Mundial e a criação das Nações Unidas, assiste-se ao


desenvolvimento de um direito constitucional internacional, que se manifesta,
sobretudo, na consolidação de uma ordem internacional dos direitos humanos,
expressa nomeadamente na Declaração Universal dos Direitos Humanos; de um
direito penal internacional; da aplicação de sanções internacionais; da submissão de
litígios internacionais a instâncias parajudiciais.

Há aqui duas vertentes distintas:

1. Por um lado, a ordem internacional vê-se “invadida” por institutos do direito


constitucional interno, como os direitos humanos;

15
1º ano de Direito Direito Constitucional CAD

2. Por outro lado, há um crescente recurso a meios judiciais ou parajudiciais para


resolver litígios internacionais, reduzindo assim o espaço de “autotutela”, que é o
instrumento tradicional de fazer valer direitos no direito internacional.

• Com a emergência do Direito Constitucional Internacional, que é também uma


expressão da internacionalização do Direito Constitucional, o fenómeno
constitucional deixa de estar confinado ao espaço nacional.

• Esta globalização constitucional acaba por retroagir sobre o espaço constitucional


interno, tanto mais quanto os Estados assumirem crescentes obrigações
internacionais e forem chamados a respeitá-las, com indiferença em relação às suas
obrigações constitucionais internas.

3.1.7. “Normas constitucionais inconstitucionais”:


• Deve rejeitar-se, por definição, a ideia de normas constitucionais inconstitucionais,
por motivo de contradição de uma norma constitucional com princípios básicos da
própria Constituição. Os preceitos constitucionais não podem ser afastados pela
doutrina ou pelos tribunais por alegada incongruência interna da Constituição.

• Diferente pode ser o caso de incompatibilidade de normas constitucionais com


normas e com os princípios gerais de direito internacional geral ou comum, que
formam, por assim dizer, a Constituição Internacional, os quais, nos termos do art.
8.º, n.º 1, “fazem parte integrante do Direito português”.

• Dentro da Constituição é apontado o caso da incriminação retroativa dos membros


da antiga política da Ditadura do “Estado Novo” (art.º 292). Na verdade, esse
preceito entra em crise se entre as normas de ius cogens internacional se contar a
proibição de incriminação retroativa, em violação do princípio “nenhum crime sem
lei anterior”.

• Quanto às demais normas e princípios de direito internacional geral, o mínimo que


se pode exigir é a interpretação da Constituição em conformidade com os mesmos,
de modo a reduzir a possibilidade de incongruências entre a ordem constitucional
interna e a ordem constitucional global.

3.2. “Constitucionalismo em vários níveis”:


3.2.1. O Constitucionalismo federal:

• A mais antiga Constituição em vigor resultou da sobreposição de uma Constituição


federal às Constituições federadas existentes.

16
1º ano de Direito Direito Constitucional CAD

• Ao sobrepor a Constituição federal às Constituições estaduais, a Constituição dos


EUA criou um fenómeno de pluralismo constitucional vertical, ou seja, de dois níveis
de constitucionalidade: o nível federal e o nível estadual, cada um deles com a sua
própria constituição. Impõe-se que as Constituições federadas respeitem a
Constituição federal.

• As duas principais questões do constitucionalismo federal são, por um lado, a


repartição de tarefas entre os dois níveis de governo; por outro lado, o modo de
intervenção dos estados federados na federação, que tem lugar através de uma
câmara federal representativa das unidades federadas.

3.2.2. “O Constitucionalismo supranacional”:

• Um fenómeno novo de Constitucionalismo em vários níveis com semelhanças com


o constitucionalismo federal relaciona-se com a leitura da integração europeia em
termos federais e constitucionais.

• Com efeito, embora a União Europeia não seja um Estado nem uma federação de
Estados, apresenta traços estatais e federais. Entre os primeiros contam-se as
atribuições próprias, os poderes legislativo, executivo e judicial, a moeda própria, a
pertença a organizações internacionais. Entre os segundos contam-se a divisão
vertical de atribuições entre a União e os Estados-membros, o efeito direto e a
supremacia do direito da União na ordem interna dos Estados-membros, a codecisão
legislativa de tipo federal, com a intervenção de dois órgãos legislativos, ou seja, o
Parlamento Europeu, que representa os povos da União, e o Conselho, que
representa os Estados-membros.

• Apesar de não ter uma constituição propriamente dita, a União Europeia não pode
deixar de ser interpretada em termos constitucionais, sobretudo depois do Tratado
de Maastricht que ocorreu no ano de 1992, que ampliou substancialmente as
atribuições da União e criou a cidadania europeia; da aprovação da Carta dos
Direitos Fundamentais da União Europeia, em Nice no ano de 2000, que antecipa a
dotação da União de um bill of rights, de recorte genuinamente constitucional; por
último do Tratado de Lisboa, que ampliou as tarefas da União e tornou regra geral
o procedimento legislativo de tipo federal.

• Pode afirmar-se que não é possível estudar Direito constitucional em Portugal, ou


noutro Estado-membro da União Europeia, sem ter em conta o Direito
Constitucional da União, ou seja, os seus Tratados.

3.2.3. Constitucionalismo “multinível” e Soberania Nacional:

17
1º ano de Direito Direito Constitucional CAD

• No início da era constitucional, na segunda metade do século XVIII, a Constituição


surge intimamente ligada à ideia do Estado soberano, como expressão da
autodeterminação nacional.

• A Constituição era concebida como a primeira e mais importante expressão da


soberania nacional. Ora, o constitucionalismo europeu vem afastar este
entendimento do Estado constitucional, na medida em que a própria ideia de
Constituição Europeia só pode ser concebível à custa da transferência de poderes
soberanos dos Estados-membros para a União. Por isso, o Constitucionalismo
Multinível supõe uma limitação da soberania do Estado constitucional nacional.

3.3. Constituição e vinculação internacional dos Estados:


• No século XX tudo mudou, com a densificação do Direito Internacional, mercê da
multiplicação de tratados internacionais e da criação de numerosas organizações
internacionais.

• Um princípio geral do Direito Internacional é o de que os Estados não podem


invocar o seu direito interno para justificarem o incumprimento das suas obrigações
internacionais, incorrendo na mesma em responsabilidade internacional.

• Por isso, em caso de conflito, ou os Estados se exoneram dessas obrigações


internacionais ou alteram as suas constituições, quando são estas que justificam o
incumprimento das obrigações internacionais.

3.4. Interpretação e integração da constituição:


3.4.1. Princípios gerais de interpretação:
• A interpretação jurídica é o processo que incide sobre um enunciado linguístico
(disposição ou preceito), tendo como objetivo identificar as normas ou princípios
nele contidos e definir o sentido e alcance de umas e outros.

• Os pressupostos básicos de interpretação constitucional são os de que a constituição


é uma lei (constituição como lei), sendo formada por um conjunto de normas
(constituição como norma).

São as seguintes as regras gerais de interpretação constitucional:

a) Interpretação objetiva:

• A interpretação “investiga” o sentido da constituição e das normas constitucionais


nela contidas. Trata-se de interpretar uma constituição existente e vigente, devendo
procurar-se o sentido objetivo das normas.

18
1º ano de Direito Direito Constitucional CAD

• Significa isto que o intérprete da constituição deve adotar, fundamentalmente, uma


perspetiva objetivista, sendo de relevo secundário, nas questões de interpretação
constitucional, a utilização de materiais históricos eventualmente reveladores do
espirito do legislador e da vontade real ou hipotética do legislador constituinte
histórico.

b) Interpretação intrínseca:

• Se se procura o sentido objetivo da constituição, é natural que as conexões de


sentido se procurem dentro dela e não fora dela, através do recurso a um sistema
ou ordem extranormativa.

• A interpretação deve mover-se dentro dos parâmetros positivos das normas


constitucionais. Só assim se conseguirá que a interpretação da constituição continue
a ser uma interpretação jurídica e não uma interpretação “espiritual”, que conduz
inevitavelmente ao triunfo do arbítrio subjetivo do intérprete.

c) Interpretação sistemática:

• Ao considerar-se essencial na interpretação da Constituição as conexões de sentido,


pretende-se, sobretudo, pôr em relevo que um preceito constitucional não deve ser
considerado isoladamente e interpretado apenas a partir dele próprio.

• Formando a Constituição uma unidade de sentido, deve tomar-se em conta o seu


conteúdo global, o que permite, designadamente, conferir o devido relevo, em sede
interpretativa, aos princípios jurídicos e políticos fundamentais da Constituição.

d) Inadmissibilidade de interpretação autêntica:


• Na interpretação constitucional está vedada, por assim dizer, a “interpretação
autêntica” pelo legislador ordinário, salvo quando a Constituição o determine.

• Em relação à constituição, o legislador não está numa situação privilegiada face aos
restantes destinatários das normas constitucionais. De «interpretação autêntica» da
constituição só poderá falar-se quando, em sede de revisão constitucional, se
procura precisar o sentido duvidoso de certa norma (o que frequentemente ocorre).

e) Exclusão da interpretação conforme às leis:

• A inadmissibilidade da interpretação autêntica tem subjacente o mesmo


fundamento que conduz à exclusão da interpretação conforme às leis.

19
1º ano de Direito Direito Constitucional CAD

• As leis devem ser interpretadas de acordo com as normas superiores da constituição,


e não o inverso.

• A interpretação constitucional deve ser uma interpretação conforme à constituição


e não conforme ao legislador.

f) Princípio da relevância e do sentido útil das normas constitucionais:

• As disposições constitucionais não podem ser interpretadas de modo a anular todo


e qualquer efeito normativo. Este pode ser denso ou vago, forte ou fraco; o que não
pode ser é inexistente.

g) Padrões de interpretação exteriores à Constituição:


• A própria constituição do Estado passou a ter de respeitar parâmetros externos,
nomeadamente o Direito internacional.

• No caso da nossa Constituição, ela manda explicitamente interpretar a Declaração


dos Direitos constitucional de acordo com a Declaração Universal dos Direitos
Humanos de 1948 (art. 16.º, n.º 2). Também, desde a origem, a Constituição
considera os princípios gerais de Direito internacional como parte integrante da
ordem interna (art. 8.º, n.º 1).

3.4.2. Interpretação e espaço semântico dos conceitos constitucionais na CRP:


• Alguns dos problemas fundamentais que a interpretação e concretização da lei
constitucional têm suscitado dizem respeito à determinação do âmbito conceitual
das indiscriminadamente chamadas normas vagas ou dos conceitos relativamente
indeterminados.

Os esforços metódicos de aplicação do texto constitucional devem ter em consideração


os seguintes tópicos:

a) Conceitos constitucionais autónomos;


b) Conceitos pré-constitucionais;
c) Conceitos polissémicos;
d) Conceitos relativamente indeterminados;
e) Conceitos de origem extrajurídica;
f) Conjuntos normativos extrajurídicos.

3.4.3. Interpretação, unidade da Constituição e “concordância prática”:


• Um princípio importante para a interpretação constitucional é o princípio da
unidade da constituição.

20
1º ano de Direito Direito Constitucional CAD

• Este princípio significa que a Constituição deve ser interpretada de forma a evitar
contradições entre normas. Pode haver normas especiais ou exceções face a regras
gerais, o que não pode haver é incompatibilidades entre duas normas
constitucionais.

• Quando o “programa normativo” de duas normas choca mutuamente há que


proceder à respetiva harmonização.

3.4.4. Integração constitucional:


• Também a constituição pode apresentar lacunas. Há a necessidade de distinguir
entre lacuna constitucional propriamente dita e matéria não regulada pela
constituição, hipótese em que não se suscita o problema de integração, antes se
situa no domínio da liberdade de conformação do legislador;

• Em princípio, é de afastar a ideia de “lacunas de previsão” em direito constitucional,


as quais devem ser entendidas como renúncia do poder constituinte a regular
constitucionalmente a matéria.

• Em segundo lugar, importa sublinhar que as lacunas se distinguem da reserva de lei


de execução, pois neste último caso é a constituição que pretende deixar ao
legislador a concretização da disciplina jurídica de certas relações.

• Lacuna constitucional existe apenas quando certo problema, que deveria ter solução
constitucional, a não tem explícita na constituição. Indícios da existência de uma
lacuna constitucional são, designadamente, o facto de casos semelhantes estarem
previstos na constituição ou o facto de a matéria a que a questão omissa pertence
ter uma disciplina constitucional abrangente e pormenorizada.

• Deve também distinguir-se rigorosamente a lacuna autêntica da lacuna aparente,


pois neste último caso o problema, à primeira vista sem solução constitucional, está
afinal diretamente resolvido algures na Constituição.

• Quando, porém, se estiver em face de uma verdadeira lacuna, a força normativa da


constituição impõe que seja a partir dos critérios e das soluções acolhidas nela
própria que se integram os problemas lacunosos, seja mediante recurso à analogia,
seja por apelo aos princípios gerais que possam ser relevantes para o caso. Exemplos
de aplicação analógica são a aplicação do regime constitucional do orçamento do
Estado aos orçamentos das regiões autónomas e das autarquias locais, com as
necessárias adaptações.

21
1º ano de Direito Direito Constitucional CAD

Capítulo IV - História constitucional comparada:

4.1. Reino Unido:


4.1.1. Traços característicos do constitucionalismo britânico:
O constitucionalismo britânico apresenta quatro caraterísticas essenciais:

1. Primeiro, é produto de uma história de muitos séculos de evolução, desde a Magna


Carta, na construção da rule of law, na separação de poderes, no governo
representativo, na supremacia do parlamento.

2. Segundo, não existe uma constituição escrita, constante de um texto único, visto
que a maior parte das regras sobre a organização do poder político é de origem
consuetudinária e outras têm a forma de legislação comum avulsa.

3. Terceiro, não existe uma lei fundamental da organização política dotada de


supremacia normativa, uma vez que, as leis constitucionais são leis iguais às outras
e podem ser modificadas por outras, sem nenhuma exigência especial.

4. Por último, a natureza consuetudinária e legislativa avulsa justifica uma outra


característica da constituição britânica: trata-se de uma constituição flexível, já que
as alterações constitucionais podem ser feitas a todo o tempo através de leis do
Parlamento, que não têm de seguir um procedimento legislativo específico.

4.1.2. Principais momentos da história constitucional britânica:


• Data de 1215 o primeiro texto escrito que compõe a constituição britânica: a Magna
Carta. Ela, genericamente, limitava o poder do rei de criar e aumentar impostos,
proclamava a liberdade da Igreja, garantia os direitos das classes sociais perante o
rei, continha disposições relativas a prerrogativas municipais e ao comércio.

• Relativamente ao denominado Bill of Rights (1689), este é um documento


fundamental da história constitucional que determinava, essencialmente, que ao rei
era proibido anular leis ou suspender a sua execução, criar impostos ou manter um
exército sem autorização do Parlamento. Além disso, continha uma série de
garantias jurídicas dos indivíduos de que são exemplo a liberdade de expressão e a
proibição de aplicação de penas cruéis.

• No século VXIII surgem outras leis constitucionais destinadas a regular a organização


política: Act of Settlement, em 1701, com diversas disposições destinadas a
preservar a supremacia parlamentar e que reservou o trono de Inglaterra aos
príncipes da religião anglicana; Act of Union, em 1707, que criou o Reino Unido da

22
1º ano de Direito Direito Constitucional CAD

Grã-Bretanha, pela união real entre os tronos da Escócia e de Inglaterra, criando um


só Parlamento e leis políticas comuns.

• No século XIX foi muito importante o Reform Act, pelo qual se alargou o direito de
voto, marcando o início da perda de importância da Câmara dos Lordes em proveito
da Câmara dos Comuns.

• Mais recente, o denominado Scotland Act de 1998 procedeu a uma “regionalização


política” do Reino Unido, reconhecendo ao Parlamento escocês competência
legislativa em determinadas áreas como a educação, saúde, agricultura e justiça,
mantendo na reserva do Parlamento britânico matérias como defesa e segurança
nacional ou relações externas.

4.1.3. Instituições constitucionais e princípios fundamentais:

• O Reino Unido é uma monarquia constitucional e uma democracia parlamentar, é o


resultado da combinação entre um sistema de governo parlamentar e um sistema
eleitoral maioritário que favorece governos de legislatura e a alternância entre dois
grandes partidos políticos (conservadores e trabalhistas).

• As principais instituições atualmente existentes são as mesmas que constituem a


estrutura política da Grã-Bretanha desde a Idade Média:

➢ Coroa (instituição que representa a unidade do Estado);


➢ Câmara dos Lordes;
➢ Câmara dos Comuns, que em conjunto formam o Parlamento.

• As grandes novidades foram a criação do Governo (cabinet) a partir do séc. XVIII,


retirando o poder executivo ao monarca, e o aumento de poderes da Câmara dos
Comuns à custa da Câmara dos Lordes, democratizando o poder legislativo.

• O titular da coroa é o rei, cujas funções correspondem à representação, sanção das


leis votadas no Parlamento, nomeação do Governo que, por sua vez, resulta da
maioria na Câmara dos Comuns.

• A Câmara dos Lordes é composta pelo Lord Chanceler, pelos “pares temporais” e
pelos lordes espirituais. As suas funções são essencialmente legislativas auxiliares,
possuem o direito ao veto ou emenda dos projetos legislativos da Câmara dos
Comuns; têm, ainda, a possibilidade de discutir propostas e projetos de lei relativos
a matéria judicial.

• A Câmara dos Comuns é composta por 630 deputados eleitos, funcionando em


comissões e em sessão plenária. As suas principais funções têm um cariz legislativo

23
1º ano de Direito Direito Constitucional CAD

principal. Desta forma, têm o direito de “passar” leis mesmo contra o voto dos
Lordes e podem, inclusive, controlar politicamente o Governo.

• O Governo é composto pelo Primeiro-ministro, pelo Gabinete e pelos Ministers not


in cabinet. Tem funções de direção política e poder executivo, tem, também, uma
função legislativa por delegação da Câmara dos Comuns e, tem, ainda, a função de
direção de departamentos administrativos.

4.1.4. Influência do constitucionalismo britânico:


• O modelo constitucional britânico exerceu a sua influência em diversas partes do
mundo. A atração pela estabilidade política britânica foi um fator que potenciou a
expansão deste modelo constitucional. Podem distinguir-se cinco momentos de
difusão do sistema constitucional britânico no mundo:

1. No século XVII, para as colónias da América do Norte e das Caraíbas;

2. No século XVIII, para a Europa (governo representativo e responsabilidade


ministerial) e para os Estados Unidos (influência da teoria da separação de poderes
de Montesquieu; conceção da figura do Presidente à imagem da do rei de
Inglaterra);

3. No primeiro quartel do século XIX, novamente na Europa, a monarquia


constitucional inglesa é fonte de inspiração da Constituição francesa, da Constituição
belga e, de certa forma, também, da Carta Constitucional portuguesa de 1826 e das
constituições de diversos Estados da Confederação Germânica;

4. No segundo quartel do século XIX, igualmente na Europa, a monarquia britânica


inspira a criação de monarquias constitucionais fundadas na Constituição e não
propriamente na soberania do rei;

5. Em finais do século XIX e no século XX, para os territórios do Império britânico e os


que lhe haviam pertencido (Canadá, Austrália, Índia).

4.2. Estados Unidos da América


4.2.1. Formação dos Estados Unidos:
• À época da independência, que ocorreu no ano de 1776, as treze colónias britânicas
do ocidente do continente norte-americano apresentavam uma grande
homogeneidade cultural, social, religiosa, mas não política.

24
1º ano de Direito Direito Constitucional CAD

• Apesar da autonomia de cada Estado, havia entre eles fortes fatores de união que
motivaram a constituição de uma Confederação em 1781, pela aprovação dos
Articles of Confederation.

• No entanto, o Congresso dispunha assim de fracos poderes. Apenas podia dirigir


recomendações aos Estados, que tinham de ser aprovadas com o consentimento de,
pelo menos, nove Estados. Por outro lado, não tinha meios para fazer cumprir as
suas decisões, o que fragilizou a Confederação.

• Desta forma, em 1787, reuniu-se a Convenção de Filadélfia com o intuito de rever


os Artigos da referida Confederação. Surgiu, então, a necessidade de criar uma
Federação, tornando-se os Estados fundadores em unidades federadas no novo
Estado federal, os Estados Unidos da América.

• Foi, assim, a forma de Estado consagrada na Constituição de 1787, aprovada pela


Convenção de Filadélfia, que, por sua vez, deu origem a um novo país.

4.2.2. A Constituição de 1787 e as suas revisões:


• A Constituição federal de 1787 foi aprovada na Convenção de Filadélfia sendo
depois ratificada em “convenções” realizadas em cada um dos estados federados. É
a primeira constituição de uma república federal.

• De referir que, a Constituição dos Estados Unidos é um dos mais curtos textos
constitucionais existentes, tendo apenas sete longos artigos, e é reputada como um
dos mais bem escritos. Sendo a mais antiga Constituição em vigor, a Constituição
dos Estados Unidos revelou uma grande plasticidade e capacidade de adaptação às
diferentes épocas históricas.

• Os aditamentos têm alterado ou completado o texto constitucional, sobretudo, em


matéria de direitos fundamentais, mas não só. Os primeiros dez foram aprovados
logo em 1791 e constituem uma Declaração de Direitos (Bill of Rights) complementar
da Constituição.

• São, ainda, fontes do direito constitucional americano: o costume; a prática dos


Presidentes, que tem tido influência na forma de interpretar alguns preceitos da
Constituição; algumas leis ordinárias que contêm princípios considerados tão
importantes como a Constituição; as constituições dos estados federados.

4.2.3. Princípios e instituições constitucionais:


• O constitucionalismo norte-americano tem como características principais o
federalismo, o republicanismo, o presidencialismo e a judicial review.

25
1º ano de Direito Direito Constitucional CAD

a) Federalismo:

• À Federação são reconhecidos todos os poderes de que necessite para realizar as


atribuições previstas na Constituição, nomeadamente no âmbito da defesa e
relações externas, das finanças públicas, da justiça, do comércio externo.

• Por outro lado, os Estados federados participam no exercício do poder político


central (através do Senado) e na aprovação de emendas à Constituição que, por sua
vez, têm de ser aprovadas por maioria de 2/3 dos membros das duas câmaras
federais e ratificados por ¾ dos estados federados.

A forma de Estado federal teve necessárias repercussões na estrutura do Congresso, o


órgão legislativo da Federação. Este é composto por duas câmaras:

1. A Câmara dos Representantes, formada pelos representantes eleitos pelos cidadãos


eleitores ao nível de cada Estado federado, com um mandato de 2 anos, sendo o
número de representantes proporcional à população de cada Estado;

2. E o Senado, que representa os estados federados, para o qual cada Estado elege dois
senadores (independentemente da sua maior ou menor dimensão geográfica) por
um mandato de seis anos.

b) Republicanismo:

• Os Estados Unidos são a primeira república da época moderna alicerçada no


princípio democrático, por contraposição às monarquias que deram forma às
democracias liberais europeias e às experiências republicanas de cariz autoritário da
época moderna.

• Nos termos da Constituição, o chefe de Estado é o Presidente, que ocupa o cargo em


virtude de um ato eleitoral.

• O republicanismo nega os privilégios decorrentes do nascimento, em particular a


hereditariedade dos cargos políticos, exigindo-se a renovação periódica dos seus
titulares. A República federativa funda-se na igualdade dos seus cidadãos, incluindo
a igualdade de nascimento e a proscrição de privilégios de nascimento, estando
todos subordinados da mesma forma ao direito que os rege.

c) Presidencialismo:

• O Presidente é simultaneamente chefe de Estado e chefe de Governo, dirigindo a


execução do programa político por ele definido.

• O poder legislativo, por sua vez, foi atribuído ao Congresso.

26
1º ano de Direito Direito Constitucional CAD

• Estes dois órgãos são independentes entre si, assim, o Presidente não responde
politicamente perante o Congresso, que o não pode demitir, nem este pode ser
dissolvido pelo Presidente.

• No entanto, criaram-se mecanismos de interdependência funcional, ou seja, o


Presidente possui direito de veto das leis aprovadas pelo Congresso, veto esse
superável por maioria de 2/3; tal como vários atos do Presidente têm de ser
confirmados pelo Senado, como por exemplo, nomeações para altos cargos e
assinatura de tratados internacionais, possuindo, igualmente, o poder de fazer
cessar o mandato do Presidente em caso de crimes ou outras infrações
(impeachment), assumindo o Senado funções judiciais para esse efeito.

d) Judicial review:
• Judicial review designa o poder de controlo dos tribunais sobre a validade
constitucional da legislação, impedindo a aplicação das disposições legais que
contradigam as normas e os princípios constitucionais (fiscalização da
constitucionalidade pelos órgãos judiciais). Este instituto, que viria mais tarde a ser
consagrado também por outros sistemas constitucionais, teve a sua origem nos
Estados Unidos.

• Com base nestes pressupostos, os tribunais assumiram o poder de recusar a


aplicação de leis inconstitucionais, emergindo claramente a ideia da Constituição
como limite aos poderes legislativo e executivo.

• Criou-se, assim, um sistema de fiscalização da constitucionalidade difusa, isto é, não


existe apenas um órgão jurisdicional competente para apreciar a
constitucionalidade das leis.

4.2.4. Influência do constitucionalismo americano:

• A influência do constitucionalismo americano, fez-se sentir, sobretudo, nos países


da América Latina, após a independência, e no Brasil, após a proclamação da
República. Estes países adotaram sistemas de governo presidencialistas, à imagem
do sistema norte-americano. No entanto, em muitos casos, derivaram para regimes
ditatoriais ou originaram situações de conflito insanável entre o presidente e o
congresso.

• A importância decisiva do constitucionalismo americano reside talvez na difusão de


alguns dos princípios anteriormente referidos, em particular o federalismo e a
fiscalização da constitucionalidade por parte dos tribunais (judicial review).

27
1º ano de Direito Direito Constitucional CAD

4.3. França
4.3.1. Mais de dois séculos de revoluções e constituições:

• O constitucionalismo francês apresenta contornos bem distintos do britânico e do


norte-americano. Ao contrário do que sucedera nos Estados Unidos, a Revolução
em França fez-se para destruir as estruturas e instituições que a antecederam. A
Revolução prolongou-se por um período relativamente longo, não tendo criado
uma ordem constitucional estável.

4.3.2. As principais constituições:


a) A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão:
• O primeiro texto de valor constitucional saído da Revolução foi a Declaração dos
Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, que proclamava como direitos naturais
do homem um conjunto de direitos baseados na liberdade, na segurança e na
propriedade, largamente inspirado na Declaração de Virgínia.

• Apesar da instabilidade política que se seguiu, a Declaração permaneceu como uma


das conquistas fundamentais da Revolução, sendo, ainda hoje, a carta de direitos
fundamentais em França.

4.3.3. A Constituição da V República:


• A necessidade de superar a instabilidade governativa e parlamentar da IV República
conduziu ao surgimento da Constituição que vigora atualmente, aprovada por
plebiscito, em setembro de 1958.

a) Estado unitário:

• A França é constitucionalmente um Estado unitário fortemente centralizado.

• Ao contrário de outros grandes Estados europeus, que ou são federações ou se


encontram regionalizados, França só muito tarde aceitou fenómenos de
descentralização política através da criação de regiões, dotadas de limitada
autonomia.

b) Sistema de governo “semipresidencialista”:


• Tendo por objetivo fortalecer a autoridade do Chefe de Estado e do Governo, a
Constituição introduziu um sistema de governo de base parlamentar, porém,
limitado por uma componente presidencialista forte.

• O traço mais marcante do sistema de governo da Constituição de 1958 é o sistema


de governo híbrido, que conjuga traços de natureza parlamentar, designadamente

28
1º ano de Direito Direito Constitucional CAD

a formação do governo de acordo com a composição do parlamento, bem como a


responsabilidade do governo perante o parlamento, com uma forte componente
presidencial, tendo o Presidente importantes poderes, designadamente o poder de
superintender no governo, dissolver livremente o parlamento, convocar referendos,
etc..

c) Sistema eleitoral maioritário de duas voltas:

• O sistema eleitoral tradicional na V República é um sistema eleitoral maioritário, em


círculos uninominais, à maneira britânica, porém, com a particularidade de requerer
a maioria absoluta. Se nenhum candidato a obtiver na primeira eleição, realiza-se
uma segunda volta, em que só podem concorrer os candidatos que tenham obtido
uma certa percentagem na primeira volta.

d) Fiscalização limitada da constitucionalidade das leis

• Uma das características tradicionais do constitucionalismo francês é a ausência do


controlo judicial da constitucionalidade das leis.

• A conceção da lei como expressão da vontade geral do povo afastou, desde cedo, a
possibilidade de outro poder questionar a conformidade das leis com a Constituição.

• Fiscalização só preventiva, feita pelo Conselho Constitucional: as leis, depois de


promulgadas, não podem ser postas em causa pelos tribunais; a estes compete
aplicar as leis, não podendo recusar-se a aplicá-las.

4.3.4. A influência do constitucionalismo francês:


• O constitucionalismo francês é, particularmente, rico pela tendência universal dos
valores proclamados pela Revolução Francesa e pela grande influência que
exerceram na Europa, na América Latina e, mais tarde, em certas regiões do
continente africano.

• A Carta Constitucional de 1830 foi o modelo das monarquias constitucionais de


tendência liberal, seguido em Portugal, em Espanha e na Grécia. Influenciou,
também, a Constituição belga de 1831, ainda hoje em vigor.

• Na sequência da I Guerra Mundial, foram influenciados pelo constitucionalismo


francês os países que nasceram da queda do Império Austro-Húngaro e outros que
consagraram pela primeira vez as instituições republicanas.

• Em especial, a Constituição de 1958 “exportou”, entre outros traços, o sistema de


governo semipresidencialista, a eleição direta do Presidente da República por

29
1º ano de Direito Direito Constitucional CAD

maioria absoluta (se necessário com uma 2ª volta) e o sistema eleitoral de maioria
absoluta para os deputados.

4.4. Alemanha
4.4.1. Da unificação alemã de 1871 à reunificação de 1990:
• Na versão alemã da monarquia constitucional, o rei continuou a ser o titular do
poder soberano, aceitando limitar o seu poder mediante a outorga de uma
Constituição.

4.4.2. A Lei Fundamental de Bonn, 1949:

• A Lei Fundamental de 1949 da República Federal da Alemanha, ou Constituição de


Bona, foi elaborada por uma assembleia com poderes constituintes, tendo entrado
em vigor após aprovação dos parlamentos dos Estados federados.

• Esta Constituição criou regras especificas para a restrição de direitos fundamentais,


determinando que a restrição só pode ser feita por lei geral e abstrata, na estrita
medida necessária e não pode afetar o núcleo essencial do direito em causa.

• A Constituição consagrou, também, um sistema de governo parlamentar. O


Parlamento é composto por duas câmaras: o Budestag, órgão representativo do
povo, e o Budesrat, onde têm assento os representantes dos Lander.

• No que se refere à fiscalização da constitucionalidade, efetua-se um controlo por via


incidental – controlo concreto: o juiz de um caso concreto submete ao Tribunal
Constitucional a questão da inconstitucionalidade de uma norma, suspendendo-se
o processo até à decisão deste Tribunal.

• Controlo por via principal (controlo abstrato), posteriormente à entrada em vigor


dos atos objeto de controlo (controlo sucessivo).

• O controlo preventivo da constitucionalidade incide apenas sobre leis que aprovam


tratados internacionais.

• O sistema alemão consagrou, ainda, o recurso direto de constitucionalidade, nos


termos do qual qualquer cidadão ou pessoa coletiva privada pode interpor recurso
de anulação junto do Tribunal Constitucional dos atos jurídicos dos poderes públicos
que violem os seus direitos fundamentais.

4.5. Espanha
4.5.1. Revoluções e constituições:

30
1º ano de Direito Direito Constitucional CAD

• Ao longo do século XIX, a sucessão de revoluções e contrarrevoluções, fruto das lutas


entre liberais (moderados e progressistas) e conservadores e de crises de sucessão
monárquica, deu origem a cinco Constituições (1812, 1837, 1845, 1869, 1876), cuja
vigência foi por vezes intercalada por períodos de interrupção constitucional.

• As razões desta instabilidade constitucional prendem-se com a ausência de uma


classe social sobre a qual se pudesse apoiar o movimento constitucional liberal,
aliada à ausência de um Estado forte e ao carácter partidarista das constituições.

4.5.2. Da Constituição de Cádis de 1812 à Constituição de 1978


• Imposta sublinhar os principais passos do constitucionalismo espanhol. Apesar da
heterogeneidade de textos e projetos constitucionais, é possível distinguir três
períodos no constitucionalismo espanhol até ao franquismo: constitucionalismo
liberal (1812-1868), constitucionalismo democrático (1868-1931) e
constitucionalismo social (1931-1936).

a) O constitucionalismo liberal:
• A Constituição de Cádis é a primeira constituição de Espanha, elaborada e
proclamada em 1812, pelas Cortes Constituintes convocadas para o efeito;
declarada nula em 1814 pelo poder monárquico restaurado, foi restabelecida,
novamente, em 1820.

• Pôs fim ao absolutismo monárquico e abriu caminho ao nascimento das instituições


fundamentais do Estado liberal, sendo de destacar, a soberania da nação, os direitos
fundamentais, o sistema representativo, o princípio da separação de poderes, o
princípio da legalidade, segundo o qual o governo só poderia atuar com base no
respeito pela lei.

• A Constituição de Cádis foi a principal fonte de inspiração da Constituição


portuguesa de 1822. Existindo, no entanto, diferenças substanciais entre os dois
textos das quais se destacam: o catálogo dos direitos fundamentais – na Constituição
portuguesa existe um capítulo próprio para os direitos fundamentais, enquanto que
na Constituição de Cádis os direitos fundamentais surgem dispersos pelo texto
constitucional; o sistema eleitoral previsto para as cortes ordinárias subsequentes:
a Constituição portuguesa optou por eleições diretas, enquanto que na Constituição
espanhola estava previsto um sistema de eleições indiretas em quatro graus; a
Constituição portuguesa estabeleceu o recenseamento eleitoral oficioso, que falta
na Constituição espanhola.

b) O constitucionalíssimo democrático:

31
1º ano de Direito Direito Constitucional CAD

• A Constituição de 1869 proclamou o sufrágio universal, que fez radicar na soberania


nacional pondo em causa a autoridade histórica e tradicional da Coroa.

• A vontade da Nação converte-se no único elemento legitimador de todo o poder e


é ela que determina a forma de Estado e de governo a adotar.

• A nova Constituição fez depender o gozo dos direitos constitucionalmente


consagrados das regras que oportunamente fossem fixadas por lei (lei esta que,
nessa configuração dos direitos dos indivíduos, tinha de respeitar os direitos da
Nação e os atributos essenciais do poder público).

c) Constituição da II República (1931-39):


• Traduziu um projeto de transformação social que ia além da institucionalização do
poder político e da consagração e garantia dos direitos e liberdades dos indivíduos.
Proclamava o princípio da soberania popular (os poderes dos órgãos da República
emanam do povo), pretendia instaurar uma República democrática dos
trabalhadores de todas as classes.

• Consagrava, portanto, a limitação de direitos individuais em nome do interesse


social, a subordinação da riqueza do país aos interesses da economia nacional, a
proteção dos trabalhadores, a liberdade de associação sindical, a proteção do
campesinato, a intervenção do Estado na economia determinada pela necessidade
de racionalizar a produção e de assegurar os interesses da economia nacional.

• Contudo, três outros fatores revelam a importância histórica da Constituição de


1931 nomeadamente a organização territorial do poder, o sistema de justiça
constitucional e o regime jurídico de proteção dos direitos fundamentais.

d) A Constituição de 1978:
• A Constituição de 1978 consagra um regime de monarquia constitucional
democrática, com um sistema de governo de tipo parlamentar “racionalizado”, à
maneira alemã. Os traços fundamentais desta Constituição são os seguintes:

a) Reconhecimento das comunidades autónomas, com autonomia político-


administrativa;

b) Sistema de governo parlamentar, sendo o governo chefiado por um “presidente do


governo”, que é responsável perante o parlamento, mas que somente pode ser
demitido mediante uma “moção de censura construtiva” (à maneira alemã);

32
1º ano de Direito Direito Constitucional CAD

c) Parlamento bicameral, com Senado e Congresso dos Deputados, sendo os


deputados eleitos por sistema de representação proporcional, com cláusula
barreira;

d) Sistema de fiscalização da constitucionalidade pelo Tribunal Constitucional;

e) Reconhecimento do “recurso de amparo”, inspirado na Constituição da II República.

f) Um dos traços mais marcantes da Constituição de 1978 é a sua estabilidade: só foi


objeto de uma pequena revisão.

Capítulo V - História constitucional portuguesa

5.1. Traços gerais do constitucionalismo português:


5.1.1. Contextualização:
• O constitucionalismo português, à semelhança do que sucedeu em outros países,
afirmou-se, essencialmente, como reação ao absolutismo monárquico.

• Do que se tratava era de, através de um diploma fundamental escrito, limitar o


poder, estabelecer a separação dos poderes, instituir um governo representativo,
reconhecer e proteger as liberdades individuais, garantir o direito de propriedade e
a liberdade de comércio e indústria, libertar a economia e a sociedade do controlo
do Estado e das corporações profissionais.

5.1.2. A descontinuidade formal:

• Do ponto de vista formal, a história constitucional portuguesa caracteriza-se por


uma considerável descontinuidade e instabilidade constitucional.

• Em dois séculos, Portugal conheceu seis diferentes textos constitucionais,


nomeadamente as Constituições de 1822, 1826, 1838, 1911, 1933, 1976. Três
durante a monarquia constitucional e três durante a República; três durante o século
XIX e três durante o século XX.

5.1.3. A via revolucionária:


• Excetuando a Carta Constitucional de 1826 todas as demais foram precedidas e
originadas por atos revolucionários.

➢ Constituição de 1822, precedida pela revolução de agosto de 1820;


➢ Constituição de 1838, precedida pela revolução de setembro de 1836;
➢ Constituição de 1911, precedida pela revolução de 5 de outubro de 1910;
➢ Constituição de 1933, precedida pela revolução de 28 de maio de 1926;
33
1º ano de Direito Direito Constitucional CAD

➢ Constituição de 1976, precedida pela revolução de 25 de abril de 1974.

• A implantação e consolidação do constitucionalismo acompanharam o processo de


implantação e consolidação do liberalismo e da democracia entre nós, o qual,
porém, sofreu de instabilidade, avanços e recuos, revoluções e contrarrevoluções.

5.1.4. Os períodos da história constitucional portuguesa:

• Foi muito atribulado e instável o período de implantação e consolidação do


constitucionalismo liberal-monárquico.

• A história constitucional portuguesa conheceu distintos períodos ou fases. Numa


versão simplificada, podemos distinguir quatro períodos:

1. O constitucionalismo liberal monárquico, do seu início até ao fim da monarquia


(Constituições de 1822, 1826 e 1838);

2. O constitucionalismo liberal republicano, correspondente ao período da I República


(Constituição de 1911);

3. O constitucionalismo corporativo e autoritário, correspondente ao período do


“Estado Novo” (Constituição de 1933);

4. O constitucionalismo democrático, desde a revolução de 25 de Abril de 1974


(Constituição de 1976).

5.2. A Constituição de 1822


5.2.1. Contexto histórico-político:

• O constitucionalismo entrou em Portugal no contexto da luta contra o absolutismo.


A primeira constituição portuguesa, datada de 23 de setembro de 1822, surge por
efeito da revolução de 1820.

• Porém, antes disso, ocorreu, em 1807, uma “Súplica” de uma constituição de um rei
constitucional dirigida ao Imperador francês em nome de uma “Junta de três estados
do Reino”. Baseada na Constituição francesa de 1799, contudo, a suplicação não
teve seguimento.

• Com a Constituição de 1822, não se pretendia propriamente derrubar a monarquia.


Pelo contrário, o que a maior parte dos revolucionários desejava era que o Rei, D.
João VI, que tinha ido para o Brasil, regressasse a Portugal e reassumisse o poder,
expulsando os ingleses que cada vez mais se iam apoderando desse mesmo poder,
e, por outro lado, pondo fim ao descalabro económico do país.

34
1º ano de Direito Direito Constitucional CAD

• Assim, o que se pretendeu foi instaurar uma monarquia constitucional, isto é, um


regime baseado na separação dos poderes e no governo representativo, em que o
monarca deve partilhar alguns dos seus poderes com o parlamento e, para além
disso, deve exercer apenas os poderes que a Constituição lhe atribui e nos exatos
termos nela regulados.

5.2.2. Procedimento constituinte:

• Esta Constituição foi elaborada e aprovada pelas Cortes Gerais Extraordinárias e


Constituintes da Nação Portuguesa eleitas para o efeito. O monarca, regressado do
Brasil, teve de aceitar e jurar o texto constitucional que lhe foi submetido.

• Tratou-se, portanto, de um procedimento constituinte representativo ou indireto,


levado a cabo por uma assembleia constituinte soberana, isto é, por uma assembleia
com poderes não só para elaborar, mas, também, para aprovar a constituição.

O processo constituinte teve duas fases:

1. Em março de 1821 foram definidas e aprovadas pelas Cortes as “Bases da


Constituição”. Estas Bases, juradas pelo Rei, serviriam, posteriormente, de
documento de orientação para o trabalho subsequente das Cortes Constituintes.

2. Posteriormente, foram elaborados pelas Cortes os preceitos constitucionais que


seriam reunidos num documento único, a Constituição, novamente jurada pelo Rei.

5.2.3. Principais influências recebidas:


• A Constituição espanhola de Cádis de 1812, também ela precedida por uma
revolução liberal, constitui a principal fonte de inspiração da Constituição
portuguesa de 1822.

• Essa mesma constituição, por sua vez, inspirou-se nas constituições francesas de
1791 e 1795. Assim sendo, a nossa primeira constituição acabou por conservar
algumas das ideias liberais oriundas de França, nomeadamente a separação de
poderes, a soberania nacional, o regime representativo e o reconhecimento dos
direitos e deveres individuais.

5.2.4. Os direitos fundamentais:


• A Constituição de 1822 consagra uma série de direitos e deveres que se encontram
enunciados no título I, nos 19 primeiros artigos da Constituição, transparecendo,
desta forma, a importância atribuída a esta matéria.

Os principais traços característicos neste domínio são:

35
1º ano de Direito Direito Constitucional CAD

• O reconhecimento dos principais direitos e liberdades individuais: o direito à


liberdade, o direito de propriedade, o direito à segurança;

• O peso considerável dado às garantias das liberdades, nomeadamente as garantias


na esfera penal;

• A distinção estabelecida entre direitos individuais e “direitos da Nação”;

• A ausência dos atuais direitos económicos, sociais e culturais, direitos esses que
exigem prestações do Estado;

• A conivência com a escravatura em mais de um preceito, contrariando, assim, as


conceções cristãs e liberais que a inspiraram.

5.2.5. A organização do poder político


5.2.5.1. Os princípios inspiradores fundamentais:

a) Princípio da soberania nacional (arts. 26º e 27º):


• O poder soberano pertence à Nação e já não ao monarca. Assim, o monarca deixa
de ser o titular do poder soberano e passa a ser um simples representante da Nação,
exercendo uma parte do poder em nome dela.

b) Princípio representativo (arts. 26º, 27º, 32º, 94º ):


• Sendo a Nação uma entidade abstrata, é necessário que o poder de que ela é titular
seja exercido, em nome dela, por representantes legalmente eleitos.

c) Princípio da separação de poderes (art. 30º):

• O legislador constituinte de 1822 optou pela trilogia clássica de Montesquieu: poder


legislativo, poder executivo e poder judicial.

• O poder legislativo cabia, fundamentalmente, às Cortes, concebidas como uma


assembleia legislativa unicameral. Apesar de o texto constitucional fazer referência
à “sanção” real das leis, logo dá a entender que a sua recusa mais não era do que de
um simples veto político suspensivo. As Cortes tinham, ainda, competências
políticas.

• O poder executivo foi confiado ao monarca, assistido por um Conselho de Estado,


concentrando-se nele, embora com alguns limites, a totalidade deste poder. O
monarca possuía poderes típicos de um chefe de Estado, mas, também, poderes
típicos de um chefe do Executivo. No exercício destes últimos poderes, ele era
auxiliado por Secretários de Estado.

36
1º ano de Direito Direito Constitucional CAD

• Finalmente, o poder judicial competia aos tribunais.

• De salientar a proibição de interferência do poder executivo no poder legislativo,


não podendo o monarca dissolver as Cortes, e no poder judicial.

5.2.5.2. Forma de Estado:


• A Constituição de 1822 adotou, como forma de Estado, a monarquia constitucional
hereditária.

5.2.5.3. Caracterização genérica do sistema de governo:

• A Constituição de 1822 optou por uma combinação atípica dos princípios


monárquico, da soberania nacional e representativo, combinação essa caracterizada
por uma partilha de poderes, bastante rígida, entre as Cortes e o monarca.

• Não se trata de um sistema parlamentar, faltando, para tal, um elemento


fundamental que é, precisamente, a responsabilidade política do executivo perante
o parlamento. Os Secretários de Estado são responsáveis perante as Cortes, mas
trata-se de uma simples responsabilidade jurídico-penal, sendo no mais
independentes delas. Em contrapartida, o Rei também não podia dissolver o
Parlamento. A forma de governo estava, portanto mais próxima do presidencialismo
norte-americano, de separação estrita dos poderes legislativo e executivo.

5.2.6. A vida da Constituição de 1822:

• A Constituição de 1822 teve dois períodos de vigência, um imediatamente


subsequente à sua aprovação, outro a seguir à sua restauração decretada pela
Revolução setembrista de 1836:

➢ de 1822 a 1823;
➢ de 1836 a 1838.

• Ambos os períodos foram breves, não tendo a Constituição chegado a funcionar


verdadeiramente. No primeiro período, ela cedeu ao triunfo da contrarrevolução
absolutista. No segundo, ela vigorou transitoriamente enquanto não era aprovada a
Constituição de 1838.

5.3. A Carta Constitucional de 1826


5.3.1. Contexto histórico-político:

• A revolução de 1823 denominada Vila-Francada, chefiada pelo Infante D. Miguel foi


de sinal contrário à revolução de 1820. D. Miguel era um absolutista e, portanto,
pretendia a restauração do regime anterior à revolução de 1820.

• No entanto, as sementes do liberalismo tinham sido lançadas pela revolução de


1820, pelo que D. João VI preferiu adotar uma via mais realista e moderada,

37
1º ano de Direito Direito Constitucional CAD

prometendo ao país a elaboração de uma Carta Constitucional para substituir a


Constituição de 1822, demasiado radical para o monarca. Chegou a haver um
projeto oficial da Carta Constitucional, mas o certo é que ele nunca foi posto em
prática.

• Desta forma, quando D. João VI morreu, o filho primogénito, D. Pedro, na altura


Imperador do Brasil, era simultaneamente o príncipe real de Portugal e, por isso, a
regência aclamou o Imperador do Brasil como Rei de Portugal.

• Porém, D. Pedro optou por abdicar do trono português a favor da sua filha Maria da
Glória, que era ainda criança. Impôs, por isso, algumas condições: uma delas que ela
casasse com o seu tio D. Miguel e, outra condição, que a Carta Constitucional fosse
posta em vigor.

• Importa sublinhar que D. Pedro IV abdicou do trono português após ter assinado a
Carta Constitucional, que foi redigida no Rio de Janeiro, sendo lá impressa e assinada
(29 de abril de 1826), posteriormente remetida para Lisboa.

5.3.2. Procedimento constituinte:

• A Carta Constitucional foi concedida à Nação pelo monarca, D. Pedro IV. Tratou-se,
pois, de um procedimento constituinte monárquico.

• Tratava-se de uma forma de os monarcas afirmarem a sua própria soberania,


distinguindo os textos constitucionais, por eles elaborados de acordo com a sua
própria vontade, daquelas constituições que contavam com a participação, ou pelo
menos com o consentimento, da Nação.

5.3.3. Principais influências recebidas:


• A Carta é uma constituição muito mais conservadora do que a Constituição de 1822.

• A principal fonte de inspiração foi a Carta constitucional brasileira de 1824, também


emitida por D. Pedro. Através da constituição brasileira, a nossa constituição acabou,
igualmente, por receber influências da Carta Constitucional francesa de 1814.

• Como exemplos dessas influências, aponta-se a consagração da sanção real das leis
e a existência de uma Câmara dos Pares, com membros hereditários e vitalícios
nomeados pelo monarca. Sendo, ainda, de realçar a previsão de um “poder
moderador” atribuído ao Rei, que acumulava com a chefia do poder executivo.

5.3.4. Direitos fundamentais:


• Os direitos dos cidadãos foram, nesta Carta, relegados para um único e último artigo
do texto constitucional. Neste preceito estavam previstos os direitos tipicamente
liberais, oriundos da constituição “vintista”, lado a lado com novos direitos,
liberdades e garantias, tais como a liberdade de deslocação e emigração, a garantia
da não retroatividade das leis, liberdade de trabalho e empresa, entre outros.

38
1º ano de Direito Direito Constitucional CAD

• Deve ainda mencionar-se a consagração de direitos e garantias da nobreza e da


burguesia.

5.3.5. Organização do poder político


5.3.5.1. Os princípios inspiradores fundamentais:

a) Princípio monárquico (art. 4º):


• O monarca passa a ser o titular e detentor do poder soberano, aceitando, contudo,
ceder parte do seu poder, comprometendo-se, por outro lado, a exercer o poder
que lhe cabe de acordo com os esquemas constitucionais.

b) Princípio representativo (art. 4º):


• A Carta optou por um regime representativo, sem qualquer intervenção direta do
povo na condução da vida política do país.

c) Princípio da separação de poderes (art. 10º):


• A grande novidade introduzida pelo texto constitucional de 1826 foi a consagração
de um quarto poder, o denominado poder moderador. Este novo poder foi atribuído
ao monarca. E compreende, entre outras faculdades, a de nomear os Pares, a de
sancionar os decretos das Cortes, a de dissolver a câmara dos deputados e a de
nomear e de demitir os ministros.

• Relativamente ao poder legislativo, este foi atribuído às Cortes. Trata-se de uma


assembleia legislativa bicameral, composta pela Câmara dos Deputados,
correspondendo esta a uma câmara eletiva, cujos membros eram escolhidos por
meio de sufrágio censitário e indireto; e pela Câmara dos Pares, que, por sua vez,
era uma câmara composta por membros hereditários, presentes por direito próprio,
e por membros vitalícios nomeados pelo rei.

• O poder executivo pertence ao monarca. Aqui surgem os Ministros de Estado, que


exercem o poder executivo em nome do Rei. Desta forma, os atos do Rei, como
titular do poder executivo, carecem de referenda dos Ministros.

• O poder judicial compete, por último, aos tribunais.

5.3.5.2. Forma de Estado:


• Foi adotada, como forma de Estado, a monarquia hereditária.

5.3.5.3. Caracterização genérica do sistema de governo:


• A Carta de 1826 optou por uma combinação dos princípios monárquico e
representativo.

• Em 1822 havia um regime fortemente representativo. O poder soberano pertencia


à Nação e era exercido pelos seus representantes, as Cortes Gerais e o monarca.

• Por outro lado, a Carta Constitucional é uma forma política mista, combinando-se
uma monarquia limitada com uma monarquia representativa. Apesar de se declarar

39
1º ano de Direito Direito Constitucional CAD

que o Rei era um representante da Nação, juntamente com as Cortes Gerais, ele era
mais do que isso, porque detinha a titularidade do poder soberano. Não era, porém,
uma concentração total, uma vez que as Cortes Gerais também dispunham de alguns
poderes, nomeadamente o poder de revisão constitucional e o poder legislativo.

• Com o tempo, acentua-se a estrutura mista do regime, com a perda progressiva de


poderes por parte do Rei e o reforço dos poderes das Cortes. Evoluiu-se, assim, de
uma monarquia representativa para um regime parlamentar dualista, em que o
executivo era responsável, em simultâneo, perante as Cortes e perante o Rei.

5.3.6. Vida e revisões da Carta Constitucional


a) Vigência:
• A Carta Constitucional de 1826 teve formalmente três períodos de vigência (1826 a
1828, 1834 a 1836 e 1842 a 1911), mas político-constitucionalmente podemos
assinalar cinco períodos. Assim:

1. de 1826 a 1828: usurpação de D. Miguel, regresso ao pré-constitucionalismo e


guerra civil;

2. de 1834 a 1836: termo da guerra civil, Convenção Évora-Monte;

3. de 1842 a 1911: golpe de Consta Cabral até à Implantação da República. Esta período
pode ser subdivido nos seguintes:

1. de 1842 a 1851: restabelecimento da Carta e início da sua longa vigência de


décadas;

2. de 1851 a 1891: período de maturidade e estabilidade do cartismo


constitucional;

3. de 1891 a 1910: declínio da legitimidade política da Carta e do liberalismo


cartista.

b) Revisões constitucionais:
• A Carta Constitucional voltou a ser colocada em vigor depois de 1842, após o fim da
Constituição setembrista de 1838, vindo a manter-se em vigor até ao fim da
monarquia. Durante esse longo período, a Carta sofreu várias alterações, que foram
atenuando os seus traços mais conservadores.

• 1852: eleição direta dos deputados, atenuação do sufrágio censitário, comissões


parlamentares de inquérito, abolição da pena de morte para crimes políticos;

• 1885: legislatura de três anos; eletividade de uma parte dos Pares, direito de
reunião, limitação do poder de dissolução parlamentar pelo rei;

• 1895: Revisão por decreto ditatorial, posteriormente ratificado por lei de 1896:
eliminação dos pares eletivos, supressão das limitações ao poder de dissolução;

40
1º ano de Direito Direito Constitucional CAD

• 1907: Eliminação do número fixo de pares vitalícios.

5.4. A Constituição de 1838


5.4.1. Contexto histórico-político:
• A Carta Constitucional vigorou somente até 1828, no seu primeiro período de
vigência, terminando com a restauração absolutista por D. Miguel. De 1828 a 1834
verifica-se um novo período de interrupção do regime constitucional, culminando
com uma guerra civil entre 1832 a 1834, entre liberais e absolutistas (partidários de
D. Miguel). Com a vitória dos liberais é restaurada a Carta Constitucional,
correspondendo ao seu segundo período de vigência.

• A Revolução de setembro de 1836, desencadeada pela ala liberal mais progressista,


marca o auge das lutas entre os “vintistas”, mais radicais e democratas e, portanto,
defensores da Constituição de 1822, e os “cartistas”, mais conservadores e,
portanto, defensores da Carta Constitucional.

• Foi, então, derrubado o Governo conservador e a oposição democrática chegou ao


poder. É reposta em vigor a Constituição de 1822. Sendo imediatamente eleita uma
assembleia constituinte, que viria a aprovar a Constituição de 1838.

5.4.2. Procedimento constituinte:


• A Constituição de 1838 foi elaborada por uma assembleia constituinte eleita pelo
povo: as Cortes Gerais Extraordinárias e Constituintes.

• Inicialmente pretendia-se apenas que as Cortes revissem a Constituição de 1822.


Posteriormente, porém, ser-lhe-iam concedidos poderes constituintes para elaborar
uma nova constituição. Depois de discutida e votada nas Cortes, ela foi submetida à
aprovação da Rainha D. Maria II, que a aceitou e jurou.

• A realização do texto constitucional seria, assim, o produto de uma cooperação


entre as Cortes e o monarca, resultando, pois, de um concurso de duas vontades, a
real e a parlamentar.

• Assim sendo, poder-se-á afirmar que foi utilizado um procedimento constituinte


misto representativo-monárquico ou um procedimento constituinte representativo
ou indireto.

5.4.3. Principais influências recebidas:


• A nova Constituição é, essencialmente, um compromisso entre as duas que a
antecederam. Menos radical do que a de 1820, menos conservadora do que a Carta
de 1826. Face a isto pode afirmar-se que a Constituição de 1838 foi influenciada por
estas duas constituições portuguesas.

• Da Constituição de 1822 conservou-se, fundamentalmente, a teoria da soberania


nacional, a inexistência do poder moderador e o sufrágio direto na eleição dos
deputados.

41
1º ano de Direito Direito Constitucional CAD

• Da Carta Constitucional de 1826 manteve-se, fundamentalmente, o bicameralismo


do parlamento e a vastidão dos poderes do monarca.

• Influenciaram, ainda, esta Constituição a Carta Constitucional francesa de 1830, a


Constituição belga de 1831 e a Constituição espanhola de 1837.

5.4.4. Direitos fundamentais:

• Os direitos e liberdades voltam a estar enunciados num compartimento próprio, no


início da Constituição, tal como na Constituição de 1822.

• Como aspetos essenciais neste particular domínio verifica-se um maior equilíbrio


entre as liberdades e as respetivas garantias e, ainda, a circunstância de, neste novo
texto constitucional, figurarem novos direitos e liberdades, nomeadamente as
liberdades de reunião e de associação.

5.4.5. No domínio da organização do poder político


5.4.5.1. Os principais princípios orientadores:
a) Princípio da soberania nacional (art. 33º):
• No plano da fundamentação da legitimidade do poder soberano, dá-se a
substituição da teoria da soberania monárquica que inspirou a Carta Constitucional,
pela teoria da soberania da Nação.

b) Princípio representativo (art. 4º):


• Afirma-se o carácter representativo das instituições. Sendo os seus principais
representantes o parlamento e o monarca.

c) Princípio da independência ou separação dos poderes (art. 35º):


• Constata-se a adoção da tripartição clássica de poderes: o poder legislativo, o poder
executivo e o poder judicial.

• O poder legislativo era exercido pelas Cortes, as quais foram instituídas como um
parlamento bicameral, havendo a Câmara dos Deputados e a Câmara dos Senadores.

• O poder executivo foi atribuído ao monarca que o exercia através dos seus Ministros
e Secretários de Estado. Enquanto chefe do Executivo, o rei dispunha, entre outros,
dos seguintes poderes:

a) Poder de sancionar e promulgar as leis, exceto as de revisão constitucional;

b) Poder de dissolver a Câmara dos Deputados, quando assim o exigir a salvação do


Estado;

• Por último, existia o poder judicial que era atribuído aos tribunais.

42
1º ano de Direito Direito Constitucional CAD

5.4.5.2. Forma de Estado:


• Uma vez mais, é escolhida a forma de Estado monárquica-hereditária, na sua
modalidade de monarquia constitucional ou limitada.

5.4.5.3. Caracterização genérica do sistema de governo


• A forma de Estado é ainda a monárquica; mas, no referente à governação
propriamente dita, os poderes estão cada vez mais concentrados no parlamento,
com o consequente apagamento político do Rei.

• Encontra-se, pois, um regime político misto, com uma tendência parlamentar


bastante forte. Podendo, assim, caracterizar-se o regime como um parlamentarismo
dualista ou orleanista.

5.4.6. Vida da Constituição de 1838:


• A vigência da Constituição de 1838 foi de curta duração, terminando subitamente
em 1842, com o golpe de Estado de Costa Cabral, restaurando a Carta Constitucional.

5.5. A Constituição de 1911


5.5.1. Contexto histórico-político:
• A crise da Monarquia desencadeia-se no final do século XIX, dando lugar ao
nascimento do Partido Republicano.

• Vários foram os acontecimentos histórico-políticos que provocaram a decadência do


regime monárquico, destacando-se o Ultimato inglês de 1890, a crise económica e
financeira, a desagregação dos partidos monárquicos com sucessivas divergências,
a conivência régia com a repressão do “franquismo” e o regicídio em 1908.

• A primeira tentativa de revolução republicana teve lugar a 31 de janeiro de 1891, no


Porto. No entanto, a implantação da República só ocorreu na sequência da
Revolução de 5 de outubro de 1910.

• Com o fim do constitucionalismo monárquico, o constitucionalismo republicano


inicia-se com a eleição de uma assembleia constituinte e a consequente elaboração
da Constituição de 1911.

5.5.2. Procedimento constituinte:


• Foi empregue um procedimento constituinte representativo ou indireto. A
Constituição de 1911 foi elaborada e aprovada por uma assembleia constituinte
eleita pelo povo: a Assembleia Nacional Constituinte. Esta assembleia constituinte
soberana, para além de elaborar o texto constitucional, também o aprovou a 21 de
agosto de 1911.

5.5.3. Principais influências recebidas:

43
1º ano de Direito Direito Constitucional CAD

• As Constituições republicanas suíça e brasileira são referenciadas como as principais


fontes de inspiração do primeiro texto constitucional republicano.

• Da Constituição suíça de 1891 conservou-se a impossibilidade de dissolução das


câmaras pelo Presidente da República e o referendo local. Por sua vez, da
Constituição brasileira de 1891 reteve-se a fiscalização judicial da
constitucionalidade das leis, o habeas corpus, a equiparação de direitos entre
portugueses e estrangeiros, etc.

• Observa-se, ainda, influências das leis constitucionais francesas de 1875.

5.5.4. Direitos fundamentais:


• A nossa primeira constituição republicana possui um catálogo de direitos
fundamentais ainda muito marcado pelo individualismo liberal.

• Encontra-se, por um lado, a consagração da proibição da pena de morte, do direito


de habeas corpus, da liberdade de religião e culto. Por outro lado, é instituído um
igualitarismo jurídico-político, com a consequente extinção dos títulos
nobiliárquicos.

• Apesar do impulso presente no ideário republicano, constata-se uma presença


muito modesta dos direitos sociais, que foram reduzidos à obrigatoriedade e à
gratuidade do ensino primário elementar.

5.5.5. Organização do poder político


5.5.5.1. Princípios orientadores:
1. Princípio republicano (art. 1º):
• Derrubada a monarquia, a adoção do regime republicano constitui uma sequência
lógica. A legitimidade republicana baseia-se na igualdade política, na
temporariedade dos mandatos políticos e na responsabilidade de todos os cargos
políticos, na rejeição de títulos nobiliárquicos. Associados a estes valores encontra-
se, ainda, o princípio do Estado laico.

2. Princípio da soberania nacional (art. 5º):


• O texto constitucional de 1911 reconhece o princípio da soberania nacional, embora
a entidade “Nação” seja cada vez menos entendida no sentido liberal-burguês e cada
vez mais num sentido democrático.

3. Princípio representativo:
• A opção por um regime representativo resulta clara do primeiro texto constitucional
republicano.

4. Princípio da separação de poderes (art. 6º):

44
1º ano de Direito Direito Constitucional CAD

• O poder legislativo acha-se atribuído ao parlamento, designado de “Congresso”.


Trata-se de um parlamento bicameral, composto pela Câmara dos Deputados e pelo
Senado, ambos eleitos diretamente.

• Para além das competências legislativas, as câmaras dispunham, ainda, de outras


funções, nomeadamente funções eleitorais e o controlo político do Ministério.

• O poder executivo é partilhado pelo presidente da República e pelos Ministros.

• Por ultimo, o poder judicial encontra-se atribuído aos tribunais.

5.5.5.2. Forma de Estado:


• A Constituição de 1911 reconhece a forma de Estado republicana, vista como a única
compatível com uma conceção democrática da organização política da sociedade.

5.5.5.3. Apreciação genérica do sistema de governo:


• Quanto à forma de governo, poder-se-á falar de um parlamentarismo atípico.
Procurou-se, assim, realizar um equilíbrio entre o parlamentarismo monista e o
parlamentarismo de assembleia.

5.5.6. Vida e revisões da Constituição de 1911:


• A Constituição de 1911 passou por três períodos, delimitados pelo Golpe de Estado
de Sidónio Pais e pelo seu governo.

• Com a reforma de 1918 foi prevista a eleição direta do Presidente da República,


alterando a forma de governo num sentido presidencialista. No entanto, esta
reforma foi de curta duração e em breve foi restaurada a Constituição e retornou-se
ao sufrágio indireto. Importa destacar que a Constituição foi ainda objeto de outras
revisões.

• A vida política da I República foi muito atribulada, com uma grande instabilidade
governativa e numerosas manifestações de violência política.

5.6. A Constituição de 1933


5.6.1. Contexto histórico-político:
• A revolução de 28 de maio de 1926 deu início a um período de Ditadura militar, que
durou até 1933.

• O principal objetivo era o de pôr termo à grande instabilidade política que marcou a
I República, em especial, a frequência das crises ministeriais.

• A indisciplina partidária e também parlamentar influenciou o novo regime saído da


revolução de 1926, o qual preconizava um executivo forte e a reforma dos partidos.

• Porém, a tentativa de corrigir a República deu lugar a um projeto mais ambicioso,


tendente a pôr fim à República parlamentar e a instituir um regime conservador

45
1º ano de Direito Direito Constitucional CAD

autoritário. Posto isto, as liberdades foram suspensas, a censura à imprensa foi


consolidada, os partidos políticos da República foram proibidos e os seus dirigentes
lançados no exílio, as ações contra a Ditadura foram severamente reprimidas.

• Nesse sentido, Salazar elaborava e submetia diretamente a plebiscito nacional


aquilo que veio a ser a Constituição do Estado Novo.

5.6.2. Procedimento Constituinte:


• Optou-se por um procedimento constituinte direto. Desta forma, foi criado um
Conselho Político Nacional ao qual competia apreciar os projetos de constituição que
fossem apresentados. No entanto, a sua atenção incidiu sobre o projeto de Salazar.

• Apreciado e aceito pelo referido Conselho Nacional, em seguida publicitado nos


jornais, o projeto de constituição foi submetido a uma consulta popular. De acordo
com os resultados oficiais, a maioria dos portugueses com direito de voto, aceitou o
projeto. Com a data oficial de 11 de abril de 1933, a Constituição entrou em vigor a
23 de setembro de 1933.

5.6.3. Principais influências recebidas:


• Notam-se algumas influências estrangeiras, designadamente da Constituição
imperial alemã de 1875, da Constituição de Weimar e do fascismo italiano. Contudo,
as raízes maiores desta Constituição encontram-se tanto na Carta Constitucional de
1926, como na Constituição de 1911.

5.6.4. Direitos fundamentais:


• Os direitos fundamentais foram quase todos condensados num único preceito. As
leis reguladoras encarregaram-se de eliminar alguns dos direitos mais importantes,
implementando, por outro lado, a censura prévia à imprensa, a autorização
administrativa para reuniões e manifestações, entre outras limitações.

• Menção especial merecem os partidos políticos. A verdade é que a Constituição de


1933 não proibia expressamente a existência de partidos políticos. No entanto,
tendo em consideração a hostilidade do Estado Novo e Salazar relativamente aos
partidos políticos, era fácil adivinhar que a necessária autorização administrativa
para a criação de um partido não seria facilmente concebida, em favor de um regime
de partido único e de repressão da oposição. Praticamente há a registar a existência
da União Nacional e da Ação Nacional Popular como organização oficiosa do regime.

5.6.5. Organização do poder político


5.6.5.1. Os principais princípios orientadores:
a) Princípio da soberania nacional (art. 71.º):
• De acordo com a ideologia nacionalista, a Constituição de 1933 acentuava
especialmente o princípio da soberania nacional faze ao exterior. Os elementos
estruturais da Nação incluíam, sobretudo, as famílias, as organizações sociais e os
organismos corporativos.

46
1º ano de Direito Direito Constitucional CAD

b) Princípio republicano:
• A Constituição do Estado Novo manteve fidelidade ao princípio republicano, sendo
o chefe de Estado um presidente da República, diretamente eleito. Todavia, a maior
parte dos princípios republicanos originários foram afastados ou altamente
restringidos.

c) Princípio corporativo:
• Portugal era uma república corporativa o que significa que a Nação não assentava
apenas nos indivíduos, mas, também, numa série de “corpos intermédios” dos quais
se destacam a família, a Igreja e as autarquias locais, bem como os organismos
corporativos propriamente ditos.

d) Principio da separação de poderes:


• O texto constitucional de 1933 não faz referência expressa ao principio da separação
de poderes, apenas mencionando a existência de órgãos de soberania.

• Inicialmente, o poder legislativo foi confiado à Assembleia Nacional, concebida como


um parlamento de base eletiva. Contudo, o Governo gozava, desde o início, da
faculdade de emitir legislação quando a Assembleia não se encontrasse reunida, ou
em casos de emergência. Por este motivo, o Governo, em breve, tornou-se o órgão
legislativo quase exclusivo.

• Para além de fazer as leis, a Assembleia Nacional possuía outro tipo de


competências, como fossem as de aprovar convenções internacionais, de autorizar
o Governo a cobrar as receitas do Estado e a pagar as despesas públicas, de deliberar
sobre a revisão constitucional decorridos 10 anos sobre a última revisão.

• O poder executivo foi atribuído ao Governo, órgão colegial composto pelo


Presidente do Conselho e seus Ministros. O Presidente do Conselho era nomeado
livremente pelo Presidente da República e só era responsável perante ele, sendo o
Governo independente de votações da Assembleia Nacional.

5.6.5.2. Forma de Estado:


• Apesar do forte apoio dos círculos monárquicos ao Estado Novo, a forma de Estado
republicana não foi posta em causa. Mas trata-se de uma República corporativa,
fortemente intervencionista, nacionalista e autoritária, anti-individualista,
antiliberal e antiparlamentarista.

5.6.5.3. Caracterização genérica do sistema político:


• Inicialmente, o sistema de governo podia ser classificado como um presidencialismo
atípico, ou seja, como um regime próximo do sistema presidencial, mas que
apresentava algumas distorções por comparação com este último.

• Por força das sucessivas revisões constitucionais, caminhou-se, progressivamente,


para um modelo de governação que Marcello Caetano designou de Presidencialismo
de Primeiro-Ministro. Isto é, transitou-se de um regime caracterizado,

47
1º ano de Direito Direito Constitucional CAD

simultaneamente, pelo apagamento político do Chefe de Estado e do parlamento e


pelo protagonismo do chefe do executivo.

• A degradação da posição do Presidente da República foi reforçada pela mudança do


sistema de eleição que passou a ser feita por via de um colégio eleitoral.

5.6.6. Vida e revisões da Constituição de 1933:


Na longa vigência da Constituição de 1933 podem demarcar-se várias fases:
a) 1933 – 1945: fase triunfante do Estado Novo e consolidação autoritária das suas
instituições;

b) 1945 – 1959: fase de estabilidade;

c) 1959 – 1969: decadência e enfraquecimento;

d) 1969 -1974: fase final do estado Novo, sob a governação de Marcello Caetano.

• A Constituição de 1933 sofreu várias revisões.

• Caracterizado pela excecional estabilidade, derivada do sistema autoritário, da


ausência de liberdades e da proibição dos partidos políticos, o Estado Novo não tinha
verdadeiras eleições, sempre ganhas, aliás, pelos candidatos da União
Nacional/Ação Nacional Popular.

• No fundo, o Estado Novo acabou por ser essencialmente caracterizado pela longa
ditadura pessoal do Chefe do Governo.

48

Você também pode gostar