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Para que serve uma Constituição?

Por Ivan Almeida

No atual cenário político brasileiro, muito se tem ouvido falar em constituição, mas será que todos
têm em mente o que realmente é uma constituição e para que ela serve? Neste pequeno artigo, vamos
explicar isso de forma clara e objetiva. Além disso, vamos apresentar um breve histórico das constituições
passadas e mostrar os marcos da nossa atual Constituição.
O que é e para que serve a constituição?
A expressão “constituição” possui diversos significados no dicionário da língua portuguesa, dentre
eles podemos citar: “1. Ação, processo ou efeito de constituir, de formar um conjunto; formação,
organização.”; “2. Conjunto de elementos que constituem um todo; composição.”; “3. Conjunto das
características de um corpo quanto a sua estrutura biológica; compleição (corporal), física.”.
Tais conceitos, embora distintos, exprimem uma mesma ideia, qual seja, o modo de ser de alguma
coisa ou a organização interna de seres e entidades, a constituição de um condomínio ou a constituição de
uma sociedade, por exemplo.
Por essa razão, é que é possível afirmar que todo Estado (país) tem uma constituição, que em
termos bem simples é o modo de ser do Estado. Nesse sentido, a constituição do Estado é considerada a
sua lei fundamental, uma vez que nela se encontram a organização dos seus elementos essenciais.
Para o jurista José Afonso da Silva, constituição é definida como “…um sistema de normas jurídicas,
escritas ou costumeiras, que regula a forma do Estado, a forma de seu governo, o modo de aquisição e o
exercício do poder, o estabelecimento de seus órgãos, os limites de sua ação, os direitos fundamentais do
homem e as respectivas garantias. Em síntese, a constituição é o conjunto de normas que organiza
os elementos constitutivos do Estado“.
No entanto, de acordo com o constitucionalista, esse conceito é parcial, porque está desvinculado da
realidade social, devendo ser o termo entendido como uma estrutura normativa, uma conexão de
sentido, que envolve um conjunto de valores.
E quando o assunto é em que sentido que se deve entender a constituição, isto é, se no sentido
sociológico, no político ou no puramente jurídico, a doutrina (conjunto básico de ideias e princípios do
Direito, traduzidas nas posições dos juristas sobre temas relevantes) é bastante divergente.
Para Ferdinand Lassale, a constituição deve ser entendida no sentido sociológico, de modo que a
constituição de um país é a soma dos fatores reais do poder que ali estão presentes. Esta é a
constituição real e efetiva, não passando a constituição escrita de um pedaço de papel.
Já outros estudiosos, como Carl Schmitt, entendem que a constituição deve ser entendida sob o
aspecto político, defendendo a ideia de que constituição é a decisão política fundamental, uma escolha
concreta construída coletivamente sobre o modo e forma de existência daquele país.
Schmitt faz uma distinção entre a constituição em si e as leis constitucionais, referindo-se a
primeira apenas à decisão dos aspectos políticos essenciais (estrutura e órgãos do Estado, direitos
individuais, vida democrática, etc).
Uma terceira corrente, liderada por Hans Kelsen, entende a constituição apenas no sentido jurídico.
Para o jurista austríaco, ela deve ser considerada, de forma simplificada, tão somente um dever-ser,
dispensando fundamentação sociológica, política ou filosófica.
No entanto, existem outros vários autores que buscam formular um conceito unitário de constituição,
isto é, buscam entende-la em sentido que revele uma conexão de suas normas com a realidade social,
uma vez que certos modos de agir em sociedade fazem surgir os elementos constitucionais que o
legislador deve levar em consideração no momento de elaborar a lei de mais alta hierarquia do sistema
jurídico.
Nesse sentido, segundo ensina José Afonso da Silva, a constituição seria “…algo que tem, como
forma, um complexo de normas (escritas ou costumeiras); como conteúdo, a conduta humana motivada
pelas relações sociais (econômica, políticas, religiosas, etc); como fim, a realização dos valores que
apontam para o existir da comunidade; e, finalmente, como causa criadora e recriadora, o poder que
emana do povo.”
Quantas constituições o Brasil já teve?
Como vimos acima, a constituição é a Lei Maior de um Estado, e serve para estabelecer seu
modo de ser. Vimos também que a constituição deve ter conexão com a realidade social, de forma que o
modo de ser da sociedade deve ser contemplado por ela.
Assim sendo, o surgimento e o fim de uma constituição passa por um processo de ruptura e à
necessidade de se estabelecer uma nova ordem política, econômica ou social.
Por isso, ao longo da história, desde a época do Império o Brasil já teve 7 constituições, que
refletiram realidades sociais distintas, em períodos de alternância entre momentos de maior ou menor
equilíbrio entre o poder do Estado e os direitos fundamentais do cidadão: 1824, 1891, 1934, 1937,
1946, 1967 e 1988.
Vale a ressalva de que alguns historiadores consideram a emenda constitucional nº. 1/1969 como
uma nova constituição.
Constituição de 1824
Da época do Império, a Constituição de 1824 ficou conhecida como a Constituição Política
do Império do Brasil. Ela foi elaborada por um Conselho de Estado e outorgada por Dom Pedro I, em
1824. Até hoje, é a constituição que perdurou por mais tempo – 65 anos – tendo sofrido uma única
emenda constitucional nesse período.
Em seu texto, ficou consagrada a independência do Brasil, proclamada em 7 de setembro de 1822,
dando-se origem à uma “…nação livre e independente, que não admite com qualquer outra laço algum de
união, ou federação, que se oponha à sua independência…“.
Nela, a separação dos Poderes era dividida em quatro: Poder Legislativo, Poder Moderador, Poder
Executivo e Poder Judicial.
Seu principal marco foi a instituição do Poder Moderador. O artigo 98 da Constituição de 1824
nomeava o Imperador como o chefe supremo da nação, acima de quaisquer outros, com caráter
inviolável, sagrado e isento de qualquer responsabilidade.
O Imperador possuía poderes ilimitados para nomear senadores, convocar ou prorrogar assembleias
gerais, extinguir a Câmara dos Deputados e até mesmo suspender os juízes.
O território era dividido em províncias governadas por pessoas indicadas pelo imperado e
os deputados, eleitos de forma indireta e censitária, isto é, sistema no qual o direito ao voto só é concedido
a determinado número de pessoas que cumpram certos requisitos de renda.
A forma de governo instituída era a Monarquia Hereditária, Constitucional e Representativa, com a
adoção do catolicismo como religião oficial do Império, sendo as demais religiões permitidas apenas em
cultos domésticos.
Constituição de 1891
A Constituição de 1891 ficou conhecida como a Constituição Republicana, visto que ela marca o fim
do Império e da Monarquia Hereditária. Em 15 de novembro de 1889, foi assinado o decreto que institui o
Governo Provisório da Nova República, dando início à proclamação da República.
O momento exigia a elaboração de uma nova constituição. Assim, foi implantado o Congresso
Constituinte, que deu início às discussões e à elaboração da nova carta política que veio a ser promulgada
em 24 de fevereiro de 1891, contendo 91 artigos e uma seção de Disposições Transitórias com mais 8
artigos.
Oficialmente denominada como a Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil,
apresentava características mais democráticas, como por exemplo, eleições diretas por maioria absoluta
de votos não secretos para presidente e vice-presidente da República.
Podiam votar os brasileiros natos com mais de 35 anos no exercício dos direitos políticos. A
constituição de 1891 instituiu no Brasil o federalismo, unindo as antigas províncias em Estados Unidos do
Brasil e adotou como forma de governo uma República presidencialista com federalismo como forma de
Estado.
Constituição de 1934
No início da década de trinta, a sociedade se rebelou, já que o então presidente Getúlio
Vargas vinha governando de forma autocrata, por meio de decretos. Contra essa concentração de poder,
ocorreu a Revolução Constitucionalista de 1932, em São Paulo, que levou à elaboração da constituição
de 1934. Ela reafirmou o compromisso com a República e com o princípio federativo, instituídos pela
constituição anterior. 
A nova carta política é também marcada por grandes avanços, como a criação da Justiça Eleitoral e
da Justiça do Trabalho. Além disso, foi a primeira constituição a estabelecer o voto obrigatório e secreto e
a estender o direito de voto às mulheres. Embora a constituição de 1934 tenha dado largos passos em
direção à democracia, ela durou muito pouco – apenas três anos.
Constituição de 1937
Marcada por instituir o Estado Novo e a ditatura da “Era Vargas”, a constituição de 1937 é conhecida
pela supressão de direitos e garantias. A constituição de 1937 teve como inspiração os regimes
totalitários que vinham ganhando força na Europa no período que antecedeu a Segunda Guerra Mundial.
Alguns exemplos disso, são a instituição da pena de morte no Brasil, supressão das liberdades
individuais e dos partidos políticos. A constituição de 1937 também demonstra o seu totalitarismo ao
concentrar muito poder no Chefe do Executivo, extinguindo a independência dos poderes.
O texto restringia a atuação e as prerrogativas do Congresso Nacional, permitia a perseguição
política aos opositores do governo e estabelecia eleição indireta com mandado fixo de 6 anos para
presidente da República. Apenas com o fim da Segunda Guerra Mundial e a queda dos regimes totalitários
que inspiraram o Estado Novo é que a realidade social no Brasil começou a mudar.
A insatisfação do povo com a concentração dos poderes nas mãos do Chefe do Poder
Executivo, levou à queda do regime Vargas, ocasião em que assumiu o cargo o então presidente
do Supremo Tribunal Federal (STF) com a missão de convocar eleições e uma Assembleia Constituinte
para elaboração de um novo texto constitucional.
Constituição de 1946
A constituição de 1946 marca a retomada da democracia no Brasil, já que trouxe de volta muitos do
princípios da Carta Liberal de 1934. No novo documento, foram reestabelecidos os direitos
individuais, independência e harmonia entre os Poderes, autonomia dos estados e
municípios, pluralidade partidária e eleições diretas para Presidente da República, com mandato de 5
anos.
Além disso, foi extinta a pena de morte, garantiu-se a liberdade de expressão, o direito de
propriedade, a inviolabilidade das correspondências, dentre outras garantias. Uma curiosidade sobre a
constituição de 1946 é que através do chamado Ato Adicional de 1961, após a renúncia do presidente
Jânio Quadros, instituiu-se no Brasil o regime parlamentarista.
No entanto, sua duração foi curta, visto que um plebiscito realizado 1963 reestabeleceu
o presidencialismo. 
Constituição 1967
A constituição de 1967 ficou conhecida como a Constituição do Regime Militar. Isso porque, em
1964, instalou-se no Brasil a Ditadura Militar, ocasião em que o Congresso Nacional foi mantido em
funcionamento, no entanto, com poderes e prerrogativas limitadas, em nome da segurança nacional.
A constituição de 1967, muito embora tenha sido promulgada pelo Congresso Nacional, consolidou o
Regime Militar, tendo como principais características a instituição de um regime autoritário e a reversão
dos princípios democráticos resgatados pela constituição de 1946. Com a concentração de poderes na
União e o seu Poder Executivo, implantou eleições indiretas para presidente da República, através de um
Colégio Eleitoral.
Entre 1964 e 1969 o texto constitucional sofreu diversas modificações por meio de atos
institucionais e atos complementares.
Talvez o mais famoso de todos seja o Ato Institucional nº. 5, de 13 de dezembro de 1968, que
determinou o fechamento do Congresso Nacional, além de extinguir direitos e garantias dos cidadãos,
proibir reuniões, implantar a censura aos meios de comunicação e expressões artísticas, abolir o habeas
corpus para crimes políticos, autorizar intervenção federal em estados e municípios e decretar o estado de
sítio.
Constituição de 1988
A constituição de 1988, atualmente em vigor, é conhecida como Constituição Cidadã.
A partir do governo do general Ernesto Geisel (1974 a 1979), quando editou-se a Lei de Anistia para
os exilados políticos, deu-se início a um processo de abertura política, que ganhou força durante o
governo do general João Figueiredo (1979 a 1985), sendo este o último governo do regime militar.
Em 1987, foi eleita a Assembleia Constituinte que ficou responsável pela elaboração do novo texto
constitucional que iria marcar a transição do Regime Militar para a Nova República depois de mais de 20
anos marcados pela repressão e suspensão de direitos individuais.
A constituição de 1988 é considerada uma das mais modernas e complexas do mundo, possuindo
250 artigos, que contemplam direitos individuais e coletivos, além de consagrar a proteção ao meio
ambiente, à família, aos direitos humanos, à saúde, à cultura, à educação e, de forma inovadora,
consagrou também a ciência e a tecnologia.
Um grande marco do texto constitucional de 1988 é que ele cria mecanismos de autopreservação,
ao estabelecer as chamadas cláusulas pétreas. Isso significa que o texto estabelece a impossibilidade de
emendas constitucionais que visem a abolir o regime federativo, a separação de poderes, os direitos e
garantias individuais e o direito ao voto direto, secreto, universal e periódico. 

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